Quem forma quem, afinal - · PDF fileE isso é radical. Na sala de aula, os alunos...
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Quem forma quem, afinal?
Rosaura Soligo
Guilherme do Val Toledo Prado
É impossível e imoral pretender mudar o Homem,
mas pode-se ajudá-lo a mudar a si próprio1. Michel Crozier
Resumo: Tematizar a formação como um processo de aprendizagem pessoal, que, entretanto, só se
torna possível social e culturalmente – um processo que é fruto das oportunidades a que tivemos
acesso, do efeito que elas exerceram sobre nós e da forma como interagimos com elas. É este um
dos propósitos principais deste artigo2. A formação, dessa perspectiva, coincide com o conjunto de
experiências que produziram aprendizagens ao longo da vida, isto é, que contribuíram para o
desenvolvimento pessoal e profissional. É nesse contexto que são tratadas algumas modalidades de
formação – outro motivo deste texto – aqui entendidas como os diferentes tipos de propostas de
ampliação do conhecimento profissional: grupo de formação contínua, grupo de estudos, curso,
supervisão, assessoria pontual ou contínua, acompanhamento pedagógico, estágio, grandes eventos
(congressos, seminários, palestras), dispositivos de autoformação, dentre outros. Essas modalidades
são abordadas a partir de pequenos fragmentos de histórias de educadores que narram
acontecimentos relacionados à sua formação. Por fim – na verdade, o tempo todo – é também outra
razão deste texto defender a potencialidade da narrativa autobiográfica como espaço privilegiado de reflexão e aprendizagem sobre si e sobre a própria formação e, portanto, como exercício meta-
reflexivo de grande importância, como se poderá verificar pela leitura dos depoimentos dos
educadores que compartilham suas (meta)reflexões. Essas muitas vozes, que afirmam a autoria de
uma prática profissional conseqüente, foram agrupadas em quatro tempos: Processos de
autoformação, Processos de formação apoiados na observação de um profissional-referência,
Processos de formação em grupos ou pares e Processos de formação centrados na escola.
Palavras-chave: formação, formação centrada na escola, modalidades de formação, escrita
autobiográfica.
Professora e formadora de professores, Mestre em Educação pela Unicamp, Coordenadora de Projetos do Instituto Abaporu de Educação e Cultura e membro do GEPEC – Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Continuada. E-mail: [email protected] Professor-doutor da Faculdade de Educação da Unicamp e Coordenador do GEPEC – Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Continuada, na mesma Universidade. E-mail: [email protected] 1 Epígrafe usada por Rui Canário no livro Formação e situações de trabalho, por ele organizado. Porto: Porto Ed. 2003. 2 Capítulo do livro Professor formador: histórias contadas e cotidianos vividos, a ser publicado pelo GEPEC em 2008.
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Como tudo começou
Este texto começou com uma idéia compartilhada e um e-mail enviado para vários educadores. A
idéia era, a duas mãos, escrever um artigo sobre formação e, a muitas experiências, compor uma
narrativa pedagógica sobre como a formação acontece. O e-mail é o que transcrevemos a seguir:
Caros,
A idéia deste texto é aprofundar a reflexão sobre as modalidades de formação que
efetivamente favorecem o desenvolvimento pessoal e profissional dos educadores.
Nas recomendações contidas na dissertação de mestrado ‘Quem forma quem? – Instituição
dos sujeitos’3, está dito:
É recomendável que se leve em conta as diferentes modalidades de formação, que atendem
a diferentes objetivos e/ou necessidades dos profissionais: grupo de formação contínua,
curso, grupo de estudos, supervisão pedagógica (planejada principalmente em função das
demandas do grupo a que se destina), assessoria pontual ou contínua, acompanhamento
da escola e da sala de aula, estágio (observação de um parceiro mais experiente atuando,
presencialmente ou em vídeo), autoformação, palestra, conferência, seminário...
Agora, escreveremos um artigo para um livro, onde vamos tratar do assunto com mais
vagar.
Pensamos então em fazê-lo à semelhança de outros textos que já escrevemos, onde o
principal são os depoimentos de profissionais que narram reflexivamente suas experiências,
e, para tanto, gostaríamos que escrevessem sobre a experiência de formação de vocês (...)4.
Um abraço
Rosaura e Guilherme
Nasceu então este texto, com uma fisionomia um pouco diferente da que se costuma encontrar nos
livros convencionais, reunindo muitas vozes agrupadas em quatro tempos: Processos de
autoformação, Processos de formação apoiados na observação de um profissional-referência,
Processos de formação em grupos ou pares e Processos de formação centrados na escola.
Em todos os casos o que consideramos formação é sempre um aprendizado que acontece a partir da
perspectiva do sujeito, como resposta à necessidade de ampliar o seu conhecimento, o seu saber, a
sua sabedoria.
Para fazer essa afirmação, primeiro nos perguntamos, como também o fizeram Rodrigues e Esteves
(1993): Mas, afinal, o que é uma necessidade? E assim como as autoras, concluímos que:
A palavra necessidade é uma palavra polissêmica, marcada pela ambigüidade. Na
linguagem corrente, usamo-la para designar fenômenos diferentes, como um desejo, uma
vontade, uma aspiração, um precisar de alguma coisa ou uma exigência. Por um lado,
remete-nos para a idéia do que tem de ser, daquilo que é imprescindível ou inevitável. Por
outro lado, a palavra surge com um registro mais subjetivo (...) e neste caso, a necessidade
não tem existência senão no sujeito que a sente (RODRIGUES E ESTEVES, 1993, p. 27)
3 Pesquisa de mestrado realizada por Rosaura Soligo, orientada por Guilherme do Val Toledo Prado, e defendida em 31/08/2007 no
GEPEC, na Faculdade de Educação da Unicamp. 4 E então, para cada destinatário, foi sugerida uma possibilidade a partir do que já sabíamos sobre o seu percurso de formação, mas
nem todos acataram – alguns escreveram um depoimento sobre outra dimensão de seu processo de aprendizagem, diferente da que
havia sido sugerida.
3
Depois nos inspiramos em nossos fundamentos:
Tomada de um ponto de vista mais amplo, a formação coincide com o conjunto de
experiências formativas ao longo da vida, ou seja, todas as experiências que produziram
aprendizagens: o convívio com familiares e/ou pessoas significativas desde a infância, a
escolaridade/a vida acadêmica, o estudo, as leituras, o acesso às mídias, a pesquisa, a
produção escrita, as amizades, as viagens, as situações-problema vividas, a reflexão
pessoal e compartilhada, a interlocução com pessoas tomadas como referência, a discussão
das idéias, a psicoterapia, a militância em grupos ou movimentos, a participação nas
instituições, a atuação profissional, o contato com a espiritualidade, a possibilidade de fruir
das artes, das manifestações culturais, da literatura e de todo tipo de conhecimento...
(...) E tal como aqui é abordada, a formação profissional é o conjunto de experiências
formativas relacionadas direta ou indiretamente ao exercício da profissão: aquelas cuja
finalidade explícita é subsidiar a atuação no trabalho – o curso de habilitação e as demais
oportunidades de desenvolvimento profissional – e as que contribuem de modo indireto –
portanto, coincidentes com boa parte das experiências de formação geral acima
relacionadas. (SOLIGO, 2007, p.33)
Desse ponto de vista foram olhadas as diferentes modalidades de formação, aqui entendidas como
propostas de ampliação do conhecimento pessoal e profissional que, entretanto, só cumprem os
propósitos que as justificam quando de fato se convertem em experiência formativa para os sujeitos
a que se destinam, isto é, quando respondem de algum modo a necessidades e inquietações que eles
têm.
É o que passamos a detalhar.
Processos de autoformação
Tornar-se sujeito implica três processos. Um, o de empoderamento
(...) ou o tornar-se sujeito de todos os processos relacionados com o
seu desenvolvimento pessoal (portanto, unificador) e coletivo
(portanto, diversificador). O segundo é a cooperação, acima e para
além da competição (...). O terceiro é a educação contínua e
ininterrupta, prática e teórica, para o exercício dessa subjetividade.
(...) Conhecer tem, por conseguinte, um sentido de experimentar,
vivenciar e, a partir daí, conceituar, ganhar consciência. (...) É
evidente que se trata de uma educação de vida inteira.
Marcos Arruda e Leonardo Boff
Quando olhamos para a formação pela perspectiva do sujeito, poderíamos dizer que, a rigor, trata-se
sempre de autoformação. Entretanto, optamos por assim considerar principalmente as modalidades
que geralmente se constituem por iniciativa pessoal e que são administradas pelo próprio sujeito que
as protagoniza. Selecionamos a seguir algumas das situações consideradas mais significativas nesse
sentido.
A primeira é a história de uma professora alfabetizadora iniciante que conta o quanto o estudo e a
pesquisa para responder às demandas reais da prática pedagógica têm sido constitutivos de seu
processo de desenvolvimento pessoal e profissional.
4
Ao longo do meu curso de Pedagogia tive duas experiências que foram fundamentais ao
ingressar na profissão: o estágio na escola pública, uma vez que ainda não exercia o
magistério, e a aprendizagem da pesquisa, ao realizar dois estudos de iniciação científica.
Discutir e refletir a formação docente – a minha formação – e as práticas educativas,
apoiada no diálogo/confronto constante de determinados referenciais teóricos com
elementos reais, originários de situações concretas, me permitiram novos olhares acerca
dos significados e sentidos desta formação, dos elementos que a permeiam e ainda, de sua
relação com as práticas e experiências cotidianas nos espaços educativos.
Muito marcada por essas experiências na graduação, ingressei no desafio do magistério, de
me tornar professora-alfabetizadora na escola pública, cheia de inseguranças, dúvidas e
incertezas, mas também com a crença de que o sentido da docência se dá na tessitura da
tríade ensinar-aprender-pesquisar.
Assim, é na busca pelo diálogo das experiências de formação com os acontecimentos da
profissão, com leituras e referenciais teóricos que me ajudem a compreender o que estou
vivenciando, na partilha e troca com outras colegas de profissão, na observação de
professoras mais experientes (mas que comungam dos mesmos princípios educativos), e
principalmente, na observação atenta, no questionamento e registro permanente dos
acontecimentos e vivências da minha própria sala de aula – tomando-a como um lugar
privilegiado para ensinar, aprender e pesquisar – que tenho alcançado resultados
significativos como professora. Um exemplo desses resultados foi que, no meu primeiro ano
de docência, consegui alfabetizar 28 alunos de uma turma de 30, e os outros dois, no ano
seguinte novamente meus alunos, logo aprenderam a ler. Com certeza, para mim, essa foi
uma grande conquista!
Refletindo sobre todo esse processo, acredito que assumir o estudo e a pesquisa docente
como ações constitutivas do trabalho pedagógico desenvolvido na escola e na sala de aula
é, de fato, imprescindível para a melhoria dos processos de ensino e de aprendizagem, para
fazer da escola um lugar onde todos aprendem, ensinam e se formam!
Tamara Abrão Pina Lopretti5
Como se vê, os desafios colocados pelo exercício profissional são ‘as questões de pesquisa’ que
mobilizam os sujeitos – comprometidos com o trabalho que realizam e com o investimento na
própria formação – a estudar, a procurar respostas, a produzir saberes e conhecimentos.
O mesmo se infere a partir da história de um professor já experiente, que – mais explicitamente –
destaca o importante papel formativo que desempenham os alunos em seu percurso de
aprendizagem:
Comecei a lecionar regularmente em 1990, lá se vão dezessete anos na sala de aula, mas é
surpreendente como este tempo de relógio e de calendário não mede, por si só, o que tenho
sido. Não os sinto como experiência acumulada – ao menos no sentido da
instrumentalização – , não me tornei um ‘expert’ em educação e nem tenho isso como
objetivo. Objetivos? Já os tive, claro, seguidos de ‘estratégias’ apropriadas, como se aluno
fosse uma fortaleza inimiga a ser conquistada, com planejamentos que buscavam o ângulo
certo para a investida final. Hoje lido com as perspectivas, com a sedução dos horizontes
onde não há um ponto de chegada, mas postos elevados de onde se enxerga além, sempre um outro horizonte.
5 Professora alfabetizadora da Rede Estadual em Campinas, Mestre em Educação e membro do GEPEC.
5
As paisagens e os horizontes não se dão às conquistas porque nunca estão lá, é a morada
do caminhante, só existem para o olhar. E isso é radical. Na sala de aula, os alunos são
meus parceiros de viagem, geralmente eles me seguem, confiam em mim porque sou mais
experiente e conheço o caminho, mas nem sempre é assim que abrimos a nossa trilha. Para
se caminhar junto, com honestidade, é preciso confiar um no outro, por isso, muitas vezes
eu paro e escuto as sinalizações que eles me oferecem – ou que outras vezes me pedem.
Não existe caminhante solitário. Mesmo um viajante antigo, guiado pelas estrelas, levava
com ele a confiança nos sentidos dados às constelações.
Quem forma quem, afinal?
Marcemino Bernardo Pereira6
O que é instigante nesta narrativa é que o aluno protagoniza o papel de formador do professor!
Raramente este lugar de revelador de caminhos para o mestre é reconhecido e legitimado, a não ser
pelos verdadeiros mestres.
Rangel (2000) nos presenteou recentemente com uma dessas explicações às vezes necessárias para
pôr as coisas nos devidos lugares – uma arrumação das idéias sobre o sentido da palavra ‘aluno’ e
sobre essa condição, nem sempre bem-entendida, em que crianças, jovens e adultos são colocados
na escola. O autor nos faz saber que, embora tenha circulado por muito tempo, entre os educadores,
uma versão fantasiosa da etimologia de aluno – que atribuía a essa palavra de origem latina a
composição a-lumnus7, que significaria ‘sem-luzes’ – alumnus origina-se de um antigo particípio
de alere (alimentar), e significava ‘criança de peito’, ‘criança que se dá para criar’8.
Desse ponto de vista, não só se recupera a história – e um sentido mais justo – de uma palavra que
nos é tão cara, tantas vezes por nós pronunciada e repetida, como se abre a perspectiva de
reconhecer a verdadeira autoria do aluno como ‘ensinante’ do mestre, tal como acontece com a
criança de peito que efetivamente forma os adultos que a tomam para criar, desde que estejam
alertas, curiosos, sensíveis, aprendizes.
Quando o compromisso do professor é organizar o seu trabalho para alimentar seus alunos,
respondendo de algum modo às suas necessidades de aprendizagem, não só rompe-se a dicotomia
entre ‘educar-cuidar’ – porque alimentar pedagogicamente as crianças e os jovens que freqüentam a
escola é justamente ‘cuidar’ deles – mas toma-se os alunos como também formadores no processo
de aprendizagem dos professores.
Em outra dimensão, a história a seguir é parecida. Embora os alunos não sejam os personagens
visíveis na cena, são a razão de ser de uma trama em que a autora aprende pela necessidade de
cuidar de quem cuida dos alunos.
Em 2001, inaugurei um momento especialmente marcante no meu processo de formação
continuada, que inclui minha efetiva ‘pós-graduação’ como pedagoga dedicada às questões
do ensino da leitura e da escrita. Estou me referindo ao período em que integrei a Equipe
Base, no Estado do Rio de Janeiro, do PROFA – Programa de Formação de Professores
Alfabetizadores.
6 Professor de História da Rede Municipal de Campinas, Mestre em Educação e membro do GEPEC. 7 O primeiro componente, a-, seria um prefixo com significado de ‘privação’; e o segundo seria uma das formas da palavra
lumen/luminis (luz). 8 Como pesquisaram e nos informam as professoras Maria Emília Barcellos da Silva e Maria Carlota Rosa, da UFRJ. In RANGEL,
Egon de O.. Para não Esquecer: de que se lembrar, na hora de escolher um livro do Guia? – Livro didático e sala de aula: cômodos
de usar. Brasília: MEC/SEF, 2000.
6
A complexidade do Programa não se comparava a qualquer de minhas experiências
anteriores. Éramos responsáveis pela formação dos professores que atuavam, em seus
municípios, como formadores de alfabetizadores; ou seja, tornei-me formadora de
formadores – algo em que jamais havia pensado.
Logo depois, no Município de Duque de Caxias, iniciei nova experiência com o PROFA, na
coordenação de grupos de professores. Nessa altura, eu conhecia muito bem todo o
material do Programa, estava mais entusiasmada do que nunca com as ‘demonstrações
explícitas de aprendizagem’ por parte de cursistas de toda parte do país e seus alunos,
sabia da competência da minha parceira, tínhamos sido extremamente bem recebidas na
Secretaria de Educação... Enfim, o desafio me parecia pequeno.
Ledo engano... Mais uma vez não faltaram situações-problema essenciais para o meu
desenvolvimento profissional.
O ano de 2004 valeu por cinco, no mínimo, para mim em termos de aprendizagens. Cerca
de duzentos professores do 1º ano do Ciclo de Alfabetização da Rede Municipal aderiram
ao Projeto “De professor para professor: um convite ao trabalho cooperativo”!
A relação de autonomia estabelecida pela equipe com o trabalho foi muito... formativa é
mesmo o melhor adjetivo, uma vez que concebíamos, encaminhávamos, registrávamos e
avaliávamos nossa ação, cientes da responsabilidade primordial de fazer o máximo para
que não fossem frustradas as expectativas de aprendizagem de tantos professores.
Depois, em 2005, decidimos concretizar a SOPPA - Sociedade de Professores
Pesquisadores em Alfabetização, uma saída animadora para a aflitiva situação de – em
virtude da mudança de gestores após as eleições municipais – não termos aprovadas as
nossas propostas de continuidade do trabalho com os alfabetizadores.
Na SOPPA, tenho confirmado minhas convicções a respeito da necessidade de irmos na
contramão do isolamento, para enfrentarmos de modo mais proveitoso a típica inquietação
de quem persegue o contínuo desenvolvimento pessoal-profissional e, dessa forma,
promovermos melhores condições para o alcance de propósitos comuns.
Além disso, integrar esse grupo me faz aprender sempre mais sobre possibilidades de
produção de conhecimento pelo professor com base na própria experiência profissional. Ao
contrário do que em geral acontece quando se trata da pesquisa acadêmica, na SOPPA,
somos nós que formulamos as perguntas provocadas por nosso cotidiano de trabalho,
buscamos embasamento para nossas reflexões, organizamos nossos registros, promovemos
a socialização do que, na nossa práxis, julgamos mais relevante para outros professores.
Em grupo, definimos paulatinamente temas prioritários, de acordo com as necessidades de
aprimoramento da nossa atuação, constatadas na prática. Somos autoras e protagonistas
do nosso projeto de formação permanente.
A SOPPA me encoraja a não fugir do desafio de trabalhar em favor de uma escola onde os
“encontros” aconteçam de verdade. Sempre considerei possível que o coletivo de cada
escola provoque nos educadores um efeito comparável ao que a convivência com inúmeras
pessoas instigantes provocou em mim nesses tantos anos de vida profissional.
Cada uma dessas pessoas me ajudou/ajuda a compreender gradualmente a abrangência do
modelo pedagógico que escolhi como orientador da minha prática profissional. Elas me
ensinaram/ensinam a buscar soluções para situações-problema por meio do permanente
exercício de refletir sobre a ação – para articular teoria e prática, visando intervenções
cada vez mais adequadas; de formular metas em parceria; de ampliar relações de
solidariedade; de aprender em colaboração. Mais do que um ‘modelo metodológico de
7
formação de professores’, um caminho para responder com maior confiança às
‘provocações’ da vida.
Tereza Cristina Barreiros9
O compromisso de sujeitos formadores com o planejamento de uma ação ‘ajustada’ aos sujeitos que
participam dos grupos de formação é algo que, da perspectiva aqui colocada, gera inevitavelmente
conhecimento. Porque planejar o trabalho com o propósito e o desejo de responder a necessidades
que se sabe ou se supõe dos grupos de profissionais é, ao mesmo tempo, um exercício necessário e
conseqüente de antecipar possibilidades e uma invenção do profissional, que constrói um caminho
de elaboração teórica, de produção de teoria, da sua própria teoria sobre o trabalho que realiza.
Assim, o planejamento é recriado continuamente a partir de um processo de avaliação que revela até
que ponto as propostas e intervenções estão fazendo chegar onde se pretende. Ainda que se apóie de
algum modo no que já aconteceu, ‘planejar é refletir antes de agir’, como muito bem formulou
Carlos Matus (1997, p.40). Se refletir é um exercício intelectual que acontece no durante e depois
da ação10
, havemos de aí incluir uma dimensão a mais: esta reflexão que acontece a priori, que é
anterior à ação.
Como diz a autora dessa narrativa, o movimento produzido por um grupo que pensa junto o
trabalho que realiza gera conhecimento sobre a prática profissional, sobre como tratar as perguntas
provocadas pelo cotidiano, sobre como buscar embasamento para as reflexões, sobre como
organizar os registros do trabalho e das reflexões, sobre como viabilizar a socialização do que se
julga mais relevante para outros profissionais, sobre como ser autores e protagonistas do próprio
projeto de formação permanente. E gera conhecimento sobre a própria produção de conhecimento.
Esse ‘movimento’ se constitui numa modalidade formativa das mais importantes!
Mas se até agora temos tratado do efeito produzido pelo compromisso com os sujeitos a quem os
grupos de formação se destinam, a reflexão a seguir trata de um outro aspecto tão importante quanto
– o efeito produzido pelo compromisso com os sujeitos-leitores a quem os ‘textos de formação’ se
destinam.
Escrever um texto é, de fato, uma atividade complexa. O texto é uma espécie de obra de
arte. Parafraseando Noam Chomsky, quando pontuou a absoluta originalidade de cada
evento de fala, chegando a dizer que o que alguém diz num determinado momento de sua
vida nunca foi dito antes e não será jamais dito depois, poderíamos – quem sabe – afirmar
que o texto é uma obra de arte: traz em si as marcas distintivas de seu autor. E como obra
de arte, é único.
Na difícil arte de escrever, motivações e objetivos comunicativos vão descrevendo rotas.
Uma delas é a rota acadêmica. Na pós-graduação, a chamada é para a formalidade da
escrita. Nada mais natural. A tese ou dissertação exigida no final do curso pressupõe uma
linguagem objetiva e livre de personalismos ou arroubos emocionais. E no afã de atender às
exigências da academia, estudantes pós-graduados vão, mal ou bem, absorvendo a
linguagem hermética de suas ciências. O perigo é a sujeição do escriba a um jargão
monolítico que acaba comprometendo a comunicabilidade. Fica parecendo que a
linguagem acadêmica é invariável e só para iniciados. No caso dos educadores que formam
professores – todos eles oriundos da Universidade – sofre o diálogo formador x formando.
É possível levantar-se a hipótese de que os programas de formação de professores não têm
9 Professora, Fonoaudióloga e formadora de professores. 10 A reflexão se dá na ação, sobre a ação e sobre a própria reflexão, tal nos lembra como Donald Shön (2000) e outros autores.
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repercutido na qualidade da escola, apesar de todo o investimento que recebem, também
porque o diálogo escrito não está funcionando.
No Projeto Formar11
, desenvolvido a partir de 1997 em nove municípios do norte do
Espírito Santo, uma equipe de formadores mestres e doutores, dentre eles especialistas em
linguagem, descobriu-se em crise de escrita. Definimos como eixo do projeto a prática da
leitura e escrita e como dinâmica, o que chamamos de ‘diálogo permanente em rede’. Essa
interlocução à distância, mediada pela língua escrita, concretizou-se em relatórios e
devolutivas que tinham como objeto as práticas de sala de aula e o estudo em grupos de
formação. Os textos que circulavam eram, portanto, relatos de aulas ou discussões em
grupo e sínteses de textos estudados.
No início do projeto, escrevemos textos longos, densos, pesados. Um deles ficou na história
do Formar (“Onde estão os ditongos?”). Tinha 27 páginas e tratava de um assunto bastante
insípido, embora a tentativa fosse de inovar. Foi nossa primeira descoberta: os professores
não conseguiram dialogar com o texto, ou seja, os autores não se fizeram compreender
pelos seus interlocutores.
Daí por diante a escrita da equipe de formadores passou por um constante processo de
construção, contracenando com a escrita dos formandos. O texto dos formadores começou
a respirar e a sintaxe se abriu ao entendimento do leitor, fazendo o pensamento
desabrochar. Pensamento tantas vezes encoberto pela argamassa de estruturas sintáticas
desnecessariamente montadas umas sobre as outras, em subordinações sem fim, ou de uma
organização textual pouco explícita.
E, como era de se esperar, as respostas começaram a aparecer e o diálogo por escrito foi se
estabelecendo de modo mais vivo e mais produtivo.
Euzi Moraes12
Essa breve narrativa revela que vale a pena cultivar a esperança: quando se tem como princípio
utilizar a linguagem em favor do diálogo e, para tanto, considerar verdadeiramente o interlocutor a
quem os textos se destinam, mudam-se os gêneros, mudam-se os modos de dizer, muda-se o estilo,
muda-se a si mesmo como autor. Se a qualidade da comunicação reside na máxima aproximação
possível entre o que se pretende dizer, o que efetivamente se diz e o que pode ser compreendido, ao
escrever, é preciso ter como leitor virtual os sujeitos concretos a quem o texto se destina – ou, pelo
menos, o que se pode imaginar sobre quem são eles de fato.
Por paradoxal que possa parecer, desse ponto de vista, a sujeição do autor ao interlocutor é uma
invenção criativa, uma transgressão, uma subversão dos esquemas hegemônicos de poder
estabelecidos por quem ‘manda’ nas formas da linguagem, uma verdadeira revolução...
A clareza de que no território dos textos, a rigor, não existe uma oposição entre forma e conteúdo,
que no território dos textos forma também é conteúdo, só faz aumentar a importância desse
fenômeno: se o autor quiser comunicar adequadamente seus conteúdos, terá de ajustar a forma
considerando os leitores a quem seus textos se destinam e, assim, estará produzindo uma dupla
criação.
Talvez só assim possamos superar a discriminação que representa a produção de uma escrita
hermética e inalcançável nos sentidos, encoberta de argamassa, especialmente quando se trata de
textos cujo propósito é formativo, especialmente quando são destinados aos educadores. Talvez só
11 Formação em Rede nos Municípios de Atuação da Aracruz Celulose S.A., projeto patrocinado pela empresa. 12 Professora universitária, Doutora em Lingüística, Ex-Secretária de Estado da Educação no Espírito Santo, formadora de
professores e assessora de projetos na área da educação.
9
assim possamos superar esse tipo de violência já completamente naturalizada pela cultura
predominante no mundo da educação.
Esse movimento dos autores tem vários desdobramentos importantíssimos: contribui para a
democratização do acesso ao conhecimento, interfere (mesmo que timidamente) na cultura
predominante, requalifica os textos de propósito formativo (que só o serão se puderem ser
compreendidos) e amplia as possibilidades de desenvolvimento pessoal-profissional não só dos
leitores mas deles próprios – os autores.
Em projetos de interlocução a distância, mediados pela escrita, é preciso intensificar ainda mais os
cuidado com os textos e com as formas de comunicação não-presenciais.
O depoimento abaixo mostra o quanto situações de formação bem planejadas do ponto de vista
metodológico, devolutivas que fazem sentido para os cursistas e um tutor que funciona como
parceiro experiente podem fazer toda a diferença e re-significar uma modalidade de formação nem
sempre muito valorizada na comunidade educacional.
A experiência vivenciada por mim em um curso a distância para Orientadores Pedagógicos
Educacionais, oferecido pela Fundação Bradesco (via web), favoreceu aprendizagem
significativa, já que, nesse processo, pudemos trocar informações, angústias, desejos,
relatos de experiências e aprofundar aspectos teóricos e práticos, buscando a contribuição
de outros profissionais e fazendo uso de tecnologias e mídias interativas como suporte para
o debate e análise de questões educativas. Foi um período de invasão de idéias virtuais e
reais que explicitavam intenções e ações, fundamentando a prática docente.
Apesar da distância física, sempre me senti muito próxima da tutora e das colegas de
trabalho da turma – principalmente da tutora, que sempre me deu devolutivas consistentes e
desafiadoras para as atividades realizadas no curso. Nessas reflexões construí, desconstruí
e reconstruí constantemente, em um movimento de ‘ir e vir’ à teoria, refletindo a partir da
prática e exercitando o processo de metacognição. Cada atividade proposta no curso era
como se fosse um ‘mergulho’ no diálogo constante e aberto às novas aprendizagens.
Cláudia Cristina de Oliveira Tejo13
A possibilidade de um programa de Educação a Distância funcionar a favor da aprendizagem de
seus participantes tem a ver com a qualidade das propostas e da interlocução, sem dúvida, mas não
só. O perfil do profissional em formação também conta muito. É preciso que tenha autonomia
intelectual para acessar e potencializar os recursos disponíveis e demandar a parceria do
tutor/formador e dos colegas de curso. Nesse sentido, há uma semelhança com o que é de se esperar
de um pesquisador: que lance mão, no tempo de que dispõe, de tudo o que pode contribuir para o
seu trabalho e o seu processo formativo, inclusive de ajudas externas, não previstas oficialmente.
Eis o relato de uma pesquisadora que fala a esse respeito:
Entrei no Mestrado em Educação e, como aprendiz de pesquisadora acadêmica, estudei
temas estabelecidos a priori, mas que nem sempre eram indispensáveis nesse momento de
tempo mínimo. Aprendi, tive muita orientação importante. Mas certas necessidades da
pesquisa foram determinadas pela interlocução fora dos espaços do Programa de Pós-
graduação.
No exame de qualificação, por exemplo, houve uma sugestão para que eu não usasse
determinado conceito. Fui mesmo incentivada a evitá-lo. Na época, não compreendi os
13 Orientadora pedagógica e educacional da Fundação Bradesco de Marília-SP, participante do projeto de EAD de Formação de
Orientadores Pedagógico Educacionais em 2004 e 2005.
10
motivos, porque me faltavam conhecimentos. Continuei estudando, refletindo, levantando
minhas hipóteses. Para não usar o tal conceito, tinha que compreender o porquê. Perguntei
então a opinião de uma amiga que não é da mesma área, mas conhece bem um assunto
semelhante ao que eu pesquisava. Quem sabe ela poderia me ajudar nas necessidades da
pesquisa? Ensinar-me um atalho para descobrir se o investimento no tempo de um novo
estudo naquela altura dos acontecimentos seria ou não inútil. Nossa conversa me mostrou
que, se eu tivesse seguido minha hipótese inicial, teria ido por um caminho muito mais
demorado para depois 'dar com a cara na porta'.
Poderia contar pelo menos mais três experiências semelhantes e de igual importância para
a condução da pesquisa. Não são caminhos estabelecidos pela Academia. São caminhos
narrativos, dialógicos, humanos, que vamos estabelecendo com nossos amigos,
companheiros de jornada.
Liana Arrais Seródio14
O desenvolvimento pessoal-profissional é tanto maior quanto maior for essa capacidade de fazer
boas perguntas e de saber em que portas bater para encontrar respostas, algumas que sejam. E mais:
depende de saber que as respostas às vezes virão de onde não se imagina. Na verdade, quando a
pessoa em formação toma para si a condição de aprendiz – curiosa, ‘antenada’ e perspicaz –
qualquer fragmento de informação, aparentemente insignificante, pode ser um indício, um sinal,
uma resposta. Ou uma nova pergunta, uma nova plataforma de lançamento a outras aprendizagens.
Na trilha desse lugar de aprendiz, passamos a tematizar a seguir as modalidades de formação
ancoradas na observação do outro.
Processos de formação apoiados na observação de um profissional-referência
Se por um lado a necessidade é o mote da aprendizagem, por outro é preciso saber onde satisfazê-la,
isto é, onde aprender. E talvez não seja demais afirmar que é observando alguém mais experiente
naquilo que queremos fazer que podemos aprender mais rapidamente a fazer também. Se esse
alguém, além de se deixar observar em ação, faz o papel de parceiro experiente, então as
possibilidades se ampliam ainda mais. Neste tópico abordamos duas das modalidades de formação
desse tipo: primeiro o estágio – que é quando os profissionais vão ver in loco as experiências de
qualidade que querem conhecer – e depois a análise de práticas exemplares gravadas em dvd/vídeo
– que é quando as experiências de qualidade ‘vêm’ se dar a conhecer aos profissionais.
Quando decidi aprofundar conhecimentos sobre a didática da alfabetização escolhendo o
PROFA (Programa de Formação de Professores Alfabetizadores) como o caminho para
suportes teóricos e metodológicos, já exercitava o ofício de coordenadora pedagógica de
uma escola particular em São Paulo, na Educação Infantil. A primeira expectativa era a
consolidação de uma concepção construtivista de ensino e de aprendizagem que, por sua
vez, se desdobrava no desejo de sistematização de práticas de alfabetização. Ampliar
repertório, compreender o que se passava nas salas de aula e desenvolver práticas de
formação que contribuíssem, não somente para o planejamento das situações didáticas, mas
para que os professores se reconhecessem como usuários da língua, compartilhando o
significado desse reconhecimento com seus alunos, estavam entre as minhas perspectivas.
14 Professora, educadora musical, Mestre em Educação pela PUC Campinas e membro do GEPEC como pesquisadora convidada.
11
No entanto, as bases metodológicas do curso, valorizando a experiência da intervenção
didática como recurso de formação, impuseram a mim uma outra expectativa de
aprendizagem – a necessidade de interlocução com um professor experiente. Assim,
estagiar numa sala de 1ª série, com a Professora Rosa Maria Antunes de Barros, foi uma
das maiores oportunidades de formação que o meu percurso de coordenadora pode
constelar, e o que se desdobrou desse processo, como aprendizagem, superou todas as
expectativas que eu havia formulado para o meu aproveitamento dos estudos. Para além
das instâncias de um campo hipotético ou da observação passiva, fui convidada a interagir
com a vida pulsante das crianças e da professora em situações de aprendizagem para todos.
Em meus registros enfatizo: a gestão super democrática na sala de aula, levada com a maior
responsabilidade e compromisso pela Professora Rosa, não é jargão político, nem discurso
pedagógico. É uma realidade documentada de modo sistemático e apaixonante, tanto pela
professora quanto pelas crianças, nas suas diferentes possibilidades de fazê-lo. A história
que ali se constrói está registrada em cada caderno, diário ou painel, na estante de livros, nas
imagens fotográficas, nos desenhos e nas perguntas das crianças, nas produções coletivas e
na poesia concreta da coreografia das carteiras que se movem na intenção de ajustar o
espaço, às diferentes possibilidades de produtivas relações interpessoais. Nas cartas e mais
cartas comunicando e incluindo os pais nessa história.
Ter vivido essa experiência, propondo-me a conhecer e interagir, nas dobras do cotidiano
da sala de aula, com os processos de ensino e de aprendizagem da língua, tendo como fonte
o diálogo, a comunicação, a fruição de suas potencialidades e o reconhecimento da sua
função social, nas intervenções e interações propostas e mediadas pela professora, tornou-
se uma referência fundamental. Sem sombra de dúvida, a vida que pulsava nessas
interações, potencializou minha formação como coordenadora pedagógica, conduzindo-me
a novas posturas para as entradas em sala de aula e para a interlocução com outros
professores.
Ester Broner15
Certamente nada supera a riqueza da experiência de conviver assim com um profissional talentoso e
aberto ao diálogo sobre o seu próprio trabalho. Mas quando essa não é uma possibilidade concreta,
os recursos tecnológicos de documentação – que pouca utilidade possuem se não tiverem bom uso –
funcionam como a via de acesso às práticas desses profissionais.
Adentrar a sala de aula do outro ainda é constrangedor em nosso meio, pois muitas vezes
nos sentimos como invasores ou mesmo espiões da prática alheia, chegando a ser
desconfortável tanto para o professor da sala como para o colega que ali se insere.
Ao assistir os programas vídeos do PROFA, onde professores alfabetizadores abrem as suas
salas de aula para a observação e a filmagem, muitas questões me foram esclarecidas,
inclusive o constrangimento foi vencido e hoje é com muito prazer que aceito a inserção de
outros profissionais em minha sala de aula.
O PROFA oferece um consistente referencial teórico para nós, professores alfabetizadores,
entretanto, sempre surgem dúvidas de como colocá-lo em prática em nosso cotidiano. E a
partir das situações didáticas observadas nos vídeos – com as professoras compartilhando
como são planejadas e realizadas as propostas, quais seus objetivos, quais as intervenções e
os resultados obtidos – vamos tomando ciência de como transformar o conhecimento
15 Professora, coordenadora pedagógica, Mestranda em Educação na Faculdade de Educação da Unicamp.
12
teórico em favor do trabalho com as crianças e vamos também constatando o quanto já
fazemos isso e às vezes nem nos damos conta...
Ítala N. Tomei Rizzo16
Sabemos, já não é de hoje, que a aprendizagem não se dá por imitação fiel de um modelo
‘supostamente’ correto. As aprendizagens – e, portanto, as experiências formativas – são fruto de
uma construção pessoal. A competência profissional não decorre naturalmente da observação de
parceiros mais experientes, talentosos, capazes. Mas a observação ativa de práticas exemplares é um
dispositivo poderoso de formação em qualquer área de atuação. Esse é um direito de todo aprendiz:
se, por um lado, a imitação não garante a aprendizagem, por outro não se pode prescindir de
modelos de referência para aprender. Para fazer igual? Não. Nem seria possível. Para os modelos
serem recriados, transformados, superados.
A tematização da prática pedagógica é hoje uma estratégia metodológica reconhecida como
fundamental para a formação docente e, pela dificuldade dos professores estagiarem em salas de
aula com trabalhos exemplares, a gravação permite ‘trazê-las’ até eles. Acaba sendo, se não a
situação ideal, uma boa alternativa: quando os professores não podem ir até às práticas de
qualidade, elas vêm, filmadas, até eles.
Nos modelos tradicionais de formação, geralmente esse tipo de registro da prática é tão somente
uma ilustração do que está em pauta, um recurso a mais para informar ou para sistematizar o que é
trabalhado – e, em alguns casos, ‘ocupa o lugar’ do coordenador do grupo, que usa o dvd ou o vídeo
como aula, e não como complemento. Há uma tendência muito acentuada de valorizar os chamados
recursos audiovisuais como complementos necessários pelo seu suposto valor em si mesmos – um
bom trabalho, uma boa apresentação teria de contar com alguma parafernália multimídia... Na
verdade, o recurso por si mesmo pouco contribui: o que conta é o uso que dele se faz para
potencializar o tratamento dos conteúdos que se pretende abordar.
Entretanto, quando a proposta de formação se orienta por metodologias que privilegiam a
discussão/resolução de situações-problema, esse tipo de documentação tem outras funções além de
simplesmente comunicar informações: a principal delas é desencadear a reflexão sobre a prática
pedagógica.
A documentação de propostas de sala de aula pode ainda favorecer atividades de simulação, que são
imprescindíveis no trabalho de formação docente. As simulações são situações que pressupõem o
difícil exercício de, tanto quanto possível, se colocar ‘no lugar do outro’, experimentar ‘o papel do
outro’. Em um grupo de educadores, o ‘outro’ pode ser o aluno, o professor, o formador... Estas são
atividades privilegiadas de formação, porque acionam o conhecimento e as representações que os
profissionais de fato possuem, ao ter de realizar uma dada tarefa ou resolver uma determinada
situação-problema. Nesse momento, o que conta não é a capacidade de verbalizar o que se sabe
sobre os objetivos, as concepções de base e os princípios teóricos gerais: as simulações exigem a
explicitação do conhecimento real que se tem, e não o uso de habilidades verbais para organizar o
discurso teórico.
Evidentemente, uma situação de simulação não é uma atividade de ‘dinâmica de grupo’, nem de
dramatização no sentido mais convencional: a simulação é uma situação-problema que, conforme
sugere Ana Teberosky (1997), constitui ao mesmo tempo uma possibilidade de pôr à prova os
conhecimentos disponíveis e aprender sobre o que pensa e faz aquele a quem se procura imitar para
cumprir a tarefa proposta.
16 Professora alfabetizadora na Rede Municipal de Campinas, Mestranda em Educação na Faculdade de Educação da UNICAMP e
membro do GEPEC.
13
Comentando especialmente o exercício de ‘tentar se colocar no lugar de aluno’, quando é essa a
proposta, Ana Teberosky defende que:
Além de estimular a observação, esse tipo de exercício ajuda a reconstruir o trabalho
efetuado pelo outro, o que constitui uma prova de adequação de nossa representação ou
teoria sobre os conhecimentos dos alunos. A representação dos professores sobre os
conhecimentos que os alunos possuem, ou não, exerce poderosa influência sobre sua
prática pedagógica. (…) Quando dizemos ‘representação’, estamos utilizando o sentido (…)
que equivale à representação mental. Para imitar o comportamento do outro, é preciso ter
uma representação mental desse comportamento, isto é, um conjunto de idéias mais ou
menos confirmáveis, e com um grau variável de generalidade e precisão. Significa ter uma
espécie de teoria atribuível ao outro. (1997, p. 22)
Essas modalidades de formação que permitem aos educadores se adentrarem pela prática do outro,
seja para pensar sobre ela, seja – pela prerrogativa do ‘E se...’ – para simular papéis, são
fundamentais no processo de desenvolvimento profissional e na produção de conhecimento sobre a
docência.
Processos de formação em grupos ou pares
Pertencer a um grupo, a um projeto, a uma instituição de que se gosta de verdade é imprescindível
para qualquer profissional e as pessoas que se constituem em referência para as outras têm uma
importância formativa muito grande. Um grupo representa um contexto favorável para a
aprendizagem e pode contribuir para o desenvolvimento pessoal e profissional de seus membros
quando há interesses compartilhados, respeito real pelo outro, aceitação das diferenças,
solidariedade em atos, acolhimento, escuta, crença na possibilidade da construção coletiva de
conhecimento, convicção de que ali se encontrarão respostas ainda que parciais para as
necessidades, dúvidas e questões que inquietam – e, se possível, é ainda melhor quando há afeto
real, manifesto em atitudes e gestos. E um grupo contribui pouco para o crescimento e a autonomia
de seus membros quando tenta ‘pasteurizar’ as singularidades, as individualidades, e sugerir uma
unidade de pensamento, um consenso, um posicionamento coletivo que não é real.
As quatro histórias que se seguem são testemunhos ‘do quanto pode’ um contexto favorável. A
primeira delas sobre um grupo de estudos ‘independente’ e as três seguintes sobre experiências
vividas em nosso grupo de pesquisa na Faculdade de Educação da Unicamp, o GEPEC.
Ao assumir a função de coordenadora pedagógica do Ensino Fundamental, iniciei um
grupo de estudos com a professora Cleide Terzi, que havia sido minha professora na PUC
de São Paulo, tornando-se, a partir de então, uma grande referência profissional para mim.
Participavam desse grupo profissionais que atuavam em escolas e em outras instituições
educacionais.
Os temas de estudo eram eleitos, estudados e discutidos pelos integrantes do grupo, de
acordo com as necessidades e/ou premências do nosso cotidiano de trabalho ou de acordo
com os incômodos/provocações que se faziam presentes nos momentos de reflexão.
Os diferentes olhares, leituras e interpretações (algumas dúvidas e angústias também!) para
as questões de nossa prática ampliavam significativamente as possibilidades de
compreensão dos nossos contextos de trabalho. As análises realizadas com um olhar mais
distanciado das situações, complementadas pelas experiências de outros, confrontadas com
14
as leituras e estudos sobre as questões em pauta, contribuíam para a reflexão sobre nossas
concepções/ações, sobre a cultura da escola, sobre o contexto mais amplo de nossas
práticas.
Mônica Matie Fujikawa17
O que vemos nessa narrativa e nas que se seguem é a afirmação de que, a depender de como
funciona, um grupo de estudo-pesquisa é um espaço de constituição de relações interpessoais
produtivas, solidárias e de parceria; de construção e/ou fortalecimento de uma cultura de
colaboração, amizade, trabalho coletivo e compromisso com resultados; de legitimação de ações
instituintes, que possam contribuir para o desenvolvimento da autonomia intelectual de todos...
O GEPEC é constituído por um grupo de pesquisadores que tem um olhar diferenciado e
sensível para as questões ligadas à formação de professores. Como participante desse
grupo, na condição de doutoranda, passei a refletir radicalmente sobre minha constituição
profissional. Deixei de agir quase que só para atender às demandas e passei a extrair muito
mais sentido das experiências vividas e das que estavam ainda por vir. Talvez influenciada
pelo pensamento de filósofos dos quais me aproximei, como Bakthin, Larrosa e Nietzsche,
que me estimularam a realizar vôos livres, menos preocupada com a possibilidade de cair
no precipício. Talvez pelos questionamentos que foram surgindo, que tomaram forma na
figura dos colegas que funcionam como leitores críticos e parceiros no trabalho da
investigação. Talvez pela ação do orientador, curiosamente desconfiado de nossas
verdades, desestabilizando nossas convicções com indagações que por vezes eu não
compreendia muito bem, mas que eram formuladas justamente para me fazer pensar. Talvez
pelo exercício de um tipo de questionamento bem diferente do que protagonizamos aos
quinze, dezoito ou vinte e poucos anos – questionamentos agora feitos num momento onde
se colecionam verdades menos absolutas e mais relativas, verdades ‘prenhes de sentidos’.
Certamente por tudo isso...
Nunca um processo de formação foi tão desestabilizador como o que vivi no GEPEC, pois
havia desacostumado de tentar me ‘descobrir’, de retirar de mim os véus que escondem as
fragilidades, incertezas, equívocos... Houve momentos que me senti desnuda (ou quase) e,
apesar de me encontrar entre pessoas acolhedoras, essa condição é complexamente
desafiadora, mesmo quando a aceitamos como necessária, pelo menos por um tempo!
Hoje estou certa de que grupos de pesquisa como o GEPEC, vêm se ampliando na
comunidade acadêmica. Também em outros lugares há pesquisadores que desenvolvem
processos formativos e investigativos, defendendo a narrativa como gênero discursivo
privilegiado para os educadores escreverem suas histórias e comunicarem os seus saberes e
conhecimentos. Também em outros lugares há pesquisadores que se posicionam a favor de
abordagens metodológicas que pressupõem um sujeito protagonista de seu percurso de
formação e dos diálogos que estabelece sobre sua atuação profissional. Também em outros
lugares há pesquisadores que começam a olhar de verdade para os professores, começam a
enxergá-los não sob a ótica por vezes predominante no mundo acadêmico – que divide,
separa e classifica, na tentativa de explicar os objetos de pesquisa – mas com olhos capazes
de se aproximar daquilo que não é o previsto, o esperado, portanto, que não se traduz de
uma forma reducionista, mas, ao contrário, chama à complexidade para dar conta da
grandeza e diversidade do que é ser professor.
Eliane Greice Davanço Nogueira18
17 Professora, coordenadora pedagógica, formadora de professores, Mestre em Educação pela Unimep de São Paulo. 18 Professora da UEMS, Doutora em Educação pela Unicamp, membro do GEPEC e assessora educacional.
15
Em um ambiente árido e revestido de argamassa, como por vezes é a Universidade, esses oásis de
convívio solidário certamente são um alento não só para os que deles desfrutam, mas também para
os que desejam para si uma experiência assim e para os que se interessam em compreender a
potencialidade dos grupos. No caso do ‘Grupo de Terça’, explicado no relato abaixo, há ainda a
vantagem de ser um espaço aberto.
Diferentemente de muitos grupos de pesquisa institucionalizados, o GEPEC abriga em seu
interior, além dos pesquisadores vinculados ao Programa de Pós-Graduação, uma outra
modalidade de membros que também se reúne com os professores e pesquisadores
acadêmicos. É carinhosamente chamado de ‘Grupo de Terça’. Esse coletivo compõe-se de
educadores e educadoras da rede pública e privada de Campinas e de outras cidades da
região que exercem funções variadas no âmbito das redes de ensino. Promove reuniões às
terças-feiras, com periodicidade quinzenal. A sua característica principal é a abertura
democrática à participação de qualquer educador ou educadora que sinta o desejo de dele
se tornar membro e responsabilizar-se pela produção e gestão do próprio grupo. Assim, não
há vínculo institucional e sim de solidário compromisso de manutenção de um espaço intra-
universitário de debate e de produção do conhecimento.
Os temas e questões estudados são escolhidos consensualmente, em geral nos primeiros
encontros do ano, após um período durante o qual são apresentadas as principais
dificuldades, angústias, questionamentos vivenciados pelos educadores nos seus locais de
trabalho. As experiências exitosas também são compartilhadas. Após essa investigação
preliminar do ‘universo’ vivido pelos membros do grupo são feitas as primeiras sugestões
de leituras e trocas de experiências. Um intenso debate virtual se pereniza através da lista
de ‘e-mail’ e nos encontros quinzenais são apresentadas as reflexões trazidas após as
leituras, estudos e conversas com colegas de trabalho, assim como as propostas de
superações, as novas abordagens experimentadas ou apenas ensaiadas e, nesse contexto, as
possíveis elaborações teóricas coletivas começam a ser produzidas pelo grupo.
Ana Maria de Campos19
Como se vê, as modalidades de formação se fazem de fato formativas quando engrandecem de
algum modo os sujeitos a quem se destinam, quando acrescentam em conhecimento, em saberes,
em sabedoria; quando trazem respostas para suas inquietações; quando remetem a inquietações
outras. Em qualquer situação o que está em jogo é sempre a possibilidade de responder ou mobilizar
uma necessidade.
A última história desse breve tempo não é de um grupo, como as anteriores, mas sim de uma
parceria em dupla: professora-orientadora e aluna-pesquisadora.
Ao buscar representar a relação orientanda/pesquisa/orientadora20
construída,
desconstruída e reconstruída durante todo o percurso do mestrado, a imagem que me vem
mais fortemente é a de ‘crianças aprendendo a brincar’. É evidente que esta se constitui
numa afirmação pra lá de esquisita e entendo, inclusive, que corro o grave risco de ser
equivocadamente interpretada por alguns que, entre expressões de susto e contrariedade,
bradariam: ‘Orientadora é para orientar, para dizer o que deve ser feito e como deve ser
feito! Orientar não é brincadeira!’. Antes que me julguem como alguém que,
ensandecidamente estaria desqualificando importante instância do meio
acadêmico/científico, coloco-me em inteira concordância com os que partilham da
19 Professora, Mestranda em Educação pela PUC de Campinas, membro do GEPEC e do Grupo de Terça. 20 Professora Ana Maria Falcão de Aragão Sadalla.
16
seriedade e da responsabilidade que esse processo demanda, obrigando-me, entretanto, a
defender que ‘brincadeira é coisa séria’.
É esta a imagem mais legítima que construo ao rememorar as inúmeras conversas
entabuladas nas reuniões de orientação quando eu, orientanda desorientada, não sabia por
onde ir, quando eu não conseguia sair de onde estava e quando, não raras vezes, eu
pensava em desistir... (não quero brincar mais disso!!!!). Nestas ocasiões, ela, a
orientadora, não me dizia o que fazer: tomava emprestadas todas as minhas dúvidas e
angústias, e, como se fossem dela, com elas brincava e assim ia me convencendo de que a
universidade não é somente para alguns, de que construir conhecimento é possível quando
se acredita na capacidade de diálogo e que a escrita é instrumento poderoso que
impulsiona e sustenta o movimento conjunto de aprender/ensinar/aprender.
Discorrer sobre a orientação ‘recebida’ durante o mestrado seguramente me remete na
contramão da idéia de prescrição como foco central da formação. Formar/se formar,
orientar/se orientar/construir orientação exige muito mais que prescrição: pressupõe ética
para respeitar o ritmo, demanda esforço para acertar o passo, requer determinação para
buscar o compasso. Do outro e de si próprio. Carece do desejo de que o outro aprenda para
poder brincar junto.
Adriana Stella Pierini21
Para produzir conhecimento, para inventar inéditos viáveis na educação, como tanto desejava Paulo
Freire, é essencial a liberdade de ousar e essa ajuda efetiva dos companheiros de percurso. Quando
isso ocorre, quando a proposta é aprender e produzir junto, a fronteira entre o que é individual e o
que é coletivo torna-se muito tênue. O que de fato é fruto da interlocução com o outro ou de uma
reflexão própria, pessoal? No final das contas, não importa...
Processos de formação centrados na escola
Neste bloco, trataremos de algumas modalidades formativas que têm lugar na unidade escolar:
orientação e acompanhamento pedagógico da equipe de professores e parceria Universidade-Escola.
Estar em sala de aula muitas vezes causa a sensação de isolamento, parece que estamos
ilhados, vêm à impressão que as exigências são tantas e os programas são tão pesados que
não dá tempo de se dedicar a outra coisa. Em contrapartida os questionamentos sobre a
prática pedagógica são uma constante. Nossas decisões na sala de aula são influenciadas
por crenças, valores, ideologias, rotinas, estilo pedagógico, reações pessoais...
Por isso, o papel da coordenadora pedagógica da escola onde trabalho tem sido
fundamental para a nossa equipe, auxiliando-nos na superação de resistências ao trabalho
coletivo, explorando nossas singularidades, incentivando a cooperação profissional, as
parcerias, o diálogo, o debate, a reflexão, o estudo. Além disso, há o apoio ao registro do
trabalho e a valorização dos saberes provenientes de nossa prática, o que tem sido
essencial para todos nós.
Márcia Alexandra Leardine22
21 Professora universitária, Orientadora pedagógica da Secretaria Municipal de Educação de Campinas, Mestre em Educação pela Unicamp e membro do GEPEC. 22 Pedagoga, pós-graduada em Psicopedagogia, Professora das séries iniciais no Colégio Pio XII, em Campinas/SP e membro do
GEPEC.
17
Se este primeiro relato é feito por uma professora que destaca a importância do trabalho de
formação e orientação pedagógica, realizado pela coordenadora de sua escola, o segundo é feito por
uma profissional que inicialmente foi professora e depois passou a coordenadora na mesma
instituição. A importância desse tipo de interlocução e o privilégio de poder se inspirar em um
modelo de referência, quando é preciso assumir pela primeira vez um novo papel profissional, são
os temas principais de sua narrativa.
Minhas primeiras experiências como professora na Educação Infantil foram como auxiliar
e as colegas com as quais convivi constituíram-se como presenças significativas no meu
processo de formação. Como professora auxiliar, não tinha tanta ‘responsabilidade’ em
relação à preparação da rotina e funcionava como uma coadjuvante no encaminhamento
das propostas e cuidado com as crianças.
Depois de um ano e meio como auxiliar, assumi minha primeira classe de Maternal.
Embora já tivesse a experiência anterior, a mistura de alegria, expectativa e apreensão
derivava na pergunta inevitável: O que é que eu faço agora? No ano seguinte outra classe –
Jardim I – e a mesma pergunta: O que é que eu faço agora? Depois a 3ª e 4ª séries: O que é
que eu faço agora? Na 1ª série: O que é que eu faço agora? Assumi a coordenação
pedagógica: O que é que eu faço agora?
‘O que é que eu faço agora?’ foi sempre a pergunta instigadora diante do enfrentamento do
novo e que me mobilizava a buscar e construir jeitos de fazer e pensar sobre o meu
trabalho. As dúvidas maiores sempre eram as relacionadas aos conteúdos, isto é, ao como
ensinar. Pude sempre contar com as parceiras mais experientes da escola e com as reuniões
pedagógicas, mas o que mais me ajudou na construção de significados, na superação das
dificuldades e aprendizagem de coisas que eu não sabia foram os encontros de orientação
individual com as coordenadoras.
A relação com as duas coordenadoras que tive nessa época, além de respeitosas e
afetuosas, foram pontuadas pela escuta e pela confiança antecipada. Não tinha problema
não saber e perguntar: O que é que eu faço agora? Não saber era absolutamente possível e
humano. Eu não precisava esconder nada e podia perguntar. Elas me ajudavam na
compreensão dos conceitos, no encadeamento das propostas, na seleção de atividades mais
relevantes. Esse modelo de coordenação eu incorporei, inclusive, na minha própria prática
como coordenadora: rascunhar os conceitos e atividades com as professoras (estudar
junto); registrar num caderno específico as dúvidas, combinados, coisas a providenciar,
contatos a fazer com/para cada professora; organizar as informações sobre cada criança.
O que eu aprendi de mais significativo sobre Alfabetização também foi no contexto das
supervisões com as coordenadoras e assessoras externas, que obedeciam a essa mesma
postura de escuta e consideração positiva. Idem para atendimento e orientação familiar. O
mesmo para a aprendizagem da Língua Inglesa e para o ensino da Geografia. Aprendi com
as minhas coordenadoras e com esses assessores ‘fazendo junto’: perguntando, registrando,
estudando, criando roteiros, desenvolvendo problemas, produzindo material didático.
Aprendi a ser coordenadora assim: não espero, necessariamente, que os professores saibam
o que fazer diante de uma série com a qual eles nunca trabalharam. Eu compartilho o que
sei e o que não sei eu vou perguntar para quem sabe: O que é que eu faço agora? Tem sido
sempre assim. Renata Barrichelo Cunha
23
23 Professora da Unesp de Rio Claro, pedagoga, Doutora em Educação pela Unicamp e membro do GEPEC.
18
A capacidade de inspirar confiança e de exercer uma liderança construtiva, de parceiro mais
experiente em certos domínios (características das pessoas que tomamos como referência na vida),
aliada ao empenho efetivo na construção do coletivo, como se vê, é o que pode favorecer a
constituição de grupos realmente formativos e de uma cultura de aprendizagem em colaboração.
Profissionais com esse perfil são potencialmente bons modelos de referência.
Às vezes, os processos de formação são intencionalmente apoiados na observação de profissionais
com características desse tipo, como nos casos relatados no tópico anterior – seja na situação de
estágio ou de análise de práticas documentadas em dvd/vídeo. Mas às vezes só é possível nos
darmos conta do quanto alguns colegas de trabalho marcaram nossa identidade profissional quando,
mais adiante, temos que assumir uma função semelhante à deles.
O texto abaixo conta a experiência de uma profissional que conseguiu se fazer referência e
contribuir para a constituição de uma cultura de aprendizagem coletiva na escola, a partir de uma
medida pouco simpática e que tende a causar fortes resistências: o cumprimento de um horário de
trabalho coletivo que não se fazia...
Quando, ao final de 2005, assumi a Coordenação de Ensino na escola, o trabalho de
formação não estava acontecendo como deveria. Juntamente com a pessoa da Equipe de
Acompanhamento da Secretaria de Educação, responsável por nossa escola, conversarmos
com os professores sobre a necessidade de efetivar os grupos de estudos. Houve uma
grande resistência por parte de alguns colegas, pois permanecer após o horário de trabalho
para estudar parecia algo impossível. Esse foi apenas o inicio da batalha. Os professores se
chatearam muito com a ‘cobrança’ talvez por acreditar que estávamos querendo mudar a
ordem das coisas ou, em outras palavras, a rotina deles.
Foi difícil! A meta era efetivar os grupos de estudos semanais. Embora tivesse ficado claro
que era necessário participar das reuniões, pois haveria lista de presença e relatórios de
participação, achei importante ‘seduzi-los’. Passei a fazer isso de várias formas: deixava
propositalmente material da formação sobre minha mesa para que desejassem ler;
comentava o quanto havia sido interessante o trabalho de formação do qual eu tinha
participado na Secretaria da Educação; apresentava algumas sugestões de atividades e
dizia que o restante eles estariam vendo nas reuniões; durante a semana, entregava
bilhetinhos do tipo ‘Amanhã nosso encontro vai ser muito interessante. Vamos estudar tudo
sobre HQ. Não perca’; passei fazer as reuniões no mesmo dia em dois horários diferentes,
deixando que os professores escolhessem o horário mais conveniente, independente do
turno de trabalho, uma vez que a pauta era a mesma.
Resultado: Deu certo! A freqüência dos professores era sempre superior a 90%. Eles
perceberam que o que se discutia era interessante, prático e possível de realizar. Fazíamos
não só análise de atividades didáticas, mas também simulações, o que favorecia a
compreensão das propostas. Eles passaram a se divertir nos encontros. Com o tempo,
conseguimos até mesmo realizar encontrões nos feriados, onde passávamos o dia todo
juntos, e até mesmo almoçávamos na própria escola. Ainda há muito a avançar, mas essas
conquistas foram bem significativas, principalmente porque a aprendizagem das crianças
melhorou muito nos últimos anos. O fato é que não fazíamos mais para melhorar a
qualidade do nosso ensino por falta de conhecimento de como agir em cada situação.
Agora integro a equipe de ensino da Secretaria de Educação e, pessoalmente, não poderei
dar continuidades a esse trabalho, mas sei que, com certeza outros darão.
Gleicicleia Gonçalves de Souza Dias24
24 Professora da Rede Municipal de Rio Branco-AC, pedagoga, coordenadora pedagógica, pós-graduada em Psicopedagogia.
19
Sem dúvida a persistência e a firmeza de propósitos são ingredientes fundamentais para produzir as
transformações que se considera necessárias em ambientes pouco favoráveis à aprendizagem. Não
há como mudar uma cultura estabelecida, que regula o funcionamento institucional e as relações
profissionais com o discurso do ‘assim devemos ser’. É preciso criar dispositivos, mobilizar a
necessidade e o desejo, reconfigurar o jogo. Não tem como ser diferente...
E agora uma última história, mas nem por isso menos instigante. Muito pelo contrário. Até porque
trata de uma questão que nos é muito cara: a relação Universidade-Escola. Aqui, um relacionamento
que deu certo. Uma experiência singular. Uma esperança de que as coisas podem ser de outro
modo. Melhor para todos.
Cheguei à EMEF Padre Francisco, em 2003, com uma proposta de parceria entre a
universidade e a escola. Meu objetivo era contribuir com as discussões, conversando a
partir dos problemas e dilemas apontados pelo corpo docente e pela equipe de gestão,
buscando soluções conjuntas, refletidas coletivamente.
Ao longo destes anos, temos percebido que o investimento que os professores vêm fazendo
no seu processo pessoal de aprendizagem, como aprendizes e estudantes nos diversos
grupos de trabalho da escola, teve uma implicação direta no processo de aprendizagem de
seus alunos. Isto também aconteceu comigo: uma psicóloga, formada há mais de vinte anos,
mas que poderia ter meu processo de desenvolvimento profissional e pessoal promovido
na/com a escola, provocando mudanças na minha prática também como docente da
universidade. Estou e sou profundamente implicada nas transformações que foram lá
acontecendo. Não só o processo de reflexividade dos professores mas também o meu foi se
ampliando, porque me sinto parte integrante da escola, do seu grupo de pessoas, que se
emociona, se sensibiliza, se angustia, se desespera, mas, principalmente, se orgulha de
perceber o movimento de transformação pelo qual todos fomos passando.
Assim, a parceria inicialmente sonhada foi sendo (co)instituída: universidade e escola
buscando soluções conjuntas. Não precisava ter (de antemão) as respostas aos dilemas dos
professores, bastava que refletíssemos acerca deles. Penso que é fundamental que possamos
ouvir o que a escola e a experiência dos docentes nos revelam. Sem dúvida, é muito mais
fácil (ou menos difícil) começar um trabalho compartilhado quando é isso o que todos
esperam e desejam. Mas isso também não é garantia de que as condições institucionais
serão favoráveis. De início, não sabíamos que chegaríamos ao ponto de transformação a
que chegamos: sem possibilidades de retrocesso. O que nos fundamentava era a certeza de
que, se não houver a tão propalada parceria nos processos de planejamento e tomadas de
decisão, nada será efetivamente consolidado. Atualmente, percebemos que o discurso e as
ações dos professores foram radicalmente alterados. Os meus também. Hoje, nos diferentes
espaços de discussão, mais ou menos formais, há uma grande preocupação com ações
prospectivas, na direção dos objetivos que se deseja alcançar.
A princípio – agora compreendo – eu tentava sempre ensinar algo aos professores, como se
estivesse lecionando, dando um curso, uma aula. Aos poucos isso foi mudando: tanto os
debates quanto o meu parceiro da universidade no projeto foram me mostrando que, mais
do que a narrativa e o discurso, deveria haver uma ação compromissada com o
desenvolvimento profissional e pessoal dos professores. Isso fez toda a diferença!
Ana Maria Falcão de Aragão Sadalla25
25 Psicóloga com mestrado, doutorado e pós-doutorado em Educação, Professora do Departamento de Psicologia Educacional da
Faculdade de Educação da Unicamp, pesquisadora na EMEF Padre Francisco Silva e membro do GEPEC.
20
Como já defendemos anteriormente (SOLIGO, 2007), é recomendável não esquecer que a natureza
do trabalho dos profissionais da educação pressupõe necessariamente o desenvolvimento de
atitudes, valores e procedimentos adequados ao desempenho de suas funções e essas não são
conquistas que se obtém apenas estudando. Procedimentos se aprendem pela experiência e (melhor
que seja) com ajuda. Atitudes e valores se aprendem participando de situações, contextos e
ambientes em que estes são imperativos consensuais, naturalizados pela importância que têm – ou
seja, predominam e regulam as ações e relações estabelecidas, ainda que nem sempre tenham sido
discutidos explicitamente. Estudar, pesquisar, discutir questões teóricas devem estar, acima de tudo,
a serviço de uma prática de melhor qualidade. Também por isso é recomendável que as propostas
de formação tomem de fato os profissionais da educação como sujeitos e protagonistas de seu
processo formativo e se pautem principalmente na tematização da prática, na reflexão sobre
situações-problema reais e/ou simuladas, em propostas que possibilitem a constituição de contextos
favoráveis para o desenvolvimento pessoal-profissional. E por isso tudo é recomendável que se
considere a formação centrada na escola como uma modalidade privilegiada para os educadores,
por razões que estas histórias (bem-sucedidas) evidenciam.
CUNHA (2006) nos brinda com uma bonita formulação teórica que justifica essa escolha:
A formação centrada na escola, como estratégia formativa, é, basicamente, composta por
três elementos principais: por fazer coincidir o trabalho/formação no
espaço/tempo/pessoas, ou seja, fazer com que o exercício do trabalho permita aprender a
aprender com a experiência, instituindo um processo de aprendizagem permanente; por
organizar a formação sob a forma de projetos de ação para responder aos problemas
identificados em contexto; e por abandonar a idéia de transferência da formação segundo
uma lógica de aplicação, instrumentalização, escolarizada.
A escola, nessa perspectiva, se transforma numa comunidade profissional de aprendizagem,
marcada por uma cultura colaborativa. A ênfase da formação deixa de ser o professor
individualmente e passa a ser a formação de equipes (p.223-224).
Sem dúvida, as modalidades de formação que têm lugar em outros espaços que não a escola – no
âmbito da Secretaria de Educação, das Universidades e demais instituições, inclusive no âmbito
privado, das escolhas pessoais relacionadas às modalidades de autoformação – são importantes e
necessárias. Mas não há como negar que, em se tratando dos educadores, os processos de formação
centrada na escola, quando de fato acontecem como tal, tem uma potencialidade ímpar – inclusive
para os profissionais que se integram à comunidade escolar em projetos de parceria como este
tratado no último relato.
Concordamos inteiramente com CANÁRIO (2000) que os contextos de trabalho têm uma potência
formativa que não pode ser desconsiderada; que para fazê-la realidade é preciso que os educadores
tomem a prática que tem lugar na escola (a sua própria, inclusive) como objeto de reflexão e
pesquisa; que para tanto há que se criar condições favoráveis para que os profissionais transformem
as experiências em aprendizagens; que a dimensão coletiva e interacional é o que amplia a
possibilidade de formação dos sujeitos na escola; que, para todos nós, a aprendizagem coincide com
o processo de autoconstrução como pessoa ao longo da vida.
Essa concepção pressupõe como formativas as situações em que se articulam o conhecimento
profissional e a reflexão sobre a prática para, com os pares, responder a desafios e problemas
colocados no contexto do trabalho – o que demanda, evidentemente, criar as condições para que
esse processo aconteça.
21
Porque escrever é fazer história.
Pretendíamos, desde o início, defender a narrativa autobiográfica como espaço privilegiado de
reflexão e aprendizagem sobre si e sobre a própria formação e, portanto, como exercício meta-
reflexivo de grande importância. Por essa razão, optamos por um formato pouco convencional para
o texto: uma narrativa pedagógica tecida a partir de outras tantas narrativas, onde estas não são
meras ilustrações decorativas do cenário, mas, ao contrário, constituem a ‘alma’ da história, se é
que podemos falar assim. Nesse sentido, assumimos o desafio de tecer o texto à moda de um
patchwork – não uma colcha de retalhos costurados ao acaso, mas sim um trabalho de composição
cuidadosa, a partir de composições outras.
Marília Amorim (2002) afirma que é impossível restituir, em nossos textos, o sentido originário das
citações que utilizamos, porque o texto se constitui sempre como um novo contexto... Lembra-nos
que, do ponto de vista bakhtiniano – tomado por ela (e por nós) como referência – o sentido original
não existe, pois tudo que é dito é dito a alguém e deste alguém dependem a forma e o conteúdo do
que é dito. E acrescenta ainda que a voz do autor pode ser ouvida no ponto crucial de encontro entre
a forma e o conteúdo do texto e que, quando se analisa um texto e se consegue identificar a relação
necessária entre o que é dito e o como se diz, é possível acreditar que se encontrou a instância do
autor.
Nosso desejo é que este texto dê a ver (e um pouco a saber) a instância dos autores de todas as
histórias, que afirmam, em palavras solidárias, o quanto são importantes as iniciativas (aqui
chamadas ‘modalidades de formação’) para, tal como o formulou Crozier, ajudar o Homem a
mudar a si próprio.
Nosso desejo é também que este texto dê a ver (e muito a saber) o quanto a afirmação das narrativas
pedagógicas como textos legítimos para os educadores registrarem os seus dizeres é uma forma de
resistência à hegemonia de certos gêneros discursivos de mais prestígio. O que são essas narrativas?
Textos escritos por profissionais que compartilham lições aprendidas a partir da experiência, da
reflexão sobre a própria experiência, da observação da prática dos pares, da discussão coletiva, da
leitura, do estudo, da pesquisa. São memoriais, novelas de formação, cartas pedagógicas, crônicas
do cotidiano, depoimentos, diários, relatos de experiência e de pesquisa... textos como os que dão
alma a este texto.
Podemos considerar narrativa pedagógica todo relato que se deixa ler enquanto que inclui a
possibilidade de que se derive um ensinamento de sua leitura. É claro que existem narrativas
cujas marcas pedagógicas são mais enfáticas. E também existem narrativas que ninguém
diria que são narrativas pedagógicas, mas que admitem uma leitura em termos de algum
ensinamento de que são portadoras (...). No entanto, se considerarmos ‘ensinamento’
qualquer afirmação geral sobre a existência humana, à qual a obra possa dar lugar, ou
qualquer influência que a obra possa exercer sobre o leitor, toda narrativa poderia ser
pedagógica, sem prejuízo de suas outras dimensões. E, seguindo essa via, poderíamos
chegar à conclusão de que o caráter pedagógico de uma narrativa é um efeito de leitura,
dado que todo relato, toda ficção pode-se ler a partir do pressuposto de que contém um
ensinamento. (LARROSA, 2000:129)
Tomamos a liberdade de adaptar esse texto de Larrosa, fazendo uma única substituição de palavra26
,
pois ele diz, melhor do que poderíamos, o que é a dimensão pedagógica a que nos referimos.
Também nessas pequenas contravenções se pode encontrar a instância dos autores...
26
A palavra ‘novela’ foi aqui substituída por ‘narrativa’, uma vez que o sentido não se altera significativamente e a
abordagem do autor coincide com a que defendemos.
22
Bibliografia
AMORIM, M. O Pesquisador e seu outro: Bakhtin nas ciências humanas. São Paulo: Musa, 2001.
CANÁRIO, Rui . Educação de adultos: um campo e uma problemática. Lisboa: EDUCA, 2000.
CANÁRIO, Rui . Formação e situações de trabalho. Porto: Porto Ed. 2003.
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Neto. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
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Superações. 2ª. ed. Campinas, SP: Editora Alínea, 2007.
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perspectivas. São João Del Rei: Editora da Universidade Federal de São João Del Rei, 2007.
RANGEL, Egon de O.. Para não Esquecer: de que se lembrar, na hora de escolher um livro do Guia? –
Livro didático e sala de aula: cômodos de usar. Brasília: MEC/SEF, 2000.
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Porto: Porto Editora, 1993 (Coleção Ciências da Educação).
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SOLIGO, Rosaura. Quem forma quem? – Instituição dos sujeitos. 2007. Dissertação (Mestrado em
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