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RAÍZES DA TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA

COSTA, Hermisten Maia Pereira da. Raízes da Teologia Contemporânea. São

Paulo: Cultura Cristã, 2004, 432p.

I – COMPREENSÃO DA OBRA

O Dr. Hermisten Maia Pereira da Costa, pastor presbiteriano e professor

da Escola Superior de Teologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, é

um prolífico escritor com inúmeras obras e artigos publicados no Brasil. Dentre

os livros publicados por ele podem ser destacados os seguintes de várias

editoras: Eu Creio (Parakletos), A Inspiração e Inerrância das Escrituras

(Cultura Cristã), Calvino de A a Z, (Vida), Fundamentos da Teologia Reformada

(Mundo Cristão), O Pai Nosso (Cultura Cristã), A Literatura Apocalíptico-

Judaica (Casa Editora Presbiteriana).

A obra em consideração no presente trabalho é Raízes da Teologia

Contemporânea, que possui como proposta demonstrar “as relações e

correlações entre alguns dos diversos pensamentos que contribuíram para a

formação da Teologia do Século 20”, conforme palavras do autor no prefácio.

Trata-se de uma obra com um assunto muito vasto, abrangente e por demais

complexo.

Na Introdução, Pereira da Costa define a Teologia Contemporânea como

sendo “o estudo analítico-crítico das manifestações teológicas surgidas após a

Reforma e, em geral, contrárias ao sistema dela” (COSTA, 2004, p. 15). Além

disso, ele demonstra a importância do estudo dessa disciplina, bem como

apresenta a metodologia empregada na composição da obra, enfocando a

relação epistemológica existente entre o estudioso, o historiador, e o fato

investigado, o que resulta num grau imprescindível de subjetividade.

Estruturalmente, Raízes da Teologia Contemporânea possui sete

capítulos e cinco adendos. Dado o escopo exíguo e diminuto do presente

trabalho, as considerações aqui apresentadas limitar-se-ão apenas aos

capítulos principais da obra. A ênfase recai na forma como cada sistema de

pensamento está relacionado ao outro contribuindo decisivamente para a

construção do pensamento teológico contemporâneo. Na primeira parte do

livro, que vai do capítulo 1 ao 6, Pereira da Costa descreve a construção do

pensamento moderno, abordando assuntos como o Renascimento, a Reforma

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Protestante, a Ortodoxia Protestante, o Pietismo e o Iluminismo. Na segunda e

última parte, o autor se concentra na forte e intrincada relação existente entre o

Iluminisno e o Liberalismo Teológico do século XIX.

No primeiro capítulo, sobre o Renascimento, Pereira da Costa procura

apresentar uma definição do Humanismo-Renascentista estabelecendo um

contraste com a era medieval e uma linha de continuidade com o pensamento

moderno e contemporâneo. Sobre a Idade Média, ela teve como principal

característica no plano religioso o teocentrismo, que considerava Deus como o

centro de todas as coisas, inclusive das especulações filosóficas. Nesse

ínterim, a metafísica era considerada como a “rainha das ciências”. No plano

social, a Idade Média era caracterizada pela imobilidade social e lentidão nas

transformações culturais, econômicas e políticas. Paulatinamente, um

sentimento de insatisfação começou a surgir na sociedade medieval,

culminando com movimentos revolucionários, como a célebre “Revolta

Campesina” de 1381 na Inglaterra. Mesmo com todos os inúmeros problemas e

polêmicas que a marcaram, a Idade Média possuía um elemento agregador

entre as pessoas: a Igreja Medieval. A expressão máxima da influência da

Igreja na vida das pessoas foi, sem dúvidas, o confessionário, que além de

fonte de renda, serviu como forma de controle, dominação e fortalecimento

papal. Isso é expresso de forma interessante nas palavras do próprio Costa:

“Nessa relação: Igreja e pecador penitente, o confessor era o instrumento de

ligação entre eles, representando em muitos aspectos o próprio Senhor Jesus

Cristo, com poderes para perdoar pecados” (op. cit., p. 39). Com o passar do

tempo, a insatisfação se alastrou, contribuindo para o estabelecimento do

Renascimento, que rompeu com os valores medievais, apesar de ter surgido

em decorrência deles. O espírito ou consciência do Renascimento foi o

Humanismo, que afirmava a total autonomia do indivíduo, de maneira que a

tutela da máquina medieval chegara ao fim. As características da filosofia

renascentista foram as seguintes: 1) Restauração da cultura clássica, que

enfatizava o retorno às fontes literárias e filológicas da antiguidade,

especialmente do período do grego clássico; 2) Criação do novo, com o

surgimento de gênios pensadores em todas as áreas do saber; 3) Síntese do

Cristianismo com a cultura clássica; e 4) A valorização do homem, encarnando

a máxima de Protágoras – Homo Mensura – e trocando o teocentrismo

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característico da Idade Média pelo antropocentrismo. O Humanismo

Renascentista foi um movimento importante, entretanto, pregou a elevação do

Homem em detrimento de Deus.

No segundo capítulo (e também o maior), Pereira da Costa analisa a

contribuição da Reforma Protestante para o aparecimento da Teologia

Contemporânea. Para isso, primeiramente, ele lista alguns pontos peculiares

da igreja romana no início do século XVI, como por exemplo: 1) o papado como

potência religiosa, política e econômica; 2) a corrupção política, econômica e

moral do clero romano; 3) uma aguda carência espiritual; 4) tentativas

reformistas frustradas pela Inquisição; e 5) a transformação do culto num ritual

vazio de significado, repleto de superstições. Sobre a carência espiritual

mencionada acima, o maior exemplo disso foi demonstrado pelo próprio

Martinho Lutero, nas suas conhecidas angústias espirituais a respeito de como

um homem pecador poderia subsistir ante a justiça de Deus. A Reforma

Protestante do século XVI foi, acima de tudo, um movimento religioso e

teológico que teve como um de seus fatores desencadeadores a insatisfação

espiritual dos indivíduos. É importante salientar que, a intenção original não era

a criação de uma nova igreja, mas sim a reforma daquela que ao longo da

história se desvirtuara. Apesar do seu caráter religioso, a Reforma também

pode ser considerada como um movimento cultural, institucional, social e

político. A relação existente entre a Reforma e o Renascimento pode ser

percebida pelo fato daquela ter surgido no contexto desta, possuindo alguns

pontos comuns, como o retorno às fontes. No caso da Reforma, as fontes

aludidas eram os originais das Escrituras. Mesmo com algumas ênfases

comuns, a Reforma se distinguiu do Renascimento por recuperar a

teocentricidade, ou seja, para a Reforma o homem não é considerado como

sendo “a medida de todas as coisas”, mas sim Deus. A importância humana

reside em sua criação à imagem e semelhança de Deus. A Reforma contribuiu

decisivamente nas seguintes áreas: 1) na propagação das Escrituras, com a

tradução da Bíblia para as diversas línguas, permitindo que as pessoas

comuns tivessem acesso às verdades divinas; 2) na educação, como

consequência da primeira, visto que um dos problemas enfrentados pelos

reformadores foi o analfabetismo das massas. Nesse ponto destacam-se as

figuras de importantes personagens, como: Lutero, João Calvino e João Amós

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Comênius; 3) no trabalho, ao banir a idéia de que o trabalho se constituía numa

tortura imposta ao homem após a Queda, e ao recuperar o ideal de que o

trabalho é uma vocação e bênção divina. Pereira da Costa trata

detalhadamente da importância das Escrituras para o pensamento reformado.

Seu ponto de partida é a ênfase dada pelo Reformador francês João Calvino

(1509-1564), que foi alcunhado, de maneira justa, de “O Exegeta da Reforma”

em face do seu apego à Bíblia e do seu zelo pela fiel interpretação bíblica.

Calvino deu uma contribuição magistral nos vários âmbitos do pensamento

humano. Tal contribuição partiu de seus inúmeros sermões e comentários

bíblicos. O autor também aborda a relevância das Escrituras a partir da teologia

exarada na Confissão de Fé de Westminster, destacando algumas afirmações

sobre a autoridade das Escrituras. Elas possuem autoridade: 1) Interna,

demonstrada pelo fato da Bíblia ser a Palavra de Deus; 2) Hermenêutica, ou

seja, a Bíblia é a sua melhor intérprete; 3) Norteadora, ao afirmar a Bíblia como

ponto de partida da Teologia; 4) Condutora a Deus, ao asseverar a sua

necessidade para fornecer o conhecimento correto a respeito de Jesus Cristo;

5) Para julgar a Teologia, ou seja, sua fidelidade ao texto bíblico; 6) Completa,

quando diz que tudo aquilo que é necessário para a salvação está nela

revelado; e 7) Escrita Final, descartando os chamados livros apócrifos.

No terceiro capítulo sobre O Pensamento Moderno, o autor apresenta

este ponto como “o produto de uma evolução histórica, permeada por

transformações econômicas, filosóficas, religiosas, educacionais e políticas,

entre outras, estando todas elas entrelaçadas” (COSTA, op. cit., p. 209).

Especificamente, o autor analisa a Filosofia e a Ciência Moderna e destaca a

influência das duas com a Teologia. Sobre a Filosofia, ele a define como “o

caminho rumo à essência do real em si como tal e, em suas multifárias

relações” (COSTA, op. cit., p. 210). No que concerne ao pensamento moderno,

a filosofia moderna possui três características que evidenciam a sua

descontinuidade com a filosofia medieval, quais sejam elas: 1) Autonomia da

filosofia; 2) Pluralismo de escolas filosóficas; e 3) Progressivo menosprezo pela

Metafísica como disciplina filosófica e a vênia respeitosa pela Epistemologia e

Metodologia. Sobre a ciência, é importante ressaltar que, de acordo com o

pensamento moderno, o conhecimento científico era tido como capaz de

analisar, julgar e descrever todos os fenômenos de forma imparcial, objetiva e

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livre de preconceitos. O compromisso da Ciência deve ser com a busca da

verdade. Interessantemente, apesar da Ciência não estar atrelada a nenhum

sistema religioso, a Ciência Moderna nasceu permeada de pressupostos

religiosos encarnados nos principais cientistas desse período como Johannes

Kepler, Tomás Campanella, Nicolau Copérnico, Galileu Galilei, Isaac Newton e

G. W. Leibniz. Contudo, a “moderna” Ciência Moderna considerou a idéia de

“Deus” como não possuindo lugar em seu meio. Destaca-se a auto-suficiência

humana no controle e na explicação de todos os fenômenos. Não obstante, a

“moderna” Ciência Moderna está completamente enganada, pois Deus é o

princípio essencial de todos os tipos de conhecimento, incluindo o

conhecimento científico. A consequência deste raciocínio é a negação de

qualquer contradição entre Ciência e Religião.

No quarto capítulo dedicado à Ortodoxia Protestante, o autor se

concentra no período entre a Reforma Protestante e o Iluminismo: o século

XVII. Este período que ficou conhecido como “Ortodoxia Protestante” ou

“Escolasticismo Protestante” é tido por alguns estudiosos como um

essencialmente negativo e estéril, em virtude da separação entre doutrina e

piedade pessoal e da confusão entre fé em Cristo com simples assentimento

intelectual a algumas doutrinas. Apesar disso, a Ortodoxia Protestante se

caracteriza por inúmeras contribuições positivas ao sistematizar a teologia da

Reforma. Alguns fatores contextuais foram decisivos para o surgimento desse

período: 1) Educação formal no pensamento aristotélico, através de

personagens ilustres das principais universidades européias (Melanchton,

Pedro Mártir Vermigli, Jerônimo Zanchi, Conrado Gesner e Teodoro Beza); 2) A

controvérsia protestante a respeito da suposta autoridade final da Igreja em

interpretar as Escrituras; 3) Confiança na Razão como consequência do

princípio de que Deus é o autor de todo conhecimento; 4) Preservação da sã

doutrina das heresias romanas e sistematização doutrinária e confessional da

Igreja; e 5) A questão da “Fé Explícita”, ou seja, a necessidade de que o

indivíduo compreendesse devidamente os ensinamentos doutrinários como

condição sine qua non para que pudesse se filiar à Igreja. Pereira da Costa

finaliza esse capítulo destacando dois importantes teólogos do período

estudado, o primeiro luterano, e o segundo reformado: 1) Johann Gerhard

(1582-1637), cujo pensamento moldou a vertente teológica luterana do século

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XVIII; e 2) François Turretini (1623-1687), principal sistematizador da Ortodoxia

Protestante Reformada e denominado “campeão da ortodoxia calvinista no

século 17”. Sua principal obra foi o manual de Teologia Sistemátca, Institutio

Theologiae Elencticae, que expõe a teologia reformada de forma sistemática,

lógica, precisa e científica.

O quinto capítulo é dedicado à análise da relação do Pietismo com o

surgimento da Teologia Contemporânea. O capítulo é introduzido com uma

discussão sobre o estabelecimento e reconhecimento da Ordem da Companhia

de Jesus ou Ordem dos Jesuítas, em 27 de setembro de 1540 pelo papa Paulo

III. Os jesuítas, no seu começo, fizeram três votos. O primeiro de pobreza, o

segundo de castidade e o terceiro de ir a Jerusalém e lutar contra os infiéis.

Eles foram a principal força do Concílio de Trento e os teólogos do papa. O

Concílio de Trento funcionou ao longo de 18 anos (1545-1563) e em três

etapas. A primeira delas, de 13/12/1545 a 02/06/1547. A segunda, de

01/05/1551 a 28/04/1552. E a terceira e última, de 17/01/1652 a 04/12/1563.

Foram definidos muitos assuntos de ordem doutrinária e disciplinar. Destacam-

se: a rejeição das afirmações protestantes, a ratificação dos sete sacramentos,

a elevação da tradição como autoritativa, a elevação da Vulgata à condição de

igualdade com os originais hebraicos e gregos, a criação do index de livros

proibidos. A ação dos jesuítas como divulgadores da teologia tridentina foi,

acima de tudo, decisiva para a recatolização da Europa. Com a Paz de

Westfália (1648), que garantiu relativa paz ao protestantismo e acabou com as

agressões empreendidas pela Contra-Reforma, pôde-se perceber que a fé das

pessoas estava reduzida a mero assentimento intelectual, e que havia a

necessidade de algo mais sólido do que simples discussões doutrinárias. Daí

surgiu o Pietismo. O Pietismo alemão surgiu no século XVII, na igreja luterana

e tinha como objetivo o retorno à teologia viva do período apostólico e dos

primeiros anos da Reforma Protestante. O seu primeiro grande líder foi o

alemão Philipp Jakob Spener (1635-1705), que em 1670 estabeleceu em sua

casa aos domingos e quartas-feiras um grupo de estudo bíblico, oração e

discussão do sermão do domingo anterior. Este trabalho cresceu e,

posteriormente, recebeu o nome de Collegia Pietatis, de onde veio o termo

“Pietismo”. A principal obra de Spener foi Pia Desideria (1675). Outro grande

personagem do Pietismo alemão foi August Hermann Francke (1663-1727),

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que sucedeu Spener na liderança do movimento. O Pietismo exerceu ampla

influência no protestantismo, tendo como ícone o famoso Conde Nicolau

Ludwig von Zizendorf (1700-1760), o teólogo e líder dos moravianos e

considerado como “o grande missionário estadista”, que muito contribuiu para o

trabalho missionário. A influência pietista também pode ser percebida entre os

presbiterianos da América, especialmente em Gilbert Tennent, um dos

fundadores do College of New Jersey (Princeton College). Apesar de possuir

um propósito válido e ter prestado grandes contribuições, o Pietismo pecou por

trocar a Palavra pela experiência subjetiva como sustentáculos da fé, o que

também contribuiu – ainda que negativamente – para o surgimento de diversas

seitas.

O sexto capítulo – o menor do livro – aborda O Iluminismo, que pode ser

considerado como fruto do Humanismo Renascentista, com a sua ênfase na

autonomia da razão humana em detrimento de qualquer outro fator

determinante. A razão invadiu os domínios da ética, da epistemologia, da

política e da religião, sendo ela mesma o critério último da verdade. Qualquer

apelo a qualquer tipo de transcendência era rejeitado. O Iluminismo teve

origem na Inglaterra, estendendo-se para a França e Alemanha. Recebeu essa

designação por causa da sua pretensão de “iluminar” uma tradição

obscurantista, que por pouco não foi relegada ao ostracismo. Pereira da Costa

chama a atenção para os erros do Iluminismo, visto que a razão é impotente

para abarcar realidades mais amplas, e quando tenta fazer isso, acaba

abraçando o naturalismo filosófico.

Já no sétimo e último capítulo, que trata sobre O Liberalismo Teológico,

o autor apresenta sua definição como sendo “o esforço de interpretar,

reformular e explicar a fé cristã dentro de uma perspectiva iluminista” (COSTA,

op. cit., p. 285). Isso quer dizer que o campo da Teologia possuiria como

princípio determinante a autonomia da razão humana para interpretar as

Escrituras. A Teologia Liberal é fortemente influenciada pelo desenvolvimento

da Ciência Moderna e pelos pressupostos da Filosofia Moderna, conforme

expressos pelo Iluminismo. Os principais inspiradores contemporâneos do

Liberalismo foram dois filósofos. O primeiro deles foi Immanuel Kant (1724-

1804), com a sua distinção entre o Noúmeno (a coisa em si) e Fenômeno (a

forma como a coisa se apresenta). O primeiro termo encerra conceitos como

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“Deus”, “alma” e “liberdade”; já o segundo abarca a dedução estabelecida dos

conceitos mencionados. Vale salientar que, Kant foi forjado a partir do

racionalismo, que afirmava a razão como a única fonte real de conhecimento.

O segundo inspirador do Liberalismo Teológico foi G. W. F. Hegel (1770-1831),

cujo pensamento foi extremamente sistemático e difícil de interpretar. Sua

grande ambição era construir um sistema único de interpretação para toda a

realidade a partir do método dialético. Seu método filosófico era dividido em

três etapas, quais sejam ela: 1) Tese, o momento do “ser em si”; 2) Antítese, o

momento do “fora de si”; e 3) Síntese, o momento do “ser em si e para si”. A

influência iluminista sobre a Teologia pôde ser percebida nas seguintes áreas:

1) Historicismo, ou seja, que resultou no questionamento da integridade e

credibilidade das narrativas históricas da Bíblia; 2) Cientificismo, através do

pensamento de que só a Ciência seria capaz de responder os principais

problemas da sociedade, visto que a religião sempre estivera errada; 3)

Subjetivismo religioso, ao elevar a razão individual como critério da verdade ou

experiência mística; 4) Antropocentrismo, através da tentativa de harmonizar a

verdade teológica com os princípios racionais para promover o bem-estar do

homem. Até mesmo a existência passou a ser aceita, desde que, trouxesse

algum benefício ao ser humano; 5) Racionalismo, através da submissão da

Teologia à Filosofia, com a eliminação de doutrinas ofensivas à razão humana

e a racionalização das Escrituras; 6) Toleracionismo, por meio da redução do

cristianismo a apenas mais uma religião dentre tantas, fruto da imaginação fértil

do ser humano. No que concerne à questão religiosa, a tolerância passa a ser

vista como a virtude suprema e, o dogmatismo, como o pior pecado; 7)

Otimismo em relação às capacidades da razão humana e descrédito para com

a doutrina do pecado original e da total depravação do homem; 8) Ética, que

galgou o status de assunto de primeira importância, e o cristianismo foi

reduzido ao status de religião cujo conteúdo essencial seria a ética; 9) Crítica

textual. Os documentos antigos passaram a ser estudados e analisados quanto

à sua autenticidade. A consequência disso foi o abandono da doutrina da

Inspiração Plenária e o tratamento dispensado à Bíblia como um livro qualquer.

É importante destacar os nomes dos principais críticos que causaram alguma

influência na teologia crítica do século XIX: o teólogo liberal alemão Johann S.

Semler (1725-1791), fundador do criticismo histórico da Bíblia; Hermann S.

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Reimarus (1694-1768), que concluiu que existia uma diferença essencial entre

a pregação de Jesus e dos apóstolos; Gotthold Efraim Lessing (1729-1781),

que defendia a idéia de que todas as religiões ensinavam a mesma coisa, e

que todas possuem a capacidade de transformar a vida. Na Crítica Bíblica

destacam-se também os nomes de Julius Wellhausen (1844-1918) e F. C. Baur

(1792-1860); 10) Autonomia humana através da idéia de que o homem é a sua

própria lei; e 11) Harmonia entre o homem autogovernado e o cosmos regido

por uma lei anterior.

II – AVALIAÇÃO DA OBRA

O livro Raízes da Teologia Contemporânea constitui-se numa obra

interessante para aqueles que desejam compreender as diversas relações

entre diferentes pensamentos que contribuíram de forma decisiva para o

aparecimento da Teologia Contemporânea. Uma das muitas características

positivas do livro é que ele é bem documentado em fontes que também servem

de indicações bibliográficas. Quanto ao seu conteúdo, é interessante perceber

como nenhum sistema de pensamento, nenhuma cosmovisão surge numa

espécie de vácuo existencial e filosófico. O pensamento de hoje foi forjado a

partir de virtudes e defeitos de pensamentos anteriores. É exatamente esta a

sensação que o leitor tem em Raízes da Teologia Contemporânea. Percebe-se

também que, na sucessão de sistemas de pensamento há também uma

alternância de ênfases, como por exemplo: 1) Renascimento/Ênfase na Razão;

2) Reforma Protestante/Ênfase na Revelação; 3) Pensamento Moderno/Ênfase

na Razão; 4) Ortodoxia Protestante/Ênfase na Revelação associada à Razão;

5) Pietismo/Ênfase na Revelação; 6) Iluminismo/Ênfase na Razão; e 7)

Liberalismo Teológico/Ênfase na Revelação dominada e dirigida pela Razão. É

exatamente por isso que a História pode ser tida como uma corrente composta

de vários elos intercalados de matizes diferentes.

A obra chama a atenção do evangelicalismo para a compreensão de que

mesmo em tempos de brilhantismo intelectual, a responsabilidade da Igreja,

composta por pessoas simples, é influenciar positivamente a sociedade na qual

está inserida. A Igreja precisa compreender que a razão humana é incapaz de

oferecer soluções reais aos dilemas e angústias do ser humano decaído. O

livro Raízes da Teologia Contemporânea faz uma excelente parceria com a

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obra de Alister McGrath, Paixão pela Verdade: a coerência intelectual do

evangelicalismo. A primeira obra mostra a decadência e a falência da razão

humana em prover esperança para o homem. Já a segunda obra apresenta, de

maneira inquestionável, que o evangelicalismo precisa se envolver ativa e

positivamente, a partir das Escrituras, na tarefa de ser uma força propulsora

para a resolução dos dilemas humanos sendo sal da terra e luz do mundo.