"Queremos empresas que precisem de Donos"

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Entrevista de Marcel Teles na Revista HSM

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“Queremos empresas Que precisem de donos”

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xplorar” é um verbo em português, mas, em in-glês, ele se transforma em dois: “exploit” (bus-car a eficiência máxima naquilo que existe) e “ex-

plore” (estar atento a novas fronteiras e oportunidades de inovação). esse achado linguístico do inglês, citado na entrevista a seguir, define à perfeição o estilo de gestão que marcel Telles e seus dois sócios de longa data, Jorge paulo Lemann e carlos alberto sicupi-ra, procuram impor ao grande número de negócios em que investem no Brasil e, cada vez mais, no exterior.

acionista do fundo 3G e de empresas tão variadas quanto a maior cerveja-ria do mundo, aB inBev (que possui a ambev no Brasil), a rede de restauran-tes fast-food Burger King, a companhia ferroviária norte-americana csX e a varejista brasileira Lojas americanas, o experiente Telles revela a seguir seu foco em empresas estabelecidas de economias desenvolvidas que podem desabrochar se tiverem donos –contro-ladores e funcionários que ajam como donos internos–, comenta seu encanta-mento com a atitude e o empreendedo-rismo brasileiros e compartilha outras

lições de gestão valiosas nesta entrevis-ta a José salibi neto e sandro magaldi, respectivamente chief knowledge offi-cer (cKo) e diretor-comercial da Hsm.

vocês compraram 8,3% do capital da ferrovia cSX, uma das maiores dos Es-tados Unidos, participam da all no Bra-sil e adquiriram o Burger King mundial, rede de fast-food. além da maior cerve-jaria do mundo, a aB inBev, controlam

as lojas americanas, varejista, e o Hopi Hari, parque temático. a primeira per-gunta é inevitável: como ter foco com tanta diversificação?eu não acho que sejamos tão diversi-ficados em nossa trajetória... a gente teve dois grandes negócios, que foram as Lojas americanas e, uma década de-pois, a Brahma. Ficamos extremamen-te focados neles e foi por causa desse foco que crescemos barbaramente –cada cinco anos crescíamos mais que nos cinco anos anteriores.

aí criamos o fundo de private equity, primeiro Gp investimentos e agora 3G, em nova York; foi o que deu essa im-pressão de que somos pelos empreen-dimentos diversificados. para um fun-

do, a regra são os negócios variados. mas, em se tratando de gestão, nós sempre fomos focados.

Foco em gestão, diversificação em in-vestimento. Essa diversificação não in-clui o balanceamento entre start-ups e companhias estabelecidas, certo? o 3G prioriza mesmo as estabelecidas...pensando bem, temos, sim, um foco em nossos investimentos: são as em-

presas estáveis nas quais possamos aplicar nossos conceitos básicos de eficiência, gente e cultura –que nesse tipo de empresas têm grande efeito– e cujo negócio não possa ser totalmente virado de cabeça para baixo por uma inovação ou mudança tecnológica, em que não temos expertise.

Vemos muitas empresas extraordi-nárias estabelecidas nos estados uni-dos e no exterior que têm um manage-ment profissional com interesses não bem alinhados com os organizacionais e cujos funcionários não possuem um senso de propriedade. essas empresas conseguiram sobreviver muito tempo sem donos por possuírem uma marca forte, um mercado estável e/ou uma

a entrevista é de José Salibi neto, chief knowledge officer (cKo) da HSM, e Sandro Magaldi, diretor-comercial da empresa.

E“nosso foco em investimentos são as empresas estáveis cuJo negócio não possa ser virado de cabeça para baixo por uma inovação”

elas são empresas estabelecidas de economias maduras com marca forte, mercado estável e vantagem competitiva especial, mas sem gestores alinhados? estão na mira de marcel telles, porque podem dar um salto de desempenho com as receitas de gestão dele e de seus sócios

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vantagem competitiva especial, o que é um tripé valioso. se, no médio prazo, elas passarem a ter donos também, e falo em donos internos inclusive, a possibilidade de melhoria é colossal. Tudo precisa de dono.

Muito interessante esse foco...procuramos empresas onde donos fa-çam diferença. em outras palavras, há empresas muito antigas e bem-suce-didas no mundo inteiro que poderiam

melhorar muito. esse é um desafio que qualquer jovem brasileiro adoraria ter, aliás: ir para fora, atraído por um projeto de turnaround numa dessas companhias mais antigas e com tanto potencial. nós realmente acreditamos em empresas com donos.

não quer dizer que necessariamen-te a empresa familiar é melhor que a corporation porque tem dono, certo? De que tipo de dono você está falando?eu, particularmente, creio que a me-lhor empresa é aquela que tem três pernas:

o dono (controlador que pode to-•mar decisões de longo prazo);o mercado (que faz um “check” •se essas decisões fazem sentido financeiro e no curto prazo);e, parte muito importante, os •donos internos (que, além de terem seu patrimônio com-prometido com a empresa no longo prazo, também prestam atenção no curto prazo, no or-çamento e nos resultados de mais médio prazo). aí há outra vantagem nas empresas norte-americanas, que é a mão de obra jovem do país, que geral-mente conta com formação de alta qualidade.

agora, uma pergunta que seria deli-cada na maioria das empresas: como ter donos internos?Há práticas das quais gostamos e que aju-dam muito a ter donos internos, como o ambiente de trabalho todo aberto, onde fica difícil se esconder; a informalida-de, confundida com simplesmente usar jeans, mas que é muito mais a capacida-de de falar respeitosamente aquilo que se quer e ouvir de volta comentários sobre o que se disse ou fez; e a meritocracia.

para a meritocracia funcionar, é necessário ter um desdobramento de metas bem preciso, da meta global da empresa até a meta de cada indivíduo; elas devem ser claras, quantificáveis e compreendidas tanto por quem as es-tabelece como por quem vai cumpri- -las. esse é o processo, algo bem mais fácil de falar do que de fazer. exige que você, controlador, acredite muito nisso e numa execu-ção perfeita.

num ambiente assim, aberto, informal e com me-tas claras, é fácil perceber quem tem a atitude de dono. É quem aceita desafios, às vezes assustadores, mostra vontade de empreender e, em muitas decisões, demons-tra colocar o interesse da em-presa na frente do próprio.

Dá para sentir um futuro dono interno no recrutamento? É por isso que vocês e seus lí-deres se envolvem pessoal-mente nessa prática de rH?eu sempre me envolvi mui-to em recrutamento quando estava na operação. e hoje, dentro das empresas, do ceo aos principais executi-vos, todos fazem o mesmo. eles vão às faculdades fa-

lar com os jovens, entrevistam os 100 ou 200 finalistas dos programas de trainees, e têm metas de encontrar pes-soas de grande potencial –aquelas fora da curva, que possam agregar e se en-caixar bem na empresa.

para nós é quase uma religião. Jul-gamos um líder por sua capacidade de se cercar de pessoas que possam ser melhores que ele, que o ajudem a bater metas, fazendo a coisa certa da maneira certa.

você sempre foi visto como o Mr. Execu-tion do trio, enquanto o Beto [carlos al-berto Sicupira] seria o Mr. Financial offi-cer e o Jorge paulo [lemann] o Mr. Stra-tegy. Esses rótulos ainda procedem?dos três talvez eu tenha sido aquele que mais tempo esteve como operador ou executivo realmente. Tive esse papel na ambev de 1999 a 2004, e até o ano passado estive muito envolvido como chairman dos comitês de integração e convergência –primeiro entre ambev e intebrew e entre inBev e anheuser--Busch. Fui um semiexecutivo. Talvez eu naturalmente tivesse mais o perfil

“há práticas que aJudam muito as empresasa ter donos internos, como o ambiente detrabalho todo aberto e a informalidade”

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de operador e o apliquei em negócios que representavam 90% de meus in-vestimentos.

aos poucos, está havendo uma tran-sição que me torna bem menos opera-cional, mas, nos investimentos gran-des, ainda continuo muito envolvido nos conselhos e comitês, especialmen-te nos de gente e cultura. nos outros investimentos, mantenho a interação com o pessoal que toca os negócios na 3G. por exemplo, no caso do Burger King, quem está à frente da operação é o time da 3G, com o alex Bhering.

como é a entrada em um novo negócio como o Burger King, em uma área desco-nhecida para vocês, como a de fast-food?Há um tempo natural para aprender sobre o negócio enquanto se estru-turam e se aplicam todas aquelas coisas básicas: trazer a cultura cor-reta, implantar programas de trai-nees, identificar ou recrutar pessoas de alto potencial que possam ocupar postos rapidamente. isso tudo pode ser resumido em se concentrar nas frutas que estão mais fáceis de co-lher na árvore, em vez de pensar muito estrategicamente.

entramos em negócios que estão andando bem, então temos tempo para ir aprendendo devagarzinho e ir fazendo melhorias internas signifi-cativas, plantando para o futuro com gente e cultura, que são nossas ferra-mentas essenciais.

como os três fazem trocas no dia a dia? apesar de viajamos muito, nós nos falamos o tempo todo por e-mail. nós sempre procuramos usar a opinião e a experiência uns dos outros.

investidores e acionistas são seres hu-manos em férias permanentes, como idealizam alguns? [risos]É bem o contrário: meus filhos brin-cam dizendo que quando eu os levo ao parque de diversões, enquanto eles “andam” na montanha-russa, eu “ando” de Blackberry lá embaixo.

como vocês ficaram tão maduros? ima-ginamos que não se trate apenas de en-velhecer um do lado do outro... [risos]Tivemos três sortes. a primeira foi o Jorge ser dez anos mais velho que a gente e uma pessoa especial. ele teve aquela função do irmão mais velho,

que deu liga à relação, e o cérebro dele já veio com a maioria dos arquivos que eu copiei depois. Quero dizer que o que é software para mim e para o Beto já era hardware no Jorge.

a segunda sorte foi da personalidade semelhante: todos sempre quisemos sonhar e construir coisas, e sempre nos entusiasmamos com facilidade.

a terceira sorte foi cada um arrumar um negócio para tocar sozinho em al-gum momento e assim se realizar. não caberíamos os três em um negócio só juntos e ao mesmo tempo; seríamos animais muito grandes para um negó-cio só. no início, o Jorge ficou tocando o banco, o Beto foi tocar as Lojas ame-ricanas e fui tocar a Brahma –business grandes o suficiente para nos ocupar.

isso explica a não sobreposição e não redundância entre vocês... mas o trio sempre tendeu a concordar em tudo?não. Às vezes eu não concordava com alguma coisa que os dois faziam, ou eles não concordavam comigo, mas nós sabíamos que, se algo desse errado no sentido de poder afundar o barco, poderíamos contar um com o outro para juntos segurarmos o mastro.

“Eu acho que nossa cultura não agrada a todo mundo. Quem gosta gosta muito, tipo aquele atleta profissional que fica nadando 10 mil metros em uma piscina todo dia com prazer e jamais pensa em fazer outra coisa.” Ao definir a cultura Ambev, Marcel Telles está definindo, de certo modo, a si mesmo. Ele é o nadador profissional que faz 10 mil metros de piscina por dia.

Graduado em economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Marcel Herrmann Telles também cursou o célebre Owner/President Manage-ment (OPM), da Harvard Business School (programa de proprietários e presidentes da instituição), onde foi agraciado em 2009, ao lado dos sócios Jorge Paulo Lemann e Carlos Alberto Si-cupira, com o prêmio de gestão e empreendedorismo. Telles atuou como CEO da Companhia Cervejaria Brahma por dez anos, entre 1989 e 1999, e man-tém-se como presidente do conselho de admi-nistração da empresa, além de cochairman do board da Ambev. É membro do board das Lojas Americanas S.A.

saiba mais sobre MarcEl tEllES

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a gente teve sempre essa coisa de “defer”, que significa “deferir”. não é uma palavra muito comum ou suave em português; fazer isso requer con-vicção forte.

você fez uma ligação direta entre o dono e o longo prazo e queremos lhe repetir o dilema que ouvimos recentemente de um cEo. Ele disse: “Eu me sinto um sanduíche espremido pelos investido-res estrangeiros em cima, que ficam querendo resultados rápidos para pu-lar fora em três ou quatro anos, e os investidores de bolsa de valores embai-xo, que não entendem nada do negócio e querem resultados quase diários. E o que ambos querem, eu, como gestor, sei que leva dez anos para executar, pela curva de aprendizado das pessoas”. o que você pensa disso?na verdade, acho ótimo haver pressão externa. mas a vantagem do controla-dor é poder se dar ao luxo de, às vezes, tomar decisões que vão contra o mer-cado em nome da visão de longo prazo. agora, quando os funcionários são do-nos internos, essa curva de aprendiza-do leva menos de dez anos.

você disse há pouco que evita negócios sujeitos a grandes inovações. Mas o que dizer das pequenas inovações?existem em inglês dois verbos bons de conjugar juntos: “exploit” –buscar a eficiência máxima naquilo que exis-te– e “explore” –estar atento a novas fronteiras e oportunidades de inova-ção. nós executamos e inovamos per-manentemente.

um exemplo? em nosso negócio de cerveja, que pode parecer muito tedioso e estável, há muitas oportunidades de inovação em embalagens e no próprio líquido, e inovações que podem atender a ocasiões diversas de consumo e a dife-rentes perfis de consumidor. conseguir segmentar bem essas oportunidades e relacionar as coisas é inovação.

o Brasil está às vésperas de sediar uma copa do Mundo e uma olimpíada e é uma das “bolas da vez” no mundo. vocês têm feito mais investimentos no-

vos lá fora do que aqui... Queríamos sa-ber como veem nossas perspectivas.sempre fui animadíssimo com o Brasil, e por uma razão muito simples: vejo uma legião colossal de empreendedores em qualquer lugar a que se vá em nos-so país –e rodei bem esta terra quando estava na operação da Brahma. sempre me surpreendi descobrindo alguém fa-zendo algo que nunca imaginei, sendo competitivo tanto aqui dentro como em nível mundial. se houvesse maior co-laboração de parte do estado em infra-estrutura e um esforço de tornar o jogo um pouco mais equilibrado nos impos-tos, encargos trabalhistas e burocracia, o Brasil seria imbatível.

porém, mesmo com toda essa falta de apoio, as empresas e empreendedores brasileiros vêm se saindo muito bem. o Brasil está numa ebulição enorme, sou muito otimista.

nosso grande diferencial, acho, é a atitude. não ficamos perdendo muito tempo com o passado, com o que acon-teceu ou deixou de acontecer. não deu certo? partimos para outra.

o carlos Ghosn continua a ver a china como a maior aposta entre os Brics, pelo alto grau de investimento em in-

fraestrutura que vem ocorrendo lá, mas pelo menos os chineses não têm essa atitude, não é?acho que não têm [risos]. Queria acres-centar que as empresas brasileiras, em minha opinião, têm mais oportunidades principalmente em ramos tradicionais, onde têm chance não só de crescer, mas também de se reinventar. nesses ramos de ponta, fica tudo mais difícil.

Tive oportunidade recentemente de ver uma universidade norte-americana, em que meu filho vai estudar na área de tecnologia, e cada área lá tem um labo-ratório ao lado que parece a nasa [agên-cia espacial norte-americana], inacredi-tável! É em illinois, não massachusetts ou califórnia [risos]. e, em volta da uni-versidade, está cheio de incubadoras e de futuros Yahoos, sonys etc. se aprovei-tando do expertise dos professores.

não dá para brincar com isso, os norte-americanos estão uns 200 anos à frente tanto na parte científica como na acadêmica e no capital financiador disso. o Brasil está muito longe nesse caso. mas há outras tantas oportunida-des para fazermos o exploit-explore.

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“sempre fui animadíssimo com o brasil; veJouma legião colossal de empreendedores emqualquer lugar a que vou em nosso país”

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