Questionamentos acerca das representações anatômicas ... · O presente trabalho tem por...
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Questionamentos acerca das representações anatômicas japonesas da Era
Edo (1603 – 1868) e as recorrentes em períodos anteriores, no Ocidente.
Fatima Alfredo, Doutoranda HCTE/UFRJ ([email protected]);
Dalila Cerqueira, Professora EBA/UFRJ ([email protected]);
Maira Fróes, Professora HCTE/UFRJ - ANATOMIA DAS PAIXÕES
O presente trabalho tem por finalidade comparar dados historiográficos acerca das
representações anatômicas japonesas no período Edo e as recorrentes nos
períodos anteriores, no Ocidente. Procurando refletir, de forma interdisciplinar, as
diversidades e as aproximações existentes entre essas duas culturas, no que
concerne à maneira de representar o corpo humano considerando os recursos
imagéticos inseridos nelas.
PALAVRAS-CHAVE: Arte; Ciência; Corpo.
O período conhecido como Edo (1603 – 1868), caracteriza o Japão por sua política
de ostracismo em relação ao Ocidente. Apesar disso, esse período é bastante
profícuo para as artes, para a educação e para a agricultura e, segundo Maruyama
(1974, pp. 301-302) “a tradição intelectual herdada do período Edo permaneceria
como um símbolo de modernidade inacabada e incompleta, aguardando a
intervenção do Ocidente”.
Essa relativa evolução foi devido ao Japão não permanecer passivo durante seu
confinamento, pelo contrário, a prática do Rangaku1 e a formação de escolas para
ensinar o conhecimento ocidental proporcionou ao país, quando este saiu do
isolamento, conhecimento suficiente para já entrar despontando, no mundo
moderno.
1 “Aprendizado da língua holandesa”. Uma vez que apenas navios holandeses podiam aportar na Ilha, a língua holandesa era,
portanto, o único meio pelo qual os japoneses no final do século XVIII podiam estudar a tecnologia europeia.
Essa prática do Rangaku era utilizado pelos japoneses com a intenção de se
manterem informados em relação às tecnologias, a ciência e a medicina ocidentais
através de livros, folhetos e outras formas colaborativas de aprendizagem.
Uma vez que a classe dominante dos Samurais entrou em declínio devido a “Idade
da Paz Ininterrupta” 2, alguns se tornaram “ronins” 3 e passaram a se dedicar, de
alguma forma, ao desenvolvimento da cultura, até como meio de sobrevivência. E,
devido a essa nova condição de subserviência, acabaram por influenciar no
crescimento das artes, da escrita, da arte do chá, do teatro e da pintura. Nesse
contexto, a prática do Rangaku era a que mais se destacava, pois era o meio pelo
qual o Japão podia continuar não tão alheio ao que acontecia no restante do mundo
e, principalmente, em relação à Ciência Medica.
O estudo da anatomia humana no período Edo
Um fato curioso sobre a medicina japonesa da época era que essa se baseava no
processo da simplificação, ou seja, grande parte do conhecimento medicinal
recebido da China fora integrado às novas teorias adquiridas dos livros holandeses,
recém-traduzidos para a língua japonesa.
Embora a prática da dissecação não fosse algo bem visto pela cultura japonesa, em
1771, Sugita Genpaku (1733-1817), Maeno Ryotaku (1723-1803) e Nakagawa
Jun'an (1739-1786) foram ver as autópsias dos corpos de duas criminosas que
tinham sido executadas na Vila de Kozukappara e, espantados com a precisão do
livro sobre anatomia, ambos se empenharam a traduzi-lo. O livro de anatomia em
questão foi uma segunda edição de "Ontleedkundige Tafelen" (1734), uma tradução
holandesa do texto médico "Anatomische Tabellen (tabelas anatômicas)" (1722)
produzida pelo médico alemão Johann Adam Kulmus (1689-1745). Esse Rangaku
deu origem ao "Kaitai Shinsho (Novo Livro de Anatomia)", que é composto de um
2 Momento da Era Edo de extraordinário período de paz.
3 Samurais que não possuíam mais um Senhor.
volume contendo um prefácio e diagramas anatômicos, e quatro volumes para o
trabalho principal em si.4
Essa fusão de conhecimento permitiu que em 1804, o médico Seishū Hanaoka
realizasse uma mastectomia sob anestesia geral, adotando o éter e o clorofórmio
como meios anestésicos.
4 https://www.med.nagoya-u.ac.jp/medlib/history_en/archive/print/1774kaitai.html. (Acessado em 16/10/2018)
Figura 1 - Ontleedkundige Tafelen
Figura 2 - Kaitai Shinsho, tratado de anatomia publicado em 1774, sendo uma tradução para a língua japonesa do livro holandês Ontleedkundige Tafelen, desenvolvido por estudiosos Rangaku.
Figura 3 - Estudo anatômico de uma mastectomia feita pelo médico Scultetus. (Mora, 2013)
Já no ocidente, desde o século XVI, o estudo da anatomia humana já havia sofrido
reformas e o responsável por essas mudanças foi Andreas Vesalius5. Como ficou
registrado em seu livro “De humani corporis fabrica”, ele demonstrou que o
conhecimento derivava dos exames de cadáveres, e não apenas da leitura de textos
antigos.
Vesalius submeteu os antigos tratados anatômicos a um rigoroso teste: uma
comparação com a observação direta do corpo dissecado. Com isso inspirou outros
estudiosos da fisiologia humana. Foi quando então erros puderam ser corrigidos e
novas ilustrações puderam ser feitas.
Aproximando essas ilustrações de Andrea Vesalius (1543), e as feitas no período
Edo japonês, as demarcações entre o que parece ser “moderno” e “antigo”
acentuam-se, confundindo inclusive.
5 Médico belga, considerado o “pai da anatomia moderna”. Foi o autor da publicação De Humani Corporis Fabrica, um atlas de anatomia publicado em 1543. (Wikipédia) Figura 5 - Estudo Anatômico feito a
partir do livro “Ontleekundige Tafelen". (1774)
Os anos compreendidos entre 1600 a 1800
marcam o período de avanço dos estudos
anatômicos, graças ao aperfeiçoamento
das tecnologias de impressão, as ilustrações anatômicas puderam alcançar uma
maior precisão técnica.
Enquanto isso no Japão, as ilustrações anatômicas antigas que circulavam nas
rodas de estudo de fisiologia humana dão uma perspectiva sobre a evolução do
conhecimento médico durante o período Edo.
Figura 6 - Ilustrações antigas que circulavam no Japão do Período Edo.
Figura 4 - Andrea Vesalius. “De humani corporis fabrica”, pág. 170. (1543)
Figura 9 - Anatomia uterina de uma grávida. Autor: Hunter, William, 1718-1783 Publicação: Birmingham: Printed by J. Baskerville, sold in London by S. Baker and G. Leigh [etc.], 1774
Considerando os recursos imagéticos adotados nas figuras 6, percebesse que essas
são imagens vagas, enquanto as ocidentais são muito mais precisas. As diferenças
nas representações do crânio (figuras 7 e 8) mostram a riqueza estética tão bem
representada por Andreas Vesalius, garantindo-lhe a minúcia dos detalhes
desejados. Isso também mostra a importância que teve a autópsia, a dissecação e a
experimentação no período seiscentista. Apesar de não ser uma prática agradável,
foi à única maneira pela qual a medicina pode (e pode) evoluir.
Conclui-se então que, apesar de já ser possível, naquele período, ter acesso a
lâminas anatômicas com tamanha precisão de detalhes, no Ocidente; o Japão do
Período Edo apesar de ter feito florescer as artes, a engenharia, etc, parece não ter
dado relevância à produção de gravuras com essas características anatômicas mais
detalhadas e mais realistas, mesmo tendo em seu quadro excelentes artistas que
dominavam a técnica da Gravura.
Figura 7 - Estudo Anatômico feito a partir do livro “Ontleekundige Tafelen". (1774)
Figura 8 - Andrea Vesalius. “De humani corporis fabrica”, pág. 606 (1543).
Referências bibliográficas:
Guia Conhecer Fantástico Extra 01 – Samurai & Ninja. On Line Editora, 2017.
FREDERIC, Louis; HWANG, Alvaro David. Japão, O Dicionário e Civilização. Editora
Globo, 2008.
YAMADA, Eli Aisaka. A ERA EDO (1603 – 1867) E O JAPÃO CONTEMPORÂNEO
(2003 –2010): o multiculturalismo e a cultura de massa sob a perspectiva da História
Comparada nas representações de Justiça / justiça justiceiro nos manga Vagabond
(1999) e Death Note (2003). Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-
graduação em História Comparada (PPGHC) da UFRJ. 2014
Sites pesquisados entre 14/10/2018 e 16/10/2018.
https://www.britannica.com/topic/rangaku
https://www.catalogodasartes.com.br/historia_arte/BBP/
https://www.infoescola.com/japao/periodo-edo/
http://www.ufjf.br/posmoda/files/2013/05/monografia-revisadaAPSC.pdf
http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1646-
69182013000400007#f1
https://anatomia.library.utoronto.ca/
Livro citado no texto:
Kaitai Shinsho, Tratado de Anatomia, 1774.
http://archive.wul.waseda.ac.jp/kosho/bunko08/bunko08_b0093/bunko08_b0093.pdf
http://archive.wul.waseda.ac.jp/kosho/ya03/ya03_00618/ya03_00618.pdf
Andrea Vesalius. “De humani corporis fabrica”, 1543.
https://www.nlm.nih.gov/exhibition/historicalanatomies/vesalius_home.html