Rancière e Laclau

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Daniel de Mendonça * e Roberto Vieira Junior ** Rancire e Laclau: democracia além do consenso e da ordem Rancire and Laclau: democracy beyond consensus and order Revista Brasileira de Ciência Política, nº13. Brasília, janeiro - abril de 2014, pp. 107-136. * É professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de Pelotas (Pelotas, RS, Brasil). E-mail: [email protected]. ** É mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Pelotas (Pelotas, RS, Brasil). E-mail: jimyjr2003 @gmail.com. O objetivo central deste texto é apresentar uma leitura crítica da demo- cracia liberal representativa, hegemônica no Ocidente, a partir das teorias pós-estruturalistas propostas por Jacques Rancière e Ernesto Laclau. Para tanto, na primeira parte do artigo, estabelecemos uma discussão sobre o atual estado de coisas no que diz respeito ao conformismo do referido regime liberal, visando enfocar, sobretudo, a sua resistência a privilegiar a “vontade popular” em detrimento do estrito respeito à lei (assumimos, portanto, que, para o liberalismo político, o cumprimento da lei vem sempre antes, pois que é prioritário, em relação à vontade do demos). Na sequência, passaremos à discussão sobre a proposta democrática desenvolvida por Rancière. Contrariamente à ideia liberal – que prevê que a boa democracia deve aparar as arestas dos conflitos e privilegiar, preferen- cialmente, o consenso e a decisão técnica ou racional – o autor apresenta a democracia como a própria ideia do dissenso, e a política (em contraposição à polícia) como a possibilidade da ampliação da democracia. A seguir, será a vez de tratar do enfoque democrático produzido por Ernesto Laclau. A exemplo de Rancière, para Laclau, a política existe no exato momento do antagonismo, este propício ao deslocamento estrutural,

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O objetivo central deste texto é apresentar uma leitura crítica da democracia liberal representativa, hegemônica no Ocidente, a partir das teorias pós-estruturalistas propostas por Jacques Rancière e Ernesto Laclau. Para tanto, na primeira parte do artigo, estabelecemos uma discussão sobre o atual estado de coisas no que diz respeito ao conformismo do referido regime liberal, visando enfocar, sobretudo, a sua resistência a privilegiar a “vontadepopular” em detrimento do estrito respeito à lei (assumimos, portanto, que, para o liberalismo político, o cumprimento da lei vem sempre antes, pois que é prioritário, em relação à vontade do demos).

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  • Daniel de Mendona* e Roberto Vieira Junior**

    Ranciere e Laclau: democracia alm do consenso e da ordem

    Ranciere and Laclau: democracy beyond consensus and order

    Revista Brasileira de Cincia Poltica, n13. Braslia, janeiro - abril de 2014, pp. 107-136.

    * professor do Programa de Ps-Graduao em Cincia Poltica da Universidade Federal de Pelotas (Pelotas, RS, Brasil). E-mail: [email protected].

    ** mestre em Cincia Poltica pela Universidade Federal de Pelotas (Pelotas, RS, Brasil). E-mail: jimyjr2003 @gmail.com.

    O objetivo central deste texto apresentar uma leitura crtica da demo-cracia liberal representativa, hegemnica no Ocidente, a partir das teorias ps-estruturalistas propostas por Jacques Rancire e Ernesto Laclau. Para tanto, na primeira parte do artigo, estabelecemos uma discusso sobre o atual estado de coisas no que diz respeito ao conformismo do referido regime liberal, visando enfocar, sobretudo, a sua resistncia a privilegiar a vontade popular em detrimento do estrito respeito lei (assumimos, portanto, que, para o liberalismo poltico, o cumprimento da lei vem sempre antes, pois que prioritrio, em relao vontade do demos).

    Na sequncia, passaremos discusso sobre a proposta democrtica desenvolvida por Rancire. Contrariamente ideia liberal que prev que a boa democracia deve aparar as arestas dos conflitos e privilegiar, preferen-cialmente, o consenso e a deciso tcnica ou racional o autor apresenta a democracia como a prpria ideia do dissenso, e a poltica (em contraposio polcia) como a possibilidade da ampliao da democracia.

    A seguir, ser a vez de tratar do enfoque democrtico produzido por Ernesto Laclau. A exemplo de Rancire, para Laclau, a poltica existe no exato momento do antagonismo, este propcio ao deslocamento estrutural,

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    situao necessria para o avano da vontade popular. Nesse sentido, a dis-cusso laclauniana passa pela retomada do conceito de populismo como uma forma de construo de vontades coletivas, de baixo para cima, a qual tem por caracterstica central justamente o aprofundamento da prpria democracia.

    Na ltima seo, passaremos comparao entre ambas as perspectivas tericas ps-estruturalistas. Veremos que, a despeito das diferenas que guar-dam entre si, para ambos os autores, democracia no um regime poltico com instituies definidas, mas, pelo contrrio, um princpio de valorizao da vontade do demos. Dessa forma, tarefa do ideal democrtico questionar e por em xeque as prprias instituies polticas estabelecidas e naturalizadas, a partir da construo de vontades coletivas capazes de promover o dissenso (conforme Rancire) ou o deslocamento estrutural (segundo Laclau).

    O conformismo dos democratas contra o demosEra noite e o prncipe Mchkin1 chegava casa de Nastcia Filppovna

    no exato momento em que ela oferecia uma recepo a um seleto grupo de convivas. Sem ter sido convidado, sem saber como deveria se portar na-quele ambiente estranho e sem tampouco saber como dizer o que desejava anfitri, o prncipe adentrou seu apartamento. Antes de prosseguir com o desenrolar da cena, Dostoivski faz uma providencial interrupo para rela-tar um detalhe fundamental sobre os primeiros anos de Filppovna em So Petersburgo, em uma passagem reveladora acerca do conformismo humano:

    Nastcia Filppovna ocupava um apartamento individual no muito grande mas mobiliado de modo realmente magnfico. Nesses cinco anos de sua vida em Pe-tersburgo houve uma poca, no incio, em que Afanassi Ivnovitch no regateava muito para ela; naquele perodo ele ainda contava com o amor dela e pensava em seduzi-la, principalmente com conforto e luxo, sabendo com que facilidade se inoculam os hbitos do luxo e com que dificuldade se renuncia posteriormente a eles quando o luxo vai se transformando pouco a pouco em necessidade (Dostoivski, 2002, p. 167, grifo nosso).

    O que Dostoivski sugere nessa passagem? Que Afanassi Ivnovitch

    sabe e no simplesmente tem como uma mera hiptese que o hbito, neste caso o hbito do luxo, ou seja, do suprfluo, do descartvel, vai se

    1 Estamos fazendo referncia ao romance O idiota (Dostoivski, 2002).

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    transformando pouco a pouco em necessidade. Nesse sentido, Ivnovitch conta e se utiliza dessa verdade para manter Nastcia Filppovna como sua amante. Naqueles anos, queria tornar-se algum a ela imprescindvel, mesmo que saibamos, conscientemente, ns leitores e, claro, a prpria Filppovna, que Ivnovitch apareceu e marcou um instante especfico na sua vida e no mais do que isso. Para ele, o luxo teria o poder de mant-la prisioneira da prpria situao de dependncia em que ela se encontrava. No entanto, tal aprisionamento era certamente tambm um autoaprisionamento da amante, marcado pelo luxo e, por consequncia, pelo comodismo e pelo conformismo que o luxo capaz de gerar. Alm disso, Afanassi Ivnovitch contava com a sensao, nutrida por Filppovna, de que to difcil sair de um estado de letargia para alcanar outro que, mesmo que se saiba que romper com tal estado seja o melhor a ser feito, no raras vezes justamente o que no ocorre.

    Tendo em vista a inrcia causada pelo conformismo, no nada sur-preendente que, para manter o conforto de uma situao torna-se comum minimizar os seus pontos negativos e perguntar-se com o claro intuito de amenizar as crticas , como seriam as coisas se elas mesmas no estives-sem conformadas da forma como esto. Argumentos ainda mais alarmistas poderiam ser aludidos em nome do conformismo, ou seja, ainda que uma dada ordem no seja perfeita, ainda assim, ela tem os seus pontos positivos e mais: fora dela tudo projetado como sendo o caos.

    O conformismo no simplesmente uma caracterstica particular dos indivduos: ele prprio de uma estrutura poltico-social. Poderamos di-zer, inclusive, que toda ordem poltica , em si e por ofcio, conformista e conservadora2, tendo como um dos seus objetivos centrais sedimentar uma verdade parcial e fazer da contingncia de sua apario o mais profundo e inescapvel sinal de necessidade tornar-se, ela prpria uma ordem particular, a ideia mesma de ordem, sempre numa tentativa, no seu limite desesperada, de negar a sua finitude, o seu carter no transcendente. Assim ocorreu com todos os regimes polticos que prometiam uma eternidade que no durou mais do que algumas dezenas de anos: o fascismo, o nazismo,

    2 Estamos considerando que toda ordem funciona como um sistema autorreferente que tem por princpio manter-se (conservar-se) como tal. por essa razo que os termos conformismo, conser-vador e at mesmo ordem so aqui tratados como sinnimos e como marcas da inrcia de todo sistema social. No h qualquer tom pejorativo na afirmao de que um sistema conservador: simplesmente afirmar uma obviedade, uma tautologia.

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    o comunismo sovitico. Assim ocorre neste momento com a democracia representativa liberal3.

    Com a queda do Muro de Berlim e o posterior colapso da Unio Sovitica, a democracia liberal viveu o seu momento de grande triunfo. O fim da his-tria foi anunciado e a articulao entre esse sistema poltico e o capitalismo tornou-se hegemnica no Ocidente e nos Estados ps-comunistas do leste da Europa. Ainda considerando o impacto da crise financeira de 2008 e os cres-centes movimentos de protesto surgidos em todas as partes do mundo desde ento, essa articulao hegemnica persiste nos cenrios poltico e econmico. A razo pela qual a democracia liberal e o capitalismo seguem triunfantes reside na simples admisso de que hoje no h um projeto poltico e econ-mico capaz de colocar-se claramente como um discurso contra-hegemnico. Numa situao como essa, o conformismo o grande aliado do status quo.

    Mesmo com a ausncia de um projeto alternativo capaz de claramente antagonizar com a experincia democrtico-liberal capitalista, isso no quer dizer que esta ltima no tem sido posta em xeque. Os movimentos de protesto iniciados em 2011 tais como o Occupy Wall Street, os Indignados e seus congneres na Grcia, em Portugal e, mais recentemente, em pases como Brasil e Turquia tm demonstrado um evidente desconforto com os sistemas democrtico-liberais capitalistas. bem verdade que no propria-mente uma novidade a crtica ao capitalismo no prprio mbito das economias capitalistas: o sistema sempre foi essencialmente excludente e, como tal, tem sido, historicamente contestado. Em nossa opinio, o que se tem tornado mais recorrente a crtica ao brao poltico dessa articulao, ou seja, a democracia liberal, a verso representativa parlamentar do chamado governo popular.

    H, nesse sentido, uma contestao crescente em torno da fraca re-presentatividade dos parlamentos em relao vontade popular. As casas legislativas tm sido vistas como espaos de representao dos interesses privados das grandes corporaes e de polticos apartados de suas bases eleitorais.4 Cada vez mais se tem criticado que a pluralidade representada

    3 Neste texto, consideraremos os termos democracia liberal e democracia representativa como sinni-mos. Tm o mesmo sentido de poliarquia, termo bastante conhecido, cunhado por Robert Dahl (1997).

    4 Crtica semelhante j foi realizada por Carl Schmitt em algumas oportunidades, como no prefcio da segunda edio de A crise da democracia parlamentar, escrito em 1926: Mas o que pior, e desfaz qualquer esperana, que em algumas naes o sistema parlamentar conseguiu transformar todas as questes pblicas em objeto de cobia e de compromisso dos partidos e dos agregados, e a poltica, longe de ser uma ocupao de uma elite, passou a ser a desprezvel negociata de uma desprezvel classe de gente (Schmitt, 1996, p. 6).

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    nos parlamentos extremamente limitada, visto que a poltica tem, por um lado, sido conduzida como negcio privado e, por outro, a umbilical relao entre os Estados e o sistema econmico internacional tem ditado aes que mais e mais pressionam governos no sentido de saldarem compromissos com grandes conglomerados industriais, bancos internacionais etc.. Em suma: a relao entre os Estados democrticos representativos liberais e as corporaes que dominam o ambiente do capitalismo globalizado tem servido aos interesses de poucos em detrimento do contexto mais geral das populaes que vivem nesses Estados.

    Apesar do crescimento da crtica contra a articulao entre capitalismo e democracia liberal, insistimos, no h projetada no horizonte poltico uma alternativa efetivamente vivel hegemonia democrtico-liberal: esse o principal trunfo dos defensores desse modelo. Tal fato justamente aquele que permite que liberais de direita, mas tambm aqueles de esquerda, j domesticados com a ideia de uma nica via, faam previses catastrficas contra todo o pensamento antissistmico. Ademais, qualquer crtica mais contundente ao status quo sofre, como contra-ataque, a ameaa de que um mundo ps-liberal seria aquele governado pela gide da barbrie totalitria. Slavoj iek percebe claramente essa estratgia que visa calar todo projeto poltico alternativo:

    [...] a noo de totalitarismo, longe de ser um conceito terico efetivo, uma espcie de subterfgio que, em lugar de nos permitir pensar e de nos obrigar a adquirir uma nova viso da realidade histrica que descreve, nos desonera do dever de pensar e, inclusive, impede-nos ativamente de pensar. (...) Desde o momento em que nos aparece a mais ligeira inclinao de fazer parte de projetos polticos que pretendem se opor seriamente ordem existente, a resposta imediata: Por bem intencionada que seja, acabar necessariamente em um novo Gulag! (iek, 2002, p. 13-14, grifos do original).

    Os liberais insistentemente advertem que no h outro mundo civilizado

    possvel fora do seu mundo (o que representa uma postura tpica de todo o fenmeno ideolgico, aqui entendido como a negao da admisso da fini-tude de uma crena ou fundamento). Eles podem at admitir que existam desnveis no capitalismo global; porm, propem somente correes a eles, tais como as chamadas medidas econmicas de austeridade em relao aos Estados endividados, as quais claramente no tm sido capazes de produzir

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    nada alm do que mais desigualdade social no prprio centro do capitalismo global. Ademais, insistem na afirmao de que, no atual estgio do desen-volvimento da articulao entre a democracia e o liberalismo (poltico e econmico), s h mesmo uma alternativa: a da democracia representativa conjugada com a ideia da especializao tecnocrtica ditada pela lei dos mercados. Longe disso, tudo pode redundar em barbrie. A democracia liberal prefere o imprio da lei ao imprio da vontade popular: a ela no somente falta o demos, tal falta , inclusive, por ela requerida e festejada.

    As democracias realmente existentes no fazem a menor questo de que sejam construdas vontades coletivas. Para elas, suficiente admitir formal-mente que os parlamentos so locais onde o pluralismo poltico tem o seu lugar. Os cidados esto acostumados a acreditar no bordo democrtico de que as assembleias representativas so o reflexo da sociedade. Em completa oposio a essa ideia minimalista de democracia, para Jacques Rancire, o que existe, de fato, um dio democracia e, sobretudo, ao seu demos:

    Estamos acostumados a ouvir que a democracia o pior dos governos exceo de todos os outros. Porm, o novo sentimento antidemocrtico nos apresenta uma frmula geral mais perturbadora. O governo democrtico, diz-se, mau quando permite ser corrompido pela sociedade democrtica, que quer que todos sejam iguais e que todas as diferenas sejam respeitadas. bom, por outro lado, quando rene indivduos (...) para a guerra para defender os valores da civilizao, os valores que pertencem ao choque de civilizaes. A tese do novo dio democracia pode ser sucintamente colocada: existe apenas uma democracia boa, aquela que reprime a catstrofe da civilizao democrtica (Rancire, 2006, p. 4).

    Ao esprito liberal, o regime democrtico deve estar seguro em relao

    vontade popular para ser considerado uma boa democracia. Numa pala-vra, a democracia foi higienizada; a catstrofe da civilizao democrtica, mencionada por Rancire, foi contida pelo mantra de que o certo, o justo, o civilizado o fiel cumprimento do imprio da lei. Houve, portanto, a libe-ralizao da democracia, que produziu justamente o contrrio daquilo que previa Tocqueville, ou seja, no a tirania da maioria, mas a sobrevalorizao do indivduo em detrimento do coletivo. O indivduo, ou, melhor dizendo, a ideia e a defesa do individualismo extremo como princpio fundamental, a prioridade da articulao entre democracia e liberalismo. Curiosamente, parece que estamos testemunhando a defesa de indivduos que no passam

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    de pequenos tiranos platnicos, solitrios, tristes e com medo da multido que os cerca.

    O fundamental democracia liberal retirar da cena poltica todo e qual-quer tipo de ponto de antagonismo. Para os liberais, tudo pode ser resolvido por meios no violentos como a razo, o consenso e, sobretudo, a lei. Fazem uma intransigente defesa da abstrao e da necessria justia da lei como se essa pudesse ser considerada fora das condies polticas que a forjaram, como se ela fosse acima de interesses. No existe lei cega, justia cega, mas sempre uma e outra so produtos de uma deciso poltica, marcada pela fora e pela excluso. A democracia liberal naturaliza o direito do mais forte, no sentido rousseauniano do termo: O mais forte nunca suficientemente forte para ser sempre o senhor, seno transformando sua fora em direito e a obedincia em dever (Rousseau, 1978, p. 25). No admitir isso, o bvio ululante, incorrer no conformismo, no comodismo contrrio mudana e alicerado numa forma contempornea de manuteno da desigualdade: o cinismo poltico.

    contra esse cinismo e comodismo democrtico liberal, fundado na ideia de que possvel uma vida social sem qualquer tipo de antagonismo ou de excluso, que a corrente ps-estruturalista do pensamento poltico se insurge. A despeito das diferenas que guardam entre si os autores ps-estruturalistas, um elemento os unifica: a afirmao de que no h possibilidade de pensar a poltica sem nenhum tipo de excluso, como tem insistido o liberalismo poltico. Nesse sentido, justamente papel da democracia (entendida aqui como princpio e no como regime consolidado) a luta pela incluso de diferenas excludas em regimes. A incluso depende inevitavelmente da luta poltica, como veremos na sequncia deste texto.

    Nas sees seguintes, trataremos dos sentidos que Jacques Rancire e Ernesto Laclau atribuem democracia, esta no como um regime poltico ou um conjunto de instituies consolidadas, mas justamente o seu contrrio: democracia com um sentido perturbador ordem excludente. Comecemos por Rancire e a democracia como dissenso.

    Rancire: a democracia como dissensoJacques Rancire (2005a) parte da ideia de que a democracia deve ser

    entendida como a experincia da distancia das coisas. Tal distncia representa o momento em que o homem age para que sua voz possa ser ouvida, mas

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    sempre permanecendo a uma distncia adequada. Essa construo terica do autor tem por ponto de partida para sua compreenso a noo de outro conceito, o de igualdade.

    Para Rancire, na ideia da igual inteligncia que reside a base da teoria do estado de igualdade poltica. Segundo o autor, as pessoas comuns devem ter a presuno de inteligncia, no que concerne vida social e poltica, da mesma forma que devem receber a presuno de inocncia nas questes jurdicas. Rancire simplesmente acredita que todos os indivduos podem pensar partindo de uma mesma capacidade bsica comum (e a reside a igualdade).

    Partamos de uma premissa bsica presente no pensamento poltico do autor para abordarmos a igualdade no contexto de sua obra. Tal premissa encontra-se na introduo de O mestre ignorante: Quem estabelece a igual-dade como objetivo a ser atingido, a partir da situao de desigualdade, de fato a posterga at o infinito. A igualdade jamais vem aps, como resultado a ser atingido. Ela deve sempre ser colocada antes (Rancire, 1996b, p. 11).

    O que mais interessa nessa passagem o fato de referir e apontar o mo-mento da igualdade. No depois, mas antes: a igualdade como pressuposto. Com isso, Rancire rompe com o paradigma corriqueiro de que, na poltica, a igualdade um ideal, algo por vir; para ele, ao contrrio, trata-se antes de um a priori. No entanto, questes pertinentes se colocam frente a esse tratamento incomum em torno do tema da igualdade: como consider-la antes de tudo, ou seja, no como um objetivo a ser buscado, mas como um pressuposto? Como ver a igualdade como um a priori em uma sociedade marcada pela hierarquia e pela ordem imposta?

    Frente a tais questes, essa proposio sobre a igualdade poderia soar como totalmente descabida, seno impossvel. No entanto, para evitar su-postos mal entendidos, tomemos agora o tratamento que Rancire d a esse mesmo tema em O desentendimento. Segundo ele, o fato de que em nossa sociedade a ordem esteja baseada em relaes em que poucos mandam e muitos obedecem a evidncia primeira da igualdade. Nesse sentido, para que uma ordem seja obedecida, dois aspectos fundamentais devem ocorrer; o primeiro: a ordem necessita ser compreendida para poder ser cumprida; o segundo: imperativo que quem recebe a ordem compreenda que pre-ciso obedecer. Assim, para que uma ordem tenha efeito, necessrio que tanto aquele que ordena como o seu subalterno tenham igual capacidade de compreenso (Rancire, 1996b). Consequentemente, o autor conclui que a

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    desigualdade s , em ltima instncia, possvel pela igualdade (Rancire, 1996b, p. 31). Paradoxalmente, sendo, por um lado, a igualdade produtora da desigualdade, por outro lado, somente a partir do prprio pressuposto da igualdade como um a priori que se torna possvel romper com uma situao de desigualdade. exatamente esse o lugar da poltica como contingncia que tem a igualdade como princpio de ordem e de desordem: Existe poltica quando pela lgica supostamente natural da dominao perpassa o efeito dessa igualdade (Rancire, 1996b, p. 31, grifo nosso).

    O pressuposto da igualdade como potencial de rompimento com qualquer ordem estabelecida ser mais bem compreendido a partir da introduo de dois elementos tericos indispensveis compreenso do pensamento poltico do autor: as noes de ordem policial e de poltica. Poltica e polcia tm, para o autor, sentidos diferentes daqueles habitualmente aceitos e domi-nantes na cincia poltica. Ademais, tais noes devem ser compreendidas a partir da necessria relao estabelecida entre elas. Vejamos desde as suas prprias palavras:

    Minha hiptese supe portanto uma reformulao do conceito de poltica em relao s noes habitualmente aceitas. Estas designam com a palavra poltica o conjunto dos processos pelos quais se operam a agregao e o consentimento das coletivida-des, a organizao dos poderes e a gesto das populaes, a distribuio dos lugares e das funes e os sistemas de legitimao dessa distribuio. Proponho dar a esse conjunto de processos um outro nome. Proponho cham-lo polcia, ampliando portanto o sentido habitual dessa noo, dando-lhe tambm um sentido neutro, no pejorativo, ao considerar as funes de vigilncia e de represso habitualmente associadas a essa palavra como formas particulares de uma ordem muito mais geral que a da distribuio sensvel dos corpos em comunidade (Rancire, 1996a, p. 372).

    Nas palavras do autor, a poltica, na sua relao com a ordem policial, assume caractersticas especficas que permitem a ligao dessa noo com pretenses tericas mais radicais. Afirma Rancire:

    A poltica, com efeito, no em princpio o exerccio do poder ou a luta pelo poder. O seu quadro no est desde logo definido pelas leis e instituies. A primeira questo poltica saber que objetos e que sujeitos concernem a essas instituies e a essas leis, que forma de relaes definem apropriadamente uma comunidade poltica, que objetos concernem essas relaes, que sujeitos esto aptos a designar esses objetos e a

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    discuti-los. A poltica a atividade que reconfigura os quadros sensveis no seio dos quais se definem os objetos comuns. Ela rompe com a evidncia sensvel da ordem natural que destina os indivduos e os grupos ao comando e obedincia, vida pblica ou vida privada, ao assin-los desde logo a um certo tipo de espao ou de tempo, a certa maneira de ser, de ver e de dizer. Esta lgica dos corpos no seu lugar dentro da distribuio do comum e do privado, que tambm uma distribuio do visvel e do invisvel, da palavra e do rudo, aquilo a que propus nomear com o termo de polcia. A poltica a prtica que rompe com essa ordem da polcia que antecipa as relaes de poder na prpria evidncia dos dados sensveis. Ela o faz atravs da inveno de uma instncia de enunciao colectiva que redesenha o espao das coisas comuns (Rancire, 2010, p. 86).

    Para Rancire, o conflito poltico a tenso entre o corpo social estru-turado (no qual cada parte tem seu lugar) e uma outra parte (que no est contida nesse corpo estruturado), que acaba por perturbar aquela ordem social estabelecida. A poltica, assim, sempre envolve uma espcie de choque entre a estrutura do corpo social e uma singularidade que desestabiliza seu sentido de universalidade. Em outras palavras, a poltica envolve um tipo de curto-circuito entre o universal e o particular, um tipo especfico de paradoxo expresso na ocorrncia de uma singularidade que se mostra como substi-tuta de uma universalidade. Essa ocorrncia provoca uma desestabilizao da ordem funcional natural presente no corpo social e nas relaes a ele inerentes (iek, 2007).5 Da relao conflituosa entre a polcia e a poltica, resulta a necessidade da discusso de um terceiro elemento indispensvel com vistas compreenso da noo de democracia na elaborao terica de Rancire: o dissenso.

    Segundo o autor, o momento do dissenso aquele caracterizado pelo conflito que se estrutura com relao ao que ele denomina como a partilha do sensvel. A partilha do sensvel :

    5 Essa construo terica acerca do tema poltica com as lgicas de conflito que originaram nessa teoria as categorias de arquepoltica (intentos comunitrios no sentido de um fechamento de um espao estruturado tradicional homogneo e orgnico, sem espao para o dissenso), parapoltica (a lgica policial onde o conflito aceito e acaba por ser reformulado por uma disputa por representao entre os que tem seu lugar reconhecido) e metapoltica (a afirmao do conflito poltico sem limites, a transformao da administrao do povo em uma ordem coletiva de vontades, transparente e racional para si mesma) como renegociaes do momento poltico - um dos motivos que permi-tem identificar no pensamento de Rancire elementos de aproximao com convices libertrias e antiautoritrias.

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    O sistema de evidncias sensveis que revela, ao mesmo tempo, a existncia de um comum e dos recortes que nele definem lugares e partes respectivas. Uma partilha do sensvel fixa portanto, ao mesmo tempo, um comum partilhado e partes exclusivas. Essa repartio das partes e dos lugares se funda numa partilha de espaos, tempos e tipos de atividades que se determina propriamente a maneira como um comum se presta participao e como uns e outros tomam parte nessa partilha (Rancire, 2005a p. 15, grifos no original).

    O conflito sobre a partilha do sensvel o resultado de um tensionamento que se d no corpo social estruturado, entre cada parte que tem o seu lugar nessa diviso e aqueles que no tm lugar, aqueles que o autor denomina de a parte de parte alguma, esta ltima responsvel por perturbar a referida ordem em nome do princpio da igualdade de todos os sujeitos polticos enquanto seres falantes e dotados de idntica capacidade de compreender, conforme vimos acima. Para Rancire, por intermdio das relaes ocorri-das entre pensar, ouvir, ver e fazer que se d essa demonstrao das fissuras e das fraturas que acontecem na estrutura de um corpo social. Esse corpo social identificado com concepes de igualdade que resultam dos acordos prvios e que raramente so colocados em teste. Assim, Rancire (2010) apresenta a noo de um conflito que ocorre entre uma forma determinada de distribuio do sensvel e aquela parte que est excluda nessa distribuio (a parte de parte alguma), o que no pode ser delimitado somente por um simples atrito entre discursos ou argumentos: o dissenso um momento poltico por excelncia, conforme veremos.

    Segundo essa concepo terica do dissenso, so os momentos de desentendimento, os quais Rancire denomina de cenas de dissenso, os responsveis por promover e possibilitar a emancipao possvel por meio de comunidades de partilha que visam alterar o corpo social, dado como imutvel pelo consenso. A relao do momento de dissenso com a ideia de poltica, apresenta sua imbricao necessria na teorizao de Rancire, quando o autor descreve a poltica como a irrupo de algo que abala as estruturas do consenso, como um elemento que regula a distribuio dos lugares e as funes no corpo social. Nesse sentido, a relao entre dissenso e poltica caracterizada da seguinte maneira:

    Proponho reservar a palavra poltica ao conjunto das atividades que vm perturbar a ordem da polcia pela inscrio de uma pressuposio que lhe inteiramente he-

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    terognea. Essa pressuposio a igualdade de qualquer ser falante com qualquer outro ser falante. Essa igualdade, como vimos, no se inscreve diretamente na ordem social. Manifesta-se apenas pelo dissenso, no sentido mais originrio do termo: uma perturbao no sensvel, uma modificao singular do que visvel, dizvel, contvel (Rancire, 1996a, p. 372).

    Dessa maneira, o autor prope o dissenso como a cena prpria da poltica, no a poltica no sentido comumente utilizado para designar os processos eleitorais, o exerccio dos poderes legislativo e executivo, as prticas respaldadas pelo consenso etc., mas poltica como possibilidade de ruptura da ordem (metapoltica). O dissenso promove formas de resistncia ao que consensual, atravs de uma subjetivao poltica, cujo processo se inicia com a compreenso de que possvel ressignificar as definies do que normalmente acei-to como comum em uma comunidade. De outra forma, Rancire prope a possibilidade/necessidade de ir alm do que denomina de acordo global dos partidos de governo e de oposio sobre os grandes interesses comuns (Rancire, 2005b, p. 12). Ultrapassando a aceitao pura e simples de um estilo de governo que privilegia a discusso e a negociao (Rancire, 2005a p. 13), o autor prope uma nova forma de simbolizar a comunidade em busca da incluso do que ignorado por este estilo de governo, ou seja, daquilo que , em sua concepo, o prprio cerne da poltica: o dissenso. de se destacar, em tempo, que esse desacordo no se apresenta simplesmente como conflito de interesses entre grupos e seus valores; trata-se de algo mais profunda-mente radical, pois a possibilidade de opor um mundo comum a um outro. Apresentados os conceitos fundamentais que permitem analisar o sentido de democracia em Rancire, passamos, ento, a esta anlise.

    Para Rancire, poltica e democracia se aproximam no sentido de que a poltica democrtica tem por meta a politizao, ou seja, a exigncia incondicional da quebra da normalidade que atribui a cada indivduo o seu lugar e a sua tarefa. na ruptura, na quebra da ordem policial, numa palavra, no dissenso que ocorre o raro momento da poltica. Para o autor, nesse sentido, a democracia no se reduz nem a uma forma de governo nem a um modo de vida organizado socialmen-te. Aqui, esse conceito desenvolvido como poder do povo, definindo

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    povo como o grupo dos que no tm nenhum ttulo especfico para exercer o prprio poder, o que acaba por constituir a prpria base que torna a poltica, no sentido desenvolvido pelo autor, algo pensvel. No h nessa ideia de democracia espao para representao ou para partidos polticos. Para Rancire, os partidos polticos nada mais so do que aparatos cujo objetivo nico a tomada do poder. Na democracia, faz-se necessria a existncia de organizaes coletivas apartadas das organizaes da lgica partidria cujos objetivos e meios de ao sejam independentes das agendas dos Estados e agremiaes que vi-sam ao poder. Essa independncia, ainda segundo o autor, no pode ser sinnimo de desinteresse ou de uma postura que finge que essas agendas no existem, mas sim a busca por construir uma dinmica prpria, baseada em espaos abertos para a discusso, circulao de informao e novas formas de ao que objetivem o desenvolvimento de um poder autnomo de pensar e de agir (Rancire, 2010).

    A democracia tem a funo de criticar os regimes polticos estabe-lecidos e, simultaneamente, de impedir que a poltica se transforme em polcia ou, em outras palavras, que a primeira seja absorvida pela segunda. Ainda assim, segundo Rancire, no se poderia afirmar que, contemporaneamente, existe um consenso sobre a democracia. Pelo contrrio, na prtica, o que testemunhamos justamente um distan-ciamento cada vez mais acentuado dos Estados (democrticos) em relao ao sentido forte de democracia, ou seja, como o poder do povo, tal como defendido por Rancire. Isso quer dizer que os governos das democracias realmente existentes, suas estruturas policiais, tm-se colocado, de forma contumaz, contrariamente democracia. Nesse sentido, Rancire sustenta que:

    Na Europa, nos acostumamos a identificar a democracia com o sistema duplo de instituies representativas e do livre mercado. Hoje, esse idlio uma coisa do pas-sado: o livre mercado se mostra cada vez mais como uma fora de constrio que transforma as instituies representativas em simples agentes da sua vontade e reduz a liberdade de escolha dos cidados s variantes de uma mesma lgica fundamental. Nessa situao, ou denunciamos a prpria ideia de democracia como uma iluso, ou repensamos completamente o que a democracia, no sentido forte do termo, significa. Para comear, a democracia no uma forma de Estado. Ela , em primeiro lugar,

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    a realidade de um poder do povo que no pode jamais coincidir com uma forma de Estado. Sempre haver tenso entre a democracia como exerccio de um poder compartilhado de pensar e agir, e o Estado, cujo princpio mesmo apropriar-se desse poder. Evidentemente, os estados justificam essa apropriao argumentando a complexidade dos problemas, a necessidade de se pensar a longo prazo etc. Mas a verdade que os polticos esto muito mais submetidos ao presente. Recuperar os valores da democracia , em primeiro lugar, reafirmar a existncia de uma capacidade de julgar e decidir, que a de todos, frente a essa monopolizao. tambm reafirmar a necessidade de que essa capacidade seja exercida atravs de instituies prprias, distintas do Estado. A primeira virtude democrtica essa virtude da confiana na capacidade de qualquer um (Rancire, 2012).

    Como demonstrado, na noo de democracia de Rancire, ocor-re a relao de, pelo menos, trs elementos tericos indispensveis: dissenso, polcia e poltica. A democracia se origina na manifestao dos sujeitos na ruptura produzida pelo dissenso. Na cena do dissenso, a poltica toma seu lugar enquanto subjetivao do rompimento da significao comum do espao social pela ordem policial. No conflito que caracteriza a poltica, na tenso entre o corpo social estruturado, onde tudo tem seu lugar previamente determinado pela ordem policial, e o que foge a esse ordenamento (que no est estruturado), ocorre a perturbao da ordem social at ento estabelecida. No choque entre a estrutura do corpo social e uma singularidade que desestabiliza seu sentido de universalidade, tem lugar a poltica enquanto consequncia da democracia oportunizada pelo dissenso.

    Laclau: democracia, populismo e deslocamentoUm ponto de partida privilegiado para a compreenso da noo de

    democracia elaborada por Ernesto Laclau o j clssico Hegemony and socialist strategy (doravante HSS), escrito em colaborao com Chantal Mouffe, publicado em 1985. Nessa obra, so apresentadas as linhas gerais do desenvolvimento terico e da posio poltica assumida pelo autor desde ento. Entre outros objetivos, HSS visa apresentar uma estratgia terico--prtica de luta poltica no campo do socialismo articulada com aspectos oriundos da tradio poltica democrtico-liberal.

    Evidentemente, a articulao terica entre a tradio socialista e a de-mocrtico-liberal no ocorre sem crticas. Primeiramente as vejamos com

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    referncia ao campo socialista, sobretudo marxista. HSS uma obra crtica a uma srie de postulados pertencentes s diversas fases do desenvolvimento do marxismo. Tais crticas podem ser resumidas na desconstruo operada por Laclau e Mouffe com relao determinao econmica em ltima ins-tncia, o que, segundo os autores, impediu com que promissoras abordagens presentes nessa tradio, notadamente o althusserianismo, pudessem alar voos tericos mais altos no sentido de compreender a complexidade e os desafios que o capitalismo contemporneo, j nas dcadas de 1960 e 1970, apresentava ao campo de luta socialista como um todo. Laclau e Mouffe so, nesse sentido, ps-marxistas, entendendo o ps-marxismo como o processo de reapropriao de uma tradio intelectual, e como o processo de ir alm dela (Laclau e Mouffe, 2001, p. ix). Na prtica, os autores de HSS recuperam uma srie de categorias marxistas, principalmente de Gramsci e de Althusser tais como sobredeterminao, hegemonia, guerra de posio, bloco histrico, s para citar algumas e as releem luz do projeto terico ps-estruturalista.6

    J a apropriao de elementos da tradio democrtico-liberal no significa igualmente uma aceitao acrtica, principalmente no que diz respeito aos postulados do liberalismo. Laclau no v a democracia liberal parlamentar como a ideia mesma de democracia, mas, exemplo de Chantal Mouffe (2000), um tipo muito especfico de articulao entre duas tradies distintas: democracia no sentido de poder do povo, soberania popular e liberalismo como a defesa das liberdades individuais, dos direitos naturais, dos direitos humanos, do respeito ao princpio do imprio da lei. Seu ponto crtico concernente tentativa de sedimentao e de naturalizao das instituies liberais e de sua conjuno contingente com a ideia de soberania popular, propriamente democrtica. Para Laclau, tal como vimos em Ran-cire, democracia no um tipo prprio de regime poltico definido a partir de instituies claramente estabelecidas que cumprem funes impessoais independentemente de posies poltico-ideolgicas. Nesse sentido, uma das principais crticas que Laclau ope ao liberalismo democrtico a sua constante tentativa de autoengessamento, como, por exemplo, na sedimenta-

    6 De fato, o ps-estruturalismo presente na teoria do discurso de Laclau e Mouffe inspirado na tradio filosfica heideggeriana ps-fundacional. Por ps-fundacionalismo no se deve entender a ausncia de fundamento, tal como correntes anti-fundacionalistas supem. O ps-fundacionalismo admite a existncia de fundamentos, mas nunca como fundamentos ltimos, geradores de verdades definiti-vas. Para uma discusso mais aprofundada acerca da tradio ps-fundacional, veja-se o trabalho de Marchart (2007).

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    o do modelo parlamentar como se ele representasse, de fato, a verdadeira e inequvoca expresso da vontade popular.

    Feitas essas observaes crticas iniciais, em HSS, Laclau e Mouffe re-cuperam a ideia tocquevilleana da revoluo democrtica como uma das mais importantes contribuies da democracia liberal. a partir, portanto, da Revoluo Francesa, segundo os autores, que discursos igualitrios e, portanto, aqueles francamente antagnicos ao Ancien Regime, passam a jogar um papel fundamental na construo de vontades coletivas (Laclau e Mouffe, 1985). A revoluo democrtica gerou o que os autores chamam de o seu efeito subversivo, ou seja, a possibilidade de emergncia das mais diversas lutas que, ao mesmo tempo em que demonstram suas particula-ridades, almejam direitos polticos e sociais igualitrios. Nesse sentido, a presuno da igualdade entre os diferentes o prprio efeito subversivo da democracia. Deixa de fazer sentido o estabelecimento de relaes sociais fundadas em hierarquias naturais. Isso quer dizer que no existe uma ideia transcendental de universalidade, algo que verdadeiro e aceito para alm de todo e qualquer contexto scio-poltico. Pelo contrrio, o universal advm justamente do particular e, portanto, parcialmente ocupado por alguma particularidade que alcanou uma posio estrutural hegemnica. A conse-quncia disso reside no fato de que, se toda posio ou verdade hegemnica necessariamente fruto de uma particularidade que se constituiu na precria condio de um discurso universal, o campo da ao poltica transformadora est sempre aberto para que toda e qualquer identidade possa apresentar suas demandas igualitrias. A igualdade para Laclau, assim como vimos em Rancire, um pressuposto da ao poltica justamente possibilitada pelas condies discursivas e subversivas da revoluo democrtica.

    Tendo em vista a presuno de igualdade (jurdica) entre os indivduos, ainda que consideremos suas diferenas, outra inevitvel consequncia advm da revoluo em questo. Assim, para Laclau (2001), a tradio democrtica tem sido marcada por uma ambiguidade essencial: por um lado, a democracia entendida como a tentativa de organizar o espao poltico em torno da ideia da universalidade da comunidade, sem qualquer tipo de hierarquizaes ou distines. Por outro lado, democracia envolve igualmente o respeito s diferenas. Para o autor, os dois polos dessa ambi-guidade so, ao mesmo tempo, incompatveis e necessrios. A democracia, portanto, requer unidade, mas esta somente pode ser pensada atravs da

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    diversidade. Se uma dessas duas dimenses incompatveis prevalecer alm de certo ponto, a democracia torna-se impossvel (Laclau, 2001, p. 4). A questo, portanto, no a supresso de um polo em detrimento do outro, mas a sempre instvel tentativa de articul-los. Se a democracia no existe sem universalidade da comunidade e, ao mesmo tempo, sem respeito s diferenas e tais princpios so entre si incompatveis, a democracia deve necessariamente conviver com tal instabilidade, como consequncia dessa articulao constitutiva que, contemporaneamente, a torna possvel.

    O que temos em termos de democracia para o autor, desde a busca da adequao instvel de uma unidade a partir da diversidade, so condies polticas para a emergncia de sujeitos democrticos e no a busca de uma descrio ou do estabelecimento de preceitos normativos que mediriam se um Estado vive ou no em um regime democrtico. Desse modo, democracia no tem necessariamente uma ligao intrnseca com as instituies liberais; o que ocorre, de fato, uma relao contingente entre tais instituies e a ideia de soberania popular. Assim, para Laclau, absolutamente possvel classificar como antidemocrtica uma deciso tomada por um parlamento de representantes eleitos pela regra das eleies limpas, justas e frequentes presente no modelo elitista do sculo XX. Essa posio do autor est clara no trecho de uma recente entrevista por ele concedida a um jornal argentino:

    O pluralismo pode ocorrer no nvel das bases democrticas de um sistema, mas esse pluralismo no necessariamente coincide com o pluralismo do parlamentarismo, porque um poder parlamentar pode ser baseado em formas clientelsticas da eleio de deputados e senadores. Essas formas clientelsticas podem ser muito pouco de-mocrticas. (...) no h que pensar que a parlamentarizao do poder significa uma tendncia mais democrtica, pode significar o oposto: o sufocamento das demandas democrticas atravs dos estratos intermedirios que, de uma forma corporativa, administram as instituies (Laclau, 2010).

    Portanto, para Laclau, a democracia no algo a ser encontrado em um local, como se ela possusse um locus especfico. O parlamento, nesses termos, no em si democrtico;7 somente o ser se efetivamente estiver

    7 Nesse ponto, podemos fazer uma comparao entre a relao tensa da democracia com a instituio parlamentar, tal como sugere Laclau, com semelhante proposio j estabelecida por Carl Schmitt quando este ltimo afirma: Pode existir uma democracia sem aquilo que chamamos de sistema parlamentar moderno, e pode existir um sistema parlamentar sem democracia (Schmitt, 1996, p. 32).

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    comprometido com discursos efetivamente populares (a noo de povo, central para o desenvolvimento da ideia de democracia em Laclau, ser em breve explorada).

    O autor igualmente se distancia da ideia de que na democracia o lugar do poder converte-se em um lugar vazio, tal como a clssica elaborao de Claude Lefort. Segundo o terico argentino, equvoco dizer que o lugar do poder est vazio, pois ele nunca est totalmente vazio. A questo da vacuidade um tipo de identidade, no uma localizao estrutural (Laclau, 2005a, p. 210). Em outro ponto, Laclau ainda mais claro: [A] dificuldade com a anlise que Lefort faz da democracia que esta se concentra exclusivamente nos regimes democrticos liberais e no presta ateno adequada constru-o de sujeitos democrticos populares (Laclau, 2005a, p. 209). Para Laclau, seguindo a ideia desenvolvida por Mouffe (2000), contra Lefort, a articulao entre democracia (o princpio da soberania popular) e liberalismo (a nfase no respeito lei, nas liberdades individuais e nos direitos humanos) , como j acima afirmamos, meramente contingente, ou seja, no h qualquer em-pecilho a pensar a democracia fora dos marcos do liberalismo poltico, e a subjetividade popular torna-se central para a questo democrtica (Laclau, 2005a), o que no raras vezes negligenciado pelo marco liberal, sobretu-do quando se prefere o respeito cego e irrestrito s leis e s instituies ao compromisso com a subjetividade (vontade) popular.

    Conforme o terico argentino, fundamental para a democracia mais do que qualquer instituio cristalizada a construo de identidade e vontade populares. Nesse sentido, a sua noo de populismo joga um papel central. Antes de propriamente adentrarmos na noo de populismo do autor a qual, diga-se de passagem, no possui qualquer sentido pejorativo torna-se importante apresentar uma ressalva. Comumente o termo popu-lismo apresenta forte conotao negativa, seja no discurso poltico, seja no acadmico. Experincias assim classificadas so percebidas como formas de manipulao popular levadas a efeito por lderes demaggicos, personalistas, carismticos e/ou corruptos. O populismo, mesmo sendo um termo derivado de populus, , paradoxalmente, atribudo a uma forma de poltica entendida como falsamente popular e verdadeiramente antipopular, como falsamente democrtica, pois verdadeiramente antidemocrtica. A principal acusao, assim, assenta-se no fato de que o lder populista tem como ofcio principal enganar o povo. Por trs da retrica carismtica que promete o cu na

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    terra aos mais humildes membros de uma comunidade, dicotomizando o espao poltico entre os escolhidos versus aqueles que devem pagar pelos crimes que cometeram historicamente contra os mais pobres est-se, na verdade, encobrindo um truque, ou seja, o lder populista engana justamen-te aqueles indefesos aos quais prometeu defender. Nessa lgica pejorativa do populismo, o povo dotado de uma passividade acrtica, de uma total incapacidade de discernir entre o seu interesse e o interesse daquele que supostamente o engana.

    Essa hegemonia negativa do sentido de populismo produz claramente dois efeitos. O primeiro deles reside numa resistncia politicamente compreen-svel de polticos profissionais que, se assim classificados, negam tal rtulo. Em vez de populistas, se autoproclamam populares. O segundo efeito incide diretamente sobre o meio acadmico. Grosso modo, o populismo tem hegemonicamente, nesse ambiente, o mesmo sentido do discurso do senso comum da poltica. Tal sentido, desde j sedimentado, negativo, pejorativo sobre o termo, impede a prpria compreenso de lgicas polticas que so mais cotidianas, mais presentes em nossa experincia do que podemos supor.

    O problema desse tipo de abordagem para o fenmeno populista assenta--se claramente na simplificao do mesmo em termos da relao entre lder e povo, como se o primeiro fosse dotado de poderes mgicos capazes de enfeitiar uma multido, tal como o flautista de Hamelin. Essa simplifica-o, que primeira vista poderia sugerir uma explicao para a relao de identificao carismtica de uma relao populista, s demonstra o corolrio desse tipo de lgica poltica, o que absolutamente insatisfatrio, como veremos a seguir. Para Laclau, o argumento da manipulao da liderana incapaz de explicar a complexidade do populismo: Este tipo de explicao , do nosso ponto de vista, intil, j que ainda que aceitemos o argumento referente manipulao, isso explicaria unicamente a inteno subjetiva do lder, mas seguiramos sem saber por que a manipulao foi exitosa (Laclau, 2005a, p. 129).

    Portanto, para compreendermos a lgica populista, primeiramente deve-mos evitar a tentao das explicaes rpidas e autoevidentes e partirmos do pressuposto de que estamos diante de um fenmeno complexo cujas origens so bem anteriores relao entre liderana e liderados. Vejamos, a partir da teoria de Laclau sobre o populismo, os elementos que explicam essa forma de constituio poltica.

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    Para o autor, populismo no um tipo de regime poltico, tampouco possui uma ideologia definida. Populismo , antes, uma lgica poltica marcada pela construo de um discurso popular antagnico aos seus inimigos. Pode-se dizer, portanto, que a diviso antagnica entre o povo e o bloco de poder seja a caracterstica central e definidora de um fenmeno populista. Para alm desse centro definidor, a anlise de Ernesto Laclau (2005a, 2005b) introduz novidades importantes. Nesse particular, entende-mos que a tentativa do autor de formalizar a lgica de constituio poltica de tipo populista uma das empreitadas mais interessantes recentemente levadas a efeito e que pode ser realmente muito til para compreendermos as demandas democrticas contemporaneamente.

    Preocupado em explicar o populismo como uma lgica poltica, Laclau constri uma argumentao num nvel formal, entendendoo como uma dimenso ontolgica. Intencionando, assim, compreend-lo a partir da sua raison dtre, o autor desvincula a sua formulao de argumentaes ideolgicas, temporais, histricas, numa palavra, nticas, presentes em tentativas tericas frustradas de compreender o fenmeno em sua especi-ficidade. Segundo Laclau:

    [...] o conceito de populismo que estou propondo estritamente formal, j que todas as suas caractersticas definidoras esto relacionadas exclusivamente a um modo de articulao especfico a prevalncia da lgica equivalencial sobre a lgica dife-rencial independentemente dos contedos reais que se articulam. Este o motivo pelo qual (...) afirmei que o populismo uma categoria ontolgica e no ntica (Laclau, 2005b, p. 44).

    A unidade mnima que Laclau considera para a possibilidade de uma experincia populista a demanda. Existem, para o autor, duas formas de compreender essa categoria. Demanda pode ser um pedido (uma sim-ples solicitao), ou uma reivindicao. Na primeira forma, a demanda to somente uma solicitao feita diretamente aos canais institucionais formais. Assim, a falta de uma escola primria num determinado bairro pode ensejar tal pedido municipalidade. Se a escola construda, o pro-blema termina, a demanda se dissolve. O atendimento dela d-se no plano administrativo, instncia em que opera a lgica da diferena, no sentido expresso por Laclau.

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    No entanto, se a demanda no for atendida, apesar da frustrao gerada, esta pode at mesmo desaparecer, a menos que outras demandas tambm no atendidas passem a estabelecer uma articulao entre si. Nesse caso, as demandas mudam o status de simples pedidos para o de reivindicaes. Assim, segundo Laclau (2005a), um corte antagnico passa a dividir negati-vamente o espao social entre essas demandas populares articuladas contra a institucionalidade. Essa a pr-condio para uma ruptura populista. Gera-se uma identificao entre os de baixo versus o poder. Para Laclau:

    O corolrio da anlise prvia que o surgimento de uma subjetividade popular no se produz sem a criao de uma fronteira interna. As equivalncias ocorrem somente em relao falta comum a todas e isto requer a identificao da fonte da negatividade social. Desta maneira, os discursos populares equivalenciais dividem o social em dois campos: o poder e os de baixo (Laclau, 2005b, p. 57).

    A negatividade antagnica construda pela diviso do espao social em dois campos, a saber, os de baixo versus o poder , para Laclau, a precondi-o para a articulao de uma lgica populista. Contudo, preciso adicionar um elemento a mais, qual seja, o campo popular necessariamente deve cons-tituir o seu prprio processo de representao. Tal processo tem lugar quando uma das demandas articuladas, num dado momento, precrio e contingente, passa a representar a cadeia de equivalncias popular que evidentemente a excede em sentidos exercendo, assim, uma tarefa hegemnica.8 Quanto mais extensa for a cadeia equivalencial, mais frgeis sero os sentidos da(s) demanda(s) particular(es) que assume(m) o papel de representao dessa cadeia. Nesse momento, chega-se a um ponto crucial para a compreenso da lgica populista: A construo de uma subjetividade popular possvel somente sobre a base da produo discursiva de significantes tendencialmente vazios9 (Laclau, 2005b, p. 40). A importncia dos significantes vazios est em justamente homogeneizar um espao social extremamente heterogneo, considerando a articulao de demandas insatisfeitas que, antes do processo 8 Laclau exemplifica este processo de representao a partir da experincia polonesa do movimento

    Solidariedade na dcada de 1980: [A]s demandas do Solidariedade, por exemplo, comearam sendo as demandas de um grupo particular de trabalhadores em Gdansk, mas como foram formuladas em uma sociedade oprimida, onde muitas demandas sociais permaneciam insatisfeitas, se converteram nos significantes do conjunto do campo popular em um novo discurso dicotmico (Laclau, 2005b, p. 39).

    9 Para mais detalhes acerca da noo de significantes vazios, veja Laclau (2011).

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    articulatrio, no tinham nenhuma relao entre si, pois estavam isoladas em suas particularidades. Para Laclau, em sua expresso mais extrema, este processo chega a um ponto em que a funo homogeneizante levada a efeito por um nome prprio: o nome do lder (Laclau, 2005b, p. 40).

    Portanto, a comumente rpida e no raras vezes entendida como sufi-ciente explicao para a ocorrncia do populismo, ou seja, a que aduz que essa dinmica poltica se reduz seduo carismtica do lder sobre os seus liderados, , apesar de sua audincia, insatisfatria. O populismo, segundo La-clau, emerge de baixo para cima, a partir das demandas populares frustradas pela institucionalidade e no de cima para baixo, tal como sugerem explica-es que tomam o fenmeno simplesmente como uma relao carismtica e que, a partir dessa presuno reducionista, aduzem todas as bem conhecidas consequncias negativas e insuficientes concernente ao fenmeno.

    O ponto fundamental da lgica populista o da construo de uma vontade e de uma representao populares. Isso ocorre no momento em que demandas, antes isoladas, passam a se articular entre si e conseguem alcanar a condio hegemnica de populus, ou seja, quando uma parte politicamente organizada (a plebs) assume o papel da representao da ideia mesma de povo. Neste sentido, povo claramente uma construo poltica, um processo de hegemonizao discursiva. fundamental que haja essa articulao entre demandas isoladas (democrticas) a ponto de elas tornarem-se demandas populares para que possamos falar em uma lgica populista. O lder, aqui, s tem possibilidade de emergir se essas pr-condies forem satisfeitas. Ele o nome, o representante de uma relao poltica que dicotomiza a comunidade em dois campos antagnicos: o povo contra a institucionalidade, contra o bloco de poder, nesse momento visto como antipopular. nesse sentido que, para Laclau, democracia no tem necessariamente relao com instituies, com espaos polticos cristalizados como um parlamento, por exemplo. De-mocracia , antes, a construo de subjetividades populares as quais podem ou no estar afinadas com os marcos institucionais da democracia liberal, mas no sero tais marcos que definiro a ideia mesma de democracia. Sem a produo de vacuidade10 no h povo, no h populismo, mas tampouco h democracia (Laclau, 2005a, p. 213). Um pouco mais adiante: 10 Vacuidade no sentido de que todo discurso populista o resultado da ocorrncia de muitos signifi-

    cantes vazios, ou seja, sentidos que exercem uma funo hegemnica que, por definio, devem ser vazios, amplos, capazes de articular mltiplas demandas populares que antes estavam dispersas. O discurso populista promete a plenitude da comunidade, a sua reconciliao.

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    [...] a democracia s pode fundar-se na existncia de um sujeito democrtico, cuja emergncia depende da articulao vertical entre demandas equivalenciais. Um conjunto de demandas equivalenciais articuladas por um significante vazio o que se constitui um povo. Portanto, a possibilidade mesma da democracia depende da constituio um povo democrtico (Laclau, 2005a, p. 215).

    O momento populista o momento democrtico por excelncia, visto que quando se d propriamente a constituio da vontade popular. S existe democracia quando as instituies no inclusivas so postas em xeque, quando o poltico ameaa o social sedimentado, a regra at ento hegem-nica. O populismo , para Laclau, a prpria possibilidade da democracia, no sentido da revoluo democrtica antes aludida. O discurso populista tem o efeito de um deslocamento estrutural, de uma condio ameaadora contra a ordem instituda. A experincia de deslocamento ocorre quando uma estrutura poltica torna-se incapaz de processar ou de absorver os di-versos pontos de antagonismos que florescem no tecido sociopoltico. Uma estrutura deslocada aquela que atravessa uma sria crise, o momento em que esta posta radicalmente em xeque. o momento do real lacaniano, no sentido de ser uma experincia traumtica de desajuste, a qual, para ser recomposta, necessita forjar novos processos de significao. Na seo final deste artigo, buscaremos articular a ideia de democracia em Rancire e Laclau a partir da anlise conjugada dos momentos de dissenso e de deslocamento.

    Democracia como desafio ordem: dissenso e deslocamentoErnesto Laclau, no desenvolvimento de sua teoria da hegemonia, carac-

    teriza como sendo uma experincia de deslocamento o momento no qual dada estrutura discursiva encontra-se confrontada com seu limite ltimo de significao. Esse preciso momento o ensejo da ruptura, quando se torna visvel a construo de um discurso que ameaa a ordem at ento estabele-cida, quando ocorre a manifestao da impossibilidade de plenitude em uma estrutura frente aos seus antagonismos, os quais desafiam a sua capacidade de significao plena (Laclau, 1993). Nesse sentido, segundo o autor, uma estrutura sempre falha em sua tentativa de simbolizar o todo, ou seja, existe um limite na capacidade de sua simbolizao. O deslocamento caracteriza a impossibilidade de completude de uma totalidade discursiva, ou seja, o prprio limite discursivo. A esse respeito, por exemplo, Laclau, em termos

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    do sistema econmico hegemnico, desenvolve a tese de que justamente nas tendncias deslocantes operantes no capitalismo contemporneo que surgem as novas possibilidades de interveno poltica (Laclau, 1993, p. 61). Sendo ainda mais exato, o autor completa a ideia da seguinte forma: Nossa tese bsica que a possibilidade de uma democracia radicalizada est diretamente ligada ao nvel e extenso dos deslocamentos estruturais operantes no capitalismo contemporneo (Laclau, 1993, p. 61).

    O que se apresenta central nesse ponto da anlise em que o deslocamento produz a indecidibilidade estrutural e a sua consequente possibilidade de mudana, momento da presena do sujeito, ou seja, das novas formas de subjetividade poltica11 que se constroem a partir das possibilidades (Laclau, 1993, p. 61) abertas pelo deslocamento. Tal momento do sujeito permite identificar um elo, guardadas as diferenas tericas, entre as concepes de Ernesto Laclau e de Jacques Rancire. Vejamos, portanto, as possibilidades de aproximao entre os dois projetos e suas consequncias para pensarmos na ideia de democracia segundo os autores.

    Primeiramente possvel identificar uma homologia em relao noo de deslocamento de Laclau presente na teoria do dissenso de Rancire, a partir do que o autor argelino denomina de a poltica. Segundo ele, trata-se de um momento caracterizado pelo conflito, ou disputa, que se estrutura em torno da partilha do sensvel. Uma partilha do sensvel, como vimos, o modo como se determina no sensvel a relao entre um conjunto comum partilhado e a diviso de partes exclusivas (Rancire, 1996a, p. 8). Para Rancire, por intermdio das relaes ocorridas entre pensar, ouvir, ver e fazer que se d essa demonstrao das fissuras e fraturas que acontecem na estrutura de um corpo social. Esse corpo social identificado com concepes de igualdade que resultam dos acordos prvios que raramente so colocados em teste. Assim, Rancire (2010) afirma que o conflito se d entre uma forma deter-minada de distribuio do sensvel e o que acaba sendo excludo por essa distribuio, o que no delimita somente um simples atrito ocorrente entre discursos ou argumentos. Como j aludido em outro momento neste texto, segundo tal concepo terica, so esses momentos de desentendimento, os quais Rancire denomina de cenas de dissenso, e que so responsveis por promover e possibilitar a emancipao possvel por meio de comunidades

    11 Surgidas no deslocamento estrutural mas no determinadas pelas estruturas deslocadas (Laclau, 1993).

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    de partilha, que visam alterar as concepes daquele corpo social, dado como imutvel pelo consenso at ento estabelecido. A relao entre esse momento de dissenso e a ideia ranciereana de poltica apresenta sua imbri-cao necessria quando o autor descreve esta ltima como a irrupo de algo que abala as estruturas do consenso (o que para Laclau, segundo nossa perspectiva, prximo do deslocamento estrutural), como um elemento que regula a distribuio dos lugares e funes no corpo social.

    Outro elo possvel que se apresenta entre as teorizaes o da subje-tivao que surge, indicando momentos de autonomia do sujeito, seja no deslocamento em Laclau, seja no dissenso tal como expresso por Rancire. Enquanto, para Laclau, no deslocamento que ocorre o momento do sujeito, j que justamente a impossibilidade de significao (a produo da tota-lizao de sentidos) de uma estrutura que permite o seu surgimento, em Rancire, esse mesmo sujeito se inventa no ato de criar regras discusso, dando origem s cenas de dissenso. Temos assim que, tanto no deslocamento como no dissenso, h uma formao subjetiva necessria hegemonia e marcada pela incompletude. Na construo laclauniana esse sujeito-em--processo caracteriza-se, ento, por estar sempre incompleto por motivo de sua constituio formada por significativas excluses que no so estrutu-ralmente estticas (Laclau, 1993). J com Rancire, esse sujeito traz consigo o resultado de um processo de subjetivao, igualmente incompleto, que resulta de atos de uma instncia de enunciao que no eram passveis de identificao (de uma nova representao) em um campo de experincia dado e propiciado pela poltica.

    Tambm nas noes de polcia e poltica, presentes na teorizao de Rancire, possvel identificar elementos tericos que permitem uma aproxi-mao com as de poltica e de o poltico, respectivamente, na obra de Laclau. Na teoria da hegemonia, entre as consequncias oriundas da exterioridade que constitui o processo de deslocamento est o surgimento de uma nova articulao necessariamente poltica (em outras palavras, o ntico somente pode ser substitudo por outro). Da conexo entre essa assertiva com a constatao de que os sujeitos, surgidos nesse processo, constroem novas articulaes hegemnicas, resulta que tal momento de estruturao necessa-riamente modifica suas identidades. Para Laclau, tanto mais indeterminado ser o resultado de uma nova construo poltica quanto mais profundo for o deslocamento estrutural. Tal momento de deslocamento, por se tratar da

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    dimenso que diz respeito prpria sociedade e a sua formao ou, em outras palavras, ao fundamento (contingente e precrio) dessas relaes, Laclau de-nomina de o poltico. Essa abordagem ontolgica do processo estruturante no tem a ver com a lgica de administrar uma estrutura com suas regras. A essa lgica comum Laclau denomina de a poltica, esta ligada s tentativas efetivas de implementao de ordens polticas e sociais. A poltica, segundo o autor, diz respeito necessariamente dimenso ntica, mais intimamente ligada s prticas convencionais como as relaes partidrias, por exemplo.

    Da mesma forma, Rancire difere duas esferas, ou dimenses, na relao social: a polcia e a poltica. polcia o autor argelino reserva o sentido de ordem administrativa da estrutura, regras institucionalizadas que visam manter uma ordem pr-estabelecida que engessa a sociedade, impedindo a ocorrncia de momentos de democracia. J nas raras oportunidades em que ocorre uma partilha do sensvel, nos escassos momentos de dissenso, h a oportunidade para a poltica. Essa outra dimenso aquela na qual existe a oportunidade aos que so parte de parte alguma, quando a subverso da lgica policial promove a perturbao por intermdio da inscrio da igualdade de qualquer ser falante com qualquer outro ser falante (Ran-cire, 2010, p. 45-46). Essa igualdade que se manifesta apenas pelo dissenso apresenta-se como uma perturbao no sensvel, uma modificao singular do que visvel, dizvel, contvel (Rancire, 1996a, p. 48). De outra maneira, a poltica em Rancire refere-se perturbao da ordem, ao enfrentamento dos processos atravs dos quais se d a gesto das populaes, a legitimao dos poderes e sua organizao. A poltica vista como a irrupo de algo que abala as estruturas do consenso, que regula a distribuio dos lugares e funes no corpo social.12

    Isso posto, como vermos a questo da democracia segundo a formula-o de ambos os autores aqui tratados? Qual a homologia possvel de ser percebida tendo em vista posies tericas que, ainda que possam dialogar entre si, guardam suas diferenas?

    Primeiramente, para ambos, democracia no um regime poltico com instituies definidas. Pelo contrrio. Conforme os autores em questo, a

    12 Temos assim, tanto em Laclau como em Rancire, concepes que consistem basicamente em diferenciar a lgica de administrar uma estrutura com suas regras (polcia/a poltica) e a de subverter esta lgica em momentos de ruptura e mudana estrutural (poltica/o poltico) (Rancire, 1996a; Laclau, 1993). Porm, para os objetivos aqui pretendidos, esta anlise no se estender alm da constatao dessa aproximao terica, visto que o nosso objetivo produzir a crtica desses autores em relao democracia.

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    democracia se d exatamente no momento em que as prprias instituies so postas em xeque. Nesse sentido, a deciso de um parlamento no necessariamente democrtica, na medida em que ela pode justamente estar promovendo uma poltica no igualitria, mas outra condizente com os inte-resses de oligarquias estabelecidas. Democracia , antes de tudo, um princpio de igualdade que invocado quando uma estrutura poltica demonstra-se incapaz de representar as vontades coletivas ou populares. Para Rancire, est claro que o princpio igualitrio presente na tradio democrtica tem a fora de pr em suspenso qualquer ordem supostamente democrtica. Nesse particular, no h um modelo democrtico definido, mas uma contingncia poltica que, se chamada democrtica, estar sempre tendente a ser contes-tada. Para o autor, nenhum modelo poltico transcende sua contingncia, conforme estabelecido nesta passagem:

    Pois o fundamento da poltica, se no a natureza, no tampouco conveno: ausncia de fundamento, a pura contingncia de toda ordem social. H poltica simplesmente porque nenhuma ordem social est fundada na natureza, porque ne-nhuma lei divina ordena as sociedades humanas. [...] Nosso mundo gira em sentido contrrio e quem quiser curar a poltica de seus males ter apenas uma soluo: a mentira que inventa uma natureza social para dar comunidade uma arkh (Ran-cire, 1996a, p. 30-31).

    As concluses de Laclau sobre a possibilidade da democracia, ainda que fundadas num modelo populista de constituio, no esto distantes daquelas expressas por Rancire. Para o terico argentino, nunca devemos remeter o termo democracia como equivalente de um regime poltico onticamente estabelecido. Democracia , a exemplo de Rancire, um princpio antes de um modelo/regime. Apesar da distino presente aqui entre as concepes de democracia para ambos j que, para Rancire, democracia presume igualdade e para Laclau a instvel articulao entre universalismo e parti-cularismo , necessariamente elas representam a insurgncia de uma parte da sociedade contra ordens polticas estabelecidas. Em Rancire, insurgem--se, em nome da igualdade democrtica, os sem parte, ou seja, aqueles que ficaram de fora da partilha do sensvel. Para Laclau, a democracia uma construo poltica de forma populista em que uma parte da comunidade (a plebs) torna-se contingentemente capaz, antagonizando-se com o discurso do

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    poder, de alcanar a condio de populus, ou seja, aquele que legitimamente fala em nome da democracia, da soberania popular.

    O momento da democracia, com o aparecimento de sujeitos polticos que se insurgem contra o sistema estabelecido, pode tambm ser percebido como um espao de liberdade. Ela tem lugar, primeiramente, quando a estrutura deslocada (como aduz Laclau) ou enfrenta uma situao de dissenso prpria da poltica (como sugere Rancire). nessa fratura que experimenta a estrutura (a ordem) que novas possibilidades so abertas para redesenhar o que estava estabelecido. nesta brecha que os sujeitos tm possibilidades de apresentar o novo, que o processo criativo tem lugar. Na estrutura, s h liberdade em sua desestabilizao. nessa hora, e somente nessa hora, que faz sentido falarmos verdadeiramente em democracia como a subverso da ordem estabelecida por um sujeito poltico que visa a sua insero na comunidade, que visa fazer com que a sua voz, at ento inaudvel, passe enfim a ser ouvida.

    Democracia, como sustentam os autores, no um regime poltico estabe-lecido, mas o seu contrrio. Os regimes conformam-se, envelhecem e excluem. Transformam os seus vcios, ressignificando-os como virtudes. A democracia, por outro lado, tem o potencial de denunci-los, de deslegitimar o consenso e, literalmente, negar aquilo que parecia to bvio e natural h to pouco tempo.

    O liberalismo democrtico e o capitalismo a ele associado seduzem parte de seus cidados, com conforto e luxo, sabendo com que facilidade se inoculam os hbitos do luxo e com que dificuldade se renuncia posteri-ormente a eles quando o luxo vai se transformando pouco a pouco em ne-cessidade, citando livremente Dostoivski. Mas no a todos. H aqueles que preferem o no confortvel e tortuoso caminho da liberdade, da promessa da democracia.

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    ResumoO presente texto apresenta uma leitura crtica sobre a democracia liberal a partir das teorias ps-estruturalistas propostas por Jacques Rancire e Ernesto Laclau. Parte-se da discusso sobre o conformismo com relao democracia representativa liberal e da sua resistncia em considerar a vontade popular em detrimento do estrito respeito lei. Para ambos os autores, democracia no um regime poltico com instituies definidas, mas, pelo contrrio, justamente um princpio de valorizao da vontade do demos. Nesse sentido, a democracia reside no momento em que as prprias instituies so postas em xeque a partir da construo de vontades coletivas, de discursos antagnicos que promovem o dissenso ou o deslocamento estrutural, segundo as vises, respectivamente, de Rancire e de Laclau.Palavras-chave: democracia; dissenso; deslocamento; Rancire; Laclau.

    AbstractThis article presents a critical reading on liberal democracy from the post-structuralist theories proposed by Jacques Rancire and Ernesto Laclau. It begins with the discus-sion about conformism relating to liberal representative democracy and its resistance to consider popular will over strict respect for the law. For both authors, democracy is not a political regime with established institutions, but, on the contrary, it is precisely a principle of taking into consideration the will of demos. In this sense, democracy is the moment when very institutions are challenged by the construction of collective wills, of antagonistic discourses which promote dissent or structural dislocation, according to perspectives by Rancire and Laclau, respectively.Keywords: democracy; dissent; dislocation; Rancire; Laclau.

    Recebido em 14 de setembro de 2013.Aprovado em 19 de novembro de 2013.

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