Quem gosta de homem é gay_mulher gosta é de dinheiro
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SEMINRIO INTERNACIONAL ENLAANDO SEXUALIDADESDireito, Relaes Etnorraciais, Educao, Trabalho, Reproduo,
Diversidade Sexual, Comunicao e Cultura04 a 06 de Setembro de 2011
Centro de Convenes da Bahia
Salvador - BA
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QUEM GOSTA DE HOMEM GAY, MULHER GOSTA DE DINHEIRO:CONFIGURAES DE MASCULINIDADES NO PAGODO
SOTEROPOLITANOTedson da Silva Souza1
Arivaldo Sacramento de Souza2
RESUMO
A cena musical do Pagode soteropolitano j no protagonizada, predominantemente, pelaerotizao do corpo feminino, como ocorreu a partir dos anos 1990, pela figura emblemtica de
Carla Perez. Foi no final dessa dcada que emergiram, com mais intensidade, outrospersonagens marginalizados (o nego, o viado, o ladro), acompanhados por temas que vodas brincadeiras jocosas machistas s polticas de identidade, estas legadas de outros gnerosmusicais, tais como o funk, reggae, rape hip-hop. Nesse celeiro de paradoxos, atravs da leiturade canes de Pagodart, Fantasmo/Edcity eBlack Style,observamos os seguintes aspectosrelacionados s configuraes de gnero-e-raa: a ascenso do corpo negro viril, que agorarebola, embora mantenha a pichao redutora da coisificao sexual do negro; a emergncia deuma masculinidade lquida nas quais se arranjam flexveis, quando no episdicas, interaeshomoerticas; e o engendramento de um ideal de masculinidade negra, produto das movimentosidentitrios, mas tambm fruto das apropriaes da Indstria do Entretenimento.
[...] Eu j tive oportunidade de fazer um show, num lugar... aqui mesmo emSalvador, onde tinha uma outra banda, banda de pagode que cantaria depois demim. Eu cantei samba-reggae, cantei reggae alis, meu repertrio assim cantei reggae, samba-reggae, msica popular brasileira... e o pblico no reagiano. O povo s reagia na quebradeira [simulando o segura o tchan], aquela coisaridcula, eu acho ridculo, desculpa, mas eu acho ridculo a exposio [aplausosefusivos da platia], a falta de postura... eu acho ridculo mesmo, sabe, eu achoridculo quando voc mobiliza... mobiliza... uma comunidade para falar porcaria,pra ficar cantando coisas... Sinceramente, rapaz, sabe [inaudvel] eu j tiveadolescncia, mas eu nunca gostei de porcaria. Eu nunca preenchi a minha mentepra t consumindo merda... nunca mesmo... [aplausos] porque eu me dou valor...[aplausos efusivos] eu me dou valor... eu me dou valor e eu respeito a todo mundo
que vai num show meu. No meu show, pode ir uma criana, um velho, adulto, jovem, quem for. Eu nunca dirigi tambm meu show pra nenhum tipo de pblicono. Sempre cantei pra todos... Agradeo o carinho que recebo de meus fs dequalquer lugar que eu vou... Ento, assim... eu tambm concordo com voc que agente poderia fazer mais; mas eu acho tambm que a populao, a comunidadetambm devia expressar a... o seu desejo melhor... do que melhor de que querter uma msica melhor... de que quer ter uma comunidade mais bemrepresentada... o povo tem esse direito. [...]3
1 Mestrando em Antropologia, Universidade Federal da Bahia. [email protected] Doutorando em Letras. Universidade Federal da Bahia. [email protected]
Discurso de Margareth Menezes numa Palestra sobre Violncia, realizada no campus da Federao, da Universidade
Catlica de Salvador, no dia 12 de maio 2009. O vdeo ainda pode ser assistido no seguinte endereo:. Ou ainda: .
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A fala da cantora pop soteropolitana Margareth Menezes, em um seminrio na
Universidade Catlica de Salvador, ajuda-nos a ilustrar a tenso sob a qual o gnero
Pagode se encontra contemporaneamente. De um lado, apresentada como uma
msica advinda do samba urbano e que, desse modo, representaria uma reconfigurao
de um samba numa modalidade mais citadina e comercial; de outro, representada como
a degenerescncia do samba, a expresso mxima do desrespeito mulher ou ainda um
culto violncia.
Desse modo, no so raros os coros favor ou contra essa msica, mas o que
mais relevante e no podemos deixar de reparar que tais discursos so bastantecomprometidos e com vias bastante sinuosas. Por isso, no ansiamos por posies
definitivas, nem por avaliaes exaustivas, tampouco exclusivas. Estamos apenas
atravessando a cena do Pagode Soteropolitano a fim de ler o discurso construdo nas
tramas textuais das letras e das msicas das bandas de pagodo 4 das duas primeiras
dcadas deste sculo, a saber: Pagodart, Parangol, Fantasmo/Edcity, Black Style e
Saiddy Bamba.
Mas, essas bandas no surgiram de um trabalho completamente indito. De certaforma, podemos inferir que elas reconfiguraram o legado de bandas que, na dcada de
1990, em Salvador, reconduziram a cena musical brasileira, at ento quase que
completamente dominada pelo Pagode Romntico, Sertanejo e Ax Music. So nessas
linhas que podemos narrar a emergncia do Gera Samba que, mais tarde, veio a se
chamar o Tchan.
Em um captulo que mostra o impacto do Segurao Tchan, Goli Guerreiro afirma
que
[no] meio musical de Salvador, uma das primeiras expresses de ascenso dopagode foi o grupo Gera Samba, que revelou para o Brasil a danarina CarlaPerez. Quando o Gera Samba estourou com o disco o Tchan!, lanado pelaento Polygram (Universal), em [19]95, o grupo j contava com treze anos deestrada e trs cds independentes. Em [19]94, a exemplo dos blocos afros a bandapassou a realizar shows-ensaios todos os domingos no Clube Espanhol, temploda juventude de classe mdia e alta de Salvador, assduos frequentadores de
4Pagodo a etiqueta sob a qual diversos grupos do Pagode Soteropolitano so reunidos popularmente, tanto
para elogiar quanto para desqualificar. De agora em diante, usaremos o tempo Pagodo como qualificativorepresentacional para o Pagode Soteropolitano.
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shows de ax-music, que ocorrem frequentemente no local. [...] Diferentemente doritmo cadenciado do pagode do sudeste, o Gera Samba adicionou a velocidaderitmica da ax-musics letras de duplo sentido, tpicas do forr que ganham mais
fora no cenrio urbano e alcanam o carnaval. (GUERREIRO, 2000, p. 256-257)
Queremos destacar o papel de Carla Perez na conjuntura e na emergncia do
sucesso da banda. No h dvidas de que a loira do Tchan tenha alcanado enorme
sucesso atravs do progressivo embranquecimento esttico: a mulher negra de cabelos
molhados e encaracolados pintados de louro, a cada CD, buscou aproximar-se do ideal
esttico hegemnico. Por isso, os cabelos rebeldes, para no dizer encaracolados,
passam a ser lisos e sedosos aps serem disciplinadamente alisados , e as mudanas
no pararam a: as cirurgias estticas afilaram o nariz, confeccionaram uma nova cintura
e produziram a cor da sensualidade da mulher brasileira. Essa foi a senha para o sucesso
de o Tchan!
Assim como o o Tchan!, todas as outras bandas daquela dcada assentavam
suas letras na erotizao do corpo feminino, principalmente do corpo da mulher negra,
embranquecida. Carla Perez, em entrevista Folha de So Paulo, em 1998, declarou que
[...] a minha maior arma para atrair o pblico continua sendo o rebolado, a bunda. O o
Tchan! joga o ritmo e eu dano. [...] (GUERREIRO, 2000, p. 257). Com certeza, a mulherfoi a protagonista e no deixou de ocupar esta cena at os dias de hoje.
Entretanto, com o progressivo desgaste dessa frmula comercial, o gnero buscou
uma renovao e deslocou a estratgia exclusiva do corpo feminino para outras
personagens at ento marginalizadas ou, talvez, ainda no exploradas a contento. A
banda que nos d dimenso do marco dessas transformaes culturais Harmonia do
Samba: saem de cena o rebolado das danarinas sensuais que reiteravam o mito da
democracia racial brasileira e entra em cena o rebolado viril de um cantor, Xanddy, asensao triunfal do carnaval soteropolitano dos anos 2000.
Por muitos chamados de Carla Perez de saia, com quem mais tardia viria a
constituir uma famlia modelar evanglica, Xanddy pe em xeque a mxima de que
homem no rebola. Porm, a questo no foi idlica! O cantor, ainda hoje, debate-se com
questionamentos acerca de sua sexualidade, sendo que, em alguns bairros de Salvador,
xanddy adjetivou-se como qualificativo de homossexual. Dizem, pois, os moradores de
Marechal Rondon: Fulano xanddy.
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Contudo, o efeito do rebolado de Xanddy foi hecatmbico e modelar. Com o novo
sculo, a masculinidade hegemnica sofreu questionamentos de masculinidades at
ento marginalizadas ou contextualmente manifestadas, como o caso dos homens
travestidos no Carnaval ou do Baba de saias da semana santa. No eram raros grupos
coreogrficos masculinos, de calas de boca de sino, nos bairros perifricos da cidade,
como por exemplo, grupos do Curuzu, Liberdade, Pero Vaz, Pau Mido, Paripe, Periperi,
Plataforna, enfim, cuja fama nos bairros agenciava os olhares femininos e conduziam a
outras estratgias de seduo masculina.
Apesar desse rebolado ter trazido o questionamento da masculinidade do cantor, a
banda Harmonia do Samba no trazia nas letras das msicas nenhum questionamentoracial ou social e prezava a boa qualidade musical, o que pode explicar, por exemplo, a
participao do grupo em eventos da chamada boa msica, como o PERCPAN 2005, ou
participaes de nomes como Caetano Veloso e Gilberto Gil em show do Harmonia.
Essas ligaes, que ao nosso ver parecem bem estratgicas, ajudaram a inscrever
a Harmonia do Samba como uma banda de pagode refinada e que poderia ser consumida
sem qualquer prejuzo ao bom gostodo cidado de respeito. Talvez seja essa mais
uma frmula encontrada pela banda para alcanar prestgio e manuteno no mercado,valendo-se, ainda que de modo bastante diferente que o do o Tchan, da sensualidade
do corpo negro viril do vocalista que tambm acaba por embranquecer-se medida que
galga o sucesso.
Os grupos de pagode citados acima reproduzem e imitam a estratgia brasileira
para ascenso econmica: tomam a mo de obra negra e, quando alam o topo,
abandonam-na prpria sorte aqueles que os ajudaram a progredir por conta do racismo
impregnado na nossa sociedade. por isso que Xanddy precisou alisar os cabelos eparar de rebolar, virar pai srio e responsvel ao lado da esposa, agora mulher
edificadora do lar, Carla Perez.
A partir da primeira dcada do sculo XXI, as transformaes sociais que se
operam na cidade de Salvador, quais sejam: fluxos migratrios, crescimento desordenado
da cidade e ao mesmo tempo uma possibilidade de consumo das camadas mais pobres
da populao, possibilitaram maior reflexo social e racial. Nessa nova conjuntura, em
que a internet das Lan Houses apresenta ritmos como Funk carioca, Hip Hop paulistano e
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o Kuduru angolano, a favela se torna grife. O orgulho de ser favela e de ser protagonista
desse lugar, sintetizada nas indignaes de um pblico que antes no se preocupava com
questes sociais, ganha um valor mercadolgico e logo chega aos carros barulhentos que
animam os postos de combustivis da favela e da Orla da cidade.
Assim, a cena musical do Pagodo passa a ser permeada tambm pelas questes
de natureza social e racial que no figuravam no repertrio das bandas da dcada de
1990. Suspeitamos, contudo, que a ojeriza que se vai construindo a essas bandas
decorre exatamente do incmodo com as injustias sociais e valorizao da cultura negra
em Salvador. No nos interessa aqui datar as influencias e as hierarquias imediatas para
o aparecimento desses temas no Pagodo, que essa angstia da influncia pode sercompreendida como a tentativa de construir um mito de fundao, uma origem verdadeira
das coisas. Por isso, vamos apenas problematizar as questes nas letras das msicas.
Uma das letras em que a questo da identidade racial aparece de maneira mais
audvel, para no dizer literal, na letra de Se assuma, da banda Sam Hop, cujo ttulo j
declara a ligao entre o samba e o hip hop. Nela, h uma convocao para que os
negros, principalmente da cidade de Salvador, observem seus traos e, no lugar de
investir no branqueamento esttico, valorizem as marcas de sua negritude. Os primeirosversos dizem Rapaz, se olhe no espelho/repare o cabelo/ compare o nariz/ Sua origem
frica/mesmo que no queira todo mundo diz (BAMBAM, 2011).
O dilogo fica ainda mais rico quando, mais adiante, podemos ler Passe la no
il/Tem um bocado igual a voce/Passe la no olodum/Tem um bocado igual a voc/Filhos
de guandy/Tem um bocado igual a voc/Badau/Tem um bocado igual a voc
(BAMBAM, 2011). Nessa passagem, a msica sugere uma aproximao entre o Pagodo
e a msica do Bloco Afro, relao antes nunca concebvel pelo fato de o Pagodo serdecididamente acreditado como msica de alienados.
Essa identidade racial do negro no est desvinculada da identidade de gnero e
sexo. No nos surpreende o fato de o nego ser narrado como um sujeito totipotente,
viril, cujo vigor sexual supera em muito qualquer outro ser humano. Essa
hipersexualizao tambm est ligada ao discurso de erotizao do corpo negro, embora
ela no seja comumente problematizada porque, pelo menos nesse trao, faz unssono
com a masculinidade hegemnica.
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Assim, ao escutarmos Fantasmo, em seu lbum de estria, ainda com Eddy como
vocalista, vislumbramos a configurao dessa nossa assertiva. Antes de cantar Conceito
Renovado, Eddy recita Pagodeiros, corpos vazios e sem tica,/ botam os pagodes numa
cadeira eltrica. Inferimos que, atravs disso, o discurso do Fantasmo visa inseminar-se
na cena do pagode soteropolitano pelo vis contrrio ao daquele perseguido por bandas
de pagodes que no marcam sua condio de resistncia cultural e identidade tnica.
Ainda no mesmo lbum, na msica Eu sou nego, Eddy cita uma passagem de
uma letra de msica do grupo paulistano Detentos do Rap, que, obviamente, orienta
discursivamente sua produo musical:
Se vocs apoiam eu no sei,/ eu deixo a seu critrio,/mas no apoio osmanos/que pintam o cabelo de amarelo/que vo na TV chorando/e dizendo que foi[sic] na favela/ a que vocs se enganam/eles nunca fizeram parte dela./Ladroque ladro no chora,/homem que home no rebola,/lugar de criana naescola/e o Fantasmo mudou a histria (FANTASMO, [2008])
A orientao dessa nova vertente de pagode a reafirmao da raa e da
masculinidade atravs de reforos de traos construdos pelo ideal hegemnico do
macho. Mas para quem e como ela tem sido feita? Ajudam-nos a refletir sobre isso osquestionamentos de Osmundo Pinho sobre as identidade masculinas dos homens negros,
a saber:
E o homem negro? claro que muitas formas vernculas de polticas corporaistm sido levadas a efeito por homens negros, principalmente jovens das grandescidades. Mas em que medida esses investimentos simblicos-polticos incidemsobre os modelos estereotipados de masculinidade? Em que medida se afastamdas fantasias sexistas e naturalizantes ligadas ao corpo, sexualidade e sprerrogativas de poder de homens negros? Em que medida tm contribudo para
novas alianas entre homens negros e mulheres negras? Para o caso daspolticas corporais, surge a questo: o projeto poltico e de reconstruo de si dos homens negros um projeto para homens e mulheresafrodescendentes? Ou ser um projeto negro masculino (e heterossexual)?(PINHO, p. 67)
Infelizmente, ltima pergunta de Pinho, de acordo com as posturas escolhidas
por Eddy, s podemos responder que o projeto que se desenha nessa msica com
reclames identitrios e de masculinidade um projeto para negros heterossexuais que
deixam de fora a mulher negra e/ou homossexual e o homem negro homossexual.
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Entretanto a declarao de Eddy de que homem que homem no rebola no pacfica
no meio do Pagodo. Ela provocou um contra-discurso que, embora distoe, no foge s
dimenses do pensamento hegemnico sobre masculinidade. o que vemos com
Flavinho, em Rebolo mesmo.
Rebolo MesmoSou um cara maneiro/Mais no sou otrio (tenho atitude)/Nessa swingueira/Boto aquebradeira (que ningum confude)/E quem no tiver/Rebolado no corpo (comigono cola)Ainda tem gente/Por ai dizendo (que homem no rebola)/Eu rebolo mesmo, rebolomesmo/Eu rebolo mesmo, rebolo mesmo/E da, e da, e da/Que eu t rebolando/Eda, e da, e da/Se ligue man sua mulher t me olhando/Eu rebolo mesmo,
rebolo mesmo/Eu rebolo mesmo, rebolo mesmo. (FLAVINHO E OS BARES,2011)
Embora seja sedutor assumir essa msica como resposta ao Fantasmo, no h
nenhuma evidncia biogrfica que nos permita declarar isso. Todavia, no nos admira
que, pelas teias intertextuais da msica, essa no seja uma questo em torno da
masculinidade: rebolar ou no rebolar, eis a questo! Tanto que na passagem E da,
e da, e da/Se ligue man sua mulher t me olhando/Eu rebolo mesmo, rebolo mesmo/Eu
rebolo mesmo, rebolo mesmo., o suposto trao afeminador do rebolado rapidamenteressignificado como estratgia de seduo da mulher do outro.
A ressignificao dos traos da masculinidade vo colocar, inclusive, a prpria
masculinidade em termos bastante flexveis, se que, na alcova, j no o era. Variedades
de masculinidade emergem e so enunciadas nas msicas, embora o trao majoritrio de
homem discursivamente ativo e viril permanea. Podemos ver isso em duas msicas,
uma do cantor Flavinho quando vocalista da banda Pagodart,
[...] Eu te falei meu irmo,Que essa mulher ia te dar trabalho,Voc agora carta fora do baralho,Abandonou quem no devia e se deu mal.Mas eu cansei de te avisar,Quem gosta de homem gay,Mulher gosta de dinheiro,Isso padro no mundo inteiro,Voc no o primeiro e nem vai ser o derradeiro,E isso nunca vai mudar,Por isso sejaFiel a putaria, nunca deixe a putaria,Viva dela todo dia, brinde sempre a putaria. [...] (FLAVINHO)
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E a outra do Bonde dos Neurticos e do Black Style,
Voc lembra daquela menina que te apresenteiela ta iludindo nosso amigo valneiela pega um cara que no crime soldadotem uma casa de praia e um carro importato
ja falei pra esse cara ela gosta de granaela usa armani e doce gabanaamigo a vida assim agente vale oque temele tem uma tornado e voc so tem uma pop 100
ela gosta ,ela gosta de dinheiro (6 vezes)Ela gosta de dinheiro, quem gosta de barrote MurileteQuem gosta de madeira cupim nego [...] (BONDE DOS NEURTICOS)
Em ambas as msicas so reiterados o ditado popular quem gosta de homem
gay, mulher gosta de dinheiro, cuja misoginia e o reconhecimento jocoso do amor gay
pelos homens organizam o cenrio para a encenao do falocentrismo. A masculinidade
no perturbada, nem no consrcio afetivo heterossexual, muito menos no homossexual,
embora neste ltimo o libe seja a obteno de benefcio material ou econmico
(FERNANDEZ-DVILA, 2007, p.6), semelhana do que diz Fernandez-Dvila sobre aconstruo social da sexualidade em dois grupos de homens que fazem sexo com
homem de bairros pobres em duas cidades do Peru.
Outra questo que, recentemente, nos chama ateno o abalo da representao
feminina como quase exclusivamente atravs duma suposta erotizao, coisificao e
reduo da complexidade subjetiva da mulher s partes de um corpo: peito, vagina e
ndegas. Esse o argumento veiculado por uma vertente do feminismo que considera
ilegtima a enunciao do desejo feminino pela fala do homem, como aparece na letra deMulher igual a lata, cantada por Robso, do Black Style. Vejamos:
Ei, psiu!, meu parceiro, voc t deprimido porque aquela mulher te trocou poraquele cara? Ah!... Rapaz, dizem por a que mulher igual a biscoito, vai uma evem dezoito, mas o Robso fala diferente: mulher igual a lata; um chuta e outrocata. Tou com pena desse cara,/ acha que t abalando,/ t pegando o meu resto,/pensa que t arrasando (2 vezes)/Oh! Leva essa coisa pra casa porque eu noquero mais/ eu no quero mais...no quero mais essa latinha amassada/ Olha,Mulher igual a lata:/ um chuta e outro cata./ Eu te dei voc catou/ Eu te dei voccatou [...]
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Entretanto, no podemos deixar de reconhecer o protagonismo que a mulher ocupa
nessa cena, ainda que s avessas, j que a causadora da discordia entre as virilidades
dos homens posta em questo. A questo no pode ser resumida coisificao da
mulher em lata, isto , na coisificao do corpo femino. H nessa passagem uma
mulher que feriu a dignidade da honra de um homem quando trocou de parceiro e, na
ressaca desse ressentimento, surge o dio, a raiva e a difamao da conduta da mulher
como uma espcie de tijolo para edificao da superioridade masculina. O refro mulher
igual a lata, que motiva a disputa e a paradoxal solidariedade entre os gneros
masculinos, muito mais obra do ressentimento pelo desiluso amorosa e fragilizao da
virilidade que obra do mais vil machismo.Alm disso, outras imagens de mulher so veiculas nessas letras que no nesse
sentido comumente referido acima. o caso de Pivetona, msica interpretada por Eddy
City, cuja letra descreve uma mulher sem os traos corpreos erotizados pelo discurso
machista. Observemos:
PIVETONAPivetona, pra colar com Eddy City no pode dar migu.
Essa menina uma onda, essa menina uma onda,Essa menina uma onda, essa menina uma onda ,Ela o que , t sempre na fQuando chega pro reggae ela chega pra ondaPivetona, pivetona, pivetona, ela chega pra onda(Pivetona, pivetona, pivetona)Parece que homem mais no , atitude essa mulherMulher retada no deve nada, no pode ser nada, mas (2x)Ela o que , t sempre na fQuando chega pro reggae ela chega pra onda (EDDY CITY)
Est bastante claro para ns que se trata de uma mulher que foge aos padres
reconhecidos pelo eu-lrico da msica como uma mulher. Estranha ao ambiente, ela
designada de Pivetona, cuja f a coloca diante de situaes para as quais sempre chega
pra onda, o que justifica cham-la de Pivetona. Mas o estranhamento no termina por
a, rapidamente, para no fugir s regras do Ocidente, a busca pela semelhana e,
consequentemente, o desrespeito pelas diferenas, fazem com que dela se possa dizer
parece que homem mais no , atitude essa mulher/Mulher retada no deve nada,
no pode ser nada, mas .
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Essa valorizao da Pivetona decorrente da elevao da mulher, atravs do
processo da mmese, estatura de homem. Numa abordagem que ameaa ser platnica,
como simulacro, cpia imperfeita, o eu-lrico revela, de modo bem curioso, a potncia
dessa mulher: Mulher retada, no deve nada, no pode ser nada, mas .Esse mas
a revelao do colapso das impresses sociais acerca dessa mulher que, pelo fato de
ocupar a posio de atitude convencionalmente narrada como masculina, foi chamada de
homem pela subvero da ordem hegemnica. Assim, no podemos afirmar que h s
uma mulher representada no pagode, mas vrias e de identidades de gnero e sexo
bastante diversas tambm.
Consideraes finais
Para dar mostras de como essa cena cheia de facetas e possui conexes outras
com diversas tradies discursivas vernaculares, podemos citar Caetano Veloso, para
quem
[A] melhor coisa do mundo pagode baiano. Eu sempre achei que o Tchan ia darem riquezas. Harmonia do Samba. O ensaio do Psirico. Um ensaio do Psirico sempre o bicho. Colagem de performances com percusso preciosa. Aquelamsica do cabelo fica massa, ta, fica massa, do Pretubom o que h de bom. Kuduros de Fantasmo e Mrcio Vtor: sempra a volta chula. Quem diria que achula do Recncavo seria revitalizada pelo carnaval criticamente desprezado dasruas da Bahia? Pretos da nova gerao. Empurra, Piat!. As mil variedades detratamento de uma mesma clula ritmo-harmnica, como nos blues. Umaevidncia de energia crescente. E Mrcio Vtor ainda canta Samba da Bno eO que que a baiana tem? pra deixar claro que tem conscincia da linhagem aque pertence sua msica. [...] (VELOSO, 2009)
Portanto, a cena musical do Pagode soteropolitano j no mais protagonizada,predominantemente, pela erotizao do corpo feminino, como ocorreu a partir dos anos
1990, pela figura emblemtica de Carla Perez. Foi no final dessa dcada que emergiram,
com mais intensidade, outros personagens marginalizados (o nego, o viado, o
ladro), acompanhados por temas que vo das brincadeiras jocosas machistas s
polticas de identidade, estas legadas de outros gneros musicais, tais como o funk,
reggae, rap e hip-hop. Nesse celeiro de paradoxos, atravs da leitura de canes de
Pagodart, Fantasmo/Edcity e Black Style, observamos os seguintes aspectos
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relacionados s configuraes de gnero-e-raa: a ascenso do corpo negro viril, que
agora rebola, embora mantenha a pichao redutora da coisificao sexual do negro; a
emergncia de uma masculinidade lquida nas quais se arranjam flexveis, quando no
episdicas, interaes homoerticas; e o engendramento de um ideal de masculinidade
negra, produto das movimentos identitrios, mas tambm fruto das apropriaes da
Indstria do Entretenimento.
Referncias
GUERREIRO, Goli. A trama dos tambores: a msica afro-pop de Salvador. So Paulo:
Editora 34, 2000. 320p.
PINHO, Osmundo. O efeito do sexo: polticas de raa, gnero e miscigenao. CadernosPagu, n. 23, jul.-dez. 2004, p. 89.
BIRMAN, Patrcia. Identidade social e homossexualismo no candombl. Religio eSociedade, Rio de Janeiro, n.12, v. 1, p. 2-21, ago. 1985.
DELEUZE, Gilles. Plato e o Simulacro. In:______. A lgica do sentido. Traduo LuizRoberto Salinas Fortes. So Paulo: Perspectiva, 2007. p. 273-286.
EDCITY. BLOG EDCITY. 2011. Disponvel em acesso em25 de julho de 2011.
FLAVINHO E OS BARES. OS BARES. Disponvel em acesso em 25 de julho de 2011.
FANTASMO. FANTASMO AO VIVIVO. DVD PROMOCIONAL. Salvador. Perfill, 2008.
FERNANDEZ-DVILA, Percy Et al. Construo social da sexualidade em dois grupos dehomens que fazem sexo com homens (HSH) de bairros pobres em duas cidades do Peru.Verso eletrnica disponvel em: Acesso em:20de junho de 2011.
VELOSO, Caetano. PRETUBOM PSIRICO FANTASMO PARANGOL. Disponvel em: Acesso em: 29/01/2009.
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8/3/2019 Quem gosta de homem gay_mulher gosta de dinheiro
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SEMINRIO INTERNACIONAL ENLAANDO SEXUALIDADESDireito, Relaes Etnorraciais, Educao, Trabalho, Reproduo,
Diversidade Sexual, Comunicao e Cultura04 a 06 de Setembro de 2011
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Salvador - BA
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