Rastros 06.10

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Rastros - Revista do Núcleo de Estudos de Comunicação 108 Leonel Camasão Resolvi ler esse livro por acaso, quando o vi na prateleira de “novas aquisições” da biblioteca. Apesar de ser um grosso volume, o título chamou minha aten- ção. Reconhecer para libertar é o terceiro livro da série Reinventar a emancipação social: para novos manifes- tos. Organizada por Boaventura de Sousa Santos, a co- leção é baseada na seguinte idéia: a ação e o pensa- mento que construíram os ideais modernos de emanci- pação social estão sendo arduamente questionados por um fenômeno muito poderoso nos últimos 20 anos: a globalização. Neste tomo em específico, diversos auto- res participantes da pesquisa relataram experiências de “globalização alternativa” no Brasil, Colômbia, Índia, Áfri- ca do Sul, Moçambique e Portugal. O multiculturalismo é o tema principal, desdobrando-se em questões como direitos coletivos, lutas indígenas, diversidade de orien- tações sexuais e políticas identitárias das minorias. Na introdução, Santos derruba conceitos, os quais ele nomeia de “reducionistas e eurocêntricos” , como cultura, justiça, cidadania, multiculturalismo e direitos humanos. Ele contesta autores que tanto deram motiva- ção às resistências pelo mundo (como é o caso de Karl Marx), acusando-os de não buscarem outras formas de emancipação social fora dos conceitos eurocêntricos. Para ele, apenas fora desta “eurocentricidade” poderão existir novos manifestos. Apenas depois de re-significar todos os conceitos acima de forma crítica, Santos intro- duz os textos de seus pesquisadores. Os três primeiros capítulos tratam da questão indígena na América Latina, com diferentes enfoques: multiculturalismo e direitos coletivos, lutas contra- hegemônicas e a questão do petróleo em território U’wa (Colômbia). Os capítulos quatro e cinco falam de movi- mentos sociais e justiça, questionando sobre democra- cia e populismo. A próxima parte do livro, que vai até o capítulo oito, relata diversas experiências em Portugal e na África do Sul, relativas à questão de orientação sexu- al, no primeiro país, e das classes, gêneros e raças no pós-apartheid, no segundo. Até o capítulo 11, são deba- tidos os direitos humanos, a soberania nacional e as re- lações Estado/direitos coletivos. Finalmente, Yash Gai termina o terceiro volume fazendo um comentário geral sobre as pesquisas, juntamente com comentários sobre racismo e direitos humanos. Ao ler esse fragmento da coleção de Santos, per- cebi o quão redutores eram os conceitos que deram base para a maioria dos movimentos sociais de esquerda. A sociedade globalizada não pode mais ser dividida em “proletários” e “burgueses”. Há muito mais do que isso. Os movimentos LGBT, feminista, estudantil, anarquista, socialista, racial, indígena, enfim, os “micropoderes” da sociedade, compõem, hoje, algo muito maior do que a “luta de classes”. A linguagem usada por todos os pesquisadores é Resenhas Reinventar a emancipação social: para novos manifestos Boaventura de Sousa Santos (Org.) Globalização alternativa, multiculturalismo e eurocentricidade RRmiolo2005.pmd 23/11/2006, 09:39 108

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Reinventar a emancipacao social: para novos manifestos

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Rastros - Revista do Núcleo de Estudos de Comunicação

108

Leonel Camasão

Resolvi ler esse livro por acaso, quando o vi na

prateleira de “novas aquisições” da biblioteca. Apesar

de ser um grosso volume, o título chamou minha aten-

ção. Reconhecer para libertar é o terceiro livro da série

Reinventar a emancipação social: para novos manifes-

tos. Organizada por Boaventura de Sousa Santos, a co-

leção é baseada na seguinte idéia: a ação e o pensa-

mento que construíram os ideais modernos de emanci-

pação social estão sendo arduamente questionados por

um fenômeno muito poderoso nos últimos 20 anos: a

globalização. Neste tomo em específico, diversos auto-

res participantes da pesquisa relataram experiências de

“globalização alternativa” no Brasil, Colômbia, Índia, Áfri-

ca do Sul, Moçambique e Portugal. O multiculturalismo é

o tema principal, desdobrando-se em questões como

direitos coletivos, lutas indígenas, diversidade de orien-

tações sexuais e políticas identitárias das minorias.

Na introdução, Santos derruba conceitos, os quais

ele nomeia de “reducionistas e eurocêntricos” , como

cultura, justiça, cidadania, multiculturalismo e direitos

humanos. Ele contesta autores que tanto deram motiva-

ção às resistências pelo mundo (como é o caso de Karl

Marx), acusando-os de não buscarem outras formas de

emancipação social fora dos conceitos eurocêntricos.

Para ele, apenas fora desta “eurocentricidade” poderão

existir novos manifestos. Apenas depois de re-significar

todos os conceitos acima de forma crítica, Santos intro-

duz os textos de seus pesquisadores.

Os três primeiros capítulos tratam da questão

indígena na América Latina, com diferentes enfoques:

multiculturalismo e direitos coletivos, lutas contra-

hegemônicas e a questão do petróleo em território U’wa

(Colômbia). Os capítulos quatro e cinco falam de movi-

mentos sociais e justiça, questionando sobre democra-

cia e populismo. A próxima parte do livro, que vai até o

capítulo oito, relata diversas experiências em Portugal e

na África do Sul, relativas à questão de orientação sexu-

al, no primeiro país, e das classes, gêneros e raças no

pós-apartheid, no segundo. Até o capítulo 11, são deba-

tidos os direitos humanos, a soberania nacional e as re-

lações Estado/direitos coletivos. Finalmente, Yash Gai

termina o terceiro volume fazendo um comentário geral

sobre as pesquisas, juntamente com comentários sobre

racismo e direitos humanos.

Ao ler esse fragmento da coleção de Santos, per-

cebi o quão redutores eram os conceitos que deram base

para a maioria dos movimentos sociais de esquerda. A

sociedade globalizada não pode mais ser dividida em

“proletários” e “burgueses”. Há muito mais do que isso.

Os movimentos LGBT, feminista, estudantil, anarquista,

socialista, racial, indígena, enfim, os “micropoderes” da

sociedade, compõem, hoje, algo muito maior do que a

“luta de classes”.

A linguagem usada por todos os pesquisadores é

Resenhas

Reinventar a emancipação social: para novos manifestos

Boaventura de Sousa Santos (Org.)

Globalização alternativa, multiculturalismo e eurocentricidade

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Ano VI - Nº 6 - Outubro 2005

de fácil compreensão. Formulação de alternativas é a

palavra-chave do texto, que consegue identificar as com-

plexidades e diferenças do debate sobre o

SANTOS, Boaventura de Sousa [org]. Reconhecer para libertar Os caminhos do cosmopolitismo multicultural. Rio de

Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

Autor

Leonel Camasão – Acadêmico da quarta fase do curso de Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo do

Bom Jesus/IELUSC e bolsista do Núcleo de Estudos em Comunicação (NECOM) desde novembro de 2004.

multiculturalismo e sobre as diferenças humanas. De-

pois de ler este, os outros seis volumes me parecem

deveras atraente.

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