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  • curitiba, junho de 2015 | www.rascunho.com.br

    desde abril de 2000

    o jornal de literatura do Brasil

    Arte

    dA

    cApA

    : rob

    son

    vilA

    lbA

    182

    ENSAIODez mandamentos a um autor iniciante 6

    ENSAIOO centenrio de Saul Bellow 36

    INDITOA viva de Tupi, de Alexandre Vidal Porto 42

  • 2 | | junho de 2015

    N o original, o texto se desfaz lenta, len-tamente. Liquefaz--se, significados e significantes se derretendo, pastosos, j sem a concretude que lhes dava o vi-o da tinta fresca, de olhos e ou-vidos afiados. Desfaz-se de seus sentidos, como tecido que se vai esgarando, abrindo brechas, li-vrando linhas. As fibras frouxas destecendo-se.

    Desfia-se o texto, desafian-do a acuidade do leitor. Acui-dade que vai, gradualmente, minguando, mirrando at que se sente simplesmente a fal-ta. Incompreenso.

    Eis a o fado de todo tex-to, original que de incio de jul-ga eterno e doce ironia s sobrevive em escritura bastarda, traduo. Tecido mortio do original lanando sua luz ba-a, facho fosco que j mal fere a percepo do leitor. O mar do esquecimento vem, invade e co-bre tudo. Ali no fundo, lutando embalde por suster-se tona, sentidos que se debatem inu-tilmente ante leitores alheios, surdos. Triste espetculo da en-xurrada do tempo.

    Um olhar sobre a leNta liqUefao dos seNtidos

    translato | Eduardo FErrEira

    Na traduo, a salvao. O fio fino de punhal aguando as nervuras do texto, em apurada operao arqueolgica. Sofistica-o de microcirurgia. Sondando algo que no emerge da pgina no primeiro lance do olhar. Na traduo, a penetrao de esp-rito. Percepo penetrante, der-ramando luz farta, entrega texto vivo ao leitor de hoje.

    Lana o olhar alm do tex-to. Ergue a mirada para enxergar mais longe, mais para trs. Arras-ta o passado at o presente.

    Sente o deslizamento dos sentidos, o lento escorrer desses signos-imagens, nada mais que ideias em quase forma pura. Es-correm como acompanhando o escoar lento e seguro do prprio tempo. Capta tudo isso e o verte em forma nova: fcil, fcil tarefa do tradutor.

    Capta mais que o senti-do, seus contornos, que dele so parte inarredvel. Lana mo da abrangncia generosa da leitu-ra o pensamento solto a pers-crutar todo o redor. Misso sutil, apropriada para o esprito agudo e liberal do tradutor.

    Se o texto favorece a dis-perso, eis que surge o tradutor

    como a enfeixar significados e sintetiz-los em forma nova. Importa, nessa lide, mais que conservar, inovar a forma de expres-so. Inova para preservar a nitidez da com-preenso e a delicadeza da literatura. Haver maior arte que essa?

    A obstinao do tradutor, a perseguir mais que sentidos, a origem da prpria arte literria. Resgata a criatividade em seu frescor de nascedouro, o momento raro da inveno e todo o entusiasmo que provoca. Capta o el em pleno voo e, sem congel-lo, o derra-ma com liberalidade em linhas quentes. Sen-te o calor de febre alta. Frmito de inspirao que ilumina a traduo com mesma luz que banhou, l atrs, o original. Impossvel? Na-da mais que a dura e seca rotina da traduo: mero milagre de todo dia.

    L. Mais que leitura distrada, a densa projeo da mente no texto. Medita. Tanto que impregna o esprito, primeiro, depois a pgina, da funda impresso que, ao ler, trans-mite aos sentidos do original.

    L. Com esprito cortante, rasa a face mais nobre da escritura. Identifica expresses epidrmicas, incidentais, e as contrasta com o significante relevo idiossincrtico do texto: a natureza prpria da arte literria. Identifica, para semear todo esse conjunto de obra e arte, para inseri-lo de volta na folha dctil de uma nova redao.

    L. Como criando primeiro uma quase crosta no texto, para depois romp-la, sorver os sentidos, decifr-los, renov-los em traduo.

    Rascunho uma publicao mensalda Editora Letras & Livros Ltda.

    Caixa Postal 18821 CEP: 80430-970

    Curitiba - PR

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    Editor

    Rogrio Pereira

    Editor-assistente

    Samarone Dias

    Mdias Sociais

    Gisele Eberspcher

    Colunistas

    Affonso Romano de SantAnna

    Eduardo Ferreira

    Fernando Monteiro

    Joo Cezar de Castro Rocha

    Jos Castello

    Nelson de Oliveira

    Raimundo Carrero

    Rinaldo de Fernandes

    Rogrio Pereira

    Projeto grfico e programao visual

    Rogrio Pereira / Alexandre De Mari

    Colaboradores desta edio

    Adriano Koehler

    Alexandre Vidal Porto

    Andr Caramuru Aubert

    Carolina Vigna

    Claudia Nina

    Cristiano Ramos

    Edson Cruz

    Gisele Baro

    Gisele Eberspcher

    Haron Gamal

    Henrique Marques-Samyn

    Jos Numanne Pinto

    Mrcia Lgia Guidin

    Marilia Kodic

    Mark Strand

    Martn Kohan

    Nelson Shuchmacher Endebo

    Ovdio Poli Junior

    Rodrigo Gurgel

    Vivian Schlesinger

    ilUstradores

    Carolina Vigna

    D Almeida

    FP Rodrigues

    Osvalter

    Ramon Muniz

    Robson Vilalba

    Tereza Yamashita

    Theo Szczepanski

    o jornal de literatura do Brasil

    fundado em 8 de abril de 2000

    t ambm instigante este apontamento so-bre o no, que cons-ta da terceira parte, nas Notas sobre Mat-teo perdeu o emprego, ou Posfcio, do livro de Gonalo M. Tavares: No o vocbulo mais assertivo no mundo da linguagem. Bem mais do que o sim; o sim abre uma continuidade, sim e avano, sim e algo mais. O sim comea, o no termina. O no encerra. No h vocbulo mais assertivo; em lin-guagem a palavra mais mortal. Que-res? No. Vens? No. Podes? No. Fizeste? No. Vais fazer? No. // Pois o que vemos na histria de Kashine precisamente es-ta exatido que explode, que

    aNotaes sobre romaNces (22)

    rodap | rinaldo dE FErnandEs

    provoca mltiplos efeitos, um no que perturba, que pe em causa, um no que no domina os seus efeitos. E ainda este ou-tro registro comparando o sim e o no: ...o sim tem estas caractersticas: faz com que uma planta, em princpio, se junte a outras e o no que vai dife-renciando, separando, enviando uns elementos para um lado, ou-tros elementos para outro. Mas para sermos justos: o no e o sim trabalham em conjunto para pr em ordem a confuso de que se partiu. O mundo sempre uma confuso e uma taxinomia que o tenta organizar uma ges-to de trfego onde sim e no so as direes; e apenas com deze-

    nas de sim e dezenas de no se organiza o ca-os, at ao ponto em que cada elemento est separado de todos os outros; do mundo vasto e barulhento e brutal e confuso se chega, pelo caminho do no e do sim, unida-de mnima. Eis, pois, a histria da racionalidade. Por fim, esta observao sobre o labirinto: No fundo, o labirinto tambm isto: uma infini-dade de sem sadas. No se vai a lado nenhum por muitos lados, ou: h muitos caminhos para no se ir a lado nenhum: eis o labirinto. E, como se exis-tisse apenas uma verdade e uma soluo no mun-do, o labirinto funda essa coisa estranha que a crena num nico caminho; um processo vio-lento: todos os caminhos esto barrados exce-to um. Matteo perdeu o emprego , de fato, um livro singular. Mescla conto, novela e en-saio filosfico. E mesmo um romance? Para alm do debate acerca de seu gnero, uma inteligentssima obra de fico.

  • junho de 2015 | | 3

    Goethe que o poeta deve fugir de tudo o que possa ser negati-vo: pois disso no se produz na-da. Faz a defesa da afirmao de si. O poeta deve aprender a dizer sim para si mesmo, por mais duras que sejam as conse-quncias que isso lhe traga.

    Em vez de negar a si em nome de um saber, de uma est-tica, de uma tendncia de mer-cado, de algum prestgio ou aprovao, o escritor deve afir-mar sua individualidade e sua visada pessoal. Deve erguer sua escrita contra tudo e contra to-dos ou seja, pratic-la a favor de si mesmo. Insiste Goethe que a substncia potica a substn-cia da prpria vida e, por isso, o escritor no deve procurar a si mesmo seno ali onde ele j est. Ningum pode d-la para ns; talvez possam obscurec-la, mas no estrag-la. Cair em si mes-mo o nico caminho para uma escrita livre. Se boa? Se ruim? Se est adequada? Se inconve-niente? Tudo isso se v depois. Nada disso, na verdade, interes-sa. A literatura, em definitivo, no uma passarela.

    Se h alguma norma em jo-go, o escritor quem deve cons-truir essa norma. Sua prpria norma, seu prprio caminho. Diz Goethe: Vocs ainda no tm propriamente nenhuma nor-ma, e devem d-la a si mesmos. Como conseguir isso? Mais uma vez, ele nos responde sem vol-teios: Perguntem-se a cada po-ema se ele contm uma vivncia, e se tal vivncia os fez progre-dir. Tanto a pergunta, como a resposta devem vir do prprio escritor. Caminho que radicaliza sua irremedivel solido. Mas dela, dessa solido absoluta, que o escritor conseguir arrancar o que seu. S assim ser dono de sua prpria escrita. S assim sua assinatura ter um significado e ele sobreviver.

    NOTAO texto Goethe para internautas foi publicado originalmente no blog A literatura na poltrona, do caderno Prosa, do jornal O Globo.

    a literatura na poltrona | JOS CASTELLO

    em um vo de mi-nha biblioteca, em um desses acasos que sempre me guiam, encontro um exem-plar dos Escritos sobre literatu-ra, de J. W. Goethe, que Pedro Sssekind organizou para a edi-tora 7Letras no ano de 1997. Uma seta verde assinala a pgina 17, onde se inicia o brevssimo ensaio Aos jovens poetas. Curio-so, sigo a pista que deixei, no passado, para mim mesmo. Em seu comentrio, Goethe (1749-1832) faz uma breve reflexo que, mais de dois sculos de-pois, se mostra espantosamente atual. Com nfase, ele defende a ideia de que sem a fora da indi-vidualidade no existe criao. Uma tese muito til em tempos nos quais a fora da tecnologia nos empurra no para a diferen-a, mas para a repetio em s-rie. Nos quais, com frequncia, navegamos s cegas, esquecidos de nossa origem.

    Defende Goethe, com n-fase, o primado do Um: Assim como o homem precisa viver de dentro para fora, o artista pre-cisa se expressar de dentro para fora e, comporte-se como qui-ser, sempre trar luz apenas a sua individualidade. Seu pen-samento agora me dou con-ta me remete a um outro texto meu. Escrevi, outro dia, a respeito da morte do autor espcie de grande deserto das diferenas que ameaa, em espe-cial, os prosadores. A poesia tem se conversado, felizmente, como um lugar de resistncia a esse movimento. Guiados pelos so-pros de Goethe, nossos grandes poetas do sculo 21 continuam aferrados, antes de tudo, ao que so, desprezando qualquer in-fluncia do que deveriam ser. Apostam na fora do Um e de seu destino inegocivel.

    Ater-se a si , muitas vezes, visto como um lugar-comum, e outras, como uma inteno sem qualquer significado. O prprio Goethe, porm, se apressa, al-gumas linhas adiante, a escla-recer o que entende por isso. Apenas preciso que cada um conhea a si mesmo, que saiba

    estranhoRascunho muito estranho. Tem tanto texto excelente, mas tambm est povoado de coisas completamente descartveis. No entendo como publicam ensaios profundos ao lado de resenhas superficiais e ingnuas. Acho que preciso publicar somente textos que realmente valham a pena. Enfim, fica a dica.Joo Maria de Carvalho Filho So Caetano SP

    alegria uma alegria receber o Rascunho aqui na minha cidade. Aqui, praticamente no acontece nada na rea cultural. Ento, receber o jornal todos os meses sempre um motivo de festa. A, entro na internet e compro vrios dos livros que o jornal indica.Marisa Fontes de Almeida Clevelndia PR

    lina MeruaneExcelente a entrevista com Lina Meruane [#181]. No conhecia esta autora. Mas gostei muito do que ela falou sobre literatura e, principalmente, sobre a vida. Pretendo comprar o livro Sangue no olho.Alice Castro via e-mail

    Mais espaoFalta espao no Rascunho para jovens autores, aqueles que no tm livros publicados por grandes editoras. muito complicado conseguir uma editora. O jornal bem que poderia prestar este servio a quem est comeando.Anderson de Sousa Santa Maria RS

    [email protected]

    Envie e-mail para [email protected] com nome completo, endereo e telefone. Sem alterar o contedo, o Rascunho se reserva o direito de adaptar os textos.

    17Inqurito

    Tatiana Salem Levy

    46Poemas

    Mark Strand

    15Sujeito ocultoCristiane Costa

    Goethe para iNterNaUtas

    julgar a si mesmo, porque aqui no h nenhum parmetro alheio que possa ajudar. Falncia dos doutores: no domnio da criao, eles simples-mente no tm o que dizer. Falncia dos cnones que, diante disso, j no servem para nada. Vozes alheias, adverte Goethe, podem se tornar, em vez de uma ajuda, um forte entrave. bem mais segu-ro ouvir apenas a si mesmo. E bem mais rico tam-bm. o nico caminho.

    O poeta (o escritor) deve se limitar a ouvir a prpria voz, ou pelo menos lutar para ouvi-la porque conseguir isso bem outra coisa, e talvez seja para poucos. No um projeto fcil, embo-ra alguns o tomem por simplrio. , eu penso, o projeto mais difcil de todos. No trair a si mes-mo: existe deciso mais arriscada? Somos, frequen-temente, nossos piores inimigos. Dispersamo-nos para c e para l. Vivemos atordoados pelos man-damentos alheios, pelas modas literrias, pelas on-das tericas. Nesse caminho para fora de si no se escreve nada que merea ser lido. Assim se chega, apenas, ao arremedo e repetio. cpia. Os es-critores se tornam meros copiadores.

    Mas, diz Goethe, onde encontrar a si mes-mo, seno na prpria vida? Continua: O jovem poeta deve expressar agora o que est vivo, o que est em ao, numa forma ou noutra. Ele deve eliminar com rigor todo esprito adverso, todo antagonismo, tudo o que fala contra. Deve, por-tanto, e antes de tudo, apostar em si mesmo, por mais estranhas que sejam as coisas que encontre em seu interior. A vida deveria bastar como ponto de partida. Nada de buscar solues impertinen-tes, ou caminhos que no sejam prprios. Insiste

    reproduo

    26Porcelana invisvel

    Fernando Paixo

  • 4 | | junho de 2015

    foi-se aquele tempo no qual a literatura de Al-bion estava represen-tada por britnicos geralmente de faces ro-sadas, vestindo tweed e beberican-do sherry em clubes abafados onde corriam piadas sobre preferncias sexuais e/ou fidelidades polticas de colegas britnicos at a me-dula como Somerset Maugham, Compton Mackenzie, Graham Greene, Lawrence Durrell e outros escritores retratados, nas orelhas dos livros, com fotos de tpicos in-gleses ironicamente sorridentes.

    Citei esses quatro (e po-deria citar E. M. Forster, Evelyn Waugh, Angus Wilson e outros) porque tal quarteto , para bem ou para mal, profundamente bri-tnico at na passagem comum pelos servios de espionagem de Sua Majestade, que os empregou ora como elementos ativos, ora como agentes de ligao no vas-to territrio das antigas colnias do Imprio algumas das quais

    28.08.1987Uma leitora me liga e me

    diz que quer contar uma coi-sa bonita: Drummond apare-ceu numa sesso esprita, dessas em que o copo anda e um esp-rito se manifesta. E mandava re-cados, dizia um verso ou outro, aconselhava calma a Dolores (sua mulher), mandava dizer que estava bem. Dizia tambm uma palavra misteriosa: govena, que as duas moas da sesso no sa-biam se era um remdio ou o qu. Referia-se a mim dizendo que a frase de que mais gostou no artigo que escrevi quando de sua morte foi: Vai Carlos, ser gauche na eternidade!.

    Pedia para eu ligar para sua famlia. E disseram-me elas que Drummond disse que voltaria, etc.

    29.11.1987Octavio Paz. Estive com

    literatUra ps-coloNial: mistUra doce-azeda? (1)

    drUmmoNd, paz e ferliNGhetti

    viriam a lhes fornecer preciosos temas de novelas e romances dessa passada poca visceralmente an-glo-saxnica (?) na english literature.

    Desde ento, a perda de mandatos, proteto-rados e zonas de influncia, na frica e na sia, mudou esse cenrio, substancialmente, em vrios planos, e ela, a literatura da metrpole, transfor-mou-se na world-fiction de Derek Walcott, Mi-chael Ondaatje, Vikran Seth, Ben Okri, Salman Rushdie, Kazuo Ishiguro, Hanif Kureishi e outros escritores de lngua inglesa reportando-se, nas su-as obras, a pases e contextos distantes ou, no m-nimo, Inglaterra multicultural de hoje, na qual pouco ou nada resta daquele Reino Unido pr-1947 (data da independncia indiana), uma co-munidade precariamente sada da Segunda Grande Guerra para as situaes novas da Guerra Fria e pa-ra a desagregao interna que vem na sequncia, sempre, de todas as derrocadas imperiais.

    Escrevendo sobre o antilhano Derek Wal-cott (Nobel de 1992), o judeu-russo Joseph Bro-dsky laureado de 1987 definiu muito bem a situao crepuscular das civilizaes e das culturas cujos centros deixam de funcionar como tais. Pa-ra Brodsky, o que as impede, ento, de se desinte-grarem, no a fora, mas a lngua. Foi isto o que aconteceu com Roma, e, antes dela, com a Grcia helnica. Nestas pocas, a civilizao sustentada

    ele nesses dias. Simptico. Gen-til. Esperava que apreciasse mi-nha tese sobre a poesia & TV, a partir da minha prtica no Brasil, quando sobretudo a TV Globo me chamou para produzir vrios textos nessa linha, seja para o Jor-nal Nacional, Jornal da Globo e at o Jornal dos Esportes (du-rante a Copa de 86). Fernando Daniel, professor de filosofia, acha que ele no quer discutir is-so porque se queimou, se exps muito em tev no Mxico

    Dias depois, Nino me diz no caf do Gran Hotel do M-xico que jantara com Paz e que ele havia gostado de minha tese, que a achava das melhores e que tinha mesmo uma paranoia de perseguio (das esquerdas, que viviam sabotando seu trabalho).

    De qualquer modo um fa-to trans-histrico: os belos poemas pr-colombianos nas

    por homens das provncias, de sua periferia. (O som e a mar, J. Brodsky, 1993).

    Desse modo, o ingls de Walcott (e dos outros estrangei-ros citados e no citados) produz, hoje, uma literatura mundial vinda de Londres, Ontrio e ou-tras cidades da tal Commonweal-th mantida pelo idioma legado s ex-colnias como um elo no frgil, porm merc das men-tes. O ingls delas retorna, para o centro, de algum modo mo-dificado pela viso de mundo da periferia, pelos costumes e pelas formas dialetais dos antigos co-lonizados em busca das suas al-mas divididas pelas frotas bem armadas e pelos canhes espa-lhados nos jardins melanclicos do Imperial War Museum que se esconde para alm das imedia-es da velha Torre de Londres.

    Nas mos de Ben Okri um ex-sem-teto que a polcia bri-tnica costumava flagrar lendo Crime e castigo (logo Crime e

    paredes do Museu de Antro-pologia e do Templo Mayor reforam minha tese sobre a di-versidade de suportes para a po-esia hoje e ontem. Anotei vrios desses poemas antigos.

    Anotando coisas: nossos escritores so menos internacio-nais que esses latino-america-nos. Quem, entre ns, poderia escrever esse brilhante artigo de Carlos Fuentes sobre a reunio de Acapulco, onde estive? Para compensar meu complexo de in-ferioridade, Jose MonteMar (do Peru) me diz que o Brasil tem uns 20 autores internacionais nas cincias sociais.

    Trs propostas minhas fo-ram aprovadas no colquio:

    1) Que convidem mulhe-res para o prximo colquio, que sejam menos machistas;

    2) Que haja esse colquio latino-americano todo ano;

    castigo!) na estao de Charing Cross (porque era a mais quenti-nha) , Londres no poderia se parecer com a city de Graham Gre-ene, menos de meio sculo depois de O fim de um caso totalmente ingls, ainda, como narrativa tpi-ca da angstia metafsica peculiar dos romances do ps-guerra, que atravessaram os anos de bombar-deio devastador encontrando tem-po para uma angstia metafsica que atrairia talvez poucos leitores na London deste 2015.

    Filho de um ferrovirio que gostava de discutir Plato, Okri nasceu na Nigria (Min-na, 1959), mas foi com menos de dois anos para a Inglaterra, quando seu pai ganhou uma bol-sa para estudar Direito. Ele falou sobre as andanas continentais da sua famlia, ao reprter Hun-ter Davies, do The Independent: Quando eu estava com sete anos, meu pai se formou em Di-reito e minha me anunciou que amos voltar para a Nigria. Con-tei para meus amigos da escola de Peckham, e eles disseram: Voc no deve ir pra frica. L tem le-es e as pessoas moram nas rvo-res. A eu disse para a minha me que queria permanecer onde es-tava, mas no adiantou. Embar-carmos num navio, e fomos viver na Nigria at a ecloso da guerra civil. Nunca conseguirei esquecer aquilo. Sei que os seres humanos so capazes de fazer qualquer coi-sa, porm o que eu vi supera tu-do que voc imagina que possa ocorrer no corao das trevas.

    3) Que o portugus se-ja estudado nos pases latino--americanos.

    Essas duas ltimas pro-postas entraram no documento final de oito presidentes latino--americanos.

    26.04.1994De manh fomos eu,

    Joo Almino e Emanuel Brasil visitar o Ferlinghetti na sua livra-ria: Citi Lights. Embora seus 75 anos, est forte e rijo, com um brinco numa das orelhas. Rece-beu-nos s 9h30 na abertura da livraria. Falamos de vrias coisas. Fiz uma cena em minha filmado-ra. Refere-se Poesia Sempre, que est em sua mesa como uma re-vista colombiana. No a havia lido, mas estava impressionado pela apresentao grfica. L um poema meu em francs que est a revista: Lhomme cannibale, ri, acha-o parecido com Prevert. Au-tografa para mim e Joo Almino o seu romance, que surpreenden-temente sobre Fernando Pessoa como um anarquista em Paris nos anos 20. Dou-lhe O lado esquer-do do meu peito, cujo ttulo Joo Almino traduz para ele.

    Ele me conta que deram o seu nome a uma rua de San Francisco e fizeram uma festa na inaugurao com sua presena.

    Conversamos sobre o texto que recebeu do subcomandante Marcos, o Zapatista de Chiapas,

    fora de sequncia | FErnando MontEiro

    quase dirio | aFFonso roMano dE santanna Mxico. Promete uma cpia. Xe-rox. Vai parte de cima da livra-ria fazer a cpia mas desce com a cpia de um poema seu em pro-sa. S no caminho do caf, fora da livraria, resolve fazer a cpia do documento do subcomandante Marcos. Explico-lhe que aguarda-ria que ele o divulgasse primeiro.

    Conversamos sobre Yevtu-shenko (que conheci no Rio) a propsito de um pster do poeta no seu escritrio. Referiu-se a ele dizendo que participaram de uma sesso de poesia na Austrlia. Fala-mos de Mark Strand, mas ele no se mostrou interessado. No de sua gang. Insiste que deveriam dar o Nobel a Ginsberg, diz que escre-veu carta sobre isso para a Acade-mia Sueca, mas no responderam.

    Mostrou-me a carta-con-vite para ir a Belo Horizonte, ao festival organizado por Jos Ma-ria Canado, celebrando os 100 anos da cidade. Aconselho-o a ir e aproveito para convid-lo para passar pela Biblioteca Nacional e fazer uma leitura de poemas. Aconselho-o aceitar tambm o convite par ir a Medelln.

    O texto do subcomandan-te Marcos que Ferlinghetti me passou juvenil, messinico, fa-la de adeus de sacrifcio, um louvor ao dever. Fala que a luta tem dois lados, e que o escuro que possibilita o claro.

    Receio que seja um mito que a mdia criou.

    (ConClui na PrXiMa Edio)

  • junho de 2015 | | 5

    twitter.com/arquipelagofacebook.com/arquipelago

    livrariaarquipelago.com.br

    #descubraArquiplago > Finalista do Prmio So Paulo de Literatura> Meno honrosa no Prmio Casa de Las Amricas (Cuba)

  • 14 | | junho de 2015

  • junho de 2015 | | 15

    A arte de roubar

    Em Sujeito oculto, Cristiane Costa derruba fronteiras entre fico, biografia e ensaio e questiona a noo de autoria

    ovdio Poli Junior | Paraty rJ

    p ublicado em verso impressa pela Aero-plano e pela E-Galxia em formato digital, Sujeito oculto o pri-meiro romance de Cristiane Costa, narrativa que embaralha e coloca em dvida conceitos como auten-ticidade e originalidade e questio-na a noo de autoria por meio de um habilidoso trabalho de apro-priao e recriao literria.

    O romance tecido a par-tir de citaes, frases feitas e co-lagens. Assim, em meio trama temos intervenes vrias, apon-tamentos de agenda, recortes de jornal, horscopos, trechos su-blinhados de livros e pginas de anotaes material vrio que, sob a moldura colocada pela au-tora, assume conotao expressi-va no interior da obra.

    Esse experimentalismo acompanhado de um projeto grfico arrojado, que incorpora obra os trechos de outros autores e, antes que a autora seja acu-sada de plgio, deve-se ressaltar que as apropriaes esto clara-mente demarcadas no livro.

    Em entrevista recente, Cristiane afirmou Artes como a pintura, a fotografia, o cinema e a msica j incorporaram a apro-priao por meio da colagem, da montagem, do sampler e do des-locamento h muito tempo. A li-teratura tem mais pudor. Plgio seria assinar como sua uma obra criada por outra pessoa, ou que contenha trechos significativos de uma obra de outro autor, sem que isso seja declarado.

    O romance estruturado em trs partes que instauram um instigante jogo de espelhos en-tre si, na medida em que o autor nunca quem parece ser.

    Na primeira parte, temos a narrativa principal, constituda pelo monlogo de Carlos, mdi-co atormentado com a morte da mulher, com quem arrastou du-rante sete anos uma vida inspi-da de classe mdia assolada por dvidas em meio ao eterno retor-no do mesmo, os alicerces da ca-sa calcinados pelo marasmo. Ele tenta apagar da memria os ves-tgios desse inferno:

    Uma a uma, tirei as fotos dela dos porta-retratos espalhados pela casa. Sumi com os lbuns e as fitas de vdeo em que seu rosto apa-recia. Escondi tudo no alto de um armrio no quarto de empregada, sem ao menos dirigir um ltimo olhar, caso um dia nossos meus filhos queiram rever seu sorri-so. L, na ltima prateleira, esto as fotos que mostram aquele olhar petulante da juventude, quan-do ela achava que faria grandes coisas, e que se transformou len-tamente, foto a foto, no sorriso amargurado da ltima viagem.

    Alice, a ex-mulher, era lei-tora compulsiva e gostava de co-lecionar citaes, espalhadas em meio aos livros de sua biblioteca, em folhas soltas e em um cader-no. Ela abandona o emprego pa-ra dedicar-se leitura e escrita, mantendo-se como tradutora. Sem conseguir romper o blo-queio criativo, ela morre pouco tempo depois de ter feito um se-guro de vida.

    Carlos comea a ler as ano-taes deixadas pela mulher e se dirige a um interlocutor que no sabemos muito bem se se trata de um analista ou de um advogado interlocutor que no jogo me-talingustico presente na obra tambm o prprio leitor. Ao con-trrio da mulher, Carlos nunca teve pacincia para ler: chega em casa quase sempre extenuado e v com angstia a biblioteca sendo tomada por cupins.

    O mdico entrev nas anotaes compulsivas de Alice

    possveis amantes e desejos in-confessveis. A certa altura da narrativa, tenta descobrir por meio das anotaes e dos trechos sublinhados em livros indcios da vida secreta da mulher: se foi trado, se era amado, onde a vida a dois comeou a malograr.

    O livro poderia acabar aqui e essa primeira parte valeria por si s. Mas tem muito mais e o que se segue desmonta completamente a nossa seguran-a (coisa que no ser possvel resenhar para no roubar aos lei-tores o prazer da descoberta).

    A segunda parte constitu-da por pginas rasuradas que, no contexto ficcional da obra, fo-ram suprimidas por acusao de plgio. J a terceira parte um posfcio escrito por um crtico li-terrio, personagem que instaura outro olhar sobre a obra ao pro-curar situar o leitor em um la-birinto de referncias literrias e tambm pelo envolvimento com Catarina, filha de Carlos.

    ReconstruoUrdido com extrema habi-

    lidade, Sujeito oculto um ro-mance que no momento mesmo em que se afirma se desfaz dian-te do leitor, obrigando-o a um constante trabalho de reconstru-o, como se estivssemos diante de um palimpsesto.

    Na contracapa do livro, Heloisa Buarque de Hollanda observa: Usando a maestriade ser umadas mais conhecidas pes-quisadoras dos horizontes quea mdia digital vem abrindo para a criao denovosformatos nar-rativos,Cristiane Costa vaifun-do nas possibilidades do visual writing, do remix e do sampling, da pirataria criativa, da auto-riaindefinida e, ainda, damistu-ra deliberada degneros.

    O mosaico de citaes que a autora manipula e escon-de do leitor no desemboca em uma narrativa fragmentria ou em uma colcha de retalhos, com material inserido ao acaso e de forma aleatria, como se poderia esperar. Talvez resida a o maior mrito do romance, que conse-gue se manter como uma narra-

    trecho

    sujeitO OcultO

    Quando revisei os originais de sujeito oculto, avisei a Catarina que seria melhor usar aspas e notas de rodap para se livrar das acusaes de plgio, ou pelo menos uma bibliografia. Mas ela fugia disso desde os tempos do mestrado, quando se emaranhou em referncias que j no sabia identificar e literalmente entrou em pnico.

    a autoraCristiane Costa

    Passou a vida em meio a aspas e referncias, como jornalista, crtica literria, editora, pesquisadora e professora universitria. Todo cuidado para ser fiel s declaraes e identificar as citaes dos outros gerou um surto tardio de cleptomania, cujo resultado Sujeito oculto. Professora e coordenadora do curso de Jornalismo na UFRJ, pesquisadora de ps-doutorado do Programa Avanado de Cultura Contempornea. Foi editora do caderno Ideias (suplemento literrio do Jornal do Brasil), do Portal Literal e da revista eletrnica Overmundo. autora de cinco livros, entre eles Pena de aluguel: escritores jornalistas no Brasil.

    sujeitO OcultOCristiane CostaAeroplano156 pgs.

    tiva fluente e que prende o leitor (cativar tornar cativo, como diz Ricardo Piglia).

    Em Sujeito oculto temos vrios livros, pois o espelhamen-to criado pela autora faz com que a prpria noo de autoria se dilua tanto pelo contedo como pela estrutura do romance, cujo sentido se fragmenta e se multi-plica ao infinito (at mesmo pe-la ausncia da segunda narrativa, reconstituda parcialmente pelo crtico que figura como persona-gem na obra).

    No fosse por tudo o que se diz acima, ainda assim a au-tora estaria em bons lenis por exercitar a arte de roubar com tanta maestria. Afinal de contas, o que um autor? Borges, Ro-land Barthes e Foucault teriam muito a dizer sobre isso. Mas fi-quemos com a sabedoria popu-lar: Ladro que rouba ladro tem cem anos de perdo.

  • 16 | | junho de 2015

    No mbito da criao artstica e literria, adoro colagens, ci-taes, imitaes, reciclagens, remix, incorporaes, duplicaes, sam-plers, apropriaes e cpias. Ado-ro stiras e farsas. Adoro pardias, pastiches e, claro, plgios.

    Em 1992, o escritor Joo Silvrio Trevisan foi denunciado e julgado como plagirio. A de-nncia partiu de algum muito prximo do autor, um rapaz cha-mado Alberto Orozimbo, que alertou: O romancezinho que vocs acabaram de ler no passa de um grosseiro pastiche constru-do com toda a espcie de plgio e adulterao de outras obras.

    O romance em questo O livro do avesso, publicado nesse mesmo ano, pela paulistana Ars Poetica. Dividido em duas partes espelhadas, seu protagonista o prprio Alberto Orozimbo, um publicitrio-poeta insatisfeito e azarado, que na primeira parte acaba se envolvendo com margi-nais, policiais corruptos, loucos, vagabundos e terroristas.

    Na segunda parte O avesso do livro , durante uma assembleia tensa fica provado que Trevisan, o Grande Pla-giador, construiu sua saboro-sa narrativa policial com cenas, situaes e reflexes tiradas de Chesterton, Hitchcock, Bor-ges, Mario Faustino, Fritz Lang e muitos outros escritores, dra-maturgos e cineastas. Por que razo ele fez isso?

    A justificativa est na ore-lha do livro: Num mundo em esgotamento, onde se vive a per-manente sensao de que tudo ficou velho, a reciclagem no mera soluo resignada deste fi-nal de sculo. Reciclar, na ver-dade, tornou-se um estilo. No mbito da criao artstica e da poesia, reciclar apresenta-se co-mo um verdadeiro modo de ser.

    Essa a justificativa geral do modernismo e do ps-mo-dernismo para as pardias, os pastiches e os plgios realizados nos ltimos cem anos na litera-tura e nas artes.

    Uma dcada antes de O livro do avesso, a intertextuali-

    pardia, pastiche, plGio etc. (1)

    dade tambm movimentou boa parte de Lanark, o fabuloso ro-mance do escocs Alasdair Gray. No final dessa obra-prima publi-cada em 1981, ocorre um diver-tido debate entre o protagonista indignado e um autor resigna-do. Detalhe: totalmente aparta-do de Alasdair Gray, esse autor apenas mais um personagem da narrativa, uma interface entre o autor emprico e o livro que est sendo escrito. A certa altura ele explica ao protagonista:

    Sua sobrevivncia como per-sonagem e a minha como autor de-pendem de atrairmos uma alma viva para dentro do nosso mundo impresso e prend-la aqui por tem-po suficiente para roubar a ener-gia imaginativa que nos d vida. Para enfeitiar esse estranho, ando fazendo coisas abominveis. Estou prostituindo minhas lembranas mais sagradas, transformando-as em palavras e frases as mais co-muns possveis. Quando preciso de frases ou ideias de mais impacto, roubo-as de outros escritores, geral-mente distorcendo-as para mescl--las s minhas prprias.

    Em seguida apresentado ao leitor um esclarecedor ndice de plgios, indicando a origem da maioria das cenas, situaes e reflexes copiadas de outras obras. Um importante aviso precede esse ndice:

    Trs so os tipos de roubo literrio neste livro: plgio em bloco, em que o trabalho de ou-tra pessoa impresso como uni-dade tipogrfica distinta; plgio embutido, em que palavras roubadas so ocultas no corpo da narrativa; e plgio difuso, em que cenrios, personagens ou ideias so roubados sem as pala-vras originais que os descreviam. Para economizar espao, esses se-ro doravante referidos como Blo-pag, Emplag e Diplag.

    Visito minhas estantes em busca de outros exemplos de obras-colagens e encontro um magnfico artefato antropfago: a trilogia No corao dos boatos, de Uilcon Pereira, publicada no

    incio dos anos 80. Movida pelo mais refinado nonsense, essa sat-rica mquina-de-plagiar interroga autores e autoridades, reciclando sculos de tradio literria.

    Mais adiante, esbarro nos livros explosivos do terroris-ta Glauco Mattoso (o plgio mais honesto que o original, la-dro que rouba ladro tem per-do perptuo, Artefacto). Ao seu lado, respeitando mais a or-dem afetiva do que a ordem al-fabtica, encontro os livros no menos explosivos do no menos terrorista Sebastio Nunes e, em seguida, duas coletneas do po-eta-performer portugus Alber-to Pimenta. Na poesia recente de lngua portuguesa, esses so os trs apocalpticos cavaleiros da esttica da provocaam, cani-bais oswaldianos que no hesi-taram em expropriar da falida autoridade intelectual uns bons nacos de carne.

    Em outra prateleira encon-tro o best-seller Boca do Infer-no, de Ana Miranda, lanado em 1989. Esse romance historio-grfico incorpora pargrafos do padre Antnio Vieira e poemas de Gregrio de Matos, sem avi-sar o leitor. No acalorado debate veiculado pela imprensa, reunin-do jornalistas e crticos literrios, foram muito repetidas as pala-vras colagem, apropriao, cita-o, intertexto, pastiche e plgio (esta com bastante cautela).

    Quanto ao melhor nome pra essa transgresso, d pra notar que o consenso ainda est longe. O fato indiscutvel que a livre manipulao de textos alheios, sem a autorizao dos autores ou a indicao da verdadeira pater-nidade, um procedimento co-mum na arte e na literatura. Basta digitar em seu buscador preferi-do as frases plgio na literatura brasileira e plgio na literatu-ra mundial, por exemplo, que surgiro dezenas de outras obras, alm das citadas acima.

    Como a teoria literria tem lidado com essa questo? Da ma-neira mais generosa possvel: legi-timando a transgresso e as obras.

    Mas o problema da termi-nologia persiste. Nos manuais, dicionrios e enciclopdias, a se-

    parao entre pardia, pastiche e plgio sempre imprecisa e s ve-zes contraditria.

    Bastante sucinta, a defini-o de plgio do dicionrio Hou-aiss apresentao feita por algum, como de sua prpria autoria, de obra intelectual pro-duzida por outra pessoa no difere significativamente da defi-nio de outros dicionrios e en-ciclopdias, e do senso comum. A dificuldade que essa definio s contempla as situaes mais ntidas: quando algum simples-mente cola seu nome em cima do nome do autor de um romance ou conto, por exemplo, e publica o texto como se fosse seu.

    No o que acontece nas obras citadas h pouco. Joo Sil-vrio Trevisan e Alasdair Gray indicam, no corpo dos respecti-vos romances, a autoria das ce-nas, situaes e reflexes tiradas de outras obras. Uilcon Pereira e Ana Miranda, ao contrrio, op-tam por no explicitar o jogo in-tertextual. Isso caracterizaria o plgio? A maior parte da teoria literria garante que no, prefe-rindo classificar como pardia, pastiche etc., de acordo com a inteno do autor, analisada in-dividualmente.

    Linda Hutcheon, estudio-sa do ps-modernismo, tenta pr ordem na casa, em seu co-nhecido Uma teoria da par-dia. O assunto desse ensaio obviamente a pardia, mas isso envolve refletir tambm sobre as estratgias discursivas vizinhas. A pesquisadora canadense define seu objeto de estudo como uma forma de imitao caracterizada por uma inverso irnica, ou se-ja, pardia uma repetio com distncia crtica, que marca a di-ferena em vez da semelhana.

    fato bastante conheci-do que vivemos h dcadas uma crise da noo de autoria, cri-se que expe a fico romntica do sujeito como fonte coerente e constante de significao.

    Quando um parodista in-corpora frases originais de outro autor, misturando-as com fra-ses de sua prpria autoria, ocor-re uma nova contextualizao, mesmo se no houver qualquer indicao de paternidade. Essa a lei fundamental da potica do anacronismo: qualquer texto fora do contexto outro texto. Alis, bom lembrar que essa lei co-loca em xeque principalmente a noo de roubo, veiculada pela tradicional definio de plgio. Borges refletiu sobre essa ques-to no conto Pierre Menard, au-tor do Quixote.

    ConClui na PrXiMa Edio

    simetrias dissonantes | nElson dE olivEira

  • junho de 2015 | | 17

    inquritotatiana salem levy

    divulgAo

    t atiana Salem Levy nasceu em 1979, em Lisboa, onde sua famlia estava exilada devido ditatura militar no Brasil. Antes de completar um ano de vida, j estava morando no Rio de Janeiro. Estreou na literatura em 2007 com o romance A chave de casa, vencedor do Prmio So Paulo de Literatura. Em 2011, publicou Dois rios. E, ao final de 2014, lanou o romance Paraso. Ela mestre em estudos literrios e tradutora do francs.

    Quando se deu conta de que queria ser escritora? Eu j desconfiava, mas certeza eu tive aos 14 anos, quando li Memrias de uma moa bem-comportada, da Simone de Beauvoir.

    Quais so suas manias e obsesses li-terrias?Manias, no tenho. Uma das minhas ob-sesses literrias a memria.

    Que leitura imprescindvel no seu dia-a-dia?Jornal, de manh. Fico ou ensaios, ao longo do dia.

    Se pudesse recomendar um livro presidente Dilma, qual seria?Todos os contos de Machado de Assis.

    Quais so as circunstncias ideais pa-ra escrever?Tempo, silncio e uma cadeira confortvel.

    Obsesso pela

    memria

    Quais so as circunstncias ideais de leitura?Tempo, silncio e um sof con-fortvel.

    O que considera um dia de trabalho produtivo?Um dia em que eu tenha escrito uma boa frase, ou algumas bo-as pginas; um dia que eu tenha escrito uma boa coluna para o Valor; um dia que eu tenha tido uma boa ideia ou um dia que eu tenha lido um timo livro.

    O que lhe d mais prazer no processo de escrita?Descobrir o sentido de cada texto.

    Qual o maior inimigo de um escritor?A vaidade.

    O que mais lhe incomoda no meio literrio? A vaidade.

    Um autor em quem se deveria prestar mais ateno.Paloma Vidal.

    Um livro imprescindvel e um descartvel.Grande serto: veredas. Descar-tvel, no sei indicar. Normal-mente, nem comeo a l-los.

    Que defeito capaz de des-truir ou comprometer um li-vro? Ser artificial, no ter verdade.

    Que assunto nunca entraria em sua literatura?Os que no me interessam. Por exemplo, robtica.

    Qual foi o canto mais inusi-tado de onde tirou inspirao?Da cabea de certas pessoas, talvez.

    Quando a inspirao no vem...Vou ler, fazer ginstica, yoga, co-mer, dormir... Isso no me an-gustia, porque vivo com a iluso de ter todo o tempo do mundo para escrever.

    Qual escritor vivo ou mor-to gostaria de convidar para um caf?Virginia Woolf, algumas horas antes do seu suicdio.

    O que um bom leitor?Qualquer leitor j lucro.

    O que te d medo?Muitas coisas. Neste momento, tenho medo das pessoas que vo para a rua pedir interveno mi-litar no Brasil.

    O que te faz feliz?Muitas coisas tambm. Um mergulho no mar, um bom li-vro, viajar, estar com as pessoas que amo.

    Qual dvida ou certeza guia seu trabalho?Acho que s tenho dvidas. No tenho nem a certeza de que um dia no v parar de escrever. Te-nho um enorme fascnio pelas pessoas que de repente mudam completamente de profisso.

    Qual a sua maior preocupa-o ao escrever?Ser verdadeira comigo mesma.

    A literatura tem alguma obri-gao?A de ser livre.

    Qual o limite da fico?Nenhum. Pode at ser no-fic-o.

    Se um ET aparecesse na sua frente e pedisse leve-me ao seu lder, a quem voc o le-varia?Eu lhe diria que caiu no planeta errado.

    O que voc espera da eterni-dade?Que ela no exista.

  • 18 | | junho de 2015

    Sem proselitismoA resignao diante da vida, sem jamais abdicar da luta pela sobrevivncia, o tema central de Os Corumbas

    rodriGo GurGEl | so Paulo sP

    p ublicado em 1933, Os Corumbas, de Amando Fontes, te-ve longa gestao, desde o incio da d-cada de 1920, quando o autor, residindo no Rio de Janeiro, par-ticipava do grupo de intelectuais reunidos em torno de Jackson de Figueiredo. O romance nasceria s aps a Revoluo de 30, ao fim de tortuosa trajetria du-rante a qual Fontes viveu em trs estados: Bahia, Sergipe e Paran que terminou, mais uma vez, no Rio de Janeiro, quando o au-tor chegava aos 34 anos.

    Obra da maturidade, por-tanto o que talvez explique, parcialmente, as qualidades do livro , apesar de ser romance de estreia, Os Corumbas reafir-ma as lies de O quinze, de Ra-chel de Queiroz, publicado trs anos antes: repdio linguagem verbosa, nossa conhecida retri-ca, e ao naturalismo, ao romance de tese que, ainda em 1928, guiara Jos Amrico de Almeida na redao de A bagaceira.

    RealismoA histria da famlia Co-

    rumba tem seu incio dois anos antes da terrvel seca de 1905, num desses repetidos perodos em que o serto do Nordeste vi-ve sob tensa expectativa, na qual temor e esperana se digladiam enquanto a natureza no toma sua deciso.

    Com as chuvas, o fazendei-ro Joo Pianc precisa cumprir a promessa que fizera e organiza a Festa de So Jos. Os melhores msicos so convidados, entre eles, Geraldo Corumba, gaitis-ta famoso, que se apaixona pela filha caula de Pianc, Josefa, a flor da casa.

    O Geraldo que se apresen-ta, pronto a responder ao con-vite do futuro sogro com uma afirmativa jocosa Nem que chova canivete, antes das onze eu risco na Urubutinga e que encanta Josefa ao chegar festa cavalgando um ruo magro e perereca, no perdurar:

    Era moreno-claro, de estatu-ra mediana, corpo delgado e gil. Estava sem casaco, na sua cami-sa nova de riscado, calas brancas seguras por um largo cinturo de couro, com vistosas fivelas de me-tal. cabea, um largo chapu de palha de carnaba, circulado por uma fita escarlate, quebrado atrs e empinado na frente, emprestava--lhe um ar pimpo e alegre

    diz o narrador sobre o gaitista que, apenas dezenove anos mais tarde, com cinco fi-lhos, sente-se velho e hesita em aceitar o plano da esposa: Jose-fa sonha com a vida na capital, Aracaju, forma provvel de con-seguir emprego decente para os filhos maiores Rosenda, Albertina e Pedro nas fbricas de tecidos e na estrada de ferro.

    A gaita esquecida e a personalidade do patriarca fe-cha-se, desde a seca que os obriga a fugir para o engenho da Ribei-

    ra, num crescente mutismo. Seis anos de vida em Ara-

    caju serviro para derrotar o ca-sal. Quando Josefa, certo dia, recorda o aniversrio de casa-mento, Geraldo, agora um clau-dicante vigia noturno, nada responde e se limita a balanar a cabea encanecida.

    Essa resignao diante da vida, sem jamais abdicar da lu-ta pela sobrevivncia, o tema central da narrativa que muitos classificaram como proletria, termo que esconde a tentao de sequestrar o romance para a zona turva da literatura ideol-gica, na qual, alis, atolaram-se com sucesso os primeiros livros de Jorge Amado, at hoje cultu-ados pela esquerda.

    Os Corumbas , na ver-dade, literatura realista. Ou melhor, boa literatura, fico despojada do olhar cnico, do escrnio machadiano que polui nossa fico e, tambm, nosso

    to vivas nos gestos e palavras, e to mortas na alma.

    Vibra, no substrato desses comentrios, o leitor mal-acos-tumado, que exige a presena do narrador didtico, pronto a reve-lar o invisvel fundo de verda-de que ele descobre por trs do que v e apalpa, como o prprio Montenegro afirma. O realismo sbrio de Fontes no permite, contudo, essas tergiversaes, es-ses julgamentos.

    O autor recusa tambm os esteretipos, o sociologismo e a tese pessimista, no estilo de lvares de Azevedo, para quem a degradao moral regra absolu-ta da sociedade.

    Em relao a esse ponto, Massaud Moiss (em sua His-tria da literatura brasileira) parece no ter compreendido o romance, pois anseia descobrir ali alguma tese implcita: ou a de que no h remdio para o retirante nem para o operrio,

    imaginrio, fazendo-nos acre-ditar que h sempre, necessaria-mente, por trs de cada gesto, uma segunda inteno malvola.

    Como salientou Olvio Montenegro (em O romance brasileiro), as circunstncias invisveis e imponderveis for-mam o grande personagem do livro. Obra, alis, que Monte-negro, como outros, no enten-deu, exigindo de Fontes o que este recusa: um narrador onis-ciente capaz de esmiuar a al-ma dos personagens, revelando aos leitores a psicologia de cada um no por meio de suas de-cises, de seus atos como o romancista faz de maneira habi-lidosa , mas de elucubraes, comentrios e anlises morais ou antropolgicas.

    Montenegro chega ao c-mulo de afirmar que Fontes enfraqueceu moralmente e reduziu a zero a conscincia de personalidade das personagens,

    ilustrao: Tereza Yamashita

  • junho de 2015 | | 19

    o autoraMando Fontes

    Nasceu em Santos (SP), em 15 de maio de 1899, e faleceu no Rio de Janeiro, em 1 de dezembro de 1967. Passou a infncia e a adolescncia em Aracaju (SE), de onde provinha sua famlia, ali fazendo os estudos primrios e secundrios. Diplomou-se pela Faculdade de Direito da Bahia. Fixou-se no Rio a partir de 1930. Era funcionrio do Ministrio da Fazenda e elegeu-se deputado federal por Sergipe em duas legislaturas. Deixou outros dois romances: rua do Siriri (1937) e, inacabado, O deputado Santos Lima, no qual retrata os ltimos anos da Repblica Velha.

    ou a rousseauniana, de que a cidade degenera o homem do campo, de que as filhas de Geral-do e Josefa teriam sido levadas prostituio por serem ingnuas.

    Ora, Fontes deixa as pos-sibilidades abertas aos perso-nagens. E se h limites, so os enfrentados por todos ns, os da prpria realidade, que tentamos sempre superar, com menor ou maior sucesso.

    O filho, Pedro, por exem-plo, liga-se aos comunistas e, aps malsucedida greve, conde-nado ao degredo, pena comum na poca, escolhe continuar no partido. Depois, submete-se, por determinao partidria, a em-prego medocre, de baixssimo salrio, no Rio de Janeiro. Inter-rompe, assim, por escolha pr-pria, a carreira ascendente.

    Quanto prostituio de trs das quatro filhas uma de-las, Bela, morre de tuberculose , todas so educadas segun-do os rgidos valores de Josefa e Geraldo. Sabem, portanto, das consequncias, naquele meio e naquela poca, para as mulheres que optavam por relaes amo-rosas fora do casamento. Ro-senda, a mais velha, alertada severamente pela me, mas uti-liza a fuga amorosa como ges-to voluntarioso, de libertao. Albertina entrega-se por livre e espontnea vontade ao mdico da fbrica e diz: Faa de mim o que quiser. Sua atitude, sempre positiva e alegre, perma-nece igual quando se v aban-donada: deciso livre segue-se, sem nenhum drama, a mudan-a para a rua das prostitutas. Quanto a Caulinha, seduzida pelo noivo, mostra arrependi-mento, mas, principalmente, carter. Diante da fraqueza, da inferioridade do sedutor, age como se afirmasse: Desvirgini-zada, sim; desonrada, no.

    O comportamento dos personagens secundrios refor-a a liberdade das irms: outras mulheres seguem caminhos se-melhantes, mas algumas casam--se e so felizes. E h, entre as jovens, sejam operrias ou traba-lhem no escritrio das fbricas, a conscincia de como so vistas pelas famlias de outros bairros: podem ser atraentes, educadas e moralmente retas, mas continu-am sendo as moas do tecido, ou seja, devem procurar maridos na sua prpria esfera social.

    H revolta contra os baixos salrios, h conscincia da injus-tia, a impossibilidade de ascen-der socialmente est colocada de forma inquestionvel mas sem que o narrador discurse em favor dos pobres ou dos ricos, sem que decida edulcorar a rea-lidade com teorias mirabolantes ou, como se costuma dizer hoje, de maneira eufmica, politica-mente corretas.

    Escolhas aticas, censu-rveis, ocorrem tambm entre ricos e poderosos. Veja-se, por exemplo, o interesse poltico e a corrupo que norteiam as rea-es do governo estadual gre-ve das empresas txteis: quando

    o governador muda de lado, Ce-lestino, delegado de polcia da capital, a princpio defensor dos comunistas, percebe a fragilida-de de sua opo e no hesita em trair os lderes do movimento.

    A sociedade baseada no pa-triarcado e a moral da poca no surgem por meio do narrador que decide levantar a voz contra os opressores, mas das reflexes do personagem que se reconhece egosta e submisso s influncias familiares. Entre o amor por Ca-ulinha e o preconceito familiar, Zeca acaba vencido pelo segun-do, sintetizado na fala do av, antigo senhor de escravos:

    No, Zeca. Pra voc tor-nar s boas com ns todos e ter a nossa ajuda na vida, precisa to-mar juzo de uma vez. Comece por acabar com esse casamento desi-gual. Essa menina no digna de voc. Lembre-se bem: Mulher e co de caa, pela raa.

    A vida, to somente a vida, pulsa nesse romance, repetindo a lio irrefutvel que a maioria se recusa a aprender: escolhas pro-duzem consequncias.

    Dilogos e descriesA fora do romance mani-

    festa-se tambm nos dilogos es-pontneos e nas descries que no se perdem numa exatido cansativa ou no palavreado exu-berante.

    Veja-se, no Captulo 3 da Segunda Parte, as falas tensas, a agitao de Josefa:

    Tinha a fisionomia carran-cuda. De quando em quando en-grolava umas palavras de raiva, fazendo os bilros se entrechocarem com fora, num estalar ritmado e estridente.

    Passava alguns minutos nes-sa tarefa, os olhos fitos no desenho caprichoso que as linhas iam mo-delando; mas logo se impacientava e erguia-se para chegar at a jane-la. Olhava a rua em todos os sen-tidos. E como no divisasse o que queria, voltava, arrebatadamente, sua cadeira.

    Ah! exclamou em da-do instante. Essas meninas es-to tomando sopa comigo! Quem j viu uma coisa dessas? J passa muito das nove e aquelas duas mo-as sozinhas pela rua! Qual! Isso precisa entrar nos eixos

    Soavam dez horas no relgio da Txtil quando Albertina foi en-trando. S Josefa descarregou sua clera sobre ela:

    No! Eu no criei filhas pra andarem vagabundando at alta noite pelas ruas! Vocs esto se enganando comigo! O que que ficam fazendo l por fora? Namo-ros, com certeza Muito boni-to, isso! Se tm namorados, se eles so srios, com boas tenes, que venham ver vocs aqui em casa. melhor! Eu no me importo! O que no me cheira bem so esses passeios at tarde, ningum sabe por que cantos.

    A tenso cresce quando Rosenda finalmente chega:

    [] S Josefa caminhou para ela. E as mos escanchadas nas ilhargas, os olhos fuzilan-tes, prorrompeu:

    Bonito! Bonito! mesmo uma beleza! Quero saber onde que j se viu uma moa don-zela ficar sozinha na rua at essas horas! O que que est pensando? Voc cuida que me trepa no cangote. Ah! Ah! S Dona! Est enganada comi-go! Muito enganada, mesmo!

    Num segundo, a clera havia transtor-nado as feies da que chegara. Sua respirao tornou-se apressada e sibilante. Achou melhor, porm, no dizer nada. E, num gesto arrebata-do, dirigiu-se ao corredor.

    Mas S Josefa postou-se-lhe na frente: No, no! No saia! Tem que ouvir tu-

    do! No pense que s fazer suas doidices e corres caladinha pro seu canto! Tem que me escutar at o fim, pra ver se toma vergonha nessa cara!

    A, Rosenda j no pde mais se conter, e retrucou tambm gritando:

    Virgem! Me est ficando de uma for-ma, que nem quer que a gente d um passei-nho

    Eu estou ficando?! No estou ficando coisa alguma!

    E, batendo com a mo espalmada sobre o peito:

    Eu sempre fui a que sou hoje. Vocs, sim, que mudaram Quando a gente mo-rava na Ribeira, no havia passeios toda noite, nem amiguinhas, nem namoros. Mas, l, vocs eram tementes. Aqui, que engrossaram o pes-coo. []

    Ser sempre assim, independentemente do estado emocional dos personagens: s falas correspondem gestos, compondo cenas harm-nicas, sintticas, verossmeis, em que nenhum elemento pode ser classificado como exagero.

    O tempo marcado em dois nveis: as sirenas das fbricas assinalam no apenas o comeo e o trmino dos expedientes, mas o incio e o fim dos dias. Ditam os horrios de descanso, as pausas para refeies, todos os momentos que compem o cotidiano. Num plano maior, h as festas populares, grandes pausas no trabalho extenuante.

    Aos sbados, quando o expediente ter-mina mais cedo e os operrios recebem o pa-gamento, possvel caminhar a esmo, como fazem Caulinha e Zeca no Captulo 32 da Se-gunda Parte. No Cruzeiro de Santo Antnio, veem a cidade que se desdobrava a seus ps:

    Primeiro, o subrbio, com as suas casas, ora de palha, ora de telha, espalhadas, quase a esmo, por entre os arbustos ralos da caatin-ga. Mais adiante, o Cemitrio de Santa Isabel, muito branco, fazendo lembrar uma pequena vila, com as ruas, silenciosas e estreitas, de seus tmulos. Vinha, depois, a cidade, que era todo um amontoado de tetos vermelhos, afogados en-tre o verde dos coqueiros e das rvores que viceja-vam nos quintais. Mais longe, depois do casario, o Atlntico, azul e imenso, lanando espumas brancas na areia branca da praia. E l, qua-se imperceptvel na distncia, o vulto esguio da Atalaia Velha, com seu farol rotativo j aceso.

    No final, quando Geraldo e Jose-fa aguardam a partida do trem que os levar de volta ao interior, as chamins das fbricas fumegam. Mudos, afogados na derrota e na vergonha, ouvem as sirenas que liberam as operrias. A viso das moas em seus taman-cos e aventais, conversando alegres, agua a dor do casal e o tumulto do vago, repleto de viajantes, cessa, pouco a pouco, diante do choro dos velhos. Mesmo nesse ponto, quan-do a certeza de terem perdido tudo cresce e os engolfa, mesmo a o narrador se recusa ao proselitismo. Diante do leitor, alm dos solu-os de Josefa e Geraldo h somente o apito do trem e a locomotiva que resfolega. Nada mais nenhuma concesso ideologia ou a qual-quer tipo de catequese.

    NOTADesde a edio 122 do Rascunho (junho de 2010), o crtico Rodrigo Gurgel escreve a respeito dos principais prosadores da literatura brasileira. Na prxima edio, Oswald de Andrade e Serafim Ponte Grande.

  • 20 | | junho de 2015

    nossa amrica, nosso tempo | Joo CEzar dE Castro roCHa

    Atar as pontasEste o quarto artigo da srie dedicada lei-

    tura de Dom Casmurro. Hora, portanto, de uma breve recapitulao.

    Nas colunas anteriores, procurei virar pe-lo avesso a interpretao dominante de Otelo, mostrando, em primeiro lugar, que o verdadeiro ciumento da pea Iago, e, em segundo lugar, re-construindo, do ponto de vista do mouro, a solidez das evidncias que assombraram o general. Se mi-nha leitura fez sentido para voc, ento, estamos prximos a descobrir uma nova pea.

    (Sim, eu vejo muito bem seu sorriso irni-co: ele ainda acredita nesses exerccios de leitu-ra.... E tambm escuto seu sussurro: pretenso e gua benta....)

    No fundo, o propsito simples: com-preender o estatuto da evidncia na tragdia do mouro, a fim de compar-lo com duas outras pe-as de William Shakespeare: Cimbelino e Con-to de inverno. Tal comparao, se no me iludo, iluminar o mtodo machadiano na composio de Dom Casmurro.

    Eis minha aposta.O prximo lance de dados a leitura que

    proponho das desventuras de Pstumo Leonato.Mos obra.

    Uma pea-colagemEscrita provavelmente por volta de 1610,

    Cimbelino uma autntica pea-prottipo da es-trutura textual shakespeariana.

    Explico e nesse arrazoado, voc comear a intuir a escrita de Dom Casmurro.

    Os eruditos identificaram trs fontes princi-pais da fabulao de William Shakespeare.

    Em primeiro lugar, as Crnicas, de Raphael Holinshed, forneceram o argumento histrico, re-lativo figura do Rei breto Cunobelinus, educado em Roma e sagrado cavaleiro por Augusto. Se voc me permitir, foro a nota: um agregado de luxo!

    O Decameron, de Boccaccio, foi devidamen-te apropriado e teve duas histrias fundidas na pe-a. A narrativa de Belrio, fiel servidor, que, tendo sido injustiado pelo rei, sequestra seus dois filhos, internando-se na floresta. Para meu argumento, a intriga decisiva rene o casal de recm-casados Imognia e Pstumo Leonato, respectivamente, fi-lha do Rei Cimbelino e um gentil-homem, rfo, pois, morto o pai, a me faleceu ao dar luz. O tex-to esclarece a circunstncia social do jovem:

    Ficou o Rei com a criana, o nome deu-lhede Pstumo Leonato, como pajemo criou do seu servio, sobre ter-lheministrado instruo de quanto lhe erapossvel aprender em sua idade.Tudo ele assimilava sem trabalho,como com o ar fazemos. 1

    dom casmUrro: a obra-prima da reciclaGem (4)

    ilustrao: Carolina Vigna

    Machado aprendeu com Shakespeare a arte de reciclar a tradio literria: sempre

    a partir do alheio que se inventa a prpria obra.

  • junho de 2015 | | 21

    No vocabulrio duro de Bento Santiago, es-se jovem bem um agregado; sem dvida, com mritos que surpreenderiam o modestssimo Jos Dias. No importa: Pstumo Leonato foi criado na corte como se fosse um nobre. Contudo, social-mente, no passava de um agregado: voc descul-par o anacronismo, pois assim jogo gua para o meu monjolo, aproximando a trama shakespea-riana do universo casmurro.

    Mas estou apressando muito o rumo da prosa.Um passo atrs.Dizia que Cimbelino uma pea-protti-

    po, cujo procedimento foi retomado na escrita de Dom Casmurro.

    Vejamos.Shakespeare mescla trs fontes, a fim de colo-

    car em cena aes narrativas diversas, cuja conver-gncia ocorre apenas no final, e, ainda assim, graas s generosas licenas poticas caractersticas do ro-mance play, gnero ao qual a pea pertence.

    Machado mescla trs peas shakespearianas, concentrando-se no ncleo que associa o drama do mouro Otelo, do agregado Pstumo Leonato e do Rei Leontes: o cime. Melhor dito: o estatuto da evidncia que justifica (ou no) as tribulaes do homem ciumento.

    (Machado aprendeu com Shakespeare a arte de reciclar a tradio literria: sempre a partir do alheio que se inventa a prpria obra.)

    Viva o anacronismo!Cimbelino articula trs ncleos narrativos,

    porm, destacarei somente o dilema vivido pelo ca-sal Imognia e Pstumo Leonato.

    Comeo completando a citao que apresen-tava o agregado:

    (...) A colheitaseguiu-se primavera. Viveu Pstumona corte coisa rara sempre amadopor todos e elogiado, exemplo excelsopara os moos, espelho em que os mais velhosfolgavam de se ver e, para os homensde entendimento grave, uma crianaque os velhos conduzia. (445)

    A passagem importa, e muito, pela oposio, forte, entre o mrito individual de Pstumo Leona-to autntico prncipe renascentista e sua posi-o social na hierarquia da corte, ele um pajem, um agregado que se casou com a filha do Rei.

    (Voc pensou o mesmo que eu: essa situao evoca o comportamento do mouro, que, acolhido na casa do Senador Brabncio, terminou por se casar, s escondidas, com sua filha, a bela e dispu-tada Desdmona.)

    O preo a ser pago foi alto: o exlio; bani-do dos domnios do Rei Cimbelino e, sobretudo, afastado de sua esposa; afinal, filha de um rei, reserva-se um casamento de Estado e no um en-lace sentimental.

    (Mais uma vez, voc tem razo: essa perip-cia espelha, ainda que com os sinais invertidos, o drama de Oflia e seu malogrado romance com o prncipe herdeiro da Dinamarca.)

    Tudo dito com deliberada brutalidade no encontro do Rei com seu pajem, cujo objetivo era afastar Imognia do marido:

    Pstumo: Oh dor! Oh Rei!Cimbelino: Ser desprezvel, fora!Fora de minha vista! Se ficarespor mais tempo na corte a molest-lacom tua indignidade, morres! Fora,que o sangue me envenenas. (447)

    O contraste no pode-ria ser mais agudo, pois no h mediao lingustica entre o exemplo excelso e o ser des-prezvel. A mediao antes social: um mero agregado, ain-da que extremamente talento-so, no pode aspirar ao leito de uma futura rainha.

    Simples assim.Aqui principia a trama que

    retoma a temtica do cime, es-timulando o dilogo que esta-beleo entre as tribulaes do mouro e as angstias do agregado.

    Qual evidncia?Banido do reino da Bre-

    tanha, Pstumo Leonato busca abrigo na Itlia, sob a proteo de Filrio, amigo de seu pai. Em Roma, contudo, as boas-vindas so amargas, pois ele encon-tra Iachimo, um corteso italia-no disposto a desafiar o breto. Inconformado com a alta fama que o precede, revela sem ro-deios seu pensamento: O fato de haver desposado a filha do seu soberano o que nos leva a avali-lo menos pelos mereci-mentos prprios do que pelos da esposa contribui, sem dvi-da, para lhe exagerar a fama. O ressentido vai alm, concluindo que a unio pode ser anulada, uma vez que se trata de um ca-samento com um mendigo des-classificado (450).

    Para levar o projeto adian-te, Iachimo pesa a mo numa aposta improvvel e arriscada: prope ao breto nada mais na-da menos do que colocar pro-va a fidelidade de Imognia. Os termos da proposta so difceis de engolir. Eis como Iachimo refere-se filha do Rei, isto , esposa do agregado: De nome podereis continuar como dono dela; mas, como bem o sabeis, sobre a lagoa do vizinho tambm voam pssaros (415).

    O altivo Pstumo, redu-zido ao papel do agregado, no abate o atrevido voo do romano, antes aceita a aposta, redigindo uma carta de apresentao es-posa. Imognia reage indignada s insinuaes de Iachimo. Po-rm, ele dispe de uma ltima cartada, alegando ter trazido para o Rei Cimbelino uma baixela de desenho raro, pedraria custosa e trabalhada, de mui grande valor (456). Ento, solicita princesa que guarde a valiosa encomenda em seus aposentos. Desse modo ardiloso, Ulisses s avessas, Ia-chimo ingressa, escondido num ba, no quarto de Imognia, on-de pretende passar a noite.

    O cenrio est armado: de-pois de ler durante trs horas, Imognia decide repousar: o so-no me domina (458). A indica-o de cena precisa: (Adormece. Iachimo sai de dentro da mala.)

    A sequncia da ao vale por um tratado de epistemolo-

    gia. Transcrevo uma passagem longa, mas voc ver que essas linhas sintetizam todo o drama do mouro nos trs ltimos atos de sua tragdia:

    Mas meu intuito examinar o quarto.Vou tomar nota por escrito: quadrosde pintura com tal e tal assunto; (...)Oh! Bastar um sinal qualquer do corpo de valor probatrio dez mil vezesmaior do que o de objetos inferiores para deixar meu inventrio mais rico. (...) (Tira um bracelete de Imognia)Agora me pertence. Como provaexterior vai servir (...). Sobre o seiodo lado esquerdo, cinco nevozinhos. (...) Semelhanteparticularidade tem mais forado que as leis em conjunto. Esse segredovai obrig-lo a imaginar que eu pudequebrar os fechos e alcanar o ricotesouro de sua honra. Basta! Basta! (458-459)

    Iachimo coleta indcios como se fosse um en-tomologista de adultrios.

    Vejamos.Conhecer a decorao dos aposentos de Imo-

    gnia uma evidncia circunstancial nada alm disso; no fundo, pois ele poderia ter sido admiti-do no quarto, sem que esse fato comprometesse a constncia da filha do Rei.

    O bracelete mais comprometedor, agora se trata de uma evidncia indireta. No vocabulrio shakespeariano, uma prova exterior pertur-badora, mas ainda insuficiente. Ora, assim como ocorreu com Desdmona e seu famoso leno, Imo-gnia poderia ter perdido o bracelete.

    Iachimo precisa de uma prova irrefutvel. Pronto: a evidncia direta cai em suas mos, isto , em seus olhos, na forma dos sinais particulares do corpo de Imognia.

    O crculo se fecha. Confrontado com o con-junto das evidncias, Pstumo Leonato cai na ar-madilha, ameaando vingar-se da esposa (at que tudo se esclarea e o happy end se imponha):

    Ah! Se a tivesse mo para rasg-lamembro por membro. (464)

    Otelo, o mouro, viu o leno em mos de Bian-ca e ouviu as confisses discretas de Miguel Cssio.

    Pstumo Leonato, o agregado, foi exposto a evidncias fortes, mas no teve oportunidade de presenciar cena alguma que indicasse a trai-o da esposa.

    O que aconteceria com um Rei envolvido em situao similar?

    Eis o que veremos na prxima coluna, dedi-cada leitura de Conto de inverno.

    (Voc j sabe: aproveite o ms para reler a pe-a; desta vez, deixo uma dica: machadianamente, leia, releia e tresleia o julgamento na segunda cena do terceiro ato.)

    NOTA1. William Shakespeare. Cimbelino. Teatro Completo. Tragdias. Traduo de Carlos Alberto Nunes. Rio de Janeiro: Agir, 2008, p. 445. Nas prximas ocorrncias, indicarei apenas o nmero de pgina.

  • 22 | | junho de 2015

    A recomposio do maestro

    Msicas escritas por Tom Jobim ganham nova luz em antologia de contos

    Marilia KodiC | so Paulo sP

    d iz a histria que Frank Sinatra de-clarou, durante um show em Nova York, que na plateia esta-va o maior compositor do mun-do. Era Antnio Carlos Jobim. Vinte anos aps a morte do m-sico brasileiro que, por meio de um legado perene, partiu sem deixar seus fs rfos, a afirma-o que ento soara hiperblica ganha certa aura inviolvel. Fora inspiradora de inmeras criaes afluentes, sua herana musical agora agente catalisador da litera-tura em Vou te contar: 20 hist-rias ao som de Tom Jobim.

    A coletnea rene contos cujo como ponto de partida so msicas de sua autoria exclusiva (motivo pelo qual ficam de fora clssicos como Garota de Ipane-ma, composta em parceria com Vinicius de Moraes), escritos por 20 autores contemporneos, de estreantes a nomes consagrados como Menalton Braff e Silvia-no Santiago. Se a prpria natu-reza do gnero antolgico no fosse o suficiente para dar luz a uma obra multipolar, o fator si-nrgico do uso da msica como estmulo a torna ainda mais mo-saica, uma vez que cada histria representa uma catarse idiossin-crtica resultante das evocaes provocadas por determinada msica em cada autor.

    Alm disso, h inmeras perspectivas envolvidas.H a vi-so primeira, do letrista Tom Jo-bim. H o olhar do escritor, que interpreta esta e a transforma pa-ra a literatura. E h finalmente a tica do leitor sobre ambas, que se fundem num movimento in-voluntrio para formar uma s percepo, fenmeno similar quele imortalizado por Fernan-do Pessoa em seu Autopsicografia: O poeta um fingidor/ Finge to completamente/ Que che-ga a fingir que dor/ A dor que deveras sente./ E os que leem o que escreve,/ Na dor lida sentem bem,/ No as duas que ele teve,/ Mas s a que eles no tm.

    A exemplo das letras do precursor da Bossa Nova, os contos tratam de temas univer-

    sais, sobretudo o amor, as relaes familiares e a na-tureza, e muitos acompanham referncias diretas s letras de Jobim. O livro abre com Wave, em que a autora Adelice Souza imprime suas origens baianas ao narrar um romance na praia com aval de Ieman-j, rainha do mar. Todos os pargrafos iniciam-se com o primeiro verso da msica, Vou te contar (fra-se cuja autoria, ironicamente, de Chico Buarque, que no conseguiu seguir adiante com a letra), e muitos referem explicitamente a trechos da cano. Vou te contar. Ele ainda demoraria na cidade uns oito dias at navegar. Oito o infinito e teramos ainda o tempo inteiro. A primeira vez era a cidade. A segunda o cais e a eternidade, escreve.

    Enquanto alguns contos revelam nitidamente a msica em que foram inspirados, outros deixam a inspirao nas entrelinhas, como o caso de guas de maro, de Vinicius Jatob, que fecha o livro com uma beleza purgativa e movimento de flego, supri-mindo a pontuao ao estilo Manoel de Barros. J em Luiza, de Lcia Bettencourt, a intertextualidade indireta, aludindo harmonia da msica: A nota inicial, como uma pedra, pesada e cortante, um f, de faca, a faca com que tento extirpar o sentimento dentro de mim, mi. (Ah, a dor!) Mas, em seguida, o sol que explode em seus cabelos, se estilhaa e me corta outra vez como uma faca.

    Alm de Luiza, outras cinco musas de Tom Jobim ganham adaptaes literrias. Em Ana Lui-za, Susana Fuentes faz uma homenagem ao recriar a histria por trs da composio da letra, revelada por Jobim em uma entrevista: Ana Luza foi uma moa bonita que apareceu no Antonios, num dia que estava chovendo. Ela correu para aquela varan-dinha do Antonios. Era uma moa alta, grande, uma grande moa e uma moa grande. Estavam l Chico Buarque, Carlinhos de Oliveira, uma qua-drilha imensa. Chico comeou a falar com aquele riso dele, aquelas palavras incrveis e depois a chuva passou e ela foi embora. E ficou o nome.

    Em Ligia, ao narrar um amor momentneo, sem futuro, Mirna Brasil Portella tambm remete memria sentimental da criao da letra. Tom Jo-bim conheceu Lygia Marina de Moraes num bar em Ipanema, mas o encontro no rendeu frutos amorosos pois ele era casado e ela casou-se em se-guida com o escritor Fernando Sabino, amigo de Jobim. Foi apenas em 1994, quase duas dcadas aps o lanamento da msica e ano em que o casal se separou, que Jobim admitiu a fonte de inspira-o. Aparecem Angela e Bebel como musas frgeis e melanclicas, e Gabriela, originalmente inspira-da na personagem de Jorge Amado e que reaparece novamente como mulher forte e obstinada.

    Entre as letras que tm figuras femininas no cerne h ainda o Samba de Maria Luiza, que Jobim comps para a filha. O escritor Caco Ishak trans-forma a cano em um drama freudiano com uma personagem que explora seu Complexo de dipo ao narrar a transferncia do amor que sente pela me

    trecho

    VOu te cOntar

    Nada deixou de ser o que , o passado todo aqui, vertiginoso como a ave de rapina que afunda de bico no vale, compacto como as montanhas lavadas de sol que avisto pela janela em lonjuras de infinito, recorrente como o canto da crana que descansa suas rmiges negras no parapeito minha frente. (Passarim, de Marilia Arnaud)

    a organizadoraCelina PortoCarrero

    poeta, tradutora, pesquisadora e antologista. Organizou a antologia potica Amar, verbo atemporal: 100 poemas de amor (2012). Publicou em 2013 seu primeiro livro infantil, A princesa e os sapos e autora do livro de poesias retro-retratos (2007). Traduziu obras de Marcel Proust, Guy de Maupassant, Mark Twain, Liev Tolstoi e Jane Austen, entre outros.

    VOu te cOntar: 20 histrias aO sOm de tOm jObimOrg.: Celina PortocarreroRocco208 pgs.

    ao pai. Na temtica familiar esto tambm Espelho das guas, sobre um reencontro frustrante entre a filha e o pai que a abandonou; Fotografia, um cido relato sobre o vazio na era tec-nolgica e a incomunicabilidade en-tre geraes; e Esquecendo voc, que descreve um amor perdido do ponto de vista de um recm-tornado pai.

    Amores frustradosHistrias de amor frustradas

    como esta so recorrentes no li-vro. A perda da pessoa amada o tema central de Passarim e permeia As praias desertas, em que Marce-lo Moutinho apresenta uma pro-tagonista delirante e obsessiva que aguarda, em vo, por um encontro acordado trinta anos antes. A sepa-rao conduz o cido Voc vai ver, do sergipano Antonio Carlos Via-na, sobre o reencontro de um ex--casal e o reacendimento de antigos remorsos, e Cai a tarde, de Silviano Santiago, em que adquire ares filo-sficos com a explorao da relao entre amor e culpa.

    J em Vivo sonhando e Na so-lido da noite prevalece a atmosfera onrica e fantasiosa de amores bem--afortunados, enquanto o relato re-alista dos mesmos cabe a Branca de Paula em Querida e ao tarimbado Menalton Braff em Falando de amor: ambos tratam da surpresa da desco-berta do amor, o sentimento ainda embrio. Assim, os amores que de-ram certo tm presena forte, como era de se esperar num livro que tem em Tom Jobim sua essncia.

    Suas canes falavam sobre-tudo de amor pela mulher, pela famlia, pela arte, pela natureza , mas tambm representavam mais do que isso: eram um retrato do senti-mento e da identidade de um povo. Como escreveu Carlos Drummond de Andrade: Esse generoso, es-pontneo ser urbano-silvestre que o maestro Jobim representa muita coisa mais do que uma sensibilida-de pequeno-burguesa que modula crnicas de amor para consumo da classe mdia, a que logo adere uma suposta classe alta. antes um cria-dor musical que concentra o esprito do Brasil antigo, situando-o na atua-lidade sob condies novas.

    O livro no traz, por uma de-ciso editorial, as letras das msicas que inspiraram os autores, mas fica aqui a recomendao de que se leia duas vezes: a primeira, sem ouvir as canes, e a segunda deixando--se apreciar a sinestesia completa. Independentemente da qualidade literria, que , como em muitas obras do gnero, flutuante, Vou te contar uma aula sobre inspirao e uma oportunidade de encontrar um Tom Jobim distinto daquele que j conhecemos.

    E, por que no, de reforar a ligao entre msica e literatura que o prprio j cultivava, como conta Chico Buarque em uma entrevis-ta: Era difcil falar de msica com o Tom. Eu nunca vi ele falando de acordes, e tambm no falava de poltica. Mas ele adorava literatu-ra. Era capaz de recitar trechos in-teiros de Guimares Rosa, poemas de Drummond, T. S. Eliot, textos inteiros que ele sabia de cor. Ento, ele tinha muita ligao com a parte literria das canes.

  • junho de 2015 | | 23

    Sem mistrios nem prazer

    Que mistrio tem Clarice?, de Srgio Abranches, no romance nem ensaio. No quase nada

    MrCia lGia Guidin | so Paulo sP

    imagine-se um Ph.D. em ci-ncia poltica, analista pol-tico de prestgio, premiado e respeitado e na principal rea de atuao, ecopoltica. A voc se dispe a escrever um romance que trate de suas insis-tentes reflexes, como a finitude, conscincia da morte, o escoar do tempo, identidade, alterida-de e memria. Voc quer criar personagens em cuja boca vai colocar suas inquietaes exis-tenciais, ecolgicas ou polticas.

    Isso deve ser maravilhoso, no? Que prazer poder evocar juzos seus em dilogos e mo-nlogos interiores... E tudo em foco narrativo tradicional, em terceira pessoa, com narrao onisciente-onipresente, atravs da qual dirige e move a prota-gonista, a quem abertamente se afeioa. Algum esforo tcni-co vai costurar tempos narrati-vos diversos, trazido o passado ao presente atravs da memria dela ou de uma clara abertura de novo captulo.

    Esta personagem vive no Rio, tem perto de 60 anos; escritora premiada, amada por seus alunos e leitores. Grande es-tudiosa, possui saber acadmico colossal, sob o qual se comunica com a famlia e com a vida (de Thomas Mann a Guimares Ro-sa; de Virginia Woolf a Vieira; de Karl Heider a Garcia Lorca e por a afora). E mais: carrega no nome um eco do nosso imagi-nrio cultural: Clarice. Tal co-mo a Lispector, esta escritora viva, teve dois filhos, casou-se com diplomata, vive experin-cias existenciais profundas e vai morrer de cncer.

    Que tal? Deve ter sido uma experincia admirvel. O tempo da escrita deve ter enchido o au-tor de alegria e desopresso cul-tural. Entretanto, tal prazer de criao em nenhum momento entusiasma o leitor. O roman-ce de 300 pginas convida-nos a acompanhar o mistrio des-sa mulher, mas transforma-se em tarefa muito rdua para o leitor. Com todo o respeito, o romance no se ergue, o mistrio no con-tagia, biografia, morte, plot e tc-nica narrativa so triviais. Clarice no ter um retrato complexo.

    Que mistrio tem Clari-ce? ttulo inspirado numa co-nhecida letra-poema de Caetano Veloso para homenagear Lis-pector; mais recentemente foi nome de peas de teatro; e tem sido usado, em recorrente clich, como ttulo de resenhas sobre Lispector estudos afora. A ins-tigante capa do romance, com bela foto desfocada de perfil fe-minino leva pergunta: Srgio Abranches teria romanceado al-gum mistrio menos analisado de Lispector? A foto seria dela, nossa escritora maior? Afinal, culties atentos sabem que Clari-ce tem sido reavivada, principal-mente depois da biografia (quase una fantasia!) do americano Benjamin Moser.

    No, no, expectativa no se cumpre. O leitor que busca, ansioso, alguma analogia ou elo-

    uma figura existencialista profunda construda na e para a fico. Esta mulher bem-sucedida no carrega fracassos nem culpas, afinal: a vida familiar e profissional foi plena, e at cor-de-rosa.

    No vemos Clarice fracionada naquela ou nesta identidade. Ela funciona mais como um eu parcial do autor, que, por trs das qualificaes e do glamour a ela atribudas, pe o leitor eri-ado. Clarice (ai, a elite) anota pensamentos com uma caneta Montblanc num Moleskine (caderni-nho italiano chique); usa papel de linho para enviar carta aos filhos, come frango orgnico ao molho si-ciliano, veste-se de puro algodo e cita aclamados autores at em cartas testamentrias.

    O autor, creio, debruou-se de maneira su-perficial, talvez precria, sobre a personagem e a construiu, ao contrrio do que desejava, quase f-til e muito chata. Os dilogos entre ela, os filhos e amigos so quase todos inverossmeis, artificiais, intoleravelmente didatizantes e professorais.

    O fato que nas conversas ou escritos ou monlogos pesa muito a mo de Abranches, que em nenhum momento se esquece de si. Jorge, por exemplo, nos d uma aula de ecopoltica por p-ginas seguidas: Quando vou frica, me, tenho sempre a sensao de estar chegando a meu terre-no ancestral. Sei que ela o bero da Eva primor-dial, como diz Dawkins, aquele bilogo sobre o qual falamos outro dia. // Quando vou fotogra-far a fome recorrente na frica ao sul do Saara, na regio do Sahel, encontro a velha frica destitu-da. uma tragdia inclusive cultural. Os ensi-namentos de Clarice so tantos que teramos de assinalar a maior parte da obra.

    Algumas vozes crticas tm dito que este ro-mance est a meio caminho entre fico e ensaio. Discordo. A presena ideolgica do autor danifi-cou a construo ficcional e no construiu ensaio nenhum. No h uma hiptese temtica clara por onde comear. At onde compreendo, alis, fic-o e ensaio no convergem facilmente a no ser atravs de recursos tcnicos muito sofisticados (Cristovo Tezza, Luiz Ruffato, Jos Rezende Jr., Walter Hugo Me), no presentes nesta obra.

    Abranches explora pouco o monlogo inte-rior porque mantm congelado o ponto de vista, sem recorrer ao que se chama de oniscincia sele-tiva e que Lispector tanto usou. O desvio do foco neste ou naquele personagem (at nos secun-drios, a tia reencontrada ou namoradas de alu-nos-escritores) ocorre abruptamente, e o leitor se pergunta onde ter ficado o eixo principal.

    Ora, apesar das evidentes boas intenes, vir-tudes e ecos do que o autor quis dizer comeam quando se fecha um livro ( para isso que serve a leitura, no?); e no enquanto se leem, como pre-texto narrativo, insistentes referncias ao ser e estar do escritor no mundo. A impresso final do leitor a de que Srgio Abranches bem que poderia es-quecer-se mais de si para mergulhar mais e mais no gnero romance.

    gio e s encontra uma ou ou-tra frase clariceana , sente-se logrado. Editores antiga diriam que h, na capa, certo ardil do capista que, afinal, de nada pode ser acusado.

    Esta Clarice que nada ter da Lispector recebe sua sentena de morte, mas perma-nece num existencialismo bastan-te ralo, por exemplo: Qual a medida do tempo? O que fazer?; Meus anos todos lidando com a alma humana retratada na litera-tura e na filosofia me ensinaram que impossvel evitar a dor.

    Chama ento por car-ta! os filhos que, fora do Bra-sil e adultos, carregam, como seus pais, profisses de prestgio e extenso saber letrado (Como se saber? dilogos e mais di-logos): Jorge fotgrafo, passa temporadas na frica; Marina viaja mundo afora para escrever reportagens de turismo. A me quer passar os momentos finais com eles, quer reler obras impor-tantes e avalia se lhes conta ou no seu mistrio que s o marido, diplomata apaixonado, soubera e aceitara.

    Segredo de identidadeO mistrio do ttulo, a

    rigor, um segredo de identi-dade, que os filhos, s depois de sua morte que vo pesquisar e conhecer. Helena, aos 15 anos militara em uma organizao de esquerda, de resistncia di-tadura. Trocou de identidade e de nome, aps uma epifania (lendo um nome de criana num cemitrio), para escapar ao cri-minoso aparato militar que des-montava aparelhos clandestinos. Mais que isso, sumindo, liberta-ria a tia que a criara, iniciaria no-va vida, at para esquecer a viso da morte horrvel de uma moa grvida, vtima inocente de um dos confrontos de que Helena participara [Ora, correndo o ris-co desrespeitoso da ironia, at Jos Dirceu usou esse expedien-te, sob falso nome e nariz novo].

    Clarice, cujo cncer rea-viva o desejo de encerrar a vi-da atando os fios biogrficos do passado, apresenta-se no como

    trecho

    Que mistriO tem clarice?

    Deixou o consultrio sem pensar muito do que haviam falado. Quando saiu do vestbulo sombrio para o dia ensolarado e ameno do outono carioca, o susto a pegou. Perdeu a noo de onde estava. O ar lhe faltou. Precisou encostar-se parede do prdio para que a vertigem no a derrubasse. A frase que continha sua vida toda Um ano e meio... ecoava em sua cabea.

    o autorsrgio abranChes

    socilogo, analista poltico, blogueiro e escritor. Escreve sobre ecopoltica; seu primeiro romance foi O pelo negro do medo (2012). comentarista da rdio CBN, recebeu Prmio Chico Mendes de Jornalismo Socioambiental 2013. casado com a jornalista Miriam Leito.

    Que mistriO tem clarice? Srgio AbranchesBiblioteca Azul312 pgs.

  • rascunhoH 15 anos o jornal de literatura do Brasil

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    *Claro que voce deve saber: o autor de Cidades Mortas e Monteiro Lobato. Se nao sabe, ta ai mais um bom motivo para assinar ou ler O Rascunho

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    RASCUNHO. H 15 ANOS PASSANDO

    A LITERATURA A LIMPO.

    Se um pais, como disse o autor de Cidades Mortas*,

    e feito de homens e livros, entao e preciso que

    alguem exerca a tarefa de conectar uns e outros.

    Em outras palavras: para que exista uma literatura

    forte, e preciso que existam cada vez mais

    leitores. E leitores, como todos sabem, precisam

    de informacao sobre o que esta sendo escrito e

    publicado no mundo e, principalmente, no Brasil.

    Ha 15 anos, o Jornal Rascunho assumiu esse papel:

    conectar leitores e livros. Durante todo esse tempo,

    reuniu alguns dos maiores nomes da critica e da

    literatura do pais. E tornou-se, na palavra dos

    escritores e produtores, o jornal de literatura do

    Brasil. Quem busca referencias encontra, ha 15 anos

    e 180 numeros, textos de nomes que sao referencia

    nesse universo. Gente que respira, fala, faz e

    produz arte na forma de literatura. Agora, o Rascunho

    chegou em um ponto decisivo da sua historia. Para

    continuar existindo, e contribuindo para a cultura,

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    ou colaborando. Falando e replicando informacoes

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    apenas 7 reais por mes. Em qualquer outro caso, E

    preciso apenas uma coisa: amar os livros. Gostar

    de literatura. Ou, simplesmente, isso: adorar ler.

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    Se um pais, como disse o autor de Cidades Mortas*,Se um pais, como disse o autor de Cidades Mortas*,Se um pais, como disse o autor de Cidades Mortas*,

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    publicado no mundo e, principalmente, no Brasil. publicado no mundo e, principalmente, no Brasil. publicado no mundo e, principalmente, no Brasil.

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    conectar leitores e livros. Durante todo esse tempo, conectar leitores e livros. Durante todo esse tempo, conectar leitores e livros. Durante todo esse tempo,

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  • rascunhoH 15 anos o jornal de literatura do Brasil

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    *Claro que voce deve saber: o autor de Cidades Mortas e Monteiro Lobato. Se nao sabe, ta ai mais um bom motivo para assinar ou ler O Rascunho

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