Rafael-rossi Territorio Politicas Publicas

download Rafael-rossi Territorio Politicas Publicas

of 18

Transcript of Rafael-rossi Territorio Politicas Publicas

  • 7/24/2019 Rafael-rossi Territorio Politicas Publicas

    1/18

    34

    Rossi, Rafael. A perspectiva territorial no debate das polticas pblicas: Contribuies a partir daproblematizao geogrfica. GeoGraphos. [En lnea]. Alicante: Grupo Interdisciplinario de EstudiosCrticos y de Amrica Latina (GIECRYAL) de la Universidad de Alicante, 6 de enero de 2013, vol. 4,n 33, p. 34-51. [ISSN: 2173-1276] [DL: A 371-2013] [DOI: 10.14198/GEOGRA2013.4.33].

    Vol. 4. N 33 Ao 2013

    A PERSPECTIVA TERRITORIAL NO DEBATE DAS POLTICASPBLICAS: CONTRIBUIES A PARTIR DA

    PROBLEMATIZAO GEOGRFICA

    Rafael Rossi

    Mestrando em Geografia no Programa de Ps-Graduao em GeografiaUniversidade Estadual PaulistaUNESP. Presidente Prudente, So Paulo, BrasilMembro do Centro de Estudos e Mapeamento da Excluso Social para Polticas

    PblicasCEMESPP. Presidente Prudente, So Paulo, BrasilCorreio eletrnico:[email protected]

    Recibido: 2 de agosto de 2012. Devuelto para revisin: 30 de agosto de 2012.Aceptado: 6 de enero de 2013

    RESUMO

    O conceito de territrio vem permeando cada vez mais as falas, documentos elegislaes das polticas pblicas no Brasil. Acreditamos que nesse processo aGeografia pode contribuir para evitar a despolitizao desse conceito e tambm paraaprumar esse debate com intuito de oferecer a partir de seu arsenal terico emetodolgico os caminhos para pensarmos na sua operacionalizao. Assim, este textodebate os conceitos de polticas pblicas e de territrio, com intuito de problematizar a

    partir da leitura Geogrfica potencialidades desses vnculos e perspectivas. Estepanorama configura-se em um amplo desafio agenda acadmica de pesquisa sobre asdesigualdades sociais e igualmente s polticas pblicas que pretendam combater tal

    http://web.ua.es/revista-geographos-giecryalhttp://web.ua.es/revista-geographos-giecryalmailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]://web.ua.es/revista-geographos-giecryal
  • 7/24/2019 Rafael-rossi Territorio Politicas Publicas

    2/18

    35

    manifestao e propagao a partir das condies reais e concretas das famlias queenfrentam tais processos.

    Palavras-chave: Territrio, polticas pblicas, territorialidade, territorializao.

    LA PERSPECTIVA TERRITORIAL EM EL DEBATE DE LAS POLTICASPBLICAS: CONTRIBUCIONES A PARTIR DE LA PROBLEMATIZACINGEOGRFICA

    RESUMEN

    El concepto de territorio es cada vez ms penetrando las declaraciones, los documentosde las leyes y polticas pblicas en Brasil. Creemos que este proceso de la geografa

    puede ayudar a prevenir la despolitizacin del concepto y tambin para enderezar estedebate con el fin de ofrecer a su arsenal de las formas tericas y metodolgicas para

    pensar en su funcionamiento. Por lo tanto, este documento aborda los conceptos depolticas pblicas y el territorio, con el objetivo de discutir la lectura del potencialgeogrfico de estos enlaces y puntos de vista. En este escenario se establece un ampliodesafo a la agenda de investigacin acadmica sobre las desigualdades sociales ytambin a las polticas pblicas que tengan la intencin de luchar contra estamanifestacin y propagacin de las condiciones concretas reales de las familias queenfrentan estos procesos.

    Palabras clave: Territorio, polticas pblicas, territorialidad, territorializacin.

    TERRITORIAL PERSPECTIVE ON PUBLIC POLICY DEBATE:CONTRIBUTIONS FROM THE GEOGRAPHICAL PROBLEMATIZATION

    ABSTRACT

    The concept of territory is increasingly permeating the statements, documents the lawsand public policies in Brazil. We believe that this process geography can help to preventthe depoliticization of the concept and also to straighten this debate in order to offertheir arsenal from the theoretical and methodological ways to think of its operation.Thus, this paper discusses the concepts of public policy and territory, aiming to discuss

    the reading from the geographic potential of these links and perspectives. This scenariosets up a broad challenge to the academic research agenda on social inequalities andalso to public policies that intend to fight this manifestation and propagation from thereal concrete conditions of families facing such processes.

    Key words: Territory, public policy, territoriality, territorialisation.

    INTRODUO

    Este texto trata-se de reflexes oriundas da pesquisa que desenvolvemos no mestrado

    em Geografia na UNESP, Faculdade de Cincias e Tecnologia de Presidente Prudente

  • 7/24/2019 Rafael-rossi Territorio Politicas Publicas

    3/18

    36

    SP, intitulada: A perspectiva territorial nas polticas pblicas: Anlise espacial a partir

    do ndice de desenvolvimento das famlias em Presidente Prudente SP. O processode produo do espao urbano envolve uma srie de aes e agentes que resultamconcretamente em situaes de desigual distribuio dos bens e das riquezas. Este

    processo se relaciona diretamente ao modo capitalista de produo, com sua lgica de

    concentrao e de gerao estruturante das desigualdades sociais, sendo que estas, porsua vez, contribuem e se articulam ao processo de excluso social. Este panoramaconfigura-se em um amplo desafio agenda acadmica de pesquisa sobre taisdesigualdades e igualmente s polticas pblicas que pretendam combater talmanifestao e propagao a partir das condies reais e concretas das famlias queenfrentam tal processo.

    Assim, na primeira parte iremos discutir o conceito de polticas pblicas em seu desafiode combate os processos excludentes. Aproximamo-nos mais do termo policy, comoser abordado, por tratar das condies reais e concretas com que se lidam os obstculose estratgias de interveno das polticas pblicas. O Estado possui um papel ativo e de

    suma relevncia na produo das desigualdades sociais e na acentuao dos processosexcludentes. No entanto, em seu carter contraditrio, o Estado demanda informaes edados sociais para a interveno, que ajudem na elaborao e implementao das

    polticas pblicas.

    Nesse processo o uso do conceito de territrio, que ser discutido na segunda parte, apartir das contribuies oriundas da Geografia, permite problematizar tal movimentodinmico como procedimento que pode contribuir na discusso a respeito da perspectivaterritorial nas polticas pblicas. O territrio evidencia a manifestao emprica concretae presente em toda realidade em que podemos perceber os diversos interesses,

    barganhas, ambies, desejos materializados, as carncias e dificuldades enfrentadas porgrupos sociais que enfrentam o processo de excluso social. J a terceira parte reserva-se s nossas proposies e consideraes a respeito da discusso aqui em pauta.

    Vale considerar que as proposies aqui expostas sobre a perspectiva territorial nodebate das polticas pblicas, no pretende fechar-se hermeticamente novascontribuies. Assim sendo, dvidas, crticas e sugestes so bem-vindas para ampliaressas problematizaes a partir do arcabouo terico e metodolgico que a Geografiaoferece.

    CONCEITUANDO AS POLTICAS PBLICASO conceito de polticas pblicas consolidou-se e ganhou relevncia na pauta de agendade diversos pesquisadores: economistas, gestores pblicos, gegrafos, socilogos,cientistas polticos, urbanistas, engenheiros e agentes polticos responsveis portomadas de decises. Neste sentido cabe questionarmos: Em quais contextos soelaboradas as polticas? Em contextos de homogeneidade, de harmonia e entendimento?Ou de conflitos?

    Com relao significao do termo poltica pblica, faz-se necessrio afirmar que omesmo tem sua origem atrelada aos pases de lngua inglesa, sendo traduzido como

    public policy, vinculando ao sentido da palavra poltica em portugus. A literatura em

  • 7/24/2019 Rafael-rossi Territorio Politicas Publicas

    4/18

    37

    lngua inglesa diferencia a anlise do estudo do fenmeno poltico em trs diferentesdimenses. No entanto, em pases de lngua originaria do latim, como Brasil, Espanha,Itlia, apresentam somente um tipo de traduo para o termo que poltica.

    Os termospolicy, polity, politics em ingls representam estes diferentes dimenses que

    em lngua portuguesa no possvel tal diferenciao. Segundo Secchi (2010):

    Policy: O termo refere-se dimenso material, contedos concretos, isto , configurao dos programas polticos. Possuem relao com a formao de agenda paratomada de decises e aes;

    Polity: O termo refere-se dimenso institucional, a ordem do sistema polticodelineada pelo sistema jurdico e estrutura institucional do sistema poltico-administrativo;

    Politics: Refere-se ao quadro da dimenso processual, tem-se em vista o processo

    poltico, freqentemente de carter conflituoso, no que diz respeito imposio deobjetivos devido a questes polticas de tomadas de decises e elaboraes de agenda,refere-se ainda aos contedos e s decises de distribuio.

    Acreditamos que nossa pesquisa se relaciona ao termo policy. Isso ocorre, visto que

    nosso esforo est em argumentar sobre as condies concretas da realidade social defamlias que vivenciam os processos de excluso social.

    Uma vez entendidos estes termos1 necessrio afirmar que na fase de elaborao daspolticas pblicas, est presente a identificao e definio do problema o que

    constitui ponto crucial e inicial de anlise para o entendimento da articulao eobjetivos que se pretendem materializar em uma interveno. O problema pode ser

    compreendido como algo da realidade que necessita ser posicionado nas reflexes dosformuladores da poltica para que o foco seja delimitado e a preciso da poltica possaaumentar. A identificao de um problema de suma importncia, pois este ir definir oagendamento da poltica pblica, suas normas, objetivos e metodologias, comodiscutidos em Secchi (2010).

    Para o mesmo autor aps a fase de identificao e delimitao do problema e suaspossibilidades de enfrentamento, chega-se a avaliao dos recursos disponveisdestinados a poltica, o que implicar em aes e em decorrncia a resultados sobre a

    efetividade da mesma.Com relao fase de implementao, Silva e Melo (2000) a entendem como aexecuo de aes com vistas a garantir a obteno das metas decididas e pensadas no

    processo de elaborao da poltica. A implementao se baseia em uma anlise prvia ecom um sistema de informaes com a definio no somente das metas, mas tambmde recursos e da durao de tempo de planejamento. Implementao, portanto, omomento em que a ao governamental explicita e demonstra programas e projetos deinterveno.

    1 possvel encontrar essa discusso mais ampla em Frey (2000) e Secchi (2010).

  • 7/24/2019 Rafael-rossi Territorio Politicas Publicas

    5/18

    38

    A partir da perspectiva dos autores Silva e Melo (2000), consideramos que h muito quese aprofundar no estudo da implementao de uma poltica, visto as suas necessidadestcnicas-operacionais, alm do fato de esta ser uma fase em que o conhecimento sobre ofenmeno social que se pretende intervir necessitaria ser problematizado. No tocante scaractersticas tcnicas-operacionais, implantar uma poltica o resultado de um

    processo que se inicia na delimitao de um problema a ser combatido (e/ou de acordocom as pretenses em questo, amenizado) se utilizando, em nossa compreenso, de umsistema de informaes das famlias e dos locais a serem atendidos, que pontue ascarncias e sustente a eficcia da aplicao dos recursos, de acordo com os objetivos da

    poltica. Essa viso permite-nos apurar o olhar investigativo com relao s polticaspblicas, persistindo na deteco e compreenso dos desafios e procedimentos presentesem cada fase.

    Optamos por trazer discusso a definio do Estado, para prosseguir em nossaproblematizao. De acordo com o Dicionrio do Pensamento Marxista editado porTom Bottomore, trata-se de um conceito de fundamental relevncia para o marxismo,

    compreendendo sua funo a fim de assegurar e conservar a dominao e explorao declasse. Para Bottomore (2001), Engels em seu livro A origem da Famlia, da

    propriedade privada e do Estadoafirma que o Estado : em geral, o Estado da classemais poderosa, economicamente dominante, que por meio dele, torna-se igualmente aclasse politicamente dominante, adquirindo com isso novos meios de dominar eexplorar a classe oprimida (Bottomore, 2001, p. 134). Bottomore afirma:

    O marxismo clssico e o leninismo sempre ressaltaram o papel coercitivo do Estado,quase que com a excluso de todos os outros aspectos: o Estado essencialmente ainstituio pela qual uma classe dominante e exploradora impe e defende seu poder eseus privilgios contra a classe ou classes que domina e explora (Bottomore, 2001, p.136).

    Assim, nossa compreenso de Estado no se aproxima da viso marxista clssica,apontada por Bottomore (2001), se configurando em instrumento de poder somente deuma classe social. O Estado aqui entendido no como homogneo e totalmente ilhadoou separado das outras esferas sociais, mas sim como espao de barganhas, conflitos ouconsensos entre diferentes grupos que se estruturam em seu interior, que podem exercermaior ou menor interveno de acordo com cada momento histrico. Carlos (2007)afirma que no nvel poltico, o Estado, atua na produo do espao urbano com acriao e reforo de centralidades (como forma de dominao); com a hierarquizao

    dos lugares (importncia nas estratgias de reproduo); com a imposio de suapresena e atravs do controle e vigilncia, por meio da mediao da norma. A mesmaautora continua:

    O Estado desenvolve estratgias que orientam e asseguram a reproduo das relaes noespao inteiro (elemento que se encontra na base da construo de sua nacionalidade),

    produzindo-o enquanto instrumento poltico intencionalmente organizado e manipulado., portanto, um meio e um poder nas mos de uma classe dominante que diz representara sociedade, sem abdicar de objetivos prprios de dominao, usando como meio as

    polticas pblicas para direcionar e regularizar fluxos, centralizando,valorizando/desvalorizando os lugares atravs de intervenes como ato de planejar

    (Carlos, 2007, p. 52).

  • 7/24/2019 Rafael-rossi Territorio Politicas Publicas

    6/18

    39

    H um carter conflituoso imanente a esse agente produtor do espao urbano. O Estado constitudo por diferentes grupos sociais com interesses e objetivos divergentes, paragarantir sua hegemonia e projetos, por isso a noo de embates na fase de elaboraodas polticas pblicas, como j argumentamos. Ao mesmo tempo em que contribui para

    a produo das desigualdades sociais e do processo de excluso, ele gera demanda porinformaes que possibilitem a elaborao de polticas pblicas que combatam taisprocessos. O trecho de Carlos (2007) se aproxima da compreenso contida emBottomore (2001), a partir dos interesses e estratgias de manuteno dos interesses daclasse dominante.

    Gramsci (1976) apresenta argumentos para superar a compreenso ingnua de

    poltica. Para o autor entender a poltica de maneira superficial e corriqueira como umapoltica parlamentar, empobrece o conceito de Estado. Esse, por sua vez, apresenta astramas, intrigas, jogos e relaes de poder, atravs dos quais aqueles que esto sob suaateno se tornam mais que dominados, mas sim uma conscincia coletiva que aceita as

    decises tomadas e impostas. Este autor avana no entendimento clssico de Estado domarxismo, por o entender como disputa entre classes sociais para o exerccio dahegemonia2.

    Tudo que h de importante na sociologia no passa de cincia poltica. [...]Convencimento de que com as instituies e os parlamentos tivesse comeado umapoca de evoluo natural, que a sociedade tivesse encontrado os seus fundamentosdefinitivos, porque racionais, etc. Eis que a sociedade pode ser estudada pelos mtodosdas cincias naturais. Empobrecimento do conceito de Estado, em conseqncia de talviso. Se cincia poltica significa cincia do Estado, e Estado todo complexo deatividades prticas e tericas com as quais a classe dirigente justifica e mantm no s oseu domnio, mas consegue obter o consentimento ativo dos governados, evidente quetodas as questes essenciais da sociologia no passam de questes da cincia poltica.(Gramsci, 1976, p. 87).

    Gramsci (1976) entende dois grandes grupos e/ou tipos de poltica: a grande poltica e apequena poltica. A primeira refere-se a questes estruturadoras de manuteno eatuao entre os Estados, j a segunda, materializa-se nas opes e escolhas,consolidadas atravs dos legisladores e imbudas de interesses resultantes de embates elutas no interior do Estado, que se realiza no cotidiano, contribuindo para a manutenodo exerccio do poder.

    Grande poltica (alta poltica), poltica menor (poltica do dia-a-dia, polticaparlamentar, de corredores, de intrigas). A grande poltica compreende as questesligadas fundao de novos Estados, com a luta pela destruio, a defesa, aconservao de determinadas estruturas orgnicas econmico-sociais. A poltica menor

    2De acordo com Bottomore (2001) no entendimento de Gamsci, para uma classe manter seu domniosobre as demais, alm da organizao da fora, ela tem de avanar em estratgias que no se prendamsomente em seus interesses especficos, realizando concesses e obtendo aliados unificados em um blocohistrico. Este bloco representa um consentimento para uma ordem social, onde a hegemonia da classedominante criada e recriada nas relaes sociais e nas ideias. Dessa forma a classe hegemnica

    tambm poltica, j que supera seus interesses econmicos imediatos, rep resentando o avano universalda sociedade. (Bottomore, 2001, p. 178).

  • 7/24/2019 Rafael-rossi Territorio Politicas Publicas

    7/18

    40

    compreende as questes parciais e quotidianas que se apresentam no interior de umaestrutura j estabelecida, em virtude de lutas pela predominncia entre as diversasfraes de uma mesma classe poltica. (Gramsci, 1976, p. 159).

    O autor explicita como os interesses da classe dominante podem se manifestar em

    prticas organizadas e implantadas pelo Estado, com a aceitao dos governados, comintuito de prevalecer como classe hegemnica.

    Parece-me que o que de mais sensato e concreto se pode dizer a propsito do Estadotico e de cultura o seguinte: cada Estado tico quando uma das suas funes maisimportantes a de elevar a grande massa da populao a um determinado nvel culturale moral, nvel (ou tipo) que corresponde s necessidades de desenvolvimento das foras

    produtivas e, portanto, aos interesses das classes dominantes. Neste sentido, a escolacomo funo educativa positiva e os tribunais como funo educativa repressiva enegativa so as atividades estatais mais importantes: mas, na realidade, no fim

    predominam uma multiplicidade de outras iniciativas e atividades chamadas privadas,

    que formam o aparelho da hegemonia poltica e cultural das classes dominantes. [...] so grupo social que coloca o fim do Estado e de si mesmo como fim a ser alcanado,

    pode criar um Estado tico, tendente a eliminar as divises internas de dominados, etc.,e a criar um organismo social unitrio tcnico-moral. (Gramsci, 1976, p. 145).

    Gramsci (1976) apresenta importante contribuio no entendimento das aes doEstado, dentre elas a poltica como resultado de conflitos e disputas internas entre osgrupos que se estruturam em seu interior. Isso possui relao direta com a constataode que muitos fatos e acontecimentos devem-se s estratgias e prticas consolidadas

    pela materializao de outros grupos, chamados de privados que podem vir a compora hegemonia do Estado.

    Avanando na perspectiva gramsciniana est Coutinho (1984), com a explicitao dacomplexidade inerente ao Estado com relao aos grupos que se estruturam em seuinterior em uma srie de conflitos e embates. Assim, as relaes de poder entre essesgrupos tornaram-se mais complexas e densas graas formao de alianas para

    promover a garantia de objetivos e ambies partilhadas.

    J no existem mais, de um lado, indivduos atomizados, puramente privados, lutandopor seus interesses econmicos imediatos; e, de outro, o Estado como nicorepresentante dos interesses ditos pblicos. Surge uma complexa rede de organizaes

    coletivas, de sujeitos polticos coletivos. O pluralismo deixa de ser um pluralismo deindivduos atomizados para tornar-se cada vez mais um pluralismo de organismos demassa. Com isso, a esfera poltica se amplia alm do mbito do Estado em sentidoestrito, ou seja, das burocracias ligadas aos aparelhos executivos e repressivos. Ao ladodo Estado, surge o que Gramsci chamou de sociedade civil, ou seja, o c onjunto dosaparelhos privados de hegemonia; desse modo, Gramsci amplia a teoria do Estado

    que herdara de Marx e Lnin, nela incluindo a esfera da hegemonia e do consenso (cujoportador material a sociedade civil), precisamente para dar conta dos novosfenmenos que a ampliao da democracia introduz na vida social. (Coutinho, 1984, p.57).

  • 7/24/2019 Rafael-rossi Territorio Politicas Publicas

    8/18

    41

    Dessa maneira, entendemos as relaes de conflitos e lutas dos grupos sociais presentesno Estado e no tocante s polticas pblicas, como sendo passveis de investigao. AGeografia a partir de sua construo terica pode ajudar no desvelar das condiesespaciais concretas das famlias que sero abrangidas pelas polticas pblicas. Iniciarsua discusso de maneira crtica e trabalhar por desenvolv-lo exige uma acuidade

    analtica capaz de explicitar o entendimento sobre o Estado e os grupos sociais que searticulam em seu interior definindo diretrizes, metas e objetivos baseando-se em umamplo conjunto de interesses, ora confluentes ora divergentes.

    A partir do conjunto de desigualdades (re) produzidas pelas contradies do modocapitalista de produo e consequentemente pelas relaes sociais, as polticas pblicasso os meios de o Estado intervir em questes sociais. Essa poltica de responsabilidadeestatal deve ser apreendida no contexto poltico, social, cultural e econmico. Em que

    pese os desafios inerentes sua formulao e implementao, as polticas pblicaspodem contar com a gesto de bancos de dados e indicadores sociais que fomentemanlises para os gestores conhecerem melhor e de maneira mais ampla tal realidade com

    que lidam diariamente. A informao e o conhecimento, em nossa leitura, constituemelementos passveis de serem incorporados no debate pelo enfrentamento de processos,como no caso desta dissertao, o de excluso social em seus vnculos com as polticas

    pblicas, pela Geografia.

    Entendemos que o atual modo de produo com relao produo de bens emercadorias, bem como, s relaes sociais, valores, costumes etc.3- do espao urbanoincorpora cada vez mais em sua lgica o acmulo das desigualdades sociais, acentuandosobremaneira os processos excludentes. Os agentes que produzem e consomem o espaourbano, so agentes sociais concretos e no processos aleatrios ou abstratos. Sua ao complexa, variando de acordo com o acmulo de capital, as necessidades que podemmudarde reproduo das relaes de produo e dos conflitos que podem emergir, deacordo com a discusso de Corra (1989).

    Uma considerao importante que o mesmo autor pontua, diz respeito ao dessesagentes. Essa ao se d em um marco jurdico, que no neutro, que reflete o interessede um agente dominante e ainda, que permite transgresses de acordo com o interessedesses agentes. Esse processo culmina em um espao urbano heterogneo, comdiferentes nveis de incluso e excluso social, da a necessidade de consolidao deinformaes e dados sociais referenciados empiricamente para apreender suaconformao e estruturao, ou seja, como instrumento e estratgia que pode ajudar a

    revelar as condies concretas de vida das diversas famlias que consomem e produzemtambm o espao urbano, com intuito de que essa discusso possa contribuir na daspolticas pblicas, j que estas tambm interferem nessa dinmica.

    Dessa forma, a anlise da realidade social e concreta constitui a conformao decaminhos que podem ser analisados para a ampliao do debate das polticas pblicas.

    No caso brasileiro, desde a consolidao do Sistema nico de Assistncia Social SUAS os sistemas socioassistenciais vm ganhando articulaes descentralizadas,

    participativas e de incluso, em uma meta cheia de potencialidades de interveno queengloba, ainda, forte enriquecimento de compreenso e anlise a partir da contribuio

    3Como nos lembram Damiani, Carlos e Seabra (1999).

  • 7/24/2019 Rafael-rossi Territorio Politicas Publicas

    9/18

    42

    terica por parte da Geografia com o conceito de territrio, como iremos debater aseguir, justamente porque este possui o potencial de explicitar as condies reais vividas

    pelas famlias alvo das polticas pblicas e seus programas sociais.

    O CONCEITO DE TERRITRIO: POTENCIALIDADES PARA ASPOLTICAS PBLICAS

    Neste item iremos debater alguns autores que se dedicam a analisar o conceito deterritrio, explicitando a complexidade que se articula na meta pela suaoperacionalizao ao debate das polticas pblicas de combate ao processo de exclusosocial. Para tanto se faz necessrio considerar que as proposies aqui discutidas tm

    por finalidade ajudar a revelar a perspectiva territorial nas polticas pblicas com vistas ampliao dos conhecimentos e informaes necessrias que ajudem a transformar osdados e estatsticas sobre a realidade social em instrumentos de ao, possibilitando aampliao da anlise dessa discusso. A realidade em sua complexidade demonstra

    singularidades em cada territorializao efetivada por um indivduo ou grupo, sendo quea perspectiva territorial nas polticas pblicas abrange a discusso sobre os

    procedimentos envolvidos no processo de reconhecimento contnuo do territrio queestas ajudam a produzir.

    De acordo com o Dictionary of Human Geography editado por Derek Gregory, RonJohnston, Geraldine Pratt, Michael Watts e Sarah Whatmore (2009) o territrio :

    Uma unidade de espao contguo que utilizado, organizado e gerido por um gruposocial, indivduo ou instituio para restringir e controlar o acesso a pessoas e lugares.Embora s vezes usado como sinnimo de lugar ou espao, o territrio nunca foi umtermo primordial da terminologia geogrfica. O uso dominante tem sido poltico,envolvendo o poder de limitar o acesso a certos lugares ou regies, ou ainda, no sentidoetolgico com o domnio exercido ao longo de um espao por uma dada espcie ou umorganismo. Cada vez mais, o conceito de territrio atrela-se ao conceito de rede, comintuito de ajudar na compreenso de processos complexos onde o espao gerido econtrolado por organizaes poderosas. (Gegory et al, 2009, p. 746, traduo nossa).

    Uma primeira definio de territrio com base nesse dicionrio indica o controleexercido por um e/ou mais grupos, remetendo-nos restrio de acesso, ou seja, umcomando que ora probe, ora permite. No entendimento desse conceito se inserem as

    influncias e intervenes ocasionadas por alianas e/ou conflitos entre grupos sociaiscom o objetivo de territorializar suas lgicas e garantir seus objetivos e interesses. Porisso mesmo, pensar em territrio implica pensar em interesses materializados, eminfluncias, em estratgias, de maneira mais ampla, se trata de pensar em exerccio de

    poder.

    Utilizando o mesmo dicionrio, territorialidade pode ser entendida como: Tanto aorganizao e o exerccio de poder, legtimo ou no, sobre blocos de espao ou aorganizao de pessoas e coisas em reas discretas por meio do uso de limites(Gregory et al, 2009, p. 744, traduo nossa). Avanando na leitura temos queterritorializao :

  • 7/24/2019 Rafael-rossi Territorio Politicas Publicas

    10/18

    43

    Um processo dinmico pelo qual seres humanos so fixados territorialmente no espao,por uma srie de atores, mas principalmente pelo Estado. A desterritorializao significauma tendncia para os Estados, no capitalismo global, para encorajar o encontro e odesenraizamento de pessoas e coisas com enormes conseqncias psicolgicas e

    polticas. Reterritorializao o reverso desse processo. (Gregory et al, 2009, p.745,

    traduo nossa)

    Perante a anlise dessas definies de territrio e territorialidade, fica claro umcomponente essencial em sua estrutura: o poder. Assim, falar em territrio sem realaras manifestaes e interesses envolvidos em sua estrutura constitui uma visoinsuficiente e prematura que aos poucos contribui para a despolitizao desse conceito.

    No tocante ao fomento de aes que fortaleam o debate a respeito da territorialidadedas polticas pblicas, comeamos a perceber a necessidade de compreenso doexerccio de poder que constantemente est em movimento na realidade social.

    Para Raffestin (1993) o territrio composto por trs elementos bsicos: as malhas ou

    tecidos, os ns e as redes, sendo que o controle sobre tais elementos varia com relaoao perodo histrico que estivermos analisando. A territorialidade desenvolvida porRaffestin, que ir coloc-la no centro das relaes na sociedade, para tanto argumenta:

    (...) a vida constituda por relaes, e da a territorialidade pode ser definida como umconjunto de relaes que se originam num sistema sociedade-espao-tempo em vias deatingir a maior autonomia possvel, compatvel com os recursos do sistema. (Raffestin,1993, p.161).

    A respeito da territorialidade, a viso do autor aqui explicitada chama a ateno para suainsero em um contexto delimitado espao-temporalmente, porm alguns pontos dereflexo so relevantes de salientar: se a territorialidade entendida como um conjuntode relaes cujo objetivo a maximizao de sua autonomia, entendemos que osterritrios esto em nveis diferentes de desenvolvimento, ou seja, uns esto maisconsolidados que outros, em face da sua produo e como ela se deu naquele espao enaquele tempo. O mesmo autor conclui: o territrio um trunfo particular, recurso eentrave, continente e contedo, tudo ao mesmo tempo. O territrio o espao poltico

    por excelncia, o campo da ao do poder (Raffestin, 1993, p. 60). A perspectivaabordada por Raffestin coloca e compreende a territorialidade, portanto, como asrelaes de dinamicidade pelo qual se exerce o poder constituindo e originando oterritrio.

    No tocante Geografia, territrio e territorialidade se relacionam e so analisados apartir da materialidade do territrio. Esta viso nos aproxima do debate das polticaspblicas, em que acreditamos estar mais prxima de um entendimento de policy em

    nossa pesquisa, justamente por tratar das condies reais e concretas da realidade defamlias em processo de excluso social. Tal argumento tambm pode ser aplicado aoconceito de territrio, isto , acreditamos nas potencialidades de organizao dasinformaes que trabalhem com as condies vividas materializadas na realidade paracompreender e ampliar o debate sobre a perspectiva territorial nas polticas pblicas, emespecial as de combate pobreza e misria.

  • 7/24/2019 Rafael-rossi Territorio Politicas Publicas

    11/18

    44

    Para Saquet et al(2004) entende:

    O territrio produzido espao-temporalmente pelas relaes de poder engendradas porum determinado grupo social. Dessa forma, pode ser temporrio ou permanente e seefetiva em diferentes escalas, portanto, no apenas naquela convencionalmente

    conhecida como o territrio nacional sob gesto do Estado-Nao (Saquet et al, 2004,p. 10).

    Saquet (2004) aponta para a superao do entendimento de territrio somente como oterritrio nacional. O autor coloca a territorialidade como prtica imanente a um

    grupo especfico em um lugar e tempo delimitados, porm o que chamamos a ateno para o fato de essa lgica contribui para organizar e reorganizar localizaes, padres,tendncias e, em especial, interaes, pois como j abordamos, as redes socaractersticas para a conformao e discusso sobre os territrios.

    Podemos perceber at o momento o carter dinmico do territrio, a esse respeito

    Brighenti (2010) argumenta que para iniciar a discusso sobre uma cincia do territrio territoriologia numa viso geogrfica, comportamental e poltica alguns pontosdevem ser lembrados. Em primeiro lugar, atravs da anlise das relaes entre osdiversos agentes sociais se torna possvel compreender os territrios superpostos queesto de vrios modos conectados. Em segundo lugar, o territrio uma entidadeimaginada (no imaginria). E por fim, territrios tm ao mesmo tempo componentesexpressivos e funcionais. A expressividade pode ser percebida na emergncia de umterritrio, com sua demarcao; j o aspecto funcional relaciona-se s estratgias e

    prticas inseridas na territorialidade.

    Com respeito demarcao e controle no territrio um escritor que trazemos para adiscusso Sack (1986). Para este o territrio construdo socialmente, dependendo dequem o est controlando e com qual finalidade. Nessa linha de pensamento, o territrio

    pode ser usado para restringir ou excluir pessoas, assim, para haver um territrioprecisa-se delimitar uma rea, ter algum no comando, no controle e com isso umaforma de poder.

    Territrios so os resultados de estratgias para afetar, influenciar e controlar pessoas,fenmenos e relaes. uma estratgia para estabelecer graus diferentes de acesso s

    pessoas, coisas e relaes. (Sack, 1986, p. 19-20, traduo nossa).

    Como ocorrem tais estratgias para afetar, influenciar e controlar? Sack (1986)entende que os limites do territrio podem sofrer mudanas, que se relacionamdiretamente s estratgias de controle e delimitao do espao e ir explicar taldinmica, a partir do conceito de territorialidade, argumentando:

    Territorialidade para humanos uma poderosa estratgia geogrfica para controlarpessoas e coisas, atravs do controle da rea. Territorialidade uma primria expressogeogrfica de poder social. So os meios pelos quais sociedade e espao estointerrelacionados (Sack, 1986, p. 5, traduo nossa).

  • 7/24/2019 Rafael-rossi Territorio Politicas Publicas

    12/18

    45

    Dessa forma, para Sack a territorialidade envolve uma classificao por rea, que porsua vez, contm uma comunicao e de maneira enftica tem por princpio norteador ocontrole, ora restringindo o acesso, ora permitindo o mesmo.

    Atravs da leitura dos diversos autores aqui abordados, entendemos que os estudos que

    se predispem a compreender o conceito de territrio, apresentam alguns elementospara o seu debate: a atuao dos agentes, grupos, instituies e organizaes quemanifestam suas estratgicas e prticas territoriais nas mais diversas escalas, afim deque as disputas, as relaes, as influncias, a formao histrica, a demarcao (porvezes no fsica), as fronteiras (nem sempre fixas e intransponveis) possam serreveladas e, com isso, subsidiar anlises e pesquisas que desvendem o ordenamento, astendncias, padres, (des) continuidades, fragmentaes, formas e contedos dosterritrios. A territorialidade passa a ser compreendida como sendo os processos emecanismos que garantem a efetividade dessa dinmica. A anlise da materialidadeconcreta e vivida, tambm aparece como fator passvel de ser incorporado e refletido

    pela anlise geogrfica.

    Nesse caminho, Castro (2003) aponta argumentos sobre as lgicas que impulsionam adistribuio espacial das riquezas e de seus benefcios, sendo posta em movimento demaneira desigual. A suposio da autora se baseia no fato de que estas diferenas seoriginam de condies institucionais materializadas no territrio, que por sua vez,afetam o exerccio da cidadania.

    Nas democracias contemporneas, de pases ricos ou pobres, em que esses direitos(sociais e polticos) esto estabelecidos, as possibilidades de usufru-los dependem doconjunto de instituies que, organizadas no territrio, garantem a todos os habitantes oacesso a eles. justamente esta rede institucional que constitui um dos diferenciais dacidadania naqueles dois grupos de pases. Se nos pases ricos, o poder infra-estrutural doEstado permite o acesso aos direitos em qualquer parte do territrio, num pas como oBrasil a localizao pode constituir um facilitador ou uma dificuldade ao exercciodesses direitos (Castro, 2003, p.12).

    O ponto de partida de Castro (2003) e que consideramos relevante tratar, se baseia noarranjo territorial das instituies estatais e em como estas devem garantir o acesso atodos os habitantes, se constituindo como um facilitador ou uma dificuldade ao

    exerccio desses direitos.

    Para Yazbek (2010) o territrio tambm terreno das polticas pblicas, sendo a arenaem que se concretizam os tensionamentos e os enfrentamentos, incluindo aspotencialidades de ao. Para a autora, a dimenso territorial nas polticas pblicas levaem considerao mltiplos fatores: sociais, econmicos, polticos e culturais que fazemcom que segmentos sociais e famlias se encontrem em situao de vulnerabilidade erisco social, sendo que a viso do Sistema nico de Assistncia SocialSUAS- baseia-se no princpio de territorializao, numa perspectiva de proximidade do cidado,contribuindo para identificar territrios vulnerveis e que sofrem a excluso social, aserem priorizados. Podemos compreender, nessa discusso que os CRAS, baseados no

    princpio de territorializao do SUAS, na viso de Yazbek (2010) constituem-se emum equipamento pleno de possibilidades em suscitar anlises e aes das polticas

  • 7/24/2019 Rafael-rossi Territorio Politicas Publicas

    13/18

    46

    pblicas, pois pelo vis da proximidade com a populao pode vir a ser um facilitador

    ao exerccio dos direitos, parafraseando Castro (2003).

    Nesse sentido, de acordo com a Poltica Nacional de Assistncia Social (PNAS) de2004, considerando a alta densidade populacional do pas e o alto grau de

    heterogeneidade e desigualdades socioterritorial presente entre os seus 5.561municpios a vertente territorial se faz urgente e necessria na Poltica Nacional deAssistncia Social (PNAS, 2004, p.43). Tendo nesse entendimento forte influencia deexpoentes como Milton Santos, o princpio de territorializao se atrela descentralizao implementada em que se compreende o espao urbano enquantoespao vivo, produzido pelos diversos e numerosos agentes que o consomem e ovivenciam.

    [...] Considerando que muitos dos resultados das aes da poltica de assistncia socialimpactam em outras polticas sociais e vice-versa, imperioso construir aesterritorialmente definidas, juntamente com essas polticas. Importantes conceitos no

    campo da descentralizao foram incorporados a partir da leitura territorial comoexpresso do conjunto de relaes, condies e acessos inaugurados pelas anlises deMilton Santos, que interpreta a cidade com significado vivo a partir dos atores que dele

    se utilizam. (PNAS, 2004, p.43).

    Percebemos que a necessidade de aes territorialmente definidas se articula com adescentralizao poltica e administrativa da poltica de assistncia social. A leitura

    territorial atrela-se aos atores que dele se utilizam, portanto, como proceder? Quaisestratgias investigativas a serem usadas? De acordo com o documento da Poltica

    Nacional de 2004, trs pressupostos aparecem como elementos que ajudam a respondertais perguntas: a territorializao, a descentralizao e a intersetorialidade. O

    pressuposto da territorializao aproxima-se da viso de Milton Santos, como japontamos, em que h a necessidade da leitura territorial a partir de quem se utilizados equipamentos e servios das polticas pblicas. J os pressupostos dedescentralizao e intersetorialidade:

    [...] Cabe a cada esfera de governo, em seu mbito de atuao, respeitando os princpiose diretrizes estabelecidos na Poltica Nacional de Assistncia Social, coordenar,formular e co-financiar, alm de monitorar, avaliar, capacitar e sistematizar asinformaes [...] Dessa forma, uma maior descentralizao, que recorte regieshomogneas, costuma ser pr-requisito para aes integradas na perspectiva da

    intersetorialidade. Descentralizao efetiva com transferncia de poder de deciso, decompetncias e de recursos, e com autonomia das administraes dos microespaos naelaborao de diagnsticos sociais, diretrizes, metodologias, formulao,implementao, execuo, monitoramento, avaliao e sistema de informao das aesdefinidas, com garantias de canais de participao local. Pois, esse processo ganhaconsistncia quando a populao assume papel ativo na reestruturao. [...] Torna-senecessrio, constituir uma forma organizacional mais dinmica, articulando as diversasinstituies envolvidas. (PNAS, 2004, p. 44-45).

    Observa-se o carter de autonomia de gesto presente na noo de descentralizao e dearticulao entre instituies que compem a rede das polticas pblicas, no que diz

    respeito intersetorialidade. Nesse sentido, percebe-se que os conceitos de territrio e

  • 7/24/2019 Rafael-rossi Territorio Politicas Publicas

    14/18

    47

    de territorializao esto em pauta na agenda das PNAS e sua descentralizao propostapor meio dos CRAS.

    De acordo com Pereira (2010) naIV Conferncia Nacional de Assistncia Social (2003)o territrio de fato, proposto como categoria de implantao e de anlise da poltica

    (PEREIRA, 2010, p. 196). A respeito da mesma discusso, na exposio de Santos eBarros (2011):

    Com a Poltica Nacional de Assistncia Social de 2004 PNAS 2004, o tratamentorelativo a territrio adquiriu um outrostatus e a perspectiva socitoterritorial passou a serassumida como um dos eixos estruturantes incorporados a essa poltica pblica. Emdecorrncia dessa definio, foram concebidos os Centros de Referncia de AssistnciaSocial, situados nos territrios [...] (Santos e Barros, 2011, p. 2).

    Dessa maneira o conceito de territrio passa a ter destaque no debate da PNAS, tendo

    nos CRAS um entendimento em que este compreendido enquanto equipamentopblico que se localiza nos territrios. De acordo com essa poltica:

    O princpio da territorializao significa o reconhecimento da presena de mltiplosfatores sociais e econmicos, que levam o indivduo e a famlia a uma situao devulnerabilidade, risco pessoal e social. O princpio da territorializao possibilitaorientar a proteo social de Assistncia Social:

    Na perspectiva do alcance de universalidade de cobertura entre indivduos efamlias, sob situaes similares de risco e vulnerabilidade.

    Na aplicao do princpio de preveno e proteo pr-ativa, nas aes deAssistncia Social.

    No planejamento da localizao da rede de servios, a partir dos territrios de maiorincidncia de vulnerabilidade e riscos. (PNAS, 2004, p. 19).

    [...] territorializao da rede de Assistncia Social sob os critrios de: oferta capilar deservios, baseada na lgica da proximidade do cotidiano de vida do cidado; localizaodos servios para desenvolver seu carter educativo e preventivo nos territrios commaior incidncia de populao em vulnerabilidades e riscos sociais (PNAS, 2004, p.

    27).

    Percebemos que na concepo de territrio da PNAS h o reconhecimento damultidimensionalidade de fatores que conformam as situaes e processos dedesigualdades sociais nas famlias, a considerao da necessidade de servios pblicosna escala intra-urbana a partir da oferta capilar e a proximidade dos cidados. Nessequesito de proximidade, Santos e Barros (2011) argumentam que os CRAS constituem-se em expresses concretas do princpio de territorializao implementado pela PNAS.

    No entanto ao realizar recortes territoriais no processo de implantao dos CRAS,entendemos que tal fato simplifica o entendimento do conceito de territrio, visto quedelimitar uma poro no espao, no o mesmo que construir ou criar um territrio.

  • 7/24/2019 Rafael-rossi Territorio Politicas Publicas

    15/18

    48

    Nesse aspecto reside nossa crtica, isto , na necessidade de superar uma viso arealcomo sinnimo de territrio. Por isso, preferimos denominar de reas de atuaodosCRAS ao invs de territrios. Tambm acreditamos, em funo do estudo dos autores

    aqui debatidos e de nossa experincia oriunda da ida campo, que o fato de delimitaruma rea a ser atendida com base nas caractersticas das famlias, ainda insuficiente na

    dinmica de reconhecer a complexidade e abrangncia do territrio em que residem taisgrupos sociais. A aparece necessidade de incorporar nesse debate o procedimento deinvestigar continuamente tal territrio, para que o trabalho desenvolvido pelos

    profissionais nos CRAS no resumam tais populaes em uma viso meramentequantitativa.

    Acreditamos que os profissionais que desempenham suas funes no CRAS dispem dapotencialidade em compreender de modo mais profundo a realidade social dosterritrios das famlias que vivenciam a excluso. Assim sendo, apreendendo as prticasterritoriais presentes nas reas de atuao dos CRAS, trabalhando as informaes edados de vrios rgos de pesquisa, conhecendo e mantendo o contato direto com a

    populao atendida, divulgando suas atividades e projetos (em um fluxo horizontal dedisseminao da informao) e investindo no dilogo com diversos profissionais que se

    preocupam em estudar e analisar as desigualdades socioespaciais e os processos deexcluso, as possibilidades de ampliao do debate a respeito da perspectiva territorialdas polticas pblicas aumentam, inclusive no que se refere s aes territorialmentedefinidas (PNAS, 2004, p. 43).

    Souza (2002) avana no que diz respeito ao desafio encontrado nos equipamentospblicos e de planejamento. Sua contribuio coloca em pauta o carter participativo, deincluso.

    Sob um ngulo autonomista, os instrumentos de planejamento, por mais relevantes ecriativos que sejam, s adquirem verdadeira importncia ao terem a suaoperacionalizao (regulamentao) e a sua implementao influenciadas e monitoradas

    pelos cidados. Caso contrrio corre-se o risco de atribuir aos instrumentos, em simesmos, a responsabilidade de instaurarem maior justia social, independentemente dasrelaes de poder e de quem esteja decidindo, na prtica, sobre os fins do planejamentoe da gesto da cidade. (Souza, 2002, p. 321).

    A afirmao de Souza (2002) contribui para a reflexo acerca do papel e da gesto dosservios e equipamentos pblicos na cidade, sob uma perspectiva de democracia, em

    que os cidados possuem papel ativo na gerncia e acompanhamento destes, sendo maisum elemento a ser refletido pela gesto pblica na escala intra-urbana.

    O exerccio do controle, apontado por Sack (1986), pode ser aprendido nos CRAS umavez que estes trabalham com segmentos da populao referenciados no Cadnico daAssistncia Social, como forma e estratgia de desenvolver de maneira mais prtica oacompanhamento das famlias e tambm em uma prerrogativa de identificar aqueles que

    podem participar e se inserir em alguma poltica pblica e seus programas, ou seja, ocontrole se manifesta atravs das famlias j cadastradas e referenciadas, mas tambmnaquelas em ainda no participam de alguma ao de combate s desigualdades sociais,implicando em uma busca em identificar tais grupos sociais.

  • 7/24/2019 Rafael-rossi Territorio Politicas Publicas

    16/18

    49

    Outros elementos e caractersticas do conceito de territrio podem ser problematizadostendo como referencia os CRAS, como por exemplo: as malhas, os tecidos e os ns deRaffestin (1993). O prprio CRAS se constitui em um n enquanto equipamento

    pblico localizado em um territrio (em produo historicamente e por diversos agentes,dentre eles o Estado) em que as famlias esto submetidas aos processos excludentes.

    As malhas, por sua vez, podem ser entendidas atravs do trabalho de articulao e deintersetorialidade (como apontado na PNAS/2004) na disseminao de informaes edados sobre os territrios, envolvendo vrias instituies, ou vrios ns territoriais.

    Os tecidos constituem-se em estratgias e intervenes e confluem-se emmaterializaes concretas das polticas pblicas em seu processo de implementao eterritorializao, apontando desafios, obstculos e potencialidades elaborao denovas aes. Assim nos CRAS a perspectiva territorial a partir da busca pela anlise doterritrio real e concreto, encontra neste equipamento pblico, possibilidades de seampliar e efetivar, tendo a Geografia arsenal tcnico-metodolgico de investigao ereflexo que permite nos debruar sobre essa temtica.

    CONSIDERAES FINAIS A RESPEITO DO DEBATE TERRITORIAL NASPOLTICAS PBLICAS A PARTIR DA LEITURA GEOGRFICA

    O desafio que se coloca e que podemos observar d-se de maneira territorial, ou melhor,territorializada; visto que entendemos as aes e mecanismos de vigilncia, proteo e

    busca (elencados pela Secretria da Assistncia Social) como estratgias deterritorializao da poltica pblica, que de diversas e mltiplas atividades emecanismos pretende combater o processo de excluso social, a partir de umaarticulao com outras reas de interveno pblica e no somente a partir daAssistncia Social.

    Partindo desse ponto de vista, o territrio necessariamente implica em relaes depoder, em organizao, em disputa, em grupos, em tendncias, em redes e conexes, eem especial, em fora e disposio para combater outras territorialidades. Devemosrealizar um esforo de retornar ao territrio, visto que este o elemento basilar da

    prtica poltica, onde se percebem interesses coletivos, pertencimentos e a mobilizaode foras para promoo da mudana: O territrio significa, portanto, uma marca euma matriz daquilo que verdadeiramente somos e do que queremos para as novasgeraes de cidados (Barbosa, 2010); parafraseando o mesmo autor: o territrio uma dimenso poltica do ser-no-mundo.

    A articulao dos princpios de intersetorialidade, descentralizao e territorializaocondizente com cada territrio. Isso ocorre, pois cada um destes possui necessidadesespecficas, que variam de uma para outra, embora em todas as aqui discutidas esteja

    presente o processo de excluso social. Dessa maneira, um territrio pode necessitaruma articulao intersetorial entre os servios oferecidos pela Secretaria de Educao ea da Sade, sendo que outro pode necessitar de uma articulao entre a AssistnciaSocial e a Secretaria de Planejamento. Tal compreenso se estrutura a partir do conceitode territrio, ou seja, a perspectiva territorial nas polticas pblicas possibilita

    problematizar uma articulao especfica em cada territrio que se pretende intervir,justamente em decorrncia desse procedimento investigativo, se encontra a necessidade

  • 7/24/2019 Rafael-rossi Territorio Politicas Publicas

    17/18

    50

    em conhec-lo, para avanar tambm em uma interveno multidimensionalreferenciada territorialmente.

    BIBLIOGRAFIA

    BOTTOMORE, T. Dicionrio do Pensamento Marxista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,2001.

    BRIGHENTI, A. M. On territoriology: Towards a general science of territory. Theory,Culture and Society, 2010, vol. 27, n 1, p. 52-72.

    CARLOS, A. F. A.Diferenciao Socioespacial.In: Revista Cidades, v.4, n.6, p. 50-72,2007.

    CASTRO, I. E. Instituies e territrio. Possibilidades e limites ao exerccio da

    cidadania.Rev. Geosul, 2003, vol. 18, n 36, p.7-28.

    COUTINHO, C. N. A Democracia como valor universal e outros ensaios. Rio deJaneiro: Salamandra, 1984.

    CORRA, R. L. O Espao Urbano. So Paulo: Bom Livro, 1989.

    GRAMSCI, A. Maquiavel, a Poltica e o Estado Moderno.Rio de Janeiro: CivilizaoBrasileira, 1976.

    GREGORY, D. et al. The Dictionary of Human Geography. 5 Ed. London: BlackwellPublishing, 2009.

    PEREIRA, T. D. Poltica Nacional de Assistncia Social e territrio : enigmas docaminho.Rev. Katl, 2010, vol. 3, n 2, p.191-200.

    RAFFESTIN, C.Por uma Geografia do Poder. So Paulo: tica, 1993.

    SACK, R. D. The Human Territoriality: Its theory and history. Cambridge: CambridgeUniversity Press, 1986.

    SAQUET, M. A., SPOSITO, E. S. e RIBAS, DOMINGUES, A. (Orgs). Territrio edesenvolvimento: diferentes abordagens.3 ed. Francisco Beltro/PR: UNIOESTE, v.1000, 2004. 172 p.

    SECCHI, L. Polticas Pblicas: Conceitos, esquemas de analise, casos prticos.Cengage Learning, 2010.

    SOUZA, M. L. Mudar a Cidade, uma introduo crtica ao planejamento e gestourbanos, Rio de Janeiro: Bertand Brasil, 2002.

    YASBEK, C. et al. O sistema nico de Assistncia Social no Brasil: uma realidade em

    movimento.So Paulo: Editora Cortez, 2010.

  • 7/24/2019 Rafael-rossi Territorio Politicas Publicas

    18/18

    51

    FONTES ELETRNICAS UTILIZADAS

    BARBOSA, J. L. Cidade e Territrio: desafios da reinveno poltica do espaopblico. 2010. Disponvel em:. [ltimo acesso em 08 de Agosto de 2011. 1 p.].

    BRASIL.Poltica Nacional de Assistncia Social. 2004. Disponvel em:. [ltimo acesso em: Agostode 2012. 59 p.].

    SANTOS, M. M. S. e BARROS, S. A. Poltica Nacional de Assistncia Social:impasses e desafios postos pela perspectiva socioterritorial e suas expresses nos

    Centros de Referncia de Assistncia Social - CRAS. Anais da V JornadaInternacional de Polticas Pblicas, Universidade Federal do Maranho, de 23 a 26 deAgosto de 2011, p. 01-08. Disponvel em:

    .[ltimo acesso: Agosto de 2012].

    SILVA, P. L. B. e MELO, M. A. B. O processo de implementao de polticas pblicasno Brasil: Caractersticas e determinantes da avaliao de Programas e Projetos.Universidade Estadual de Campinas, Caderno n 48, p. 1-17, 2000. Disponvel em:. [ltimo acesso em 10 de Julho de 2011].

    Copyright Rafael Rossi, 2013.

    Copyright GeoGraphos, 2013.

    http://www.observatoriodefavelas.org.br/observatoriodefavelas/acervo/view_text.php?id_text=18http://www.observatoriodefavelas.org.br/observatoriodefavelas/acervo/view_text.php?id_text=18http://www.sedest.df.gov.br/sites/300/382/00000877.pdfhttp://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinpp2011/CdVjornada/JORNADA_EIXO_2011/POLITICAS_PUBLICAS_PARA_OS_TERRITORIOS_POVOS_E_COMUNIDADES_TRADICIONAIS/POLITICA_NACIONAL_DE_ASSISTENCIA_SOCIAL.pdfhttp://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinpp2011/CdVjornada/JORNADA_EIXO_2011/POLITICAS_PUBLICAS_PARA_OS_TERRITORIOS_POVOS_E_COMUNIDADES_TRADICIONAIS/POLITICA_NACIONAL_DE_ASSISTENCIA_SOCIAL.pdfhttp://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinpp2011/CdVjornada/JORNADA_EIXO_2011/POLITICAS_PUBLICAS_PARA_OS_TERRITORIOS_POVOS_E_COMUNIDADES_TRADICIONAIS/POLITICA_NACIONAL_DE_ASSISTENCIA_SOCIAL.pdfhttp://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinpp2011/CdVjornada/JORNADA_EIXO_2011/POLITICAS_PUBLICAS_PARA_OS_TERRITORIOS_POVOS_E_COMUNIDADES_TRADICIONAIS/POLITICA_NACIONAL_DE_ASSISTENCIA_SOCIAL.pdfhttp://www.nepp.unicamp.br/http://www.nepp.unicamp.br/http://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinpp2011/CdVjornada/JORNADA_EIXO_2011/POLITICAS_PUBLICAS_PARA_OS_TERRITORIOS_POVOS_E_COMUNIDADES_TRADICIONAIS/POLITICA_NACIONAL_DE_ASSISTENCIA_SOCIAL.pdfhttp://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinpp2011/CdVjornada/JORNADA_EIXO_2011/POLITICAS_PUBLICAS_PARA_OS_TERRITORIOS_POVOS_E_COMUNIDADES_TRADICIONAIS/POLITICA_NACIONAL_DE_ASSISTENCIA_SOCIAL.pdfhttp://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinpp2011/CdVjornada/JORNADA_EIXO_2011/POLITICAS_PUBLICAS_PARA_OS_TERRITORIOS_POVOS_E_COMUNIDADES_TRADICIONAIS/POLITICA_NACIONAL_DE_ASSISTENCIA_SOCIAL.pdfhttp://www.sedest.df.gov.br/sites/300/382/00000877.pdfhttp://www.observatoriodefavelas.org.br/observatoriodefavelas/acervo/view_text.php?id_text=18http://www.observatoriodefavelas.org.br/observatoriodefavelas/acervo/view_text.php?id_text=18