Quem São Os Noke Kuin - Acerca Das Transformações Dos Katukina (Pano)

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    Quem são os Noke Kuin? Acerca das transformações dos Katukina (pano)

    Edilene Coffaci de Lima

    Em 1920, Paul Rivet, em um breve artigo publicado no Journal de la Société des Américanistes, debruçara-se sobre a denominaço de !"atu#ina$% & partir de uma

    comparaço de l'(icos, Rivet mostrou )ue eram ento cinco grupos, de diferentes

    filiaç*es ling+sticas, conecidos pelo mesmo termo e concluiu. !deste estudo resulta

    )ue o nome de "atu#ina /com suas variantes. "atu#inaru, "atu#ena, "ato#ena,

    "atu#ino no ' um nome especfico de uma tribo, mas um termo geral )ue serve para

    designar populaç*es diversas )ue apresentam, sem dvida, caractersticas comuns, sea

    em seu aspecto e(terior sea em seus costumes$ /1920. 39% Essa observaço de Rivetcertamente contribuiu para começar a desfa4er os mal-entendidos e confus*es )ue at'

    ento vigoravam na identificaço de grupos )ue eram geograficamente bastante

     pr5(imos e tinam, como ele observa, !costumes comuns$% 6e linguisticamente era

    clara a dist7ncia )ue separava tais grupos, foram ustamente as !caractersticas comuns$

    )ue os mantiveram embaralados ainda durante um tempo longo% &ssim, no )ue di4

    respeito aos grupos de lngua pano conecidos como "atu#ina, a confuso permaneceu%

    8oi certamente o missionrio espiritano Constantin :astevin )uem forneceu a P%

    Rivet o vocabulrio do grupo pano morador do rio ;reg5rio, e conecido como

    "atu#ina, )ue o permitiu avançar na comparaço dos l'(icos na tentativa de desfa4er o

    mal-entendido mencionado%

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    grupos pano com os "atu#ina de lngua #atu#ina ou bem eles pr5prios se dei(aram

     passar por "atu#ina, na tentativa de escapar da viol@ncia )ue era dirigida aos grupos de

    lngua pano, os nawa, tidos como selvagens e cru'is% A pr5prio missionrio afligia-se

    com a situaço, como se pode perceber em seu artigo de 192B, a partir de um dilogo

    travado com Mame, um !#atu#ina$ morador do rio ;reg5rio.

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    argumento de )ue ela foi !dada pelo governo$% Essa funço burocrtica do etn>nimo, se

    assim podemos di4er, ' tamb'm apontada pelos 6anenaMa, outro grupo de lngua pano,

    outrora igualmente conecido como "atu#ina /mas )ue, mais cedo, se desvencilaram

    dela, )ue tem suas aldeias locali4adas nas pro(imidades da cidade de 8ei5 e com os

    )uais os moradores dos rios ;reg5rio e Campinas no t@m )ual)uer parentesco%

    6o bastante comuns na etnologia sulamericana os )uiproc5s derivados de

    confus*es etnonmicas. Campa do &cre /atuais &sanin#a, "a(inaM /Nuni "uin,

    :(i#o /D#peng e 6uO /atuais "insed@ so apenas poucos e(emplos% Ho desconeço

    )ue o termo !#atu#ina$ fa4 parte de uma e(tensa lista de e)uvocos, embora sea preciso

    enfati4ar )ue antes de 2000 no avia, como mencionei antes e detalarei adiante,

    )ual)uer outro termo )ue o substitusse%

    ?e )ual)uer maneira, no conte(to pano, cabe por em relevo a multiplicidade de

    etn>nimos sobre os )uais so conecidos os grupos )ue oe so entendidos

    conformando etnias especficas% As

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    com as indagaç*es dos antrop5logos, a resposta reportava, como mencionado, U

    necessidade de um termo )ue os abrangesse coletivamente e )ue les foi conferido a

     partir do contato% Ho ' ento sem prop5sito )ue se oficiali4ou com a demarcaço de

    suas terras, em meados de 1930% Ho conte(to da demarcaço, a vinculaço entre um

    !territ5rio$ e uma !etnia$, to condi4ente com as ideologias estatais, ganou força e

    forma% Compreende-se tamb'm o argumento #atu#ina de )ue a denominaço foi !dada

     pelo governo$%

    & denominaço manteve-se e, como ocorre com fre)+@ncia no Vrasil, passou a

    servir para identificar algumas pessoas, particularmente as ovens lideranças do grupo,

    )ue so conecidas por seus nomes em portugu@s sucedidas pelo !sobrenome$

    "atu#ina, como, por e(emplo, Carlos ou 8rancisco "atu#ina% & estabilidade da

    denominaço perdurou com os movimentos polticos )ue tiveram incio com o processo

    de demarcaço das terras indgenas no &cre, a partir da metade dos anos 1930% Wm

    movimento poltico )ue obteve repercusso maior no incio dos anos 1990, )uando

    iniciava meu pr5prio trabalo de campo2, no conte(to da formaço da)uela )ue ficou

    conecida como a &liança dos Povos da 8loresta% Wm movimento )ue reuniu ndios e

    seringueiros, de claro cuno ambientalista, com o obetivo de terem resguardadas suas

    terras, florestas e particularidades culturais, livres do ugo dos patr*es da borraca, e da

    e(ploraço madeireira )ue os alcançava%

    Foltando U literatura pano, vale lembrar )ue, neste conunto, sempre ' bastante

    destacada labilidade das fronteiras 'tnicas% & @nfase no tr7nsito fre)+ente e nos

    conse)+entes empr'stimos culturais entre os povos de lngua pano S facilitada mesmo

     por determinados costumes como, por e(emplo, a onomstica, )ue permite aparentar 

     putativamente pessoas )ue acabam de se conecer S parece ter permitido sedimentar, ao

    menos entre os antrop5logos, a impresso, vivamente destacada por Eri#son /193. Q1,

    de )ue tais grupos !se dividem para melor reinar$% Ho falta U ist5ria #atu#ina relatos sobre os encontros, amistosos ou no, com

    diversos outros grupos pano, )ue resultavam em diversos tipos de troca. sea de

    sementes, de cantos, de mitos e muleres% &ssim, a partir de mina pr5pria pes)uisa,

    observo )ue o encontro com os

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    199B, )ue, desde ento, t@m trocado um pouco de cada uma das coisas )ue acabo de

    mencionar%

    O território étnico

     Ho conte(to contempor7neo, o )ue ret'm mina atenço ' )ue ap5s a

    demarcaço das terras indgenas, o contorno pontilado das fronteiras 'tnicas começou

    a ser preencido com traços fortes, o )ue certamente no se fa4 sem maiores

    conse)+@ncias%

    A esboço da constituiço de uma !fronteira territorial$ pode ser e(emplificado

    com um fato de campo% Em 1992 estava na :D do rio Campinas, para uma temporada de

    cinco ou seis meses, )uando soube )ue uma famlia de ndios &rara do rio Vag' /atuais

    6aMdaMa avia se mudado para l, avia mesmo estabelecido resid@ncia% & tal

    famlia era conecida de moradores da :D do Campinas, a partir de encontros ocorridos

    em Cru4eiro do 6ul% &s pessoas )ue me comunicaram a cegada dos novos moradores

    me falaram com bastante naturalidade, sem demonstrar )ual)uer insatisfaço% &

    naturalidade talve4 fosse por )ue elas pr5prias tiveram, ao longo da ist5ria,

    empreendido diversos deslocamentos% &o longo do s'culo passado, no foram poucas as

     pessoas )ue se deslocaram de seringal em seringal, tendo morado em diferentes

     perodos em diversos rios. o :arauac, o ;reg5rio e o Liberdade, so apenas alguns

    deles /Lima, 199B% & cegada de uma nova famlia ao local no constitua ento

    nenum fato novo%

    Poucos dias depois, decidi visitar os rec'm-cegados em seu novo endereço%

    Gual foi mina surpresa )uando, antes de cegar ao local, soube )ue os novos

    moradores tinam sido desautori4ados a estabelecerem resid@ncia na)uela terra indgena

    e voltaram para Cru4eiro do 6ul% Guis saber )ual o motivo do retorno% & resposta, dada

    tamb'm com bastante naturalidade por diferentes pessoas, foi )ue a entrada da)uelafamlia para estabelecer-se na rea avia sido consentida por ovens lideran"as e, mais

    tarde, desautori4ada pelos velos che#es%

    6em )uerer agora tocar na poltica interna #atu#ina S e de Paulo ;5es /2009

    empresto a distinço entre lideran"as e che#es S, destaco o argumento dos omens mais

    velos para fa4er retroceder a autori4aço aos &rara. eles tinam suas terras

    demarcadas, no avia por)ue les pedir abrigoJ se )uisessem terra para morar,

    dispunam das suas no rio Vag'J ao aceitar a)uela famlia, seria inevitvel consentir aentrada de seus parentes )ue se apro(imariam% Portanto, cabia desfa4er a autori4aço

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    antes )ue se vissem obrigados a atender novos pedidos%%% &s ovens lideranças no

    contra-argumentaram aos mais velos e desfi4eram a permisso aos &rara, )ue se

    retiraram tamb'm, at' onde sei, sem maiores problemas% A assunto foi encerrado e

    da)uela famlia arara nunca mais tive notcias%

    & e(clusividade /"atu#ina do territ5rio, transparente no argumento dos velos,

    aparecia como um !efeito colateral$ da demarcaço urdica das terras% Au, para di4@-lo

    de modo menos brusco, em micro-escala as e(ig@ncias polticas esboçavam ali os

    contornos do processo !etnici4aço$ )ue a)uelas pessoas !no necessariamente

    escoleram$ /nimo )ue

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    desvendasse )uem seriam os atuais "atu#ina das :Ds do Campinas e do ;reg5rio% &l'm

    dos etn>nimos mencionados S todos terminados em nawa, )ue revelam )ue os

    "atu#ina se formam, por assim di4er, na multiplicidade S, no obtive )ual)uer outro%

     Ho deve ser mera coincid@ncia )ue o mais pr5(imo )ue ouvi repetidas ve4es, foi Noke,

    )ue antes tina sido dado como resposta tamb'm ao missionrio franc@s%

     Em linguagem cotidiana, noke ' simplesmente o !n5s$, !a gente$, em suma, um

    sueito plural% &t' ento /fim dos anos 90, ao noke nenum interlocutor avia ane(ado

    o kuin, tradu4ido livremente como !verdadeiro$, mas )ue talve4 sea ade)uado tradu4ir 

    como !prototpico$ ou !modelar$, ao modo do eté /tupi de )ue fala C% 8austo /2001.

    22-X a partir dos Para#an% Au, apro(imando-me mais do conte(to pano, a partir da

    lngua #a(i, ' preciso destacar o kuin  ' um termo referencial )ue est intimamente

    ligado ao conte(to enunciativo do locutor /E% Camargo, comunicaço pessoal% ?e tal

    modo )ue ser  Noke kuin  marca uma posiço em relaço a outrosX%  Ha se)+@ncia

    mostrarei ustamente como se posicionam os "atu#ina no conte(to sociopoltico )ue fa4

    emergir a denominaço de Noke Kuin%

    N pouco tempo, no incio de 2009, estive em campo com os "atu#ina da :D do

    rio Campinas% Ha casa de meu anfitrio, "a#o, resolvi perguntar-le )uando eles

    aviam começado a se servir da denominaço Noke Kuin, )ue me era desconecida nos

     perodos mais prolongados de perman@ncia entre eles, na d'cada anterior% Longe de me

    contradi4er, "a#o, um omem pouco mais ovem )ue eu e com )uem sempre tive

    conversas bastante proveitosas e amistosas, disse-me algo como !Foc@ sabe )ue

    "atu#ina no )uer di4er nada na nossa lngua, ento a gente acou )ue  Noke Kuin di4

    )ue a gente ' ndio mesmo% 8oi a liderança  $  )ue teve a id'ia de buscarmos outro

    nome$%

    ?e fato, imagino )ue no deveria ser fcil e(plicar aos brancos curiosos /)ue

    e(istem em muito maior nmero )ue os antrop5logos )ue aparecem em nmero cadave4 maior desde a pavimentaço da VR-XBB e a populari4aço do uso do kam%& /de )ue

    falarei adiante no meio urbano, o !significado$ do nome pelo )ual so conecidos%

    6e  Noke Kuin, de fato, no ' difcil tradu4ir e poderia, em outros tempos,

    condu4ir U sua traduço imediata como !ser umano$ agora reenvia a uma discusso

    X 8ugiria dos prop5sitos deste artigo estender-me na traduço de kuin em "a(inau% ?e )ual)uer maneira,vale lembrar )ue o termo foi abordado tamb'm por "ensinger /199Q, )ue preferiu tradu4i-lo como

    !real$%B  & rodovia VR-XB, aberta em 192, atravessa por 13 )uil>metros a :D do rio Campinas e foi pavimentada em toda sua e(tenso entre 2001 e 200Q%

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    sobre o )ue significa ser !ndio mesmo$, como o mesmo interlocutor fe4 )uesto de

    frisar%

    & procura por uma denominaço !aut@ntica$, agora feita pelos pr5prios

    interessados /e no por missionrios, viaantes ou )uais)uer outros coloni4adores, para

    no falar dos antrop5logos, relaciona-se ao momento !culturalista$ /e a e(presso ' de

    :% :urner, 1991 em curso nos dias de oe, no )ual costumes e bitos nativos de

    diferentes grupos competem em prestgio em conte(tos altamente politi4ados% 6e no se

    trata agora de um mal-entendido nem de uma denominaço burocrtica, como das

    outras ve4es, com Noke Kuin talve4 esteamos novamente diante de uma estrat'gia, mas

    )ue pretende desta ve4 realçar /no ocultar um sueito poltico, uma identidade

    coletiva, no apenas diante dos brancos, mas tamb'm diante dos outros grupos

    indgenas, seam nawas ou noQ% E(plico%

    A )ue ' ser !ndio mesmo$ ou  Noke Kuin "a#o continuou nossa conversa

    di4endo do vigor da !cultura$ #atu#ina% Entre outras coisas, meu interlocutor 

    mencionou a manutenço da lngua nativa /todos fluentes em sua pr5pria lngua e com

    uso restrito do portugu@s, a e(ist@ncia de re4adores / shoitiya bastante ativos S ele

     pr5prio ' um aprendi4 S, o respeito Us restriç*es alimentares at' alcançar o uso do

    kamp&, a secreço do sapo )ue obteve uma e(traordinria divulgaço nacional e

    internacional entre os no-ndios a partir do incio deste s'culo% Dsso tudo, a !cultura$,

    meu interlocutor reforçou seu argumento, passa-se en)uanto esto !morando to

     pr5(imos da cidade$% Em meio a tantos outros, era preciso marcar ainda mais

    fortemente )uem so eles pr5prios%

    ?as caractersticas elencadas por "a#o para ressaltar o vigor da !cultura$

    #atu#ina, cabe reter um pouco mais a atenço no kamp&% & escola do kamp& no ' a)ui

    feita arbitrariamente% Como mencionado, o uso do kamp&  populari4ou-se no meio

    urbano brasileiro /e mesmo al'm das fronteiras nacionais por meio dos adeptos dasreligi*es aOauas)ueiras e de terapias alternativas, a partir do incio deste s'culo /Lima

    e Labate, 2003% & divulgaço dos benefcios, reais ou imaginrios, das aplicaç*es de

    Q Ho me parece inapropriado supor, no conte(to indgena e indigenista acreano, )ue os "a(inaM, cuadenominaço como Huni Kuin foi reivindicada mais tempo, tenam !inspirado$ as lideranças #atu#ina

    a buscarem uma nova denominaço% 6obre o #amp> entre os "atu#ina, ver Lima, 200Q e 2009% 6obre a difuso do #amp> no meio urbano,ver Lima e Labate, 2003%

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    kamp&, colocou os "atu#ina, a partir de uma carta enviada por eles ao , essa variabilidade no passou despercebida dos "atu#ina )ue no demoraram a bradar )ue so os maiores

    usurios do kamp&, sea por)ue, argumentavam, fariam uso com maior fre)+@ncia sea

    com maior )uantidade% 6ome-se a isso, continuavam, a iniciativa de demandar a

     8aço refer@ncia a)ui ao  Pro'eto Kamp&((((, organi4ado pelo

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     proteço dos conecimentos sobre o kamp& ao deve ser restrito ao novo

    conte(to S o conte(to !culturalista$ contempor7neo S, por)ue em outras 'pocas, na

     primeira metade dos anos 1990, ouvi os alguns "atu#ina acusarem os aManaMa de

    imit-los, e falavam particularmente das antigas tatuagens faciais )ue tinam id@nticas

    /Lima, 199B% & acusaço de !imitaço$ feita aos seus vi4inos geogrficos eling+sticos, no impede, contudo, )ue parte do repert5rio musical dos "atu#ina conte

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    com msicas !estrangeiras$% 6o msicas )ue aprenderam, com os "ulina /falantes de

    uma lngua araM muitos anos, provavelmente na d'cada de 190, no tempo em )ue

    os contatos entre os dois grupos eram mais fre)+entes S o )ue e(plica o fato de esse

    repert5rio musical ser dominado oe, principalmente, pelas pessoas mais velas% Por se

    tratarem de msicas verdadeiramente !estrangeiras$, )ue nada lembram as suas pr5prias

    /dado )ue so cantadas numa lngua )ue no dominam, no se coloca em discusso a

    originalidade e a propriedade delas% ?e princpio reconece-se sua origem e(terior% &

    semelança das tatuagens faciais dos aManaM, com os )uais sempre mantiveram

    relaç*es marcadas pela ambig+idade /Lima, 199B, trafega em outra via, mais propcia a

    suspeiç*es, desconfianças e acusaç*es9%

    Esses breves e(emplos mostram a intensidade dos contatos estabelecidos entre

    os grupos indgenas na regio do alto =uru e os empr'stimos deles decorrentes% &

    notvel partila de !traços culturais$ entre os diversos povos pano, na arena poltica

    contempor7nea, insinua converter-se em obeto de litgio S reconecendo )ue talve4 isso

    sea prematuro para afirmar 10% ?e )ual)uer maneira, ' nesse conte(to )ue emerge o

     Noke Kuin% & traduço certeira do etn>nimo, atestando a pretendida autenticidade, sem

    )ual)uer surpresa no conte(to etnol5gico sulamericano, vincula-se fortemente U sua

    face !moderna$%

    & essa face !moderna$ deve-se acrescentar )ue se tornou mais ou menos

    corri)ueiro, no &cre pelo menos, a reali4aço de !festivais$ para celebrar as !culturas$

    indgenas% & partir do incio deste s'culo, o governo do &cre, deu incio U promoço de

    !festivais indgenas$ anuais, )ue reunia representantes de cada uma das etnias

    locali4adas no &cre e sul do &ma4onas% Ha esteira desses eventos, começou a promoço

    de festivais relativos a cada uma das etnias, onde a promoço estatal tamb'm no esteve

    ausente% As aManaMa, salvo engano meu, foram os primeiros a se engaar nesse

    sentido% Em 2002 reali4aram o primeiro festival, )ue cegou U sua oitava ediço em2009, contando sempre S em ocasi*es distintas S com a participaço de personalidades

    9 &s relaç*es entre os "atu#ina e aManaMa foram tratadas em mina dissertaço de mestrado /Lima,199B e em si mesmas formariam outro trabalo% ?e )ual)uer maneira, sem poder me alongar, ressalto)ue averia muito a ser escrito sobre o assunto% Entre outras coisas, penso particularmente ano )ue di4respeito doao )ue veno camando de !fronteira territorial$, visto )ue ambos os grupos partilamoficialmente a :D do rio ;reg5rio, de onde os "atu#ina di4em estar, lentamente, sendo !e(pulsos$ nosltimos anos%10 Para )ue a @nfase no reste e(clusivamente nas disputas, vale lembrar a)ui, a partir do alto =uru, aapro(imaço entre aManaMa e os !ressurgidos$ "untanaMa% Ho perodo em )ue os "untanaMa

    estiveram imersos na vida do seringal, sem auto-identificarem-se como indgenas, os aManaMa afirmamter !guardado$ as msicas dos segundos e esto agora !devolvendo-as$, reensinando-os a cantarem suas

     pr5prias msicas /Pantoa, 2003J ;5es, 2009%

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    ilustres, )ue inclui, entre outros, um ator ollOMoodiano, o presidente da 8WH&D e

    outras figuras polticas, como governadores, senadores e deputados%

    As "atu#ina começaram a mobili4ar-se na reali4aço de seus pr5prios festivais

    um pouco mais tarde% Em 2009, o festival Ho#e "uin alcançou sua terceira ediço e,

    como das outras ve4es, foi organi4ado com o obetivo de !celebrar a cultura$ e contou

    em sua programaço com a reali4aço de !ogos tradicionais$ /arco e fleca, por 

    e(emplo, a performaço de fragmentos de rituais maiores, o uso do #amp> e a toma de

    oni /aOauasca, partida de futebol, entre outras coisas%

     )$-Katukinas*

    Peter ;oM /200X algum tempo escreveu um artigo intitulado Z )$-ocamas+(

     ,dentidades em trans#orma"o na Ama.&nia Peruana% ?a leitura de seu artigo ocorreu-

    me ser possvel intitular este artigo tamb'm como  )$-Katukinas((( 6em insistir tanto

    nessa apro(imaço, mas apontando alguns pontos de contato, cabe destacar o camino

    inverso )ue at' a)ui percorreram os e(-Cocamas e os e(-"atu#inas, ainda )ue sea

    duvidoso entender ambos no pret'rito% &s ist5rias dos dois grupos so bastante

    diversas para poder confront-las rapidamente% ?e )ual)uer maneira, o carter 

    transformacional das identidades se mant'm l e c% Com a diferença significativa )ue

    de um conte(to /Cocama onde aparentemente se desea ocultar a origem indgena

    /tribal, busca-se a)ui, ao contrrio, realç-la, ao ponto mesmo de sua Zetnici4aço[% A

     Noke Kuin, ' o )ue se pretende, produ4 uma unidade !aut@ntica$, )ue no precisa ser 

    respondida, e(plicadaJ estaria dada% ?e )ual)uer maneira, em ambos os casos sobressai-

    se a estabilidade, se assim ' possvel di4er, de agentes em transformaço permanente.

    dos Cocama, por s'culos enredados em um infindvel devir !peruano$J e dos "atu#ina,

    indubitavelmente indgenas desde )ue so conecidos, mas sempre enredados em

    construç*es etnonmicas, resultantes de mal-entendidos ou de estrat'gias% Ho ltimo

    caso, mal-entendidos ou estrat'gias )ue implicam sempre, em cada um dos conte(tos,em novas alteraç*es%

    Como as coisas nunca so e(atamente simples, o mesmo movimento )ue fe4

    aparecer  Noke Kuin, em seu esforço aglutinador, acaba por acentuar sua composiço

    mltipla% &ssim, opondo resist@ncia a esse esforço, cada uma das aldeias das :Ds onde

    esto os atuais  Noke kuin  S outrora nomeadas por top>nimos, como por e(emplo, a

     presença de uma 6amama ou de Vananeira ou pelo curso d[gua das pro(imidades

    /como

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    "amanaMa, a 6amama est em vias de tornar-se 6atanaMa% A processo de

    etnonimi4aço das aldeias11 indica claramente )ue da unidade virtual do  Noke Kuin, de

    seu esforço de estabelecer uma robusta identidade coletiva, delineia-se, uma ve4 mais, a

    fragmentaço inescapvel da !nebulosa pano$ /Eri#son, 199X%

    Para encerrar, ' preciso di4er )ue em Noke Kuin !tradicional$ e !moderno$ so

     partes de um conunto em transformaço e imbricam-se mutuamente% Ho caso, o uso

    dos adetivos temporais no pretende delimitar )ual)uer ist5ria evolutiva, onde se tem

    uma nica via% &ntes, ambos permitem p>r em relevo os processos )ue conferem

    ist5ria aos etn>nimos% Pode ser )ue no tarde o momento em )ue Noke Kuin incorpore-

    se a uma tradiço sem aspas /Carneiro da Cuna 2009 e gane estabilidade, encerrando

    )uase um s'culo de flutuaço do etn>nimo a partir do )ual se reconecem os "atu#ina%

    Caso isso no aconteça, evidentemente, no deve gerar )ual)uer surpresa, se buscamos

    compreender os processos )ue continuamente geram as formas atuais% ?e mina parte,

    espero ter acrescentado algumas linas ao captulo )ue, sem )ual)uer pretenso, no

    imagino encerrado%

    %i&lio'rafia

    C&RD? H&FEDR&,

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