rascunho da monografia de bioética

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INTRODUÇÃO CAPITULO I 1. Autonomia A interpretação da palavra “autonomia” vem de dois vocábulos gregos, autos, que significa “si próprio ou ele mesmo”, e nomos, “lei”, ou seja, “ser lei para si mesmo”. Ao falar sobre autonomia é inevitável se voltar ao iluminismo com o conceito kantiano sobre o assunto. Para Kant o iluminismo foi o agente libertador do estado do homem imaturo, estado esse que foi criado pelo próprio homem, que se resumia na incapacidade do uso da própria razão sem a orientação dos outros, e ele acreditava que essa dependência era contrária a verdadeira natureza humana, portanto a autonomia da razão poderia ser experimentada por qualquer um. A formulação sobre o conceito de autonomia levantada pela bioética, com vários teóricos, difere em alguns pontos daquilo que foi formulado por Kant. A idéia subjetiva de Kant se firma na ousadia do uso da razão sendo essa aferida por algo inerente ao ser humano, portanto a lei não está fora e sim dentro do homem, ele se vale do conceito “sintético” e “a priore” da situação. Para Kant é válido a seguinte máxima “age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na sua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio”. (KANT, 1997, p.69). Essa afirmação de Kant leva as decisões a ser tomada de forma impessoal e generalizada algo que a bioética é contrária. Na teologia, a discussão sobre autonomia é bastante divergente entre pensamentos de vários teólogos sobre a

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INTRODUÇÃO

CAPITULO I

1. Autonomia

A interpretação da palavra “autonomia” vem de dois vocábulos gregos,

autos, que significa “si próprio ou ele mesmo”, e nomos, “lei”, ou seja, “ser lei para si

mesmo”. Ao falar sobre autonomia é inevitável se voltar ao iluminismo com o

conceito kantiano sobre o assunto. Para Kant o iluminismo foi o agente libertador do

estado do homem imaturo, estado esse que foi criado pelo próprio homem, que se

resumia na incapacidade do uso da própria razão sem a orientação dos outros, e ele

acreditava que essa dependência era contrária a verdadeira natureza humana,

portanto a autonomia da razão poderia ser experimentada por qualquer um.

A formulação sobre o conceito de autonomia levantada pela bioética, com

vários teóricos, difere em alguns pontos daquilo que foi formulado por Kant. A idéia

subjetiva de Kant se firma na ousadia do uso da razão sendo essa aferida por algo

inerente ao ser humano, portanto a lei não está fora e sim dentro do homem, ele se

vale do conceito “sintético” e “a priore” da situação. Para Kant é válido a seguinte

máxima “age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na sua pessoa como na

pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca

simplesmente como meio”. (KANT, 1997, p.69). Essa afirmação de Kant leva as

decisões a ser tomada de forma impessoal e generalizada algo que a bioética é

contrária.

Na teologia, a discussão sobre autonomia é bastante divergente entre

pensamentos de vários teólogos sobre a definição kantiana. A discussão maior e

que cria algumas polemicas é sobre o principio de vontade e dependência, cujas

definições sofrem variações dependendo da corrente Teológica defendida, por

exemplo, Paul Tillich “poderíamos definir autonomia como a memória humana da

bondade de Deus criada” (TILLICH, 1999 p.57) essa definição é uma defesa do

conceito existencialista de Kant. Mas há teólogos, principalmente os reformados,

que se opõe a esse tipo de pensamento.

E quanto a Bioética e Teologia, no quesito a vida humana e a ética que lhe

é imputada quanto às várias decisões a ser tomada sobre o curso da mesma, ambas

têm opiniões, que ora divergem, ora convergem sobre o quesito autonomia, sendo

essa um instrumento de uso em situações de extremo cuidado.

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1.1. Princípios de divergências entre Bioética e Teologia

Na Bioética o princípio do respeito à pessoa é central, e para isso tem

alguns componentes como a privacidade, a veracidade e a autonomia. De acordo

com diferentes autores em diferentes épocas. Uma das bases teóricas utilizadas

para o princípio de autonomia e bioética é o pensamento de John Stuart Mill (1806-

1883) “sobre si mesmo, sobre seu corpo e sua mente, o indivíduo é soberano”.

Em 1911, em um hospital de Nova Iorque, uma paciente, a Sra.

Schloendorff foi internada por estar com fortes dores abdominais decorrentes de um

quadro não diagnosticado de uma massa abdominal. O seu médico após esgotar as

possibilidades de diagnóstico não invasivo, disponíveis naquela época, solicitou a

autorização da paciente para realizar um exame mais detalhado, a paciente

autorizou e reafirmou que esta autorização era apenas para fins diagnósticos, que

toda e qualquer medida terapêutica teria que ser discutida previamente com ela.

O médico realizou o procedimento e constatou que a paciente estava com

um tumor abdominal encapsulado que poderia ser totalmente ressecado. Quando a

paciente recobrou a consciência o médico lhe comunicou o que havia ocorrido e lhe

disse que não poderia ter perdido a oportunidade cirúrgica para retirar o tumor, as

condições eram altamente favoráveis. A paciente prontamente relembrou-lhe que

não havia autorizado este procedimento, que a sua autorização foi dada apenas

para fins diagnósticos.

O caso foi levado à justiça pela paciente. Em 1914, o juiz Benjamim

Cardozo, que de 1932 a 1938 foi juiz da Suprema Corte norte-americana, 

estabeleceu na sentença deste caso que:

“Todo ser humano de idade adulta e com plena consciência tem o direito de decidir o

que pode ser feito no seu próprio corpo”.

Para José Roberto Goldim:

Uma pessoa autônoma é um indivíduo capaz de deliberar sobre seus objetivos pessoais e de agir na direção desta deliberação. Respeitar a autonomia é valorizar a consideração sobre as opiniões e escolhas, evitando, da mesma forma, a obstrução de suas ações, a menos que elas sejam claramente prejudiciais para outras pessoas. Demonstrar falta de respeito para com um agente autônomo é desconsiderar seus julgamentos, negar ao indivíduo a liberdade de agir com base em seus julgamentos, ou omitir informações necessárias para que possa ser feito um julgamento, quando não há razões convincentes para fazer isto. ()

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Na bioética a vontade humana é respeitada livremente e de forma flexível,

com exceções a pessoas que não têm condições, por vários motivos, de

responderem por suas ações. Nessa ótica o individuo é soberano sobre si mesmo. É

nesse ponto que começa a divergência entre algumas vertentes teológicas e

Bioética.

A Teologia aborda o conceito de vontade de diferentes modos, dependendo

da corrente de pensamento teológico. Apesar de que Tristram Engelhardt, professor

de Filosofia da Rice University e professor emérito do Baylor College of Medicine, no

Texas, EUA, sendo um cristão ortodoxo praticante e de algumas idéias

conservadoras defende a idéia da secularidade na bioética. Para Engelhardt:

Rebatizei o “princípio da autonomia” como o “princípio do consentimento”, para indicar melhor que o que está em jogo não é algum valor possuído pela autonomia ou pela liberdade, mas o reconhecimento de que a autoridade moral secular deriva do consentimento dos envolvidos em um empreendimento comumO princípio do consentimento coloca em destaque a circunstância de que, quando Deus não é ouvido por todos do mesmo modo (ou não é, de maneira alguma, ouvido por ninguém), e quando nem todos pertencem a uma comunidade perfeitamente integrada e definida, e desde que a razão não descubra uma moralidade canônica concreta, então a autorização ou autoridade moral secularmente justificável não vem de Deus, nem da visão moral de uma comunidade particular, nem da razão, mas do consentimento dos indivíduos.

Devido à pluralidade no conceito da bioética não é fácil o consenso entre

duas doutrinas tão distintas em vista do absolutismo cristão principalmente usando a

bíblia como uma metanarrativa. Engelhardt com a idéia da secularização da bioética

que caminhar livremente entre dois “mundos”, talvez isso para ele seja encarado

com mais naturalidade sendo além de um cristão ortodoxo um bioeticista. Mas para

aqueles, os teólogos, que não se enveredaram para as ciências biomédicas não

conseguem encarar com tanta naturalidade a forma com que Engelhardt absorve o

conceito de autonomia.

Para muitos teólogos a vontade humana está intrinsecamente ligada à

vontade divina. Estar sob a condição determinista de Deus os impedem de

desenvolver a autonomia tanto a conceituada por Kant de forma subjetiva do

individuo, quanto ao que defende a bioética em relação às decisões tomadas sobre

o individuo em relação ao todo. Sendo a idéia central de bioética em discutir

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assuntos que não firam a ética, tanto humana quanto animal e ambiental cuja duas

ultimas não são o foco de discussão no momento, ela visa por um cuidado futuro

que acaba por colocar um poder de decisão, de escolha no ser humano. Esse poder

é encarado como a ambição do homem de querer por suas próprias capacidades

criativas de serem iguais a Deus.

Teólogos liberais e existencialistas como Paul Tillich combatia o pensamento

daqueles que julgavam ser a autonomia uma revolta contra Deus, a exemplo os neo-

ortodoxos, e diz: “A autonomia humana não se coloca contra a palavra ou a vontade

de Deus como se a vontade de Deus pudesse se opuser à bondade criada do

homem e á sua realização” (TILLICH) para ele a autonomia humana seria um meio

do mesmo expressar pela memória a bondade divina, ele concorda que alguns

filósofos do iluminismo discerniram autonomia com vontade de Deus sem um senso

crítico avaliativo. Portanto defende que autonomia é coragem de pensar e de se

valer dos próprios poderes racionais, esse desprendimento de Tillich não é encarado

de forma natural por todos os teólogos.

A liberdade da vontade de Deus para Berkhof é que no exercício de Sua

vontade, Deus age de acordo com a lei do seu ser.

Deus determina voluntariamente o que e quem Ele criar, e os tempos e lugares e circunstancias de suas vidas. Ele traça as veredas de todas as suas criaturas racionais, determina seu destino e as utiliza para os Seus propósitos. E embora as dote de liberdade, contudo sua vontade lhes controla as ações... A liberdade de Deus não é pura indiferença, mas autodeterminação racional. Em cada caso há um motivo predominante, que torna o fim escolhido e os meios selecionados sumamente agradáveis a Ele, embora não sejamos capazes de determinar que motivo seja esse.(BERKHOF, 2001, P. 75)

O conceito teológico levantado por Berkhof em relação à vontade e respectiva

liberdade em relação ao que a bioética defende não coaduna as idéias. Enquanto na

bioética o humanismo tem um imperativo forte, para Berkhof voltado para a teologia

reformada em que o teocentrismo é o foco determinante na condução do ser

humano, sendo assim a vida desse ser está subjugada a vontade absoluta de Deus.

Portanto a soberania de escolha, nesse conceito, não está no homem e sim em

Deus.

São esses alguns pontos de divergências onde fica difícil, olhando apenas por

um ângulo, ter qualquer interação entre essas duas doutrinas.

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1.2. Princípios de convergências entre Bioética e Teologia

Apesar das divergências vigentes há teóricos que conseguem formular

conceitos onde bioética e teologia possam usar esses conceitos em conjunto.

Para O Prof. David J. Roy, diretor do Centro de Bioética da Universidade

de Montreal “a Bioética é o estudo interdisciplinar do conjunto das condições

exigidas para uma administração responsável da vida humana, ou da pessoa

humana, tendo em vista os progressos rápidos e complexos do saber e das

tecnologias biomédicas.” (ROY, 1979, p.59). Depois da modernidade o mundo não é

o mesmo, há novas tecnologias e a era da razão conseguiu mudar muito a forma de

pensar do ser humano. E Roy foi um dos primeiros autores a introduzir a questão do

progresso das tecnologias aplicadas à saúde como motivador da reflexão ética.

A autonomia em bioética é desenvolvida de forma que o sujeito tenha a

responsabilidade não somente por sua vida, mas na conseqüência que suas

decisões possam refletir de forma positiva ou negativa na geração atual ou para as

futuras gerações. Onde o desenvolvimento das tecnologias biomédicas tende a

aumentar cada vez mais, com isso não dá para desenvolver a ilusão de que tudo no

mundo continua igual ou permaneça igual.

Se for colocado de lado o olhar crítico em relação à autonomia como um

princípio altruísta, mas ver nela um princípio do respeito à pessoa onde esse ser a

partir de sua escolha possa ter uma vida mais digna pode haver sim uma

possibilidade de ligação entre esses doois conceitos.

1.3. Alternativas entre Bioética e Teologia

CAPITULO II

2. Beneficência

2.1. Princípios de divergências entre Bioética e Teologia

2.2. Princípios de convergência entre Bioética e Teologia

2.3. Alternativas entre Bioética e Teologia

CAPITULO III

3. Justiça

3.1. Princípios de divergências entre Bioética e Teologia

3.2. Princípios de convergência entre Bioética e Teologia

3.3. Alternativas entre Bioética e Teologia

4.

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Antes de Kant outro pensador que fez uma abordagem sobre o autônomo foi

Tomas de Aquino onde Francis Schaeffer em seu livro A morte da razão define o

seguinte:

A esfera do autônomo em Tomás de Aquino assume várias formas. Um dos resultados, por exemplo, foi o desenvolvimento da teologia natural. Nesta perspectiva, a teologia natural é uma teologia que se poderia formular independentemente das Escrituras. Embora fosse um estudo autônomo, ele esperava que resultasse numa unidade e dizia existir uma correlação inegável entre a teologia natural e a Bíblia. O ponto importante, porém, no que se seguiu foi que uma área completamente autônoma assim se estabelecia.

Para Engelhardt com seu pensamento sobre a teologia secular é bastante

similar com o conceito de Tomás de Aquino, olhando para a argumentação de

ambos seria essa a solução para que Bioética e Teologia se desenvolvessem

sem causarem danos uma na outra.