QUESTÕES DE GÊNERO NA INFÂNCIA: O DISCIPLINAMENTO DOS ... · deveriam ter com os corpos e almas...
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QUESTÕES DE GÊNERO NA INFÂNCIA: O DISCIPLINAMENTO DOS
CORPOS NAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
Eliane Dominico (Universidade Estadual de Maringá-UEM) Maristela Aparecida Nunes (Universidade Estadual do Centro-Oeste-UNICENTRO)
Solange Franci Raimundo Yaegashi (Orientadora- Universidade Estadual de
Maringá-UEM) E-mail: [email protected]
Resumo A questão de gênero deve ser tratada ainda na Educação Infantil, uma vez que essa discussão fornece instrumentos analíticos para a abordagem de temas socialmente recorrentes como o machismo, preconceito, discriminação e violência. Tratar das questões de gênero faz parte de um objetivo macro: as relações de poder presente na Educação Infantil enquanto processo de socialização da criança. De cunho teórico esse texto tem a finalidade de problematizar as questões de gênero na Educação Infantil a partir de regras, normas que disciplinam os corpos infantis determinando ‘o que é coisa de menina e o que é coisa de menino’. Buscamos a partir dessa reflexão contribuir com os debates que pretendem superar as desigualdades socialmente construídas.
Palavras-chave: Criança; Disciplinamento dos Corpos; Educação Infantil; Gênero. Introdução
A Educação Infantil é um espaço de confronto com questões que envolvem a
diversidade. Nesse meio educativo, como nos mostra Foucault (2014), existe
mecanismos de vigilância os quais evidenciam práticas pedagógicas baseadas na
regulação, na normatização e no controle dos corpos infantis com o intuito de que
não fujam às normas e sigam os padrões estabelecidos. Trata-se de racionalidades
de governo da infância (BUJES, 2001) que ditam o que é próprio de meninos e de
meninas, ao determinar os modos de sentar, andar, vestir, calçar, falar, brincar e
comportar-se. Dessa maneira, as crianças recebem uma educação marcada por
desigualdade de gênero e assim vão internalizando atitudes sexistas,
preconceituosas. Contudo, o papel crítico da Educação Infantil é compreender e
questionar o caráter social da produção e naturalização dessas marcas simbólicas
que geram violência e segregação social.
A partir dos aportes de Foucault (2010) sobre governamento procuramos
evidenciar a importância de tratar das questões de gênero na infância propondo uma
educação pautada no respeito às diferenças, particularidades e similaridades de
cada sujeito independente do sexo.
De cunho teórico esse texto objetiva refletir sobre as questões de gênero na
Educação Infantil problematizando o disciplinamento dos corpos das crianças nas
práticas pedagógicas. Para tanto iniciamos nossas discussões a partir do seguinte
questionamento: o que as práticas pedagógicas revelam sobre a questão de gênero
na Educação Infantil?
A escola e formação de identidade As diferentes instâncias sociais como a família, a escola, a igreja e a mídia
vinculadas aos saberes científicos são responsáveis pelo processo de constituição
cultural e social de homens e mulheres. Louro (1999, p.25) defende que “a produção
dos sujeitos é um processo plural e também permanente” que coloca em prática
uma pedagogia de forma articulada que objetiva reiterar ou negar identidades.
Dentre essas organizações sociais as instituições educativas, por constituírem-se
em locais de aprendizagens e trocas de experiências, torna-se um importante
espaço na formação dos sujeitos desde a infância. Nesse sentido, é ainda na
Educação Infantil que as crianças estabelecem relações sociais entre si. É nesse
local, que meninas e meninos formam grupos e vão construindo suas lógicas de
ocupação dos espaços. Esse agrupamento acontece geralmente por sexo: meninos
de um lado e meninas de outro. Contudo, esse critério não é inato à criança, é
aprendido na própria instituição.
Se considerarmos os estudos de Foucault (2014) e o caráter regulador das
escolas, materializado na pedagogia contemporânea, se pontuarmos também, na
esteira desse autor, a prática pedagógica como construtora de subjetividades,
observamos o quanto as instituições educativas são modeladoras de corpos dóceis
e tem o poder de normatizá-los definindo o que é próprio para menino e para
menina. Inerente a essa uniformização está presente à questão de gênero que
conforme nos mostra Louro (1997, p.61), embora esteja muito latente na
contemporaneidade, já é percebida desde a criação da instituição escolar:
Os antigos manuais já ensinavam aos mestres os cuidados que deveriam ter com os corpos e almas de seus alunos. O modo de sentar e andar, as formas de colocar os cadernos e canetas, pés e mãos acabariam por produzir um corpo escolarizado, distinguindo o menino ou a menina que “passara pelos bancos escolares” (grifo da autora).
A autora evidencia que desde muito cedo já havia essa preocupação em
instituir normas, regras e limites a fim de segregar as crianças. Essa separação
atuava sobre os corpos infantis reforçando o que a sociedade estabelecia para cada
sexo. Vianna e Finco (2009, p. 274) esclarecem que:
[...] as formas de controle disciplinar de meninas e meninos estão intrinsecamente relacionadas ao controle do corpo, à demarcação das fronteiras entre feminino e masculino e ao reforço de características físicas e comportamentos tradicionalmente esperados para cada sexo nos pequenos gestos e nas práticas rotineiras da educação infantil.
De acordo com as autoras, a finalidade da Educação Infantil não é apenas
cuidar do corpo, mas educá-lo por meio da imposição de condutas socialmente
estabelecidas. E é nessa perspectiva que torna-se evidente nas práticas
pedagógicas uma educação baseadas nas ideologias sexistas que reitera
preconceitos e estereótipos. Nos diferentes espaços da instituição, como parques,
sala de interação, banheiros, refeitórios, pátios, enfim de forma geral no cotidiano
educativo estão presentes atitudes que conduzem as crianças a compreensões que
naturalizam o gênero e reforçam os padrões impostos pela cultura hegemônica.
A própria forma como o educador se dirige aos meninos e às meninas já
carrega um discurso marcado por uma ideologia e por uma cultura patriarcal. Ao
elogiar a beleza das meninas, elemento relacionado à estética, e ao enaltecer a
força e a agilidade dos meninos, relativos às características corporais, embora
pareça uma atitude natural, comporta uma forma simbólica de discriminação.
Nas diversas ações da rotina educativa as crianças vão aprendendo a
distinguir aquilo que é qualificado como feminino e masculino: internalizam essas
ações durante as atividades pedagógicas como as brincadeiras nas quais
geralmente, meninos e meninas não se misturam, permanecendo em grupos
distintos. Além disso, muitas literaturas destinadas às crianças e adotadas pelos
professores enfatizam essa separação entre e feminino e o masculino. Nesse
sentido, Vianna e Finco (2009) destacam que no meio escolar há uma falta de
mediação para que as crianças brinquem de forma integrada. Outro momento em
que é perceptível a separação é a organização das filas, em que meninos ficam de
um lado e meninas de outro. Nessa dinâmica as crianças vão aprendendo a função
e os papéis atribuídos a homens e a mulheres e a partir dessa compreensão vão
estruturando comportamentos socialmente estabelecidos que engendram as
relações de poder entre ambos.
Considerações finais
Com a escrita desse texto percebemos que os adultos no exercício da
educação das crianças reafirmam diferenças entre homens e mulheres com base
em elementos biológicos. Essa naturalização influencia na formação da identidade
das crianças, que crescem separando o que é próprio de cada sexo. Assim, as
crianças são inseridas em um mecanismo de preparação para o desempenho de
papéis sociais na vida adulta calcado na discriminação e nos preconceitos. Nesse
sentido, constatamos que as práticas pedagógicas revelam uma educação ainda
carente de reflexões e debates a respeito das questões de gênero.
A partir do aporte teórico abordado ao longo do texto defendemos que a
Educação Infantil é um espaço no qual precisa ser reafirmado o respeito e a
igualdade de gêneros. Diferenças não significam desigualdades. Essa revisão
demanda práticas que questionem a conduta do educador.
Referências BUJES, Maria Isabel Edelweiss. Infância e maquinarias. 259 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2001. FOUCAULT, Michel. O governo de si e dos outros: curso no Collège de France (1982-1983). São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: o nascimento das prisões. 42.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014. LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós estruturalista. Petrópolis: Vozes, 1997. LOURO, Guacira Lopes. Pedagogias da sexualidade. In: LOURO, Guacira Lopes. (Org.). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. VIANNA, Claudia; FINCO, Daniela. Meninas e Meninos na Educação Infantil: uma questão de gênero e poder. Cadernos Pagu, n. 33, p. 265-284, jul./dez. 2009.