Questões a respeito da governança pública

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Questões a respeito da Governaça Pública Viegas Fernandes da Costa As questões que levantamos aqui partem da problematização que fizemos do artigo de Kissler, Leo; Heidemann, Francisco G. Governança pública: novo modelo regulatório para as relações entre Estado, mercado e sociedade? RAP, maio/jun. 2006, p. 479-499. O artigo analisa experiências de governança pública desenvolvidas em ,municípios da Alemanha. Este novo modelo de gestão surge como resposta às questões: como se torna possível a governabilidade de sociedades complexas (globalizadas)?; como superar crises orçamentárias do setor público?; como atender as novas expectativas do cidadãos, principalmente naquilo que diz respeito à participação democrática? A governança pública pressupõe a ação conjunto de diferentes atores: Estado Empresas Sociedade Civil. Seu principal objetivo é encontrar soluções inovadoras para os problemas sociais, visando o desenvolvimento sustentável. Para tanto, pressupõe a participação de atores locais e a busca da autogestão (baseada nos princípios da negociação, comunicação e confiança), orientando-se para o bem comum. Assim, sua formulação nasce da percepção de que o Estado não pode mais ser compreendido enquanto provedor absoluto do bem público, tampouco o mercado (e sua “mão invisível”) é capaz de assegurar o bem comum. A governança pública situa-se fora destes extremos, e entende o Estado como ativador dos processos, fazendo cooperar os setores público, privado e terceiro setor. Na prática, entretanto, delega ao setor privado serviços que assumia como responsabilidade sua (estatal). Segundo os autores, “(...) os serviços de alta relevância estratégica e alta especificidade de recursos são de atribuição exclusiva do Estado. (..) os serviços de baixa relevância estratégica e baixa especificidade de recursos são produzidos por organizações privadas”. A primeira questão que propomos é: quem define e como se define o que é e o que não é de alta relevância. Esta definição ocorre no âmbito da própria governança pública, com a participação direta de todos os atores do território, ou se dá de forma tradicional? Os próprios autores observaram que em muitos casos os atores privados ficam com a parte com maior potencial de lucro e a menor margem de riscos para o investimento, enquanto que o Estado assume as atividades de maior potencial de risco.

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Questões a respeito da Governaça Pública

Viegas Fernandes da Costa

As questões que levantamos aqui partem da problematização que fizemos do

artigo de Kissler, Leo; Heidemann, Francisco G. Governança pública: novo modelo

regulatório para as relações entre Estado, mercado e sociedade? RAP, maio/jun. 2006,

p. 479-499.

O artigo analisa experiências de governança pública desenvolvidas em

,municípios da Alemanha. Este novo modelo de gestão surge como resposta às

questões: como se torna possível a governabilidade de sociedades complexas

(globalizadas)?; como superar crises orçamentárias do setor público?; como atender as

novas expectativas do cidadãos, principalmente naquilo que diz respeito à participação

democrática?

A governança pública pressupõe a ação conjunto de diferentes atores: Estado –

Empresas – Sociedade Civil. Seu principal objetivo é encontrar soluções inovadoras

para os problemas sociais, visando o desenvolvimento sustentável. Para tanto, pressupõe

a participação de atores locais e a busca da autogestão (baseada nos princípios da

negociação, comunicação e confiança), orientando-se para o bem comum. Assim, sua

formulação nasce da percepção de que o Estado não pode mais ser compreendido

enquanto provedor absoluto do bem público, tampouco o mercado (e sua “mão

invisível”) é capaz de assegurar o bem comum. A governança pública situa-se fora

destes extremos, e entende o Estado como ativador dos processos, fazendo cooperar os

setores público, privado e terceiro setor. Na prática, entretanto, delega ao setor privado

serviços que assumia como responsabilidade sua (estatal). Segundo os autores, “(...) os

serviços de alta relevância estratégica e alta especificidade de recursos são de

atribuição exclusiva do Estado. (..) os serviços de baixa relevância estratégica e baixa

especificidade de recursos são produzidos por organizações privadas”. A primeira

questão que propomos é: quem define e como se define o que é e o que não é de alta

relevância. Esta definição ocorre no âmbito da própria governança pública, com a

participação direta de todos os atores do território, ou se dá de forma tradicional? Os

próprios autores observaram que em muitos casos os atores privados ficam com a parte

com maior potencial de lucro e a menor margem de riscos para o investimento,

enquanto que o Estado assume as atividades de maior potencial de risco.

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Kissler e Heidemann também apontam para o risco da economicização do Estado.

Ampliam-se as possibilidades de terceirizações e parcerias público-privadas, e os

orçamentos tornam-se dependentes dos resultados. Ao observarem o novo modelo de

gestão desenvolvido nos municípios alemães, os autores apontam que a governança

pública não necessariamente ampliou a eficiência dos serviços. A concorrência entre

prestadoras de serviço privadas, por exemplo, nem sempre se verifica. A questão

proposta é: não seria a governança pública uma estratégia de corroboração da redução

da participação do Estado para o benefício de interesses privados que se favorecem da

participação pública?

Outra questão diz respeito à democracia. Segundo os autores, a grande quantidade

de parceiros no município acarretou problemas de gestão e de controle. A gestão não é

efetivamente participativa, e os representantes da sociedade ficam incapacitados de

influenciar nas decisões dos parceiros privados, bem como de acompanhar os processos.

Também existe uma subrepresentação dos atores da sociedade civil, identificada pelos

autores. Pergunta-se: é possível reverter esta subrepresentação? Se a governança pública

baseia-se na cooperação e confiança entre os atores envolvidos, a premissa não

desconsidera a desigualdade na correlação de forças entre estes atores, e nega a

existência de interesses de classes?

A cooperação entre os atores, afirma-se, acontece em função das expectativas de

ganhos. E quando as expectativas não se confirmam? Se é verdadeira a afirmação de

que a perspectiva da governança pública como uma rede que protege os atores que,

sozinhos, sucumbiriam. É esta rede capaz de proteger a todos os atores?

Por fim, como construir regras de governança pública que superem o mandato dos

indivíduos, que não dependam exclusivamente do engajamento pessoal?

Poucos são os resultados passíveis de análise do sucesso da governança pública.

Por outro lado, a disparidade na correlação de forças dos atores de um território e o

estado da cultura em que se situa cada sociedade, podem indicar que o sucesso da

governança pública, visando o bem comum não pode ser generalizado.

Imbituba, 09/04/2015.