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Quem tem medo dos grupos terapeuticos? Paradoxos e mais valias.
Neto, I.M.
VINCULO Revista do NESME, 2017, V. 14, N.2 1
QUEM TEM MEDO DOS GRUPOS TERAPEUTICOS?
Paradoxos e Mais Valias
Isaura Manso Neto
RESUMO
A autora aborda aspectos que sente como estranhos no corpo terico-tcnico da Grupanlise e dos
Grupanalistas/Psicoterapeutas de Grupo. Centrou-se essencialmente em colocar algumas hipteses
para a compreenso de aspectos paradoxais inerentes aos processos grupais que, na opinio da
autora, se constituem como factores de resistncia utilizao dos grupos como ferramenta
teraputica eficaz, tanto nos que procuram ajuda como nos tcnicos.
Os prprios grupanalistas podem encarar os grupos com ambivalncia o que lhes retirar convico
na indicao dos grupos pequenos como paritria s formas de psicoterapia em contexto dual
(psicoterapia analtica e psicanlise). A autora sugere algumas mais valias da
Grupanlise/Psicoterapia Analtica de grupo como a caixa de ressonncia emptica que favorecem
condies excepcionais para a anlise do carcter, nomeadamente dos traos ego-sintnicos
patognicos e patolgicos, to difceis de analisar na relao dual. A autora finaliza por enfatizar
certos procedimentos tcnicos que tendem a tornar a Grupanlise/Psicoterapia Analtica de Grupo
como especialmente eficaz nas transformaes da personalidade conducentes criatividade,
autonomia e liberdade. Apresenta alguns exmplos clnicos.
Palavras-chave: Grupanlise; Psicoterapia Analtica de Grupo; Fenmenos destrutivos nos Grupos.
WHO'S AFRAID OF THE THERAPEUTIC GROUPS?
Paradoxes and capital gains.
ABSTRACT
The author reflected on the themes proposed by the Organizing Committee of the event and decided
to address some aspects which she feels as strange factors in the theoretical and technical context of
the Group Analytic Psychotherapy and the Group Psychotherapists.
Isaura Neto focused essentially on considering some hypotheses for understanding paradoxical
aspects inherent to group processes, which groups resist to use as effective therapeutic tools for
those who seek help as well as for the technicians.
The group analysts may themselves face the groups with some ambivalence, which makes them
hesitate upon indicating small groups as equal forms of psychotherapy in dual context (analytic
psychotherapy and psychoanalysis).
The author suggests some aspects of Group analysis/group Analytic Psychotherapy as excellent
assets to foster exceptional conditions for character/personality analysis especially the ego syntonic
and pathogens traits which are so difficult to analyze in the/a dual relationship.
The author concludes with the emphasis on certain technical procedures that tend to make the
Group analysis/group Analytic Psychotherapy extremely effective in the transformation of
personality conducive to creativity, autonomy and freedom.
Key words: Group analysis; group analytical Psychotherapy; destructive phenomena in groups.
QUIN TEME A LOS GRUPOS TERAPUTICOS?
Paradojas y plusvalas
Quem tem medo dos grupos terapeuticos? Paradoxos e mais valias.
Neto, I.M.
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RESUMEN
La autora aborda aspectos que siente como extraos en el cuerpo terico-tcnico de la Grupanlise
y de los Grupanalistas/Psicoterapeutas grupales. Se centr esencialmente en colocar algunas
hiptesis para la comprensin de aspectos paradojales inherentes a los procesos grupales que, en la
opinin de la autora, si constituyen como factores de resistencia a la utilizacin de los grupos como
herramienta teraputica eficaz, tanto nos que buscan ayuda como en los tcnicos. La autora sugiere
algunas ms valas de la Grupanlise/Psicoterapia Analtica grupal como la caja de resonancia
emptica que favorecen condiciones excepcionales para el anlisis del carcter, expresamente de los
trazos ego sintnicos patgenos y patolgicos, tan difciles de analizar en la relacin dual. La autora
finaliza por enfatizar ciertos procedimientos tcnicos que tienden a hacer la
Grupanlise/Psicoterapia Analtica grupal como especialmente eficaz en las transformaciones de la
personalidad conducentes a la creatividad, autonoma y libertad. Se presentaram algunos ejemplos
clnicos.
Palabras clave: Grupanlise; Psicoterapia Analtica de Grupo; fenmenos destructivos en los
grupos.
Introduo
O trabalho est dividido em dez partes, como seguem:
I - Ressonncia, Estranho, Familiar, na linguagem coloquial.
II - O Estranho em mim e noutros.
III - O Estranho na conceptualizao psicanaltica.
IV - O Estranho face aos grupos e nos grupos que tenho conduzido e ou que superviso -
Caractersticas Paradoxais dos grupos.
V - Mais valias
V.1 - Os grupos Grupanaliticos como meio de ressonncia/expanso do Conhecimento Relacional
Implcito com novas experincias relacionais transformadoras.
V.2 - Os grupos grupanalticos como meios preferenciais de anlise de:
- conflitos
- sentimentos e fenmenos estranhos/ difceis/culpabilizantes.
- mal entendidos e traos de carcter patognicos e patolgicos.
VI - O meu Padro - condies sine qua non para que a potencial destrutividade se possa constituir
como mais valia.
VII - Os grupos grupanalticos com risco de caixa de ressonncia crtica o fenmeno do bode
expiatrio.
VIII - Os grupos grupanalticos como caixas de ressonncia emptica.
IX - Reflexes finais.
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X - Referncias.
I - Ressonncia, Estranho, Familiar, na linguagem coloquial
II - O Estranho em mim e noutros
Ressonncia:
Dicionrio de Lngua Portuguesa: Qualidade do que ressonante.
Propriedade de aumentar a intensidade de um som.
Fsica: condio em que um sistema vibrante toma o mximo de amplitude sob a aco de uma
forma alternada excitadora de frequncia igual a uma das frequncias do sistema que ressoa.
Caixa de ressonncia: caixa de ar em certos instrumentos musicais ou em aparelhos de estudo da
fsica que serve para reforar o som produzido por cordas vibrantes ou por diapases.
H muitas mais definies de Ressonncia aplicadas Fsica.
Psicologia: uma das 3 componentes do carcter, alm da actividade e da emotividade; maneira
como as impresses experimentadas ressoam na conscincia do sujeito.
O estranho/ A Estranheza
Dicionrio de Lngua Portuguesa (2011): 1 no habitual; 2 esquisito; 3 desusado; 4 espantoso,
extraordinrio; 5 que de fora, estrangeiro; 6 uma pessoa desconhecida, (do latim extraneu).
Populao em geral (amigos, colegas): Esquisito, diferente, que no se percebe, com que no se
identifica.
E o que provoca? Curiosidade, medo pelo desconhecimento da natureza desse estranho; medo da
imprevisibilidade.
Os sonhos so frequentemente sentidos como estranhos. Talvez seja esta manifestao do
funcionamento mental que mais frequentemente gera este sentimento de estranheza.
Penso que so frequentes as sensaes de estranheza quando ouvimos a nossa voz gravada e
no a reconhecemos. O mesmo pode ocorrer com a imagem corporal: quando vemos fotografias
afastadas no tempo, temos, s vezes, dificuldade de nos reconhecer, sendo invadidos por sensaes
estranhas.
Como eu lido. Uso pouco o termo de estranho/estranheza. Por qu? Porque rapidamente, face ao
desconhecido e incompreensvel tento perceber, dar um sentido e o sentimento de estranheza
desaparece, passando a ser substitudo por: prazer, curiosidade, medo, irritao etc. Houve poucas
situaes em que a vivncia de estranheza foi muito forte e passavam pela incompreenso total e
perplexidade face aos fenmenos que me estavam a ocorrer. Uma delas s foi clarificada e
compreendida muitos anos depois.
Experincia clnica como psiquiatra/psicoterapeuta: a despersonalizao e a desrealizao so
sintomas de estranheza face ao prprio ou realidade.
Tenho reparado, ao longo dos processos psicoteraputicos, que as mudanas de
representaes sobre o prprio ou os seus objectos provocam momentos de estranheza, mesmo de
despersonalizao, a que poder corresponder o conceito psicanaltico de mudanas catastrficas
(Bion, 1966, in Zimerman, 2001).
Alguns sonhos e actos falhados deixam as suas caractersticas de estranheza logo que so
interpretados.
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Durante o trabalho psicanaltico e grupanaltico sentimos os now moments isto , momentos
de urgncia com alguma estranheza, embora predomine a ansiedade, como diz Stern, 2004.
O Familiar
Dicionrio de Lngua Portuguesa (2011): o que da famlia, caseiro, conhecido, habitual,
comum, ntimo.
O Familiar - o que nos provoca?
Calma, bem-estar, prazer, mas, tambm pode provocar averso, desprazer, levando a ser evitado,
pelo menos conscientemente.
Talvez inconscientemente vamos procur-lo para que algum dia possa ser diferente e prazeroso,
tipo - este grupo -me familiar: preocupam-se comigo, ao contrrio do que se passou na minha
famlia.
Eu e Outros
Nem tudo o que novo se constitui como estranho.
Nem tudo o que estranho predominantemente ameaador.
Ser que o que familiar se pode constituir como estranho, sendo aparentemente antnimos?
III O Estranho na conceptualizao psicanaltica
Dicionrios de Psicanlise - procurando em Unheimlich de Freud - conceito de 1919, traduzido
por Uncanny e por O Estranho:
Rycroft: no h qualquer referncia
Laplanche e Pontalis: no h qualquer referncia
Vocabulrio Contemporneo de Psicanlise, de David E. Zimerman (2001), vemos que Freud
definiu O Estranho como tudo o que j foi familiar para a vida psquica, mas que foi recalcado.
tudo o que deveria ter permanecido oculto e secreto, mas que veio luz, de modo que as en-tranhas
psquicas se tornam es-tranhas,
comum, no curso das anlises, que o contacto com o estranho produza uma sensao de
confuso, loucura e morte tanto no paciente, por se defrontar com o que sempre o aterrorizou, quanto
possvel esse sentimento ser despertado no analista. Isso ocorre porque as projees transferenciais, que hoje chamaramos de identificaes projetivas do paciente, provocando contraidentificaes
projetivas no analista, podem fazer com que ele funcione como uma espcie de duplo do
analisando. (ZIMERMAN, D. E., 2001, p131).
Jean-Michel Quinodoz (2007) no seu livro Ler Freud - Guia de leitura da obra de S. Freud
(p.184) define o estranho como: Mil e uma facetas de um sentimento paradoxal.
Freud abordou este tema em 1919 da Edio St. Brasileira, Unheimlich para falar de qu?
Do inconsciente? Claro! Mais uma forma de manifestao dos poderes dos fenmenos mentais
inconscientes. O Estranho relaciona-se indubitavelmente com o que assustador, com o que
provoca medo e horror...(FREUD, 1919, 275-276).
Freud pretende investigar em que situaes o familiar se pode tornar estranho e assustador.
Afirma que s se pode dizer que aquilo que novo pode se tornar facilmente assustador e estranho.
Naturalmente, contudo, nem tudo o que novo e no familiar assustador. Algo tem de ser
acrescentado ao que novo e no familiar para torn-lo estranho (FREUD, 1919, p. 277). Atribui o
sentimento de estranheza incerteza intelectual, a algo que no se sabe como abordar.
Freud comea por ir investigar o significado coloquial nas vrias lnguas: desconfortvel,
inquietante, sinistro, lgubre; em rabe e hebreu: demonaco, horrvel.
No alemo, Unheimlich o antnimo de Heimlich que por um lado significa o que
familiar e agradvel e, por outro, o que est oculto e se mantm fora da vista. Assim, Freud
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concorda com autores que afirmam que unheimlich tudo o que deveria ter permanecido oculto,
mas veio luz. Unheimlich uma subespcie de heimlich (FREUD, 1919, p.283).
A nossa concluso podia, ento, afirmar-se assim: uma experincia estranha ocorre quando
os complexos infantis que haviam sido reprimidos revivem uma vez mais por meio de alguma
impresso, ou quando as crenas primitivas que foram superadas parecem outra vez confirmar-se (FREUD,1919, p. 310).
E acaba: No que diz respeito aos factores do silncio, da solido e da escurido podemos
to somente dizer que so realmente elementos que participam da formao da ansiedade infantil,
elementos dos quais a maioria dos seres humanos jamais se libertou inteiramente (FREUD, 1919
p. 314).
Faz-me pensar que, nesta hiptese, o estranho est ligado ao sofrimento infantil intenso e
assustador que permaneceu incompreensvel e poderosamente recalcado. Assim, a anlise afastar-
nos-ia de sentimentos de estranheza. Estes continuaro a surgir na transferncia e nos sonhos de
que curiosamente Freud no fala, na compulso repetio e noutras situaes desencadeadas
por estmulos que de algum modo evoquem o passado traumtico. Nunca estaremos livres
totalmente de experincias estranhas uma vez que nunca teremos acesso total aao conhecimento
no consciente.
Exemplos clnicos Sonhos e sofrimento infantil (G.A. = Grupanalista)
Rodolfo contou 2 sonhos que apelidara de Sem Sada e O casamento.
O Sem Sada: havia uma srie de situaes difceis em que era acusado, incriminado
de vrias formas. Resolvia uma e logo outra acontecia, sempre acusado e incriminado.
Resolveu sair do pas, mas o passaporte caducara! Sem sada!
Trabalho grupal de sonho:
Niel: Pelo menos parece que paraste com essa idealizao de mudana de pas!!
G.A.: Rodolfo, o que sente e pensa do seu sonho? O Niel deu a interpretao dele mas, o
sonho seu!!
Rodolfo: Senti sempre estes sentimentos toda a minha vida! Sempre me senti s, sempre a
exigirem de mim, resolvendo situaes; no estava l ningum para me ajudar; sobrevivi, mas,
foi muito difcil; acho que percebi o meu sonho quase imediatamente.
O Casamento
Fui convidado para um casamento. Disseram-me que a noiva gostava de mim h
muitos anos. Mas eu no sabia. Ela veio ter comigo muito triste. Contudo, subitamente casou-
se, parecendo contente. Continuei na festa e subitamente a noiva voltou triste para o p de
mim o que me deixou terrivelmente ansioso. Tentei ajud-la. Mas, ela desaparecia. Acontecia
vrias vezes o mesmo.
O Rodolfo estava visivelmente triste, interrompendo a narrativa.
G.A. O que que est a sentir?
R.: Foi sempre assim; quando o meu pai saa de casa a minha me ficava triste; eu sentia que
tinha que ocupar o vazio deixado por ele e depois, subitamente vinha o tal homem 1 ou 2x por
semana e a minha me ficava contente.
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Depois ficava triste outra vez.
As lgrimas corriam. Estes 2 sonhos so a nica forma de chegar emocionalmente
minha tristeza na infncia e minha solido! Agora posso perceber que sempre escolhi
mulheres tristes para namoradas; em vez de olhar para mulheres vivas e alegres, eu
aproximava-me das que tinham um olhar triste. Que estranho!
Sonho - Grupo com duas sesses por semana:
Jovem adulto rfo de pai desde tenra idade. O pai morreu num desastre de viao
num carro conduzido por ele em que tambm morreram 2 irmos crianas, tendo ficados vivos
s ele e a me. Esta e a av sempre lhe contaram que o pai morrera no hospital vtima de
atrasos no atendimento mdico. Em sucessivas sesses de grupo contava um pesadelo
estranho, de repetio, desde que se lembrava dele: era invadido por uma onda tsunmica de
vermelho que o afogaria. Acordava sempre em pnico. O trabalho do sonho em grupo foi-lhe
permitindo refazer e interessar-se pela morte do pai e dos irmos, assunto que toda a vida
evitara. Aps perguntar convictamente me e av o que realmente sucedera, ficou a saber
que o pai tivera morte imediata com rotura da artria cartida tendo provocado um mar de
sangue assustador que ele presenciara numa fase pr-verbal tendo passado a pertencer ao seu
vnculo K implcito (STERN, 2004, p.242) e que por isso no era passvel de ser reproduzido
numa narrativa directa sobre este traumatismo da sua vida.
Numa conceptualizao mais recente das teorias e tcnicas psicanalticas, resultante:
da influncia da Escola inglesa das Relaes de objecto, da teoria da vinculao de Bowlby,
Psicologia do Self de Kohut, da investigao sobre o desenvolvimento infantil, teoria
biolgica de sistemas, e neurocincia afectiva desenvolvida pelo Boston Change Process
Study Group (BCPSG), encabeada durante muitos anos por Daniel Stern (2004) - e que
partilhada pelo que hoje se denomina Psicanlise Relacional - defende-se que o que se
pretende desenvolver num processo analtico a explorao de cada momento do processo
interactivo terapeuta - cliente/doente - present moments, criando-se um clima de confiana,
conforto, bonomia e segurana.
Por vezes, h roturas, desencontros, dificuldades, que exigem aces (no no sentido
de acting-outs) diferentes do habitual /no familiares - now moments (momentos de
urgncia) que, se adequadamernte respondidos e ultrapassados, evoluem para Moments of
Meeting momentos de encontro de grande potencial transformador.
Os momentos de urgncia so, em minha opinio, s vezes, sentidos com alguma estranheza.
IV O Estranho face aos grupos e nos grupos que tenho conduzido e ou que superviso -
caractersticas paradoxais dos e sobre os grupos
H temas que so familiares maioria das nossas comunidades cientficas. talvez o caso
de se aceitar que h inconsciente, transferncia, que h contratransferncia, relao, interpretao.
E, que mais temas sero familiares a todos ns?
E o que que diferente ou mesmo estranho entre ns - Grupanalistas/Psicoterapeutas de
Grupo e na Grupanlise (GA)/Psicoterapia Analtica de Grupo (PAG)/Psicoterapia Grupanaltica?
Estes nomes so-nos familiares. Aparentemente sabemos todos do que estamos a falar. Mas, se
formos tentar aprofundar e definir encontramos muitas dvidas e divergncias.
A comear pelo nome que obviamente introduz a definio incluindo os objectivos: a GA e
a PAG so formas de teraputica de cada indivduo no grupo e atravs do grupo?
Ou so formas de investigao dos processos de Grupo? De certo modo GA um termo mais
ambguo e confuso; que nos induz a pensar que se pode analisar um grupo. E poder. Mas, analisar
um grupo implica poder tratar-se cada membro de per si? Alguns de ns pensam que no. PAG
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uma denominao mais clara do que se faz/pretende fazer. S que GA foi introduzido por Foulkes e
seguidores para introduzir um processo teraputico semelhana da Psicanlise (PA).
A Escola Inglesa usa Group Analysis para designar a GA, a PAG e vrias aplicaes da GA
a que tenho chamado espectro grupanaltico (Neto e Centeno, 2006). No seria mais correcto falar
em Psicanlise em grupo? Seria/Ser mais difcil/estranho fazer vingar esta denominao do que a
de Grupanlise? Parece-me que Psicanlise em grupo ainda mais desafiante! Grupanlise um
termo mais ambguo: sugere que se trata de anlise do grupo o que ser bem diferente de analisar
cada membro desse grupo semelhana do que se faz em Psicanlise (PA)!
Estaremos todos de acordo com isto? No foi fcil para Foulkes enfrentar a comunidade
psicanaltica britnica implementando uma tcnica to diferente da PA, pelo menos no que
concerne aos procedimentos: do div, do evitamento do olhar para a exposio total num grupo.
Causou estranheza e, se calhar, ainda causa alguma, pelo menos nalgumas sociedades
psicanalticas, entre alguns de ns atrevo-me a dizer. Ser que o inconsciente s aparece no
procedimento tcnico do div e da associao livre? H quem pense que sim. E tambm h quem
pense, como Alain Gibeault, ex-presidente da FEPA (2001) que a um ideal para que se tende e s
se consegue nas fases finais de uma Psicanlise.
Se os grupos so to importantes no desenvolvimento do ser humano, no ser
surpreendente que o tratamento do indivduo num grupo seja uma ideia estranha, difcil de aceitar
pela maioria das pessoas, incluindo os terapeutas de grupo que expressam esta dificuldade?
Quando isso ocorre h uma grande falta de convico, racionalizando com os receios de que
os abandonos surgiro com mais facilidade; assim, os grupos no se constituem, entrando-se num
crculo vicioso.
Tenho pensado muito para tentar perceber os motivos destas resistncias aos grupos.Morris
Nitsun (1996) no seu livro The Anti Group - Destructive forces in group and their creative
potential foi o autor que mais me tem ajudado a compreender este problema atravs das 10 bvias
caractersticas dos grupos que podem conter elementos paradoxais escondidos, que afligem os
participantes, dificultando, sobretudo as fases iniciais dos processos teraputicos de grupo
NITSUN, 1996:
1 - o grupo uma coleco de estranhos;
2 - o grupo no estruturado;
3 - o grupo criado pelos seus membros;
4 - o grupo uma arena pblica;
5 - o Grupo uma entidade plural;
6 - o grupo uma experincia complexa;
7 - o grupo cria tenses interpessoais;
8 - o grupo imprevisvel;
9 - o grupo flutua no seu progresso;
10 - o grupo uma experincia incompleta.
Passo a sintetiz-los, integrando a minha experincia como grupanalista:
- Os grupos evocam mais facilmente os medos do sofrimento passado, pois, rapidamente surgem na transferncia, as representaes relacionais dos objectos primrios, os padres
familiares.
- O grupanalista idealizado, mas os restantes membros do grupo no. - A discusso livre flutuante pode ser mais assustadora que a associao livre porque no
podemos controlar a associao livre dos Outros. Assim, a surpresa/a estranheza est
sempre l: inevitvel.
- Receio da quebra da confidencialidade.
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- Medo de retaliao e vergonha sempre que surja a expresso mais livre de conflitos e de sentimentos difceis de mentalizar e verbalizar.
- A pluralidade e a diversidade podem ser sentidos como ameaas no incio de entrada num grupo.
O grupo , pois, um meio de contnua desidealizao, muito mais do que o meio dual. O ser-se
nico no existe, h sempre um Outro; experiencia-se a partilha de espao e disponibilidade
dos terapeutas, desafiando a clssica confuso entre tempo e disponibilidade. Podemos estar
com algum sem estarmos em verdadeira relao. Isto traduz outro ponto, que a gesto da
forma como os analistas expressam a sua tcnica, em que se inclui a gesto dos silncios.
O conflito entre grupalidade e individualidade est sempre presente num grupo teraputico
grupanaltico, aparecendo no seu significado mais profundo: o conflito entre autonomia e
simbiose.
Gostaria de acrescentar que no meu entender o grupo introduz de forma clara e rpida
a sexualidade, incluindo a dos analistas, afastando os membros da simbiose idealizada do
narcisismo primrio. Os grupanalistas/psicoterapeutas de grupo tm outros filhos que esto ali,
que tm realidade concreta.
diferente saber-se racionalmente que no se o nico analisando/doente/paciente,
mas, os outros no se vem, no se conhecem, no se confrontam. Dizia-me uma doente numa
sesso de psicoterapia dual, aps se ter cruzado com uma figura pblica que detestava, e que
seria tambm minha doente: No pode segui-la; diga-me que no verdade; se gosta dela no
pode gostar de mim!.
O encontro com a sexualidade, seja da criana ou dos pais, um fator perturbador e
disruptivo destruindo o sonho (idealizao) da unio total e eterna com a me (MOLLNOS,
2002). A psicoterapia dual pode manter essa idealizao.
Os grupos introduzem, pois, tambm com rapidez e clareza, a dinmica da fratria.
Num livro interessante sobre este tema editado pela EFPP (2014) Siblings, Franz
Wallendorf refere que os irmos, ao contrrio dos pais, no fazem falta ao bb para que possa
sobreviver. Aprender a conviver com outros seres seus pares, e tirar disso at prazer e
vantagens, um dos resultados da saudvel transformao do narcisismo primrio. um
processo difcil, em que surgem necessariamente rivalidades e conflitos de que decorrem
sentimentos difceis de suportar e aceitar, a par de amizade e cumplicidade.
Penso que sem uma experincia de grupo teraputico, um processo analtico fica
incompleto. Ser estranha esta minha afirmao?
Para facilitar a elaborao e a ultrapassagem destas difceis situaes, evitando drop-
outs (abandonos), a Escola Portuguesa de Grupanlise tem introduzido alguns procedimentos
tcnicos: manter os doentes, futuros membros dos grupos em psicoterapia dual para
estreitar/fortificar a aliana teraputica; preferimos sesses mais frequentes 2 ou 3 por
semana.
Tenho sentido e pensado que a diminuio do nmero de membros - 4, 5, em vez dos
clssicos 6, 7, 8 outro fator que me parece favorecer a anlise de conflitos e sentimentos
difceis que tantas resistncias provocam, necessitando de mais tempo de ateno a cada
membro e s situaes em si.
Vinheta: Resistncias de cada um dos elementos do grupo
Bianca
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- Refere nas ltimas sesses de psicoterapia dual que no queria falar do tema da sexualidade no grupo, e na ltima sesso dual o tema dominante foi a sexualidade (no consegue atingir
o orgasmo com os homens);
- Maior dificuldade na relao com os homens refere que com os homens no consegue ser espontnea;
- Relativamente espontaneidade se eu me permitir dizer tudo o que sinto no grupo, fica mais vulnervel e os outros podem usar isso contra mim (sic);
- Refere na ltima sesso sentimentos de abandono em relao psicoterapeuta; - Medo de perder a relao privilegiada com a psicoterapeuta. - Medo de no ter espao no grupo (de no conseguir ter tempo para falar sobre si),
dificuldades em impor-se;
- Medo de que os outros no se interessem por si; - Medo que a Grupanalista goste mais dos outros, e que os outros tenham vidas mais
interessantes;
- Refere que no quer que a psicoterapeuta ponha homens giros (bonito-interessante) no grupo, tenho medo de me apaixonar e depois no me posso envolver fisicamente (sic).
Linda
- Refere nas ltimas sesses de psicoterapia dual que no queria falar do tema da sexualidade no grupo, e na ltima sesso dual o tema dominante foi a sexualidade, e abordou a traio
ao namorado - que no queria levar para o grupo;
- Aparentemente Linda era a que referia estar menos resistente e mais entusiasmada entrada no grupo, mas no fim-de-semana antes da 1 sesso de grupo teve um acidente: caiu
no cho, partiu a cabea e o nariz;
Simio
- Refere nas ltimas sesses de psicoterapia dual que no queria falar do tema da sexualidade no grupo, e, na ltima sesso dual, o tema dominante foi as dvidas sobre a sua orientao
sexual;
- Na ltima sesso dual, trouxe um sonho: sonhou que tinha tido um encontro romntico com um homem, e que lhe era agradvel, mas apareceram 3 ces raivosos para o atacar.
Associou os ces sua famlia e reao sua possvel homossexualidade. A Grupanalista
fantasiou que os 3 ces tambm podiam simbolizar as novas 3 pessoas que ia conhecer no
Grupo. O Simeo tem sempre muito receio de no ser aceite pelos outros, de que os outros
no gostem de si; - Medo de no ser ouvido e percebido; - Medo que no respeitem a sua opinio, como acontece na famlia e amigos;
Alma
- Refere nas ltimas sesses de psicoterapia dual que no queria falar do tema da sexualidade no grupo, e na ltima sesso dual, o tema dominante foi a sexualidade (dificuldades no
momento da penetrao);
- Apresentou entusiasmo para entrar para o grupo, mas com alguns receios em conseguir impor a sua palavra e espao, como acontece na sua famlia;
4,5 meses aps o incio do grupo:
Grupanalista: estava aqui a pensar, o que que a vossa relao comigo mudou em cada
um de vocs?
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VINCULO Revista do NESME, 2017, V. 14, N.2 10
Bianca: eu acho que a Psi nos devia avisar com 9 meses de antecedncia da entrada de um
novo membro. Por exemplo, quando vamos ter um irmo, somos sempre avisados mais ou
menos com esse tempo de antecedncia. No percebo porque que aqui no pode acontecer o
mesmo
A Psi ajudou-me a acordar, a viver a vida. Claro que ainda tenho muita coisa para
resolver, estou longe de estar bem, mas foi muito importante para mim.
Agora ainda estou a refletir os frutos do grupo, desta relao em grupo (refere em tom
envergonhado).
Alma: eu acho que o grupo ajuda mais porque os quatro podem dizer o que nos vem cabea,
no somos os terapeutas uns dos outros, j a Psi tem que ter outro papel, no pode dizer tudo o
que pensa. Tem um papel diferente dos nossos como terapeuta.
E no grupo sinto que as coisas so mais evidentes, mais claras, mais intensas tambm.
Recordo-me daquela sesso em que me zanguei com a Psi, que no queria que a Psi falasse ou
me fizesse perguntas. Acho que aqui no grupo no sei por que, mais fcil zangarmo-nos.
Simio: eu percebo-te perfeitamente. Eu sinto o mesmo. Mas estou-me a sentir muito bem no
grupo, eu no estava espera de me sentir bem. Alis, tive muitas resistncias para vir para o
grupo, mas agora estou-me a sentir bem com vocs.
Linda: eu tambm me estou a sentir bem. S estou a tentar perceber qual a diferena, a mais
valia... Eu acho que acabamos por fazer o mesmo a nvel teraputico, pensamos sobre as
coisas, refletimos, mas em grupo. Antes estava s com a Psi, era s a Psi que ecoava em mim.
Agora so vrios ecos. bom. (clara referncia caixa de ressonncia emptica de que
falaremos mais tarde).
V - Mais valias:
V.1 - Meios teraputicos onde a complexidade das interaces espontneas e autnticas na
matriz permitem que se desenvolvam novos padres relacionais curativos.
V.2 - Os grupos so meios privilegiados para o aparecimento, compreenso e anlise de:
- Conflitos, - Sentimentos difceis como a rivalidade, a vergonha, o cime, os desejos de vingana, - Mal-entendidos - Traos de carcter ego sintnicos patolgicos e patognicos parcialmente responsveis pela
psicopatologia relacional (Neto, 2014) que tende a transmitir-se inter e
transgeracionalmente como uma hereditariedade psicolgica (Badaracco, 1986). Nestes
incluo os defices de empatia.
Todas as caractersticas dos grupos que temos vindo a descrever facilitam que os
chamados sentimentos difceis e a agressividade surjam, sobretudo, pela maior espontaneidade
que a relao entre pares possibilita. O medo da retaliao por parte da figura parental que o
analista/GA diminui se os conflitos forem mentalizados e expressos, sobretudo, na relao
fraterna, inter-pares.
Por outro lado, h traos de carcter que penso serem dificilmente analisveis numa
relao dual, directamente com o analista: os deficites de empatia que podem ter vrias
manifestaes. So pessoas que esto sempre do lado daqueles de quem os outros membros do
grupo se esto a queixar; esto sempre na posio de contratitude complementar, segundo
Racker (1988). Trata-se, pois, uma forma de ser, por vezes racionalizada como altrusta, e que
desencadeia irritao nos outros, correndo o risco de se constitur como bodes expiatrios.
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difcil de analisar at porque este trao de carater vai de encontro a alguns preconceitos dos
analistas que tm dificuldade em aceitar que os doentes/clientes/membros dos grupos se
queixem dos seus objectos relacionais do passado e do presente.
Vinheta - Dfice Emptico:
Disse num grupo a uma pessoa que ela no conseguia empatizar com o sofrimento de
outro membro porque me parecia que receava perder o controle das suas emoes,
confundindo-se com ele. Respondeu que esta interpretao lhe permitia compreender as filhas
e o seu desespero. Nunca lhes dou razo.
Dizia Zimerman ue o grupo mais do que qualquer outra modalidade psicanaltica,
favorece a observao da normalidade e da patologia da comunicao, verbal ou no verbal,
lgica ou primitiva, que permeia a vida de todos ns, a ponto de ser legtima a afirmativa de
que o grande mal da humanidade o problema do mal-entendido da comunicao
(ZIMERMAN, 2008, p.216)
Vinheta: Mal-entendidos
Grupo 3 sesses/semana
Tatiana: voltando-se para todos, mas referindo-se a factos e situaes relacionais
mencionadas por Rudi: no estava c quando contaste isso. O Rudi no lhe respondeu. Os
outros membros do grupo insistiram com ele para que contasse. Rudi, dirigindo-se Tatiana
num tom irnico, mas, vagamente irritado: E queres saber?! Tatiana: agora j no quero! Rudi:
pronto, ento ficas sem saber, na realidade no estavas muito interessada!
GA: que acham do que se est a passar?
Curto silncio sentido na contratransferncia como de mal estar, de tenso precedendo
potencial conflito.
GA: a Tatiana no estava mesmo interessada em saber? Concorda com o comentrio do Rudi?
Tatiana: No; se no estivesse interessada no perguntava!
Rudi: mas no me perguntaste a mim!
Tatiana: Ai, isso que perguntei, mas tu no respondeste.
Rudi: No me perguntaste a mim. Perguntaste a eles. porque no estavas muito interessada!!
GA: o Rudi no pe outra hiptese para a forma como a Tatiana fez a pergunta?
Rudi: No. Preciso sentir que as pessoas se interessam por mim a srio.
GA: e a Tatiana o que precisa?
Tatiana: muito tensa com as lgrimas a assomarem: no sei...
GA, sentindo a aflio da Tatiana, a mais nova do grupo, com muito baixa autoestima, resolveu dar
uma ajuda na mentalizao da sua dificuldade e sugeriu ma interpretao para a sua dificuldade:
ser que teve receio que o Rudi no lhe respondesse?
Tatiana: tenho sempre medo que as pessoas no me respondam, no liguem ao que eu digo.
GA: parece claro o que constantemente acontece nas vossas vidas: o Rudi sente com dificuldade o
interesse que desperta nos outros, precisando de manifestaes muito exuberantes da parte deles; a
Tatiana sempre com receio que no gostem de si, no se interessem, no expressa suficientemente o
que sente e pensa. Assim, ambos acabam a confirmar as vossas crenas que trazem da infncia.
Ambos dizem que nunca se aperceberam destes padres relacionais, fazendo-lhes sentido o que
estavam a ouvir, a pensar e a sentir.
difcil reconhecer algumas formas de estar e ser, alguns padres relacionais como
patolgicos se eles no nos fazem sofrer. Contudo, eles podem ser deletrios para outros, sobretudo
para quem est dependente de ns, sobre quem temos poder ou influncia. So ainda por cima
racionalizados como atitudes corretas eticamente, estruturantes, baseadas na cultura e educao
recebidas. Podem provocar nos prprios um sofrimento secundrio sob a forma de vitimizao. Os
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outros membros podem queixar-se levando a ultrapassar resistncias, desenvolvendo-se o insight.
Estou a referir-me ao que chamo de Psicopatologia Relacional.
Vinheta - Psicopatologia Relacional
Tina, h cerca de 9 meses em Grupanlise (GA) e depois de 3-4 meses em psicoterapia dual:
Relao com os 3 filhos (16, 11 e 10 anos) marcada por intenso desprazer e tenso,
oscilando entre o silncio e oposio obstinadas, passivo-agressividade que, em certos momentos
quebrada por violncia mais explcita verbal e mesmo fsica.
Uma parte do trabalho psicoteraputico tem-se centrado na tentativa de desenvolvimento da
empatia atavs de estimulao da mentalizao sobre o que poder provocar da sua parte tanto
ressentimento nos filhos. A GA interrogava o grupo e especificamente a ela o que os filhos
poderiam sentir na relao com ela: vrias hipteses surgiram, depois do no sei: postura e
fisionomia de tristeza, ordens e regras permanentemente impostas como lhe fizeram a ela
(claramente estava em causa uma identificao macia com o agressor). O grupo perguntava-lhe
muitas vezes se no achava que no eram precisas tantas regras. A Tina insistia que os tinha de
educar, que eles tm de ajudar em casa, etc.
GA pergunta-lhe um dia se realmente se sentia ajudada pelas filhas ou se preferia fazer
sozinha as ditas tarefas domsticas.
Tina: prefiro fazer sozinha. D-me muito mais trabalho t-las ao p de mim.
Outros membros do grupo comentavam que as /os filhos so, sobretudo educados pelo
exemplo. Progressivamente os castigos, sermes e ralhetes culpabilizantes foram sendo reduzidos e,
cada vez mais substitudos por carcias, elogios e viagens em conjunto. Diz que o filho est
radicalmente diferente; agora ele que lhe procura dar mimos e abraos. Ajudam-na todos
espontaneamente.
Vinheta - psicopatologia relacional:
Xania, me de 4 filhos adultos, sofrendo de perturbao de personalidade Borderline, com
vrios surtos de depresso major no seu passado.
Xania tinha a tendncia de ocupar o tempo das sesses em comunicaes individuais. Os
outros membros do grupo, de estrutura neurtica, ficavam habitualmente em conflito interno entre o
amor por ela e o desejo de a ajudar, e a frustrao por serem privados do seu espao e ateno.
Havia certo risco de Xania se tornar o bode expiatrio de ser a nica que desejasse ser a preferida
do e no grupo.
Yves irritou-se numa sesso com a Xania porque ela no reconheceu o quanto fora bem
tratada nas sesses anteriores, continuando a comportar-se e a exigir a ateno de todos s para si,
todo o tempo novamente.
Os outros membros do grupo concordaram com o Yves. A Xania ficou muito ofendida e
muito ansiosa e disse que se ia embora e nunca mais voltaria.
Um drop-out (abandono) estava iminente.
Face ausncia da Xania na sesso seguinte, o GA perguntou ao grupo se concordariam que
se mandasse uma mensagem sugerindo-lhe que voltasse e discutisse connosco o que se estava a
passar. O grupo concordou e a mensagem foi enviada. A Xania voltou muito comovida com a
mensagem. Este acting-out partilhado facilitou o surgir das emoes e recordaes sobre abandonos
e rejeies a propsito do abandono/rejeio da Xania
Todos falaram sobre as suas experincias de vinculao inseguras e ambivalentes como
filhos e como pais. Pela primeira vez a Xania e outro membro do grupo tiveram alguma
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compreenso e empatia sobre o sofrimento dos seus filhos parcialmente causados pelo seu
comportamento instvel e depressivo.
Tambm foi possvel que todos reconhecessem as suas prprias necessidades narcsicas
primrias de serem especiais, nicos, preferidos, tendo-se assim evitado um fenmeno de bode
expiatrio conducente a um provvel drop-out.
VI - O meu Padro - condies sine qua non PARA MIM para que a potencial destrutividade
se possa constituir como mais valia
1 - Apesar de sermos todos, bombas relgio, transportando a nossa prpria morte, conseguimos,
estranhamente, a capacidade de sermos felizes, muitas vezes, vivendo, reprimindo aquele
conhecimento.
2 - A simbiose e a dependncia so estados necessrios aos bbs humanos. Mas no as
idealizemos. A imaturidade, a fragilidade, o desconhecimento/incompreenso da realidade leva a
situaes de bem estar extremo, mas tambm de terror sempre que se sente qualquer dor/frustrao.
Ser que os bebs sentem estranheza? Ou apenas medo como sugere Freud?
3 - Tendencialmente, em circunstncias normais, o crescimento ser fonte dominante de prazer. A
descoberta das nossas potencialidades e capacidades de dar e receber d fora, confiana, levando-
nos realizao de necessidades, ambies e ideais.
4 - Neste percurso do nosso desenvolvimento encontramos sempre outros, inseridos em grupos, nos
quais os conflitos e dificuldades surgem, mas, a cumplicidade e amizade tambm.
5 - Neste complexo processo que a vida, tropeamos, ferimo-nos, paralisamos e entramos em
sofrimento psquico que necessita de apoio especializado. Precisamos de psicoterapia.
6 - Tendo a comparar um processo analtico de conhecimento e transformao pessoal com o
processo de crescimento.
7 - Penso estimulando a autonomia progressiva, o confronto, a discusso, exigindo-se
responsabilidade e reciprocidade.
8 - Nem sempre se pode ter tudo o que se deseja, seja na qualidade, quantidade ou tempo. Cabe aos
pais/analistas que ter de dar predominantemente prazer a redescoberta/descoberta de capacidades,
de correo de crenas distorcidas, reencontrando-se/encontrando-se a esperana.
9 - Como nas famlias, o ambiente tem de ser suficientemente bom, no intrusivo, mas, protetor,
a criatividade e arte de ajudar a tolerar a frustrao. A capacidade de vinculao/de relao/de amor,
bonomia, a empatia, a criatividade e arte tero de pertencer bagagem da personalidade dos
analistas.
10 - A Grupanlise/ psicoterapia analtica de grupo um setting mais propcio que o dual ao acesso
de reas estranhas, ncleos de sofrimento infantil fortemente recalcados. O acesso ao inconsciente
faz-se de forma diferente que no setting dual, mas, em minha opinio, usa caminhos que nos
surpreendem e dos quais no podemos fugir. A autoestrada da associao livre substituda pela
espantosa rede de caminhos sinuosos da comunicao em discusso livre. Penso que mais fcil,
controlvel, expectvel, o trajeto em autoestrada, mas vem-se mal as regies que se atravessam. Os
ncleos relacionais sintnicos e eventualmente patolgicos no aparecem, pois no causam
sofrimento no prprio; s nos outros que esto numa posio de paridade ou dependncia. Os
objectos transferenciais parentais so poupados e os conflitos deslocados para objectos de quem no
se depende tanto: a fratria cuja complexa dinmica aparece com clareza e profundidade num setting
conduzido grupanaliticamente.
11 - Considero, como os colegas da escola inglesa que um dos factores curativos em Grupanlise e
PAG o Treino do Ego em aco (Ego Training in action) que toma maior peso emocional
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luz da conceptualizao de que vos j fiz uma referncia sinttica acima (BCPSG, p.210): a
multiplicidade de relaes atuais autnticas, observveis no verbal e no verbal, criam condies
para promover a qualidade relacional, desenvolvendo-se a confiana que permite que experincias e
sentimentos difceis sejam sentidos como humanizados; a partilha com outros uma forma de
tornar as experincias pessoais to humanas quanto possvel. Mais importante que os contedos
partilhados saber como possvel dialogar com outros, como trocar material afetivo numa
relao, o que exige um padro do grupanalista coerente e participante neste dilogo.
VII - Risco de caixa de ressonncia Crtica - o fenmeno do bode expiatrio
Os grupos, tal como as relaes duais e as famlias podem ser disfuncionais, criando-se o
risco de amplificar traumas e imagens/representaes patognicas e patolgicas por N razes
transfero-contratransferenciais. Este risco existe sempre. Nos grupos este risco pode surgir sob a
forma de caixa de ressonncia crtica adoptando o que podemos chamar de fenmeno de bode
expiatrio. Cabe ao grupanalista estar atento e interpretar numa contratitude de bonomia, a
destrutividade de modo a transform-la numa mais valia sempre que possvel ponte para novos
conhecimentos.
Vinheta:
Grupo grupanaltico (3sesses por semana) com 3 homens e 3 mulheres
Xavier era um homem que sofrera vrias separaes e rejeies e que reagia s frustraes
relacionais pela vida, rompendo-as, afastando-se. Vivia numa grande solido, envolvido num
conflito com os seus filhos j adultos, que se recusavam a estar com ele, mesmo por curtos perodos
ou ao telefone. Estava sempre a queixar-se de todos os objetos relacionais passados e presentes.
Sentia-se incompreendido e maltratado por toda a gente. As suas narrativas eram sentidas como
enfadonhas, sem esperana, predominantemente projetivas recusando-se/negando qualquer
contribuio sua nos vrios conflitos, em que estava permanentemente envolvido. Tinha, pois, uma
personalidade com traos narcsicos e paranoides acentuados, negando tambm a reciprocidade das
necessidades dos Outros no grupo, tendendo a ocupar sesses inteiras com aparente indiferena
pelos Outros.
Numa sesso em que este seu padro relacional foi muito evidente, os outros demonstravam
pela expresso corporal que estavam aborrecidos, irritados. Um dos membros do grupo expressou
verbalmente, num tom irritado, que l estava ele de novo a acusar os filhos que eram
intrinsecamente maus. Xavier negou de imediato, entrando em contradies sucessivas, numa
narrativa muito confusa e defensiva. Os outros membros do grupo acentuaram e criticaram este
padro relacional monotonamente acusatrio e agressivo, sobretudo em relao aos filhos. O GA
sentiu uma atmosfera de grande tenso e agressividade, de que tambm partilhava; tendo
conscincia da sua contratransferncia negativa, percebeu que um fenmeno de bode expiatrio se
estava a desenvolver e tentou destacar-se da ressonncia crtica, descontinuando outra melodia
tambm comum e que estaria a ser defensivamente evitada, e perguntou a Todos: O que que
haver em ns que possa ser experienciado como imutvel, frustrante, desencadeando uma extrema
impotncia?
Todos comearam a falar das suas partes do self que dificilmente mudavam, das frustraes
e conflitos dificilmente mentalizveis e verbalizveis, mesmo em relao grupanlise. Um
fenmeno de bode expiatrio foi evitado e a fora destrutiva foi usada como fator de evoluo, de
elaborao.
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VIII - Caixas de Ressonncia Emptica
Mas, o que pretendemos que os grupos funcionem predominantemente como caixas de
ressonncia emptica, em que cada membro d e recebe de outros, representaes/imagens at a
desconhecidas ou recuperadas; corrige as representaes negativas, deturpadas, estranhas do
passado de modo a retomar o desenvolvimento do self. Dinis (2003) descreveu este conceito como
momentos de adequao mtuos de autenticidade e intimidade, ocorrendo no campo do
conhecimento relacional implcito com grandes potencialidades de mudanas: a interpretao a
resultante de um trabalho de todos e com todos os membros do grupo, adquirindo um sentido
comum de que resulta um potencial emocional transformador. Ouviram algumas vinhetas em que os
doentes faziam uma clara aluso a este conceito.
IX - Reflexes Finais
A Grupalidade proporciona a ressonncia do estranho e do familiar. Prefiro dizer que pode
proporcionar a ressonncia do que rgido e destrutivo, mas, pretende-se essencialmente que
proporcione a ressonncia do que autntico, criativo e livre.
Voltando metfora do desenvolvimento da personalidade para compreender o tratamento
grupanaltico: na Escola Portuguesa de Grupanlise de que fao parte, tendemos a obviar as
dificuldades e riscos destrutivos dos grupos com alguns procedimentos:
- Tendemos a iniciar um processo grupanaltico por um perodo inicial varivel de relao dual
onde a aliana teraputica se consolide, numa relao transferencial natural e inicialmente
idealizada que permitir o embate com o conhecimento da cena primitiva e da dinmica da
fratria.
- Tendemos a aumentar a frequncia das sesses (2 a 3/semana) no s por razes de estimulao
do aparecimento dos fenmenos transferenciais e sua compreenso/interpretao, mas tambm
porque pensamos que preciso tempo para cada membro, para o seu passado e presente. Tal
como nas famlias os pais tm de prestar ateno a cada filho, tendo em conta a famlia como
um todo.
- Tenho verificado que os grupos teraputicos que conduzimos, sobretudo no privado fora dos
constrangimentos e imposies institucionais, so mais pequenos, com um menor n de
membros. Poder ser resistncia ao trabalho com a grupalidade, pode ser a crise das nossas
disciplinas, com a diminuio da procura que necessariamente dificulta a formao e a
manuteno de grupos. Mas cada vez mais claro para mim que gosto de trabalhar com grupos
menos numerosos (5 membros idealmente) onde posso ser/ter o padro grupanaltico em que
acredito e de que gosto, onde tento proporcionar a cada membro do grupo a liberdade de
pensar, sentir o seu passado e presente e a responsabilidade de participao no seu destino e no
de outros.
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Mental; XII Jornada da SPAGESP - Serra Negra, S. Paulo, Brasil, 18-21 de maio de 2017.
Como editores, optamos por deixar a escrita no padro portugus de Portugal, apresentado pela autora.
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Neto, I.M.
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Isaura Manso Neto. Mdica psiquiatra, grupanalista, presidente da Sociedade Portuguesa de
Grupanlise e Psicoterapia Analtica de Grupo.
Recebido em: 10.08.2017.
Avaliado em: 30.08.2017.
Aceito em: 12.10.2017.
mailto:[email protected]