Raio-X nº 17

24
Dra. Eliana Caser: medicina inten- siva e paliativa no ES. Pág. 8 Dr. Hélio Angotti Neto: vocação e humanidades médicas. Pág. 23 AEMED vs DENEM (3), Eleições para o DCE (14), COBREM (18) ZIKa ZIKa zika zika z ZIKa Ka zika zika zika zika zika zika zika zika z ZIKa zika zika zika zik a zika zika zika zika zika zika zika zika zi & MICROCEFALIA? PATOLOGIA & seus novos antigos Problemas ANAMNESE verborragia Com a palavra, Dr. Paulo Merçon. Pág. 10 representação estudantil Ainda nesta edição: Sisu, Teste de Progresso e Alienígenas! O Jornal dos Estudantes de Medicina da UFES Junho 2016 - Edição 17 www.facebook.com/raioxdamufes

description

O Jornal dos Estudantes de Medicina da UFES. Edição 17: Jun 2016

Transcript of Raio-X nº 17

Page 1: Raio-X nº 17

Dra. Eliana Caser: medicina inten-siva e paliativa no ES. Pág. 8

Dr. Hélio Angotti Neto: vocação e humanidades médicas. Pág. 23

AEMED vs DENEM (3), Eleições para o DCE (14), COBREM (18)

ZIKa ZIKa zika zika z ZIKaKa zika zika zika zika zika zika zika zika z

ZIKa zika zika zika zik a zika zika zika zika

zika zika zika zika zi

& MICROCEFALIA?

PATOLOGIA & seus novos antigos Problemas

ANAMNESE

verborragia

Com a palavra, Dr. Paulo Merçon. Pág. 10representação estudantil

Ainda nesta edição:Sisu, Teste de Progresso e Alienígenas!

O Jornal dos Estudantes de Medicina da UFES Junho 2016 - Edição 17

www.facebook.com/raioxdamufes

Page 2: Raio-X nº 17

Raio-X é o Jornal dos Estudantes de Medicina da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), uma publicação da Assessoria de Comunicação e Informática do Diretório Acadêmico de Medicina da UFES (DAMUFES).

Equipe: Aloísio Vieira Silva - T94, Amanda Silva Guimarães - T97, Ana Fernanda Ribeiro Rangel T93, Brener de Oliveira Nogueira - T93, Emanuel Dalmaso Silva - T96, Enzo Dalfior Antunes - T95, Joilton Tavares Cunha - T94, Júlia de Abreu Teixeira - T97,

Rafael Gonçalves Mendes - T95 (Editor) e Thaísa Malbar Rodrigues - T92.Design e diagramação: Tainara Maciel - Ecos Jr, Enzo Dalfior e Rafael Mendes | Impressão: Coordenação de Serviços Gráficos - UFES,

com recursos próprios do Centro de Ciências da Saúde (CCS). | Tiragem: 300 exemplaresContato: [email protected] | Web: (1) www.facebook.com/raioxdamufes (2) issuu.com/jornalraio-x

Jornal Raio-X (jun/2016)2

caro leitor

como jornal –, e o primeiro do ano chega às dependências do Campus de Maruípe (e sabe-se lá aonde mais) quando o semestre já ruma para sua consumação, com o layout ligeira-mente modificado, novos membros na equipe, e a perene dedicação em não limitar-se a informar.Nos últimos meses, enquanto subiam os preços e a taxa de desemprego pelo país, bateram-se panelas, expuseram--se áudios, foi-se às ruas, e lavou-se a jato. Constatou-se: nada como um aperto econômico para dar voz à indig-

nação engasgada, e nada como novas revelações para fomentá-las.Em meio à crise econômica e gover-namental, alegou-se uma epidemia nascente e, com presteza e valor pre-ditivo positivo equiparáveis aos de um teste rápido de HIV realizado numa jovem virgem e recatada, o Ministé-rio da Saúde apontou, sem “a menor dúvida”, o agente etiológico: um vírus recém introduzido no país e transmiti-do pelo “inimigo número 1 do Brasil”, aquele famoso mosquito egípcio.A representatividade, em diferentes níveis (um dos temas centrais desta edição), evidenciou-se – como tantas outras vezes, em tantas outras eras e

em tantas outras terras – alvo de forte desconfiança... dando-nos, novamente, a chance de buscar por mudança atra-vés da inciativa individual – e aqui não se fala de textões de Facebook. Bem, talvez nossos mestres tratem melhor deste assunto, e, com essa esperança, concedemo-lhes as páginas 8, 9, 10, 11, 12, 23 e 24.Enfim, nesta décima sétima edição do Jornal Raio-X, o leitor encontrará re-sumos, relatos, resenhas, entrevistas e indicações, que, assim esperamos, possam informá-lo, instigá-lo, entretê--lo e, quem sabe, inspirá-lo, ao longo dos últimos intervalos e horários vagos do semestre.

Um por semestre: essa é a pro-posta para o nosso periódico – que a tradição já consagrou

HUMOR AQUOSO

Page 3: Raio-X nº 17

Preparatório para a Ordem dos Zumbis do Brasil

São Luís (MA), manhã de sábado, primeiras horas do 1° dia de ROEx-DENEM (2015). Após efusiva bateção de palmas, em LIBRAS(!), às criminosas falas de um “profes-sor-de-história-universitário/ativista/militante/coletivista--negro/rapper/Zumbi-dos-Palmares-O-Retorno” que, den-tre outras patacoadas, sustentava implícita e explicitamente revanchismo étnico justificando-se em falsificações histó-ricas e hediondas distorções sociológicas como, mínimo exemplo, suas falas nada compromissadas com a verdade e atribuídas a Gilberto Freyre, retroalimentado pelos apren-dizes de zumbi presentes em corpo - e em palmas -, além de por um bocado de lágrimas que destes jorravam crocodilia-nas; chega o momento da famigerada confecção de notas tocantes às “urgentes causas dos estudantes de medicina brasileiros”. Em destaque uma nota em apoio e defesa de Verônica, um travesti que resolveu sair de seu flat, ir ao de uma vizinha – uma idosa com meros 73 anos pesando-lhe as costas –, e sem maiores explicações partiu a agredi-la covardemente, quase lhe tirou a vida, legando um trauma-tismo craniano, um braço e o nariz fraturados, perda de den-tes, roturas de ligamentos das pernas, além de hematomas por todo o corpo de Dona Laura, quem só está viva graças a Bia, outro travesti, vizinho de porta. A estória prossegue na delegacia, onde Verônica arrancou com os dentes a orelha de um carcereiro – não devo ir adiante, aqui (google it!). Quanto à votação da pauta: TODOS a 1; não, não era eu este último moicano, apesar de estar lá. Infiltrado, mas es-tava! Ocorre que, antes mesmo que eu erguesse minha des-tra mão, um olavette – só não mais perdido do que cego em tiroteio, pois, muito embora não cresse para ver, via para (tentar) crer – resolveu levantar a sua e, não podendo en-gendrar sua defesa, fora deveras achincalhado, intimado e, veja só, oprimido pelos aprendizes de zumbi, à exceção de Sue Leeψ que, vendo-se obrigada a manter daquele espaço mínimas aparências de pluralidade, interveio em favor do rapaz: “Pessoal, pessoal... ainda que a gente discorde da opi-nião do colega, por mais reacionária, fascista, nazista, en-fim, uma m**** ela seja, vamos ouvir ele [sic].” Silêncio... Somos levados, portanto, à pergunta-mestra: fora esta de-liberação, de fato, representativa aos posicionamentos dos estudantes de medicina do país? Se não o foi, afinal, que diabos esses seres representam? Bem, a DENEM diz “representar o conjunto dos estudan-tes de medicina do Brasil em todos os âmbitos”, e nasceu

do fecundo ambiente que vivia o país em sua “redemocra-tização”, em conluio com movimentos estudantis como a UNE, além de partidecos de raízes socialistas. Malgrado os anos, a DENEM hoje se identifica, em estatuto, inde-pendente “em relação a movimentos de cunho estritamen-te partidário”. Alegadamente podem até o ser, embora na mesma proporção que são instrumentalizados politicamen-te pela Mão Invisível do Estado. Ora, evidente que não é preciso ser formal e declaradamente partidário para que se defendam interesses partidários. Algo tão ululantemente óbvio, e os Black Blocks, as Sininhos e suas ONGs, Mar-celo Freixo et PSOLis estão aí para provar a regra, não a exceção, pondo em marcha a algo desgastada “estratégia das tesouras”, com suas pseudo-oposições e seus pseudo--intelectuais ao estilo BBB esclarecidxs (y).

De perto, todo paciente é um outlier

O problema intrínseco a todo ente que se pretende repre-sentativo de algo ou alguém reside na dificuldade, quando não impossibilidade, de representar aquilo que existe no mundo real e do qual torna-se sombra. E com as sombras as deformações. Quero dizer com isto que uma represen-tação facilmente eclipsa a realidade em alguns de seus as-pectos uma vez que, diante da arduidade mesma da tarefa de representar, limita-se à separação, dentro do conjunto maior da realidade, de uma alíquota mais ou menos repre-sentativa de seus membros. E, não há nada que se possa fazer, a amostra por definição jamais será aquilo que diz representar. Disto decorrem, por exemplo, o insolúvel e atroz problema da cartografia, de se confeccionarem mapas que preservem em si forma, área e tamanho dos respectivos territórios; a perene inviabilidade de qualquer tradução de uma língua para outra, como na poesia, em se conservarem simultaneamente forma, ritmo e rima; e, com efeito, não é outro senão este o desafio em se fazer epidemiologia-clíni-ca-não-charlatanista e, com todo seu rigor, medicina ba-seada em evidências: “é um recorte de um recorte, de um recorte, de um recorte...”, diria um distinto professor nos-so; aquilo que C. S. Lewis enxergou como sendo inerente a toda e qualquer transposição de um sistema mais para um menos complexo, ilustrando-o qual uma mãe que se esfor-ça em representar, tomando às mãos um lápis negro e uma folha branca, o mundo existente do lado de fora da casa de qual seu filho jamais houvera posto os pés para fora. O problema não reside no recorte, ou na redução, per se; fosse isto, tanto não lograriam a fenomenologia quanto o

Crise de RepresentatividadePode haver representatividade sem que o representante

represente o representado?

Jornal Raio-X (jun/2016) 3

por Enzo Dalfior

coluna vertebral a opinião de quem escreve o jornal

ψ Ilustrativo

Page 4: Raio-X nº 17

método científico, sem os quais não há medicina. Reside, outrossim, na ilusão de certeza em se tomarem certos atri-butos ressaltados ao recorte por essência do que se preten-de representar. E, ainda que o recorte tivesse a felicidade de revelar tal essência, o conceito, daquilo que almeja re-presentar, repousaria ainda em nossos colos a tomada de decisão que ora se assenta ou sobre a ideia que se fez de pessoa ou sobre a própria pessoa real. Qualquer escolha extremada em favor de uma destas duas direções, senten-cia Martim Vasques da Cunha, cria uma separação artificial entre ambas, i.e., a crise (krisis = separação ou decisão) que dá à luz segundas realidades. E a história está empanzinada de supostos heróis que amaram tanto a humanidade que não só abandonaram à própria sorte esposa e filhos, como também fizeram do mundo um lugar melhor para (seletas) pessoas o viverem, adivinhem, eliminando dele outras cen-to e tantas milhões – não tão pessoas quanto eles, presumo.

Resgatar a Realidade, restaurando a Linguagem

A despeito de esses desafios terem perseguido o homem ao longo de toda sua trajetória, em suas tentativas de compre-ender, comunicar e julgar a natureza e o mundo a seu redor, ele os enfrentou e fez de seu túmulo o útero da linguagem e seus símbolos – pois a verdadeira liberdade frutifica no instante mesmo que nosso senso de dívida volta-se aos nos-sos antepassados, e não aos do porvir –, com eles abraçou a eternidade, escreveu histórias, criou as artes e aperfeiçoou suas tecnologias. Não há ingenuidade em afirmar que, de-certo, não são de hoje certas deformações, i.e., as disputas entre tensões opostas em afastar ou aproximar o homem de um plano maior da existência, de aliená-lo ou enraizá-lo na realidade enquanto ela é. Mas com a modernidade um vírus: a ideologia. Esta, demonstra Eric Voegelin, eclipsa a realidade ao reduzi-la a alguns de seus acidentes e tomá-los por essência, logo, corrompendo-a. Isto não parte senão da deformação da linguagem, que se torna doente; e as do-enças, diagnostica Rosenstock-Huessy, podem ser quatro: guerra, crise, revolução e tirania. As novas esquerdas, os revolucionários representados aqui pela DENEM, erigiram seu falso sistema em torno da gritaria contra a velha arti-culação, por meio de seus esperneios, som e fúria, e suas palavras de (des)ordem que não superam o status de flatus vocis: ‘empoderamento’, ‘opressão’, etc; hoje, todo esse grunhido já não sobrepuja o patamar de estereótipo, repe-tições hipócritas da nova vida, sendo eles, pois, os mais novos tiranos. “Tirania ideológica. É a doença do sécu-lo. A ideologia institucionaliza a patologia. [...] A mesma história. Fascismo. Comunismo. Feminismo. Todas ideolo-gias destinadas a voltar um grupo de pessoas contra outro grupo. Os bons arianos contra os maus que os oprimem. Os pobres bons contra os ricos maus que os oprimem. As boas mulheres contra os homens maus que as oprimem. O defensor da ideologia é puro, bom, limpo, e os outros são nefastos. Mas sabe quem é mesmo nefasto? Aquele que imagina que é puro, esse sim é nefasto!” (em “O teatro de Sabbath”, Philip Roth). De resultado, um forjado abis-

mo ontológico (uma crise de Hierarquia, crisis of Degree, aponta René Girard) entre os iluminados falantes da novi-língua e o cidadão comum – que, para bem ou mal, passou longe dos cursos de humanas das universidades brasileiras nas últimas décadas –, de modo que aqueles, a elite intelec-tual e política do país, são hoje incapazes de ouvir este, que por sua vez pouco pode fazer, ou dizer, e acaba não dizendo nada, uma vez que nem mais ouvido é; e, se algo disser, não será à custa de poucas acusações afetadas provindas dos novos pensantes: “reacionário”, “filhote da ditadura”, “coxinha”, “fascista”. Daí a crise, marcada pelo pai que, vendo um filho seu percorrer a passos largos em direção ao precipício, não pode admoestá-lo sem incorrer na pena de lhe vestirem a camisa de força de adjetivos tais quais os da sentença passada. Crise esta que já enseja sintomas de uma guerra cultural e política. Ainda não o é, contudo, pela evidente assimetria de forças sobre a mesa.

Algo de novo de baixo do sol?

Nesta perspectiva de crise de representatividade surge a AEMED, urgindo como contrapeso à DENEM, com um discurso mais voltado para a liberdade de empreendimento, à livre iniciativa e a um certo nível de despolitização de assuntos científicos e acadêmicos, concernentes a ensino, pesquisa e extensão. A AEMED, assim, tem recebido con-siderável apoio das classes representativas médicas, e tem ocupado nichos aparentemente esvaziados, visando a uma maior união dos estudantes de medicina em todo o Brasil

Oh give me to a rambling man,Let it always be known that I was who I am

(Laura Marling)

Jornal Raio-X (jun/2016)4

Page 5: Raio-X nº 17

em torno dos problemas vividos pelos alunos nas escolas médicas, bem como pelos profissionais médicos ao longo de todo o território; e, para isso, não hesita em fazer alian-ças políticas, mais especificamente, com lideranças oposi-cionistas ao (des)governo do PT. Por tudo dito até aqui e mais, mas a despeito de certa disposição consonante da mi-nha parte para com certos valores defendidos pela AEMED, minha costela anarquista – a décima segunda, à direita, fal-sa, mas está lá – impele-me a desacreditar de qualquer ór-gão de classe, pois neste campo há uma armadilha, embo-ra um tanto surrada, assaz perigosa: a armadilha classista. Se por um lado a esquerda moderna expandiu a luta de clas-ses marxista (proletário vs burguês) via estratégia grams-ciana de estratificar mais e mais a sociedade em artificiais classes supostamente rivais, implantando ódio e somente ódio entre elas – homem contra mulher, mulher contra ho-mem; pai contra filho, filho contra pai; branco contra negro, negro contra branco; cristão contra gay, gay contra cristão; empregador contra empregado, empregado contra empre-gador; etc –, sendo isto, apenas isto, a que a DENEM serve, a fim de fomentar um constante ambiente de crise societal, visando à legitimação de um salvador (lê-se Estado = Par-Tido) que há de solver estes impetuosos conflitos, enquanto estabelece uma hegemonia político-cultural positivamente retroalimentável; de outro lado, a tendência pragmática de qualquer órgão de classe médico é defender os supostos “interesses médicos” para além do que se entende por bem e mal (muito embora não há de se declarar isto formalmen-te), o que o faria se aproximar do original ideário marxista ainda mais do que a própria DENEM o faz, imperando sua classe contra todo o resto: médico vs sociedade. Brainstor-ming: ¿3 coisas a um só tempo mais infames e bregas do que taxista sindicalista chantageando seus políticos contra alguém usar seu carro (preto) para conduzir um outro al-guém daqui ali e receber uns trocados por isto?

Soul-in-the-Game

Acredito que há, sim, uma maneira de se escapar dessa armadilha, e ela tem passado despercebida aos olhos das novas e potencialmente promissoras organizações estudan-tis que têm aparecido: AEMED e IFSMA BR (esta mere-ce nossa atenção para edições vindouras), como opções ao status quo da representação estudantil médica, além de outras supradisciplinares como o Estudantes Pela Liberda-de (EPL). Vejo-as todas gritar por liberdade, mas que tipo de liberdade? Para e por quem? Há uma só que importa e, como disse, passa-lhes despercebida, que é a liberdade interior. Pois apenas ela cumpre a máxima henrymilleria-na – a qual não deve ser lida sob lentes humanistas –, que clama no deserto da existência: “Como todo homem, sou meu pior inimigo. Ao contrário da maioria dos homens, porém, sei também que sou meu próprio salvador. Sei que liberdade implica responsabilidade”. Negar o processo de culpa ao homem, retirando-lhe sua consciência individual, é reduzi-lo, afastá-lo do plano maior da existência, enfim, desumanizá-lo, torná-lo zumbi. Pois o pecar é humano,

mas não o é nele a lacuna que lhe restou sem a possibi-lidade de culpa e confissão; e se o pecado original existe, somos errantes, paradoxalmente livres para e presos pelo erro. Certo é que se a liberdade é mesmo inevitável, deve--nos ser, então, o Redentor inescapável. E, em participa-ção, encontra-O o homem em seu mais profundo recôndito interior – “pois nele vivemos, nos movemos e somos” –, tomando as palavras de Ortega y Gasset, naquele fundo insubornável do ser; que desça, então, ao último dos in-fernos e ascenda ao primo céu, percorrendo toda a com-pletude das camadas de sua personalidade, ao retomar o antigo significado de conhecer-se a si mesmo, e somente se assim proceder, poder-se-á reconhecer no próximo um seu semelhante, cada qual em sua individual humanidade. Segundo o maior filósofo que já geraram estas terras, Mário Ferreira do Santos, “O Homem é a consciência da crise. Pois somos quando nos erguemos da animalidade, quando em nós ela se torna consciência”. Caso contrário, há de se esmorecer sua liberdade interior, restando-lhe um progres-sivo e mesquinho desejo de entronizar sua liberdade exte-rior – essencialmente política – ad libitum, trilhando para si e a outrem não o caminho da vida, mas o da servidão.

Por fim, e um apelo, não permitamos que furtem do ho-mem sua liberdade de ser humano. Com efeito, não nos deixemos seduzir por desvaneios utópicos, cujos donos arrogam-se ao direito de pretender construir, não à cus-ta de pouco derramamento de sangue alheio, vis paraísos terrenos, em nome de um futuro melhor que, por sua vez, jamais se realiza e por isto mesmo não permite a aproxima-ção do julgamento de seus atos, postergando-o a tal futuro que não chega e nem se dará. Aceitemos, somos insuficien-tes e haveremos de errar; o homem claudicará. Reivindi-camos tão somente, em uníssono à súplica de Nassim Ta-leb, que as cicatrizes por seus erros estejam estampadas em seus rostos, que deixem marcas em suas consciências. Enfim, precisamos de mais pele no jogo, ou melhor, que almas estejam em jogo. E não há, contudo, vez para elas em jogo cuja moeda é viciada, viciada sob o ranço clas-sista; nem, por conseguinte, lugar para exame de consci-ência, que dirá redenção. E sem redenção, não resta hu-manidade... Já não nos reconhecemos diante do espelho.

Desculpem-me, começando por mim, este distópico jogo recuso-me a jogar.

Jornal Raio-X (jun/2016) 5

Page 6: Raio-X nº 17

Jornal Raio-X (jun/2016)6

Mobilização contra o vetor

Fruto de uma ação integrada do Gover-no Federal na luta contra o mosquito Aedes aegypti, o HUCAM e a UFES vêm, desde o início do ano, desen-volvendo diversas iniciativas e ações educativas. A campanha conta com a participação de calouros e veteranos da UFES na conscientização da comu-nidade acadêmica e da população em geral, havendo distribuição de panfle-tos e visitas às escolas.Além das ações educativas, há também um combate a possíveis criadouros do mosquito no território do Hospital - que foi dividido em três grandes áreas de atuação e nenhuma delas fica mais de cinco dias sem vistoria. A UFES lançou, ainda, em abril, uma versão do aplicativo educativo “Aedes Zero” para celular, que possui diversas orien-tações aos usuários quanto ao controle dos focos e alerta sobre o combate ao mosquito transmissor. A primeira ver-são é destinada aos alunos do ensino médio e está disponível para download nos celulares que usam o sistema An-droid.

Termo “médico” nos diplomas

No mês de março, o Senado aprovou o projeto de lei que determina o uso da denominação “médico” nos diplomas do curso de Medicina em substitui-ção ao termo “bacharel em Medicina”, que vinha sendo utilizado por algumas faculdades. A proposta tem como ob-jetivo facilitar o reconhecimento dos diplomas dos alunos no exterior, vis-to que muitos estudantes encontravam dificuldades em validá-los em cursos de pós-graduação e programas de in-tercâmbio.

A obrigatoriedade da mudança nos di-plomas começará a valer após a sanção do projeto pela Presidência da Repú-blica e posterior publicação no Diário Oficial. Na UFES, o assunto foi ampla-mente discutido no ano passado, inclu-sive com a reitoria da universidade. O DAMUFES havia, ainda, redigido um

documento solicitando a alteração do termo. Após um longo período, a úl-tima turma formada já possui o termo “médico” nos diplomas.

Mais Médicos: Prorrogação

No dia 29 de abril, foi anunciada, pela Presidente Dilma, a edição de uma medida provisória para prorrogar os contratos com médicos estrangeiros por mais 3 anos, sem a necessidade de revalidação do diploma, que até então era pré-requisito para a renova-ção. Contratos terminariam em agosto, outubro e janeiro de 2017, e 12,9 mil profissionais (71% dos participantes) deixariam o país até o final deste ano.

O CFM lançou nota criticando a toma-da, por parte da Presidência da Repú-blica, de “medidas populistas na área da saúde”. O Conselho ressaltou que a medida privilegia os estrangeiros em detrimento dos jovens médicos brasi-leiros que, desde 2015, têm ocupado a quase totalidade das vagas oferecidas nos editais do Mais Médicos, demons-trando interesse, “independentemente da precariedade do vínculo e das más condições oferecidas para o pleno exercício da medicina”. Não bastas-

se o alegado desrespeito, há a “falta de lógica econômica”: em tempos de grave recessão, o Estado se propõe a manter trabalhadores cujo pagamento tem a maior parte de seu valor enviado diretamente para fora do país. “Entre 2013 e 2015, dos R$ 5,3 bilhões alo-cados para o custeio do Mais Médicos o correspondente a R$ 3,6 bilhões foi repassado para Cuba, com a interme-diação da OPAS.”

O Ministério da Saúde avaliou que, apesar do recorde de brasileiros nos editais recentes, a evasão é maior neste grupo do que no de médicos estran-geiros; enquanto 40% dos brasileiros deixam o programa antes do prazo, apenas 8% dos cubanos e 15% dos bra-sileiros formados fora o fazem. Ainda, segundo a Folha de São Paulo, três organizações pediram ao Ministério o prolongamento dos contratos: Fren-te Nacional de Prefeitos, Associação Brasileira de Municípios e o Conse-lho Nacional de Saúde. Aqui, cabe o lembrete do CFM, em sua nota, dos alertas feito pelo Tribunal de Contas da União ao Ministério, quanto às irre-gularidades contratuais e à conclusão de que, em 49% dos primeiros municí-pios participantes do programa, houve

estado geral

Page 7: Raio-X nº 17

redução, até abril de 2014, do número de médicos na rede municipal em com-paração ao dia em que os bolsistas do programa chegaram, indicando a de-missão de médicos próprios por diver-sas prefeituras.

Mais Médicos: Residência

Na segunda quinzena de abril, veio à tona, entre os círculos de alunos, a discussão quanto às novas regras da residência médica no país, previstas na lei do Programa Mais Médicos (nº 12.871), de outubro de 2013. Segun-do os artigos 6º e 7º do capítulo III, os programas de residência médica em Genética Médica, Medicina do Tra-balho, Medicina do Tráfego, Medici-na Esportiva, Medicina Física e Rea-bilitação, Medicina Legal, Medicina Nuclear, Patologia e Radiologia são de acesso direto, e, para os demais, o Programa de Residência em Medicina Geral de Família e Comunidade (PR-MGFC), com duração mínima de 2 anos, passa a ser pré-requisito – contu-do, de diferentes formas. Para o ingres-so nas residências de Clínica Médica, Pediatria, Ginecologia e Obstetrícia, Cirurgia Geral, Psiquiatria e Medici-na Preventiva e Social, é obrigatório somente o primeiro ano do PRMGFC, enquanto que, para os demais, será necessária a realização de 1 a 2 anos do PRMGFC – a duração exata é de-terminado pela Comissão Nacional de Residência Médica. A lei prevê (pa-rágrafo 3, artigo 7º) que a implanta-ção do pré-requisito só será efetivada quando alcançada a meta (artigo 5º) de se ofertar, anualmente, para residência médica, vagas equivalentes ao número de egressos dos cursos de Medicina do ano anterior – meta esta que, segundo o artigo 5º, deve ser implantada gradu-almente até o último dia de 2018.

H1N1

A temporada de gripe chegou mais cedo do que esperado. Roubando os holofotes do Zika, o H1N1, (ou melhor, o subtipo H1N1 do vírus influenza A) vírus causador da influenza A, ganhou manchetes após crescente número de mortes registradas pelo país. Até o dia

16 de abril eram 230, segundo o Minis-tério da Saúde, 119 das quais no estado de São Paulo, enquanto durante todo o ano passado foram registradas apenas 36. Frente à ampla divulgação pela mídia, a procura pela vacina cresceu país afora. Inicialmente, postos com estoque de trivalente restante de 2015 disponibilizaram-no à população, mas a oferta não deu conta da procura mes-mo em centros privados. Diante do quadro, alguns estados anteciparam o início da campanha deste ano; nos de-mais, a vacinação começou no dia 30 de abril, servindo apenas aos grupos prioritários: crianças entre 6 meses e 5 anos, gestantes, puérperas, idosos, profissionais da saúde, povos indíge-nas, portadores de doenças crônicas, funcionários do sistema prisional, po-pulação carcerária e demais indivíduos privados de liberdade.

No Espírito Santo, a vacinação de grávidas, puérperas e profissionais da saúde começou no dia 18 de abril, e, a partir do dia 30, sexta-feira, o atendi-mento foi estendido aos demais grupos prioritários já citados. No dia 2 de maio, segunda-feira, o lote recebido pelas Unidades de Saúde de Vitória já tinha acabo. No estado, até 10 de maio, foram 79 confirmações do vírus em casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave, e 15 mortes. Com a reposição de estoques, a meta de atendimento a 80% da população estimada para os grupos de risco foi alcançada, e mes-mo após atingido este ponto, a Secre-taria de Saúde informou a compra de mais vacinas do Instituto Butantan de São Paulo.

Paralisação dos internos (ou A Revolta das Vacinas)

No dia 3 de maio, terça-feira, os inter-nos anunciaram a paralisação de suas atividades acadêmicas em ambiente hospitalar e ambulatorial no HUCAM após o Núcleo de Atenção à Saúde do Trabalhador Hospitalar (NASTH), que convocou todos os trabalhadores do HUCAM para a campanha de vacina-ção, ter-lhes negado acesso à imuni-zação contra a gripe, contrariando as orientações da Secretaria de Saúde,

da Direção do Hospital e da ProGrad. Dialogando com a Superintendência do hospital, foi acordada a vacinação, e, após quase uma semana, na segun-da-feira (9 de maio), os estudantes conseguiram garanti-la na UBS de Maruípe, retornando às atividades no dia seguinte.

A atitude dos internos serviu de incen-tivo para alunos do ciclo clínico deste curso e para os alunos de outros cur-sos que têm atividades acadêmicas no hospital. No dia 11 de maio, em uma reunião com os representantes dos CAs do CCS, foi elaborado um docu-mento pedindo intervenção em Uni-versidade, em favor da vacinação. Os cursos de enfermagem, odontologia e fonoaudiologia decidiram realizar uma manifestação na tarde do dia seguinte (quinta-feira), caminhando em passea-ta até a Reitoria, em Goiabeiras. Seis representantes dos alunos reuniram-se com a Reitoria, que se comprometeu a reforçar o pedido já feito ao Ministério da Saúde (que havia negado o enqua-dramento dos estudantes como grupo de risco), marcando uma nova reunião para a semana seguinte. Até o fecha-mento desta edição, a situação não es-tava resolvida.

por Brener Nogueira e Rafael Mendes

7Jornal Raio-X (jun/2016)

Visite o nosso acervo virtual:

https://issuu.com/jornalraio-x

Page 8: Raio-X nº 17

do nono período do curso de Medici-na, coordena o Programa de Residên-cia em Medicina Intensiva na UFES e a UTI do Hospital Unimed Vitória, onde também é plantonista. Com 31 anos de formada – pela UFES –, desde a primeira vez em que entrou na UTI, no sexto período de Medicina, nunca mais saiu. Quando ainda era monitora de Fisiologia, começou a acompanhar o professor Michel de clínica médica no atendimento de urgências e emer-gências. Não havendo, à época, resi-dência em medicina intensiva, optou pela de clínica médica, na UFES, e foi logo convidada para ser médica do serviço. Com vasta experiência em te-rapia intensiva, desenhou a inclusão da abordagem clínica da urgência no está-gio obrigatório do nono período.

Em algumas horas de entrevista, a pro-fessora nos contou um pouco sobre a jornada de aprimoramento profissional e dedicação à medicina que marcou sua vida, e como, nesse ínterim, apren-deu a importância de se manter uma visão holística do paciente.

1. Quais as razões da sua opção por seguir a carreira médica?

Na minha família não tinha médico. Eu era a caçula, e minha mãe, na épo-ca, me teve em casa, e ela nem podia ter tido filho, porque tinha febre reu-mática! Era cardiopata. Lembro que a cirurgia cardíaca dela foi uma das primeiras do Brasil, em 1960 e pou-co... eu era pequena na época. Colo-cou uma prótese mitral, aquela válvula de Edwards. Então, cresci com minha mãe doente. Quando ela morreu, eu ti-nha 15 anos. Acho que foi isso, esse ambiente de doença... deve ter alguma explicação psicológica, né? Provavel-mente está nisso a explicação.

2. Para a senhora, que característi-cas fazem um bom médico? E que virtudes o médico intensivista pre-cisa possuir ou desenvolver que não são pronunciadamente necessárias na prática corriqueira da medicina?

Vou falar primeiro como médica, não como intensivista: a primeira coisa é uma estrutura familiar. Acho que, se você tem isso, que vai formar o seu ca-ráter, o resto você adquire – ética e ca-ráter, se você tem isso, o conhecimento vem depois. Acho que, no contexto ge-ral, estamos com muito problema por falhas na estrutura familiar, na forma-ção do caráter. Além disso, precisamos ser politizados, estudar, ter dedicação e responsabilidade... e vocação. Relacio-namento interpessoal é fundamental. O médico tem que saber ouvir o pa-ciente, fazer uma anamnese e um exa-me clínico adequado. 80% dos diag-nósticos são exames clínicos. O intensivista é um clínico especiali-zado em doente grave que vê o doen-te como um todo. A gente tem q fazer diagnóstico diferencial, ter o raciocí-nio rápido... é diferente de um médi-co de consultório. A gente lida muito com as emoções: nossas, da família e do doente. E temos que estar ligados o tempo todo.

Outra coisa: o médico está saindo mui-to de perto do paciente e ficando muito perto de equipamento. O médico tem que ficar à beira do leito, e é lá que de-vem estar os equipamentos.

3. Com relação a esta questão de o médico estar afastado do leito do pa-ciente, o que a senhora diria daquele que se diz interessado na medicina intensiva por não querer tanto con-tato com o paciente?

Pra mim, médico que vai fazer terapia intensiva porque não quer conversar... – isso aí é o médico que não tem voca-ção! – Pelo contrário! A grande maio-ria dos nossos pacientes de terapia intensiva conversa conosco, não estão em coma. Isso aí era a medicina de 50 anos atrás, quando só ficava na terapia intensiva quem estava entubado ou chocado. Hoje temos paciente grave que está conversando, e este é o doente que mais precisa, junto com a família, de assistência! Eu trabalho com visita estendida há mais de 20 anos, ou seja, a família fica 24h ao lado desse pacien-te, quando ele pode e quer, e a família quer. Tenho que ver o doente como um todo; tratar o paciente, não a doença.

4. E quando o doente já não apresen-ta mais perspectiva de cura, profes-sora? Em tempos que muito se cobra uma maior “humanização” da prá-tica médica, qual é o lugar reserva-do, hoje, aos cuidados paliativos em CTIs?

Na terapia intensiva, você tem pacien-tes em tratamento curativo e em tra-tamento paliativo. Quando se diminui a capacidade de cura, e só se fica no [tratamento] paliativo, você somente muda o foco, mas continua tratando. O doente paliativo precisa de ainda mais assistência, a prioridade não é mais si-nal e sintoma, é conforto. O problema é que a formação médica está distorci-da sobre isso. Fui uma das primeiras a trabalhar paliatividade em terapia intensiva aqui no Espírito Santo. Infe-

Eliana Bernadete Caser, profis-sional dedicadíssima, leciona Urgência Clínica aos alunos

Dra. Eliana Caser: medicina à beira do leito

8 Jornal Raio-X (jun/2016)

anamnese

Page 9: Raio-X nº 17

lizmente, não deveria ser assim, mas a paliatividade está partindo de nós, da UTI, do paciente mais grave. Não era pra partir de mim, era pra partir do mé-dico assistente, lá do consultório, do oncologista, do geriatra...Tenho, todos os dias, na UTI, pacien-te (antes chamado de “terminal” – não devemos mais usar este nome) cuja doença não tem mais tratamento. O que acontece? Esse paciente chega na UTI e ninguém jamais conversou com a família [sobre a sua real situação]! Aí, fazemos uma reunião com ela, per-guntamos sobre o entendimento [que a família tem] da doença, qual a pers-pectiva, explicamos as medidas tera-pêuticas... Preciso saber, da família, se, para o caso de uma parada cardíaca, eu devo fazer reanimação. Faço isso com todos. Somos treinados para isso.

5. Pegando o gancho, professora, muito se tem discutido sobre a orto-tanásia, a eutanásia e a distanásia. Qual o posicionamento da senhora em relação a essas práticas?

Qualquer procedimento feito a mais que for aumentar o sofrimento sem curar, trazendo mais dor – gente, na UTI, tem doente morrendo com tanto sofrimento... Isso é distanásia. E aon-de a gente tem que chegar? No bom morrer. Morrer com dignidade: ortota-násia.

6. E como é que a senhora vê esse li-miar?

Ah! Esse discernimento entre o que é e o que não é distanásia é doado por um bom conhecimento técnico. Tem de sa-ber medicina para ter segurança.

7. E esse debate acaba passando pela discussão sobre a função do médico, no final das contas...

Nossa função é saber, primeiro, ouvir. E tem que informar, conversar, discu-tir junto. Sou obrigada a dizer: “olha, do ponto de vista técnico, o diagnósti-co do seu parente é tal, por isso e por aquilo... Já estamos tratando, fazendo tudo que podemos, mas ele não está respondendo.” Nós temos limites tera-pêuticos. Usamos a medicina pra tratar os pa-cientes e evitar a morte, mas tem coisa

que... nós não somos Deus, gente. E vocês, no curso de Medicina, têm de ter isso em mente, senão vem distaná-sia... Gente, eu vejo paciente com 98 anos, o homem cego, não fala, acama-do há 3 anos, e os médicos fazendo he-modiálise. Isso é pecado.Pra mim, isso se chama distanásia. Mas por que acontece? Por que nin-guém prepara as famílias. Temos que conversar com as famílias antes, fazer reuniões repetitivas. No Sul, eles des-tubam os pacientes, pra que possam morrer com dignidade. Mas nunca encurtar a vida! O objetivo dos cuida-dos paliativos não é abreviar a morte, não é eutanásia, mas sim diminuir o sofrimento, isto é, a ortotanásia. Os hospitais deveriam ter uma unidade de tratamento paliativo, mas não têm! Os pacientes, então, acabam chegando na UTI. As pessoas têm que entender que, mesmo se eu tiver que fazer uma res-sonância pra tirar dor, eu devo fazer! Usar o que eu tenho pra dar conforto ao paciente: não é mais tratar a doença, é tratar o paciente. A visão antiga era de diminuir custo, diminuir exame... nada disso! Frequentemente, é preciso fazer um exame de alto custo pra eu fazer a paliatividade.

8. Em alguns países, as famílias preferem que o doente tenha seus últimos dias de vida na própria re-sidência, próximo dos parentes. Isso, obviamente, vai de encontro a tendência de institucionalização da morte. O que a senhora tem a dizer acerca desta última?

Não concordo. Acho que isso tem que ser mudado, mas é um trabalho que vai levar gerações. É questão de mudan-ça de cultura, de como se vê a morte. Quando discutimos morte e cuidados paliativos no curso de Medicina? Na UTI existe um percentual muito co-mum de pacientes que não deveriam estar lá, por conta de paliatividade, de-viam estar sendo tratados fora da UTI, de forma não invasiva, com analge-sia... mas nada de apressar a morte! Por que ninguém morre em casa mais? Por que tem que morrer na UTI? Por que tem que morrer perto de estranhos? Tem que morrer perto da família! Acho horrível morrer no hospital. Acho que o

paciente que fica agudamente enfermo deve ser levado para o hospital, para que seja feito o diagnóstico. Agora, uma vez que se constata que o paciente tem uma doença crônica, e que ela está num grau avançado de paliatividade...

9. Bem, por estar em íntimo conta-to com o limite da vida humana, em especial no caso de doentes em tra-tamento paliativo, é natural refletir sobre como ela deve ser vivida, rever conceitos, analisar o que se fez e o se poderia ter feito melhor. Quais os maiores ensinamentos que esse con-tato lhe propiciou até hoje?

É sempre acreditar, nunca perder a es-perança, dentro do contexto do técni-co. Usar seu conhecimento e a razão e nunca deixar de fazer o que for o me-lhor para o paciente. Tem um pacien-te... que eu jurava que estava morto. Era um doente grave de trauma, com vários agravos. Houve um momento em que ele estava com a saturação em 60%, roxo-morto. Virei, na época, pra esposa e falei assim: “olha, acho que dessa vez é difícil pra nós. Já fiz tudo... e o paciente não está respondendo. En-tão, fico muito tranquila em dizer que, quanto à parte médica, não há mais nada que eu possa fazer. Mas vocês da família têm de se apegar ao que vo-cês acreditam.” Seja qualquer crença que a família e os pacientes tenham na UTI, temos que respeitar. Não sei o que aconteceu com o paciente, mas, uma hora, a saturação dele começou a subir. Ele estava roxo! Mas aí me-lhorou, assim, subitamente. A história que ele conta é que sonhou que esta-va num navio que balançava muito e via um monte de gente de branco. Não sou muito entendedora desse negócio de espiritualista, mas deve ter alguma coisa disso. Mas a pergunta era o que mesmo que eu não lembro? Ah, sim! Bom, quando volto agora, revejo que temos que ver, realmente, o doente como um todo, respeitar sua individualidade e seus valores, e se sentir no seu lugar.

por Aloísio Vieira, Enzo Dalfior, Érico Induzzi e Rafael Mendes

Jornal Raio-X (jun/2016) 9

Page 10: Raio-X nº 17

graves consequências neurológicas, acomete-nos em um péssimo momen-to. Em meio ao tumulto social, político e econômico que estamos passando, dentre tantos problemas, a epidemia fez aflorar um problema sutil, pouco percebido.

Proponho que o chamemos de igno-rância substantiva. O seu contrário, conhecimento substantivo, é o conhe-cimento específico de um ramo do conhecimento, como a Medicina, in-cluindo tudo que uma pessoa precisa saber para exercer uma função. Por exemplo, um médico não é um estati-cista mas precisa conhecer a estatística necessária para sua atividade. Neste texto, escrito para um jornal de estu-dantes de Medicina, irei me permitir manter o tom professoral de quem sabe o substantivo sobre o tema.

Após os primeiros relatos atribuindo microcefalia à infecção pelo Zika vírus durante a gestação, o mínimo que se esperava era o monitoramento da sua ocorrência em filhos de gestantes in-fectadas. E o que nós vimos e estamos

vendo? Uma série de erros. Vejamos.Microcefalia é um atributo, uma ma-nifestação, um sinal, não uma doença, cuja identificação é importante para chamar a atenção para uma possível doença. Diante deste (ou de qualquer outra manifestação de doença), é fun-ção precípua do médico investigar e diagnosticar se há mesmo uma doença e orientar a intervenção.

A primeira etapa é confirmar o atri-buto. Na impossibilidade de analisar diretamente o encéfalo, como faz o pa-tologista, diagnostica-se microcefalia quando o perímetro cefálico (PC) do caso corresponde a um escore z < -2,0 (correspondendo ao percentil 97,5), ou seja, o PC do caso está dois desvios pa-drão abaixo da mediana do valor de re-ferência para a idade gestacional (IG).Há muito conhecimento nesta frase e pode parecer difícil, mas é isso ou não se pode avaliar o PC (ou qualquer outra dimensão). É preciso dispor de referência de crescimento (a melhor e mais atual é a do Intergrowht 21th Pro-ject), saber estimar a IG, aferir o PC, calcular e interpretar o escore z. (Meus alunos sabem).

Mas é preciso saber, também, que

em qualquer conjunto de casos, diga-mos, a população de nascidos vivos de uma região, por este critério es-tatístico, 2,5% dos casos terão PC < z-2,0 (e 2,5% dos casos PC >+2,0). Por isso, causei espanto quanto disse que a ocorrência de microcefalia nos nascidos vivos no Estado do Espírito Santo seria cerca de 1361 casos por ano (2,5% vezes 54438 nascimentos em 2013). É ignorância divulgar que há uma epidemia de microcefalia em Vitória porque estão em investigação algumas dezenas de casos!

A microcefalia, assim diagnosticada, não identifica doença, mas, tão somen-te, os casos que deverão ser objeto de estudo clínico pelo pediatra porque, estatisticamente, constituem o extre-mo esquerdo da distribuição do PC. Dentre estes, alguns se revelarão casos de doença; os demais ou são casos er-radamente diagnosticados (erro de es-timação da IG ou de aferição do PC) ou então constituem, simplesmente, os casos com cabeça menor, sem doen-ça. Afinal, basta olhar ao nosso redor para perceber quão variado é o nosso tamanho; há gente com cabeça maior e gente com cabeça menor.

Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa

(ou sobre Zika vírus, microcefalia e delinquência)

por Paulo Roberto Merçon de Vargas

Jornal Raio-X (jun/2016)10

Ahorrível perspectiva de uma doença emergente (a infecção por Zika vírus) com potenciais

Page 11: Raio-X nº 17

Curioso, não é mesmo? Agora que te-mos uma nova possível etiologia para doença encefálica, as autoridades e os “especialistas” se lembraram da mi-crocefalia. Por que ninguém se lem-brou antes dos 1361 casos anuais de microcefalia (e dos outros 1361 casos de macrocefalia também associados com lesão encefálica)? Microcefalia é só a ponta do iceberg dos distúrbios do crescimento fetal e dos nascimentos pretermos que ocorrem todos os anos e que são os casos com maior risco para doença e morte na infância e para pro-blemas na vida adulta. É uma memória muito seletiva. Ou outra coisa. (Dedu-zam vocês).

Não se espera que o leigo saiba tudo isto, mas os médicos (ou o Ministé-rio da Saúde) não saberem é uma ig-norância inaceitável. Como puderam, desprezando as mais enfáticas reco-mendações dos que entendem do tema, decretar e informar à população que microcefalia é quando o PC é menor do que 320mm? E o PC dos pretermos que ainda não cresceram até este va-lor? E a divulgação de fotos de bebês microcefálicos? O que se pretendia? Ensinar as nossas gestantes a vigiar, elas mesmas o tamanho do PC de seus bebês? Coitadas. Nenhuma gestante merece isto.

Depois da publicação do excelente artigo de Victora e colaboradores da Universidade de Pelotas, em feverei-ro na Lancet, e da intervenção direta da OMS, o Ministério da Saúde pas-sou a adotar o critério correto (z<-1,88 do Intergrowth 21th Project) e escas-searam as falas sobre o critério. Ou a epidemia desapareceu? Recomendo enfaticamente a leitura deste artigo, perfeito exemplo de conhecimento médico substantivo e estatístico, em que se demonstra a estapafúrdia esta-tística de microcefalia divulgada entre nós. Que Mico! Não merecemos isso. Talvez haja mais do que ignorância substantiva neste mico, mas me calo.

Pouco sei quanto aos números oficiais porque não foram divulgados os dados básicos (IG e PC) dos casos suspei-tos. Diante da gravidade da situação, em um país democrático, estes dados

não deveriam ficar restritos ao gover-no. Por que omitir os dados quando a doença está ai? Pode aparecer alguém que lance alguma luz.

Felizmente apareceu. Uma notável contribuição ao problema foi o estudo de Soares de Araujo e colaboradores, em fevereiro de 2016. Como o com-primento somático e o PC não estão disponíveis no SINASC, eles próprios se organizaram e colheram estes dados de 16208 nascimentos na região de Campina Grande, Paraíba, anos 2012 a 2015. Tendo percebido que a IG não era confiável, empregaram a propor-cionalidade entre o PC e o comprimen-to fetal e encontraram mais microcefa-lia do que os esperados 2,5% e um pico em 2014, antes da introdução do Zika vírus no Brasil. Nossos resultados pre-liminares com nascimentos em quatro maternidades de Vitória são semelhan-tes. É claro que estes dados precisam ser confirmados, em especial quanto a erros e imprecisão da estimação da IG e da aferição do PC.

E quanto à lesão encefálica revelada pela microcefalia? Um PC pode ser menor porque o tecido cresceu pouco ou porque parte do tecido foi destruído ou por ambas as causas. No primeiro caso, tem-se a microcefalia primária, seja por uma doença gênica seja por privação de suprimento úteroplacen-tário. No segundo caso, ou há uma inflamação com necrose (como na toxoplasmose e na citomegalovirose congênitas, e como se demonstrou em pelo menos um caso de Infecção pelo Zika vírus) ou há necrose hipóxico-is-quêmica. Em qualquer dos casos, a le-são pode ser mais ou menos grave, sem evidência clínica ou tão exuberante como a anencefalia. Considerar micro-cefalia e malformação como sinônimos é pouco investimento na determinação da etiologia e da patogênese da lesão. Por isso também é um erro estimar a frequência de microcefalia em regis-tros de anomalias como o ECLAMC, que, naturalmente, só registra casos muito graves (z<-3,0). É isso preguiça, descaso ou ignorância substantiva?

Então, outras etiologias estão em ação! De fato, esta é a experiência de quan-

tos fazem autópsia fetal e pediátrica em Vitória; a maioria do que vemos é toxoplasmose e citomegalovirose con-gênitas e lesão hipóxico-isquêmica.

Mas o maior erro é tomar como doen-ça (encefalite, infarto encefálico, etc) a sua manifestação (microcefalia). Por-que uma coisa é o atributo (microcefa-lia) e outra coisa a entidade nosológica (encefalopatia). Deduzir uma da outra não é nem simples nem fácil.

Exige toda uma vida de estudo e a vi-são de todo o espectro da lesão e da doença, como só o pediatra pode co-nhecer.

É uma estupidez delegar, no primeiro momento, esta tarefa para os especia-listas (geneticistas, infectologistas, etc) porque eles só podem conhecer os ca-sos de suas próprias áreas de atuação. Vejam as estapafúrdias estimações de epidemia a partir do registro de ano-malias. E esta distorção foi divulgada.

Obstetras e pediatras têm sido ques-tionados pelas gestantes e familiares sobre por que não fizeram tal ou qual exame (geralmente requisitando tomo-grafia ou ressonância nuclear magnéti-ca). Fico com a Clínica. Diante de uma suspeita de microcefalia, consulte-se quem sabe o substantivo sobre cresci-mento e desenvolvimento; nos casos indicados ele saberá buscar a ajuda dos especialistas. A quem interessa minimizar a soberania clínica? Pensem sobre isso e saberão a resposta.

Ademais, excluídos os casos muito graves, a microcefalia só pode ser de-tectada com o tempo, porque o cresci-mento é um processo contínuo. Cerca de 85% do crescimento do encéfalo ocorrem até aos dois anos de idade e é a vigilância do crescimento do PC neste período que, de fato, pode iden-tificar suas anormalidades. Peso, com-primento e PC são anotados na Cader-neta da Criança e os pediatras sabem avaliar crescimento e desenvolvimento psicomotor há décadas. A necessidade de atentar para este critério foi reco-mendado já no primeiro guideline da OMS sobre a possível epidemia no Brasil. Por que não se fala nisto? Tal-vez porque é difícil valorizar uma con-

Jornal Raio-X (jun/2016) 11

Page 12: Raio-X nº 17

sulta pediátrica, como se depreende da quantia irrisória que lhe corresponde, em contraste com o que se paga com os procedimentos de “alta complexida-de”. O que poderia ser mais complexo que uma consulta médica?

Outro aspecto difícil é o próprio diag-nóstico de infecção, atualmente só possível pela detecção do Zika vírus por PCR no sangue, durante o perío-do de manifestação clínica da doença (menos de 7 dias); não há ainda teste sorológico. Decidiu-se que seriam in-vestigadas as gestante com manifesta-ções clínicas. Ora, estima-se que estas correspondem a cerca de 20% das in-fecções. As infecções assintomáticas não causam lesão encefálica? Se não foi eliminada nem a sífilis congênita (facilmente diagnosticada e tratada) devemos investigar Zika em todas as gestantes? Se é para priorizar, então que se priorizem as infecções no I tri-mestre da gestação. Mas, dependendo de como forem divulgadas estas infor-mações, pode haver uma corrida pelos

testes como, atualmente, para a vacina contra o vírus H1N1.

Em resumo, (1) há uma epidemia de infecção pelo vírus Zika; (2) esta in-fecção pode causar lesão encefálica durante a vida intrauterina; (3) não há teste disponível para o diagnóstico de todos os casos; (4) não há tratamento; (5) o sinal microcefalia é escolhido para identificar os casos suspeitos, mas os critérios para seu diagnóstico são erradamente definidos e até os especia-listas parecem ter dificuldade de em-pregar o escore z; (6) o conhecimento substantivo dos pediatras não foi va-lorizado; (7) a microcefalia é apenas a ponta do iceberg dos distúrbios do crescimento fetal; (8) um programa inadequado foi implementado e a po-pulação foi assustada.

Não é óbvio que a prioridade deve ser o combate ao mosquito? Mas não que-ro falar do óbvio.

Quanto ao problema específico, o mí-nimo exequível é vigiar o crescimen-

to do PC durante o pré-natal e após o nascimento, com elaboração da curva de crescimento, por quem tem conhe-cimento substantivo sobre crescimento e desenvolvimento humano, os obste-tras e os pediatras. (Ou gente estranha como eu). Se não estiverem fazendo direito, então, puxemos suas orelhas.

Mais médicos (Deus nos livre!), mais recursos, mais programas, mais discur-sos fúteis, sem conhecimento substan-tivo não resultarão em melhor saúde. Eu penso que há um nexo entre esta ignorância substantiva e o descaso com a educação brasileira (inclusive a médica) que tem sido uma constante em nossa história, protagonizada por quem (como os desta “organização criminosa” que nos governou até há pouco) despreza o conhecimento e a cultura para nos manter dependentes do Leviatã do Estado.

Uma tal ignorância substantiva já é caso de delinquência.

Jornal Raio-X (jun/2016)12

sos de medicina, apelidados carinho-samente – por um distinto professor nosso – de alienígenas, os quais, em muitos casos, não deveriam fazer suas aparições por esta casa. Acontece que, no início do mês de maio, alguns alu-nos se deram conta da crescente apari-ção desses estranhos nos ambulatórios, e voltaram à tona dúvidas quanto à le-gitimidade da sua presença nas depen-dências do HUCAM.

A presença desses alunos não é pura coincidência, e sabe-se que, em vários casos, médicos e professores permi-tem – e, por que não dizer?, incenti-vam – a presença deles no Hospital. O Centro de ciências da Saúde (CCS) cresceu e hoje abriga 8 cursos de gra-duação que utilizam o HUCAM como seu cenário de práticas, e isso, por si só, já sobrecarrega o espaço físico que

Enquanto isso, no HUCAM: Invasão Alienígena

Não é de hoje que nosso Hospi-tal tem recebido a ilustre visita de acadêmicos de outros cur-

possuímos, sobretudo as enfermarias, tornando frequentes os relatos de pro-blemas com o espaço e a quantidade de estudantes. Nesse quadro, a presen-ça de alunos de fora da UFES ocupan-do os já exíguos tempo e espaço para aprendizado prático de que dispomos, não poderia senão suscitar insatisfação e inquietude.

As denúncias começaram a chegar à Ouvidoria do HUCAM, ao Colegiado de Medicina e ao Diretório Acadêmico de Medicina da UFES (DAMUFES), e uma ampla discussão sobre essa prá-tica se instalou entre os discentes e os docentes. Em resposta às denúncias encaminhadas aos órgãos competen-tes, um memorando foi enviado a todos os departamentos, assinado pelo supe-rintendente do HUCAM, Luiz Alberto Sobral V. Junior, “assegurando que somente os estudantes dos cursos da UFES realizem estágio curricular e/ou outras atividades acadêmicas supervi-

sionadas no ambiente do hospital”. O memorando reitera que, nos casos de cooperação interinstitucional, deve protocolar-se o pedido ao Colegiado do Curso e, em seguida, à Gerência de Ensino e Pesquisa do HUCAM. Ainda assim, a situação persistiu, e, em um caso, membros da gestão do DAMU-FES dirigiram-se à médica responsá-vel, entregando, pessoalmente, o me-morando, alertando quanto às normas e solicitando a saída dos aliens.

Nesse contexto, devemos lembrar do nosso papel enquanto estudantes da UFES, na defesa do nosso ensino e do nosso cenário de aprendizagem. O HUCAM é o hospital-escola da UFES, e é, no mínimo, contraproducente que os graduandos da nossa instituição se-jam prejudicados por causa de prática irregular e arbitrária de atividades com alunos de outras instituições de ensino superior. Aos alunos que por ventura se deparem com essa prática, denunciem.

por Ana Fernanda Rangel

Page 13: Raio-X nº 17

logia do nosso curso nunca aceitaram ministrar aulas dissociadas da assistên-cia aos pacientes do HUCAM, e essa assistência nunca foi remunerada ou computada como atividade universi-tária. Apesar de pleiteado há mais de 25 anos, essa atividade de docência não tem sido reconhecida como tal pe-los órgãos de gestão da Universidade (desde o Departamento até o Conselho Universitário). Em decorrência, visan-do a não se render à mediocridade no ensino, resta aos professores trabalhar continuamente e adaptar-se, reduzin-do outras atividades acadêmicas que gostariam de realizar, em especial, no campo da pesquisa e da extensão.

Agravando o quadro, tem-se a dimi-nuição do corpo docente e da carga horária total: em 1981, havia 8 profes-sores, somando uma carga horária total de 380 horas semanais, para ministrar as três mesmas disciplinas (Patologia Geral para Medicina e Enfermagem e Anatomia Patológica para Medicina) que hoje ministram 4 professores com carga horária total de 120 horas.

Bem, ao que parece, na visão da gestão universitária, acompanhar a assistência médica na Unidade de Anatomia Pato-lógica do HUCAM (UAP/HUCAM), o que, naturalmente, inclui desde aná-lises macroscópica e microscópica de

biópsias e preparação de material para estudo à realização de autópsias, não é atividade digna de ser considerada par-te do aprendizado de medicina. Como será então o modelo ideal de ensino desta arte? Alicerçado em apresenta-ções de PowerPoint e na apreciação de imagens disponíveis na literatura es-pecializada? E o modelo de professor, então? Aquele que passa pelo hospital só pra ir de uma sala de aula para ou-tra? Quando o ensino de medicina se limitar a esta aparente visão da gestão universitária, já não estaremos falando de medicina. Quiçá nem de ensino.

Atente-se, então, a gestão da Universi-dade, que, até o momento, tratou com descaso a antiga solicitação dos pro-fessores da UAP/HUCAM, e conceda--lhe o tratamento justo. Assim, há de se beneficiar não só o ensino médico, tornando-o mais consonante com os Princípios Norteadores elencados no Projeto Pedagógico do Curso de Me-dicina da UFES, mas também a assis-tência, que tem, igualmente, enfrenta-do sérios problemas.

AssistênciaRecentemente, tem havido crescente demanda por procedimentos comple-xos e pela liberação de laudos de cân-cer mais rapidamente para atender à legislação que estabelece prazo para o tratamento da doença. Isto implica maior demanda pelo trabalho dos pro-fessores, haja vista que, historicamen-te, a UAP/HUCAM sempre foi servida mais pelos professores que por médi-cos do hospital.

Assim como no ensino, na assistência há problemas com a carga horária total; neste caso, de médicos patologistas. Até hoje, a EBSERH não contratou os dois médicos patologistas solicitados dentre os aprovados no concurso para manter a carga horária semanal neces-sária para a demanda. Com a aposenta-doria do Dr. Paulo Roberto Merçon de Vargas do cargo de médico da UFES

lotado na UAP/HUCAM, o serviço dispõe, hoje, de uma carga horária se-manal de patologista (CHS) de 84 ho-ras, 69% da CHS mínima necessária para a demanda (16 horas/dia x 7 dias por semana = 112 horas semanais). O ideal seriam 168 horas semanais (24 horas/dia x 7 dias por semana). Esta carga horária não é suficiente para cobrir os plantões de necrópsia (sába-do, domingo e feriados), um terço dos quais tem sido realizado com carga horária do Prof. Paulo (8 horas), situa-ção que não pode mais ser mantida. In-terromper o serviço de necrópsia, que funciona ininterruptamente desde os primórdios da Faculdade de Medicina, é impensável: o dano para o ensino, para a pesquisa e para a assistência aos pacientes seria catastrófico.

Enfim, a EBSERH contribui com ape-nas 57,3% da CHS atualmente disponí-vel (28,6% considerando o afastamen-to para férias e licença da Drª. Carla), e não há carga horária de professores para ajudar. A persistir a presente si-tuação, não será possível manter a tradição de bom ensino de patologia no nosso curso, nem da indissociável assistência aos pacientes do HUCAM.

Os problemas aqui expostos (a) não são os únicos, (b) já foram apresen-tados à Coordenação do Hospital e à Coordenação do Curso de Medicina, (c) juntamente com a proposta men-cionada neste texto, (d) e foi solicitado o seu encaminhamento para os órgãos gestores capazes de resolvê-los. Estes problemas, contudo, permanecem, e tendem a piorar.

Ao Colegiado de Medicina e aos re-presentantes da EBSERH: qual é o posicionamento – e a sua justificava – quanto (1) à proposta para o cômputo das atividades didáticas e adequação da carga horário apresentada pelos professores da UAP/HUCAM, e quan-to (2) à contratação de novos médicos e professores para o serviço?

Jornal Raio-X (jun/2016) 13

por Rafael Mendes

Patologia: enfrentando problemas no ensino e na assistência

Desde a Fundação da Faculda-de de Medicina, há mais de 50 anos, os professores de Pato-

Pesquisa e Extensão

Um exemplo de engajamento que poderia ser realizado – impossibili-tado na situação atual – é o enfren-tamento da emergente epidemia de infecção pelo vírus Zika, em respos-ta ao convite do Governo do Estado do Espírito Santo. Onde mais, senão na UFES, deveriam ser examinadas as placentas e autopsiados os óbitos atribuídos a esta infecção?

Page 14: Raio-X nº 17

dos alunos de Medicina ficou a pou-co de não ser liberada pela Comissão Eleitoral.

Bom, primeiramente, vale lembrar que os alunos do curso de Medicina pos-suem um setor eleitoral próprio, ou, para fins práticos, uma urna própria, assim como os de Enfermagem e os de Odontologia. Os alunos dos demais cursos do CCS votam todos na mesma urna – ou melhor, podem todos votar. Isto, pois, nas eleições estudantis da UFES, o voto é livre, o que permite aos estudantes que sentem a tão natural repulsa pelo ambiente político – possí-vel marcador de certa dignidade, que, contudo, não a marca tão bem como a superação de tal repulsa, uma vez constatada a verdade no célebre dito atribuído a Edmund Burke: “para que o mal triunfe, basta que os bons fiquem de braços cruzados” – e, claro, àque-les demasiado atarefados para ler pro-postas, pesquisar sobre os envolvidos e marcar dois “x” na cédula de votação abster-se da participação. Este ano, a urna funcionando na “Parada Cardí-aca” era somente para os alunos de Fonoaudiologia, Fisioterapia, Terapia Ocupacional, Farmácia e Nutrição. A urna em que os estudantes de Medicina puderam votar, segundo determinação da Comissão Eleitoral, esteve alocada

no Deck do DAMUFES.

No dia 11, a urna chegou ao Deck de-pois de 12:30h, e lá ficou por cerca de 3 horas. Quem apareceu para votar cedo não votou. Quem apareceu para votar tarde não votou. Antes do fim do dia, fiscais de urna (membros de cha-pa que ficam de olho no mesário e uns nos outros) disseram presenciar a prá-tica de boca de urna por parte de uma chapa (“F5 Atualiza”), pedindo que a denúncia fosse anotada na ata de vota-ção e levando-a à Comissão Eleitoral, solicitando a impugnação da urna con-tendo os votos do dia.

Aqui cabe uma informação que, ima-gino, falta a boa parte dos leitores: o responsável por “abrir” uma urna, isto é, por buscá-la na sede da Comissão Eleitoral no Campus de Goiabeiras e pelo seu processo de abertura (ela vem lacrada com fita crepe e umas assinatu-ras) é um aluno qualquer (não membro da Comissão Eleitoral) que não esteja inscrito em nenhuma chapa e se dispo-nha, por livre e espontâneo amor ao ato democrático (favor ler com o devido tom sarcástico) a fazê-lo. Via de regra, este aluno trabalha como mesário da urna, orientando os votantes, pelo tem-po que puder. Ele pode ser substituído por outro(s) aluno(s) interessado(s), mas, caso ninguém se manifeste, ele será o único responsável pela urna, não podendo deixar as suas imediações en-

quanto estiver aberta. No fim das con-tas, a urna fica aberta enquanto houver um mesário disposto a mantê-la assim, ou seja, na prática, quem se dispuser a isto pode abrir e fechar a urna quando quiser, e, se ninguém se dispuser se-quer a abri-la, todos os alunos do setor ficam impossibilitados de votar.

De fato, quem costuma correr atrás de alunos que possam abrir e tomar conta das urnas são as próprias chapas, e, na-turalmente, elas estão interessadas em abrir urnas em setores (cursos) onde há boas chances de conseguirem voto, não fazendo o mínimo esforço para abrir naqueles que não lhes parecerem vantajosos – e, para algumas chapas (leia-se “Reviravolta” e “Voz Ativa”), abrir a “urna da Medicina”, não era em nada vantajoso.

Bom, então, ao dia 12: chegando pela manhã à sede da Comissão Eleitoral, a notícia dada com aquele distinto tom de regozijo burocrático foi de que a urna da Medicina não seria aber-ta neste dia. Por quê? Bom, segundo os representantes da Comissão, em primeiro lugar, porque a denúncia de boca de urna não fora acompanhada de uma suposta gravação em vídeo do ato flagrado que havia sido mencionada – aparentemente, motivo para que fosse protelado o julgamento – e, em segun-do lugar, porque havia suspeita de que a ata havia sido fraudada. A Comissão

Eleições para o DCE (e Conselhos Superiores)

por Rafael Mendes

Avotação ocorreu nos dias 11 e 12 de maio, e, no segundo dia, a urna que colheria os votos

Jornal Raio-X (jun/2016)14

Page 15: Raio-X nº 17

passara boa parte da noite anterior em discussão e não conseguira chegar a uma resolução consensual do proble-ma, e, enquanto ele não fosse resolvi-do, não seria liberada a urna. Sugeriu--se, então, para não serem penalizados os estudantes de Medicina, que a urna do dia anterior fosse suspensa, enquan-to o caso era avaliado, e uma nova urna fosse aberta e enviada ao Deck. Se, de fato, fosse decidida a impugna-ção da urna, então os que votaram no dia anterior deveriam poder votar no-vamente, do contrário, não. De cara, essa proposta foi rejeitada, alegando--se, sobretudo, o perigo de ocorrência de alguma fraude durante o processo de abertura de nova urna. Após alguns (vários) minutos, porém, para o des-gosto dos representantes das chapas que, de início, entraram em coro com gente da Comissão dizendo que a urna da Medicina não seria liberada, um dos integrantes da Comissão sugeriu algo semelhante àquilo que antes lhes fora sugerido – e que havia sido rejeitado – (a tal suspensão momentânea), desta vez, usando o termo técnico adequado, e os demais aceitaram.

A nova urna foi preparada, pelo pró-prio membro que antes havia alertado quanto às fraudes passíveis de ocorrer nesse processo – mas fiquem tranqui-los: o jovem garantiu pessoalmente que não havia fraudado nada!A urna foi trazida para Maruípe e, quando estava em processo de aber-tura, a Comissão mandou ligar infor-mando que haviam decidido por não impugnar a urna do dia anterior: a urna que estava sendo aberta deveria ser devolvida, e a antiga (contendo votos do dia 11) seria trazida ao CCS. Che-gando a urna antiga, em poucos minu-tos estava aberta, às 11:30h, e assim permaneceu até às 17:20h (apesar da insistência de fiscais das chapas “Voz Ativa” e “À Frente” em fechá-la já por volta das 14:00h).

Nos dois dias de votação, em todos os centros da UFES, foram 6.148 votos de alunos de graduação e pós-graduação, sendo 6.042 válidos. Do curso de Me-dicina, 162 alunos votaram, dos mais de 490 listados. Em nosso curso, a par-ticipação foi maior do que na última votação, mais ainda é pouco mais que

1/3 dos potenciais participantes. Para muitos, a atuação da representação es-tudantil, tanto na gestão do próprio Di-retório Central dos Estudantes (DCE), quanto à sua participação no Conse-lho Universitário e no Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE), ainda é algo obscuro – do qual se tem pouca informação e do qual pouco se deseja saber, por parecer tão distante. Bem, não é tão distante assim, e bas-ta um exemplo: foi o CEPE que votou (e aprovou) a adesão imediata ao Sisu para todos os cursos, e, das 6 cadeiras de representantes estudantis no Con-selho, nenhuma era ocupada por aluno do CCS. É necessário que ocupemos mais espaço nos órgãos onde são to-madas decisões que nos afetam tão for-temente como esta. Os quadros abaixo indicam de quem devemos cobrar, e em quem devemos ficar de olho, pra que, na próxima vez, ninguém tenha de se render ao “não conheço direito nenhuma das chapas!”, tampouco à sua prima mais intelectualizada: “não pesquisei o suficiente”.

pressões políticas externas sobre esta Universidade, sucumbindo aos inte-resses da Reitoria, eis que se instituiu uma comissão “criada para estudar a possibilidade de adesão integral da UFES ao Sisu -MEC”, contando com a presença de um seleto amplo grupo de 7 integrantes (5 docentes, 1 discente e 1 do corpo técnico -administrativo), e com prazo de 90 dias para a conclusão de seus trabalhos. Noventa dias que

acabariam por ser prorrogados em me-ados de junho, de modo que de abril a setembro daquele ano foram realizadas pouco menos de uma dúzia de reuni-ões pela Comissão. Chegado seu tér-mino, redigiu -se um relatório que em sua conclusão recomendava a adesão integral ao Sisu, o qual haveria de ser encaminhado a uma outra comissão, a de Ensino de Graduação e Extensão (CEGE), uma das três permanentes que compõem o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE).

Momento II: Uma vez em mãos des-sa segunda comissão (CEGE), com-posta também por representantes docentes, discentes e do corpo técnico-administrativo, o relatório deveria ser avaliado, e a recomendação, expressa em sua conclusão, posta em votação limitada aos membros do CEPE. Ao final de 2015 – sabemos por relatos de integrantes de tal comissão –, houve a presença constante de um nível de intimidação ora mais ora menos ex-plícito sobre os membros da CEGE, com o propósito de que adiantassem

Sisu: desinformações democráticaspor Enzo Dalfior

Jornal Raio-X (jun/2016) 15

Momento I: Meados de mar-ço de 2014, momento mar-cado por um anticlímax de

DCE(1) F5 Atualiza 2.793 votos Vencedora(5) Voz Ativa 1.571 votos

Tomada de posse em

24/05

(2) Opção 821 votos(3) À Frente 597 votos(4) Reviravolta! 260 votos

Conselhos Superiores CEPE Cons. Univ.(1) F5 Atualiza 2.624 votos 3 vagas 2 vagas(5) Voz Ativa 1.579 votos 2 vagas 1 vaga(2) Opção 807 votos 1 vaga 1 vaga(3) À Frente 582 votos Tomada de posse em

01/06(4) Reviravolta! 276 votos

Page 16: Raio-X nº 17

educacionais, relacionando-se com as transformações desejadas não somen-te para a educação propriamente dita, mas também para a sociedade em ge-ral, do presente e do futuro.

A avaliação do ensino superior assumiu um lugar de destaque, seja como nor-teadora de suas diretrizes mais amplas ou como orientadora de ações efetivas dos agentes governamentais. Desde 1995, quando foi criado o Exame Na-cional de Cursos, popularizado como Provão, até sua substituição pelo atual

Exame Nacional do Desempenho dos Estudantes (ENADE), em 2004, houve algumas adequações visando maximi-zar os benefícios que a avaliação, em teoria, pode conceder. A idealização e adoção de testes adjacentes aos já empregados mostram esse esforço e, nesse ponto, ganharam espaço o Teste

avaliação per se é a ferramen-ta principal da organização e implementação das reformas

o processo, introduzindo, de uma vez, a votação no CEPE. A Comissão, por sua vez, percebendo a falta de diálogo sobre o assunto no meio universitário, propôs um calendário a fim de que pu-dessem repassar a todos os Centros da Universidade o relatório confecciona-do pela 1ª Comissão, e assim discuti -lo dentro dos Centros e Departamentos, além de propor uma audiência públi-ca; afinal, a Universidade Pública(!) não existe senão em função de de-mandas da Sociedade, sendo aquela mantida por esta, independentemente de sua vontade (há de se lembrar). As discussões deveriam tomar palco nos primeiros meses de 2016, e, até o final de maio, seus resultados norteariam, enfim, a votação no CEPE, pelos re-presentantes dos Centros, dos estudan-tes e do corpo técnico-administrativo. Assim, uma outra Comissão (a 3ª!) foi composta pelo CEPE para realizar au-diências públicas e reunir informações acerca da adesão junto aos Centros da UFES e junto aos alunos, e apresentar um relatório final ao CEPE. Ao final, esta Comissão, que continha conse-lheiros que participaram da 1ª Comis-são de Avaliação para Implementação do Sisu, novamente apresentou a con-clusão a favor da adesão integral ao Sisu pela UFES, já em 2017.

Momento III: Término de abril, reu-nião a portas fechadas: dentre todos os Centros, apenas o CT foi inteiramente contra a adesão ao Sisu, e, dentro do CCS, Medicina e Odontologia também o foram. Uma vez que a representação no CEPE dá- se a nível de Centros e não diretamente dos cursos que os compõem, nossos representantes do

CCS expuseram que não seriam contra ao Sisu em si, mas que este não fosse implementado já no ano de 2017, visto que a discussão, efetivamente, ocor-rera já em meados de março de 2016 , pedindo um prazo mais largo (2018).

Ali, os argumentos pró Sisu concen-traram-se sobre a esperança de que este proporcionaria um maior preen-chimento de vagas de cursos que atu-almente não completam suas turmas pelo modelo vigente de vestibular. Os contra, ao entender o premente proble-ma de tais cursos, expuseram legítima preocupação não apenas com a entrada dos alunos, mas com sua permanên-cia na Universidade. Além do mais, como é o caso de nosso curso, não te-mos problemas com o preenchimento de vagas; não havendo, portanto, por que adotar o Sisu. Contudo, o que ou-viram de volta, pasmem, é que aquela comissão ali não estava discutindo a permanência dos alunos, mas visava sua atenção apenas à sua entrada. E, quando os representantes do CT e do CCS pretendiam que seus argumentos fossem ouvidos, um membro do CEPE (pró Sisu!) orientou que primeiro fosse votada a recomendação do relatório da Comissão – a favor do Sisu –, e que aqueles pontos fossem discutidos em um momento ulterior. Resultado: Pró Sisu (18) x (10) Contra.* Isto posto, ora, não haveria motivos mais para se discutirem aqueles pontos, uma vez que o relatório já havia passado. Então, foi assim que se sucedeu.

O que temos para hoje é tão somente mais uma dose do mesmo, a teimosa arrogância fatal (denunciada por von Hayek) daqueles que pretendem nos

16 Jornal Raio-X (jun/2016)

Sobre a avaliação do ensino superior

governar. Ora, a necessidade mesma de um texto de esclarecimento como este, por este veículo, bem como a di-ficuldade em colher tais informações e com elas montar um quebra-cabeça – daqueles de 5k peças – mais ou me-nos inteligível, revela por si só a ob-nubilação de todo o processo, de seus fins primeiros aos últimos, opacionan-do tomadas de decisões centralizado-ras, de cima para baixo, com o fito de passar – por cima de nossas cabeças e nossa autonomia – um projeto edu-cacional totalitário que não atende se-não a interesses político-ideológicos, ao mesmo tempo que pretende pintar um quadro democrático postiço sobre as instituições que instrumentaliza; à guisa de exemplo, por aquele circo montado, ao qual deram o nome de audiência pública, fez-se cristalino a todos presentes o modus operandi des-ta gente: institui-se um simulacro de democracia e, em nome dela, desinfor-ma-se toda uma população, intimida quem deles discorda, e, ao deslocar a autonomia que antes operava a nível local, centralizando-a na mão de buro-cratas de presunções soviéticas, ignora a impossibilidade intrínseca a um pla-nejamento central sob égide e direção de seres celestiais, iluminados, bem intencionados, claro, e dotados de uma onisciência da qual até Deus duvida. E se Ele duvida, duvido eu também.

por Joilton Tavares

A

* Dos contra, somaram-se os votos dos respec-tivos representantes, do modo a seguir: os 2 de docentes do CT, os 2 de docentes do CCS, 1 do corpo técnico-administrativo e 5 dos 6 de dis-centes (no caso, 1 dos 6 absteve-se, membro da chapa F5 Atualiza).

Page 17: Raio-X nº 17

de Progresso (TP), já aplicado em di-versas escolas médicas no mundo e no Brasil e a Avaliação Nacional Seriada dos Estudantes de Medicina (ANA-SEM), recém anunciada pelo Ministro da Educação. Com uma perspectiva de criar uma avaliação adicional que te-nha impacto na qualidade da formação médica no Brasil, o Ministro da Edu-cação Aloizio Mercadante instituiu, em 1º de abril deste ano, a ANASEM. A proposta, segundo texto da portaria MEC nº 168, tem como objetivo “ava-liar os cursos de graduação em Medici-na por meio de instrumentos e métodos que considerem os conhecimentos, as habilidades e as atitudes previstos nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina”. Com base na lei do programa Mais Mé-dicos (12.871/2013), a ANASEM será um componente curricular obrigatório e condição para a diplomação dos mé-dicos que ingressaram na universidade a partir de 2015. A prova será aplicada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixei-ra (Inep) aos estudantes do segundo, quarto e sexto anos dos cursos e ava-liará a incorporação de conhecimen-tos, habilidades e atitudes necessários à prática médica pelos graduandos du-rante o processo formativo. A primeira aplicação da ANASEM acontecerá em agosto e será apenas para os acadêmi-cos no segundo ano do curso.

Diferente da ANASEM, sem caráter obrigatório, de seleção ou classifica-ção, o TP é uma avaliação cognitiva constituída de uma prova institucional que avalia individualmente se o ganho de conhecimento por parte do estudan-te de Medicina está sendo contínuo e progressivo ao longo do curso e como o conhecimento está sendo elaborado e consolidado nas áreas básicas e clíni-cas. As muitas descrições diferentes do TP, em grande parte, convergem para o princípio da avaliação longitudinal e repetida do conhecimento funcional dos alunos. O teste foi idealizado na University of Missouri - Kansas City School of Medicine, em 1961. No Bra-sil, a UNIFESP foi pioneira e implan-tou o TP em 1997 que, a partir de en-tão, se difundiu, alcançando hoje cerca

de 40 escolas de Medicina no país. Durante este período, instituições de regiões próximas se associaram com o intuito de que todos os seus alunos fizessem um teste único, surgindo as-sim os consórcios regionais e o Teste de Progresso Interinstitucional (TPI). O curso de Medicina da UFES, por exemplo, participa do consórcio RJ/ES com os cursos de outras nove ins-tituições.

O TPI é aplicado anualmente e con-siste em 120 questões de múltipla es-colha, abrangendo seis grandes áreas de conhecimento do curso médico: ci-ências básicas, clínica médica, pedia-tria, cirurgia, ginecologia e obstetrícia e saúde coletiva. Um mesmo teste é aplicado a todos os alunos do 1º ao 6º ano do curso de Medicina, simultane-amente, em todas as faculdades parti-cipantes. A cada ano uma nova prova é elaborada, com o mesmo padrão e nível de dificuldade, a partir de uma matriz com os conteúdos considerados essenciais para o egresso de Medicina.Ao estudante, o resultado do TPI dá a oportunidade de verificar a evolução de seu desempenho cognitivo nas di-versas áreas do curso, servindo como avaliação formativa e para a identifi-cação de problemas potenciais. Além disso, serve como treinamento, com vistas aos processos seletivos dos quais participarão no decorrer de sua vida profissional, tais como os concursos para residência médica. À instituição, o TPI permite detectar falhas pontuais em módulos específicos ou em áreas do conhecimento, que orientarão re-formulações no conteúdo, na estrutura

curricular ou no método de ensino.Nas mãos da UFES, esse resultado e os detalhes com o desempenho em cada uma das grandes áreas de conhecimen-to são uma ferramenta poderosa para a organização e implementação das re-formas que venham a ser necessárias no currículo e no ensino.

Nos dois anos em que o TPI foi apli-cado na UFES, algumas dificuldades foram enfrentadas pela equipe coorde-nadora. Em 2014, por exemplo, apenas um aluno do 12º período participou do teste. Em conversa com ele sobre a quantidade de faltosos da sua turma, Hygor Buss disse que “os poucos que sabiam da prova não sabiam do dia, tinham compromisso marcado ou se esqueceram”. Em 2015, 137 acadêmi-cos deixaram de fazer o teste, levando a uma adesão de 73%, apenas modera-damente maior que a adesão de 2014, que foi de 69%.

Neste cenário, nós devemos nos tornar cientes do progresso que uma avalia-ção adequada traz para o processo edu-cacional e, uma vez constatada a sua adequação, comprometer-nos seria-mente com tais exames. Assim podere-mos contribuir para as transformações desejadas no nosso curso e na socieda-de do presente e do futuro.

Em 1º de junho deste ano ocorreu o terceiro TPI para todos os acadêmi-cos do curso. Em agosto será aplica-da a primeira ANASEM, apenas para os estudantes do segundo ano. Já em novembro, o ENADE, para os alunos concluintes.

Jornal Raio-X (jun/2016) 17

Page 18: Raio-X nº 17

maior espaço deliberativo da DENEM, ocorreu entre os dias 22 e 31 de janeiro de 2016, na cidade de Curitiba - PR. O evento foi sediado pelo CAMDE - Centro Acadêmico de Medicina Da-niel Egg da Faculdade Evangélica do Paraná e contemplou o tema “(Re)existimos: o movimento estudantil e a utopia resistem em tempos de crise.” O congresso tem por objetivo a elabo-ração e o planejamento das ações da DENEM para o ano em vigência. Ele é dividido em dois espaços: um espaço de formação e outro de ditar o planeja-mento da gestão.

Esse primeiro momento é composto por mesas, fóruns, painéis e oficinas, espaço formado por palestrantes ex-perientes e com acúmulo na área, que discorrem sobre determinado eixo temático. Há aberturas para interven-ções, considerações e perguntas para a plenária. É um espaço para que os con-gressistas se sintam mais familiariza-dos com alguns temas, podendo assim explorar e se aprofundarem melhor neles. Abordagens como: estéticas ide-ológicas nas faculdades de medicina, extensão universitária, currículo ocul-to, movimentos sociais, populações marginalizadas no Brasil e sua relação com o Estado, poder e normalização, reforma psiquiátrica, saúde mental dos estudantes de medicina, mercantiliza-

ção da saúde e da educação e combate às opressões foram temas amplamte debatidos.

O segundo momento é composto pelo Planejamento Estratégico Situacional (PES), modelo escolhido pela DENEM para a realização do planejamento anu-al da Executiva. A metodologia consis-te em sete fases: grupos de discussão das frentes, mesa de negociação, ple-nária das frentes, árvore de problemas, plenária dos nós críticos, operações e ações e plenária das operações e ações. Ao final do PES estavam eleitas as três frentes prioritárias da DENEM para o ano de 2016.

As frentes escolhidas para esse ano são as frentes de “Mercantilização da edu-cação”, “SUS: gestão, financiamento e direito” e “Combate às opressões”.

Outro ponto importante, é que no CO-BREM ocorre a troca de toda a gestão da Executiva.

A Sede Nacional para a gestão 2016 é composta pelos acadêmicos: Danilo Aquino Amorim (UnB) - Coordenador Geral, João Gabriel Pereira Chaves de Andrade “Graja” (UnB) - Coordenador de Comunicação e Patricia dos Santos Massanaro (ESCS) - Coordenadora de Finanças.

“Para esse ano, a expectativa está muito alta, porque nós que já esta-mos há muito tempo no movimento estudantil vemos que esse foi um CO-BREM de muitas carinhas novas. Ter

COBREM 2016

Construção da árvore de problemas.

OXXVIII COBREM - Con-gresso Brasileiro dos Estu-dantes de Medicina, segundo

Jornal Raio-X (jun/2016)

por Amanda Guimarães

18

“Somos o que fazemos, mas somos, principalmente, o que fazemos para

mudar o que somos”.Galeano

Page 19: Raio-X nº 17

carinhas novas é muito bom porque as pessoas vêm com muita sede de cons-truir e procurando espaço para inven-tar. Com isso, a DENEM tem a chance de se reinventar com uma cara nova e ideias novas para esse novo ano de gestão.” Suelen Bacelar Nunes – Coordenadora Geral da DENEM em 2015.

Alguns acontecimentos referen-tes à Sudeste 1

Durante a plenária de abertura do PES, David Almeida (FMC) – Rede de aju-da da Regional Sudeste 1, uma das 8 Regionais da DENEM, composta por Espírito Santo e Rio de Janeiro, na gestão 2015 e candidato à Coordena-ção Regional neste ano, discordou do desenrolar da plenária, alegando ter ocorrido uma transgressão à meto-dologia em vigor, contida no estatuto da DENEM. Porém, meio aos ânimos alterados do momento, ele se manifes-tou em relação a isso durante a fala de Andrelisa de Albuquerque (Unicamp) fazendo com que ela se calasse frente sua fala inoportuna. O mais intrigante, em meio à situação, era observar que a falta de educação de David em inter-romper Andrelisa era especulada pela maioria dos presentes como um ato machista. As pessoas mais próximas de David ficaram indignadas com tal acusação, uma vez que, conhecendo seu comportamento, sabiam que ele tinha o costume de interromper as pes-soas, independente de seu sexo.

Existe uma diferença entre feminicí-dio e femicídio. O primeiro trata-se do assassinato de uma mulher por moti-vos de gênero, por ela ser mulher. O segundo, trata-se do assassinato de uma mulher independente de seu sexo, afinal, nem todas as mulheres morrem por serem mulheres. Do mesmo modo, um ato machista é caracterizado pelo fato da figura ser oprimida por ser mu-lher e não pelo fato da figura oprimi-da, por acaso, ser mulher. De maneira nenhuma estou justificando a falta de respeito exercida por David, contudo defendo que ela deveria ter sido tratada como tal e não sob novos títulos. Hou-ve, contudo, uma indignação em mas-sa pelo ocorrido – incluindo a maioria

dos integrantes da mesa - e, dois dias depois, na plenária de aprovação das frentes, sucedeu-se uma intervenção organizada pelo coletivo de mulheres. Em meio aos cartazes, letras garrafais e boas vozes ressoando no ar, exigiam a saída do David da chapa da Coorde-nação Regional. No dia seguinte, de-vido a grande repercursão do assunto, David renunciou à candidatura.

Além desta perda para a chapa da Su-deste 1, somou-se ainda o fato da Nacio-nal ter comprado as passagens da dele-gação do Espírito Santo para domingo de manhã, antes da plenária final, onde esses votos seriam muito necessários para que a chapa da Sudeste 1 à Co-ordenação Regional tivesse respaldo na Nacional. Em consequência disso, durante a plenária das ações, logo após a Nordeste 2 fazer o mesmo pedido, foi pedido que fosse adiantada a votação da Sudeste 1, uma vez que boa parte dos delegados que a compõem não es-tariam presentes. Enquanto a Nordeste 2 pediu, todos concordaram. Ninguém foi contra. Quando o Espírito Santo fez esse pedido, em nome da Sudeste 1, muitos se levantaram para serem contra. Muitos argumentaram com res-paldo na constituição da DENEM, ale-gando que isso não poderia ser feito. Pergunto agora a você, caro leitor: por que houve tamanha diferença em con-cordância frente ao mesmo pedido, ora feito pela Nordeste 2, ora pela Sudeste 1? Por que várias pessoas só lembra-ram do Estatuto da DENEM quando a Regional Sudeste 1 fez o pedido, não havendo nenhuma intervenção frente ao pedido da Nordeste 2? É irrevogá-vel que houve privilegiamento de uma

regional frente à outra. Foi indiscutível que a plenária – pessoas de outras cha-pas, de outros estados – interferiu em um respaldo regional que representaria o RJ e o ES.

Outra consideração a ser feita foi que, durante os dias do Congresso, houve um momento em que o estudante João Pedro Galiza (UERJ) se sentiu ofen-dido por uma atitude por parte do es-tudante André Abreu Júnior (UERJ), atual Coordenador Regional da Sudes-te 1. Galiza, frente ao pedido de adian-tamento da votação feito pelo Espírito Santo, posicionou-se contra, alegando que a chapa da Coordenação Regional não o representava, uma vez que conti-nha a figura do André como candidato e que a votação deveria ocorrer mes-mo sem a presença do Espírito Santo. Poucas pessoas da Sudeste 1 tinham o conhecimento a respeito da opressão sofrida por Galiza e ficaram abismadas com o posicionamento dele frente à si-tuação.

O sentimento de indignação era forte por parte da delegação capixaba e pela maioria dos componentes da Sudeste 1. O suprassumo da revolta circunda-va, principalmente, à opressão sendo tratada com outras opressões. Era ine-vitável reconhecer uma incoerência entre a frente “combate às opressões” tão discutida nos dias do Congresso e a dura realidade de realizar opressões para combater outras. Por fim, o Es-pírito Santo teve que voltar antes da plenária final, como previsto, e, con-sequentemente, teve o seu direito de votação oprimido. Contudo, mesmo assim, a chapa candidata foi eleita.

Danilo Aquino Amorim, atual Coordenador Geral da DENEM.

19Jornal Raio-X (jun/2016)

Page 20: Raio-X nº 17

sem Fronteiras. Sempre imaginei que morar num país com rostos, língua e costumes bem diferentes seria um aprendizado imenso além daquele da sala de aula. Há três meses moro em Amsterdam, realizando esse sonho, e o aprendizado é muito maior do que eu esperava...

Aqui vou sempre de bicicleta para qualquer lugar, e esse é o meio de transporte de todos, praticamente. Ouvi uma senhorinha de 90 anos re-clamando, triste, que não podia mais dirigir a magrela dela. Vejo crianças sendo carregadas para a escola pelos pais em caçambinhas presas à bicicleta do pai ou da mãe. Por falar nisso, vejo pais que dividem igualmente o papel de cuidar das crianças. Aqui os idosos andam em seus mini carros elétricos, ou com seus andadores com lugar para colocar bolsa e sacola de compras. E são muitos idosos! Resumindo, vejo saúde física, psicológica e social em todo lugar.

Chegando numa cidade sem conhecer absolutamente ninguém, tive a chance de conhecer gente de todos os países e histórias. Brasileiros do alojamento, cada um de um canto do Brasil; holan-deses; turistas; e outros estrangeiros morando por aqui.

Uma noite, fui voluntária numa casa em que serviam jantar e um espaço de

convivência para pessoas em situação de rua em Amsterdam, a maioria vinda de outros países. No meio do corre--corre de recolher e lavar pratos, come-cei uma conversa com um senhorzinho que tinha rodado o mundo. Me contou que uma vez trabalhara num navio de minério de ferro e que, em uma das viagens nesse navio, visitou uma única cidade do Brasil: Vitória. Quase chorei de emoção com a coincidência e com a beleza que foi ouvir as histórias de um senhor que conhecia tanto da vida, e agora morava num beco de uma ci-dade tão fria no inverno. Nem tudo é saúde em um país aparentemente sem mazelas.

Mas, e o curso? Bem, não queria um intercâmbio no qual continuasse a estudar aquilo que já teria em minha própria graduação. Meu objetivo era aprender a ver a saúde de outro pon-to, que não fosse soberanamente o biológico. O foco da Vrije Universi-teit é ser multidisciplinar. O curso que faço aborda, basicamente, os aspectos psicológicos, sociais e biológicos de saúde do trabalho, saúde sexual, exer-cício físico, nutrição e uso e abuso de drogas. Ou seja, na faculdade estudo como funcionam todas essas políticas públicas e realidades tão diferentes aqui da Holanda e de alguns outros lu-gares do mundo, sob uma perspectiva da qual sempre senti falta na graduação de Medicina. Inclusive, é um requisito da graduação holandesa que você faça um minor (curso de seis meses), fora

de sua área estrita de conhecimento.

Por falar nisso, a estrutura da gradua-ção aqui difere muito da brasileira. O foco deles não é no tempo em sala de aula, mas no estudo em casa, e na pro-dução do próprio aluno. Os trabalhos que escrevemos aqui também têm um outro conceito. Nunca apresentamos para a turma algum artigo já publi-cado. Aqui somos nós que temos que preparar papers e propor intervenções.

Morar em outro país é perceber que muito do que você sempre achou ser a forma óbvia e exclusiva de se pensar sobre ou de se fazer algo, na verda-de, é inimaginável e feito de maneira completamente diferente em outras re-alidades. E, nessas experiências, você erra um bocado, acerta outro pouco, reflete bastante, mas sempre está fora de sua zona de conforto. E, com isso, aprende muito.

Seja num intercâmbio do CsF ou do CLEV, seja conversando sem precon-ceitos e barreiras com os próprios pa-cientes do HUCAM ou com alguém do seu lado no ônibus, é isso que reco-mendo para você: sair da zona de con-forto. Garanto que vai aprender muito sobre a vida e, inexoravelmente, sobre saúde.

Tot ziens,Thaísa Malbar

(Outrubro/2015)

Relato do país das bicicletas

Mesmo antes de entrar na fa-culdade, já tinha um obje-tivo: participar do Ciências

20 Jornal Raio-X (jun/2016)

Page 21: Raio-X nº 17

Gente Nova

Foi realizada nos dias 25 e 26 de feve-reiro a mais recente Visita dos Calou-ros. Estes agora representam a Turma 98. Em seu primeiro dia de visita os ca-louros assistiram no Auditório do Ele-fante Branco a algumas apresentações do Curso de Medicina da UFES feitas por personas importantes do quadro de professores do respectivo curso, além da apresentação do DAMUFES, por

representantes e assessores. Em seu segundo dia, em um “circuito” por al-gumas áreas importantes do Campus Maruípe, nossos queridos calouros tiveram a oportunidade de conhecer alguns ambulatórios, prédios do Ci-clo Básico e da Iniciação Científica, o Hospital Universitário Cassiano Antônio Moraes (HUCAM), além de uma simulação no prédio da Técnica Operatória. A visita foi finalizada com a tradicional palestra do Dr. Paulo

Merçon, que por meio desta traz ao ingressante algumas reflexões inte-ressantes a serem pensadas por eles. Em seguida, como manda a regra, os calouros seguiram para o DAMUFES onde fecharam a Visita com o velho Churrasco dos Calouros e muita di-versão.

Por conseguinte, aquela velha sensa-ção de “território estranho” que aflige praticamente todos eles vai se desfa-zendo gradualmente. Sem mais de-longas, nós do Raio-X, em nome do DAMUFES desejamos a vocês, que-ridos colegas da Turma 98, que o su-cesso lhes venha como consequência do estudo árduo, disciplinado e per-sistente, também que essa busca seja sempre pelo melhor que podem ser concernente à sublime profissão que almejam um dia alcançar, que é a de ser MÉDICO.

por Aloísio Vieira

I Desafio de Praia do Chapola

No sábado 5 de março, para começar já animado o novo período letivo, a Atlé-tica Medicina da Ufes (AAAMUFES) realizou o Desafio de Praia do Chapola na Praia da Costa, em Vila Velha.Contando com a participação das atléticas de Engenharia e Direito da UFES, o evento esportivo contem-plou jogos diversos e a integração dos cursos, com presença das torcidas e de parte da bateria do Castor (Enge-nharia), com apoio da 100% Eventos e do Supermercados Faé que garanti-ram melancia, banana e maçã para os participantes, além de litros de água e brindes.Sob céu aberto com sol, jogaram sobre

a areia quente com grande vigor atletas de vôlei, futevôlei e queimada (equi-pes mistas) e beachsoccer (masculino e feminino). Junto a eles, seus colegas de curso que vibravam avermelhados.Luísa Sarcinelli, acadêmica do 2° perí-odo de direito e atleta de vôlei no de-safio, elogiou a organização do evento e a grande disponibilidade de água, alimento e sombra para descansar na espera dos jogos.O Desafio também foi bem visto por João Vitor Guellner, estudante de Engenharia Mecânica, que também aplaudiu o abastecimento de água e frutas e também a organização.” Foi bem legal ver e jogar um evento des-se tamanho sem nenhuma confusão”, acentuou ele.

Após esse dia ficou clara a evolução das atléticas e seu alto potencial, assim como o desejo por novos encontros como esse por pessoas dos três gran-des cursos. Que novas oportunidades surjam para que sejam cada vez mais lapidadas as relações entre os cursos da UFES.Por último, vale lembrar que os gran-des campeões do Desafio de Praia do Chapola foram não menos que nossos queridos atletas da MedUFES, que em conjunto superaram os jogadores de Engenharia (2º lugar) e de Direito (3º lugar).

por Emanuel Silva

21Jornal Raio-X (jun/2016)

medicina social

ResultadosVôlei Futevôlei Queimada Beachsoccer (M) Beachsoccer (F) Colocação Geral

1º Engenharia Medicina Direito Medicina Medicina Medicina2º Direito Engenharia Empate Engenharia Engenharia Engenharia3º Medicina Direito ------- Direito Direito Direito

Page 22: Raio-X nº 17

naturalmente bom”?

Ora, se a segunda é a de maior valor, cabe-nos, então, deixar que as von-tades naturais guiem cada homem ao longo de seu desenvolvimento, em sua descoberta do mundo. Interfira-mos menos no seu processo natural de evolução biológica e moral(!): aí deve residir a nossa salvação...

Eis, então, honesto leitor, o emergir dum conflito, quando vem à mente um daqueles vislumbres de sabedoria do senso comum: o inerente tom negativo da expressão “criança mimada” revela senão o reconhecimento geral dos trá-gicos resultados de uma criação com indiscriminado saciamento de von-tades e carência de limites. Mas, ah!, como insistimos em desacreditar do senso comum...

O que naturalmente decorre está além de jovens desrespeitosos e pais e pro-fessores desrespeitados; temos o enal-tecimento da autoexpressão pela au-toexpressão, da comoção pública por motivos banais e da autovitimização; a degeneração tanto do sistema edu-cacional e da educação em si, quanto do sistema judiciário, e o aumento de crimes passionais. As consequências se estendem ainda mais, indo da su-perficialidade nas relações humanas ao progressivo empobrecimento de países subdesenvolvidos.

Todos esses fenômenos são, segundo Theodore Dalrymple, decorrências de um mesmo mal - cuja gênese re-monta ao pensamento rousseauniano difundido pela literatura romântica (mencionado acima, no primeiro pará-grafo) – o sentimentalismo: expressão exagerada e superficial de emotividade e benevolência. Em Podres de Mima-dos, publicado pela É Realizações, o

escritor e psiquiatra inglês, cuja ex-periência profissional abarca tanto o atendimento civil e carcerário em Bir-mingham, na Inglaterra, quanto países do sudeste africano, analisa As Conse-quências do Sentimentalismo Tóxico, a nível individual e comunitário. É provável que o leitor já esteja ciente de algumas delas (essas consequências), ou que as consiga intuir facilmente, ao passo que outras serão pela primei-

ra vez levadas em consideração, e sob discurso incrivelmente convincente. Ainda, o autor discorre sobre o que trouxe a sociedade ocidental contem-porânea até este estado, mantendo, da introdução à conclusão, o tom contun-dente e irônico que o quadro merece.

A prescrição é para qualquer um que se interesse pela humanidade, e a posolo-gia fica por conta do leitor.

22 Jornal Raio-X (jun/2016)

Hemocultura

Prescrição Literáriapor Rafael Mendes

O que acontece quando se troca “maldito é aquele que confia no homem” por “o homem é

Page 23: Raio-X nº 17

VERBORRAGIA

em 1997 e graduei no início de 2003. Lembro de minha passagem pelo Di-retório Acadêmico e pela redação do Raio-X, na qualidade de assessor de comunicação. Da UFES levei o grande exemplo de professores que marcaram o início de minha carreira e motivaram a escolha de minha especialidade. O carinho e a dedicação da Professora Diusete aos pacientes e alunos, a en-trega e a caridade do Professor Abraão e o profissionalismo e a sempre pre-sente busca pela ciência do Professor Ângelo.

Embora eu tenha sido agraciado com excelentes exemplos, pouco vi, se algo vi, acerca das Humanidades Médicas. Mas na turbulência da Residência Mé-dica em Oftalmologia na USP, com ro-tinas de 14 horas de trabalho a 36 ho-ras ininterruptas, quando escalado para os plantões, percebi que os pacientes esperavam muito mais de um médico.Lá na USP também tive a sorte de ter grandes exemplos. Marcaram minha carreira e motivaram a realização de meu Doutorado em Ciências Médi-cas, na área de Oftalmologia. Yoshi-taka Nakashima, Milton Ruiz Alves e Mário Luiz Monteiro, na USP, foram também meus modelos de amizade, caridade, profissionalismo, respeito e busca pela ciência.

Ressalto o papel dos médicos que mo-tivaram minhas decisões e meu com-portamento enquanto Profissional por acreditar de coração que médicos qua-lificados formam novos médicos, não somente em termos científicos, mas também humanísticos. Mas percebi que algo faltava. Se tinha a técnica e a ciência a meu dispor, faltava-se o componente humanístico sistematiza-do. Lancei-me ao estudo da Filosofia e de seus diferentes ramos, incluindo

a Filosofia da Ciência. Imergi na Lite-ratura, na Retórica, na Gramática, no estudo do Grego e do Latim, no Fran-cês, no Inglês, na Filosofia Política e na Teoria da Argumentação.

Conheci nomes como o de Carlos Al-berto da Costa Nunes, melhor tradutor do Grego Ático de Platão e dos clás-sicos homéricos para nosso português, médico da Universidade Federal do Pará. Na medicina, busquei influências incluindo Hipócrates, Galeno, William Osler, Edmund Pellegrino, Pedro Laín--Entralgo, Diego Gracia, Viktor Frankl e José Ingenieros.

Na Filosofia um universo se abriu com as obras de Platão, Aristóteles, Agostinho, Tomás de Aquino, Herman Dooyeweerd, Xavier Zubiri, Eugen Rosenstock-Huessy, Eric Voegelin, Olavo de Carvalho, Mário Ferreira dos Santos, Edmund Husserl e Louis La-velle.

Na literatura, passei pelas histórias e crônicas de Machado de Assis, Gra-ciliano Ramos, Herberto Sales, Ernest Hemingway, Leon Tolstói e médicos como Nuno Lobo Antunes e José Ge-raldo Vieira. Busquei sabedoria nas Es-crituras, e provei de Homero, Sófocles e Dante. E decidi devotar meu tempo à assistência, ao ensino e à pesquisa das Humanidades Médicas. Compreendi que a vocação humanística do médico abarca a experiência universal do ser humano, vivida pessoalmente ao lidar com a vida de inúmeros pacientes, e vivida também ao absorver e integrar em si as infinitas possibilidades de crescimento pessoal contidas nas Hu-manidades.

Ao contemplar a cultura – e a Alta Cultura – a nós legada, percebi a ex-periência universal do ser humano: sofrimento, alegria, dor, prazer, tris-teza, realização, derrota e sublima-ção. Porém, ao ver o panorama que a

atual medicina vive - sentindo na pele enquanto médico, às vezes paciente, porém sempre humano -, concluí que o problema, ou a crise, não é política ou econômica, é cultural. A Medicina possui uma enorme tradição cultural, ética e filosófica, quase toda relegada ao esquecimento. Nos rendemos à manipulação psicoló-gica e emocional barata das ideologias desses últimos dois sofridos séculos e talvez estejamos quase cegos, ofus-cados pelas maravilhas da revolução tecnológica e dos milagres obtidos na saúde humana. Esquecemos muitas vezes que nós também somos terapia, verdadeiras medicações humanas, e que não podemos oferecer aquilo que não somos. Aceitamos a condição de militantes, reprodutores de esquemas simplifica-dos e vulgarizações a serviço de gover-nos, instituições e interesses privados. E a vocação verdadeira da Medicina, o paciente, parece ficar ao lado, perdida em coletivos e estatísticas, soterrado por políticas e projetos de lei.Para mim as Humanidades Médicas nos dão identidade e confirmam quem o médico foi, é e deve ser para o bem do paciente. Abrem-se os olhos para a riqueza infinita da experiência humana. São desveladas novas possibilidades diagnósticas e terapêuticas. Torna-se o médico a cura, o alívio, o conforto e o respeito para o paciente, aquele ami-go que surge nos piores momentos. A busca pelas Humanidades Médicas é a busca por um ideal de vida.Hoje continuo a busca, próximo às mi-nhas raízes médicas, no Espírito Santo de onde saí médico e para onde retornei professor. Mas se há algo que o estudo das Humanidades provoca é o senti-mento de surpresa, de descoberta, de estar sempre buscando em meio a um tesouro que ultrapassa o horizonte que a vista alcança. Sigo adiante feliz, pois

Volto ao Jornal Raio-X depois de um longo tempo. Entrei no curso de Medicina da UFES

23Jornal Raio-X (jun/2016)

Reflexões diversas do início de uma carreirapor Hélio Angotti Neto

com a palavra, a prata da casa

Page 24: Raio-X nº 17

vejo muitos médicos novos e antigos – e é sempre bom ser antigo e ter lições para oferecer, e ser jovem para rece-bê-las – caminharem ao meu lado na busca pelas Humanidades Médicas, de dentro e de fora do Brasil.

Sigo com esperança. Com a cultura, novas transformações virão e, quem sabe, nossa Medicina não conseguereunir o melhor de todos os mun-dos? Da Ciência, da Técnica e da Cultura?

Encerro o texto cumprindo o título da seção. Todo médico deveria al-mejar ser um bom contador de histó-rias, de casos e de buscas. Espero ter muito mais para contar em breve...

24

Dr. Hélio Angotti Neto é graduado pela UFES, espe-cialista em Oftalmologia pela USP. Entre outras funções que exerce, é professor e coordena-dor do Curso de Medicina do UNESC, diretor do Corpo Edi-torial da Mirabilia Medicinae, editor-associado da Revista Internacional de Humanidades Médicas e coordenor do Semi-nário de Filosofia Aplicada à Medicina (SEFAM). É membro da Sociedade Brasileira de Bio-ética, da Associação Brasileira de Oftalmologia e do Conselho Brasileiro de Oftalmologia.

Jornal Raio-X (jun/2016)

No dia 2 de maio, uma segunda feira, faleceu, aos 29 anos, nosso colega Ro-dolfo Bodevan Cunha, que cursava o terceiro período, Turma 96. No dia 9 do mesmo mês, colegas de turma e professores participaram da missa de sétimo dia na capela do Campus de Maruípe. Abaixo, segue o texto de Alexandre Amaral Musso, Turma 96, em memória de Rodolfo:“O mundo perdeu um excepcional futuro médico. Queríamos ter tido o pri-vilégio de passar os seis anos de nossa formação ao lado dessa pessoa com-panheira, amiga, alegre, e, acima de tudo, original em sua própria essência. Mas esse um ano e meio de convívio já foram suficientes para entendermos o valor de uma verdadeira amizade. De agora em diante, ele estará olhando por nós lá de cima, nos motivando ainda mais a chegar onde queremos, a alcançar todos os nossos objetivos e a exercermos a medicina da melhor forma possível, sem perder o seu bom humor característico que, nessa altu-ra do campeonato, já nos contagiou para sempre. Rodolfo, nós viemos nos despedir de você, mas não tome isso como um adeus. A 96 não é a 96 sem você. Saiba que sempre estará em nossos corações, em nossas intenções, nas nossas vidas. Jamais nos esqueceremos de você, irmão. Do seu sorriso, da sua paz, do seu companheirismo e da sua alegria de cada manhã. Que os an-jos de Deus, o médico dos médicos, recebam-no de forma aconchegante aí no céu. Você vai fazer uma falta inestimável para a nonagésima sexta turma de medicina da Universidade Federal do Espírito Santo, que agora, em sua homenagem, se chama Turma Rodolfo Bodevan da Cunha.” 06-02-1987 04-05-2016

Nota de Falecimento