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Novembro de 2005 • Ano 2 • nº 16 www.desafios.org.br do desenvolvimento Jogo pesado Brasil precisa decidir o quanto está disposto a liberar as importações em troca de maior abertura dos mercados estrangeiros aos produtos agrícolas nacionais desafios Novembro de 2005 • Ano 2 • nº 16 desafios R$ 8,90 PROJETO PILOTO Governo testa fórmula para melhorar infra-estrutura sem prejudicar superávit PERIGO À VISTA Argentina começa a superar Brasil na exportação de farelo e óleo de soja EDUCAÇÃO Novos cursos de pós-graduação para atender a demanda das empresas e incentivar a inovação tecnológica Felix Clouzot/Getty Images R_Capa1 31/10/05 18:53 Page 1

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do desenvolvimento

Jogo pesadoBrasil precisa decidir o quanto está disposto a liberar as importações em troca demaior abertura dos mercados estrangeiros aos produtos agrícolas nacionais

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• nº 16

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PROJETO PILOTOGoverno testa fórmulapara melhorar infra-estruturasem prejudicar superávit

PERIGO À VISTAArgentina começa asuperar Brasil na exportaçãode farelo e óleo de soja

EDUCAÇÃONovos cursos de pós-graduaçãopara atender a demanda das empresase incentivar a inovação tecnológica

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Desaf ios • novembro de 2005 3

Paulo CorbucciPós-graduação como política pública?

Guilherme C. DelgadoO papel das políticas públicas

Valdecyr Herdy AlvesReceita de saúde: amamentação

desafiosdo desenvolvimento

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Entrevista Carlos LopesA crise de segurança é a crise de solidariedade

Comércio Exterior Abertura comercial em debateDiscussão sobre a posição brasileira na próxima rodada da OMC pega fogo

Educação Na busca da sintoniaNova política da Capes quer adequar cursos ao mercado

Internacional Cada vez mais distantesEstudos mostram que a concentração de riquezas continua aumentando

Economia Novo modelo em testeGoverno lança Projeto Piloto de Investimento para melhorar infra-estrutura

Agronegócio O avanço argentinoBrasileiros começam a perder para os argentinos na exportação de derivados de soja

Melhores Práticas Exemplo que se multiplicaRede brasileira de bancos de leite humano é referência mundial

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Sumário

Artigos Giro

Estante

Circuito

Indicadores

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Seções

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4 Desafios • novembro de 2005

desafiosdo desenvolvimento

O ano está chegando ao final, mas o país está longe do clima das festas. Antes de comemorar a chegada de 2006, o Brasil vaienfrentar mais uma rodada de negociações da OrganizaçãoMundial do Comércio, em dezembro, em Hong Kong. O dilemaentre proteger a indústria nacional e abrir as portas para os produtos estrangeiros volta à cena. Porém, uma proposta doMinistério da Fazenda, defendendo corte radical no imposto sobrea importação, colocou fogo na discussão. A indústria e o Ministériodo Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior não gostaram.A reportagem de capa de Desafios discute todos os lados dessapolêmica. Quem também será afetado pelas decisões tomadas emHong Kong é o setor agropecuário, que, entre outras preocupações,enfrenta o avanço argentino no setor de derivados de soja.A reportagem da página 46 mostra que novos investimentos terãode ser feitos para que o país se mantenha competitivo no comérciode produtos agrícolas. As principais carências vêm da rede de transportes, mas o governo federal começa a agir para resolver osproblemas. A reportagem “Novo modelo em teste” apresenta umprojeto para melhoraria da infra-estrutura sem prejuízo das contaspúblicas. Aliás, a preocupação em garantir um bom superávitprimário vem sendo alvo de críticas, sobretudo dos que defendem a adoção de um modelo econômico voltado para a inclusão social.A reportagem da página 32 debate o problema da desigualdade emtodo o mundo, com base em dois grandes estudos produzidos pororganismos internacionais. A triste conclusão de ambos é que osfrutos do crescimento econômico ainda estão concentrados nasmãos de poucos. Por falar em igualdade, o entrevistado desta edição é Carlos Lopes, um incansável defensor dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, que buscam reduzir à metade a pobreza no mundo até 2015. Por mais de dois anos, Lopes foi o representante do Programa das Nações Unidas para oDesenvolvimento (Pnud) e coordenador da Organização das NaçõesUnidas (ONU) no Brasil. Ele é um dos idealizadores da revistaDesafios e agora deixa o país para assumir o cargo de principal assessor do secretário-geral da ONU. Na entrevista, fala sobre ossucessos e fracassos da ONU e conta quais são suas novas atribuições.Desejamos a ele muita boa sorte, e a você, uma excelente leitura.

Andréa Wolffenbüttel, Editora-Chefe

Cartas ou mensagens eletrônicas devem ser enviadas para: cartas@desaf ios.org.brDiretoria de redação: SBS Quadra 01, Edifício BNDES, sala 801 - CEP 70076-900 - Brasília, DFVisite nosso endereço na internet: www.desaf ios.org.br

Carta ao leitorwww.desafios.org.br

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)PRESIDENTE Glauco Arbix

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud)REPRESENTANTE NO BRASIL Carlos Lopes

DIRETOR-GERAL Luiz Henrique Proença Soares

RedaçãoEDITORA-CHEFE Andréa Wolffenbüttel

EDITOR Ottoni Fernandes Jr.

EDITORAS ASSISTENTES Edna Simão, Lia Vasconcelos e Marina Nery

COLABORADORES Clarissa Lopes, Eliana Simonetti, Maria Helena Tachinardi(redação), Ricardo B. Labastier (fotografia), Ivana Gomes (revisão)

PROJETO GRÁFICO E DIREÇÃO DE ARTE Renata Buono

EDITORA ADJUNTA DE ARTE Luciana Sugino

ARTE Rafaela Ranzani

FOTO DA CAPA Felix Clouzot/Getty Images

PublicidadeDIRETORA Bia Toledo • [email protected]

BAHIA E SERGIPE Canal C ComunicaçãoTel. ( 71) 358-7010, (71) 9988-4211• e-mail: [email protected]ÍRITO SANTO • Mac Marketing e Assessoria de ComunicaçãoTelefax (27) 3229-2579 • e-mail: [email protected]Á • Sec Soluções Estratégicas em Comercialização Ltda.Tel. (41) 3019-3717 – Fax (41) 3019-3716 • e-mail: [email protected] GRANDE DO SUL • RR Gianoni RepresentaçõesTel. (51) 3388-7712 • e-mail: [email protected] CATARINA • Sec Soluções Estratégicas em Comercialização Ltda.Tel. (48) 348-4121, (48) 9977-9124 • e-mail: [email protected]

Circulação GERENTE Flávia Cangussu • [email protected]

AtendimentoPaula Galícia (coordenadora) • [email protected]

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Distribuição Dinap S.A. Distribuidora Nacional de Publicações

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

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Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

Organização das Nações Unidas

OS ARTIGOS E REPORTAGENS ASSINADOS NÃO EXPRESSAM, NECESSARIAMENTE, A OPINIÃO DO IPEA E D OPNUD.É NECESSÁRIA A AUTORIZAÇÃO DOS EDITORES PARA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DO CONTEÚDO DA REVISTA.

JORNALISTA RESPONSÁVEL • Andréa Wolffenbüttel

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GIROp o r A n d r é a

W o l f f e n b ü t t e l

Os europeus “redescobriram”o Brasil no ano pas-sado e enviaram mais turistas que os vizinhos sul-americanos. O destino mais procurado foi a regiãoNordeste, principalmente Natal, Fortaleza e Sal-vador. Pela primeira vez, os países europeus foramresponsáveis pela maior parte dos turistas estran-geiros no Brasil, 38,26%, ante 38,15% de sul-ameri-canos. Isoladamente, os argentinos continuam lide-rando o ranking, com mais de 900 mil visitantes, se-guidos pelos norte-americanos, com 705 mil. Já Por-tugal foi o país europeu com mais turistas no Brasil,contabilizando 337 mil. Mas o que chama a atençãoem relação aos portugueses é o grande salto no nú-mero de visitantes, com um crescimento de 47%,

comparado aos 17% dos argentinos e aos 5,6% dosnorte-americanos. Enquanto o real valorizado pou-co influencia as viagens dos europeus ao Brasil, opaís tornou-se caro para os vizinhos, como a Ar-gentina, que ainda não se recuperou totalmente dacrise econômica de 2001. Entre os dez países quemais visitaram o Brasil, há quatro sul-americanos –Argentina, Uruguai, Paraguai e Chile – e cinco eu-ropeus – Portugal, Alemanha, Itália, França e Es-panha. O turismo ao Brasil aumentou 16% em re-lação ao ano anterior, média acima da registrada pe-lo turismo mundial, que ficou em torno de 10%. Osdados são do Anuário Estatístico 2005, da Embratur(Instituto Brasileiro de Turismo).

Turismo

Vamos invadir sua praia

O último relatório da AgênciaNacional de Telecomunicações,que traz os números de setembroem relação à telefonia móvel, con-firmou que o Distrito Federal é acidade com maior densidade decelulares: 1,18 para cada morador.Ou seja,há mais aparelhos celularesdo que pessoas na Capital Federal.

Em segundo lugar, perdendolonge, vem o Rio Grande do Sul,onde há 0,62 celular para cadahabitante, seguido do Rio de Ja-neiro,com 0,59. A média nacionalé de 0,43 celular por habitante, su-perior ao padrão mundial, que es-tá na faixa de 0,31. No Brasil, a ca-da mês,cerca de 1 milhão de novos

aparelhos celulares são habilitados,o que significa mais de 30 mil tele-fones comprados por dia. Desseuniverso, 81% são celulares pré-pagos,prova que a população maispobre, que jamais conseguiu terpleno acesso à telefonia fixa, estáentrando no mercado por meio datelefonia móvel.

Telecomunicações

Capital federal antenada

Dez catadores de papel de Bue-nos Aires estão orgulhosos com odestino nobre dado aos resíduosque recolhem: uma editora estápublicando livros de baixo custocom capas de papelão cortado epintado a mão. O objetivo é “di-fundir o acesso à literatura”, naspalavras de Cristian de Nápoli,responsável pelo projeto, execu-tado pela Editora Eloísa Cartone-ra (o nome deriva da palavra car-tón, que em espanhol significa“papelão”). Tabalhando com li-vros, os catadores recebem setevezes mais do que numa recicla-gem convencional. Três ex-cata-dores cortam o papelão, pintamas capas, imprimem ou xerocamas páginas internas e fazem a co-lagem . O preço final do livro ficaentre 3 e 5 reais. As tiragens va-riam de 40 a 1,5 mil exemplares,vendidos na editora e em outras30 pequenas livrarias. Mais de 80escritores latino-americanos já fo-ram publicados por esse proces-so, que intercala nomes famososcom desconhecidos.Entre os bra-sileiros, há poetas consagrados,como Haroldo de Campos e Ma-noel de Barros, lado a lado com amineira Camila do Valle, nuncaantes traduzida, além do sul-ma-to-grossense Douglas Diegues,que nem precisou de tradução,porque escreve no portunhol ca-racterístico da fronteira.

Reciclagem

Livros de papelão

iStock.com

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Desaf ios • novembro de 2005 7

O primeiro leilão de biodiesel,programado para novembro pelogoverno federal, é o passo inicialpara a introdução do combustívelno mercado brasileiro.A intençãodos leilões é favorecer as parceriasdas empresas com agricultoresfamiliares e assentados da refor-ma agrária. O uso do biodiesel jáestá autorizado, mas, como custaum pouco mais caro que o dieselcomum, os compradores – no ca-so, distribuidoras e refinarias –ainda não o estão adquirindo.“Por isso, o governo está criandoum mecanismo para que o bio-diesel entre aos poucos no merca-do e para chegar em 2008 com aquantidade necessária para cum-prir a obrigatoriedade de alcançaros 2% que deverão ser adiciona-dos ao diesel”, explica o coorde-nador de Geração de Renda eAgregação de Valor da Secretariade Agricultura Familiar (SAF), doMinistério do Desenvolvimento

Agrícola, Arnoldo de Campos.Existe a possibilidade de outrosleilões serem realizados ainda nes-te ano para ampliar a capacidadede compra do governo e incluirmais famílias.“Cada leilão vai ge-rar um contrato de um ano comcompradores, como a Petrobras.Então, pelo menos durante umano agrícola, essa indústria terágarantida a venda do biodiesel,dando segurança também ao pro-dutor familiar”, exemplifica Cam-pos. O maior risco na introduçãodo biodiesel é que possa provocaraumento de preço para o consu-midor final. Já as vantagens sãoambientais: a redução de poluen-tes e de gases que provocam oefeito estufa, já que o biodiesel po-lui menos que o diesel. O impactoambiental será maior ao longodos anos, porque a lei prevê o au-mento da presença de biodiesel.Em 2013, o teor misturado aodiesel deve chegar a 5%.

A mortalidade de crianças indí-genas em Dourados (MS) caiu pa-ra quase a metade da registrada noano passado. Os dados da Fun-dação Nacional de Saúde (Funasa)apontam que, de janeiro a setem-bro de 2005, houve 35,9 mortespara cada 1.000 nascimentos decrianças até 1 ano,ante 67,18 mor-tes no mesmo período de 2004.Asaldeias indígenas da região abri-gam 11,5 mil pessoas e os númerospositivos registrados coincidemcom um programa lançado emabril pela prefeitura de Dourados.A iniciativa, que conta com apoiodo Programa das Nações Unidas

para o Desenvolvimento (Pnud),visa melhorar as condições de vi-da das aldeias da cidade.O projetoprevê investimento nas áreas de as-sistência social,saúde,cultura,ha-bitação e infra-estrutura. No pro-grama, batizado de Projeto deInfra-Estrutura para RecuperaçãoCidadã do Desenvolvimento Sus-tentável da Reserva Indígena deDourados, o Pnud ficou encar-regado de desenvolver e aplicar ametodologia de acompanhamen-to do plano e buscar verbas comorganismos internacionais, comoo Banco Interamericano de De-senvolvimento (BID).

Combustíveis

Leilão ecológico

Indígenas

Finalmente uma boa notícia

Monitordas reformas

As diversas Comissões Parla-mentares de Inquérito em fun-cionamento no Congresso con-tinuam concentrando a aten-ção e os trabalhos de deputa-dos e senadores. Entre as vá-rias reformas que esperampara ser apreciadas e aprova-das, a eleitoral é a única quetem sido alvo de debates de-vido à Proposta de EmendaConstitucional (PEC),do depu-tado Ney Lopes (PFL/RN), queestende o prazo, até 31 de de-zembro, para votação de leisque alterem o processo elei-toral do ano que vem. Caso aPEC seja aprovada, é quasecerto que haverá mudanças nasregras eleitorais. Quanto àsdemais reformas,o presidenteda Câmara,Aldo Rebelo, anun-ciou que a primeira a entrarem votação será a tributária.

O Brasil é conhecido produtorde café, mas, quando se trata decafé gourmet, fica atrás de paísesque não possuem sequer um péda planta.Gourmet é o nome da-do à forma mais sofisticada doproduto, elaborada com critériosespeciais de mistura e grãos sele-cionados.Porém, o Brasil começaa melhorar sua produção de cafégourmet e também a conquistarnovos mercados. No mês passa-do, o Café do Centro, uma em-presa paulista, firmou o primeirocontrato de exportação de cafégourmet para o Japão, um dosgrandes compradores mundiais.Na primeira remessa, foram en-viadas 4 toneladas, mas a empre-sa brasileira espera fechar novocontrato até o final do ano, destavez para a venda de 60 toneladas.O mercado japonês é cobiçadoporque o consumo de café por láestá em plena expansão: aumen-ta à média de 7% ao ano.

Comércio exterior

Arigatô

Pnud

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8 Desafios • novembro de 2005

ENTREVISTA O ocorr ido no Iraque mostrou que há uma d i v isão na comunidadeRi

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Desaf ios • novembro de 2005 9

epois de viver pouco mais de dois anos no Brasil, comocoordenador da Organização das Nações Unidas (ONU),Carlos Lopes está de mudança marcada para Nova York,

onde vai assumir o cargo de principal assessor do secretário-geralda ONU, Kofi Annan. Natural de Guiné-Bissau, ele será o respon-sável por implementar todas as reformas da ONU que dizem res-peito à política e à segurança. Nesta entrevista, Lopes fala sobre osdesafios que enfrentará, entre eles o de recuperar a imagem da or-ganização, arranhada pelos problemas no Iraque e por denúnciasde corrupção. “Não estamos aqui para varrer os problemas paradebaixo do tapete”, declara, com um acento inegavelmente por-tuguês, porém temperado com a cadência africana.

Carlos Lopes

A crise de segurança é a crise de solidariedade

D

P o r A n d r é a W o l f f e n b ü t t e l , d e B r a s í l i a

i n t e r n ac i o n a l e a ONU q u e r r e c o n s t r u i r o c o n s e n s o , p o i s a p a z p r e c i s a d e l e

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10 Desafios • novembro de 2005

funcionários da ONU não tivessemfeito A, B ou C, quando, na realidade,muitas vezes eles tinham as mãos ata-das pelo mandato que receberam doConselho de Segurança. Há vários ti-pos de mandatos que são invocadosem função dos artigos da Carta daONU, sendo que, normalmente, aONU não costuma intervir para for-çar a paz. Ela intervém mais para man-ter a paz. Há uma diferença entre for-çar e manter. Forçar significa você en-trar numa situação armada para lutar,disparar e fazer tudo o que for neces-sário para impor a paz; enquanto paramanter a paz você precisa ter umapostura completamente diferente, queé a atitude de dissuadir.

Desafios - A invasão do Iraque aconteceu à

revelia da ONU e, na visão geral, esse foi um si-

nal de sua fraqueza. Como a organização avalia

esse acontecimento?

Carlos Lopes - Primeiro é preciso dis-tinguir as várias etapas do processo.Emcada uma dessas etapas a relação daONU com o conflito no Iraque é dife-rente. De fato, a ONU não aprovou ainvasão mais recente do Iraque, mastinha aprovado a anterior. Tambémaprovou uma série de resoluções quemotivaram, posteriormente, a invasãoporque o regime de Saddam Husseinnão estava a aceitar as liberdades to-das que os inspetores precisavam parafazer seu trabalho e, desse modo, de-monstrava que tinha algo a esconder.A ONU também aprovou, depois dainvasão, o processo de reconstruçãodo Iraque. Portanto, nessas várias eta-pas, o que não foi aprovado é a inva-são. E, para isso, há duas interpreta-ções. Uma diz que o fato de ter havidoguerra sem a aprovação é uma provade fraqueza da ONU. A outra inter-pretação diz que o fato de, apesar detoda a pressão, a ONU não ter formali-zado seu apoio à guerra é uma prova desua força. Independentemente do queaconteceu, ninguém vai ter razão, atéporque todos têm um pouco de razão.Mas o que é importante reter, e isso osecretário-geral percebeu de forma

Desafios - Quais são as principais incumbên-

cias de seu novo cargo como diretor político do

secretário-geral da ONU?

Carlos Lopes - O secretário-geral estáa viver o período final de seu manda-to, que termina em 31 de dezembro de2006, e as Nações Unidas estão a viver,também, um momento de transiçãomuito importante com a maior refor-ma já feita desde sua fundação.A com-binação dessas duas coisas fez comque o secretário-geral pudesse, pelaprimeira vez, de forma muito explíci-ta, relacionar as questões ligadas a se-gurança às questões ligadas a solida-riedade, desenvolvimento e direitoshumanos. Nunca tinha havido umafusão tão boa desses pilares. Por causadessa reforma, ele também quer oxi-genar sua equipe e fazer as coisas fun-cionarem de forma mais aceleradapara que ele possa deixar seu legado.Não quer que se crie um ambiente defim de festa. Minha função como di-retor político é assessorar o secretá-rio-geral em, basicamente, quatropontos: política internacional, manu-tenção da paz, questões humanitáriase questões de desarmamento. São qua-tro blocos fundamentais na reforma.

Desafios - Em relação à manutenção da paz,

existem críticas freqüentes à atuação das for-

ças de paz da ONU, acusando-as de omissas. Há

f ilmes denunciando isso, como Hotel Ruanda,

atualmente em cartaz, e Terra de Ninguém, ro-

dado em 2000, que trata do conf lito na Bósnia.

Essa questão está sendo discutida no âmbito da

reforma?

Carlos Lopes - As pessoas muitas ve-zes confundem o papel do secretaria-do, que são os servidores públicos in-ternacionais, o papel do secretário-ge-ral e o papel dos países-membros e doConselho de Segurança. Todos sãoONU, mas cada um possui um papelbem específico. Quem é que decide,entre esses vários elementos, a com-posição, as características, o tamanhoe o mandato de uma força de paz? É oConselho de Segurança. Então, mui-tas vezes condena-se o elemento erra-do. É como se o secretário-geral ou os

Carlos Lopes é sociólogo formadoem Genebra. Já escreveu e organizou21 livros e lecionou em universidadesque vão de São Paulo a Upsala, na Sué-cia, passando por Coimbra, Cidade doMéxico e Zurique. Mas esse é apenas oaspecto acadêmico do currículo desseguineense que, a partir de 1º de novem-bro, será o principal assessor do secre-tário-geral da Organização das NaçõesUnidas (ONU), Kofi Annan, dando expe-diente no famoso prédio da sede daorganização, planejado por Oscar Nie-meyer e plantado às margens do rioHudson, na ilha de Manhattan. A carrei-ra na ONU começou em 1988,como eco-nomista de desenvolvimento, e desdeentão tem sempre trabalhado em ques-tões ligadas ao desenvolvimento, espe-cialmente dentro do Programa das Na-ções Unidas para o Desenvolvimento(Pnud). Em junho de 2003, foi designa-do coordenador da ONU no Brasil, acu-mulando a função de representante-re-sidente do Pnud. De acordo com suaspróprias palavras, esse foi o ápice deuma paixão pelo Brasil que nasceu àprimeira vista, quando conheceu o país,há 20 anos. Desde então, não se passousequer um ano sem que viesse ao Bra-sil. Em setembro passado, teve partici-pação importante na Cúpula Mundial daONU, que entrou para a história por terconseguido conciliar os interesses dasegurança e da paz com a busca pelaconstrução de um mundo mais justo eequilibrado. Quem tem a oportunidadede conhecer Carlos Lopes percebe, ime-diatamente, seu modo tranqüilo de falar,pontuado por gestos afáveis e olhar con-fiante, que quase nunca conseguem serretratados nas fotografias. A voz pausa-da, porém, conduz um discurso seguro,de quem não se esquiva de assunto ne-nhum, não tem medo de admitir falhas eacredita que os problemas, quando sur-gem, representam sempre a possibilida-de de construir um mundo melhor.

De Guiné-Bissaupara o mundo

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magistral, é que o ocorrido foi apenasreflexo de uma divisão importante dacomunidade internacional. Ele descre-veu isso como “a fork in the road”, isto é,“um garfo fincado na estrada”. A co-munidade internacional não conseguiuchegar a um consenso sobre algo extre-mamente grave. E o mais importantepara a ONU agora é reconstruir esseconsenso, pois a paz precisa dele.

Desafios - Além da invasão feita à revelia da

ONU, houve denúncias no programa Petróleo por

Alimentos que arranharam a imagem da organi-

zação. Qual sua avaliação a respeito?

Carlos Lopes - Levando-se em con-sideração o que aconteceu com o Pe-tróleo por Alimentos, programa da

ONU que permitiu ao Iraque trocarpetróleo por alimentos e outros bensde primeira necessidade para a popu-lação, viu-se que havia uma divisãotambém no modo de gerenciar pro-gramas de grande envergadura dentrodas Nações Unidas. O programa Pe-tróleo por Alimentos é o maior pro-grama humanitário existente na his-tória da ONU, e deu problemas. Nãoestamos aqui buscando pôr os proble-mas debaixo do tapete. Eles foramgrandes e importantes, mas o que elesmostraram? Que o Iraque acabou sen-do paradigma em dois sentidos. Elefoi paradigma em termos de mostrarque havia divisão da comunidade in-ternacional em relação a como agir

em questões preventivas. E mostroutambém que havia divisão dentro daprópria estrutura da organização emrelação a como gerenciar programas degrande envergadura. Então, nos demosconta de que o Iraque foi uma espéciede alerta da necessidade de reforma.

Desafios - Quando o senhor se refere às dif i-

culdades de gestão em programas de grande

envergadura, tal como Petróleo por Alimentos,

está admitindo que a ONU não foi capaz de ga-

rantir que os recursos chegassem a seu destino?

Carlos Lopes - Sim. Agora saiu o ter-ceiro pacote do relatório Volker, que éo relatório da comissão chefiada porPaul Volker e encarregada pelo secretá-rio-geral da ONU de verificar todas as

Fotos: Ricardo B. Labastier

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12 Desafios • novembro de 2005

mente e individualmente. Não podeser eu e você. Foi isso que aconteceuno Petróleo por Alimentos.

Desafios - Foi criada uma grande expectativa

em relação à possibilidade de o Brasil entrar no

Conselho de Segurança da ONU, mas agora essa

hipótese parece afastada. O senhor acredita que

ainda haja espaço para negociação?

Carlos Lopes - Eu acho que mudar oConselho de Segurança é uma refor-

ma de âmbito fundamentalmente po-lítico. Só aconteceu uma vez na his-tória das Nações Unidas, quando foiaumentado o número de membros nãopermanentes. Não é por acaso que sóaconteceu uma vez, porque é difícil.Porém, acho que as pessoas não de-vem desistir da reforma do conselho,pois há três princípios a respeito dosquais todos estão de acordo. Primeiroé preciso haver melhor representativi-

anomalias que possam ter existido noprograma Petróleo por Alimentos. Orelatório traz coisas muito desagra-dáveis para o próprio secretário-geral,que é acusado, não de envolvimentopessoal, mas de não ter gerenciado oprograma como deveria. É fácil fazeressa acusação, pois o secretário-geraltem todos os conflitos do mundo nasmãos, tem uma máquina administra-tiva de mais de 14 mil pessoas, masnão tem os aparelhos, os instrumen-tos, que lhe permitam fazer algumascoisas. O relatório, para nós, é muitobom porque mostra que a ONU temfalhas. São falhas importantes degerenciamento. Quando o programa émuito grande, essas falhas ficam maisexpostas. São falhas que têm a ver comcomportamentos éticos, com compor-tamentos de auditoria. Têm a ver tam-bém com a forma como as respons-abilidades são distribuídas. Nesse ca-so concreto, do Petróleo por Alimen-tos, o secretário-geral não tinha ummandato claro de responsabilidade,que ficava dividido entre ele e o Con-selho de Segurança. Uma parte era eleque controlava, outra parte era o Con-selho de Segurança. Então, era umacoisa fragmentada. Como se sabemuito bem, até no setor privado e nosórgãos públicos a prestação de contaspartilhada sempre traz problemas. Vo-cê tem de saber que é responsável final-

“A Comissão de

Direitos Humanos

era constituída mais por

violadores do que por

promotores dos direitos

humanos, por isso

mudamos e criamos

o Conselho de Direitos

Humanos”

Ricardo B. Labastier

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Desaf ios • novembro de 2005 13

dade no aspecto demográfico, depoisé preciso um equilíbrio geográfico e,por fim, é preciso rever os própriosmétodos de trabalho do conselho,mais especificamente o direito de ve-to. Não se questiona o direito em si,mas como usá-lo. Em função dessasnecessidades, eu acho que ainda háesperança de que saia uma reforma doConselho de Segurança nos próximosmeses. O secretário-geral está insis-tindo para que os países-membrosdiscutam até o final do ano uma pro-posta de consenso. Não adianta tentarimpor algo se um dos membros per-manentes do conselho não estiver deacordo. Eles têm vários instrumentosque podem impedir que a reformachegue ao final, então é melhor con-vencê-los antes e é esse diálogo queestá sendo travado.

Desafios - No seu âmbito de atuação, que são

as áreas de política e segurança, quais são os

principais tópicos da reforma?

Carlos Lopes - Fundamentalmenteforam aprovadas agora cinco grandesreformas nas áreas de política e segu-rança. A primeira é a criação de uminstrumento novo que se chama Fun-do para a Democracia. A segunda é aaprovação do direito de proteção. Aterceira é a definição do conceito deterrorismo.A quarta é a substituição daComissão de Direitos Humanos peloConselho de Direitos Humanos, comcaracterísticas diferentes. E a última é aaprovação do direito preventivo.

Desafios - O que signif ica direito preventivo?

Carlos Lopes - É o direito de um paísprever que está correndo perigo e in-tervir antes de o ataque acontecer.Houve um avanço na forma dedefinir o que é prevenção para levarem conta os novos desafios em quemuitas vezes os atos mais complica-dos não são necessariamente aquelesem que você só pode atuar depois deocorrido. É o caso das Torres Gêmeas.Você precisa ter o direito de se prote-ger. Ainda não estão definidas exata-mente que atitudes os países podem

tomar. A pauta para os próximosmeses é justamente discutir esse temae especificar que medidas podem seradotadas e também que tipo de apro-vação eles precisarão obter para im-plementar essas medidas.

Desafios - O senhor também mencionou, entre

os pontos de destaque da reforma, o direito de

proteção. Não é algo semelhante?

Carlos Lopes - Não. O direito de pro-teção se refere à possibilidade que aspessoas terão para se proteger contraabusos cometidos pelos seus gover-nantes. É uma mudança no direito in-ternacional e é a primeira vez que setem a proteção contra o genocídio eoutros tipos de crime que podem sercometidos contra uma populaçãopelo seu próprio governo ou por insti-tuições internas do país. Antes não sepodia fazer nada. É uma emenda aoprincípio de soberania, que era abso-lutamente intocável. Agora ele é into-cável até certo ponto. Se você cometeralgumas barbaridades, não poderá in-vocar a soberania. Se a ONU compro-var que o governo de um país está co-metendo algum crime contra sua po-pulação, esse país poderá sofrer umaintervenção internacional. Claro quepara ter essa comprovação existe umasérie de mecanismos.

Desafios - E quanto à def inição de terrorismo?

Qual a importância dessa def inição?

Carlos Lopes - A importância é que,uma vez definido,esse conceito permite

que se estipule também como comba-ter o terrorismo. Já se aprovou umamplo conjunto de medidas que todosos países devem tomar em relação aoterrorismo. Essas medidas estabelecemuma atuação conjunta da comunidadeinternacional, ou seja, já não há maisdivisões do ponto de vista financeiro,nem do tráfico de armas, nem mesmoquanto à questão de armas ligeiras. Oúnico ponto que ficou em aberto, infe-lizmente, é a definição de terrorismo deEstado. As outras formas de terrorismoforam todas adotadas conceitualmente,mas essa parte não está ainda completa.A discussão continua e deverá prosse-guir nos próximos meses.

Desafios - Entre os pontos principais da refor-

ma, o senhor citou a criação do Conselho de Di-

reitos Humanos, no lugar da antiga comissão. O

que mudou?

Carlos Lopes - A Comissão de Direi-tos Humanos tinha constituição mui-to falha porque ela se transformou nummecanismo em que os países erammais representados do que os especia-listas. Então, muitas vezes o país quesabia que podia ser condenado porsua atuação em relação aos direitoshumanos fazia tudo para ser eleito co-mo uma forma de evitar a condena-ção. Portanto, você acabava tendouma comissão que era constituídamais por violadores do que por pro-motores dos direitos humanos. Agoraos especialistas passarão a ter maispeso. Os países continuarão a sereleitos, mas em bases diferentes. An-tes, por exemplo, o critério de seleçãoera simplesmente que o grupo de paí-ses africanos decidiu que seu repre-sentante na comissão seria a Líbia. Eninguém podia questionar. Agoranão. Há critérios para quem vai sereleito. E o conselho vem com muitaforça, até porque foi aprovada a dupli-cação do orçamento do Alto Comis-sariado para os Direitos Humanos.

Desafios - E como vai funcionar o Fundo para

a Democracia, o primeiro ítem que o senhor

elencou?

“Mudar o Conselho

de Segurança é

uma reforma de âmbito

fundamentalmente

político. Só aconteceu

uma vez e não é por acaso,

é porque é difícil”

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14 Desafios • novembro de 2005

Carlos Lopes - O objetivo fundamen-tal desse fundo é mostrar que as ques-tões de segurança não se resolvemsomente através de atuações de ma-nutenção da paz. Também são neces-sárias atuações na área da democracia,da boa governança,de reforço das insti-tuições. E, portanto, é preciso ter meiospara apoiar esse tipo de trabalho.Atualmente, é mais fácil aprovar umorçamento para mandar tropas a umpaís do que um orçamento para aju-dar a fazer eleições. Agora poderemoscontar com o fundo para essas ações.

Desafios - Há algum ponto importante que

f icou fora da reforma?

Carlos Lopes - Sim, há áreas em quenão houve avanço nenhum, como ado desarmamento e a da proliferaçãonuclear. Aí os países não chegaram aacordo sobre praticamente nada, por-tanto estamos na estaca zero. E essa éuma situação inaceitável em face dosdesafios atuais.

Desafios - É conhecido o carinho que o senhor

tem pelos Objetivos do Milênio. O senhor está

satisfeito com o projeto?

Carlos Lopes - Foi um grande projetoaqui no Brasil. Nós fizemos das Metasdo Milênio, aqui no Brasil, a maiorcampanha do mundo. Ganhamos prê-mios, muitos prêmios internacionais.Quando cheguei ao Brasil eu queria,ao sair daqui, que se falasse tanto dasMetas do Milênio quanto se falava doÍndice de Desenvolvimento Humano(IDH). Porque o IDH era, há bastantetempo, a imagem do Pnud, e eu queriaque as Metas do Milênio fossem umcomplemento dessa imagem e a mar-ca da minha contribuição. Pensei queia conseguir isso ficando aqui por cin-co anos, mas estou saindo agora, doisanos depois, e já consegui.

Desafios - A reforma da ONU também tinha o

objetivo de alinhar a organização às Metas do

Milênio. Isso foi conseguido?

Carlos Lopes - Eu diria que a grandecontribuição do secretário-geral paraa Cúpula Mundial que acaba de ter lu-

gar em Nova York foi não deixar que adiscussão da segurança, do Iraque, doterrorismo, da proliferação nuclear etc.se fizesse em separado da discussãosobre desenvolvimento. Não se podediscutir uma coisa sem discutir a ou-tra. Tem uma frase muito bonita, queeu gosto de repetir, que diz que a crisede segurança é a crise de solida-riedade. Portanto, as duas coisas apa-recem juntas no documento da cúpu-la. Até porque uma das grandes dis-cussões dos países para aprovação dodocumento era saber como seria tra-tada a questão dos Objetivos do Mi-lênio porque havia certa hesitação porparte dos Estados Unidos em adotaressa formulação. E a grande notícia dodia da abertura da cúpula foi o presi-dente Bush, em seu discurso, aceitar,sem reservas, os Objetivos do Milê-nio. Grande vitória.

Desafios - O senhor acredita realmente que a

crise de segurança é resultado da crise de so-

lidariedade? Que a crise de segurança é um con-

f lito entre pobres e ricos?

Carlos Lopes - Não é assim dessa for-ma linear, mas o que acontece é que aglobalização criou um nível de pola-rização muito elevado no mundo. Nósestamos habituados a ver filmes his-tóricos clássicos sobre o Império Ro-mano, e não fazemos idéia de que oimperador de Roma tinha menos con-centração de riquezas, no tempo dele,

do que Bill Gates tem em nosso tem-po. Ou seja, em termos de capacidadede concentração de renda, nós esta-mos num patamar absolutamente im-pressionante, no qual os 456 membrosda lista Forbes dos mais ricos do mun-do têm o mesmo rendimento que cer-ca de 450 milhões de pessoas. Essessão dados impressionantes. Depoispodemos ir para os dados do comér-cio internacional, no qual o subsídiopara as vacas na Europa correspondea três vezes o rendimento per capitada maior parte dos países menos de-senvolvidos da África. E o que essesexemplos nos dizem? Que existe umacrise de solidariedade. Não existe umatomada de consciência de que a glo-balização não gerou oportunidadespara todos, mas apenas para alguns.Então, criamos um ambiente em que émuito fácil para alguns radicais tira-rem partido. Através da religião, atra-vés da identidade, através de lingua-gem política, através de atos culturais,eles conseguem aliciar pessoas. Vocêestá dando argumentos, sem querer,aos radicais para que os utilizem deforma perversa.

Desafios - Nunca se falou tanto em desigual-

dade, em direitos humanos, em responsabilidade

social. No entanto, parece que, quanto mais se

discute e mais se faz, mais o problema aumen-

ta. Em que estamos errando?

Carlos Lopes - É verdade. Mas essatomada de consciência mundial porcausa da maior circulação de infor-mação, muito maior do que no passa-do, também está obrigando os paísesa mudar seu discurso e a mudar suaspráticas. Por exemplo, o G-8 aprovouum pacote fundamental de ajuda paraa África. O último encontro anual doBanco Mundial e do FMI perdoou adívida completa dos 18 países maisendividados do mundo. Essas coisaseram discutidas há 20 anos e pare-ciam quase bobagens, mas agora estãoacontecendo. Por quê? Porque as pes-soas estão exigindo. Não é que não hámovimento, também há movimento,e eu sou otimista. d

“Estamos acostumados

a ver filmes épicos, mas

não sabemos que o

imperador de Roma tinha

menos concentração

de riqueza, no tempo

dele, do que Bill Gates

tem em nosso tempo”

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COMÉRCIO EXTERIOR

Abertura comercial em debate

P o r M a r i a H e l e n a T a c h i n a r d i , d e S ã o P a u l o

18 Desafios • novembro de 2005

Greg Pease/Getty Images

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Desaf ios • novembro de 2005 19

hoje em dia.A redução tarifária de 15 anosatrás foi o estopim para o processo de inten-sa modernização e aumento da competitivi-dade dos setores industriais brasileiros queperderam proteção e tiveram de enfrentar aconcorrência dos importados.

Há outra diferença em relação ao iníciodos anos 90: naquela época,o governo Col-lor fez uma abertura unilateral,embora pu-desse tê-la negociado na Rodada do Uru-guai do Acordo Geral de Tarifas e Comércio(GATT, da sigla em inglês), oferecendo-acomo moeda de troca para obter vantagenscomerciais. Agora, com a proposta da Fa-zenda, a intenção é admitir a redução tari-fária para bens industrializados e barganharuma liberalização agressiva na agricultura,tema difícil de ser resolvido diante da re-sistência de países como os Estados Unidos,a União Européia e o Japão, os que maissubsidiam seus produtos agrícolas e man-têm pesadas barreiras tarifárias e não-tari-fárias para importações. O debate, portan-to, ganha outros contornos: se o Brasil qui-ser uma abertura mundial em agricultura,o que não ocorreu nas oito rodadas de ne-gociação do GATT, desde 1947, terá de ce-der na indústria.

Flexibilização O objetivo da proposta doMinistério da Fazenda, segundo a nota di-vulgada em agosto, é “flexibilizar o isola-mento da atual posição brasileira nas nego-ciações em Nama (jargão da OMC que sig-nifica acesso a mercados para bens não agrí-colas) e construir uma posição negociado-ra confiável nesse grupo com vistas a criarcenários alternativos para os negociadoresem caso de avanços na área agrícola”.

A nota da Fazenda contesta a posiçãooficial do governo brasileiro, que defende achamada fórmula ABI (de Argentina,Brasile Índia). Essa fórmula leva em conta a mé-dia tarifária dos países e admite cortes maissuaves nas alíquotas de importação do quea sugerida pela Fazenda,que classifica a pos-tura comum dos três países na Rodada deDoha como “fortemente protecionista”.Masos diplomatas não haviam fixado o coefi-ciente de corte ou a meta de liberalização dafórmula ABI porque isso dependeria dosavanços na abertura agrícola dos países ri-cos na Rodada de Doha.A posição atual da

Ministério da Fazenda mexeunum vespeiro ao propor maiorliberalização das importaçõescom um corte radical nas tarifas

impostas aos produtos industrializados queo Brasil compra do exterior.O objetivo é re-duzir barreiras tarifárias e induzir a indús-tria brasileira a se tornar mais competitiva.De quebra,pode cobrar dos Estados Unidose da União Européia a diminuição da mu-ralha protetora que criaram para seus pro-dutores agrícolas, questão que estará nocentro da reunião ministerial da Organi-zação Mundial do Comércio (OMC),mar-cada para dezembro, em Hong Kong.

O Ministério do Desenvolvimento In-dústria e Comércio Exterior (MDIC),comapoio dos empresários industriais, defendeque os negociadores brasileiros não façammuitas concessões, até porque consideradifícil que os países desenvolvidos abrammais seus mercados para os produtos agrí-colas dos países em desenvolvimento. Ca-berá à Câmara de Comércio Exterior (Ca-mex),na qual estão representados os diver-sos órgãos de governo ligados ao tema, de-finir a posição comum que os diplomatasbrasileiros levarão à reunião ministerial daOMC na China.

Fórmula O Ministério da Fazenda adotoua chamada fórmula suíça, no jargão dasnegociações comerciais internacionais,queprevê cortes maiores nas alíquotas de im-portação mais altas e menores nas maisbaixas.Assim, a tarifa máxima que o Brasilpoderia aplicar na importação de produ-tos industrializados cairia dos 35% – hojeaplicados para automóveis – para 10,5%.No entanto, é bom lembrar que a alíquotaefetivamente aplicada pelo Brasil sobresuas importações é, atualmente, a TarifaExterna Comum (TEC) do Mercosul, queem 2005 tem se mantido em torno de10,7%, muito inferior ao teto tarifário dagrande maioria dos produtos.

Uma nota técnica do Instituto de Pes-quisa Econômica Aplicada (Ipea) e daAgência Brasileira de Desenvolvimento In-dustrial (ABDI), vinculada ao MDIC, ad-verte que “nas negociações na OMC,os paí-ses buscam consolidar suas tarifas num ní-vel razoavelmente mais alto que o efetiva-mente aplicado,a fim de ter margem de ma-nobra caso precisem aumentar o impostode importação,o que é chamado de colchãotarifário”. Tal colchão tarifário torna possí-vel elevar a alíquota de importação de al-gum produto para barrar sua entrada, porexemplo, quando existe suspeita da práticade dumping,ou seja,a venda no exterior porpreço inferior ao do mercado interno.

A proposta colocada na mesa de nego-ciação pela Fazenda provocaria uma grandeabertura das importações,mas ainda assimem escala menor do que a praticada no go-verno de Fernando Collor, que derrubou atarifa média de 43% para a casa dos 30% de

A nova rodada

de negociação da

Organização Mundia l

do Comércio terá

como palco Hong Kong.

Os países em

desenvolv imento cobram

maior abertura dos

mercados estrangeiros

para seus produtos

agrícolas, mas para

isso terão de faci l i tar

as importações

de bens industr ia l i zados

O

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Ministério da Fazenda propõe reduzir de 35% para 10,5% a tarifa máxima que incide na

ções internacionais da entidade.“Até pode-mos aceitar a proposta de 16,15%, porémhá produtos que são mais sensíveis e queprecisarão de um tratamento especial”, ex-plica.A posição da Associação Nacional deFabricantes de Produtos Eletroeletrônicos(Eletros) é mais radical.“A indústria eletro-eletrônica considera inaceitáveis tarifas de10,5% e mesmo de 16,15%”, diz PauloSaab, presidente da entidade. Ele defende“que o setor eletroeletrônico não seja ofere-cido como moeda de troca numa negocia-ção internacional em busca de ganhos parao setor agrícola”.

Riscos A indústria automobilística instala-da no Brasil seria a mais prejudicada com aredução das barreiras à importação, pois atarifa de 35% que incide sobre as impor-tações de veículos terrestres cairá para10,5% se vingar a proposta da Fazenda.ParaRogelio Golfarb, presidente da AssociaçãoNacional dos Fabricantes de VeículosAutomotores (Anfavea),decisões de inves-timentos no setor automotivo brasileiroserão influenciadas pelo resultado da nego-ciação sobre produtos industriais na OMC.Se a tarifa de importação de veículos cairmuito, abrindo rapidamente o mercadobrasileiro à concorrência externa,“o Brasilnão terá como convencer as montadoras aampliar investimentos necessários paramelhorar a produção no Brasil e provavel-

mente no Mercosul, adverte Golfarb. Eleapóia a proposta de fórmula ABI,com coe-ficiente adicional para diminuir o impactodo corte tarifário em países com alíquotasmais altas, como a Índia e o Brasil.

Empresários industriais dos setores queseriam prejudicados pela liberalização co-mercial argumentam que a realidade atualé diferente da do começo dos anos 90, poisuma redução brusca nas alíquotas de im-portação deixaria parte da moderna indús-tria desprotegida,numa conjuntura marca-da por altas taxas de juro, câmbio valoriza-do, concorrência chinesa e ausência de re-formas estruturais, como tributária, traba-lhista e judiciária.Afirmam também que asimportações cresceriam muito, afetando oresultado da balança comercial brasileira(veja gráfico abaixo).

A nota técnica do Ipea e da ABDI avaliaque os impactos não seriam tão grandes.Se-gundo o estudo,a adoção da alíquota máxi-ma de 10,5% provocaria um aumento de2% a 3,6% nas importações sobre a médiados últimos três anos (de 2002 a 2004). Omaior acréscimo,de 15%,ocorreria para osveículos terrestres. Outros nove setores ve-riam suas importações aumentadas em12%,entre eles produtos e artefatos de cou-ro, bolsas; vestuário de malha; calçados;guarda-chuvas; armas e munições; móveis;colchões; brinquedos e jogos. São justa-mente os setores que combatem a adoção

Coalizão Empresarial Brasileira (CEB),umfórum das áreas industrial, agrícola e deserviços,cujo objetivo é apresentar as posi-ções privadas nas negociações internacio-nais, é a de uma tarifa máxima de 16,15%.A CEB é coordenada pela ConfederaçãoNacional da Indústria (CNI).

A proposta da CEB é intermediária en-tre a posição agressiva da Fazenda e a maisconservadora representada pelo MDIC,quenão pretendia mexer nas tarifas, refletindoas preocupações do empresariado. O mi-nistro do Desenvolvimento,Luiz FernandoFurlan, diz que “o Brasil não fará nenhumaabertura unilateral sem consistentes con-cessões por parte de outros países em pro-dutos que o Brasil e o Mercosul têm interes-se”, em alusão principalmente às expor-tações agrícolas do bloco. Estão alinhadoscom o ministro Furlan os representantes dasindústrias automotiva,eletroeletrônica,têx-til e de calçados, que querem maior pro-teção tarifária em relação ao que está sendoproposto pela Fazenda e pela CEB. O setortêxtil argumenta que sofre a concorrênciachinesa. Os empresários da indústria decalçados pedem cortes menores porque nãotêm mais colchão sobrando em relação àtarifa aplicada.

A Associação Brasileira da IndústriaElétrica e Eletrônica (Abinee) quer que oteto tarifário brasileiro fique em 22,1%, se-gundo Humberto Barbato, diretor de rela-

Saldo da balança comercial brasileira(em bilhões de dólares)

Fontes: Ipeadata/Banco Central

10,8 10,6

15,213,3

10,5

2,7

-0,7-1,2

-6,6-6,8-5,6-3,5

13,1

24,8

33,7

1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

20 Desafios • novembro de 2005

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da fórmula suíça.Na avaliação da pesquisa-dora Fernanda DeNegri,do Ipea,que coor-denou a elaboração da nota técnica feita emconjunto com a ABDI, o impacto da pro-posta do Ministério da Fazenda sobre asimportações brasileiras seria pequeno por-que a tarifa média aplicada (TEC) cairia dosatuais 10,7% para 7,39%.

Impactos Levando em conta os 8.822 pro-dutos industriais que constam da TEC doMercosul,a tarifa de importação cairia cin-co pontos percentuais para 30% da lista e decinco a dez pontos percentuais para 32% dototal.Apenas 0,7% da lista teriam reduções

acima de dez pontos percentuais, com des-taque para as linhas de autopeças e auto-móveis,tratores e outros veículos terrestres,para os quais haveria um corte de 24,5 pon-tos percentuais na tarifa,hoje de 35%.A no-ta técnica destaca ainda outros setores queseriam bastante afetados: reatores nucleares,caldeiras,máquinas,aparelhos e instrumen-tos mecânicos; produtos químicos orgâni-cos; máquinas, aparelhos e materiais elétri-cos, aparelhos de gravação ou de reprodu-ção de som e de imagens em televisão; ins-trumentos e aparelhos de óptica, fotogra-fia ou cinematografia; instrumentos e apare-lhos médico-cirúrgicos; e plásticos e seus

produtos e artefatos.Na opinião da pesquisadora De Negri,

“a proposta da Fazenda foi uma tentativa dogoverno de puxar a postura brasileira nanegociação para um perfil mais agressivo.Até então havia uma proposta do MDIC se-gundo a qual o Brasil iria para a rodada semabrir muito,sem negociar muito.A propos-ta da Fazenda veio no outro extremo.Minhaopinião é que se caminhará para uma po-sição intermediária”.

A postura do Ministério da Fazenda deliberalizar as importações de produtos in-dustrializados foi aplaudida pelos negocia-dores dos países ricos. Para a coordenado-

Desaf ios • novembro de 2005 21

importação de produtos industrializados, como trunfo para negociar na reunião em Hong Kong

Setores industriais alertam que a diminuição do imposto sobre a importação pode ter impacto imediato na balança comercial

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22 Desafios • novembro de 2005

EUA e UE resist irão em cortar os subsídios exig idos pelos países em desenvolv imento

médio de 54% nas tarifas de importação deprodutos agrícolas feitas pelos países indus-trializados.A negociação também envolveráos generosos subsídios concedidos pelosEstados Unidos e pela União Européia aseus produtores agrícolas, o que prejudicapaíses competitivos como o Brasil. Docu-mentos do Banco Mundial e do Fundo Mo-netário Internacional cobram que os paísesdesenvolvidos abram seus mercados para asexportações de produtos agrícolas dos país-es pobres e em desenvolvimento como for-ma de reduzir a desigualdade entre as na-ções.No entanto,José Eli Veiga,professor daFaculdade de Economia e Administraçãoda Universidade de São Paulo, duvida queos países europeus e os Estados Unidosflexibilizem suas posições no setor porquenovas concessões terão de ser aprovadasno Legislativo, onde influi o peso políticodos agricultores.

Resistência O economista Marcos Jank,presidente do Instituto de Estudos doComércio e Negociações Internacionais(Icone), que fornece ao governo pesquisassobre subsídios e tarifas para conduçãodas negociações agrícolas em Genebra,concorda que será difícil quebrar a re-sistência dos lobbies americanos e euro-peus. Mas defende que o Brasil mantenhaelevada ambição na negociação agrícola.Ao mesmo tempo, aplaude o debate sobreuma abertura comercial brasileira a sernegociada na Rodada de Doha:“Não ve-jo por que evitar uma abertura recíprocaque reduza as tarifas de importação dosmembros da OMC durante longos dezanos, com inúmeras exceções e flexibili-dades para países como o Brasil. Se nãoformos capazes de aceitar as condiçõesmais suaves de abertura que estão sendopropostas na Rodada de Doha, jamais se-remos capazes de assinar acordos de livrecomércio muito mais liberalizantes comos países desenvolvidos”. Resta agora aogoverno brasileiro unificar a posição queapresentará em Hong Kong, estabelecer olimite para as concessões e o que pretendeobter em troca.

ra da Unidade de Negociações Internacio-nais da CNI, Soraya Rosar, o principal in-teresse dos países desenvolvidos é aumen-tar a participação nos enormes mercadosinternos do Brasil e da Índia,que ainda pos-suem um nível de proteção alto. No entan-to, a tarifa de importação média de 10,7%para produtos industrializados é igual àpraticada na África do Sul, e supera as mé-dias de China, Coréia do Sul e Rússia, masé menor do que a de outros países em de-senvolvimento, segundo um estudo reali-zado pela CNI. Na avaliação de Rosar, é in-evitável que o Brasil baixe as tarifas de im-portação no processo de negociação, masserá possível obter um período mais longopara implementar as mudanças. A diplo-macia brasileira pede um prazo de dezanos. Além disso, prossegue Rosar, as re-gras da Rodada de Doha admitem a reali-zação de cortes menores nas alíquotas deaté 10% dos produtos importados, desdeque não ultrapassem 10% do valor totaldos bens comprados no exterior.

As concessões brasileiras no caso das ta-rifas de importação de bens industriais de-penderão da abertura que os países ricos fi-zerem na agricultura.Até agora,a União Eu-ropéia se dispõe a cortar em 24,5% as tari-fas de importação de produtos agrícolas,bem menos do que o corte médio de 36%obtido durante a Rodada Uruguai doGATT. Os países do G-20 pedem um corte

Situação atual• Tarifa máxima industrial consolidada

de 35%, que corresponde à maior alíquota que o país pode aplicar como imposto sobre importação.

• Tarifa Externa Comum (TEC) média de 10,7%, que corresponde à alíquota média que o país tem praticado para o imposto sobre importação.

Propostas• Ministério do Desenvolvimento, Indústria

e Comércio Exterior: defende manter as tarifas altas, de preferência nos patamaresatuais para proteger a indústria nacional.

• Alguns setores industriais, como oeletroeletrônico e o têxtil: aceitam a adoção de uma tarifa consolidada máxima de 22,1%.

• Posição oficial atual do governo brasileiro:defende a fórmula ABI (Argentina, Brasil eÍndia), mas ainda não definiu o coeficientede corte nas tarifas, o que dependerá dosavanços na negociação agrícola.

• Coalizão Empresarial Brasileira (CEB),que representa a maior parte da indústria:defende uma tarifa consolidada máxima de 16,15%.

• Ministério da Fazenda: defende a adoção de uma tarifa consolidada máxima de10,5%, que corresponde à fórmula suíça.

Caso ocorra um corte drástico na tarifa máxima de importação, o setor automobilístico será o mais afetado

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Estudantes de pós-graduação buscam melhores

colocações no mercado de trabalho, por isso é importante o

alinhamento entre os cursos e as necessidades das empresas

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Desaf ios • novembro de 2005 25

sintoniaNa busca da

Uma gu inada na po l í t i ca educac iona l quer adequar os

cursos de pós-graduação às pr ior idades da po l í t i ca

industr ia l e de desenvo lv imento tecno lóg ico

P o r L i a V a s c o n c e l o s , d e B r a s í l i apo,a instituição assume uma nova respon-sabilidade: colocar a formação de mestrese doutores brasileiros em sintonia com asprioridades da Política Industrial e de De-senvolvimento Tecnológico (PITCE).

A meta é formar pessoas altamente qua-lificadas que cumpram a função de impul-sionar os setores de semicondutores, soft-ware, bens de capital, fármacos e medica-mentos, eleitos como prioritários pelaPITCE. Além dessas atividades, a biotec-nologia, a nanotecnologia e a biomassatambém foram definidas como prioritáriasno campo da inovação tecnológica. O Pla-no Nacional de Pós-Graduação (PNPG)2005-2010 da Capes busca incentivar aformação de pessoas altamente qualifi-cadas que possam fazer parte do mapa dainovação no país e também aproximar asuniversidades do setor produtivo,por meiode cursos de pós-graduação que atendamàs necessidades das indústrias brasileiras.O PNPG prevê mais investimentos em cur-sos de mestrado e doutorado nas áreas deengenharia e computação, que hoje repre-sentam apenas 13% dos cerca de 3 milcursos de pós-graduação existentes nopaís. Algumas metas do plano são ambi-ciosas, como formar anualmente 16 mildoutores e 45 mil mestres em 2010, quaseo dobro dos formados em 2003 (veja grá-

fico na pág. 28).O Brasil está muito atrasado no campo

da formação de pessoal de nível superiorem relação aos países desenvolvidos. Deacordo com dados da Capes, a Alemanhase destacou como a nação com maior ín-dice de formação de doutores, tendo atin-gido o patamar de 30 doutores por 100mil habitantes em 2003. No Reino Unidoe nos Estados Unidos, esse indicador che-gou, em 2001, à marca de 24 e 14, respec-tivamente. O Brasil está bem atrás, poisformou 4,6 doutores por 100 mil habi-tantes em 2003, ou seja, 15% da taxa al-cançada pela Alemanha e um terço do re-sultado obtido pela Coréia do Sul, um paísemergente que se destaca no campo da ino-vação tecnológica.

Para reverter esse quadro, a Capes as-sumiu novos desafios, como melhorar aqualidade das instituições privadas, ofere-cer capacitação aos centros e institutos de

linhar o ensino e a pesquisa fei-tos nas universidades com as ne-cessidades dos setores empresa-riais mais competitivos foi um

dos segredos do sucesso dos países quetriunfaram na corrida pela inovação tec-nológica. Implica em formar profissionaisaltamente qualificados, não só para pes-quisar e ensinar mas também para atuardentro das empresas. No Brasil, a Coorde-nação de Aperfeiçoamento de Pessoal deNível Superior (Capes) tem como objeti-vo garantir que todos os professores dasuniversidades públicas tenham, no míni-mo, o doutorado. Essa tarefa deverá estarcumprida em oito anos, prevê Jorge Gui-marães, presidente da Capes, órgão ligadoao Ministério da Educação.Ao mesmo tem-

A

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pesquisa e apoiar a política industrial pro-posta pelo governo federal, informa Gui-marães, presidente da entidade. A Capesaprovou em setembro deste ano 174 novoscursos de mestrado e doutorado propos-tos por universidades públicas e privadasespalhadas pelo país. Desse total, 28 con-templam cursos como ciência da com-putação, genética e biologia molecular, en-genharia química, civil e mecânica e ciên-cias farmacêuticas, ligados às prioridadesda política industrial e tecnológica (leia

quadro na pág. 28).“Há uma correlação di-reta entre o número crescente de doutoresque formamos anualmente e a posição doBrasil no ranking de produção científicaem periódicos internacionais”, informaGuimarães. Para dar uma idéia, a partici-pação de trabalhos brasileiros publicadosem periódicos internacionais era de 0,42%do total em 1981 e passou para 1,55% em2003.“Isso significa que, quanto mais dou-tores são formados, mais conhecimentonovo é criado”, afirma Guimarães.

A prioridade dada à política industrialtambém passa pela concessão de bolsas deestudo. A linha adotada pela Capes prevêbolsas específicas para alunos de pós-gra-duação de áreas como microeletrônica,software, fármacos e bens de capital.“Háum claro empenho em tornar a pós-gra-duação mais proativa para a sociedade.Parao Brasil ser competitivo no setor industrialé preciso formar quadros que atuem nasempresas, caso contrário nossa indústriasó vai copiar o que é feito lá fora”,diz VahanAgopyan, professor de engenharia e cons-trução civil da Universidade de São Paulo

(USP) e representante da área na Capes.Existem hoje no país 126 mil alunos quecursam pós-graduação. Desses, 40 mil játêm vínculo empregatício e não recebembolsas. Dos 80 mil restantes, 46 mil sãobeneficiados com algum tipo de auxílio fi-nanceiro, o que é considerado pouco. ACapes quer ampliar essa cobertura e con-seguiu aprovar um orçamento de 666 mi-lhões de reais para 2005, 15% superior aodo ano passado, para ajudar um conti-gente maior de estudantes.

Diálogo A nova postura adotada pela Capestambém inclui um diálogo constante coma iniciativa privada para conhecer as de-mandas do setor industrial.“O setor empre-sarial brasileiro e a indústria, em particu-lar, consideram muito positivo o fato de a

Capes orientar seus programas de formaçãode recursos humanos de alto nível em con-formidade com a política industrial”, afir-ma Rodrigo da Rocha Loures, presidenteda Federação das Indústrias do Estado doParaná (Fiep) e membro do Conselho Te-mático de Política Industrial e Desenvol-vimento Tecnológico da Confederação Na-cional da Indústria (CNI). Para Agopyan,da USP, a aproximação entre o setor pro-dutivo e as universidades faz parte de ummovimento natural.“A dissociação entreessas duas esferas existe por culpa dos dois:a universidade não entende os anseios dosetor produtivo e este não compreendeque a universidade é uma fonte inesgotá-vel de conhecimento novo”, avalia. Segun-do o professor,não há conflito entre a aber-tura do mundo acadêmico para o univer-so produtivo e a autonomia universitária.

A parceria universidade/empresa estámais avançada na indústria do petróleo,uma das que mais demanda pessoal com al-ta qualificação profissional e deve abrir 70mil postos de trabalho até 2010, especial-mente por causa dos investimentos daPetrobras.A Capes e o Instituto Brasileirode Petróleo e Gás (IBP) começaram a ope-rar conjuntamente para tentar garantir adisponibilidade de recursos humanos dequalidade.Três programas distintos de ofer-ta de bolsas estão sendo elaborados: umpara alunos que já estejam fazendo especia-lização na área e queiram fazer cursos de in-tercâmbio em outras universidades brasi-leiras ou no exterior; o segundo voltado pa-ra apoiar a atualização de profissionais quetrabalham,principalmente,nas pequenas e

26 Desafios • novembro de 2005

Dos 126 m i l e s t udan te s b ras i l e i r o s de pós-g raduação, apenas 46 m i l r e cebem

Em que áreas se formam os doutores (2003)

*Inclui Oceanografia Biológica, originalmente classificada em Ciências Exatas e da Terra**Não inclui Ciência da Computação nem Oceanografia BiológicaFontes: Capes/MEC

13% 13% 10% 9% 5% 1% 19% 16% 14%

Biológicas* Saúde Sociais AplicadasAgrárias Lingüística, Letras e Artes HumanasExatas e da Terra** Multidisciplinares & Ensino Engenharias e Ciência da Computação

Número de cursos de

pós-graduação no Brasil

1976 1990 1996 2004

Fonte: Capes/MEC

673

1.4851.624

2.993

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Desaf ios • novembro de 2005 27

médias empresas da indústria de petróleo;e o terceiro para melhorar a oferta de bolsasde formação exclusivas para professores.Cerca de 1,5 mil empresas do setor de pe-tróleo e gás poderão ser beneficiadas combolsas de estudo.“Os programas de bolsasjá estão encaminhados.Só falta definirmosde onde virão os recursos”, diz Raimar vanden Bylaardt, gerente de tecnologia do IBP.Segundo ele, a idéia é que o financiamentopara as bolsas venha do Fundo Setorial dePetróleo e Gás (CT-Petro), ligado ao Mi-nistério da Ciência e Tecnologia (MCT),que recebeu 840 milhões de reais neste anograças aos royalties pagos pelo setor pe-trolífero.No entanto,será necessário vencera resistência da equipe econômica,que temsegurado a liberação das verbas previstasem orçamento. Até agora, apenas 80 mi-lhões de reais do CT-Petro foram libera-dos.“Ainda teremos uma reunião com aequipe econômica do governo para pedirque os recursos do fundo não sejam con-tingenciados.”

O incentivo aos cursos de mestrado

b o l s a d e e s t u d o . A C a p e s q u e r a u m e n t a r o n ú m e r o d e a l u n o s b e n e f i c i a d o s

Quatro planos e um objetivo

A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) foi criada em 1951com o objetivo de “assegurar a existência de pessoal especializado em quantidade e qualidadesuficientes para atender às necessidades dos empreendimentos públicos e privados, que visam odesenvolvimento do país”.A Capes, ao longo da sua existência, tem se apoiado em quatro ver-tentes: capacitação do corpo docente das instituições de ensino superior; qualificação dos pro-fessores da educação básica; especialização de profissionais para o mercado de trabalho públi-co e privado; formação de técnicos e pesquisadores para empresas.

Para cumprir suas propostas,a Capes elaborou ao longo desses anos quatro Planos Nacionaisde Pós-Graduação (PNPG).O primeiro deles (1975-1979) procurou integrar o ensino de pós-gra-duação ao sistema universitário, garantir financiamento estável, admitir docentes de forma regu-lar e programada pelas instituições universitárias e conceder bolsas a alunos de tempo integral.O segundo (1982-1985) colocou o foco na qualidade do ensino de pós-graduação, com a insti-tucionalização e o aperfeiçoamento do sistema de avaliação dos cursos. O terceiro PNPG (1986-1989) reconheceu a necessidade de integração da pós-graduação com o setor produtivo e definiua universidade como ambiente privilegiado para a produção de conhecimento.Também enfatizoua desigualdade regional e propôs maior atenção às instituições de ensino e pesquisa da Amazônia.

O quarto PNPG (2005-2010) tem como meta formar recursos humanos e fomentar a pes-quisa, o desenvolvimento e o mercado de trabalho, qualificar o corpo docente do ensino superiore tentar reverter o quadro de desequilíbrio regional na distribuição de cursos de pós-graduação.Em 2004,existiam 1.076 cursos de mestrado e 689 de doutorado na região Sudeste, enquanto noNorte eram apenas 68 cursos de mestrado e 19 de doutorado.

A parceria universidade/empresa está mais avançada na indústria do petróleo, uma das que mais demanda pessoal com alta qualificação

Divulgação/Petrobras

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28 Desafios • novembro de 2005

Já ex i s tem 155 cur sos de mest rado prof i ss i ona l no pa í s , com 5 m i l es tudan tes

a criação de outros 90.“O modelo de mes-trado profissional que incorpora expe-riências práticas vivenciadas nas indús-trias é bastante apropriado para alavancaros processos de inovação nas empresas”,diz Loures, da CNI.

Demanda Para balizar sua atuação em sin-tonia com as necessidades da política in-dustrial e tecnológica do país, a Capes fe-chou, em setembro deste ano, um acordode cooperação técnica com o Instituto dePesquisa Econômica Aplicada (Ipea) ecom o Conselho Nacional de Desenvolvi-mento Científico e Tecnológico (CNPq).O objetivo é identificar as áreas da indús-tria onde há maior demanda de recursoshumanos qualificados e conhecer o desti-no dos mestres e doutores brasileiros for-mados nas universidades brasileiras. O úl-timo estudo desse tipo foi feito na décadade 90 e mostrou que ficaram na universi-dade 34,5% dos mestres e 69% dos douto-res. Por meio dessa parceria, a Capes, oCNPq e o Ipea procurarão identificar asdemandas da indústria por mestres edoutores.“A grande novidade da pesqui-sa,que deve estar concluída até o final des-te ano, é cruzar os dados da Capes com asinformações da Relação Anual de Infor-mações Sociais (Rais) do Ministério doTrabalho e Emprego”, explica AdrianoBaessa, pesquisador do Ipea.“O estudoserá fundamental para mapear onde estáa capacidade nacional. Com base nos re-sultados, será possível pensar em novosprogramas para realocar a força de traba-lho brasileira e tornar a indústria maiscompetitiva”, diz Augusto Gadelha, secre-tário de Desenvolvimento Tecnológico eInovação do MCT. “Não basta, porém,identificar as demandas do setor indus-trial”, alerta Paulo Corbucci, pesquisadordo Ipea,“é preciso que a política econô-mica incentive o setor produtivo priva-do a investir em tecnologia e produçãode conhecimento, pois quem está fazen-do isso no Brasil hoje são as universida-des, algumas empresas estatais e umaspoucas privadas.”

profissionais foi um dos caminhos encon-trados pela Capes para aproximar o meioacadêmico do setor produtivo. Esse mes-trado tem natureza diferenciada do acadê-mico tradicional porque tem objetivo es-pecífico de desenvolver competências quefavoreçam o desempenho profissional edas organizações, tanto na área públicaquanto privada. “Geralmente, os candi-datos aos mestrados profissionais são pes-soas mais maduras cujos temas de disser-tação tiveram origem nas empresas emque atuam. O foco do trabalho é muito es-pecífico”, explica Guimarães, da Capes.Cerca de 5 mil estudantes já participamdos 155 cursos de mestrado profissionalexistentes e a Capes recebeu pedidos para

6 na área de engenharia mecânica

3 na área de engenharia química

2 na área de ciência da computação

2 na área de informática

1 na área de redes de computadores

1 na área de genética e biologia molecular

1 na área de genética

1 na área de farmacologia

1 na área de engenharia civil

1 na área de engenharia urbana

1 na área de engenharia civil e ambiental

1 na área de ciência e engenharia de petróleo

1 na área de ciências e técnicas nucleares

1 na área de engenharia de produção

e sistemas

1 na área engenharia de produção

1 na área de engenharia eletrônica

1 na área de engenharia elétrica

1 na área de ciências farmacêuticas

1 na área de gestão, pesquisa e

desenvolvimento em tecnologia farmacêutica

28 novos cursos de pós-graduação aprovados pela Capes em conformidade com a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior

1987 1990 1995 2000 2003 2010*

3.647 5.7379.265

18.373

27.630

45.000

16.000

8.0945.335

2.5281.302868

Mestre e doutores titulados no Brasil

MestresDoutores

Fontes: Capes/MEC* Projeção

Rodrigo da Rocha Loures, presidente FIEP

Divulgação

d

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30 Desafios • novembro de 2005

P a u l o C o r b u c c iARTIGO

ara os que temem que a ação do Estadopossa significar ingerência na autono-mia universitária, a resposta a essa ques-tão é não. Já os que defendem a retoma-

da, pelo Estado, de sua condição de sujeito cen-tral do desenvolvimento, a resposta é sim. Porfim, há os que enxergam no mercado a solução,na medida em que tudo passa a ser resolvido pe-lo equilíbrio entre oferta e demanda.

A primeira concepção está ancorada no prin-cípio da autonomia do saber, sendo o livre pen-sar condição necessária para a busca da verdadee a conseqüente produção do conhecimento. Asegunda vertente defende que o Estado deveriadesempenhar, sobretudo neste momento de acir-rada globalização econômica, cultural e política,seu papel de indutor do desenvolvimento nacio-nal. Por fim, os defensores do livre mercado argu-mentam que é por intermédio deste que se con-segue ter o uso mais racional dos recursos.

Ainda que todas as três concepções sejammerecedoras de aprofundamento, optou-se, nes-te breve ensaio, por tratar daquela que constituialternativa entre a aparente dissociação, nos diasatuais, entre universidade e sociedade e a indese-jada apropriação de recursos públicos em favorde interesses privados.

Apesar de o debate sobre o binômio Estado/desenvolvimento ter sido deslegitimado nos anos90, devido à euforia neoliberal, observa-se que asimplicações socioeconômicas da adoção dessereceituário têm demandado, a cada dia, maiorpresença do ente estatal. Além disso, a maioriados países latino-americanos pôde aprender queseguir à risca a cartilha dos organismos finan-ceiros internacionais não permitiu à região tri-lhar o caminho do desenvolvimento (crescimen-to econômico com redução da pobreza).

Uma das orientações constantes dessa cartilhaapontava para a necessária desoneração do Estadofrente ao financiamento da educação superior, jáque países “em desenvolvimento” deveriam con-centrar esforços na educação básica. Mas, comono caso brasileiro tal iniciativa teria sido imple-mentada apenas parcialmente, a pós-graduaçãocontinuou a expandir-se a taxas elevadas e sob a

liderança das instituições de ensino públicas.Tendo-se como referência os gastos federais

nessa área ao longo daquela década, pode-se afir-mar que a União tenha investido o mínimo ne-cessário para o funcionamento do sistema bra-sileiro de pós-graduação. Entretanto, fatores in-ternos às instituições de ensino, assim como osinvestimentos realizados no passado, teriamcompensado essa saída de cena do poder públi-co e viabilizado a continuidade de sua expansão.

Porém, para que essa trajetória de crescimen-to não sofra descontinuidade e, sobretudo, paraque os frutos dessa expansão sejam revertidospara o desenvolvimento nacional, a pós-gradua-ção brasileira não poderá prescindir de umapolítica que defina prioridades e estratégias deação. Trata-se, pois, da formulação de uma políti-ca pública de natureza educacional com interfacenas áreas de ciência & tecnologia e pesquisa &desenvolvimento, tidas como cruciais para umainserção mais vantajosa de qualquer país na atualdivisão internacional do trabalho.

Ao enfraquecer seu poder regulatório sobre oensino de graduação desde meados da década de90, a União deu margem à proliferação de insti-tuições de qualidade duvidosa. Essa expansãodesenfreada abriu espaço à concorrência pre-datória entre elas, tornando imperativa a reduçãode custos para o enfrentamento dessa acirradadisputa pelo aluno-cliente e, conseqüentemente,comprometendo a qualidade da formação profis-sional ofertada.

Por essas e outras razões não mencionadas, opoder público deveria atuar de forma proativa nocampo da pós-graduação stricto sensu,desenhan-do uma política que favoreça a aproximação entreas fontes produtoras de conhecimento e o setorprodutivo,em favor de um efetivo desenvolvimen-to do país. Uma política dessa natureza tambémpoderia criar salvaguardas à expansão desordena-da, como a ocorrida na área de graduação.

Paulo Corbucci é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)

Pós-graduação como política pública?

“Ao enfraquecer seu

poder regulatório

sobre o ensino de

graduação desde

meados da década

de 90, a União deu

margem à proliferação

de instituições de

qualidade duvidosa”

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INTERNACIONAL

riqueza cresce em escala global,mas o fosso que separa as naçõesricas das mais pobres só aumen-ta, ao contrário do que sugeriam

defensores das forças do mercado. Osnúmeros que comprovam essa realidade sãodramáticos e poderiam ter origem numaorganização não-governamental contráriaà globalização ou fazer parte do material depropaganda da Coréia do Norte, últimobastião do comunismo.Mas provêm de en-tidades insuspeitas.Os beneficiados que es-tão entre os 20% mais ricos da populaçãomundial respondiam por 86% do consumototal,enquanto restava aos 20% mais pobresmirrado 1,3%,informa um estudo de 1998do Programa das Nações Unidas para oDesenvolvimento (Pnud). De acordo como relatório de 2006 do Banco Mundial, o

consumo de um cidadão de Luxemburgo é62 vezes superior ao de um habitante daNigéria. Do total da riqueza produzida nomundo, 80% fica com 1 bilhão de pessoasque vivem nos países ricos, enquanto 5 bi-lhões de pessoas,quase todas em países po-bres, dividem o restante, afirma o relatórioda Organização das Nações Unidas (ONU)sobre a desigualdade,publicado em agosto.A Organização Internacional do Trabalhorevela: a renda anual de cada pessoa que fazparte dos 20% mais ricos do mundo chegoua 32,3 mil dólares em 2002 e cresceu nadamais, nada menos do que 183% em 40anos; já a renda anual por pessoa dos 20%mais pobres foi de 267 dólares,com o min-guado aumento de 26% desde 1962 (veja

tabela na pág. 34).

O historiador e economista político Da-

vid Landes, professor da Universidade deHarvard, nos Estados Unidos, lembra quehá 250 anos a diferença de renda entre umhabitante do país mais rico e outro do maispobre era, talvez, de cinco para um.Agora,“a diferença em termos de renda per capitaentre a nação industrial mais rica,a Suíça,eo mais pobre país não industrial, Moçam-bique, é de cerca de 400 para 1”, atestaLandes em seu livro Riqueza e Pobreza dasNações.O relatório do Banco Mundial con-firma que as disparidades entre os paíseseram pequenas no começo do século XIX,mas pioraram no século XX e a distânciacontinua a aumentar, se excluídos dois paí-ses que expandiram muito suas economiasnos últimos anos, a China e a Índia.

A preocupação com a crescente de-sigualdade entre as nações levou a ONU a

Cada vez mais

P o r O t t o n i F e r n a n d e s J r . , d e S ã o P a u l o

distantesEstudos do Banco Mund ia l e da ONU mostram que,

apesar dos esforços, p iorou a d istr ibu ição da r iqueza

em esca la g loba l e aumentou o ab ismo que separa os

pa íses r icos dos pobres

A

Desigualdade 31/10/05 19:18 Page 32

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Rafael Merchante/Reuters

O continente africano continua amargando os piores

índices de desigualdade do planeta

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O número de pessoas que vivem na pobreza extrema, com renda inferior a 1 dólar por dia, subiu

ciais existentes nos países ricos.O relatório 2006 do Banco Mundial,cu-

jo tema é “Eqüidade e o Desenvolvimento”,também propõe que os países mais desen-volvidos permitam maior acesso a seus mer-cados de trabalho para a mão-de-obra não-qualificada proveniente das regiões mais po-bres do mundo.Segundo o economista bra-sileiro Francisco Ferreira,um dos principaisresponsáveis pela elaboração do relatório,“jáque fizemos tanto para promover a mobili-dade do capital, porque não facilitar umpouquinho a mobilidade do fator abun-dante nos países mais pobres,que é o traba-lho”.A abertura de cotas para trabalhadoresde países mais pobres contribuiria para frearas migrações ilegais ou tentativas desespera-das,como ocorreu em outubro,em Melilla,quando centenas de africanos tentaram for-çar as cercas de arame farpado para entrarno enclave espanhol existente no Marrocos.

Ajuda O relatório do Banco Mundial sugereoutras iniciativas que os países mais ricospoderiam tomar: o acesso a remédios gené-ricos para os países pobres e em desenvolvi-mento e programas de ajuda econômica demelhor qualidade. Existe bastante espaçopara ações desse tipo, pois um estudo daOrganização de Cooperação e Desenvolvi-mento Econômico (OCDE) afirma que ogasto anual com perfumes e cosméticos nospaíses industrializados em 2004 foi equiva-lente à metade da ajuda econômica oficialaos países mais pobres.

O aumento da pobreza em várias regiõesdo mundo explica a incisiva cobrança feitapelos organismos multilaterais para que ospaíses ricos contribuam mais para mudaressa tendência. De acordo com o Monitorda Pobreza do Banco Mundial, o númerode pessoas que vivem na pobreza extrema(renda inferior a 1 dólar por dia) subiu de2,4 bilhões para 2,7 bilhões entre 1981 e 2001(leia tabela ao lado), período em que au-mentou a riqueza em escala mundial.A si-tuação só não foi pior graças ao desempe-nho da economia chinesa, onde o númerode pessoas na pobreza extrema caiu de 876milhões para 594 milhões entre 1981 e

incluir entre os Objetivos de Desenvolvi-mento do Milênio – que visam reduzir pelametade a pobreza absoluta existente noplaneta até 2015 – o estabelecimento deuma parceria global na qual os países maisricos contribuam para ajudar os menos fa-vorecidos a superar a miséria. Avanços jáocorreram,como o perdão da dívida exter-na de alguns países pobres, mas ainda per-sistem distorções vergonhosas, como o fa-to de uma vaca dos rebanhos da UniãoEuropéia receber um subsídio anual quecorresponde a três vezes a renda anual percapita dos moradores dos países mais po-bres da África,como informa Carlos Lopes,que foi representante da ONU no Brasil atéoutubro (leia entrevista na pág. 8).

O relatório da ONU sobre a desigual-dade cobra mais concessões dos países de-senvolvidos, como a redução das barreirasà entrada de produtos agrícolas e manufa-turados que exigem mão-de-obra intensi-va, provenientes das partes mais pobres domundo.A liberalização comercial e a redu-ção dos subsídios aos agricultores europeuse norte-americanos teriam gigantesco im-pacto na redução da pobreza, especial-mente nos países africanos,afirma RicardoPaes de Barros,pesquisador do Instituto de

Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Amoderna agricultura de exportação depaíses em desenvolvimento, como o Brasil(leia quadro na pág. 35), seria menos bene-ficiada em termos relativos,pois já alcançoualtos níveis de eficiência e produtividadeque permitem superar as barreiras comer-

1960/62 2000/02 Variação

20% mais ricos 11.417 32.339 183%

20% mais pobres 212 267 26%

Diferença 54 vezes 121 vezes

Distribuição desigual da riqueza(renda anual per capita, média, em dólares de 1995)

Fonte: Organização Internacional do Trabalho – Comissão mundial para a dimensão social da globalização

Consumo total Telefonia Carne/Peixe Energia Papel

20% mais ricos 86% 74% 45% 58% 87%

20% mais pobres 1,3% 1,5% 5% 4% 1%

Desigualdade no consumo em escala mundial(Participação dos mais pobres e mais ricos, em 1998)

Fonte: Pnud

1981 2001

Mundo 2.450 2.735

Leste Ásia e Pacífico 1.170 864

China 876 594

Sul da Ásia 821 1.064

Oriente Médio e Norte da África 52 70

África abaixo do Saara 288 516

Europa e Ásia Central 20 113

América Latina e Caribe 99 128

Fonte: Monitor da Pobreza/Banco Mundial

O aumento da pobreza

absoluta no mundo

(Número pessoas vivendo com

menos de US$ 1 por dia, em milhões)

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Desaf ios • novembro de 2005 35

de 2,4 bilhões para 2,7 bilhões entre 1981 e 2001, período em que cresceu a riqueza mundial

Efeitos da liberalização comercial

Em 2003,a Organização de Cooperaçãoe Desenvolvimento Econômico (OCDE) enco-mendou um estudo para avaliar qual seria oimpacto sobre a pobreza e a distribuição derenda num grupo de países caso fossem al-terados os preços internacionais de algumascommodities agrícolas e caíssem pela meta-de os subsídios em todos os países do mun-do. Os economistas da organização simula-ram as alterações nos preços das commodi-ties e passaram os resultados para os insti-tutos que fariam a avaliação em cada país.

No Brasil, a avaliação ficou a cargo daFundação Instituto de Pesquisas Econômi-cas (Fipe), ligada à Faculdade de Economiae Administração (FEA) da Universidade deSão Paulo (USP).A conseqüência seria o au-mento do volume e dos preços das commo-dities exportadas pelo Brasil. Porém, essaalteração não teria um grande efeito econô-mico. Geraria crescimentos reais de 1,6%no Produto Interno Bruto (PIB), de 1,58% narenda familiar e de 1,41% no nível de em-prego. De acordo com a avaliação da Fipe,é pequena a participação econômica dasatividades agrícolas e de processamento dealimentos, devido ao alto grau de diversifi-cação da economia brasileira.A distribuiçãode renda, medida pelo coeficiente de Gini,permaneceria praticamente igual, com umaumento marginal na área rural.A mudançanos preços dos produtos agrícolas contri-buiria para que algo entre 324 mil e 427mil pessoas saíssem da pobreza absoluta,especialmente no Nordeste.“Com a quedados subsídios, os preços internacionais dascommodities subiriam,o que beneficiaria osprodutores de carne bovina, por exemplo,mas em contrapartida os brasileiros quemoram nas cidades pagariam mais caro pe-lo produto”, lembra Carlos Azzoni, professorda FEA e um dos pesquisadores da Fipe queparticipou da elaboração do estudo enco-mendado pela OCDE.

Susana Vera/Reuters

Cartaz de protesto dos espanhóis contra o tratamento violento aos imigrantes na fronteira

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Nos países com baixa desigualdade na distribuição da riqueza, o aumento de um ponto

O elixir contra a pobreza

A receita para erradicar a pobreza já foiprescrita e envolve a combinação de dois re-médios: reduzir a desigualdade social e au-mentar o crescimento econômico sustentado.Dois documentos recentes, do Banco Mundi-al e da Organização das Nações Unidas, re-conhecem que a expansão econômica temmais efeito no combate à pobreza onde é me-nor a desigualdade de renda.Agora,um estu-do do Banco Interamericano de Desenvolvi-mento (BID), apoiado em trabalhos de pes-quisadores do Instituto de Pesquisa Econômi-caAplicada (Ipea),simula o efeito da combinação entre esses dois remédios.

“Reduzir significativamente a pobreza requer melhorar a distribuiçãode renda para aumentar o impacto do crescimento econômico”, recomendao documento do BID, que considera a distribuição da riqueza no Brasil umadas mais desiguais do mundo.“O rendimento médio de uma família nos 10%mais ricos é 60 vezes superior àquele de uma família nos 10% mais pobres.A proporção de renda dos 50% mais pobres é igual àquela apropriada pelo1% mais rico, fato que tem permanecido imutável nos últimos 20 anos.”

O trabalho do BID,publicado em outubro,com o título “Reduzindo a po-breza e a desigualdade no Brasil”, se baseia em estudos dos pesquisado-res Ricardo Paes de Barros,Mirela Carvalho e Samuel Franco, todos do Ipea.Revela que a porcentagem dos brasileiros que viviam abaixo da linha de po-breza caiu de 41,6% do total em 1993 para 33,8% em 1995, como efeitoda estabilização econômica e da queda da inflação.Mas,desde então,a taxapermanece estável em torno dos 33%,enquanto o número de pessoas viven-do abaixo da linha da pobreza, ou seja com renda mensal per capita inferi-or a 125 reais, aumentou de 50 milhões em 1995 para 55,1 milhões em2002. O lento crescimento econômico e o desemprego, após 1995, expli-cam esse fenômeno. A situação só não piorou, avalia o trabalho do BID,graças à rede de segurança social montada a partir da segunda metadedos anos 90 e aos novos programas de transferência de renda.

Ações como o Bolsa Família, ajudam a garantir condições de vida me-lhores para 22,3 milhões de brasileiros que,em 2002,viviam com uma ren-da mensal inferior a 62 reais e eram considerados extremamente pobres,re-conhece o trabalho do BID. Mas também adverte que o mais importante,supondo um ritmo de crescimento econômico constante, seria atacar ascausas estruturais da desigualdade social e garantir aos mais pobres o aces-so ao mercado de trabalho e a serviços públicos de boa qualidade, comoeducação,saúde e saneamento.O documento do BID indica que a educaçãoé a melhor maneira de combater a pobreza e de impedir que seja transferi-da de uma geração para outra.“Diferenças na educação explicam cerca de40% das diferenças na renda do trabalho e 30% da desigualdade de rendatotal”,aponta o estudo,coordenado pelo economista Carlos Herrán,especia-lista em pobreza e educação.

O mapa da pobreza no Brasil

2002 1992 2002 1992

Número de pessoas (em milhões) 55,1 57,1 22,3 27

Porcentagem sobre total da população 32,9 40,8 13,4 19,3

Renda média (R$ por pessoa por mês) 69,8 64,4 37 34

Pobres • Renda mensal por pessoa inferior a R$ 125,0 em 2002

Extremamente pobres • Renda mensal por pessoa inferior a R$ 62,0 em 2002

Fonte: Barros, Carvalho e Franco (2004a).Estimativas feitas com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD).

Pobres Extremamentepobres

O papel das políticas públicas é vital para a erradicação da pobreza e o documento do BID alinha algumas prioridades

• Melhorar a regulamentação do mercado de trabalho para incentivar a formalização.

• Criar programas efetivos de treinamento para a força de trabalho por meio de incentivos e parcerias inovadoras com indústrias e empresas privadas.

• Investir em infra-estrutura e novas tecnologias para ampliar a capacidade produtiva da economia.

• Promover reformas fiscais com efeito orçamentário neutro que enfoquem a estrutura e estimular a dispersão de impostos indiretos que possam simultaneamente melhorar a eficiência e aeqüidade da tributação.

• Continuar fortalecendo a rede de segurança social, particularmentepor meio de programas de transferência de renda que impliquem em condicionalidades, como manter os filhos estudando.

• Manter uma política agressiva de investimentos contínuos na expansão do acesso e na qualidade da educação básica para reduziras grandes diferenças educacionais, que constituem a principal fonte de desigualdade de oportunidades no mercado de trabalho.

• Melhorar a articulação de programas compensatórios destinados a grupos populacionais vulneráveis (afrodescendentes, crianças e adolescentes, desempregados) com políticas educacionais e de treinamento eficientes.

Ricardo Paes de Barros

Paulo Jabur

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Desaf ios • novembro de 2005 37

porcentual do PIB faz cair em quatro pontos a proporção de pessoas na pobreza extrema

2001. Entre 1980 e 2001, a renda per capitanas partes menos favorecidas do mundocaiu,em comparação com a renda por habi-tante dos países ricos da OCDE, como re-vela o relatório da ONU: na América Latinacaiu de 18% para 13,3% e nos países afri-canos ao sul do Saara de 3,3% para 1,9%(veja tabela na pág. 38).

Os relatórios do Banco Mundial e daONU reconhecem que o crescimento eco-nômico em escala global não foi suficientepara diminuir a pobreza em escala global.A solução passa por reduzir a desigualdade,tanto dentro dos países como entre as na-ções. Uma publicação do BID, baseada emestudos do Ipea, mostra que seriam neces-sários dez anos para extinguir a pobreza ex-trema no Brasil se houvesse uma redução de6% da desigualdade social, acompanhadade uma expansão do Produto Interno Bruto(PIB) de 4,5% anuais.Porém,se só ocorres-se o crescimento da economia,o período detempo necessário subiria para 30 anos (leia

quadro na pág. ao lado).Segundo o relatório do Banco Mundial,

nos países com boa distribuição de renda,cada ponto percentual de crescimento doPIB provoca uma queda de quatro pontospercentuais na proporção das pessoas quevivem na extrema pobreza. Onde a desi-gualdade é alta o efeito do crescimento so-bre a redução da pobreza é nulo. Ferreira,um dos principais autores do relatório, dizque “o Banco Mundial se deu conta que ofracasso de muitas tentativas de investir emgrupos excluídos se devia à captura da ini-

ciativa pelas elites”. Para ele, a eficácia daspolíticas públicas de inclusão social é menorquando é mais alta a desigualdade.

Acesso De acordo com o relatório doBanco Mundial,é fundamental uma inicia-tiva dos países ricos para a redução das de-sigualdades globais,mas o sucesso dependebasicamente de políticas domésticas dospaíses pobres e em desenvolvimento.“Asmelhores políticas para a redução da po-breza devem envolver redistribuição de in-fluência,vantagens ou subsídios,para alémdos grupos dominantes”,indica o relatório.Para quebrar a cadeia de transmissão dapobreza, que passa de geração a geração, é

fundamental garantir aos excluídos acessoa serviços públicos de boa qualidade, co-mo educação, saúde, bem como proprie-dade e informação. O relatório do BancoMundial define a reforma agrária como umdos instrumentos que promovem a igual-dade social e cita o exemplo do estado deBengala Ocidental, na Índia, onde foi ga-rantido aos arrendatários da terra pelo me-nos 75% do rendimento,o que fez com quea produtividade subisse 62%.A Costa Rica,na América Central, também é citada, poislá a desigualdade social é baixa e o Estadoproporciona aos mais pobres serviços deboa qualidade. A expectativa de vida naCosta Rica é igual à dos Estados Unidos,

Taxa de pobreza por regiões(Pessoas vivendo com menos de U$2 por dia, sobre o total da população)

Mundo Leste da Ásia e Pacíf ico

China Índia Sul da Ásia Oriente Médio eNorte da África

América Latina e Caribe

Europa e Ásia Central

África sub-saariana

1981

2001

Fonte: Banco Mundial – Monitor da Pobreza

67%53%

85%

47%

88%

47%

90%80%

89%77%

29% 23% 27% 25%

5%

20%

73% 77%

Africanos são barrados na fronteira da Espanha com o Marrocos

Rafael Merchante/Reuters

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38 Desafios • novembro de 2005

Garantir aos excluídos acesso a educação de boa qualidade é a melhor forma de inclusão social

de boa qualidade,mas admite a necessidadede programas de transferência de renda,desde que acompanhados de exigências,co-mo obrigar as famílias a manter seus filhosna escola e a passar regularmente por exa-mes médicos.O economista Marcelo Nery,chefe do Centro de Pobreza da FundaçãoGetulio Vargas (FGV),lembra que os proje-tos devem ser submetidos à avaliação da so-ciedade,pois assim fica mais fácil corrigir osrumos e avaliar os resultados. Um bomexemplo, lembra ele,é o programa de trans-ferência de renda mexicano, Oportunida-des (antigo Progresa), em que os pesquisa-dores têm acesso a todos os resultados.

Alcance Ferreira,do Banco Mundial,afirmaque programas como o Bolsa Família, doBrasil,e o Oportunidades realmente atingemas camadas mais pobres de forma melhor doque outros programas ditos sociais.“Aumen-tou o consumo de alimentos,a matrícula e odesempenho escolar entre as famílias benefi-ciárias desses programas.No caso mexicano,cresceu o investimento em micronegóciosentre os que receberam transferências de ren-da.”Apesar das diferenças regionais,já existemuita troca de informações entre países po-bres e em desenvolvimento a respeito dosprogramas sociais.“A experiência do BolsaFamília foi levada para Angola e Moçam-bique”, informa Marcelo Medeiros, um doscoordenadores do Centro da Pobreza doPnud,que também é pesquisador do Ipea.

O economista Ferreira,do Banco Mun-dial, lembra que o potencial produtivo hu-mano de uma sociedade é desperdiçadoquando ela é desigual:“As pessoas inovame investem menos quando uma grande par-te da população é excluída das oportunida-des,pois não tem a mesma influência políti-ca ”.Finalmente,vale destacar a advertênciacontida no relatório da ONU:“É arriscadoignorar a desigualdade na busca pelo desen-volvimento social. Dar prioridade exclusi-vamente ao crescimento econômico e à ge-ração de renda é ineficiente como estratégiade desenvolvimento,porque leva à acumu-lação de riqueza para poucos e aprofunda apobreza de muitos”.

que tem renda per capita 20 vezes superior.Garantir aos pobres o acesso à educação

é uma das formas mais eficientes de melho-rar a distribuição da riqueza. Um exemplo,segundo o relatório da ONU, vem do esta-do de Kerala,na Índia,onde os investimen-tos em educação, especialmente para mu-lheres,tiveram como resultado menor cres-cimento demográfico, diminuição da po-breza e aumento da expectativa de vida.Ou-tra prova vem daqui mesmo, do Brasil. Umtrabalho feito por Ronaldo Seroa Mota eMário Jorge Cardoso, pesquisadores doIpea, constatou que a redução do analfabe-tismo entre as mulheres é a forma mais ba-rata de combater a mortalidade infantil.Mulheres bem informadas cuidam melhor

de si mesmas e de seus filhos.O impacto daeducação sobre a renda das pessoas foi ava-liado em outro estudo do Banco Mundial,de julho deste ano, denominado “Onde es-tá a riqueza das Nações”.Ele mostra o efeitode um ano de escolaridade em diferentesrealidades.Nos países pobres (renda per ca-pita inferior a 826 dólares anuais), um anoa mais de estudo representa 825 dólares amais nos rendimentos anuais.Nos países derenda média (entre 826 e 10.065 dólares),oacréscimo seria de 2 mil dólares, e subiriapara 16 mil nos países mais ricos (renda percapita superior a 10.066 dólares anuais).

O relatório da ONU defende que a erra-dicação da pobreza só será alcançada se osexcluídos tiverem acesso a serviços públicos

1,5% 1,2%

9,7%

3,3%1,6%

6,7%

3,3%1,9%

Cai a fatia dos países mais pobres(Renda per capita regional comparada com a renda por pessoa nos países ricos da OCDE)

Fonte: Alemayehu Geda/Relatório da Banco Mundial 2006

Leste da Ásia e Pacíf ico

Sul da Ásia Oriente Médio eNorte da África

África abaixodo Saara

América Latinae Caribe

1980

2001

18,0%

12,8%

Francisco Ferreira, do Banco Mundial, propõe abertura de cotas para trabalhadores de países pobres

d

Simone D. McCourtie/World Bank

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G u i l h e r m e C . D e l g a d oARTIGO

az praticamente um quarto de séculoque no Brasil se debate a “retomada dodesenvolvimento econômico”, quasesempre bloqueada pelos “ajustes” fiscais

ou monetários de caráter contencioso. Por suavez,o debate teórico e político do desenvolvimen-to fundado na igualdade é novo para nós, aindaque nos anos 50 e 60 a Comissão Econômica paraa América Latina (Cepal), em outro contexto his-tórico, tenha posto a questão da distribuição dosfrutos do progresso técnico e da renda social nocentro da discussão do desenvolvimento.

Ao introduzir a tese da igualdade no debate dodesenvolvimento, estamos fazendo o que a epis-temologia chama de “mudança de paradigma teó-rico”. Há uma “reproblematização”e reconceitua-ção das idéias do desenvolvimento e da igualdade,contextualizadas no novo ambiente do século XXI.

No nível concreto da atualidade, o ponto departida é uma situação de forte desigualdade so-cial – de oportunidades, de capacidades ou de re-sultados –, acompanhada de desemprego estru-tural de recursos produtivos,com mais da metadeda população economicamente ativa (PEA) emcondições de desemprego aberto ou precaria-mente incorporada à economia informal.

A situação que se busca atingir por meio dodesenvolvimento fundado na igualdade altera si-multaneamente as condições de desigualdade, dedesemprego e de baixa produtividade no setorinformal, e caracteriza-se pela geração de umProduto (renda) Potencial, com melhoria dosmétodos produtivos, da ocupação de recursosociosos e transferências de renda.A mudança re-quer forte intervenção de políticas públicas me-diante a dotação de bens equalizadores providospela esfera pública, eficazes na geração do incre-mento do Produto e da Produtividade.

A elevação do Produto Potencial não se con-funde com a elevação do nível de produção – em-prego e renda, impactados pelos vetores conven-cionais da demanda efetiva, como consumo, ex-portação, investimento, gastos públicos etc. – namesma funcionalidade da teoria keynesiana deemprego. Isso porque a perspectiva de igualdade,no contexto situacional, requer outro “approach”

de dotações políticas da esfera pública,capazes detrazer para a economia real consumidores e tra-balhadores que a esta não retornariam pela mãovirtuosa do crescimento econômico dos merca-dos estruturados.

Nesse sentido, o Brasil se encontra no meio docaminho rumo ao desenvolvimento com eqüi-dade (dependendo da perspectiva, o observadorpode enxergar também o inverso).A política so-cial de Estado realiza importante avanço no âm-bito das dotações equalizadoras que melhoramas condições de igualdade sob três aspectos: dosdireitos sociais como habilitações, objetivamentecapacitadoras à inclusão social; da política socialcomo forma de redistribuição (limitada) da ren-da social; e do enfoque do gasto social público,ao redor de 21% do PIB, que tem papel indutorde demanda efetiva e sentido anticíclico na con-juntura de baixo crescimento. Essa política socialafeta diretamente a renda social pela via dastransferências diretas (previdência básica) e darenda imputada (saúde e educação).

Por outro lado, ao se falar no Produto Poten-cial – que eleva produção, emprego e renda daPEA não assalariada, alterando métodos produ-tivos e relações de trabalho –, não há como fazê-lo apenas por meio das políticas sociais ou pelavia convencional dos mercados organizados.Tampouco é possível imaginar um sistema per-manentemente transferidor de excedentes paraviabilizar a subsistência de parte expressiva desua força de trabalho que está na informalidade.

A tese do desenvolvimento com eixo na igual-dade requer uma profunda reforma das políticaseconômicas setoriais de fomento produtivo, co-mercial, tecnológico etc. Isso implica no incre-mento de seu produto e de sua produtividade.Atocontínuo, a política social fundada em direitoscompletaria seu ciclo de universalização de direi-tos básicos em mais uma ou duas décadas, sob oinfluxo da inserção produtiva da parte de suaforça de trabalho, atualmente desocupada ou pre-cariamente ocupada.

Guilherme C. Delgado é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica

Aplicada (Ipea)

O papel das políticas públicas

“A perspectiva de

igualdade requer

políticas públicas

capazes de trazer para

a economia real

consumidores e

trabalhadores que a

esta não retornariam

pela mão virtuosa

do crescimento

econômico”

FDivu

lgaç

ão

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40 Desafios • novembro de 2005

ECONOMIA

Novo modeloem teste

O governo federal lançou o Projeto Pi loto de Investimento para executar

obras públ icas prioritárias de infra-estrutura e aval iar um novo sistema de

acompanhamento da execução e da aferição dos benefíc ios econômicos

P o r C l a r i s s a L o p e s , d e B r a s í l i a

Beto Barata/AE

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Desaf ios • novembro de 2005 41

s motoristas que circulam porboa parte dos 58 mil quilômetrosde rodovias federais brasileirastêm de andar devagar e fazer

malabarismos para não cair nos buracos,pois a maior parte foi construída na déca-da de 70 e apenas 20% da malha rodo-viária recebeu obras de recuperação signi-ficativa nos últimos dez anos.Segundo cál-culos do Ministério dos Transportes, serápreciso investir 1,2 bilhão de reais anuais,nos próximos quatro anos, para colocar arede de rodovias federais em boas con-dições. E ainda será preciso mobilizar re-cursos para ampliar o sistema portuário emelhorar os trechos de ferrovias. Fica difí-cil conciliar o necessário fortalecimento dainfra-estrutura de transportes com a po-lítica fiscal adotada pelo governo, que bus-ca um superávit primário de 4,25% doProduto Interno Bruto neste ano e no pró-ximo como forma de reduzir a dívida dosetor público e conquistar a confiança dosinvestidores do setor privado.

A saída encontrada pelo governo federalfoi lançar o Projeto Piloto de Investimentos(PPI), que prevê a aplicação de 9,8 bilhõesde reais entre 2005 e 2007 em obras vitaispara superar os principais entraves logísti-cos que prejudicam o desenvolvimento daeconomia, principalmente os planos decrescimento das empresas exportadoras.Aidéia do PPI surgiu no ano passado, quan-do as autoridades econômicas brasileirasdiscutiam um novo acordo com a equipe doFundo Monetário Internacional (FMI).In-vestimentos potencialmente rentáveis nãoentrariam na conta das despesas públicas e,portanto,não afetariam a meta do superávitprimário em negociação com o Fundo. Ogoverno brasileiro decidiu não renovar oacordo com a instituição multilateral,mas oPPI foi mantido, como uma tentativa demelhorar a eficiência do gasto público.Alémdisso,pretende comprovar a vantagem eco-nômica de investir em projetos que prome-tem ser rentáveis, comparada com a apli-cação dos recursos para reduzir a dívidapública,que caiu nos últimos três anos,masainda é preocupante (veja tabela na pág. 43).A iniciativa é elogiada por Carlos Campos,pesquisador do Instituto de Pesquisa Eco-nômica Aplicada (Ipea).“Eu acho uma óti-

ma alternativa.E é justo,porque investimen-to tem de ser contabilizado como investi-mento mesmo, inclusive porque o governoestá selecionando os projetos que têm me-lhor taxa de retorno”, declara Campos.

Uma reserva orçamentária de 2,8 bi-lhões de reais prevista para 2005 foi orien-tada para 137 projetos,que incluem a recu-peração de 19 rodovias federais em 18 es-tados,a adequação ou construção de novostrechos de estradas,como o Arco Rodoviá-rio do Rio de Janeiro, e investimentos emdragagem e na melhoria do acesso aosprincipais portos do país (leia quadro ao la-

do). São obras que têm potencial de gerarbenefícios econômicos superiores ao inves-timento exigido.

O PPI também traz outras novidades:um esquema especial para gerenciar os pro-jetos e a implantação de um novo modelode avaliação dos benefícios econômicos tra-zidos por eles.“Vamos acompanhar as libe-rações de verbas para garantir a continuida-de e a conclusão das obras, que, depois deconcluídas,serão constantemente avaliadaspara medir seus impactos sociais e econô-micos”, diz Ariel Pares, secretário de Plane-jamento e Investimentos Estratégicos doMinistério do Planejamento, Orçamento eGestão (MPOG). “Selecionamos um núcleopequeno de projetos que são complemen-tares e que podem gerar um bom retornonum prazo médio de dois anos”,explica ele.

Acompanhamento Foi criado um grupo detrabalho com técnicos dos ministérios doPlanejamento, da Fazenda e da Casa Civilpara acompanhar a evolução das obras in-cluídas no PPI. Nos investimentos tradi-cionais, a Secretaria de Planejamento eInvestimentos Estratégicos do MPOGacompanha apenas a liberação inicial dosrecursos e o dia-a-dia fica por conta do ór-gão ou do ministério responsável. Com onovo sistema,“será possível avaliar cada pro-jeto individualmente e realocar as verbassempre que necessário”, argumenta Pares.Na recuperação de uma estrada,por exem-plo, a obra é licitada por trechos, mediantevários contratos.Agora,“acompanharemosa execução de cada um dos trechos e, sehouver qualquer problema na execução,redirecionaremos os recursos para outro tre-

O Brasil na rabeiraInvestimentos públicos (% do PIB)

1994-1998 1999-2003

1. Etiópia 9,0 9,9

2. Gana 13,1 9,7

3. Jordânia 6,9 6,8

4. Colômbia 7,6 6,2

5. Índia 7,3 6,1

6. Peru 4,6 3,4

7. Chile 3,8 2,6

8. Brasil 2,6 1,8

PrioridadesConheça os principais projetos do PPI

• Recuperação de 19 rodovias federais em 18 estados

• Adequação ou construção de trechosrodoviários na BR-101, nas suas seçõesNordeste e Sul e no Rio de Janeiro

• Adequação ou construção de trechosrodoviários na BR-060, em Goiás e noDistrito Federal

• Adequação ou construção de trechosrodoviários na BR-050, em Minas Gerais

• Adequação ou construção de trechosrodoviários na BR-381 entre Belo Horizontee Governador Valadares (MG)

• Adequação ou construção de trechosrodoviários na BR-116 em São Paulo

• Construção do Arco Rodoviário do Rio deJaneiro

• Investimentos em dragagem,melhorias deacesso e modernização das instalações nosportos do Rio de Janeiro (RJ), Sepetiba (RJ),Vitória (ES), Santos (SP), Itajaí (SC), SãoFrancisco do Sul (SC) e Rio Grande (RS)

• Término da construção das eclusas darepresa de Tucuruí (PA)

• Conclusão do metrô de Belo Horizonte (MG)

• Modernização do Sistema Nacional deMeteorologia

• Centro de Desenvolvimento deBiotecnologia da Amazônia

• Estruturação dos sistemas estaduais degerenciamento de recursos hídricos no semi-árido

Fonte: FMI

O

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42 Desafios • novembro de 2005

Até agosto o governo empenhou apenas 57% da verba de 2,8 bilhões de reais prevista para o

nhado.“O valor que não for gasto em 2005será adicionado ao investimento previstopara o PPI em 2006,que será de 3,3 bilhõesde reais”, garante Pares.“Se conseguirmosiniciar as obras neste ano teremos grandechance de dar continuidade aos projetosem 2006.”

Mas os técnicos do Ministério do Pla-nejamento informam que alguns projetossequer saíram do papel e não devem maisentrar no PPI em 2006. O projeto de leiorçamentária sobre o PPI para o próximoano não previu,por exemplo,novos recur-sos para o Centro de Biotecnologia daAmazônia (CBA) – organismo criado paratrabalhar com pesquisa e desenvolvimen-to para uso da biodiversidade da regiãoamazônica, em parceria com as empresaslocais.O prédio do CBA está pronto há vá-rios anos, mas a maioria dos laboratóriosainda não começou a funcionar. O PPIhavia liberado 2,6 milhões de reais para oprojeto em 2005, mas, até o final de setem-bro,o Ministério do Desenvolvimento,In-dústria e Comércio Exterior (MDIC) ain-da não havia usado os recursos na segun-da fase do projeto,que previa a aquisição demobiliários, computadores e equipamen-tos. Segundo o MDIC, houve problemasburocráticos na contratação de uma fun-dação que fará a contrapartida privada aos

cho”. Com esse sistema,“diminui a chancede liberarmos um recurso que não é gasto eacaba,ao final do ano,voltando para as con-tas do superávit primário”,diz Pares.Muitasobras públicas param por falta de monitora-mento adequado, além da sucessiva mu-dança de prioridades políticas. Por isso,sus-tenta o secretário Pares,“o acompanhamen-to é importante porque existem projetoscom capacidade de retorno em dois anos,mas deixam de ser viáveis quando demo-ram seis anos ou mais para ficar prontos”.

“A nova metodologia terá impactos po-sitivos na contratação das obras”,diz LuzielReginaldo de Souza, diretor de Adminis-tração e Finanças do Departamento Nacio-nal de Infra-Estrutura de Transportes(DNIT).“Para os projetos do PPI, tivemosde mudar um pouco a rotina. Fomos obri-gados a fornecer ao grupo gestor do PPIdados precisos sobre a taxa interna de re-torno de cada projeto e a acompanhar deperto todo o cronograma.A liberação dosrecursos fica vinculada ao cumprimentodesses pressupostos.A vantagem é que ago-ra pagamos de 15 em 15 dias as empresasque trabalham nas obras. Elas passaram ater um fluxo de caixa muito melhor. Comisso, a nossa expectativa é que nas novas li-citações vinculadas ao PPI consigamos atéuma redução de custos”, explica Souza.

Apesar das promessas, a rigidez da má-quina burocrática não foi superada e boaparte do dinheiro previsto para o PPI em2005 ainda está nos cofres do governo. Se-gundo o MPOG,até o final de agosto haviasido solicitado e autorizado o empenho deapenas 57% do orçamento do programa.Na linguagem do governo, empenhar sig-nifica reservar os recursos para pagamen-to. A etapa seguinte é a execução e só de-pois vem a liquidação, ou seja, o pagamen-to da empresa prestadora de serviços. Dototal de recursos empenhados no PPI, ape-nas 14,9% foram executados e 12,3%foram efetivamente pagos.

Aposta O ritmo é mesmo lento, mas oMPOG ainda aposta que é possível chegarao final de 2005 com 90% do valor empe- Fontes: Ipeadata e IBGE

1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003

29,6

24,425,0 25,3

27,928,4 28,6 28,6

29,3

31,031,6

33,434,9

34,0

A carga tributária aumenta...(carga tributária total - % do PIB)

A dragagem e o acesso aos portos são dois

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Desaf ios • novembro de 2005 43

PPI em 2005, e que será usada em 137 projetos de infra-estrutura, especialmente em rodovias

...os investimentospúblicos caem...(% do PIB)

Fonte: Ministério do Planejamento Fontes: Ipeadata e Banco Central

3,70

2,70 2,70

1,80

...e a dívida pública cresce(dívida líquida total do setor público - % do PIB)

dez1991

dez1992

dez1993

dez1994

dez1995

dez1996

dez1997

dez1998

dez1999

dez2000

dez2001

dez2002

dez2003

dez2004

1970/1979 1980/1989 1990/1999 2000/2003

38,6

30,4

34,3

41,7

49,4

52,655,5

57,2

51,7

pontos que mereceram especial atenção do Projeto Piloto de Investimentos

Fabio Mota/AE

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blica se adapte ao novo sistema.“Trata-sede um novo padrão de acompanhamentode projetos, que é bem mais rigoroso e efi-ciente, mas também é mais trabalhoso eprecisa de um período para ajustes”, diz.Aintenção do governo é que futuramente onovo modelo seja usado para todos os pro-jetos de investimento.

Mas o formato do programa tambémgera críticas e desperta desconfianças.“Asboas regras da economia recomendam quetodos os gastos do governo, inclusive oscom infra-estrutura, sejam consideradosnos cálculos do resultado das contas públi-cas,ao contrário do que está sendo feito noPPI”, defende Raul Veloso, economista es-pecialista em finanças públicas.“Essa é atradição,porque a maioria dos projetos queo governo se propõe a fazer não se paga.Háuma desconfiança do mercado financeirointernacional com os países em desenvolvi-mento, onde é comum investir dinheiropúblico em projetos economicamente in-

44 Desafios • novembro de 2005

Especialistas em f inanças públicas defendem que cortar os gastos correntes é a melhor forma

investimentos do governo.Agora a situaçãofoi resolvida e os valores devem ser empen-hados até o final do ano.

Navegação Já os recursos para a construçãode eclusas no rio Tocantins, junto a usinahidrelétrica de Tucuruí, para restabelecer anavegação hidroviária em um trecho de 700quilômetros,acabaram sendo remanejadospara outras obras porque não foram em-penhados durante este ano. Com a entradadas eclusas no PPI,foi necessário fazer umareavaliação dos custos.A proposta apresen-tada pela empresa responsável pelo projeto,no entanto, parece não ter agradado ao go-verno e a obra ficou parada,mas deve ser re-tomada em 2006.

No Ministério dos Transportes – omaior beneficiado com recursos do PPI –,apenas 52% do total disponibilizado foi em-penhado. Desse montante, 21% foram li-quidados e só 18% efetivamente pagos.“Asobras de recuperação de rodovias estão an-dando bem, o que está pendente são as

obras de construção e readequação das es-tradas, que ainda dependem de licitação”,informa Souza, do DNIT.“A duplicação daBR-101 no Nordeste,por exemplo,está pa-ralisada porque as empresas estão contes-tando na Justiça o resultado da licitação.”Segundo Souza,a boa notícia é que a maio-ria dos projetos pelo menos já começou aser licitada. Carlos Campos, do Ipea, fazquestão de alertar para as dificuldades dessaetapa dos projetos.“Antes de fazer o acom-panhamento da obra em si,é necessário umesquema muito apurado de acompanha-mento da fase pré-obra, isto é, do períodode licitação.A lei de licitações é muito rígi-da, engessa o processo e emperra a obra”,diz ele.“Sem falar na questão das licençasambientais.Não sou contra defender o meioambiente, mas a lentidão e a complexidadedas exigências ambientais atrasam,às vezespor anos, a execução de alguns projetos.”

Na avaliação de Pares, do MPOG, osproblemas ocorrem,em parte,por causa dotempo necessário para que a máquina pú-

Quando foram feitas as últimas restaurações das estradas federais

80% 15% 5%

Depois de 2000

Entre 1994 e 1999

Antes de 1994

Fonte: Ministério dos Transportes

Construção das eclusas no rio Tocantins, junto à usina

Edsom Leite/Ministério dos Transportes

O PPI prevê a recuperação de 19 rodovias federais em 18 estados

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Desaf ios • novembro de 2005 45

viáveis”, ressalva Veloso. Para ele, mesmoobras que,em tese,seriam lucrativas,comoa concessão de rodovias, que pode gerar acobrança de pedágios, esbarram em dis-putas políticas e não obtêm o retorno es-perado.“A saída é cortar os gastos correntespara manter a máquina governamental quehoje limitam os recursos para investimen-tos em infra-estrutura”, propõe Veloso.

Impactos O FMI também defende que osgastos públicos em infra-estrutura sejamacompanhados da elevação da poupançapública, por meio da redução dos gastoscorrentes do governo. O FMI realizou umestudo sobre a viabilidade de projetossemelhantes ao do PPI em sete países emdesenvolvimento – Chile, Peru, Colômbia,Etiópia,Gana,Índia e Jordânia.O Brasil fi-cou na rabeira no ranking dos investimen-tos do setor público (veja tabela na pág. 41).Para a diretora do Departamento de Rela-ções Fiscais do FMI, Tereza Ter Minasian,

ainda não existem resultados conclusivossobre o impacto de investimentos em infra-estrutura no crescimento econômico. Ésemelhante a avaliação de Pedro CavalcantiFerreira, professor da Fundação GetulioVargas (FGV) e autor de dois estudos en-comendados pelo Banco Mundial sobre oretorno de investimentos em infra-estrutu-ra em países em desenvolvimento.“Umasaída melhor para o impasse do governoseria reduzir os gastos com consumo, quejá foram de 25% do PIB e hoje estão emtorno de 36%. Há ainda muita gordurapara queimar nos gastos públicos”,afirma.

Os estudos do Banco Mundial sobre oimpacto de gastos em infra-estrutura sobreo desempenho econômico foram usadospelos técnicos do governo para justificar aelaboração do PPI.Um dos estudos atribuium terço da defasagem entre o crescimen-to da América Latina e da Ásia ao menorinvestimento em infra-estrutura nos paíseslatino-americanos. O mesmo estudo tam-

bém indica que a taxa de crescimento bra-sileira poderia aumentar substancialmentese a qualidade e a quantidade da infra-es-trutura nacional fossem elevadas ao nívelda Coréia do Sul.

Na opinião de Paulo Levy, diretor deEstudos Macroeconômicos do Ipea, o PPIé importante para que o governo,como umtodo, melhore a qualidade do gasto públi-co.“O PPI é bom porque representa a pos-sibilidade de maior eficiência na gestão dosinvestimentos governamentais,aliada ao au-mento da nossa rede de infra-estrutura”,ar-gumenta. No entanto, além das questõescontábeis ou da discussão sobre a rentabili-dade dos projetos, para que o Brasil consi-ga, efetivamente, voltar a andar nos trilhos,é bom que o governo tire o PPI do papel eincorpore, definitivamente, os bons méto-dos de acompanhamento e gestão a seusprogramas de investimento.Afinal,já que odinheiro não está sobrando,espera-se que,pelo menos, seja gasto com eficiência.

de o governo federal liberar recursos para investir em obras públicas de infra-estrutura

hidrelétrica de Tucuruí: o projeto está contratado há anos, mas as obras ainda não foram iniciadas

Beto Barata/AE

d

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AGRONEGOCIO´

s resultados obtidos pelo Brasil no comércio exterior sãopositivos. Entre janeiro e outubro deste ano, o saldo dabalança comercial foi superior a 34 bilhões de dólares. Opaís ocupa a segunda posição no ranking dos produtores

de soja. Perde apenas para os Estados Unidos. Os indicadores in-duzem à conclusão de que tudo corre bem, mas as coisas não sãobem assim.Técnicos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatís-tica (IBGE) estimam que a safra brasileira de grãos de 2005 será4,71% inferior à de 2004.A Confederação da Agricultura e Pecuáriado Brasil (CNA) e o Centro de Estudos Avançados em EconomiaAplicada da Universidade de São Paulo (Cepea/USP) prevêem queo Produto Interno Bruto (PIB) da agricultura será 14,6% inferiorao alcançado no ano passado. Este não é um bom ano para o pro-dutor rural. O clima tem andado indócil. Ocorrem secas e chuvasnos locais e nos momentos errados. Mas, além dos incontroláveiselementos da natureza, há os problemas econômicos. Falta crédi-to,a infra-estrutura é insuficiente,o real está sobrevalorizado e im-postos e burocracia inibem investimentos. Uma conjunção de fa-tores que prejudicam a produção, a competitividade do produto esua exportação. Considerando a estimativa feita pela CNA e peloCepea de que 1 real gerado no campo resulta na criação de 2,56reais em setores como os de beneficiamento, de transporte e decomercialização,o caso toma proporções ainda mais preocupantes.

Os que ainda acreditavam na frase do português Pero Vaz de

A produção de soja e der i vados envo lve ma is de 240 mi l traba lhadores d i retos e

é uma das pr inc ipa is fontes de d i v isas do pa ís . Mas os bras i le i ros começam a

perder para os argent inos na expor tação de fare lo e ó leo do grão

argentino

P o r E l i a n a S i m o n e t t i , d e S ã o P a u l o

O

46 Desafios • novembro de 2005

O avanço

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Unite

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Caminha de que “Nesta terra, em se plantando tudo dá”tomaramum susto.Descobriram que nada é assim tão simples.“Os recordesmundiais de taxa de juro real e de valorização da moeda nos úl-timos 12 meses estão matando a competitividade do agronegó-cio brasileiro”, diz o engenheiro agrônomo André Pessôa, sócioda empresa de consultoria Agroconsult.“Em 2006 e 2007 haveránova redução da área plantada, talvez maior do que o recorde ne-gativo atual, de 2 milhões de hectares. Corremos o sério risco deque ocorra algo que sempre nos pareceu impensável: a Argentinasuperar o Brasil na produção de soja.” Hoje os brasileiros já per-dem para os argentinos na exportação de farelo e óleo de soja (ve-

ja gráfico ao lado) e na atração de investimentos para o setor.“OBrasil é, nos últimos três anos, o maior exportador mundial doconjunto de produtos de soja (grão,farelo e óleo).Mas a Argentinaé maior na exportação de farelo e óleo. Nesses itens eles são maiscompetitivos”, reconhece Armando Meziat, secretário deComércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústriae Comércio Exterior (MDIC). Vizinhos, sócios e parceiros noMercosul,Argentina e Brasil competem com garra quando saempelo mundo. Não estabeleceram uma estratégia de negociaçãocomum diante de terceiros.A situação demanda providências, já

que a cadeia da soja envolve mais de 240 mil trabalhadores e é umadas principais fontes de divisas do país.

Desinvestimento Segundo dados do IBGE, a agroindústria regis-trou crescimento modesto em 2004 – apenas 0,3%. O setor indus-trial como um todo cresceu 5%.A observação cuidadosa do com-plexo da soja revela movimentos indesejáveis. A Archer DanielsMidland (ADM),com sede nos Estados Unidos,é a maior processa-dora de grãos do mundo.Investiu pesado na produção de farelo,óleoe proteínas especiais no Brasil.No entanto,neste ano fechou duas desuas indústrias gaúchas. Motivo: transportar grãos de outros esta-dos para o Rio Grande do Sul,onde houve quebra de safra,seria umesforço contraproducente.O custo seria maior do que o faturamen-to.“A estrutura tributária do país é péssima e prejudica a cadeia pro-dutiva”, diz Roberto Giannetti da Fonseca, presidente da Sílex Tra-ding e ex-secretário executivo da Câmara de Comércio Exterior doMinistério do Desenvolvimento.“Há acúmulo de ICMS (Impostosobre Circulação de Mercadorias e Serviços) quando o produto via-ja por vários estados, e de PIS/Cofins (Contribuição para o Fi-nanciamento Social),convertido em créditos nunca compensados.”

A Bunge Alimentos, multinacional de origem holandesa, tem

48 Desafios • novembro de 2005

Corremos o risco de que ocorra algo que sempre nos pareceu impensável: que a Argentina

Terminal portuário construído pela multinacional de origem argentina Bunge na Turquia, especializado em grãos e óleo de soja: a empresa tem investido em outras

Divulgação/Bunge

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Exportação dos complexos soja

brasileiro e argentino, 2004/05

(em milhões de toneladas)

Desaf ios • novembro de 2005 49

supere o Brasil não só na exportação de benef iciados de soja, mas no tamanho da safra

investido no mundo inteiro. Nos últimos tempos comprou umaindústria de óleo de cozinha na Rússia, uniu-se à francesa Sofi-proteol na Europa para fazer combustível com óleos vegetais,cons-truiu um terminal portuário para grão e óleo de soja na Turquia ecomprou a esmagadora de soja Sanwei Group em Rizhao, cidadeportuária chinesa. No Brasil, fechou uma planta em Cuiabá, noMato Grosso.As portas de outras marcas também foram baixadas.“A questão é que os países emergentes estão interessados em com-prar grãos de soja e beneficiá-los em seu território, pois isso resul-ta na criação de empregos. O Brasil terá de abrir mercados paraprodutos com maior valor agregado em vez de apenas atender àdemanda existente”,diz o economista Rogério Freitas,pesquisadordo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

O movimento de retração se repete no campo.Os paranaensesnão estão comprando novas sementes: aproveitam as sobras de ou-tras safras. No Rio Grande do Sul, depois da estiagem que pôs aperder 70% da última safra, muitos agricultores estão migrandopara o trigo e o milho, cuja cotação é mais alta no mercado inter-nacional. O governador Blairo Maggi, maior produtor individualde soja do mundo, já previu que 20% da área do Mato Grosso queantes dava grão será destinada a outros cultivos.As ações do gover-no federal restringiram-se à liberação de recursos do Fundo deAmparo ao Trabalhador (FAT),para a renegociação de dívidas en-tre produtores e fornecedores, e à prorrogação do custeio da safra.Até o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, declarou-sefrustrado. Criticou o câmbio, a falta de recursos orçamentários, ataxa de juro,e ainda alertou que,se a situação não mudar,o país teráde importar alimentos em 2006. Segundo ele, os indicadores dacrise são inúmeros: queda de 40% no uso do calcário, de 16% nouso de fertilizante, de 25% no uso de semente, de 20% na utiliza-ção de defensivos e de 17 bilhões de reais na renda agrícola entre2004 e 2005.“Falta ao país uma política contínua, um projeto sus-tentável de apoio ao produtor rural”, diz Rogério Freitas, do Ipea.

Vizinho Bom para a Argentina,que depois de mergulhar num poçoque parecia não ter fundo em 2001 e 2002,tem crescido à taxa mé-dia de 7% ao ano.O presidente Néstor Kirchner,que completa doisanos de mandato,está rindo à toa.Os produtos agropecuários paraexportação foram os principais responsáveis pela recuperação eco-nômica do país.A safra de soja colhida em outubro foi recorde, de38,85 milhões de toneladas.A produtividade do campo aumentou20% em um ano.O Ministério da Agricultura estima que,em 2008,a produção argentina de soja atinja 100 milhões de toneladas – odobro da produção brasileira atual.E há fortes investimentos na in-dústria,na armazenagem e em logística portuária.A Argentina re-gistrou crescimento de 2,4% na industrialização do grão neste ano.Atrai investidores por várias razões.“Os custos de produção são in-feriores aos brasileiros e o câmbio é favorável ao comércio externo.Os exportadores são restituídos dos impostos pagos ao governo”,diz César Borges de Souza, vice-presidente da Caramuru Ali-

Exportação Total Grão Farelo Óleo

37,61

34,32

20,54

9,60

14,63

19,99

2,454,73

Bra

sil

Arg

enti

na

Fonte: USDA - Outubro 2005. Elaboração: Depla/ Secex

regiões e fechado plantas no Brasil

Soja 31/10/05 19:34 Page 49

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mentos, a maior empresa de capital nacional do setor. Neste finalde ano o Congresso argentino cortou à metade o imposto de valoragregado sobre fertilizantes – o que resultará numa economia de250 milhões de dólares por ano para os produtores. E não é só.“AArgentina tem um sistema de incentivo à industrialização,especial-mente de produtos para exportação, seus produtores estão locali-zados próximos dos portos e as fábricas são de última geração.Todaa logística do país é melhor do que a brasileira”,diz Sérgio Mendes,presidente da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais.Aamericana Cargill, que desativou plantas no Brasil, comprou a ar-gentina Finexor,exportadora de carne – uma forma bastante lucra-tiva de vender soja no mercado externo.

“O Brasil deveria aprender a lição. É muito mais vantajoso ex-portar soja na forma de carne do que em grão”, diz João CarlosSouza Carvalho, agrônomo pesquisador do Ipea.As receitas bra-sileiras com a exportação de carnes batem recordes todos os mesese, segundo a Secretaria de Comércio Exterior (Secex), a carne suí-na é o item que mais cresce.A Coopercentral Aurora, de Chapecó,em Santa Catarina, um dos maiores conglomerados agroindus-triais do país, fabrica rações e exporta carne.“A maioria da proteí-na presente na carne suína é de origem vegetal, principalmente dasoja. Um dos principais insumos das dietas de suínos é o farelo desoja. Também é usada a soja desativada, um produto integral semos fatores antinutricionais presentes na soja crua”,diz o veterinárioRomário Prezutti Ribeiro,especialista em nutrição da cooperativa.

Os observadores estrangeiros têm notado que o Brasil corre orisco de perder uma das grandes oportunidades de sua história.Numa reportagem publicada no jornal inglês Financial Times,“Reidas plantações: o enorme coração do Brasil está gerando fazendasque podem alimentar o mundo”, o repórter Alan Beattie afirmaque o Brasil é o pivô no jogo que definirá o futuro dos negóciosglobais. Um elogio e tanto, seguido de um tranco.“No entanto,nenhum país, nem mesmo o Brasil, se tornará rico exportandoapenas commodities – especialmente considerando que elas ten-dem a ter o preço declinante.” Um estudo sobre as perspectivasagrícolas do planeta para o período de 2005 a 2014,elaborado portécnicos da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Eco-nômico (OCDE) e do braço da Organização das Nações Unidaspara Agricultura e Alimentação (FAO), segue mais ou menos amesma trilha.Afirma que o Brasil deverá superar os Estados Uni-dos no comércio global de oleaginosas nos próximos dez anos.Traz,entretanto,duas notas.A primeira:“O acirramento da concorrên-cia mundial entre exportadores de oleaginosas provocará um no-vo ciclo de queda nos preços dos produtos agrícolas nos próximosdez anos”.A segunda:“Muito depende da estabilização econômi-ca e do ajuste cambial,que influenciam a competitividade do país”.

Da forma como está, o país não enriquece.A face mais visívelda crise agrária,no momento,é a febre aftosa,que tem prejudicadoas exportações de carne bovina.Mas ela atinge outros setores.A so-ja especialmente. O grão tem sido negligenciado.A soja é conside-

rada tão importante para a alimentação,para a saúde e para a eco-nomia que os investimentos em pesquisa não param de crescer noplaneta. Há novidades surgindo a todo o momento (leia quadro ao

lado). Os laboratórios farmacêuticos americanos AstraZeneca eNovartis entraram em acordo para criar a Syngenta,especializadana investigação de melhoramentos do grão.“O Brasil praticamentenão experimenta grandes avanços nessa área há 30 anos”,diz o en-genheiro agrônomo e pesquisador de economia rural AntonioCarlos Roessing, que trabalha na unidade de soja da Embrapa noParaná.A empresa, responsável por 60% da oferta de semente desoja no país e pela melhora da qualidade do grão,reivindica priori-dade para as pesquisas nesse setor.“Nossa esperança é que a Lei deInovação estimule maior interação entre as universidades e as em-presas,para que o trabalho ganhe impulso e possa haver benefíciospara o país”,acrescenta Jaime Amaya-Farfán,coordenador do Nú-cleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação da Universidade Es-tadual de Campinas (Unicamp).

Infra-estrutura Com a objetividade que é peculiar aos japoneses,o presidente do grupo Tomen Corporation do Brasil, Kenji Ya-mazaki, resume as vantagens e as desvantagens do Brasil. Os itens

50 Desafios • novembro de 2005

O governo argent ino est imu la a i ndustr ia l i zação de produ tos agropecuár ios para

Grão de soja: há maior demanda externa pelo produto bruto, mas o Brasil tem

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expor tação, e fo ram e l e s os r esponsáve i s pe l a r ecuperação econôm i ca do pa í s

• Um composto de bactérias desenvolvido naEscola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz(Esalq/USP),em Piracicaba,aumenta o peso dealgumas variedades e resulta em maior produ-tividade. O pulo-do-gato foi a identificação defungos inibidores do crescimento de micror-ganismos que provocam doenças na planta.

• O Instituto de Ciências Agrárias da Univer-sidade Federal de Uberlândia (Iciag/UFU) e aUniversidade Federal de Viçosa (UFV) desen-volvem variedades comerciais de soja. A va-riedade UFU Imperial produziu, em dois anosde experimentações, a média de 4.227 quilospor hectare, mais do que as variedades culti-vadas no cerrado. A descoberta traz outrasvantagens. As indústrias que incluem a soja

nos alimentos usam técnicas para evitar queseus produtos carreguem o gosto forte dogrão. Com as novas variedades (a UFU Impe-rial e as BRS 213 e BRS 216,da Embrapa), ostratamentos são desnecessários.

• Pesquisadores da Universidade Estadual Pau-lista (Unesp) em Jaboticabal e em São José doRio Preto, no interior do estado, misturaramaçúcar e óleo de soja. Criaram um praguicidade pequeno impacto ambiental e baixo custoque combate ácaros de seringueiras e pragasque atacam o amendoim e plantas ornamentais.

• Um detergente para a recuperação de soloscontaminados por petróleo, feito de resíduosindustriais de óleos de soja, foi desenvolvido

no Instituto de Biociências da Unesp em RioClaro, no interior de São Paulo.

• Circula no campus da Universidade de SãoPaulo (USP) de Ribeirão Preto um ônibusmovido a biodiesel, pouco poluente, de álcoolde cana-de-açúcar misturado a óleos de soja,girassol ou dendê. O biodiesel também estásendo testado em carros, caminhões, tratores,locomotivas e geradores de energia elétrica.O Conselho Nacional de Política Energética(CNPE) definiu que de 1.º de janeiro de 2006a 13 de janeiro de 2008 todos os motores de-verão ter 2% de biodiesel adicionado aodiesel. Em 2013, o volume deverá subir para5%.Para obter mais informações, visite o sitewww.biodiesel.gov.br.

Algumas pesquisas para melhorar o aproveitamento da soja

positivos: o enorme potencial de terras cultiváveis (três vezes maiordo que o norte-americano), o solo rico e o clima ameno. Os neg-ativos: a pobreza da logística de transportes,as altas taxas cobradasnos portos e a baixa capacidade de armazenagem.“Existem doisproblemas mais graves que prejudicam o Brasil. Um é a volatili-dade cambial. Na Argentina, o câmbio está estável há três anos. Ooutro é logístico.Os argentinos têm muitos portos no rio da Prata,e eles são mais modernos e econômicos do que o de Santos e o deParanaguá”,diz.O grupo Tomen,de origem japonesa,está há maisde 65 anos no mercado brasileiro. É uma trading especializada naexportação de produtos alimentícios, com uma rede de 470 sub-sidiárias em mais de 60 países.

Os problemas de infra-estrutura e logística não são poucos.Arodovia que liga Cuiabá,no Mato Grosso,a Santarém,no Pará,poronde circula uma infinidade de caminhões carregados de soja,nãotem pavimentação. Muitas outras se encontram no mesmo esta-do. A cada buraco, alguns grãos saltam das carrocerias e fazem aalegria da bicharada.O produtor perde.A maior parte da soja bra-sileira viaja de caminhão,a um custo alto,enquanto em outros paí-ses é transportada em hidrovias e ferrovias, mais econômicas. Osportos são mal aparelhados e a burocracia atrasa o embarque.Cálculos de empresários apontam que a logística é responsável porum acréscimo de 30% no preço dos produtos nacionais.“Se a safrabrasileira crescer à taxa média de 12% ao ano na próxima décadanão haverá como escoá-la e, havendo queda no preço interna-cional, o custo do transporte tornará o produto nacional menos de trabalhar pela abertura de novas frentes para seus produtos industrializados

United Soybean Board

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J á s e e s p e ra q u eda n a á r e a p l a n t ada p a ra a p r ó x ima s a f ra d e s o j a . Fa l t a ao

competitivo”, diz Carlos Campos, pesquisador do Ipea dedicadoà área de infra-estrutura.

Já se notam,entretanto,alguns sinais de que as coisas começama mudar.São exemplos esparsos neste país imenso,mas que fazemalguma diferença. Portos, hidrovias e ferrovias estão sendo cons-truídos ou modernizados por empresários, em parceria com or-ganismos públicos (leia reportagem na pág. 40).“Para os empre-sários da soja,o custo aceitável para o transporte,hoje,é 35 dólarespor tonelada.Quando esse valor é superado ou o preço da soja cai,eles buscam uma alternativa. Os dados demonstram que de umamaneira ou de outra os gargalos estão sendo superados”,diz CarlosCampos. César Borges de Souza, da Caramuru, está entre os queinvestem em novas plantas, em hidrovias e em ferrovias.“O tama-nho médio da indústria argentina de beneficiamento de soja é trêsvezes maior do que o da brasileira e, com escala, seu custo é bemmenor”, diz.“Temos de reagir ou perderemos mercado.”

Reação Com o cinto apertado, os produtores e exportadores es-tão mesmo começando a reagir. O braço de prestação de serviçode logística para exportadores da Companhia Vale do Rio Doce(CVRD) integra ferrovias e portos e viabiliza negócios no setor deagricultura. Movimenta anualmente cerca de 10 milhões detoneladas de produtos do campo – mais da metade são grãos desoja.Na divulgação de seus últimos resultados,no final de outubro,

a Vale anunciou que já exporta mais grãos do que minério.Há ou-tras boas notícias no que diz respeito à infra-estrutura.As conexõesentre terminais e as principais vias e acessos do porto de Santos,um dos mais importantes do país,estão em reforma.E a Ferronorteimplantará um sistema logístico de cargas na margem esquerda doporto.Quando entrar em funcionamento,um trem carregado comsoja ou farelo descarregará e será imediatamente carregado comfertilizantes e enxofre para retornar aos agricultores. O TerminalPortuário Cotegipe, do grupo alimentício M. Dias Branco, naBahia, é bem equipado e tem silos com capacidade para mais de100 mil toneladas de grãos. Novos silos e armazéns são bem-vin-dos. O Brasil tem capacidade para guardar 103 milhões de tone-ladas, mas apenas 60% dos armazéns têm condições de estocarprodutos do agronegócio.Muitos deles,construídos há mais de 30anos, estão em petição de miséria. Resultado: o país só conseguemanter em boas condições a metade de seus grãos.

Em meados de outubro,o Banco Nacional de DesenvolvimentoEconômico e Social (BNDES) aprovou a liberação de verbas paraa aquisição de 269 vagões ferroviários de carga pelo grupo japonêsMitsui.Eles serão alugados à Brasil Ferrovias e servirão para o trans-porte de grãos para exportação.A Agência de Promoção das Ex-portações do Brasil (Apex Brasil), ligada ao Ministério do De-senvolvimento,organiza 550 eventos no exterior todos os anos paradivulgar produtos brasileiros. Em setembro levou empresas na-

Linha de produção da Cocamar, do Paraná, que exporta 7% do que produz (acima), Roessing, da Embrapa Soja, que constata a queda da pesquisa no Brasil (no alto, à dir.),

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p a í s uma po l í t i c a con t í n ua , um p ro j e to s u s ten t á ve l d e apo i o ao p rodu to r r u ra l

cado externo. Um exemplo é a Cocamar Cooperativa Agroindus-trial, de Maringá, no noroeste do Paraná, que reúne 7 mil planta-dores (76% dos quais são pequenos produtores).Oferece insumos,assistência técnica, acompanhamento de plantio e armazenagemaos sócios,compra o grão e cuida da industrialização.De seu par-que industrial saem, além do óleo e do farelo, alimentos como be-bidas, maioneses, creme e condensado (que concorrem, nas gôn-dolas dos supermercados, com o creme de leite e com o leite con-densado).Hoje,7% do que produz é exportado,e a tendência é decrescimento.Em 2006 dobrará sua capacidade.Os sucos à base desoja representam 10% da produção da Sucos Del Valle do Brasil –subsidiária da mexicana Jugos Del Valle, com fábrica em Ameri-cana, no interior de São Paulo – e são vendidos para 30 países, en-tre os quais Japão, China, Rússia, Holanda e Estados Unidos.“Ocrescimento do segmento de bebidas com soja, de 48% neste ano,justifica que a Del Valle continue investindo no país”, diz CarolinaSantoro, gerente de exportação.

Outra boa história é a da Sakura Nakaya Alimentos, empresanacional fundada há 65 anos que produz mais de 160 itens. Nesteano ela colheu sua primeira safra, no Triângulo Mineiro, livre deorganismos geneticamente modificados e com alto teor de proteí-na.“Exportamos para países latino-americanos e, mais recente-mente,para os Estados Unidos e o Japão.O fato de não utilizarmossementes transgênicas tem contribuído para aumentar o interessepor nossos produtos”, diz Roberto Ohara, diretor de desenvolvi-mento e responsável pelas vendas externas.As exportações da Sa-kura têm crescimento médio anual de 50% e a empresa pretendeampliar seu parque fabril e os investimentos em pesquisa e desen-volvimento de produtos e tecnologias.Apenas mais um caso: a TheSolae Company, maior fabricante de proteína de soja do planeta,resultante de uma joint venture entre a Bunge e a DuPont,tem umaindústria em Esteio, na região metropolitana da capital gaúcha.“Exportamos 40% do que produzimos – inclusive para a Argen-tina”, diz Jordan Rizetto, diretor regional de marketing para aAmérica Latina e a África.A proteína de soja é um produto de al-to valor agregado utilizada em embutidos de carne, iogurtes e ali-mentos funcionais.Rizetto surpreende ao afirmar:“Os problemasde infra-estrutura são uma eventualidade e os tributos não são umentrave para o trabalho no Brasil”.

Conclusão? Bem, a natureza é generosa, mas não faltam pro-blemas que inibam o crescimento, a competitividade e a rentabili-dade do produto nacional.Se mesmo com eles há casos de empre-sas bem-sucedidas, é possível imaginar o que aconteceria se astravas fossem eliminadas. A essa altura do campeonato, com aArgentina em seus calcanhares,o país tem de se apressar.Não por-que Brasil e Argentina devam manter a tradição de rivalidade naeconomia, como no futebol e na liderança entre os países latino-americanos,mas porque facilitar o fluxo dos negócios é do interes-se das contas nacionais, das empresas e de toda a população, quecarece da criação de postos de trabalho e de riqueza.

cionais à maior feira de alimentos e bebidas do Leste Europeu, aPolagra Food 2005,na Polônia.Fabricantes de derivados de soja dealto valor agregado,como sucos,leites e queijos,estavam presentes.A Biofach,maior feira mundial de produtos orgânicos realizada emNurembergue, na Alemanha, no início do ano, contou com maisde 2 mil expositores de 70 países.O Brasil se destacou.Mais de 100expositores abriram perspectivas de negócios num mercado quemovimenta mais de 30 bilhões de dólares ao ano. O efeito do tra-balho de marketing já pode ser constatado.A GaMa, empresa na-cional familiar com 12 anos de existência, detém mais de 80% dasvendas externas de grãos para consumo humano.Seu diferencial éa produção de soja orgânica.Vende para América Central,Europa,Estados Unidos e toda a Ásia,inclusive o Japão.“A alta qualidade dasoja que produzimos é resultado do controle do produto da se-meadura à exposição no ponto-de-venda,e de testes de transgenia,realizados em laboratórios americanos que guardam as amostraspor um ano”,diz Leonardo Nasser Gardemann,diretor de marke-ting.“Hoje,quase toda a safra nacional é de grãos para extração deóleo e para ração animal. Para fazer leite de soja é necessário umgrão diferenciado, limpo, com alto índice protéico. Os dois tipossão tão diferentes como o ouro e o ferro.”

Sucesso Há outras empresas que têm sabido aproveitar as opor-tunidades que se apresentam – e competir com sucesso no mer-

e Souza, da Caramuru Alimentos, que investe em infra-estrutura

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MELHORES PRÁTICAS

Exemplo que A r e d e d e b a n c o s d e l e i t e h u m a n o b r a s i l e i r a j á a t r a i u 9 8 m i l d o a d o r a s e

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se multiplicas e u mode l o c omeça a s e r imp l a n t ado em o u t r o s p a í s e s d a Amé r i c a L a t i n a

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O Unicef ca lcu la que 1,3 mi lhão de v idas poder iam ser sa lvas anualmente no mundo

fantil e não têm fins lucrativos, sendo proi-bida qualquer comercialização dos produ-tos.Atualmente, estão em funcionamento184 bancos de leite completos e 29 queservem apenas como postos de coleta. So-mente neste ano o Ministério da Saúdeimplantou cinco novos bancos de leite hu-mano no país, dois em Mato Grosso doSul, um em Goiás, um em São Paulo e umno Rio Grande do Sul.

A presidente da Associação Brasileira deProfissionais de Bancos de Leite Humano eAleitamento Materno, Maria José Mattar,diz que a implementação da rede de formaintegrada contribuiu para o ganho de quali-dade de todos os bancos de leite do país.“Omesmo que faço aqui em São Paulo é feitotambém em Brasília e no Amapá”, diz ela,que coordena o banco de leite do HospitalMaternidade Leonor Mendes,na zona lesteda cidade de São Paulo, um centro de refe-rência para a região metropolitana.

A RNBLH recebe apoio financeiro dosgovernos federal, estaduais e municipais,da iniciativa privada e de organizaçõesnão-governamentais.Além disso, ela tam-bém se beneficia das pesquisas realizadasna Fiocruz e mantém projetos com o Con-selho Nacional de Desenvolvimento Cien-tífico e Tecnológico (CNPq). A rede con-ta ainda com parceiros históricos, como oFundo das Nações Unidas para a Infância(Unicef, na sigla em inglês) e a Opas. JoãoAprígio Almeida, chefe do banco de leitehumano da Fiocruz, considerado referên-cia nacional pelo Ministério da Saúde,ressalta também a importância do envol-vimento dos profissionais que trabalhamnos bancos de leite “e fazem do aleitamen-to uma questão de militância”. A combi-nação desses elementos acabou criandouma rede nacional com identidade pró-pria, compatível com a realidade brasileira,devido ao baixo custo de implantação.

Parceria Um bom exemplo do “jeitinho”brasileiro e da importância de alianças ins-titucionais foi a solução encontrada pelobanco de leite do hospital de Taguatingapara aumentar o volume de leite coletado.

abrangência brasileira nem mesmo na Fran-ça ou na Inglaterra”, afirma Zuleica PortelaAlbuquerque,consultora da unidade da Fa-mília e Segurança Alimentar da Organi-zação Pan-Americana da Saúde (Opas).

Controle Os equipamentos criados no Bra-sil para analisar a qualidade do leite doadodespertam o interesse de instituições dospaíses desenvolvidos. No Brasil, todo leiterecolhido passa pelo controle de qualidade,o que reduz a possibilidade de conter algumtipo de impureza e de transmissão de doen-ças infectocontagiosas. Em muitos países,a análise é feita por amostragem.No hospi-tal de Taguatinga, cerca de 15% do leite co-letado é jogado fora por não atender aopadrão de qualidade.Todo leite é submeti-do a uma bateria de testes para estabelecero nível de acidez, o valor calórico e detec-tar impurezas. Uma vez aprovado, passapor um processo de pasteurização.

O primeiro banco de leite humanobrasileiro foi inaugurado em 1943, no Riode Janeiro, pelo Instituto Nacional de Pue-ricultura. Funciona até hoje, com o nomede Instituto Fernandes Figueira (IFF), daFundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).Até oinício da década de 80, havia apenas dezbancos de leite no país. Foi nessa épocaque houve uma reformulação das políti-cas públicas de saúde e o banco de leitepassou por uma mudança de paradigma.Deixou de ser simplesmente um local decoleta de leite e passou a ser um centro es-pecializado em promoção, apoio e incen-tivo ao aleitamento materno, elaborandopolíticas institucionais. Em 1995, já exis-tiam 100 bancos de leite no país e três anosdepois, em 1998, todos foram integradosem uma rede nacional, que obedece aosmesmos critérios. Funcionam, geralmen-te, ligados a um hospital materno ou in-

m exemplo de eficiência no sis-tema de saúde pública brasileiropode ser encontrado na cidadede Taguatinga, no Distrito Fede-

ral, vizinha de Brasília. O banco de leitehumano do Hospital Regional de Tagua-tinga (HRT) é uma referência na regiãoCentro-Oeste do país, pois todas as crian-ças ali internadas são alimentadas comleite humano, mesmo que suas mães nãopossam amamentá-las. O leite é colhidode mães que o produzem em excesso.Uma delas é Mônica Marques Higa, cujafilha Anna Clara está completando 6 me-ses de idade e já incorporou novos alimen-tos à sua dieta.“Vim até o banco do HRTporque estou com leite demais e não sabiacomo retirar”, conta Higa. A experiênciade Taguatinga não é um caso isolado e po-de ser presenciada nos outros 212 bancosde leite humano espalhados por todos osestados brasileiros e que fazem parte daRede Nacional de Bancos de Leite Hu-mano (RNBLH). No ano passado, a redeconseguiu atrair 97,6 mil mulheres, quedoaram 168 mil litros de leite humano –marca 128% superior à obtida em 2003.Assim, foi possível alimentar com leite hu-mano crianças cujas mães não podemamamentar. Mas o papel dessa rede vaialém da coleta e distribuição de leite hu-mano, pois também atua de maneira efe-tiva na promoção do aleitamento materno.

A Organização Mundial da Saúde(OMS) considera a rede de bancos de leitehumano brasileira como a maior e maiscomplexa do mundo. Em 2001, recebeu oPrêmio de Saúde Sasakawa/OMS,concedi-do a pessoas ou instituições que tenham de-senvolvido ações destacadas e originais paramelhorar os serviços de saúde. “O Brasilcriou um modelo extraordinário, pois nãohá um sistema de bancos de leite com a

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Distribuição dos bancos de leite por região

Norte

4,57%

Nordeste

19,43%

Sudeste

48,57%

Sul

14,29%

Centro-Oeste

13,14%

Fonte: Rede Nacional de Bancos de Leite Humano

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i n te i ro se todos os bebês fossem a l imentados exc lu s i vamente com le i te materno

O Brasil tem hoje 327 hospitais de-clarados como amigos da criança por cum-prirem os dez passos para o sucesso daamamentação.A maior parte desses hospi-tais está localizada na região Nordeste (148),seguida por Sudeste (68), Sul (52), Centro-Oeste (38) e Norte (21). Essa iniciativa fazparte de um esforço mundial, patrocinadopela Organização Mundial da Saúde (OMS)e pelo Fundo das Nações Unidas para aInfância (Unicef), para promover, protegere apoiar o aleitamento materno.

Tudo teve início em 1.º de agosto de1990, na Itália, quando vários países, in-cluindo o Brasil, se comprometeram a ado-tar a “Declaração de Innocenti”e seguir osdez passos para o sucesso da amamenta-ção. O acerto foi feito durante o encontroque reuniu um grupo de formadores depolíticas de saúde governamentais de agên-cias bilaterais e das Nações Unidas.

OS PASSOS PARA O SUCESSO DO ALEITAMENTO MATERNO SÃO OS SEGUINTES:• Ter uma norma escrita sobre o aleitamento materno, a qual deve ser rotineiramente transmitida

a toda a equipe de serviço.• Treinar toda a equipe, capacitando-a a implementar a norma.• Informar todas as gestantes atendidas sobre as vantagens e o manejo da amamentação.• Ajudar as mães a iniciar a amamentação na primeira meia hora após o parto.• Mostrar às mães como amamentar e manter a lactação mesmo se vierem a ser separadas de seus filhos.• Não dar a recém-nascidos nenhum outro alimento ou bebida além do leite materno, a não ser que tenha

indicação clínica.• Praticar o alojamento conjunto, permitindo que mães e bebês permaneçam juntos 24 horas por dia.• Encorajar a amamentação sob livre demanda.• Não dar bicos artificiais ou chupetas a crianças amamentadas.• Encorajar o estabelecimento de grupos de apoio à amamentação, para onde as mães devem

ser encaminhadas por ocasião da alta hospitalar.

Além dessas normas, o hospital interessado em se tornar amigo da criança, no Brasil, tem de cumpriroutros requisitos, como fazer o Registro de Nascimento Civil de pelo menos 70% dos recém-nascidos. Ohospital também não pode ter sido condenado judicialmente, nos últimos dois anos, em processo relativo àassistência prestada no pré-parto,no parto ou no período de internação em unidade de cuidados neonatais.“Esses são critérios adicionais adotados pelo governo brasileiro e que têm reconhecimento internacional”,afirma Maria José Medeiros, coordenadora do Unicef no Maranhão e no Piauí.

Roteiro para incentivar a amamentação

A rede brasileira de bancos de leite é reconhecida pelo seu rigor: todo o material coletado passa por teste e análises antes de ser dado aos bebês

Fotos: Ricardo B. Labastier

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As cr ianças até 6 meses de idade devem ser a l imentadas apenas com le i te materno

Saúde mostra que 97% das crianças bra-sileiras iniciam a amamentação no peitologo nas primeiras horas de vida, mas porum período curto, pois a média de aleita-mento materno da população brasileira é29 dias. Salviano faz questão de mencio-nar que o Unicef calcula que 1,3 milhão devidas poderiam ser salvas a cada ano, nomundo inteiro, se todos os bebês fossemalimentados exclusivamente com leite ma-terno. Só no Brasil, cerca de 100 mil crian-ças não completam o primeiro ano de vi-da. Para Salviano, a amamentação mater-na poderia diminuir em 20% o índice demortalidade infantil nos países em desen-volvimento, como o Brasil.

Modelo A eficiência do modelo brasileirode bancos de leite acabou atraindo a aten-ção de outros países da América Latina.Em maio último foi realizado em Brasíliao II Congresso Internacional de Bancos deLeite Humano, onde foi formalizado ocompromisso de implantar e desenvolvera Rede Latino-Americana de Bancos deLeite Humano. O Ministério da Saúdebrasileiro dará treinamento às equipes esupervisionará a criação dos bancos deleite. Segundo Almeida, coordenador daRNBLH, a primeira experiência de trans-ferência de tecnologia foi com a Venezuelae começou em 1996.Atualmente, existemcinco bancos de leite humanos funcionan-do em território venezuelano. A perspec-tiva é que mais 13 comecem a ser instala-dos ainda em 2005.Acordo semelhante foifechado com o Equador em 2004, e oprimeiro banco de leite deve entrar emfuncionamento ainda neste ano. Os equi-pamentos foram importados do Brasil e otreinamento dos profissionais foi dado portécnicos brasileiros. O Uruguai já contacom dois bancos de leite em operação e aperspectiva é que mais três sejam imple-mentados, desta vez na região norte dopaís. Na Argentina, o primeiro banco deleite começou a ser instalado em agosto úl-timo. É uma boa prática, adaptada à rea-lidade de países em desenvolvimento, queganha novos adeptos.

Em 1992, foi firmada uma parceria com oCorpo de Bombeiros do Distrito Federal,que ficou encarregado de retirar o leite di-retamente da casa das doadoras que, poralgum motivo, não podiam ir até o hospi-tal. Atualmente, 98% da coleta de leite dohospital de Taguatinga é feita em domi-cílio.A parceria com os bombeiros foi tãooriginal que recebeu prêmio do Unicef efoi copiada por vários estados brasileiros.Toda coleta de leite é feita em frascos devidro reutilizados, de café solúvel ou maio-nese, por exemplo, o que reduz bastante ocusto operacional. Segundo a coorde-nadora do banco de leite do hospital deTaguatinga, Miriam Oliveira dos Santos,em agosto deste ano 91 mulheres doaram508 litros de leite,que atenderam 180 crian-ças.“Temos conseguido aumentar o nú-mero de doadoras. Todas as crianças dohospital, até o berçário, são atendidas ex-clusivamente com leite humano”, afirmaSantos. O Distrito Federal está a ponto deatingir a auto-suficiência. Em 2004, foramcoletados 21 mil litros de leite humano de7,2 mil doadoras e foram atendidas quase20 mil crianças. Uma delas foi o pequenoRuan, filho de Lena Vanderleia Alves, quenasceu abaixo do peso normal e foi alimen-tado com o leite humano estocado no hos-pital de Taguatinga.“Os hospitais da redepública do Distrito Federal não precisamutilizar outro produto que não o melhorpara a criança, que é o leite materno”, dizAlmeida, coordenador da RNBLH.

Mas essa realidade não se repete em to-dos os estados. Mesmo com toda a evolu-ção registrada nos últimos anos, o Brasilainda não conseguiu tornar-se auto-sufi-ciente em leite humano. No Rio de Janeiro,por exemplo,o déficit de leite materno che-ga a 80%.“O aumento no volume é progres-sivo, mas ainda estamos aquém da nossanecessidade. Precisamos dobrar a quanti-dade de leite coletada”, diz o médico Al-meida. Atualmente, todo o leite humanodoado é destinado prioritariamente a crian-ças prematuras ou internadas com doençasgraves.“O leite materno em 2004 foi sufi-ciente para atender 43% das crianças com

baixo peso e internadas no Brasil”, contaSônia Salviano, coordenadora da PolíticaNacional de Aleitamento Materno do Mi-nistério da Saúde.O governo federal lançouem outubro uma campanha para estimulara doação de leite humano, com o mote“Quem tem excesso de leite tem razões desobra para salvar vidas”.A campanha pro-cura estimular mulheres sadias que estejamamamentando e que não fazem uso de me-dicamentos a se tornarem doadoras de leite.

Amamentar no peito significa protegera saúde do bebê contra doenças como diar-réias, distúrbios respiratórios, otites e in-fecções urinárias, pois no leite materno hánutrientes, substâncias e células maternasque funcionam como anticorpos contra in-fecções.O leite materno deve ser o único ali-mento ingerido pelo bebê nos primeiros 6meses de vida, nem mesmo água ou chásdevem ser oferecidos às crianças nesse pe-ríodo. E, mesmo após os 6 meses de idade,a amamentação continua sendo impor-tante. Informações da Sociedade Brasileirade Pediatria (SBP) indicam que bebês de 6a 8 meses obtêm,em média,70% de suas ne-cessidades energéticas do leite materno. Osque têm entre 9 e 11 meses obtêm 55% e ascrianças de 1 a 2 anos extraem 40% de suasnecessidades nutricionais do leite materno.

Um levantamento do Ministério da

Mônica com sua filha Anna: banco de leite

esclarece dúvidas

d

Ricardo B. Labastier

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V a l d e c y r H e r d y A l v e sARTIGO

mbora a amamentação apresente muitosbenefícios já comprovados cientifica-mente e o ato de amamentar esteja dire-tamente ligado a questões humanas e

existenciais, as condições de vida e de trabalho damulher acabam interferindo de alguma forma nasua maneira de pensar, sentir e agir a esse respeito.Isso ocorre porque a amamentação envolve umacomplexa interação entre os aspectos físicos, psi-cológicos, sociais e ambientais da mulher, inclu-sive o significado que ela atribui a esse ato.

A prática de amamentar é um hábito que va-ria conforme os costumes sociais e as manifesta-ções culturais vigentes em cada época. Desse mo-do, sofre a influência das concepções e dos va-lores que marcam o processo de socialização, as-sim como o equilíbrio biológico e o funciona-mento hormonal da mulher.

Desde 1992 o Brasil vem implementando asSemanas Mundiais da Amamentação, buscandoestratégias que viabilizem somente a amamen-tação nos seis primeiros meses de vida do bebê,eliminando chás, água ou qualquer outro ali-mento nesse período. Cada Semana Mundial daAmamentação objetiva promover as metas daDeclaração de Innocenti, adotada no país desde1992 com significativa participação do Unicef edo Ministério da Saúde.

Neste ano, o evento do Ministério da Saúdefoi comemorado no período de 25 a 31 de agos-to, divulgando que a amamentação deve ser ex-clusiva até o sexto mês e mantida até os 2 anos(ou mais), podendo ser o leite materno, a partirdaí, complementado com alimentos adequadosà idade da criança. No entanto, quais são os pro-blemas que impedem que as mulheres/nutrizesconsigam amamentar da melhor forma e duranteo período recomendado?

Alguns são bem conhecidos: a desinformaçãodas mulheres/nutrizes acerca da amamentação;mães que trabalham fora de casa e não dispõemde tempo para amamentar ou estão cansadas de-mais para fazê-lo quando retornam ao lar; pou-ca atenção oferecida pelos serviços e profissio-nais de saúde às mulheres/nutrizes; e, sobretudo,as imposições do mercado para o consumo de

produtos industrializados, que, por serem extre-mamente práticos e de uso imediato, competemcom a amamentação.

Sabe-se que o leite materno é o alimento maiscompleto e adequado ao bebê. Além de econô-mico, oferece proteção contra infecções e conta-minações e fortalece os laços afetivos entremãe/pai/filho e família, trazendo inúmeros bene-fícios para a comunidade e para a sociedade. Nes-se sentido, o Ministério da Saúde vem desenvol-vendo políticas públicas para incentivar a ama-mentação, uma delas é o banco de leite humano.O Brasil tem a maior rede desses bancos do mun-do e é considerado uma referência na área.

Outra iniciativa relevante é o título de HospitalAmigo da Criança,iniciativa internacional propos-ta por OMS/Unicef com o objetivo de transformara atenção oferecida na maternidade. Para ganharesse título,o hospital precisa comprovar que segueos dez princípios fundamentais para o sucesso doaleitamento. Essas normas evitam separaçõesdesnecessárias entre mãe e filho, desestimulam ouso de mamadeiras,chucas e chupetas e a ingestãode outros líquidos que não o leite materno, esti-mulam que a amamentação seja iniciada tão logopossível, de preferência já na sala de parto, e man-têm mãe e filho em alojamento conjunto 24 horas,além de oferecer orientação e apoio para as mu-lheres/nutrizes.A maternidade também deve pro-porcionar treinamento específico aos profissionaisque trabalham na área materno-infantil,garantin-do-lhes, assim, o atendimento humanizado re-comendado pelo Ministério da Saúde.

Essas são iniciativas que se configuram comoexemplos emblemáticos a favor do aleitamentomaterno,que,embora pareça “tecnicamente”sim-ples,na verdade,no cotidiano da mulher,da famí-lia e da sociedade,é um ato cuja complexidade ain-da não foi totalmente desvendada,o que torna tãosingulares as diferentes situações de amamentaçãopara a vivência de cada mulher com seu filho.

Valdecyr Herdy Alves é enfermeiro, professor-doutor-adjunto da Escola de

Enfermagem Aurora Afonso Costa da Universidade Federal Fluminense (UFF) e

membro efetivo do Grupo Técnico de Incentivo à Amamentação do Hospital

Universitário Antonio Pedro/UFF

Receita de saúde: amamentação

“O aleitamento

materno, embora

pareça ‘tecnicamente’

simples, na verdade

é um ato cuja

complexidade ainda

não foi totalmente

desvendada,

o que torna tão

singulares as

diferentes situações de

amamentação para

a vivência de cada

mulher com seu filho”

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nunca teve a quem pergun-tar. Agora já tem: é o novo“Lamounier”,cobrindo des-

ta vez (quase) dois séculos de história po-lítica. Mas atenção: o livro não é para prin-cipiantes, nem do lado teórico, nem do la-do prático, isto é, dos que são chamados anos representar no parlamento e no exe-cutivo. Estes, como evidenciado nos casosde “fundos não contabilizados”, acabamconstruindo um universo à parte dos quepagam impostos, que vêem os recursosauferidos serem dilapidados pelos poucosque, segundo a descrição apta de MiltonFriedman, “são pagos para gastar o di-nheiro dos outros”.

Não se trata de uma simples “intro-dução” à história política brasileira, umavez que o livro exige dos leitores um co-nhecimento mínimo dessa história e, aomesmo tempo uma certa familiaridadecom conceitos centrais da ciência política.Tampouco se trata de um “manual” para areforma política e eleitoral à intenção dosque nos governam, pois eles dificilmente sedeixariam guiar por critérios de raciona-lidade estrita do sistema partidário e re-presentativo, preferindo cuidar dos seus in-teresses, acima de quaisquer consideraçõeséticas. Como diz o autor na introdução:“Ocrafting institucional da democracia bra-sileira ostenta resultados contraditórios:organizamos bem a esfera eleitoral e cria-mos uma ética para o voto, mas não orga-nizamos nem criamos uma ética para a es-fera dos partidos e do parlamento”. Difícil,assim, que os governantes sigam as reco-

mendações da terceira parte, relativa, jus-tamente, à reforma política, para introduzirum sistema de governo, uma organizaçãopartidária e um sistema eleitoral que cor-respondam às necessidades da nação, con-tra seus próprios interesses, enquanto cla-sse organizada para o assalto (é o caso dese dizer) e a manutenção do poder.

As duas primeiras partes, em todo ca-so, constituem a mais completa análise deque se tem notícia na literatura sobre a evo-lução da política brasileira, não apenas pe-lo lado dos “episódios”políticos, mas tam-bém pelo lado da teorização sobre os re-gimes políticos, os sistemas partidários, asrelações civil-militares e as “lições” de ca-da período. Um quadro analítico resume aevolução do sistema político de 1822 a2005: cada um dos regimes – Império,Primeira República, Revolução de 1930,Estado Novo, República de 1946 e o re-gime militar – terminou em grave conflitopolítico, geralmente sob a forma de golpesmilitares, com o apoio das classes médias.O regime militar, na verdade, se esvaiu nu-ma “prolongada peleja política e eleitoral”,ao cabo da qual as oposições coligadas via-bilizaram o retorno ao governo civil. O no-vo regime democrático, obviamente, ain-da não acabou, mas se supõe que seu des-tino seja menos dramático do que a meiadúzia de sistemas político-partidários queo precederam.

Lamounier examina a historiografiaconvencional – propondo sua revisão – e aliteratura de cada época. Duas formas dereducionismo político são identificadas no

protofascismo (“mescla de positivismo,nacionalismo e endeusamento do Estado”)e no marxismo (“sobretudo na versão stali-nista da Terceira Internacional”), intrinse-camente antiliberais e antiparlamentares,ambos avessos à consideração do sistemapolítico enquanto esfera autônoma.A aná-lise se estende ainda à construção e fun-cionamento dos sistemas partidários e re-presentativos, sendo evidentes o cresci-mento paulatino do corpo eleitoral, a am-pliação do sufrágio e a fragmentação gra-dual do sistema partidário.

Um texto de Hegel sobre a Inglaterra de1830 é ironicamente recrutado para explicaro que é um “curral eleitoral”, prática aliásbem viva no Brasil moderno, a julgar pelaformação de um exército contemporâneode assistidos por “mensalinhos” oficiais. Adespeito disso, a competição aumentou,mas nem sempre foi assim: Rodrigues Alves(1918) e Washington Luís (1926), por e-xemplo, conquistaram a suprema magis-tratura com maiorias “albanesas”superioresa 98% dos votos válidos,ainda que com cer-ca de 2% de votantes sobre a população to-tal (hoje a proporção de eleitores é superiora 60%).“Lula lá”,em 2002,foi “a batalha quenão houve”: a manutenção do sistema po-lítico de maiorias frágeis mostra a amplitudedas reformas políticas que precisam ser fei-tas para tornar o Brasil mais conforme à es-tabilidade já conquistada no terreno eco-nômico.A julgar pelo “presidencialismo demensalão”, ainda estamos longe do ideal...

Paulo Roberto de Almeida

Tudo o que você sempre quis saber sobre a política brasileira...

Bolivar Lamounier:Da Independência a Lula: dois séculos de política brasileiraSão Paulo: Augurium Editora,2005, 320 p., R$ 49,00

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