Racismo

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BRUNO MORENO REPÓRTER O recente episódio em que o meio-de-rede do Cru- zeiro, Renato Felizardo, acu- sou um torcedor do Olympi- co de tê-lo chamado de “ma- caco”, em uma partida válida pelo Campeonato Mineiro de Vôlei, no último sábado, reacendeu a discussão do ra- cismo no meio esportivo. An- tes reser vado aos campos de futebol, principalmente en- tre jogadores, o principal sus- peito de ter feito as declara- ções agora é um dirigente, o vice-presidente administrati- vo do Olympico, que deveria, no mínimo, preservar os prin- cípios do Estatuto do Torce- dor, que abomina qualquer declaração racista. Apesar de o racismo ser crime inafiançável e impres- critível no Brasil desde a pro- mulgação da Constituição da República, em 1988, não é isso o que ser vê no meio es- portivo. Dos sete episódios que tiveram repercussão na imprensa desde 2005, nin- guém foi condenado e em apenas um deles o acusado foi preso. Em outro caso, o acusado fez acordo com o Mi- nistério Público. Um ainda está sendo investigado pela Polícia Civil, dois tiveram a queixa retirada e em outros dois não houve sequer regis- tro do boletim de ocorrência. Entretanto, se depender de Renato Felizardo, este epi- sódio não ficará impune. Já o Olympico emitiu nota desa- provando qualquer atitude racista. Entretanto, a assesso- ria de imprensa do clube afir- mou que o suposto agressor não foi punido, uma vez que ele não teria sido identifica- do. Mas segundo informa- ções da delegação cruzeiren- se, o agressor seria Rômulo Rocha Mesquita. No Brasil, o único agres- sor que saiu algemado de um estádio foi o zagueiro argenti- no Leandro Desábato, então jogador do Quilmes, acusa- do pelo atacante Grafite, na época são-paulino, de tê-lo chamado de “negrinho” e “macaco”. No dia 13 de abril de 2005, em partida válida pe- la Copa Libertadores, o São Paulo venceu o Quilmes, por 3 a 1, no Morumbi, Desábato saiu do estádio algemado, dormiu duas noites na ca- deia e foi solto após pagamen- to de fiança de R$ 10 mil. Em seguida, Grafite retirou a queixa. O outro acusado de ter co- metido racismo em campos de futebol, e que sofreu puni- ção, foi o zagueiro Antônio Carlos Zago, que defendia o Juventude na época. No dia 5 de março de 2006, quando seu time empatou com o Grê- mio, em 2 a 2, na disputa do Campeonato Gaúcho, no Olímpico, ele foi acusado pe- lo volante Jeovânio, do Grê- mio, de tê-lo chamado de “macaco”, além de ter esfre- gado os dedos no antebraço, indicando a cor da pele do ad- versário. Primeiro, o Tribunal de Justiça Desportiva do Rio Grande do Sul o suspendeu preventivamente por 60 dias. Depois, no dia 12 de abril daquele ano, o zagueiro foi denunciado pelo Ministé- rio Público (MP) gaúcho, por crime de preconceitos de ra- ça ou de cor. Entretanto, o MP fez um acordo com o joga- dor, em que ele teve que im- primir e distribuir dez mil panfletos com a frase “So- mos Todos Iguais, Diga Não ao Racismo” em eventos es- portivos realizados em Ca- xias do Sul, onde fica o time em que jogava. Além disso, não pôde se ausentar de Ca- xias por mais de 30 dias sem autorização judicial e teve que se apresentar, mensal- mente, em juízo. De 2005 até hoje, apenas um caso de racismo foi regis- trado em Minas Gerais em are- nas esportivas. Foi no dia 24 de junho do ano passado, quando o Cruzeiro venceu o Grêmio por 3 a 1, no jogo de ida da semifinal da Copa Li- bertadores, no Mineirão. Du- rante a partida, o volante Eli- carlos acusou o argentino Ma- xi López, do Grêmio, de tê-lo chamado de “Macaquito”. Após o jogo, os dois foram pa- rar na delegacia do estádio. Depois, segundo a Polícia Ci- vil, o cruzeirense retirou a queixa. Além desse episódio, ou- tros dois não resultaram em nada, nem mesmo boletim de ocorrência. Em outubro de 2005, Tinga, do Internacio- nal, foi xingado pela torcida do Juventude com expres- sões racistas. A agressão foi registrada apenas na súmula do jogo. O outro momento foi vivido por Toró, do Fla- mengo. Em um jogo-treino com o Huracán, do Uruguai, em 2008, os flamenguistas acusaram o zagueiro Fernan- do Caballero de racismo. De- pois de muito bate-boca, o uruguaio pediu desculpas e nada foi feito. Esportes . Hoje EM DIA PÁGINA 1- BELO HORIZONTE, QUINTA-FEIRA, 30/9/2010 - [email protected] De sete casos de preconceito racial em arenas esportivas no Brasil, desde 2005, ninguém foi condenado a prisão Racismo no esporte não é punido Dos sete casos de racismo vividos por atletas no Brasil desde 2005, apenas um tem in- vestigação policial em anda- mento e outro ainda pode vi- rar processo - o do jogador de vôlei Renato Felizardo, agre- dido no último sábado, em Be- lo Horizonte. O caso que está mais pró- ximo de ser encaminhado à Justiça aconteceu na partida entre Palmeiras e Atlético- PR, dia 14 de abril deste ano, no Palestra Itália, quando o ti- me paulista venceu os para- naenses por 1 a 0. Naquela tar- de, o zagueiro Manoel, do Atlético-PR, garantiu que o também zagueiro Danilo cus- piu nele e o chamou de “maca- co”. Para descontar, Manoel pisou no adversário. Como punição, a Justiça Desportiva afastou Manoel por quatro jogos, por ato de hostilidade. Já Danilo pegou 11 jogos suspensão, mas cum- priu apenas cinco. Os outros seis foram trocados pela dis- tribuição de cestas básicas. Entretanto, na esfera crimi- nal, a Polícia Civil do Paraná está na fase de conclusão do inquérito e deve encaminhá- lo ao Ministério Público em poucas semanas. O preconceito racial no meio esportivo também ga- nhou as páginas dos jornais europeus e chamou a aten- ção da Fifa, que na Copa 2010, na África do Sul, lançou cam- panha contra a discrimina- ção. Antes, porém, a entidade havia organizado movi- mentos em jogos no Velho Continente, já que na Espa- nha e na Alemanha houve ca- sos de preconceito racial den- tro e fora de campo. O marco do preconceito entre brancos e negros foi na Olimpíada de 1936, em Ber- lim, quando o ditador nazista Adolf Hitler, que se preparava para a II Grande Guerra, se re- cusou a entregar as quatro medalhas de ouro ao norte- americano Jesse Owens, atle- ta negro e vencedor dos 100 e 200 metros rasos, do reveza- mento 4x100m e do salto em distância. Mas Hitler não viu a vitória do norte-americano, pois, ao saber que teria que apertar a mão de Cornelius Jo- hnson, também negro, que vencera no salto em altura, deixou o estádio. Owens também chocou a sociedade norte-americana, mergulhada no preconceito da segregação racial, só venci- da, parcialmente, no final da década de 1960, após o assassi- nato do líder negro Martin Lu- ther King Jr., em 1968. (B.M.) InquéritosobrecasonoPalestraItáliaestápertodeiràJustiça Apenas o argentino Desábato, do Quilmes, acusado de insultar o atacante Grafite, então jogador do São Paulo, em 2005, foi preso em flagrante, mas pagou fiança após dormir dois dias na cadeia O zagueiro Antônio Carlos fez acordo e teve que distribuir panfletos em eventos esportivos de Caxias Racismo é crime inafiançável e imprescritível no Brasil desde a Constituição de 1988 WLADIMIR DE SOUZA/AGÊNCIA GLOBO O argentino Máxi Lopes (E), do Grêmio, teve que prestar depoimento na delegacia do Mineirão CARLOS ROBERTO

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BRUNO MORENOREPÓRTER

O recente episódio emque o meio-de-rede do Cru-zeiro, Renato Felizardo, acu-sou um torcedor do Olympi-co de tê-lo chamado de “ma-caco”, em uma partida válidapelo Campeonato Mineirode Vôlei, no último sábado,reacendeu a discussão do ra-cismo no meio esportivo. An-tes reservado aos campos defutebol, principalmente en-tre jogadores, o principal sus-peito de ter feito as declara-ções agora é um dirigente, ovice-presidente administrati-vo do Olympico, que deveria,no mínimo, preservar os prin-cípios do Estatuto do Torce-dor, que abomina qualquerdeclaração racista.

Apesar de o racismo sercrime inafiançável e impres-critível no Brasil desde a pro-mulgação da Constituiçãoda República, em 1988, não éisso o que ser vê no meio es-portivo. Dos sete episódios

que tiveram repercussão naimprensa desde 2005, nin-guém foi condenado e emapenas um deles o acusadofoi preso. Em outro caso, oacusado fez acordo com o Mi-

nistério Público. Um aindaestá sendo investigado pelaPolícia Civil, dois tiveram aqueixa retirada e em outrosdois não houve sequer regis-tro do boletim de ocorrência.

Entretanto, se dependerde Renato Felizardo, este epi-sódio não ficará impune. Já o

Olympico emitiu nota desa-provando qualquer atituderacista. Entretanto, a assesso-ria de imprensa do clube afir-mou que o suposto agressornão foi punido, uma vez queele não teria sido identifica-do. Mas segundo informa-ções da delegação cruzeiren-se, o agressor seria RômuloRocha Mesquita.

No Brasil, o único agres-sor que saiu algemado de umestádio foi o zagueiro argenti-no Leandro Desábato, entãojogador do Quilmes, acusa-do pelo atacante Grafite, naépoca são-paulino, de tê-lochamado de “negrinho” e“macaco”. No dia 13 de abrilde 2005, em partida válida pe-la Copa Libertadores, o SãoPaulo venceu o Quilmes, por3 a 1, no Morumbi, Desábatosaiu do estádio algemado,dormiu duas noites na ca-deia e foi solto após pagamen-to de fiança de R$ 10 mil. Emseguida, Grafite retirou aqueixa.

O outro acusado de ter co-

metido racismo em camposde futebol, e que sofreu puni-ção, foi o zagueiro AntônioCarlos Zago, que defendia oJuventude na época. No dia 5de março de 2006, quandoseu time empatou com o Grê-mio, em 2 a 2, na disputa doCampeonato Gaúcho, noOlímpico, ele foi acusado pe-lo volante Jeovânio, do Grê-mio, de tê-lo chamado de“macaco”, além de ter esfre-gado os dedos no antebraço,indicando a cor da pele do ad-versário.

Primeiro, o Tribunal deJustiça Desportiva do RioGrande do Sul o suspendeupreventivamente por 60dias. Depois, no dia 12 deabril daquele ano, o zagueirofoi denunciado pelo Ministé-rio Público (MP) gaúcho, porcrime de preconceitos de ra-ça ou de cor. Entretanto, oMP fez um acordo com o joga-dor, em que ele teve que im-primir e distribuir dez milpanfletos com a frase “So-mos Todos Iguais, Diga Não

ao Racismo” em eventos es-portivos realizados em Ca-xias do Sul, onde fica o timeem que jogava. Além disso,não pôde se ausentar de Ca-xias por mais de 30 dias sem

autorização judicial e teveque se apresentar, mensal-mente, em juízo.

De 2005 até hoje, apenasum caso de racismo foi regis-trado em Minas Gerais em are-nas esportivas. Foi no dia 24de junho do ano passado,quando o Cruzeiro venceu o

Grêmio por 3 a 1, no jogo deida da semifinal da Copa Li-bertadores, no Mineirão. Du-rante a partida, o volante Eli-carlos acusou o argentino Ma-xi López, do Grêmio, de tê-lochamado de “Macaquito”.Após o jogo, os dois foram pa-rar na delegacia do estádio.Depois, segundo a Polícia Ci-vil, o cruzeirense retirou aqueixa.

Além desse episódio, ou-tros dois não resultaram emnada, nem mesmo boletimde ocorrência. Em outubrode 2005, Tinga, do Internacio-nal, foi xingado pela torcidado Juventude com expres-sões racistas. A agressão foiregistrada apenas na súmulado jogo. O outro momentofoi vivido por Toró, do Fla-mengo. Em um jogo-treinocom o Huracán, do Uruguai,em 2008, os f lamenguistasacusaram o zagueiro Fernan-do Caballero de racismo. De-pois de muito bate-boca, ouruguaio pediu desculpas enada foi feito.

Esportes .Hoje EM DIA

PÁGINA 1- BELO HORIZONTE, QUINTA-FEIRA, 30/9/2010 - [email protected]

De sete casos de preconceito racial em arenas esportivas no Brasil, desde 2005, ninguém foi condenado a prisão

Racismo no esporte não é punido

Dos sete casos de racismovividos por atletas no Brasildesde2005, apenasum temin-vestigação policial em anda-mento e outro ainda pode vi-rar processo - o do jogador devôlei Renato Felizardo, agre-dido no último sábado, emBe-lo Horizonte.

O caso que está mais pró-ximo de ser encaminhado àJustiça aconteceu na partidaentre Palmeiras e Atlético-PR, dia 14 de abril deste ano,no Palestra Itália, quando o ti-me paulista venceu os para-naenses por 1 a 0. Naquela tar-de, o zagueiro Manoel, doAtlético-PR, garantiu que otambém zagueiro Danilo cus-piu nele e o chamou de “maca-co”. Para descontar, Manoelpisou no adversário.

Como punição, a JustiçaDesportiva afastou Manoelpor quatro jogos, por ato de

hostilidade. Já Danilo pegou11 jogos suspensão, mas cum-priu apenas cinco. Os outrosseis foram trocados pela dis-tribuição de cestas básicas.Entretanto, na esfera crimi-nal, a Polícia Civil do Paranáestá na fase de conclusão doinquérito e deve encaminhá-lo ao Ministério Público empoucas semanas.

O preconceito racial nomeio esportivo também ga-nhou as páginas dos jornaiseuropeus e chamou a aten-ção da Fifa, que na Copa 2010,na África do Sul, lançou cam-panha contra a discrimina-ção. Antes, porém, a entidadejá havia organizado movi-mentos em jogos no VelhoContinente, já que na Espa-nha e na Alemanha houve ca-sos de preconceito racial den-tro e fora de campo.

O marco do preconceito

entre brancos e negros foi naOlimpíada de 1936, em Ber-lim, quando o ditador nazistaAdolf Hitler, que se preparavapara a II Grande Guerra, se re-cusou a entregar as quatromedalhas de ouro ao norte-americano Jesse Owens, atle-ta negro e vencedor dos 100 e200 metros rasos, do reveza-mento 4x100m e do salto emdistância. Mas Hitler não viua vitória do norte-americano,pois, ao saber que teria queapertar a mão de Cornelius Jo-hnson, também negro, quevencera no salto em altura,deixou o estádio.

Owens também chocou asociedade norte-americana,mergulhada no preconceitoda segregação racial, só venci-da, parcialmente, no final dadécadade1960,após o assassi-natodo líder negro Martin Lu-ther King Jr., em 1968. (B.M.)

InquéritosobrecasonoPalestraItáliaestápertodeiràJustiça

Apenas o argentino Desábato, do Quilmes, acusado de insultar o atacante Grafite, então jogador do São Paulo, em 2005, foi preso em flagrante, mas pagou fiança após dormir dois dias na cadeia

O zagueiro AntônioCarlos fez acordo eteve que distribuir

panfletos em eventosesportivos de Caxias

Racismo é crimeinafiançável e

imprescritível noBrasil desde a

Constituição de 1988

WLADIMIR DE SOUZA/AGÊNCIA GLOBO

O argentino Máxi Lopes (E), do Grêmio, teve que prestar depoimento na delegacia do Mineirão

CARLOS ROBERTO