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Rastros - Revista do Núcleo de Estudos de Comunicação 18 Apontamentos epistemológicos para uma discussão conceitual na pesquisa de recepção – campo da comunicação Resumo O texto apresenta operadores iniciais para a discussão epistemológica de alguns conceitos na pesquisa de recepção. Assim, discutir e re- fletir esses conceitos no campo da comunicação (como disciplina), onde o teórico e metodológi- co se articulam, e avançar na fundamentação da comunicação nos estudos de recepção. As sistemáticas observações realizadas permitem a discussão sobre confusões importantes entre disciplina, objeto de pesquisa e objeto empíri- co. Dessa forma, recuperam-se determinadas inquietações relacionadas aos processos de conhecimento científico e fundamentos do saber metodológico na comunicação. Assinalo, pelo viés epistemológico, algumas linhas (critérios, princípios, idéias) para aprofundar o trabalho científico da pesquisa em comunicação. As linhas de pensamento, observações e leituras apresentadas operacionalizam associações para a discussão e estabelecem caminhos e regula- ridades do fenômeno a ser discutido. 1 - Professor na Faculdade de Comunicação (FAC) – graduação e pós-graduação em Ciências da Comunicação na Universidade de Brasília (UnB). E-mail: [email protected] / [email protected] Pedro Russi-Duarte Palavras-chave: Epistemologia Comunicação Metodologia Objeto de pesquisa Recepção 1

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Apontamentos epistemológicos para uma discussão conceitual na pesquias de recepção. Texto de Pedro Russi Duarte. Segundo artigo da Rastros 9.

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Rastros - Revista do Núcleo de Estudos de Comunicação

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Apontamentos epistemológicos para uma discussão conceitual na pesquisa de recepção – campo da comunicação

Resumo

O texto apresenta operadores iniciais para

a discussão epistemológica de alguns conceitos

na pesquisa de recepção. Assim, discutir e re-

fletir esses conceitos no campo da comunicação

(como disciplina), onde o teórico e metodológi-

co se articulam, e avançar na fundamentação

da comunicação nos estudos de recepção. As

sistemáticas observações realizadas permitem

a discussão sobre confusões importantes entre

disciplina, objeto de pesquisa e objeto empíri-

co. Dessa forma, recuperam-se determinadas

inquietações relacionadas aos processos de

conhecimento científico e fundamentos do saber

metodológico na comunicação. Assinalo, pelo

viés epistemológico, algumas linhas (critérios,

princípios, idéias) para aprofundar o trabalho

científico da pesquisa em comunicação. As

linhas de pensamento, observações e leituras

apresentadas operacionalizam associações para

a discussão e estabelecem caminhos e regula-

ridades do fenômeno a ser discutido.

1 - Professor na Faculdade de Comunicação (FAC) – graduação e pós-graduação em Ciências da Comunicação na Universidade de Brasília (UnB). E-mail: [email protected] / [email protected]

Pedro Russi-Duarte

Palavras-chave:

Epistemologia

Comunicação

Metodologia

Objeto de pesquisa

Recepção

1

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Ano IX - Nº 9 - Agosto 2008

Resumen

Este texto presenta operadores iniciales

para una discusión epistemológica de algunos

conceptos en la investigación de recepción.

De esa forma, poder discutir esos conceptos

en el campo de la comunicación (como disci-

plina) donde lo teórico y lo metodológico son

articulados y avanzan en el fundamento de la

comunicación en los estudios de recepción. Las

observaciones sistemáticas realizadas, permiten

la discusión sobre las confusiones importantes

entre disciplina, objeto de investigación y ob-

jeto empírico. Así se recuperan determinadas

inquietudes relacionadas a los procesos de co-

nocimiento científico y fundamentos del saber

metodológico en la comunicación. Señalo, por

el lado epistemológico, algunas líneas (criterios,

principios, ideas) para profundizar en el trabajo

científico de investigación en comunicación. Las

líneas de pensamiento, observaciones y lecturas

presentadas, permiten articular asociaciones

para la discusión, estableciendo caminos y re-

gularidades del fenómeno a ser discutido.

Palavras-chave:

Epistemología

Comunicación

Metodología

Objeto de investigación

Recepción

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Notas iniciais para entrar na discussão

Proponho-me, neste texto, encaminhar à arena

alguns operadores que venho pensando no decorrer

deste tempo. Posso entender através da epistemologia

semiótica peirceana que tal decisão é provocada porque

a realidade pugna por revelar-se como ela é. Ditos ope-

radores não estão isolados, quer dizer que não começam

nem se esgotam neste artigo. Portanto, peço ao leitor

a generosidade de entender e desafiar a reflexão aqui

articulada. Assim como o xadrez necessita do outro para

ser jogo, neste momento trago algumas provocações

com viés científico, isto é, um touché às idéias que

não querem ser questionadas porque no refúgio do

estabelecido e autoritariamente perpetuado, qualquer

questionamento é perverso ou, até, retrógrado. Assim o

relativismo voa vagarosamente no singular entendimento

de que “vale tudo”, esquecendo, talvez, que “se tudo

vale… todo permanece”.

Nessa linha, em diferentes instâncias científico-

acadêmicas2 paira a idéia de que determinados conceitos

epistemológicos e metodológicos com relação à pesquisa

em comunicação (objeto de pesquisa, objeto empírico,

campo-disciplina, problema de pesquisa, “neutralidade

axiológica”, interdisciplina…) já estão claros ou a dis-

cussão está saldada. Isso acontece também nas espe-

cificidades das pesquisas, por exemplo, de recepção.

Mas, as observações realizadas mostram o contrário;

portanto, incentivam a retomar a discussão para avan-

çar e problematizar as pesquisas de recepção. Daí que

o espírito do texto, bachelardianamente falando, seja o

de acentuar a discussão teórica conceitual sobre alguns

dos processos entendidos importantes na pesquisa de

recepção no campo da comunicação.

Essa consideração permite afastar-nos de um

empirismo e de aplicações de modelos categoricamente

(cegueira involuntária) antagônicos à reflexão epistemo-

lógica e metodológica da pesquisa científica. O empirismo

é obstinado e entende o mundo como fixo e imutável.

Daí que vale destacar o outro extremo, a postura solip-

sista que a tornaria impossível porque torna impossível

qualquer ciência. Portanto, as instâncias de reflexão aqui

propostas distam de ambos os extremos porque visam

avançar, a partir de problematizações, na fecundidade

de novos atos de pesquisa e descobrimentos.

Nesse sentido, pode-se recuperar determinados

pontos com relação aos processos do conhecimento

científico, às fundamentações do saber metodológico nas

pesquisas em comunicação — neste caso, a especifici-

dade de recepção. Destaco campo da comunicação

porque, não são poucas as vezes em que as pesquisas

de recepção adentram em outros campos (antropologia,

sociologia, gênero…) em detrimento da área de comuni-

cação. Entendo isso como “esquecimento” das diferenças

essenciais dos objetos de pesquisa característicos dos

campos disciplinares, deformando-o.

Assim, busca-se problematizar para focalizar o

comunicacional nos fenômenos a serem estudados, pela

relação entre teorias e o desenho de métodos tensio-

nando à enganosa dicotomia entre ambos os conceitos.

A reflexão conceitual permite entender que o método de

abordagem e os métodos de procedimento são escolhas

que devem ser explícitas ao pesquisador, caminhos a

seguir e opções tomadas com relação ao saber da ciência

na qual se encontra. No decorrer do texto, voltarei nesse

ponto essencial do trabalho.

2 - O texto está ancorado a outras reflexões realizadas em congressos, seminários, encontros da área [Compós, Intercom 2007; “I+C: Investigar la Comunicación”], assim como nas discussões em sala de aula (pesquisa em comunicação – graduação e pós-graduação); participação em defesas de graduação e pós-graduação. Além disso, a reflexão sustenta-se na pesquisa que venho desenvolvendo com apoio do CNPq, no PPG em Ciências da Comunicação na UnB, que trata sobre o saber metodológico configurado e dinamizado nas disciplinas comumente denominadas como “métodos, metodologia…”.

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Pretende-se, por conseguinte, levantar alguns

pressupostos básicos de viés epistemológico, que per-

mitam entender as características (critérios, princípios,

idéias) do trabalho científico da pesquisa de recepção

em comunicação. Entenda-se por perspectiva crítica a

possibilidade do que posso chamar de “desconfiança”

intelectual. Isso vai permitir, parafraseando Popper, en-

tender e situar os princípios lógicos da metodologia da

ciência; entender aqueles princípios que são internos e

especificamente relacionados ao conhecimento científico

(os fundamentos lógicos, o método, as classificações, o

objeto), pois de alguma forma temos que começar a fazer

frente à situação crítica do cenário em discussão.

As observações e leituras apresentadas não

querem ser hipóteses, muito pelo contrário: trata-se

de operadores de associações que podem ser estabe-

lecidos através da observação criativa e cotidiana de

regularidades no fenômeno da recepção a ser discutido,

como fundamentos para reflexão. Vale destacar que

as espontaneidades resgatadas pela observação não

exibem menos regularidade do que um memorando

impessoal dentro de instâncias burocráticas, daí que se

tornam importantes como fontes iniciais e indicadoras

que possibilitam a análise científico-teórica dos empreen-

dimentos investigativos que desenhamos nas pesquisas

de recepção.

O intuito deste texto tem base na provocação de

Popper (2006, p. 106), para quem uma das tarefas princi-

pais da crítica científica deve ser a de expor as confusões

de valores e separar as questões puramente científicas

das extracientíficas, isto é, a liberdade e exigência da

vigilância epistemológica.

Nesse sentido, uma aplicação matemática das

observações não pode garantir o rigor reflexivo à si-

tuação, como sim pode a dinâmica de abdução. Esta

perspectiva é inspirada na proposta de Peirce e se refere

a uma forma de raciocínio que nasce da observação de

algum fenômeno que surpreende, de experiências que

frustram, de alguma forma, expectativas. Ato criativo

de levantar conjeturas para pensar sobre um fato e de

possíveis respostas para entendê-lo. Dinâmica que não

deixa de ser e ter uma forma lógica; é instintivo e prin-

cipalmente um processo vivo (PEIRCE apud SANTAELLA,

2001, p.112).

Os pontos para reflexão são escolhas que buscam

diferenciar-se (não se distanciar) de outros processos

também importantes para a discussão teórico-metodo-

lógica da pesquisa de recepção. Porém, não são inse-

ridos neste trabalho, não por isso menos interessantes

e essenciais na reflexão3 pretendida. São processos e

dados significativos porque através dos apontamentos

que venho realizando, como observação consciente,

posso sistematizar e entender o comum e o ordinário

nas discussões sobre o tema em questão.

Acompanho o que diz Weber (2002, p.34):

De qualquer forma, as idéias nos surgem quando não as esperamos e não quando, sentados a nossa mesa de trabalho, cansamos o cérebro a procurá-las. Entretanto, é positivo que elas não nos ocorreriam se, anteriormente, não houvéssemos refletido longamente em nossa mesa de estudos e não houvéssemos, com devoção entusiasmada, buscado uma resposta.

É nessa dinâmica que sustento a possibilidade de

levantar os questionamentos para pensar a discussão

conceitual sobre a interdisciplinaridade, objeto de pes-

quisa/ objeto “real” na pesquisa de recepção; visando

iniciar um processo de inquietações relacionadas ao

princípio de que a pesquisa é um trabalho consciente

3- Por exemplo, refiro-me à aplicação de modelos definidos por outras áreas, não re-desenho de técnicas das técnicas de investigação, não estudo das hipóteses, confusão entre “juízo de valor”, “neutralidade” e “neutralidade axiológica”; não distinção entre o “homem volitivo” e “homem pensante” (weber); recepção – percepção. Destacando alguns.

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dos métodos científicos para progressão do próprio pen-

samento científico. Entendê-lo na dinâmica e articulação

com o saber comunicacional, portanto, com os processos

epistemológicos.

Iniciando os questionamentos

Quando se analisa ou se discute sobre disciplina,

na maior parte das vezes se subentende o significado,

mas isso não permite destacar que se pode estar discu-

tindo sobre bases de significação distintas com relação

aos sentidos do termo. É necessário sempre, em toda

discussão-reflexão, deixar claros os conceitos que são

introduzidos em pauta. Esse ato poupará conflitos inú-

teis e, certamente, pouco produtivos intelectualmente.

Daí que o termo disciplina pode ser compreendido

de formas diversas. Destaco aqui algumas das mais

significativas neste trabalho. Isso permitirá avançar na

distinção entre o instrumentalismo, que é o uso dos

conceitos, e o significar dos conceitos científicos por

parte do pesquisador.

Para Wittgenstein a família de significados

possibilita entender que o significado de um termo é a

associação da família de seus sentidos. O conceito se

associa ao emprego do termo como família de concep-

ções. O conceito é significativo quando, com relação ao

objeto, classifica, agrupa por semelhanças como base

dessa classificação na qual se associa significativamente

àquilo que denomina. Dessa maneira, a classificação

tem por objetivo evidenciar as relações que devem ser

levadas em consideração.

Os conceitos científicos têm a função de indicar

para deixar mais claro aquilo que se está indicando. Se

considerarmos que o significado de todo termo articula-se

como processo para conceituar o objeto, com relação ao

termo disciplina posso distinguir aqui quatro sentidos.

Considero o primeiro deles mais ajustado para a reflexão

proposta.

(1) Saber que configura uma ciência, por definir

um objeto de estudo para contribuir, pelo saber, com o

conhecimento humano.

(2) Ação de dizer alguma coisa a alguém, de

instruir, de educar.

(3) Sistema de ordem-castigo. O exemplo mais

significativo é “vigiar e punir”, de Foucault, que trouxe

uma discussão interessante, porém muitas leituras

reduziram a disciplina nesse conceito. Então toda dis-

cussão foi “estigmatizada” conceitualmente pelo sentido

foucaultiano do termo. O autor não é responsável pelas

apropriações feitas.

(4) Princípios de moral que normalizam os indi-

víduos.

A primeira definição permite tensionar as leituras

realizadas em contra das possibilidades de entender a

comunicação como disciplina. O discurso e repercussões

das epistemologias pós-modernas buscam estigmatizar

como hegemônico e punitivo, através do viés ideológico

de especulações partidárias, todo o que seja uma mínima

busca para compreender as limitações de uma disciplina

(objeto de pesquisa e saber). Dessa forma, utilizam-se

as discussões epistemológicas como base para conflitos

pertinentes à plataforma política, weberianamente fa-

lando. O fato de entender o objeto de pesquisa de uma

disciplina não quer dizer, porque não está em discussão,

o desconhecimento dos outros significados, especialmen-

te o mais inquietante: o de “vigiar e punir”.

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Portanto, ao estudar a recepção não se pode

desconhecer que, como estudo, ancora-se em uma

disciplina (ou ciência) entendida como o conjunto de

conhecimentos sistematizados sobre uma determinada

matéria. Do contrário não se atende à articulação da

tríade: o conteúdo teórico, o campo de atuação e os

procedimentos como formas de atuação. Considerar

a provocação de Poincaré — “a Ciência é construída

a partir de fatos, assim como a casa é construída com

pedras; mas a acumulação de fatos não é uma Ciência

da mesma forma que uma pilha de pedras não é uma

casa” (POINCARÉ, 1988, p.40) —, permite entender

que a ciência não é formada por fatos e sim por idéias.

Sem dúvida, captar a realidade conceitualmente através

do método científico permite estudar cientificamente um

objeto no cerne de um campo determinado. Por meio da

dinâmica de objetivação o objeto passa (pelos recortes da

construção) de empírico para objeto de pesquisa.

Nesse sentido, ao problematizar sobre a pes-

quisa de recepção é necessário entender de antemão

a comunicação como disciplina, inferindo que não é

um adendo a outras disciplinas-ciências; isto é, captar

a estreita e precisa relação entre objeto de pesquisa e

disciplina, já que ambos se desenham e determinam. É

nessa direção que Braga (2004) chama a atenção para a

situação de quando o estudo da comunicação é reunido

com outra disciplina, esta sofre a fagocitose da segunda

(Comunicação e Economia, por exemplo), por ser um

campo de mais tradição e estudo. Chamado de atenção

que permite problematizar a solução — assimilada por

muitos — da interdisciplinaridade porque as conjunções

resultam em um efeito de disseminação para o campo

da comunicação.

Como pano de fundo há discussões entorno ao fato

de que a comunicação é um campo em desenvolvimento,

necessitando das outras áreas para seu desenho. Porém,

quero fortalecer e trazer à superfície a necessidade de

entender o desenho desse campo científico no cenário

da pesquisa de recepção. Nessa linha, Martino apresenta

elementos que permitem entender a problemática, à

luz de notar o desenvolvimento bastante particular do

saber comunicacional com relação a outras disciplinas.

Fato que possibilita aprofundar mais ainda na reflexão

aqui apresentada, ao nos perguntar a cerca do saber

comunicacional na pesquisa sobre recepção.

Ora, o saber comunicacional parece ter se desenvolvido numa direção diferente da de outros saberes e de forma bas-tante curiosa. Enquanto que outras disciplinas tiveram que aguardar um estado de maturidade de sua elaboração teórica para justificar os correlatos desenvolvimentos institucionais (revistas, cadeiras universitárias, faculdades, associações representativas, institutos de pesquisas...), a Comunicação, por sua vez seguiu um caminho inverso, de tal sorte, que as instituições foram criadas antes mesmo deste saber ter alcançado sua maturidade teórica (MARTINO, 2004, p.9).

Note-se a distinção e particularidades entre a

interdependência das ciências-disciplinas por um lado, e

ser adendo de outra disciplina, por outro. Compreendo,

com Peirce (apud SANTAELLA, 1992, p.26) , a interde-

pendência como as relações que uma ciência qualquer

mantém com outras. Significa que, nessas relações, é

preciso entender quanto uma (outra) ciência pode con-

tribuir para o conhecimento, quais as ciências que vão

fornecer princípios às outras, e quais as que fornecem

sugestões e dados a quais outras. Mas, as características

próprias da ciência se mantêm, isto é, o objeto de pes-

quisa guarda as referências e focalização da disciplina

que o estuda. Dessa forma, a relação interdependente

não trabalha na dinâmica que poderia ser chamada “de

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anexar” e sim de reforçar as qualidades particulares das

disciplinas pelo fato da relação não se estabelecer no

nível do objeto de pesquisa.

Nesse caminho, cabe ressaltar uma a atitude na-

tural e espontânea que entende o “mundo em si como

objeto de pesquisa”; parece haver aflito para entender

a importância da escolha epistêmica no metodológico,

instância básica para diferenciar o objeto comum (olha-

do) do objeto científico (construído) e pensar a prática

científica além de uma seqüência de operações de pro-

tocolos sinalizados, estandardizados e automáticos em

operações. Situar a pesquisa científica em um campo

epistêmico é entender a objetividade científica (pro-

cesso de objetivação) para não negligenciar a pesquisa

em proveito de manipulações técnicas extracientíficas,

aplicação de moldes-modelos e, até, nalguns casos de

intuito “terapêutico”.

Avançar na reflexão sobre a pesquisa de recepção

é aceitar a válida provocação de Peirce, a “ciência não se

confunde com o conhecimento acumulado (este é apenas

a resina ou excremento da ciência), mas é aquilo que os

cientistas vivos fazem. É, portanto, um modo peculiar

de ação e de conduta” (SANTAELLA, 1992, p.28). Nesse

sentido, a ciência não é resultado de revelações, nem da

graça de um profeta ou de um visionário que a houvesse

recebido para assegurar o conhecimento, acreditar nisso

será o “sacrifício do intelecto” (WEBER, 2002, p.56).

Anotações conceituais que possibilitam a

discussão e reflexão

Mas do que definir soluções, a intenção é levantar

questões conceituais relacionadas à pesquisa de recep-

ção. Nesse ponto, para avançar na viabilidade e fecun-

didade investigativas deve-se aprofundar e re-discutir

buscando os princípios epistemológicos que permitam

sair do plano das propostas; isto é, saber o que se está

desenhando através do conjunto das pesquisas de re-

cepção. O fato de entrelaçar os desenhos das pesquisas

demanda pensar nas elaborações teórico-metodológicas

que justificam as relações com os desenvolvimentos do

campo da comunicação.

Durkheim no livro “O suicídio”, após apresentar as

principais linhas de sentido para a palavra suicídio, aponta

uma questão importante do saber epistemológico central,

“se definirmos o fato desta maneira, será de interesse

do sociólogo?”; por meio da qual se deve entender a

Sociologia e seu lugar ao lado das outras ciências. Não

poderia ser essa uma das questões centrais que pode-

ríamos fazer ao pensar na comunicação as pesquisas

sobre recepção? Na arquitetura da questão percebe-se a

importância do âmbito disciplinar como saber configurado

e configurador do campo.

Avançada a metade do século XX começa uma

rápida ascensão de uma corrente, mais difícil de delinear,

mas nem por isso menos influente na orientação das

pesquisas e na própria imagem que fazemos de nossos

domínios de conhecimento: o pensamento interdiscipli-

nar. A presença desse domínio de conhecimento, que

não soluciona a discussão sobre o campo, demanda um

sério aprofundamento sobre o campo da comunicação

e especialmente nos estudos de recepção. Embora se

apresente em muitas oportunidades como a solução pelo

simples efeito do entrecruzamento das disciplinas, o que

resulta em uma encruzilhada de linhas gerais que não

respondem às exigências mínimas do próprio objeto de

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pesquisa. Sabendo que o objeto empírico não deve ser

apagado na configuração do objeto de pesquisa, porque

aquele tem que manter a importância como empírico de

observação.

Essa dinâmica denota um cruzamento importante

de interdependência e unidade entre o real e a idéia,

portanto, com base nisso e no que venho apontando

posso perguntar: como se constrói interdisciplinarmente

o objeto de pesquisa de recepção? Uma rápida resposta

será “várias disciplinas analisando”, porém a resposta

conserva como pano de fundo a disciplina, já que cada

uma delas analisa um ponto (ponto de vista) do objeto de

pesquisa; isto é, a particularidade dos campos com seus

saberes correspondentes, específicos e autonomias.

Nesse sentido, é importante o entendimento das

limitações (particularidades das disciplinas) e não dos

limites das disciplinas. Note-se bem a diferença entre es-

ses conceitos porque nela radica um dos riscos na crítica

feita à focalização do saber e especificidade do campo. A

diversidade teórica que caracteriza esta área de conheci-

mento deve ser entendida no movimento mais geral das

ciências humanas, cujas fronteiras foram obscurecidas,

acabando por se confundirem com as humanidades, ao

mesmo tempo em que vêem seu elemento propriamente

teórico se dissolver e se fazer substituir por uma práxis

social (MARTINO, 2006).

Andacht (2005, p.1), com uma leitura mais crítica,

entende a predisposição ao interdisciplinar como um

movimento centrípeto, gravitando o específico da co-

municação — recente ciência — em torno de um centro

onde o especificamente comunicacional estaria sendo

absorvido por ciências mais antigas. Uma encruzilhada

sem objeto, método e objetivos próprios — requisitos

básicos para o crescimento de uma disciplina. Tal pro-

vocação insere diretamente uma outra questão para

pensar como estamos construindo os objetos de pesquisa

de recepção. Movimento de diluição que pode levar à

adoção não reflexiva, automática de modelos tão abertos

que acabam sendo reducionistas ao extremo. Note-se a

diferença chave entre especialidade (que aponta para o

específico — objeto de pesquisa) e reducionismo (limitar-

se, subjugar-se, submeter-se).

Toda disciplina gera um olhar sobre o mundo e

não só a respeito de um objeto qualquer. Assim o olhar

está concentrado em assuntos que lhe parecem perti-

nentes e relevantes na contribuição e compreensão do

universo humano a partir do viés especialista da mesma,

denotando a singularidade (especificidade) do objeto de

pesquisa. É dessa forma que a reflexão teórica — en-

quanto processo — tem o papel de construir seu objeto

através dos recortes epistemológicos do saber da disci-

plina. Pode-se dizer então que o objeto de pesquisa é

abstrato e não palpável ou que pode ser captado pelos

sentidos, diferenciando-o do objeto empírico. Lembre-

se que o problema de pesquisa também é construído e

não descoberto ou percebido por uma conscientização

do mesmo. A não clareza de tal situação leva à comum

e arriscada mistura entre o sujeito receptor (com nome

e sobrenome) e os processos de recepção, isto é, pa-

rafraseando Park, não é perguntando ao migrante que

vamos conhecer a migração. Dessa forma, no meio dessa

confusão, o pesquisador sai perguntando aos receptores

como é a recepção delimitando-a às manifestações,

muitas vezes, ainda incipientes. Nesse ponto, manifesta-

se (ou se configura) um outro risco: a indistinção entre

percepção e recepção.

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O problema ancora-se em discutir o capital episte-

mológico que atua como pano de fundo e que vem sendo

mobilizado para pesquisar os fenômenos de recepção.

Isto é, situar a operação reflexiva sobre aquilo que é

pretendido e entendido no campo da comunicação. Um

dos primeiros desafios é questionar-nos sobre o saber

em jogo de cada pesquisa diretamente ligado ao “como

fazer” no plano epistemológico. É necessário, portanto,

avançar na discussão para começar a esclarecer, nesse

mundo das relações teórico-metodológicas, a visão do

lugar-comum que confunde mais do que elucida. A leitura

vulgar sobre o científico o considera como uma soma de

fatos acumulados, definitivos, certos, inquestionáveis e

de significado auto-evidente (GOODE; HATT, 1989).

Por isso, avançando no que foi assinalado ao início

do texto, deve-se problematizar as situações nas quais

o teórico e metodológico são apresentados como ações

postiças, o teórico apresentado como “simples” retórica

e o metodológico reduzido a aplicações ferramentais.

Confunde-se, dessa forma, o metódico (processo de

articulação do instrumental na coleta de dados) com o

metodológico que são as lógicas subjacentes do processo

da pesquisa. Isto é, pensar a práxis científica para não

falar de entrecruzamentos metódicos quando se quer

dizer processos metodológicos.

Nesse sentido, se confunde também a problemá-

tica, que é interdisciplinar porque a realidade perceptível

não é de uma disciplina, com problema de pesquisa,

que é disciplinar porque é construído — como o objeto

de estudo. Uma coisa é o objeto “real” ou empírico (o

fato do mundo em si), e outra, o objeto a ser estudado

pelo ponto de vista de um saber disciplinar, nosso caso

a comunicação. Notar criticamente esses pontos permite

começar a discutir o epistemológico e, por conseguinte,

o metodológico na pesquisa científica, neste caso de

recepção.

Ao avançar na reflexão, pode-se compreender que

os movimentos (escolhas, objetivações…) específicos na

pesquisa de recepção desenham as linhas do cenário

maior, o campo da comunicação. Martino (2004, p.7)

aponta para um problema bastante habitual, a confusão

na definição do conceito comunicação entre o processo e

a disciplina — o plano do empírico e domínio de conhe-

cimento. A confusão é induzida pela designação de uma

mesma palavra que mistura fenômenos comunicacionais

com campo da comunicação. Isso igualmente se apre-

senta entre receptor e processos de recepção, objeto de

pesquisa e objeto empírico. Nesse sentido e dinâmica, é

importante inferir que os processos comunicacionais não

são definidos a partir do saber específico, por tal motivo

se faz necessário o recorte para construir o objeto de

pesquisa.

É preciso entender que nessa confusão, a comu-

nicação, na especificidade das pesquisas de recepção,

pode ser proposta e exposta como uma máscara que

serve para esconder outros objetos alheios ao campo

em si (políticos, administrativos, burocráticos…), como

ilusão de autêntico. O pesquisador mexicano Fuentes

Navarro, citando Peters, apresenta alguns operadores

como possíveis esclarecedores dessa situação de lugares

comuns — que pode bem ser estendida à recepção.

es porque “comunicación” ha llegado a ser propiedad de po-líticos y burócratas, tecnólogos y terapeutas, todos ansiosos por demostrar su actitud como buenos comunicadores […] Aquellos que buscan hacer teóricamente preciso el término para el estudio académico han terminado a veces sólo for-malizando el miasma a partir de la cultura más en general (PETERS apud FUENTES NAVARRO, 2003, p.24).

4- Bachelard, G; 1996.

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Nota-se um ato eclético em que as idéias são

iguais a todo — escolha do que parece melhor — tal

mistura não é produtiva cientificamente. O não escla-

recimento (obstáculos epistemológicos4) atua como

desajuste diante da situação de que cada ciência vai

configurar o desenvolvimento de procedimentos meto-

dológicos da maneira que lhe é própria e relevante para

as aplicações de acordo com a área (SANTAELLA, 2001,

p.128). Se isso não está claro, por exemplo, no cenário

específico da pesquisa, é de esperar que tampouco o

esteja no macro. Ergue-se uma dispersão na disciplina

porque, parafraseando Peirce, cada ciência se define

pelo tipo de conhecimento que desenvolve (PEIRCE apud

SANTAELLA, 2001, p.129).

Nessa linha, venho refletindo na articulação do

epistemológico, metodológico e método cientifico no ce-

nário e objeto de pesquisa da comunicação. Do contrário,

se constrói um laisser faire conceitual e metodológico

da área.

A situação é importante já que tais confusões

surgem conforme a comunicação, como ciência, se

desenvolve nos atos micro das pesquisas específicas. As-

sim, pode-se entender claramente o desafio provocador

proposto por Demo, ao assinalar que “a despreocupação

metodológica coincide com o baixo nível acadêmico, pois

passa ao largo da discussão sobre modos de explicar,

substituindo-a por expectativas ingênuas de evidências

prévias. Nada favorece mais o surgimento do discípulo

“copiador” que a ignorância metodológica” (DEMO,

1990, p.24).

Dessa forma, se fortalece a problematização nos

procedimentos de atuação científica nas pesquisas em

comunicação (recepção) que podem ser apontadas em

duas esferas interligadas. As técnicas, como sendo pro-

cessos de atuação concretos e particulares, relacionados

aos momentos da pesquisa científica. O método, como

procedimento geral de conhecimento científico que é

comum e fundamental em todas as ciências. Este seria

uma instância mais abrangente do que as técnicas, aliás,

incorpora-as.

Não compreender tal situação é nocivo à pesquisa

científica de recepção, agravando-se quanto mais in-

conscientes, abrangentes e desajustados se apresentem

entendimentos de recorte sobre o objeto de pesquisa. Tal

estado não deixa entender que o método configura-se

pelas decisões estratégicas relacionadas às operações

metódicas e técnicas da pesquisa e, metodologia a

direção lógica epistêmica subjacente às realizações no

método proposto.

Portanto, é por meio do método que os novos

resultados são constantemente incorporados às produ-

ções acadêmicas das diversas ciências, articulando-se,

ao mesmo tempo, com conhecimentos anteriores, a his-

tória dessa disciplina, e sendo constantemente revistos,

modificados com relação às investigações mais recentes.

Tomando como base a linha de Nogueira (1968), com-

preendo as provocações do autor ao referir-se sobre o

método científico nas ciências em geral, portanto, permi-

tindo progredir também nas especificidades da recepção;

qual o lugar (científico) proposto ao formular as questões

e problemas de pesquisa? Como executar observações

para que não se tornem meras constatações de per-

cepções espontâneas e imediatas do ato da recepção?

Nesse cenário como são pensados os entrelaçamentos

dos procedimentos metódicos conforme a área? Como

pensar e articular a interdependência com as outras

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Rastros - Revista do Núcleo de Estudos de Comunicação

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ciências para que os estudos de recepção se assegurem

no campo da comunicação e simultaneamente permitam

desenhá-lo?

Nessa perspectiva, Fausto Neto (2005, p.18)

discute que há estilos metodológicos da pesquisa em

comunicação relacionados à condição receptora das

matrizes de teorias metodológicas instituídas em outras

disciplinas ou áreas, movimento associado à falta de

base espitêmico-teórica da própria comunicação. Con-

sequentemente, essa demanda se traduz na apropriação

automática e sem reflexões (desconhecendo que as téc-

nicas são teorias em ato) de formulações metodológicas

reduzindo-as à categorias de instrumentos técnicos. O

método tem uma relação complexa com o campo científi-

co e o objeto de pesquisa demanda a sua especificidade,

movimento que requer vigilância epistemológica para

entender as relações entre as várias singularidades do

objeto de pesquisa, das próprias técnicas e do problema

de pesquisa na configuração do saber científico que o

constrói nos estudos de recepção.

No entanto, por outro lado, cada fenômeno e cada

objeto de estudo a ser pesquisado, com relação a sua

própria natureza e pelas condições em que se apresenta

e manifesta, circunscreve uma adaptação do método

de estudo em vista (NOGUEIRA, 1968, p.77). Exigindo

adaptações (refletidas) que não sejam mecânicas que,

em muitas oportunidades, causam justaposição com o

saber da disciplina.

Processos que estão sob marcas-matrizes de

cientificidade (regras, rigor científico) que permitem

constituir a pesquisa como científica e constituinte de

uma disciplina específica. É nesse contexto que entram

em jogo as interligações do saber comunicacional, como

arquitetura sobre a qual se estabelece o científico, com

os saberes específicos das pesquisas particulares como

as de recepção.

Anotações para continuar pensando e

discutindo

Para pensar e levantar problemas sobre a pesquisa

de recepção, não se pode partir da matriz solipsista, isto

é, separá-la do cenário científico da configuração de um

saber, neste caso o comunicacional. É nessa linha que

caminham as inquietações levantadas no texto através de

operadores mais abrangentes da dinâmica da pesquisa

científica. Assim, quer-se problematizar as respostas

que fixam a crença e não dá passo à dúvida conforme

a provocação peirceana,

quando uma avestruz enterra a cabeça na areia assim que um perigo se aproxima, muito provavelmente toma a decisão mais feliz. Esconde o perigo e depois calmamente diz que o perigo não existe; e se se sente perfeitamente segura de que não existe nenhum perigo, para quê levantar a cabeça para ver? Um homem pode atravessar a vida, sistematicamente mantendo fora do seu campo de visão tudo o que poderia causar uma mudança nas suas opiniões (…) Ele não se propõe ser racional, e, na verdade, falará freqüentemente com desprezo da razão fraca e ilusória do homem (PEIRCE, 1877, p.7)

Esse destaque de Peirce situa diante de nos uma

questão: como re-desenhar os estudos de recepção

para sair do já feito e mantido como não problemático?

Penso que necessitamos construir métodos científicos,

percursos e abordagens diferentes para cada novo obje-

tivo, que se apresenta na escolha de cada caminho. Isso

ao tempo em que são retomadas, não pela nostalgia e

sim pela reflexão sobre o campo, a linhas de base que

configuram um saber da comunicação. O metodológico

avança no conhecimento, mediante o reconhecimento de

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Ano IX - Nº 9 - Agosto 2008

operadores lógicos para compreender as condições da

pesquisa e saber construído. Dessa forma, sistematizar

e explorar, aprofundar e entender os conceitos, propo-

sições, matrizes, idéias dos raciocínios configurados na

dinâmica e especificidades da pesquisa na linha episte-

mológica do saber comunicacional.

Por conseguinte, recupero a idéia destes espaços

de discussão científica como pontos de reinícios na busca

de matrizes fundamentais para o pensar metodológico-

epistemológico da pesquisa de recepção. Assim, podem

ser notadas e anotadas lacunas que re-aparecem e se

aprofundam nos vários estudos sobre o tema. Vale des-

tacar, embora seja demais dizer, que o campo da comu-

nicação como disciplina de conhecimento não é indistinto

a esse processo, aliás, não pode ser separado dele.

Nas pesquisas, as abordagens e procedimentos

são escolhas, caminhos a seguir e opções que o pes-

quisador toma com base na arquitetura epistêmica dele

próprio. Portanto, as escolhas não podem ser ao acaso, já

que se sustentam na ação e processos articulados como

operadores teóricos re-desenhando a episteme que lhe

permite deslocamentos dinâmicos buscando percorrer os

mapas através das decisões feitas. Isso porque,

a essencial relação entre teoria (noções, postulados, hi-póteses, conceitos, proposições, argumentos e problemas teóricos) e construção de métodos continua atualmente muito pouco compreendida; na prática, estabelece-se uma falsa dicotomia entre teoria e método formulando problemá-ticas teóricas críticas, divorciadas do desenho metodológico definido para desenvolver a pesquisa.(…) integrando-as em uma práxis criativa de conhecimento, que precisa de uma perspectiva teórica na fase de construção dos métodos e de uma metodologia teórica para estruturar os pensamentos (MARTIN-BARBERO apud MALDONADO, 2001, p. 101).

Nessa opção epistemológica, entende-se a pes-

quisa como construção e entrecruzamentos nas práticas

que a redesenham com relação ao objeto pesquisado,

processos produtores de sentido que “concedem” uma

determinada cultura de pesquisa.

O saber comunicacional é pensado conjuntamente

ao metodológico. Deste modo, a metodologia sustenta

a dinâmica epistemológica para refletir sobre a comu-

nicação como um campo que “guarda” as pesquisas

específicas que, ao mesmo tempo, o configuram; con-

trariando a doxologia5 que não busca entender desse

modo, isto é, uma posição que entendo que a lógica do

metodológico das pesquisas específicas e o teórico da

comunicação não caminham conjuntamente.

É importante entender o teórico-metodológico

como fornecedor dos princípios para compreender a

pesquisa de recepção dos fenômenos comunicacionais.

É nesse cenário teórico — de sínteses — onde se ancora

e constrói o problema gerador da pesquisa porque,

em todos os casos, sem exceção, é o caráter e a qualidade do problema — junto obviamente com a ousadia e a ori-ginalidade da solução sugerida — que determinam o valor ou o desvalor de um feito científico. O ponto de partida é, sempre, portanto, o problema (…) [partindo] da observação criadora de problema (POPPER, 2006, p.95).

Entretanto, como enfrentar a situação diante da

qual nos encontramos se não paramos para nos distan-

ciar e pensar sobre ela sem buscar “enriquecer-nos” com

inovações que não o são?

5-Segundo Leibniz (1646-1716), compreensão meramente superficial da realidade, já que se restringe a uma reprodução irreflexiva de sua aparência. [dicionário eletrônico Houaiss]. Conceito trabalhado e discutido por P. Bourdieu no livro organizado por Thiollent, Michel. Crítica metodológica, investigação social e enquete operária. São Paulo: Polis, 1987.

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