Rastros 9.1

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5 Em 1923, Joinville, com apenas 20 mil habitantes, contava com o prestigiado jornal Kolonie-Zeitung, criado em 1862 por Ottokar Doerffel. Nesse período, nasce o jornal A Notícia, fundado pelo paranaense Aurindo Soares, cuja primeira edição foi publicada em 24 de fevereiro daquele ano. Somente em 1998, por iniciativa da Comunidade Evangélica Luterana de Join- ville, é implantado na cidade um curso de Comunicação Social, com habilitações em Jornalismo e Publicidade e Propaganda. Em toda a Região Norte-Catarinense não havia um curso superior na área. No campo publicitá- rio, a cidade dispunha de um mercado promissor, por ser a maior economia do estado, mas com um campo publicitário carente de maior profissionalização. O protagonismo do Curso de Comunicação Social do Bom Jesus/Ielusc despontou também na vocação para a produção e difusão do conhecimento científico. Ainda em 1999, foi lançada a revista científica Inter- meios, protagonizada pelo professor Alexandre Rocha da Silva, através do Núcleo de Estudos em Comunicação (Necom), que se transformou na Revista Rastros, esta que você tem em mãos, hoje muito bem avaliada pelo sistema de qualificação de periódicos científicos da CAPES (Qualis). Nesta comemoração dos dez anos do Curso de Comunicação Social do Bom Jesus/Ielusc, em que nos questionamos sobre o futuro da comunicação e a comunicação do futuro, assumimos o desafio de fa- zer da Rastros um periódico semestral e integramos ao conselho editorial renomados pesquisadores nacionais e internacionais, com o objetivo de dar continuidade ao projeto de qualificação da revista. Apresentação Para esta edição comemorativa dos dez anos do curso, convidamos professores-pesquisadores de on- tem e de hoje do nosso Curso de Comunicação Social, além de ex-alunos, para apontar em artigos autorais um mapa do ensino e da pesquisa em comunicação contemporânea. Como maneira de ligar o fio da história, realizamos também uma entrevista (ao final da edição) com o primeiro coordenador do curso, Edelberto Behs, jornalista, teólogo e mestre em História, atualmente coordenador geral do Curso de Comunicação Social da Unisinos(RS). “O corpo docente foi a maior riqueza dos cursos, e acredito que ainda hoje o seja. Esse era um ponto que dávamos a maior prioridade, às vezes até em meio a conflitos”, destaca Behs. Lúcia S. Hardt, ex-coordenadora de Ensino Su- perior do Bom Jesus/Ielusc, recupera em seu artigo uma das cidades invisíveis de Ítalo Calvino como metáfora do “nosso lugar”: instituições de ensino que promovem comunicação e informação. A cidade de Esmeraldina, com sua rede de canais e ruas que se en- trecruzam e sobrepõe-se, provocam seus habitantes a se aventurarem por múltiplos percursos: subterrâneos, aquáticos, suspensos, aéreos. E esse lugar, de difícil descrição e objetivação, desafia a autora, e a todos nós, professores, a pensar no que esperamos de nossos alunos e de nós mesmos no cotidiano do ensino e da aprendizagem. Deixando-se conduzir por Bachelard, quando este nos ensina a entender Nietzsche, Hardt desenvolve sua reflexão em tom propositivo: que o futuro da comuni- cação (e, porque não, a comunicação do futuro) seja como um “espaço aéreo”, marcado pela imprevisibili-

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Apresentação. Texto de Juciano de Souza Lacerda e Maria Elisa Máximo.

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Em 1923, Joinville, com apenas 20 mil habitantes,

contava com o prestigiado jornal Kolonie-Zeitung,

criado em 1862 por Ottokar Doerffel. Nesse período,

nasce o jornal A Notícia, fundado pelo paranaense

Aurindo Soares, cuja primeira edição foi publicada em

24 de fevereiro daquele ano. Somente em 1998, por

iniciativa da Comunidade Evangélica Luterana de Join-

ville, é implantado na cidade um curso de Comunicação

Social, com habilitações em Jornalismo e Publicidade e

Propaganda. Em toda a Região Norte-Catarinense não

havia um curso superior na área. No campo publicitá-

rio, a cidade dispunha de um mercado promissor, por

ser a maior economia do estado, mas com um campo

publicitário carente de maior profissionalização.

O protagonismo do Curso de Comunicação Social

do Bom Jesus/Ielusc despontou também na vocação

para a produção e difusão do conhecimento científico.

Ainda em 1999, foi lançada a revista científica Inter-

meios, protagonizada pelo professor Alexandre Rocha

da Silva, através do Núcleo de Estudos em Comunicação

(Necom), que se transformou na Revista Rastros,

esta que você tem em mãos, hoje muito bem avaliada

pelo sistema de qualificação de periódicos científicos

da CAPES (Qualis).

Nesta comemoração dos dez anos do Curso de

Comunicação Social do Bom Jesus/Ielusc, em que nos

questionamos sobre o futuro da comunicação e a

comunicação do futuro, assumimos o desafio de fa-

zer da Rastros um periódico semestral e integramos ao

conselho editorial renomados pesquisadores nacionais

e internacionais, com o objetivo de dar continuidade

ao projeto de qualificação da revista.

Apresentação

Para esta edição comemorativa dos dez anos do

curso, convidamos professores-pesquisadores de on-

tem e de hoje do nosso Curso de Comunicação Social,

além de ex-alunos, para apontar em artigos autorais

um mapa do ensino e da pesquisa em comunicação

contemporânea. Como maneira de ligar o fio da história,

realizamos também uma entrevista (ao final da edição)

com o primeiro coordenador do curso, Edelberto Behs,

jornalista, teólogo e mestre em História, atualmente

coordenador geral do Curso de Comunicação Social da

Unisinos(RS). “O corpo docente foi a maior riqueza dos

cursos, e acredito que ainda hoje o seja. Esse era um

ponto que dávamos a maior prioridade, às vezes até

em meio a conflitos”, destaca Behs.

Lúcia S. Hardt, ex-coordenadora de Ensino Su-

perior do Bom Jesus/Ielusc, recupera em seu artigo

uma das cidades invisíveis de Ítalo Calvino como

metáfora do “nosso lugar”: instituições de ensino que

promovem comunicação e informação. A cidade de

Esmeraldina, com sua rede de canais e ruas que se en-

trecruzam e sobrepõe-se, provocam seus habitantes a

se aventurarem por múltiplos percursos: subterrâneos,

aquáticos, suspensos, aéreos. E esse lugar, de difícil

descrição e objetivação, desafia a autora, e a todos

nós, professores, a pensar no que esperamos de nossos

alunos e de nós mesmos no cotidiano do ensino e da

aprendizagem.

Deixando-se conduzir por Bachelard, quando este

nos ensina a entender Nietzsche, Hardt desenvolve sua

reflexão em tom propositivo: que o futuro da comuni-

cação (e, porque não, a comunicação do futuro) seja

como um “espaço aéreo”, marcado pela imprevisibili-

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Rastros - Revista do Núcleo de Estudos de Comunicação

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dade e pelo caráter desafiador da verticalidade, daquilo

que provoca nossa “vontade de potência”. Alcançar a

dimensão do ar – assim como a imaginação e a aven-

tura que ela sugere – pede, assim, o reconhecimento

dos limites da horizontalidade e de toda a moralidade

e regramento nela implicados, além de coragem e von-

tade para se arremessar à novidade. Enfim, a autora

reafirma a importância de se recuperar a dimensão da

experiência no domínio do ensino-aprendizagem; a

experiência pensada, segundo Larossa, como aquilo

que nos passa, que nos toca, que nos mobiliza; que

se configura na exposição ao risco, ao inesperado, ao

vulnerável. O desejo é, portanto, que sejamos – pro-

fessores e alunos – sujeitos da experiência lançados

“no resgate da criatividade humana que começa a se

estabelecer sempre que sujeitos se encontram, se

provocam e estabelecem afetividades”.

A reflexão proposta por Hardt embala a leitura

dos demais artigos que repousam sobre questões mais

específicas nos campos da pesquisa, do ensino e da

teoria em comunicação. Pedro Russi-Duarte, na seqü-

ência, lança-se na discussão conceitual no domínio

das “pesquisas de recepção”, numa articulação teórico-

metodológica que busca contribuir na fundamentação

deste campo específico de estudos na dinâmica do

“saber comunicacional” e dos processos epistemo-

lógicos. A reflexão epistemológica tem por objetivo,

neste artigo, acender uma “desconfiança” intelectual

que se apresenta como postura crítica no processo da

produção científica, chamando atenção para a impor-

tância de se pensar constantemente nossas escolhas

teórico-metodológicas, dado o cenário e os objetos das

pesquisas em comunicação.

O artigo de Alexandre Rocha da Silva, intitulado

Pós-mídia: a forma de comunicação no Império,

dá continuidade à nossa proposta de reflexão sobre a

comunicação do futuro e o futuro da comunicação

lançando a hipótese de que as chamadas comunicações

pós-midiáticas se constituem na forma hegemônica

de comunicação do capitalismo contemporâneo. A co-

municação pós-mediática está sendo entendida, aqui,

como algo que não se restringe a emissores, canais e

receptores, mas sim, como força-motriz da passagem

do virtual ao atual; ela é força criativa que se coloca

entre as possibilidades e suas realizações e nunca se

esgota completamente, mantendo sempre um resíduo

de virtualidade, que continua produzindo novidades.

Nesse sentido, ela se constitui também como celeiro

de formas de resistência ao “Império”, continuamen-

te produzidas pela “multidão”. Sob esta perspectiva,

buscando elementos que possibilitem a compreensão

dessas passagens do virtual ao atual e realizando alguns

deslocamentos referentes ao conceito de “objeto da

comunicação”, Silva propõe que o próprio campo da

comunicação se transforme num “dispositivo de revo-

luções moleculares, capazes de resistir aos domínios

do Império”.

Encerrando o conjunto de reflexões docentes

que integram esta Edição Comemorativa, Jacques Mick

propõe discutir, em O jornalismo por vir, a crise atual

do discurso jornalístico para além da matriz cartesiana

na qual as categorias-chave para a interpretação deste

discurso foram construídas. Num cenário onde a con-

vergência digital transforma as formas de produção e

circulação da informação e onde o número de leitores

de jornais cai ao mesmo tempo em que cresce o nú-

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Ano IX - Nº 9 - Agosto 2008

mero de revistas, faz-se necessário repensar o discurso

jornalístico, desconstruindo antigos paradigmas. Nesse

sentido, a partir da ressignificação de conceitos funda-

mentais como “verdade”, “acontecimento”, “leitura”,

“tempo” e “poder”, Mick discute o jornalismo como um

pensar, mais do que um fazer, propondo “um futuro

com teoria – e como teoria”.

Finalmente, se o intuito é celebrarmos os dez

anos do Curso de Comunicação Social do IELUSC, é

imprescindível a participação discente nesta Edição,

participação esta que tem sido uma constante na Re-

vista Rastros desde os seus primeiro números. Afinal,

o mote deste debate comemorativo – o futuro da

comunicação, a comunicação do futuro -, atualiza-

se, pelo menos em parte, nestes que diariamente nos

desafiam na qualificação do nosso projeto pedagógico.

Assim, contamos com a participação de dois ex-alunos,

recentemente formados pela instituição, que se lançam

na discussão de aspectos centrais das suas pesquisas

de conclusão de curso.

Patrícia B. Villar, em seu artigo intitulado A esté-

tica e a construção da identidade coletiva, reflete

sobre o papel da estética e da identidade visual na cons-

tituição dos agrupamentos urbanos “pós-modernos”, a

partir de um aporte teórico-conceitual apreendido na

sua experiência de iniciação científica. Dialogando com

a antropologia contemporânea, os estudos urbanos e

teorias sobre a “pós-modernidade”, a autora busca

alcançar os processo de construção dos agrupamen-

tos urbanos e identidades coletivas, especialmente as

“identidades jovens”, compreendendo o indivíduo como

agente social que se embrenha na produção da “teia

de significados” que constitui a cultura.

Por fim, Rodrigo Barbosa apresenta-nos uma

pesquisa dotada de um peculiar ineditismo, acerca do

fenômeno da pirataria de produtos culturais na Internet.

Compreendida no interior de uma “cultura hacker”, a

Scene – organização formada por grupos de pirataria

hierarquicamente encadeados -, é analisada, neste

artigo, como um sistema de reciprocidade fundado na

tripla obrigação de “dar-receber-retribuir”. Ou seja, a

perspectiva da dádiva, desenvolvida no célebre Ensaio

sobre a Dádiva de Marcel Mauss, conduz a compreen-

são da dinâmica de circulação de produtos culturais na

Internet – livros, filmes, música, jogos, etc. -, que, por

sua vez, fundamenta-se numa “ética” de resistência à

indústria cultural e ao capitalismo. Assim, entre esses

“piratas”, as coisas carregam os valores da espontanei-

dade, da gratuidade, do desinteresse e circulam como

num jogo de dar, receber e retribuir onde “o fim não

é receber, mas criar uma obrigação da qual receber é

mera conseqüência”. E a regra do jogo será, sempre,

a de fingir que se desconhece a regra.

Deste modo apresentamos esta Edição Especial

da Revista Rastros, certos de que o futuro da co-

municação e a comunicação do futuro dependem,

também, da qualificação constante de um projeto

pedagógico que, através do diálogo interinstitucional

e interdisciplinar, busque formar espíritos jovens, pes-

quisadores, empenhados na aventura desafiadora da

construção do conhecimento. É suscitando este diálogo,

sem a pretensão de esgotá-lo, que celebramos nossos

dez anos.

Maria Elisa Máximo

Juciano de Souza Lacerda