Questões sobre arte politico

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17° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas Panorama da Pesquisa em Artes Visuais 19 a 23 de agosto de 2008 – Florianópolis 775 Questões sobre arte pública Ubiraélcio da Silva Malheiros Professor Doutor do Instituto de Ciências da Arte da Universidade Federal do Pará. Resumo: Este artigo tem como objetivo apresentar uma discussão sobre as diferentes tendências da arte pública contemporânea no âmbito internacional e nacional, a partir de diferentes vozes de artistas e estudiosos que tratam desse tema. Nesse sentido, o norte desse trabalho se desenvolve, abordando ora a arte pública como monumento de celebração, ora como ornamentação e estratégia de poder; objeto de critica social ou dialogo com as comunidades. Assim, a narrativa evidencia ambigüidades e controvérsias sobre esse termo, abrangendo tanto a mudança de comportamento da obra no espaço da cidade, quanto do público que lhe observa. Arte pública, arte urbana, arte e cidade Abstract: The objective of this article is to bring forward an argument about the different biases from the contemporary public art in the international and national sphere, from different artists point of view and also from scholars that deal with this theme. In this connection the north point of this work approaches the public art as a celebration memorial and also as a decoration and power strategy; Social critical object or dialog with the communities. In this way, the narrative shows dualities and controversies about this term, covering the behavior change on city´s space as also on the audience who observes it. Public art, urban art, art and city. A arte pública em âmbito internacional nos últimos trinta anos, e sobretudo na década de 90, mudou de significado, abrangendo novas formas e valores. Deixou de ser simples elemento de ornamentação e embelezamento da cidade para assumir papel social ativo – veículo de comunicação entre o pensamento do artista e o da comunidade. De tal modo que as obras instaladas nesse sentido, em geral, são resultantes das expectativas de um determinado público envolvido com o trabalho. Passou a ser entendida não mais como o monumento tradicional de caráter comemorativo e de celebração, mas como obras de arte no espaço da cidade, principalmente esculturas, que passaram a ser inseridas na paisagem urbana como parte dos projetos de revitalização. Apresenta tanto obras desarticuladas com o entorno (relacionando-se mais ao universo particular do artista), quanto obras inseridas no contexto urbano, chamadas de site-especific, e em sintonia com as expectativas das comunidades. Nos Estados Unidos, por volta dos anos 50, a partir de incentivos Federais, a arte foi incluída na paisagem urbana como mobiliário – ornamento de fachadas de edifícios e jardins – objetivando humanizar a aridez dos espaços deixados

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    775

    Questes sobre arte pblica Ubiralcio da Silva Malheiros Professor Doutor do Instituto de Cincias da Arte da Universidade Federal do Par. Resumo: Este artigo tem como objetivo apresentar uma discusso sobre as diferentes tendncias da arte pblica contempornea no mbito internacional e nacional, a partir de diferentes vozes de artistas e estudiosos que tratam desse tema. Nesse sentido, o norte desse trabalho se desenvolve, abordando ora a arte pblica como monumento de celebrao, ora como ornamentao e estratgia de poder; objeto de critica social ou dialogo com as comunidades. Assim, a narrativa evidencia ambigidades e controvrsias sobre esse termo, abrangendo tanto a mudana de comportamento da obra no espao da cidade, quanto do pblico que lhe observa. Arte pblica, arte urbana, arte e cidade Abstract: The objective of this article is to bring forward an argument about the different biases from the contemporary public art in the international and national sphere, from different artists point of view and also from scholars that deal with this theme. In this connection the north point of this work approaches the public art as a celebration memorial and also as a decoration and power strategy; Social critical object or dialog with the communities. In this way, the narrative shows dualities and controversies about this term, covering the behavior change on citys space as also on the audience who observes it. Public art, urban art, art and city. A arte pblica em mbito internacional nos ltimos trinta anos, e sobretudo na

    dcada de 90, mudou de significado, abrangendo novas formas e valores.

    Deixou de ser simples elemento de ornamentao e embelezamento da cidade

    para assumir papel social ativo veculo de comunicao entre o pensamento

    do artista e o da comunidade. De tal modo que as obras instaladas nesse

    sentido, em geral, so resultantes das expectativas de um determinado pblico

    envolvido com o trabalho. Passou a ser entendida no mais como o

    monumento tradicional de carter comemorativo e de celebrao, mas como

    obras de arte no espao da cidade, principalmente esculturas, que passaram a

    ser inseridas na paisagem urbana como parte dos projetos de revitalizao.

    Apresenta tanto obras desarticuladas com o entorno (relacionando-se mais ao

    universo particular do artista), quanto obras inseridas no contexto urbano,

    chamadas de site-especific, e em sintonia com as expectativas das

    comunidades.

    Nos Estados Unidos, por volta dos anos 50, a partir de incentivos Federais, a

    arte foi includa na paisagem urbana como mobilirio ornamento de fachadas

    de edifcios e jardins objetivando humanizar a aridez dos espaos deixados

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    pela arquitetura modernista. Depois, o artista subverteu essa posio e passou

    a realizar trabalhos autnomos para espaos especficos. Essa tendncia

    passou a integrar o trabalho artstico a uma equipe de profissionais (arquitetos,

    engenheiros, socilogos) ligados s polticas de planejamento urbano. Esses

    profissionais estimulam um colaboracionismo diferenciado daquele em que o

    artista era chamado a intervir na arquitetura aps a concluso da obra, ou seja,

    quando ele atuava como mero decorador. Nesse momento, o artista se insere

    no projeto, passando a haver um nexo entre arte e arquitetura, arte e desenho

    urbano, arte e administrao pblica.

    Essas mudanas convergiram para o que se convencionou chamar, entre os

    estudiosos do assunto, de nova arte pblica - termo que nasceu nos anos 70

    e se consolidou na dcada seguinte. Essa arte surgiu da colaborao entre o

    urbanismo e prticas artsticas, da integrao entre o trabalho do artista e do

    arquiteto; socialmente responsvel, anti-individualista, site especific e de

    tendncia funcionalista.

    Outro caminho da arte pblica, paralelo ou marginal a esse, se relaciona a uma

    postura crtica direcionada aos interesses das minorias: no tem carter

    universal e homogeneizador. Segundo essa vertente, nomeada arte pblica

    crtica, que emergiu nos anos 90, a nova arte pblica serve estetizao da

    paisagem e excluso social.

    As manifestaes da arte pblica so variadas e, em suas diferentes formas,

    so encontradas na paisagem como elemento que anima o espao pblico

    atravs de intervenes tanto no espao aberto da rua, da praa e do jardim;

    quanto nos espaos semipblicos, fechados, das estaes de metr, hall de

    hospitais e shoppings centers.

    O debate sobre a arte pblica contempornea volta-se para as controvrsias

    que o carter pblico da obra pode suscitar na cidade e na vida cotidiana de

    seus habitantes. Relaciona-se s diferentes manifestaes no ambiente

    urbano: a obra como ornamento, a obra como site-especific ou como crtica

    representaes de um determinado discurso ideolgico e de uma certa imagem

    para a cidade.

    Suas representaes na cidade so observadas no discurso dos autores que

    tm escrito sobre esse tema e giram em torno de a arte pblica ser ou no ser

    um ato ideal de democracia. A abrangncia do termo pblico questionada

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    como sendo vlida para cobrir os diferentes agentes sociais que compem a

    cidade. De modo geral, a discusso se desdobra em duas faces: de um lado

    esto aqueles que acreditam em um senso comum, (que uma obra de arte

    pode satisfazer a expectativa esttica e de celebrao de uma comunidade); do

    outro, h um grupo que acredita que essa expectativa no pode ser

    compartilhada por todos em um mundo repleto de diferenas e desigualdades.

    Nas ltimas duas dcadas, em especial nos Estados Unidos e na Europa, a

    arte pblica passou a ser tema recorrente entre artistas, crticos de arte e

    estudiosos da cultura urbana contempornea.

    Nesse sentido, as idias de John Beardsley, Javier Maderuelo, Suzane Lacy e

    Rosalyn Deutsche mostram controvrsias atravs das diferenas entre

    posturas de artistas e de obras que se situam entre ter ou no ter o carter

    pblico. So questes diferenciadas que focalizam a obra de arte segundo o

    seu grau de insero na trama urbana, a sua relao com o pblico ou com os

    conflitos econmicos, polticos e sociais da cidade.

    Na obra Art in public places, Beardsley, relata as atividades do programa Art

    for the public places adotado em 1967 pelo National Endowment for the arts

    and the humanities. Apresenta o resultado de uma srie de obras de arte

    instaladas no ambiente urbano de cidades americanas patrocinadas por esse

    rgo federal.

    Assim, pretende ser referncia indispensvel para todos os interessados sobre

    o tema, traando a procedncia das primeiras tipologias da arte pblica

    contempornea. Segundo o autor, a obra de arte em espaos pblicos est

    aberta ao debate pblico, ao contrrio da arte dos museus que est

    condicionada a opinio dos especialistas. Elas representam a unio da

    sensibilidade pessoal do artista com as expectativas da comunidade1.

    Beardsley argumenta que as obras nos espaos urbanos so mais do que

    objetos isolados resultantes de trabalhos individuais - so expresses das

    aspiraes da comunidade, das suas iniciativas e persistncias. A partir dessa

    idia inmeras obras de arte so apresentadas como smbolo do compromisso

    das cidades americanas com o processo de revitalizao urbana. Esse

    processo pode se manifestar de acordo com duas vias distintas: na primeira, a

    obra comprada, em geral, de um artista internacionalmente conhecido,

    tornando-se smbolo da cidade, como La grande vitesse, 1969, de Alexander

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    Calder; na segunda, o artista convidado para realizar um trabalho especfico

    para a cidade, utilizando contedos locais e de interesse da comunidade, como

    a obra de Robert Morris Grand rapids project, 1974, interveno ambiental que

    reuniu funcionalidade e esttica.

    O pensamento desse autor, revelado atravs do Art in public places, est

    diretamente relacionado a obras subsidiadas pelo Governo Federal, afirmando

    um discurso onde a arte pblica vai ser aliada do desenho urbano em

    operaes de revitalizao, muitas vezes de forma a humanizar o ambiente

    rido deixado pelo urbanismo funcionalista. Segundo o seu pensamento, a arte

    apresentada como estratgia de democratizao do espao pblico porque

    pretende oferecer s comunidades obras de arte como um bem comum a

    todos.

    Uma outra forma para pensar a arte pblica e as suas controvrsias, tem a ver

    com o pensamento de Javier Maderuelo registrado nos livros El espacio

    raptado: interferencias entre Aquitectura y Escultura, 1990 e La perdida del

    pedestal, 1992. Segundo esse autor, no contexto da renncia da forma e do

    significado da escultura tradicional, exemplificada pelos Earthworks de Robert

    Morris, que a arte pblica surge, a partir do final dos anos 70, no se

    preocupando em expressar uma ideologia dominante como os outros

    elementos do vocabulrio esttico da cidade, carregados de conotaes e

    valores - edifcios pblicos, praas, jardins, monumentos.

    Observa-se segundo as idias de Maderuelo, que a arte pblica est ancorada:

    na Histria da Arte do sculo XX, nos pressupostos do Construtivismo Russo

    que pretendia dotar a arte de funcionalidade e faz-la voltada para o povo; nos

    princpios da land art escrito por Robert Smithson que consistia em requalificar

    o ambiente urbano, convertendo-o em obra de arte, como Morris fez em vrios

    projetos de interveno na paisagem.

    Para Maderuelo a palavra monumento como smbolo comemorativo, foi

    sucumbido nas mos da publicidade e dos letreiros em non. Com efeito,

    surgiu, em substituio, um tipo de atuao urbana denominada arte pblica,

    que resulta de diferentes experincias no campo das artes como o monumento

    pop, as instalaes, a land art, a arquitetura, o urbanismo e outros tipos de

    fenmenos de carter sociolgico, participativo e cenogrfico2.

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    Ao contrrio da noo de arte pblica delineada por Beardsley e Maderuelo,

    em Mapping the terrain: new genre public art, publicado pela primeira vez em

    1995, Suzanne Lacy reala o interesse pelo estudo da arte pblica, a partir do

    desenvolvimento de uma linguagem crtica capaz de reunir na obra de arte

    tanto um discurso poltico, quanto inteno esttica. Identifica um grupo de

    artistas visuais cuja produo est relacionada a problemas sociais da

    atualidade como o uso de drogas, os sem-tetos, o preconceito racial e das

    identidades culturais.

    Lacy evidencia o que ela costuma chamar de new genre public art, termo

    relacionado aos trabalhos artsticos no campo das artes visuais que utilizam

    meios tradicionais ou no para se comunicar e interagir com o pblico e as

    suas diversidades, a partir de assuntos especficos da comunidade envolvida.

    Segundo a autora a nomenclatura foi criada para diferenciar a produo

    resultante desse processo, daquela que tem sido chamado de arte pblica nos

    ltimos 30 anos (esculturas e instalaes situadas em espaos pblicos).

    Nesse sentido, Lacy considera a indeterminao do termo pblico um dos

    pontos cruciais a ser tratado na discusso sobre o novo gnero de arte pblica;

    levantando questes sobre a natureza do termo, tais como: se o carter pblico

    dado pela propriedade ou acesso ao lugar; pela explicao das intenes do

    artistas ou pelo interesse dos expectadores. Por fim, argumenta que o que

    existe no espao entre o artista e o pblico um relacionamento que deve, por

    si s, tornar-se uma obra de arte3.

    Na esteira do pensamento de Lacy, Rosalyn Deutsche em Evictions: art and

    spatial politics trata de questes relacionadas esttica urbana, a partir de

    uma viso crtica. Relaciona a nova arte pblica como representao de uma

    determinada classe social e estratgia do poder pblico para condicionar o

    redesenvolvimento dos espaos da cidade de acordo com os seus interesses.

    Deutsche argumenta que, apesar do paradigma dominante da esttica urbana

    e dos crticos mais influentes desse paradigma proclamarem um discurso de

    carter democrtico enfatizando os espaos pblicos, o seu objetivo est

    relacionado a uma poltica de excluso social e de dissimulao dos conflitos

    existentes no espao urbano.

    Rosalyn Deutsche faz uma crtica tendncia da arte e do discurso urbano dos

    anos 80 que celebra o que foi chamado de nova arte pblica. Em contraste

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    com a antiga noo de arte pblica como arte em espaos pblicos, a atual

    socialmente responsvel, site-especific e funcional, contribuindo para a beleza

    e utilidades dos novos locais urbanos redesenvolvidos. O pensamento de

    Deutsche vai contra a idia que promove a arte pblica incorporada ao

    processo de redesenvolvimento. O seu desejo abordar a arte pblica

    contempornea como uma prtica urbana que primeiro responda aos eventos

    concretos mudando a funo da arte pblica, e segundo possa contribuir na

    formao de uma prtica contrria atual.

    Sobre a nova arte pblica Rosalyn Deutsche afirma que esse termo surgiu de

    uma interao entre prtica artstica, ao comunitria e urbanismo. A autora

    questiona esse posicionamento, argumentando que esse discurso vazio

    porque contribui para criar uma imagem falsa do ambiente, escondendo os

    conflitos e favorecendo a poltica de excluso. Com efeito, cria outra

    perspectiva para a noo de arte pblica que relaciona democracia e espao

    urbano4.

    O pensamento de Deutsche amplia ainda mais o significado do termo arte

    pblica. A arte pblica crtica no precisa ser instalada no ambiente urbano,

    nem precisa ser permanente. Ao contrrio, pode ser efmera ou estar em

    galerias. Entretanto, sua idia abrange uma viso pblica que pe em

    evidncia a diversidade dos conflitos sociais refletidos no espao urbano.

    Defende um espao pblico mais democrtico atravs de trabalhos como os

    das artistas feministas que enfatizam a diferena e a diversidade. Essa autora

    condena o aspecto decorativo e funcional da nova arte pblica, pois objetos

    utilitrios esto relacionados a necessidades universais no correspondendo

    abrangncia do termo pblico.

    As concepes de arte pblica abordadas por esses autores, no que se refere

    ao tempo e ao espao, esto afastados por um perodo de mais de uma

    dcada e por contextos diferentes - Amrica / Europa. Nota-se nas palavras de

    Maderuelo, a noo do conceito de arte pblica como um determinado tipo de

    arte instalada no espao urbano (consolidao do que Beardsley proclamava,

    ainda nos anos 80, como as novas direes da arte nos espaos pblicos).

    Fato que enfatiza o seu entendimento da arte pblica como negao

    monumentalizao e s intenes ideolgicas.

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    Tanto Lacy quanto Deutsche ampliam a controvrsia sobre a noo da arte

    pblica que at os anos 80 era limitada ruptura da noo de monumento e

    aproximao entre escultura e design, fazendo uma crtica cida aos antigos

    modelos. Por exemplo, Deutsche afirma que a verdadeira funo social da arte

    pblica evidenciada por Beardsley apresentar como natural s condies da

    cidade do capitalismo avanado. Isso porque ela cria imagens de cidades

    desenvolvidas e bem administradas, fato que reafirma o sentido da arte como

    veculo de estetizao da cidade (make up urbano) a fim de revitalizar espaos

    deteriorados e representar uma imagem urbana globalizada.

    O novo gnero de arte pblica vem como protesto estetizao da cidade,

    priorizando um discurso em defesa das minorias e de uma noo de arte que

    atende aos interesses de um determinado grupo, nunca um sentido

    universalizante que acredita na arte como bem comum. Busca percorrer as

    diferentes facetas da cidade e a diversidade de seus agentes, representando

    uma direo oposta ao modelo de arte tradicional que buscava a beleza e a

    construo de novas imagens urbanas. Seu interesse maior a interao com

    a realidade da comunidade em que est inserida e as suas interfaces com o

    planejamento urbano, a poltica e a crtica social.

    Observa-se um novo horizonte da arte, voltado a representaes coletivas e

    relacionadas vida cotidiana e a no monumentalidade. Assim, torna-se

    indispensvel pensar nos limites de uma arte verdadeiramente pblica, nos

    diferentes valores embutidos em cada tendncia e nas representaes

    suscitadas nos espaos pblicos. Talvez, o caminho da crtica desenvolvido

    conforme o pensamento dos autores referidos seja a alternativa mais

    apropriada para dimensionar o termo arte pblica e as controvrsias dessa arte

    no campo do desenvolvimento urbano e dos interesses da comunidade.

    Na perspectiva das diferentes vozes apresentadas, observa-se que as

    controvrsias sobre a arte pblica ainda continuam e que o foco da discusso

    est mudando de eixo. Est deixando de se direcionar do termo arte para se

    posicionar sobre o termo pblico, fato que implica ambigidade de conceito

    porque, vivesse em uma sociedade pluralista, com grande diversidade social,

    poltica e cultural. Assim, comea a se consolidar essa postura crtica e, vai ser

    atravs do artista realizando o que se pode chamar de intervenes sociais que

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    comea a emergir um novo formato artstico, no limiar entre arte e vida

    cotidiana.

    No contexto brasileiro o debate sobre a arte pblica contempornea surgiu nos

    anos 90 com duas iniciativas que so emblemticas para a discusso desse

    tema: o Projeto Arte/Cidade (1994, 1997 e 2002) e os seminrios sobre arte

    pblica promovido pelo SESC em 1995 e 1996 - a primeira foi um desafio aos

    artistas a pensarem em trabalhos na dimenso da cidade, utilizando a cidade

    como site para a realizao de seus trabalhos; a segunda convocou vrios

    estudiosos do mundo da arte em nvel nacional e internacional a debaterem

    sobre o tema em questo.

    A experincia do Arte/Cidade resultou em trabalhos que ora retratavam o

    trabalho individual do artista, ora eram obras de site-especific que em menor ou

    maior grau problematizaram o lugar para onde foram projetados. Os seminrios

    patrocinados pelo SESC - So Paulo trouxeram vrios crticos norte

    americanos e europeus que repassaram as suas experincias desenvolvidas

    nas ltimas dcadas para o pblico brasileiro. A curadora dos seminrios

    Denise Milan defendeu a especificidade da arte pblica brasileira, argumentando que:

    A arte pblica aceita o caos, reconhecendo nele diferenas culturais

    expressivas. Parte em busca dos pontos comuns entre os seres humanos para

    revelar uma ordem qual todos pertencemos. O Brasil um novo plo desta arte

    no mundo. As manifestaes coletivas aqui se do espontaneamente nos rituais,

    nas festas, nos acontecimentos e no lazer5.

    No discurso de Denise, na abertura da coletnea dos trabalhos apresentados

    nos seminrios do SESC, observa-se uma certa tendncia em buscar um ponto

    comum em uma ordem nica; com efeito, parece idealizar a arte atravs de um

    sentido capaz de abranger a todos, de homogeneizao. Alm disso, refere-se

    especificidade dessa arte no Brasil como uma manifestao artstica

    relacionada ao folclore e religio: manifestaes populares como o carnaval,

    procisses e o bumba-meu-boi.

    Entre as diferentes falas brasileiras a acepo da arte pblica predominante,

    alm daquelas que ressaltam as manifestaes populares, est relacionada a

    obras de arte no espao urbano e idia de monumento. Comparada com o

    discurso internacional corresponde a estetizao e ao carter de celebrao,

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    lgica do monumento, antes da perda do pedestal da escultura moderna.

    Nesse sentido, os discursos giram em torno da preservao dessas obras no

    ambiente urbano e da falta de controle tanto por parte do poder pblico, quanto

    dos habitantes da cidade.

    Outra perspectiva apresentada, relaciona-se atuao de certas entidades e

    grupos no governamentais em comunidades especficas, expresso da

    diversidade cultural e social brasileira, a partir de interferncias que misturam

    educao e arte no seu cotidiano e so capazes de alterar o comportamento

    social e as expectativas do pblico envolvido no projeto. Por exemplo, a

    atuao do Olodum, em Salvador, que atravs de sua musicalidade teve papel

    definitivo no processo de revitalizao da vida do Pelourinho.

    A arte pblica opera no plano da expresso cultural de coletividades,

    assim como no plano do efeito coletivo de uma interveno artstica

    individual ou feita em parceria com a prpria coletividade, permitindo

    trnsito do individuo ao grupo e deste novamente ao individuo6.

    A, no se trata da arte oficial dos museus e das galerias, mas de aproveitar o

    potencial das comunidades que lhe prprio, ancestral, como o som e a

    visualidade criada pelo Olodum na Bahia. A produo coletiva e o artista vai

    ser o interlocutor que vai agenciar um processo de troca de experincias e

    aprendizado. Compartilhar imaginrios, abrindo novas perspectivas para essas

    pessoas, aumentando a esperana e a auto-estima de toda comunidade

    envolvida. Assim, observa-se que intervenes locais e especficas suscitam

    foras transformadoras, apesar dos aspectos da globalizao e de

    interferncias exteriores que permeiam todo o processo de ingerncia urbana e

    social.

    esse horizonte, da arte pblica como alternativa de interveno direta na vida

    de comunidades, contribuindo na soluo de problemas sociais e urbanos

    especficos de um pas como o Brasil, a sada mais lcida que esse seminrio

    apresentou para o tema. Embora tenha reverberado de forma silenciosa, pois

    os trabalhos que falaram dessa viso foram minoria, essa tendncia mantm

    dilogo com a tendncia internacional que no ornamental e no se reduz

    ao manifesto crtico, mas se realiza em um processo que intervm na vida da

    comunidade, atravs de uma obra coletiva. Outras iniciativas essenciais para

    essa discusso, no sentido de afirmar a arte pblica como interveno social,

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    correspondem respectivamente: ao seminrio Desenvolver-se com arte, 1998,

    realizado pelo Instituto Polis com a inteno de incentivar projetos brasileiros

    em sintonia com questes relacionadas transformao da sociedade atravs

    da arte; o seminrio teuto-brasileiro Cidade e cultura, 2000, que abordou

    temas como a globalizao e a transformao do espao pblico; a publicao

    do livro Arte urbana de Vera Palamin, 2001, que dialogando com os principais

    tericos internacionais sobre o tema, lanou o termo arte urbana, entendido

    como eixo de anlise da cidade e da construo social do espao pblico.

    Nesses termos a arte pblica assume um papel ativo no urbano, passando a

    ser agente modificador do ambiente fsico e social, atravs de intervenes

    pontuais em comunidades. Transcende a questo do ornamento e da

    estetizao, para se desdobrar por territrios de outras disciplinas, para

    acreditar na arte como situao, fator que modifica o social e capaz de

    contribuir para a formao de uma nova sociedade e na construo de novos

    espaos pblicos e mais democrticos. Assim, pode-se afirmar que no o

    fato de uma obra de arte estar no espao aberto de uma rua ou de uma praa

    que a torna pblica, mas sim o processo pelo qual ela foi inserida no contexto

    urbano, a sua especificidade no que se refere ao local e a sua resposta s

    expectativas da comunidade.

    REFERNCIAS:

    1 BEARDSLEY, John. Art in public places. Washington: Partness for livable places; p:

    09-10. 2 MADERUELO, Javier. La perdida del pedestal. Madri: Circullo de Belas Artes, 1993;

    p: 73. 3 LACY, Suzanne. Mapping the terrain: new genre public art. USA: Bay Press, 1996; p:

    19. 4 DEUTSCHE, Rosalyn. Evictions: art and spatial politics. London: the Mit Press, 1996;

    p: 279. 5 MILAN, Denise. Arte pblica: um olhar brasileiro. In: Arte pblica: trabalhos

    apresentados nos Seminrios de Arte pblica pelo SESC e pelo USIS, de 17 a

    19 de outubro de 1995 e 19 a 21 de novembro de 1996, este ltimo com a

    participao da Unio Cultural Brasil-Estados Unidos. So Paulo: SESC, 1998; p:

    04. 6 MONTES, Maria Lucia. Arte pblica: um olhar brasileiro. In: Arte pblica: trabalhos

    apresentados nos Seminrios de Arte pblica pelo SESC e pelo USIS, de 17 a

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    19 de outubro de 1995 e 19 a 21 de novembro de 1996, este ltimo com a

    participao da Unio Cultural Brasil-Estados Unidos. So Paulo: SESC, 1998; p:

    283.

    Ubiralcio Malheiros mestre e Doutor em Arquitetura e Urbanismo, professor

    Adjunto II do ICA-UFPa. Atualmente, vem desenvolvendo o projeto Esculturas

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