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    Intercom Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da ComunicaoXV Congresso de Cincias da Comunicao na Regio Sudeste Vitria, ES 13 a 15 de maio de 2010

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    Seguros por terra, cu e mar: o efeito Pan nas representaes miditicas do jornalO Globo

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    Ricardo Ferreira FREITAS2Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ

    Vania Oliveira FORTUNA3Universidade Veiga de Almeida - UVA

    Resumo

    O Brasil oferece pequenos, mdios e grandes eventos artsticos, esportivos e denegcios. O Rio de Janeiro diariamente retratado pela mdia como perigoso einseguro. O trfico de drogas representado como um poder paralelo ao pblico. Asegurana pblica tida como truculenta e ineficiente. Entretanto, os jogos Pan-

    Americanos surgem como uma gigantesca onda que invade as ruas e a mdia. A forapolicial diariamente legitimada. As narrativas dizem que a cidade est segura porterra, cu e mar. Comea um perodo mtico. Parece que vivemos sob uma atmosferadiferente, mais leve. um tempo curto, mas intensamente vivido e inscrito na memria. a anlise desse entrelaamento de discursos que investigamos nas pginas do jornal OGlobo durante o Pan no Rio.

    Palavras-chave: megaevento; violncia urbana; sociabilidade; mdia; O Globo.

    As megalpoles so povoadas por mensagens em todos os seus recantos [...] omundo da autoridade da comunicao e da transfigurao do poltico dois

    campos que se entrecruzam tanto nos espaos fsicos quanto nos virtuais. Noentanto, a ambivalncia das comunhes comunitrias ps-modernas, em que olugar faz o elo, pode abrigar manifestaes das mais diversas ordens em nomedo prazer ou da dor, como nos grandes eventos artsticos, esportivos, poltico-partidrios e mesmo religiosos. (FREITAS e NACIF, 2005, p. 7).

    O encontro do megaevento com a mdia um dos pontos importantes que devem

    ser observados quando se deseja desvendar alguns dos mistrios que permeiam uma

    cidade enquanto sede de um grande evento. Ambos evoluram de mos dadas, se

    1Trabalho apresentado no DT 7 Comunicao, Espao e Cidadania do XV Congresso de Cincias da Comunicaona Regio Sudeste realizado de 13 a 15 de maio de 2010.

    2 Professor adjunto da Faculdade de Comunicao Social da UERJ. Ps-doutorado em comunicao peloCEAQ/Sorbonne (2007), doutorado em sociologia pela Universidade Ren Descartes-Paris (1993), mestrado emcomunicao e cultura pela ECO-UFRJ e graduado em relaes pblicas pela UERJ. autor de Centrescommerciaux: les urbaneis de la postmodernit, LHamattan, Paris. [email protected]

    3 Professora do curso de Comunicao Social da Universidade Veiga de Almeida, mestrado em comunicao pelaUERJ, especializao em comunicao empresarial pela Universidade Candido Mendes e graduada em jornalismo

    pela Universidade Estcio de S. [email protected]

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    estruturando conforme o avano tecnolgico. Eles se relacionam e se inscrevem no

    espao urbano, produzindo experincias comunicativas. A cidade o palco dos

    contrastes, do encontro das diferenas. Suas ruas assistem o vai e vem de pessoas que

    tm vises opostas do mundo, estilos diferentes de vida, corpos que se misturam s

    arquiteturas antigas e modernas que parecem falar aos nossos ouvidos. So vozes,olhares e sensaes que constituem a polifonia de uma cidade, que enchem de sentido

    os panoramas metropolitamos, privilgios de uma comunicao urbana identificada e

    deliciosamente descrita por Massimo Canevacci (2004).

    Michel Maffesoli (2005) atribui especial importncia observao de grandes

    ajuntamentos e dos excessos caractersticos das efervescncias sociais. Nestes eventos

    desenvolve-se um tipo de sociabilidade onde no se deseja compreender, nem conhecer

    profundamente o outro, saber dos seus atributos pessoais ou financeiros. Por algumas

    horas ou alguns dias os problemas do cotidiano ficam em segundo plano, pois oprimeiro encontrar os amigos, se unir ao desconhecido e danar junto, torcer junto ou

    at reclamar junto. Tanto faz. O importante estar junto. Revela-se, para o autor, um

    caminho ousado, mas muito interessante para os estudos da sociedade contempornea.

    Festas, celebraes e rituais sempre estiveram presentes em diferentes culturas,

    desde as mais primitivas. A denominao mega dos eventos explicada por Malena

    Segura Contrera e Marcela Moro como um recurso publicitrio que seduz o pblico

    concentrao massiva em um mesmo espao. A estrutura e a intensidade das festas e

    celebraes foram modificadas na Modernidade, dentro do contexto da cultura de massa

    e da esttica por ela imposta. O sculo XX consolidou uma nova percepo do mundo

    proposta por um cotidiano repleto de urgncias. O homem contemporneo recebe

    estimulaes nervosas e mergulha numa profuso de imagens e textos, hiperestmulo

    da nova dinmica da vida humana urbana, permeada pela velocidade associada

    multiplicao desenfreada dos contatos mediatizados (2009, p. 2).

    O Brasil, e em especial o Rio de Janeiro, vive um momento rico para essa

    discusso j que megaevento virou palavra de ordem e at sinnimo de esperana de

    melhorias no cotidiano da populao devido ao to falado legado deixado. A Copa de

    2014 e as Olimpadas de 2016 ocupam boa parte dos discursos e dos argumentos dos

    polticos brasileiros e tambm dos noticirios de todo o pas.

    Tratando-se de Rio de Janeiro, a violncia urbana um tema recorrente na

    mdia. As representaes que hoje so feitas do homem, da violncia e das instituies

    que os cerca so em sua grande maioria construdas pelos meios de comunicao de

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    massa. Esses discursos, que tm ampla visibilidade, nomeiam e classificam as prticas

    sociais, produzindo significados. A imagem do Rio est associada violncia, mas a

    cidade e os megaeventos continuam atraindo milhes de pessoas de todo o mundo.

    Pensando nisso, estabelecemos uma relao entre megaeventos, violncia e mdia.

    Neste artigo, interessa-nos analisar como O Globo trata a violncia urbana emtempos de megaeventos; perceber a representao da imagem da cidade neste perodo;

    interpretar as apropriaes dos materiais simblicos e como tudo isso se reflete no

    espao pblico. Para isso, trabalhamos com o estudo das representaes da violncia no

    Rio de Janeiro atravs da anlise das narrativas do jornal O Globoem julho de 2007,

    ms em que a cidade sediou os Jogos Pan-Americanos. Percebemos um paradoxo nas

    pginas deste jornal: enquanto diariamente elas nos mostram um Rio violento e

    inseguro, durante um megaevento o discurso padronizado se entrelaa de forma

    relevante com narrativas que oferecem outra cidade, bastante segura, legitimandorepetidamente a segurana pblica. Um novo e temporrio imaginrio urbano

    construdo. O cenrio parece perfeito, um sedutor convite aos jogos, s ruas,

    sociabilidade que pulsa nas efervescncias sociais.

    Ao escolhermos O Globopara ilustrar esse debate, consideramos a importncia

    do veculo no cenrio fluminense e nacional, conscientes da sua fora na construo da

    opinio pblica. Tentamos tambm demonstrar que o jornal no foge, em nenhum

    momento, lgica do mercado, atribuindo o valor-notcia quilo que efetivamente

    vende. Neste caso, o que vende a violncia (ou a surpreendente ausncia dela) e as

    festas de grande porte.

    A experincia com o Pan de 2007 nos alerta para a efemeridade dos aspectos

    positivos conseqentes ao megaevento. O mesmo jornal O Globo, aps o Pan, continua

    explorando as obras inacabadas e os erros cometidos no evento, mas no deixa de apoiar

    abertamente as estratgias para o Rio de Janeiro sediar as Olimpadas de 2016, ao

    mesmo tempo que ocupa suas pginas com as maravilhas que sero vividas na cidade na

    poca da final da Copa de 2014, quando o Maracan sediar a partida final do

    campeonato. Entre hipocrisias, verdadeiras esperanas e desafios cotidianos, que vo

    alm do megaevento, cabe academia refletir um pouco mais sobre esse panorama.

    Essa a nossa proposta fundamental.

    Sob a proteo do Pan: o megaevento movimenta a mdia

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    Entre 13 e 29 de julho de 2007, o Rio de Janeiro sediou os Jogos Pan-

    Americanos, considerados o maior evento realizado no Brasil desde 1963, quando

    houve o Pan em So Paulo. Obviamente a cidade no pra, mas assiste, ora

    entusiasmada ora preocupada, sua rotina se transformar num turbilho de novos

    acontecimentos. A mdia prioriza o megaevento, reduzindo substancialmente o espaonormalmente destinado a outros temas. As pessoas nas ruas, em casa, no trabalho,

    praticamente s falam disso, at porque a todo instante recebem novas informaes que

    incrementam as conversaes. So as narrativas cotidianas impregnadas pela mdia,

    debatendo e criando expectativas sobre tudo que pode ou vai acontecer durante esse

    perodo.

    H um clima diferente no ar. Algumas mudanas podem ser facilmente

    apontadas, como as novas estratgias de segurana pblica, por exemplo; outras nem

    tanto, como a vontade, de que nos fala Canclini na citao da epgrafe, de superar asdiferenas e vivenciar com o outro um momento de confraternizao. Essas alteraes

    no comportamento social so em muito influenciadas pelas representaes miditicas.

    No estudo de que trata este artigo, nossa observao inicial de que as narrativas do

    jornal O Globo sobre violncia tambm se apresentaram de maneira diferente,

    influenciadas por uma metamorfose passageira que movimenta o cotidiano, o perodo

    do Pan.

    Diariamente, as narrativas sobre violncia se repetem nas pginas do jornal O

    Globo, que representa o espao pblico como um lugar onde proliferam o medo e a

    insegurana. A cidade do Rio de Janeiro focalizada como palco de constantes conflitos

    urbanos cuja conseqncia a vitimizao da populao. Entretanto, no ms em que

    foram realizados os Jogos Pan-Americanos percebemos que essas mesmas pginas

    protagonizaram um paradoxo: o Rio foi representado dia aps dia e simultaneamente

    ora como uma cidade violenta - uma cidade dos medos, ora como uma cidade segura -

    uma cidade dos sonhos. No percebemos mais uma cidade, mas duas em uma, ou

    melhor, vrias em uma. o efeito Pan interferindo no ato de narrar. Nosso corpusde

    anlise so as matrias publicadas na Editoria Rio e no Caderno Esportes Rio 2007entre

    os dias 01 e 31 de julho de 2007.

    Repetitivas e fragmentadas, as narrativas sobre o trfico de drogas diariamente

    se destacam nas pginas do jornal O Globo. Em julho de 2007, no foi diferente. Suas

    representaes circularam alimentando a insegurana que decorre da violncia presente

    no espao urbano contemporneo. Diferente foram essas representaes circularem

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    paralelamente com outras que diziam o contrrio, como veremos mais frente. Segundo

    Maffesoli, Existe, com efeito importante fris-lo -, um vaivm constante entre os

    esteretipos da vida de todos os dias e os arqutipos, enraizados na memria coletiva, e

    muito bem ilustrados pelos mitos, contos e lendas (2004, p. 96).

    Para manter o poder simblico Contrera afirma que a mdia se utiliza de umaforte esttica do espetculo (2002, p. 51), preocupando-se, muitas vezes, mais com a

    forma da informao do que com a qualidade de um discurso contextualizado. Na busca

    frentica pela visibilidade a mdia adquiriu um carter narcisista. A autora relaciona esta

    questo busca tambm frentica pelo entretenimento. A sociedade estaria atrada mais

    por jogos competitivos do que por interaes ldicas. Contrera prope sua reflexo

    sobre a influncia da imagem-mercadoria e da informao-mercadoria como uma

    ferramenta tpica da cultura de uma sociedade do espetculo, expresso que a autora

    toma emprestado de Guy Debord. Este autor relaciona a decadncia social cultura demassa, situando o espetculo dentro de um cenrio de capitalismo avanado, que exerce

    controle sobre a vida cotidiana.

    A mdia um lugar privilegiado para se criar padres. O Globo, h alguns anos,

    mantm um discurso que associa o Rio de Janeiro violncia. Entretanto, a realizao

    dos Jogos Pan-Americanos estabeleceu novos rumos ao seu discurso. As narrativas

    padronizadas foram invadidas por outras vozes. Vozes que representam interesses

    diversos e todo um investimento socioeconmico planejado, com anos de antecedncia,

    para a produo do Pan, ao inerente a qualquer megaevento. A mdia brasileira, cujo

    apoio era determinante para a imagem do evento, precisava construir um imaginrio que

    criasse as melhores expectativas para a cidade.

    O Pan deixou a cidade com quase tudo o que o carioca quer: o Rio recebeuinvestimentos, passou a ter os estdios mais modernos do pas, comprovou suacapacidade de organizar eventos internacionais, voltou a ser o centro dasatenes e lanou moda tudo isso sem os temidos engarrafamentos eepisdios de violncia. (O Globo, 29/07/07, p. 11).

    Do caos tranquilidade: as representaes miditicas do jornal O Globo

    No dia 2 de julho, uma reportagem sobre a inaugurao do Estdio Joo

    Havelange (o Engenho), um dos equipamentos esportivos construdos para os jogos,

    apresenta uma relao do que foi aprovado e reprovado, pelo jornal, durante o evento. A

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    segurana encabea a lista dos aprovados: O policiamento ostensivo com 750 homens

    da PM e da Fora Nacional teve apoio at de um helicptero. O esquema foi mantido

    por horas depois da sada das torcidas. A PM agiu rapidamente no incio das brigas e

    tumultos.

    Os nossos top gun4Ases indomveis: pilotos do policiamento areo j mapearam toda a cidadeOs cus do Rio tero, durante o Pan, um esquadro areo.[...] ele reforado por 65 policiais civis e militares de 25 estados e do distritofederal.[...] 24 helicpteros e planadores j sobrevoa a cidade em operaes detreinamento e reconhecimento h aproximadamente dois meses. (O Globo,Esportes Rio 2007, 04/07/07, p.14).

    PMs, agora, de moto e com fuzilCinco equipes do novo grupamento motorizado comeam a patrulhar Av.BrasilA primeira turma de 40 policiais se formou no ms passado, especificamente,

    para atuar nos Jogos Pan-Americanos. (O Globo, 14/07/07, p. 19)

    Ces da Guarda j atuam no policiamentoA partir de agora, os Jogos Pan-Americanos vo dar um trabalho de co, pelomenos para 20 dos 46 pastores alemes da Guarda Municipal que vo patrulharas reas externas das competies. (O Globo, Esportes Rio 2007, 19/07/07, p.12).

    Alm de especificar diariamente quantos homens, animais e veculos esto

    envolvidos em cada estratgia de proteo, a repetio dos advrbios agora e j nos

    apresenta a idia de que todo planejamento de segurana est efetivamente sendoexecutado e obtendo resultados positivos antes mesmo da abertura dos jogos. O Rio de

    Janeiro est sendo arrumado para viver dias de tranqilidade. As narrativas tm

    poder distributivo e fora performativa (ela realiza o que diz) quando se tem um certo

    conjunto de circunstncias. Ela ento fundadora de espaos (CERTEAU, 1994, p.

    209). Percebemos, na fase que antecede os jogos, a elaborao de discursos de transio

    que tenta superar uma cidade dos medos e oferecer uma cidade dos sonhos, criando,

    dessa forma, um campo necessrio que, atravs da repetio, precede as representaes

    que vo se efetivar. Eis a precisamente o primeiro papel do relato. Abre um teatro delegitimidade a aes efetivas. Cria um campo que autoriza prticas sociais arriscadas e

    contingentes (Ibid., p. 210 e 211).

    4O grupo que integra a Avio Nacional de Segurana Pblica foi apelidado de Top guns do Pan, numa referncia aofilme Ases indomveis, uma produo norte-americana da dcada de 80, estrelada por Tom Cruise, que foi umgrande sucesso de bilheteria.

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    Em 08 de julho, temos uma pgina inteira que de forma espetacular anuncia O

    Rio em que o carioca sempre quis viver A cidade dos sonhos: Pan cria expectativa de

    ruas mais seguras e alegres, pelo menos enquanto jogos durarem. O enunciado de

    fundamental importncia para o discurso jornalstico, pois ele estimular os sentidosque

    comearo a dimensionar a leitura das narrativas. A espetacularizao da notcia j seevidencia na forma de enunciar.

    Imagine uma cidade segura, com mais policiamento. A babel de foras federais,estaduais e municipais trabalhando em sintonia. As pessoas andandodespreocupadas, como se o Rio tivesse recuado no tempo. Parece sonho? Podeser. Mas a expectativa dos cariocas para este julho atpico, aquecido pelosJogos Pan-Americanos, que atraem para a capital fluminense se no umbatalho de atletas e equipes de apoio como tambm um reforo de 13 milpoliciais, entre integrantes da Fora Nacional, agentes federais e PMs [...]Junte-se a essa expectativa de uma cidade mais tranqila uma esperada

    efervescncia de eventos, que acontecero paralelamente aos jogos, embora noestejam relacionados diretamente competio. (O Globo, Esportes Rio 2007,08/07/07, p. 10).

    O incio da narrativa parece nos convidar a fechar os olhos e deixar fluir a

    imaginao. Este relato no pretende se ajustar realidade, mas busca dar credibilidade

    ao texto atravs de um real que abre espao para a fico. Nesse sentido, ela se afasta

    do real ou melhor, ela aparenta subtrair-se conjuntura: era uma vez.... Deste

    modo, precisamente, mais que descrever um golpe, ela o faz (CERTEAU, Op. Cit., p.

    153). Notamos que mesmo diante de uma proposta mais descontrada de narrao, hlugar para a repetio do efetivo policial, caracterstica de redundncia identificada em

    todo o texto, alm de ser encontrada na maioria das matrias analisadas. Tambm so

    apresentados vrios depoimentos que atribuem credibilidade cidade, ao mesmo tempo

    em que se preocupam com o ps-Pan, sob o subttulo Perodo mtico como em 1992.

    A cidade vai viver mais um perodo mtico. Aposto todas as minhas filhas nacerteza de que os cariocas se sentiro muito mais seguros. Mas no podempensar que o problema da segurana se resolve apenas com homens e armas.

    (Geraldo Tadeu Monteiro, socilogo e professor da UERJ, O Globo, EsportesRio 2007, 08/07/07, p. 10).

    O Pan uma oportunidade para a gente ter um foco na segurana e no nainsegurana, como tem ocorrido. (Rubem Csar Fernandes, antroplogo ecoordenador do Viva Rio, O Globo, Esportes Rio 2007, 08/07/07, p. 10).

    Se eu fosse bandido, tiraria frias. Com esse esquema de policiamento, vai darat para andar de Rolex na rua. (Luiz Strauss de Campos, presidente da Abav,O Globo, Esportes Rio 2007, 08/07/07, p. 10).

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    Este procedimento mais uma estratgia para a instituio do real, pois, como

    afirma Certeau, citar o outro em seu favor , portanto, dar credibilidade aos simulacros

    produzidos num lugar particular (Op. Cit., p. 290). As narrativas so compostas com

    fragmentos tirados de histrias anteriores e bricolados num todo nico. Neste sentido,esclarecem a formao de mitos, como tambm a funo de fundar e articular espaos

    (Ibid., p. 208). Para organizar um espao diferente daquele que vinha sendo praticado,

    ou seja, para articular a imagem de um Rio de Janeiro perigoso em cidade segura, o ato

    de narrar foi decisivo, uma vez que ele criador e transformador de espaos e de

    relaes mutveis que neles se estabelecem.

    No dia 9, a matria intitulada Passeio tranqilo pelas ruas da Vila do Pan

    refere-se a um jornalista do O Globo que entrou na vila pela porta de sada, andou

    tranquilamente, conversou com vrias pessoas e foi embora sem ser abordado pelosagentes de segurana. Em 11 de julho, Entorno do estdio tomado por meninos de rua

    nos fala que do lado de fora do Maracan grupos de jovens se drogam e roubam

    pedestres. No dia 12, nibus do remo apedrejado na linha amarela quando ia para o

    treino na Lagoa Rodrigo de Freitas. Em meio aos elogios dirios segurana pblica

    encontramos estas crticas, comprovando que a mdia um fluxo, mas no

    ininterrupto maneira como vemos um rio, no fluxo contnuo; sucesso de

    diferentes pedaos sobrepostos, com brechas e falhas entrecruzadas (ANTUNES e

    VAZ, 2006, p. 52). como se voc estivesse caminhando por uma via de mo nica,

    neste caso, j vivendo sob a expectativa de uma cidade mais segura e, de repente, um

    veculo vem na contramo, trazendo de volta representaes do medo e da insegurana.

    O espao praticado pelo jornal dual, opera de diferentes formas e seguem, ao

    mesmo tempo, direes diferentes. E assim foi no dia da abertura dos jogos. A primeira

    pgina do caderno Esportes Rio 2007 tem pouco texto, mas integrado imagem do

    Cristo Redentor que ocupa a pgina inteira, representa a simbiose do megaevento com a

    cidade.

    Rio de Janeiro, gosto de vocValsa de uma cidade: o verso inicial de Ismael Netto e Antonio Maria umaconfisso de amor a uma cidade que hoje une os seus dois smbolos mximosem torno do Pan-Americano. Pela manh, a tocha ser abenoada pelo CristoRedentor. tarde, o Maracan ser palco da festa de abertura. Gosto dequem gosta, deste cu, deste mar, desta gente feliz... (O Globo, 13/07/07, p.1).

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    O texto estimula o transporte simblico para dois cones arquitetnicos da cidade

    que recebem o Pan ao som de uma das msicas mais representativas do Rio de Janeiro.

    Segundo John B. Thompson, a apropriao dos materiais simblicos permite aos

    indivduos se distanciarem das condies da vida cotidiana no literalmente, mas

    simbolicamente e imaginativamente (1998, p. 156), podendo viver experinciasdiferentes daquelas do dia-a-dia, ainda que parcialmente. Est oficialmente aberto o

    perodo denominado pelo O Globo de cidade dos sonhos, e sob esta rubrica

    encontramos Sob a proteo do Pan: reforo na segurana para os jogos reduz nmero

    de crimes como roubos de carros e homicdios. A matria apresenta uma comparao

    entre os nmeros da violncia no Rio, no perodo de 13 a 18 de julho em 2006 e 2007 5.

    Este levantamento, feito pelo prprio jornal, serve de embasamento para algumas

    afirmaes:

    A volta das cadeiras nas caladasA visvel melhoria da sensao de segurana mudou a rotina carioca. Atmesmo na 3 rea integrada de Segurana Pblica (Aisp), que engloba bairroscomo Mier, Engenho Novo, Piedade e Inhama. Na regio, que registrou osegundo maior ndice de roubos de veculos do estado em julho do ano passado,com 257 ocorrncias, j se podem ver cadeiras nas caladas, uma imagem tpicado subrbio de antigamente. (O Globo, 22/07/07, p. 18).

    Cariocas redescobrem o Rio em passeios a p depois que anoiteceA noite volta a ser uma criana no Rio. Com a polcia nas ruas para garantir asegurana do Pan, cariocas parecem ter superado o medo de circular a p pelacidade depois que escurece. Copacabana tem sido o melhor exemplo dessamudana de comportamento. [...] Embora em Copacabana a mudana decomportamento seja mais evidente, outros bairros da Zona Sul tambmganharam vida at mais tarde. [...] Os bons ventos da segurana sopram tambmna direo do estdio do Maracan, uma das principais instalaes do Pan. [...]E a certeza de que o Rio est mais seguro chegou ao outro lado da ponte. (OGlobo, 22/07/07, p. 19).

    Ttulos espetaculares, levantamentos estatsticos, frases que trazem tona um

    Rio de Janeiro dos sonhos, com cadeiras nas caladas e pessoas passeando

    tranquilamente pelas ruas noite, ingredientes de uma narrativa que deseja seduzir o

    leitor para um novo tempo, pois a experincia mediada uma experincia do outro, ela

    cultiva a faculdade de imaginao do indivduo, que se torna cada vez mais capaz de se

    ver no lugar do outro numa nova situao radicalmente diferente (THOMPSON, Op.

    5O ndice de todos os roubos caiu cerca de 35% na capital, em relao ao mesmo perodo do ano passado. A quedano nmero de roubos de veculos crimes que causaram tantas mortes no Rio nos ltimos anos e espalham terrorentre moradores chega a 46% nesses cinco dias. J os homicdios despencaram 36%. (O Globo, 22/07/07, p. 18)

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    Cit., p. 167). A forma de narrar demonstra que em meio a um universo de violncia que

    parece impedir toda possibilidade de fuga, existe uma ambincia de afeto e proteo que

    exibe uma nova representao do cotidiano, temporariamente pacificado. Imagens e

    textos produzem uma osmose com a alteridade uma espcie de distanciamento em

    relao identidade. Uma forma de disponibilidade para o outro. Uma predisposiopara a partilha de emoes (MAFFESOLI, 2007, p 107). O cenrio idealizado prope

    um convite sociabilidade, pois o medo est supostamente superado pela eficincia da

    segurana pblica. Entretanto, o fluxo miditico recua quando um pargrafo lembra o

    fim do evento:

    Mas, se a sensao de segurana virou consenso, um receio tambm: o de queeste Rio de Janeiro dos sonhos de qualquer carioca tenha data de validade: oprximo dia 29, quando termina o Pan e, teme-se, tambm o reforo dopoliciamento. (O Globo, 22/07/07, p. 19).

    A partir da, h seis depoimentos de pessoas que passeiam noite, em pontos

    diferentes da cidade, falando da alegria e da segurana do momento que esto vivendo,

    mas todos tm uma pergunta que no quer calar: e depois do Pan? A certeza do retorno

    do medo est explicita no prprio ttulo Sob a proteo Pan, ou seja, quando o evento

    terminar a proteo tambm termina e tudo ser como antes. No h futuro. H uma

    quebra temporria do presente provocada por fluxos repentinos, verdadeiras

    enchentes, que inundam os meios de comunicao em dado momento, ampliando a

    vazo de narrativas sobre determinados acontecimentos (ANTUNES e VAZ, Op. Cit.,

    p. 52), conforme demonstramos abaixo:

    Na cidade das maravilhas: turistas elogiam as belezas do Rio e a segurana,reforada por causa do Pan.

    Na cidade que tem uma das Sete Novas Maravilhas do Mundo, o turista estvendo um Rio bem diferente da realidade do dia-a-dia. O reforo no esquema desegurana, por causa dos Jogos Pan Americanos, transformou o Rio,temporariamente, numa cidade das maravilhas para seus visitantes. (O Globo,23/07/07, p. 12).

    Pesquisa: o Rio de alto astralTudo de bom: carioca aprova servios como segurana e transportes[...] Entre os quesitos de infra-estrutura analisados, com notas de zero a dez, asegurana ficou na frente, 7,2. [...] (O Globo, 28/07/07, p. 13).

    O Rio do Pan que j deixa saudade no cariocaMoradores dizem que sentiro falta da segurana, do trnsito tranquilo e daalegria na cidade durante os jogos. (O Globo, 29/07/07, p. 24).

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    O Rio do bem seguro, sem congestionamentos e, claro, de auto-estima elevada virou realidade nas duas ltimas semanas. Uma turma grande de cariocas jadmite que ficar rf desse Rio, at pouco tempo atrs utpico, e ningum querque o sonho termine junto com o Pan. (O Globo, 29/07/07, p. 24).

    O Rio de Pan: a sociabilidade das efervescncias sociais

    A festa um momento de trgua na realidade que nos impe obrigaes, deveres

    e a convivncia com problemas sociais que atormentam a nossa conscincia. Alba

    Zaluar e Marcos Alvito quando refletem sobre os significados atribudos favela entre

    os anos 20 e 80, falam que o os bairros pobres e as favelas do Rio de Janeiro tinham

    uma rivalidade pelo reconhecimento do melhor samba. Apesar de no excluir o conflito,

    essa rivalidade se expressava no carnaval e em competies esportivas, atestando a

    importncia da festa como forma de conflito e socialidade que prega a unio, a

    comensalidade, a mistura, o festejar como antdotos da violncia sempre presente, mas

    contida ou transcendida pela festa (2003, p. 20). As representaes dos Jogos Pan-

    Americanos construram uma cidade dos sonhos, onde vivemos alegremente e

    seguramente em busca de fantasias coletivas. Praticar essas fantasias em megaeventos

    musicais, esportivos, ldicos, faz parte do cotidiano de um nmero cada vez maior de

    pessoas.

    Maffesoli tem uma viso otimista da sociedade contempornea a partir dos

    fenmenos das efervescncias sociais. Para o autor, a ps-modernidade assiste

    superao do egocentrismo. O homem contemporneo percebe a sua transformao, ou

    seja, o ser individual agora constitudo de um jogo de foras em constante movimento

    que domina a sua individualidade e no permite mais que esta comande a situao.

    Entra em cena um homem plural que se alimenta de mltiplas identificaes e quer

    perder-se num conjunto mais amplo de sensaes. Essa perda expressa-se, entre

    outros exemplos, em um megaevento.

    Com efeito, das manifestaes polticas aos variados ajuntamentos musicais,sem esquecer as celebraes religiosas e outras ocasies festivas, tudo servepara expressar essa antiga anima mundi, uma alma comum, para viver o prazerda fuso e da confuso. Nunca ser demais reiterar essa pulso animal que levaa imitar o outro. O que est bem distante do suposto individualismocontemporneo. (Op. Cit., 2007, p. 110).

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    Vivemos uma poca marcada pelo global entertainment. Nas efervescncias

    coletivas o tempo pra e o instante se eterniza. um indcio de uma radical mudana

    de pistm no mais repousando no indivduo racional, mas privilegiando a

    subjetividade de massa (Ibid., p. 131). Isso significa que o observador social deve

    trabalhar com uma nova maneira de ver o mundo, sem pretenso de explicar todas ascoisas. As agregaes contemporneas so alternativas para o estudo da interpretao

    das conscincias, para tentar descrever o mistrio que envolve o corpo e o esprito, que

    o mistrio do prprio ser. A atitude intelectual denominada pelo autor de

    conhecimento comum (Ibid., p. 145) fruto de uma cincia menos preocupada com a

    prevalncia do cognitivo e mais atenta experincia viva que se expressa nos grandes

    ajuntamentos, que tomam conta das prticas cotidianas e que buscam o ritmo da vida.

    A empatia misteriosa que une um ao outro se exprime muito bem nas histerias

    desportivas, especialmente no futebol. O homem coletivo, apesar das rivalidades dascompeties, comunga de uma vibrao comum, uma experincia que transcende a

    dimenso econmica ou ideolgica.

    As histerias desportivas, que nos remetem ao ventre coletivo, estoimpregnadas desses pressupostos emocionais, neles fundando uma socialidadecarnal e to viva. Mas preciso saber ultrapassar nossos prprios preconceitosintelectuais, essencialmente racionalistas e causalistas, para determinar queexiste efetivamente nesses fenmenos algo ruidoso, e s vezes de mal gosto, aexpresso inegvel e em todo caso presente do insupervel animal humano,

    cujo instinto essencial ser coletivo. (Ibid., p. 147).

    Figuras como gurus, heris, cantores, desportistas e estrelas de todos os tipos se

    inscrevem cada vez mais no cotidiano, constituindo pontos de convergncia. Elas no

    exprimem somente sonhos individuais, mas tambm sonhos coletivos que fazem o

    grupo entrar em interao. Segundo Maffesoli, vemos perfeitamente que o indivduo e

    o individualismo tendem a perder-se no desejo de um tribalismo cada vez mais

    confusional. Tribos que nascem, se fortalecem e se exprimem ao redor de figuras

    agregadoras (Ibid., p. 126).Raves, as liquidaes dos shoppings, os reality shows, os cultos religiosos e as

    grandes concentraes de massa, como os megaeventos, so momentos transcendentais

    que evocam o esprito coletivo e simbolicamente congregam o que est disperso,

    afirmando o sentimento comunitrio de pertencimento. um processo de

    transformao, Maffesoli diria de transfigurao, de uma busca difusa mais vivenciada

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    que verbalizada, que est na prpria base do desenvolvimento da multiplicidade de

    grupos ou tribos que constituem a realidade do corpo social (Ibid., p.126). Mesmo que

    inconscientemente, estamos ligados ao outro. E nas efervescncias esportivas e

    musicais isso aflora de maneira intensa, desencadeando um processo de querer viver

    com e para o outro, de estar junto. Esta interao torna-se mais importante do que oevento que a provocou.

    George Simmel (1983, p. 168) j chamava ateno para o papel da vida em

    comum, da sociabilidade como forma autnoma e ldica da sociedade. A interao a

    base das efervescncias sociais. A sociabilidade se manifesta sem propsitos objetivos.

    H interesses individuais, mas eles se dissolvem em meio interao e se tornam

    autnomos a ela. Prevalece o interesse coletivo. O que importa o sucesso da reunio

    social. Busca-se a confraternizao. Cultura, posio social e mritos no podem

    participar do momento socivel, visto que comprometem a pureza da sua manifestao.Entretanto, Simmel afirma que o mundo da sociabilidade artificial. O homem pensa

    que ingressa nesse jogo livre dos conflitos da vida pessoal, mas o homem coletivo

    (Ibid., p.173) no desprovido do seu aspecto pessoal, ele apenas mais reservado e

    atua com certa estilizao. Para o autor, a sociabilidade um smbolo da vida. Ela libera

    as interaes concretas da realidade, mas no a muda. Pelo contrrio, alimenta-se de

    uma relao profunda e leal com esta realidade (Ibid., p. 179). Se os laos com a

    realidade so cortados, a sociabilidade deixa de ser um jogo e se transforma num

    namoro leviano com formas vazias, num esquematismo inanimado que inclusive se

    orgulha de sua falta de vida (Ibid., p. 179).

    No dia 31, dois dias aps o encerramento do Pan, O Globo avisa que hora de

    acordar. O sonho acabou e os conflitos nas favelas voltam a ser os protagonistas dos

    seus discursos.

    De volta s favelasCom fim do Pan, polcia retoma operaes e vasculha Mangueira, Jacarezinho eVigrio Geral

    No dia seguinte ao trmino dos Jogos Pan-Americanos, a polcia voltou amarcar presena e retomou o combate ao trfico em trs favelas da cidade. (OGlobo, 31/07/07, p. 15).

    Mais uma vez verificamos a mobilidade dos discursos miditicos. As narrativas

    que se seguem despertam o leitor, bruscamente, de um sonho para um real

    padronizado que diariamente mostra o Rio de Janeiro como uma cidade perigosa. O

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    imaginrio do medo est de volta, consagrando como smbolos dessa desordem o trfico

    de drogas e a polcia. Durante 30 dias, o Rio do bem, construdo pelas representaes

    do Pan, invadiu as pginas de O Globo, fruto de um movimento miditico que pode ser

    comparado ao da formao e propagao de ondas, que comeam em algum lugar e

    seguem crescendo e se movimentando at se tornar uma grande onda que sai varrendo(ANTUNES e VAZ, Op. Cit., p. 56).

    Consideraes finais

    Neste artigo, tratamos do poder simblico que a mdia tem para construir

    socialmente uma realidade. Suas representaes produzem sensibilidades individuais e

    coletivas que se firmam atravs dos espetculos da publicidade, das imagens e das

    narrativas. Toda essa produo de sentidos se reflete no espao pblico, cenrio ondeatores sociais se encontram para trocar experincias e dar sentido ao cotidiano. Esta rede

    reduz perspectivas individuais e estimula a construo de um conhecimento coletivo.

    Tambm abordamos megaeventos, efervescncias sociais que cada vez mais se

    inscrevem na cultura urbana contempornea. O tempo de sua realizao promove uma

    ambincia mstica onde grande parte das pessoas est suscetvel ao outro. Poucos ficam

    indiferentes a sua passagem pela cidade. A atrao pelo espetculo, a dimenso

    simblica das representaes que impem mitos, heris e viles, que precisam ser

    consumidos rapidamente para dar lugar a outros, a busca por efmeras emoes, mas

    que so vividas intensamente como se fossem as ltimas, fazem com que o nosso tempo

    seja o aqui e o agora.

    Um acontecimento inusitado, que implica na quebra de uma rotina citadina,

    confere mdia permisso para entrelaar discursos que trabalham com vises

    diferentes da realidade. Tivemos oportunidade de encontrar esta dinmica nas matrias

    jornalsticas do ms de julho de 2007. Constatamos que durante os Jogos Pan-

    Americanos o jornal O Globo permitiu um jogo miditico que propunha, ao mesmo

    tempo, a realidade e o sonho. Uma cidade assustada pela violncia e uma cidade

    confiante e feliz foram oferecidas como espetculo, caracterstica de uma esttica social.

    Percebemos uma cidade com mil faces. Faces que se transfiguram de acordo

    com a lgica mercadolgica. O Rio dominado pela violncia, por um ms, passou a ser

    o Rio que todos ns queremos. Toda essa contradio foi apropriada de diferentes

    maneiras, promovendo comunho, protestos e at indiferena s manifestaes de amor

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    e dio ao evento. Essas manifestaes alteraram o ritmo da cidade, demonstrando que

    uma sobrecarga simblica pode desencadear mobilizaes distintas que fazem dos

    megaeventos um solo frtil para os estudos de uma lgica comunicativa que observa as

    relaes mutveis organizadas em torno das representaes miditicas, e seus reflexos

    no espao pblico. Verificamos que assim como as paixes as narrativas vivem o bem eo mal. E ns, consumidores dirios dessas representaes, praticamos a cidade

    conforme a sua orientao.

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