Que futuro para as Grandes Superficies especializadas?

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Rm-Revismarket - Outubro/Novembro/Dezembro 2011 19 [ Tema de capa ] Que futuro para as grandes superfícies especializadas? José António Rousseau Consultor e Docente Universitário rousseau.com.pt As grandes superfícies especializadas, também designadas na terminologia an- glo-saxónica como “category killers”, como por exemplo, a Staples, a Worten, a Decathlon ou a Fnac, são lojas altamente focadas numa só categoria de produtos e têm sido um dos expoentes do mercado de massas e de produtos de grande consumo. Os seus sortidos profundos, as agressivas políticas comerciais, as suas lojas de grandes dimensões e um grande conhecimento acumulado na gestão das respectivas categorias proporcionaram a estas empresas interessantes vantagens competitivas. Porém, estas até agora vantagens competitivas poderão deixar de o ser começan- do mesmo a gerar efeitos perversos e negativos sobre a operação e os resultados. Acredito que todo o retalho se encontra hoje num ponto de viragem, sendo os formatos especializados aqueles onde se podem percepcionar melhor os sinais da (r)evolução que está a acontecer. De facto, a produtividade das lojas retalhistas não alimentares está em queda desde o início da crise mundial de 2008, tornando imperativas e inevitáveis muitas mu- danças. Aproxima-se no horizonte uma onda gigante cujos efeitos poderão ser devastado- res se nada se fizer. Basta comparar a acentuada redução de vendas e do ROI no retalho clássico que opera com lojas físicas com o crescente e sustentado aumento de vendas realizadas através da Internet. As vendas online têm estado bastante concentradas em poucas categorias mas o seu efeito tem sido devastador nas lojas físicas que lutam cada vez com maiores dificuldades em justificar a alocação de espaço de venda para produtos que se tor- naram improdutivos pela transferência de vendas verificada para o “e-commerce”. Aliás, categorias como a música, o vídeo e os livros só existem hoje com efectivo significado nas lojas virtuais através das quais se realiza a esmagadora maioria das suas vendas. Mas este efeito começa também a sentir-se noutras categorias, como a dos equi- pamentos eléctricos e electrónicos, embora me pareça que a maioria das empresas desta área ainda não esteja a ver bem a fotografia na medida em que, de início e por um lado, as vendas perdidas para a Internet eram pequenas relativamente ao total do seu negócio e, por outro, foram lançando também os seus próprios sites de vendas pensando que esta solução poderia resolver o problema. Contudo, tal como na história da rã que lentamente vai morrendo na água quente sem dar por isso, também só demasiado tarde estas empresas se irão aperceber que os negócios das suas lojas, agora demasiado grandes, começam a ficar in- sustentáveis para os produtos que vendem e mesmo uma robusta recuperação económica não será suficiente para impedir a inevitável reestruturação do seu modelo de negócio. À medida que os consumidores se forem sentindo mais à vontade com as com- pras pela Internet, assim o número de categorias com penetração significativa no “e-commerce” irá igualmente subir. E mesmo nas categorias onde existe um único retalhista significativo como é o caso da Worten nos equipamentos eléctricos e electrónicos ou da Fnac nos livros e discos, o seu modelo de negócio especializado está bastante afectado. E, como que por ironia, a existência de lojas físicas está a ajudar as lojas virtuais na medida em que elas constituem uma excelente montra para os compradores online verem e experimentarem os produtos que depois irão comprar via net. Os retalhistas clássicos têm ainda que competir com a extrema eficiência demons- trada pelo modelo económico do retalho virtual, o qual possui elevados índices de rotação, baixos investimentos e preços de venda ao público com diferenças que podem chegar aos 20%, diferença esta que constitui sem dúvida alguma para os consumidores uma efectiva vantagem não desprezível que os leve a mudar o seu local de compra. Por outro lado, as mudanças nos hábitos de compra acelerarão ainda mais quando as gerações mais jovens se tornarem dominantes em termos de consumo, ou seja, quando estes consumidores de amanhã se sentirem extremamente confortáveis a comprar online categorias de produto que para os seus pais ou avós ainda exigiam uma deslocação à loja. Em síntese, podemos afirmar que tal como as grandes superfícies especializadas foram afastando do mercado as lojas independentes também agora os novos re- talhistas sem loja estão a cavar a sepultura aos formatos de maior dimensão. As vantagens competitivas da Internet e a irresistível atracção dos consumidores por sortidos largos e profundos, preços baixos e uma efectiva conveniência estão a fazer toda a diferença. Mas também é certo que as lojas online não conseguem satisfazer os desejos de con- sumo imediato e de gratificação dos consumidores nem as experiências sensoriais e emocionais proporcionadas pela dramatização e encenação do ambiente de loja. No fundo, tudo dependerá do tipo de produtos ou de categorias, das tecnologias oferecidas aos clientes e da natureza de experiência de consumo que o retalhista consiga proporcionar nas suas lojas. Podemos, contudo, identificar algumas estratégias possíveis para os retalhistas clássicos, nomeadamente, as seguintes: 1. Nada fazer. Esta estratégia baseia-se na suposição que os consumidores não transferirão os seus hábitos de compra para o online. Acredita-se assim que o preço e a conveniência são ainda os únicos aspectos que o consumidor valoriza pelo que nada justificará a sua mudança para a Internet até porque a penetração desta em certas categorias de produtos, como os alimentares, é muito baixa. A insígnia ali- mentar alemã ALDI, para mal dos seus pecados, é a campeã desta estratégia. 2. Definição de um sortido único ou alargar os sortidos para outras categorias de produtos. Criar um sortido diferente, senão mesmo único, que possua apenas produtos não susceptíveis de serem encontrados através de outra via. Esta estraté- gia vai de encontro ao objectivo de fidelização e de impossibilidade de comparação de preços pelo que o casamento entre as lojas físicas e as virtuais pode ser deter- minante e poderoso. O alargamento do sortido visa compensar as perdas nas outras categorias e tornar mais atractivo o sortido tal como a Worten fez com a introdução de livros ou a Barnes & Noble que, ao contrário, acrescentou ao seu sortido online produtos de casa, electrodomésticos, jogos e brinquedos. 3. Apostar num ambiente de showroom. A criação de ambientes de showroom pode ser uma opção válida e determinante do sucesso. Serviço e conveniência serão os elementos-chave desta estratégia. Porém, o risco de oportunidade para fomentar “free-riders” é enorme, uma vez que os consumidores podem facilmente utilizar estes espaços para experimentação e contacto com os produtos e depois efectuar as suas compras, em regra com menos custos, pela via virtual. 4. Locação do espaço de venda. A locação de partes da área de venda pode ser uma oportunidade magnífica para a rentabilização das zonas de lojas mais ociosas ou com menor produtividade. Há muito que as lojas de departamento o fazem e cada vez mais os próprios hipers, veja-se o Carrefour Planet ou a FNAC com os espaços Apple e Microsoft nas suas lojas. Porque não todos os especialistas? Está claramente a iniciar-se um novo ciclo para o retalho. Para conseguir com- petir com os seus concorrentes sem loja, os retalhistas clássicos necessitam de ser ágeis e inteligentes na eliminação das categorias que já não são produtivas ou acrescentam valor e na introdução de novas categorias que as possam aportar. Retalhistas deste mundo, convençam-se de uma vez por todas que nunca existiu, não existe nem nunca existirá qualquer crise! Sempre existiu, existe e sempre exis- tirá mudança. Já há quinhentos anos o dizia Camões. Ainda têm dúvidas? Foto: DR

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Que futuro para as Grandes Superficies especializadas? Opinião de J.A.Rousseau

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[ Tema de capa ]

Rm-Revismarket - Outubro/Novembro/Dezembro 2011 19

[ Tema de capa ]

Que futuro para as grandes superfícies

especializadas?José António Rousseau Consultor e Docente Universitáriorousseau.com.pt

As grandes superfícies especializadas, também designadas na terminologia an-glo-saxónica como “category killers”, como por exemplo, a Staples, a Worten, a Decathlon ou a Fnac, são lojas altamente focadas numa só categoria de produtos e têm sido um dos expoentes do mercado de massas e de produtos de grande consumo. Os seus sortidos profundos, as agressivas políticas comerciais, as suas lojas de grandes dimensões e um grande conhecimento acumulado na gestão das respectivas categorias proporcionaram a estas empresas interessantes vantagens competitivas.Porém, estas até agora vantagens competitivas poderão deixar de o ser começan-do mesmo a gerar efeitos perversos e negativos sobre a operação e os resultados. Acredito que todo o retalho se encontra hoje num ponto de viragem, sendo os formatos especializados aqueles onde se podem percepcionar melhor os sinais da (r)evolução que está a acontecer.De facto, a produtividade das lojas retalhistas não alimentares está em queda desde o início da crise mundial de 2008, tornando imperativas e inevitáveis muitas mu-danças.Aproxima-se no horizonte uma onda gigante cujos efeitos poderão ser devastado-res se nada se fizer. Basta comparar a acentuada redução de vendas e do ROI no retalho clássico que opera com lojas físicas com o crescente e sustentado aumento de vendas realizadas através da Internet. As vendas online têm estado bastante concentradas em poucas categorias mas o seu efeito tem sido devastador nas lojas físicas que lutam cada vez com maiores dificuldades em justificar a alocação de espaço de venda para produtos que se tor-naram improdutivos pela transferência de vendas verificada para o “e-commerce”. Aliás, categorias como a música, o vídeo e os livros só existem hoje com efectivo significado nas lojas virtuais através das quais se realiza a esmagadora maioria das suas vendas.Mas este efeito começa também a sentir-se noutras categorias, como a dos equi-pamentos eléctricos e electrónicos, embora me pareça que a maioria das empresas desta área ainda não esteja a ver bem a fotografia na medida em que, de início e por um lado, as vendas perdidas para a Internet eram pequenas relativamente ao total do seu negócio e, por outro, foram lançando também os seus próprios sites de vendas pensando que esta solução poderia resolver o problema.Contudo, tal como na história da rã que lentamente vai morrendo na água quente sem dar por isso, também só demasiado tarde estas empresas se irão aperceber que os negócios das suas lojas, agora demasiado grandes, começam a ficar in-sustentáveis para os produtos que vendem e mesmo uma robusta recuperação económica não será suficiente para impedir a inevitável reestruturação do seu modelo de negócio.À medida que os consumidores se forem sentindo mais à vontade com as com-pras pela Internet, assim o número de categorias com penetração significativa no “e-commerce” irá igualmente subir. E mesmo nas categorias onde existe um único retalhista significativo como é o caso da Worten nos equipamentos eléctricos e electrónicos ou da Fnac nos livros e discos, o seu modelo de negócio especializado está bastante afectado. E, como que por ironia, a existência de lojas físicas está a ajudar as lojas virtuais na medida em que elas constituem uma excelente montra para os compradores online verem e experimentarem os produtos que depois irão comprar via net.Os retalhistas clássicos têm ainda que competir com a extrema eficiência demons-trada pelo modelo económico do retalho virtual, o qual possui elevados índices de rotação, baixos investimentos e preços de venda ao público com diferenças que podem chegar aos 20%, diferença esta que constitui sem dúvida alguma para os consumidores uma efectiva vantagem não desprezível que os leve a mudar o seu local de compra.Por outro lado, as mudanças nos hábitos de compra acelerarão ainda mais quando as gerações mais jovens se tornarem dominantes em termos de consumo, ou seja,

quando estes consumidores de amanhã se sentirem extremamente confortáveis a comprar online categorias de produto que para os seus pais ou avós ainda exigiam uma deslocação à loja.Em síntese, podemos afirmar que tal como as grandes superfícies especializadas foram afastando do mercado as lojas independentes também agora os novos re-talhistas sem loja estão a cavar a sepultura aos formatos de maior dimensão. As vantagens competitivas da Internet e a irresistível atracção dos consumidores por sortidos largos e profundos, preços baixos e uma efectiva conveniência estão a fazer toda a diferença.Mas também é certo que as lojas online não conseguem satisfazer os desejos de con-sumo imediato e de gratificação dos consumidores nem as experiências sensoriais e emocionais proporcionadas pela dramatização e encenação do ambiente de loja.No fundo, tudo dependerá do tipo de produtos ou de categorias, das tecnologias oferecidas aos clientes e da natureza de experiência de consumo que o retalhista consiga proporcionar nas suas lojas.Podemos, contudo, identificar algumas estratégias possíveis para os retalhistas clássicos, nomeadamente, as seguintes:

1. Nada fazer. Esta estratégia baseia-se na suposição que os consumidores não transferirão os seus hábitos de compra para o online. Acredita-se assim que o preço e a conveniência são ainda os únicos aspectos que o consumidor valoriza pelo que nada justificará a sua mudança para a Internet até porque a penetração desta em certas categorias de produtos, como os alimentares, é muito baixa. A insígnia ali-mentar alemã ALDI, para mal dos seus pecados, é a campeã desta estratégia.

2. Definição de um sortido único ou alargar os sortidos para outras categorias de produtos. Criar um sortido diferente, senão mesmo único, que possua apenas produtos não susceptíveis de serem encontrados através de outra via. Esta estraté-gia vai de encontro ao objectivo de fidelização e de impossibilidade de comparação de preços pelo que o casamento entre as lojas físicas e as virtuais pode ser deter-minante e poderoso.O alargamento do sortido visa compensar as perdas nas outras categorias e tornar mais atractivo o sortido tal como a Worten fez com a introdução de livros ou a Barnes & Noble que, ao contrário, acrescentou ao seu sortido online produtos de casa, electrodomésticos, jogos e brinquedos.

3. Apostar num ambiente de showroom. A criação de ambientes de showroom pode ser uma opção válida e determinante do sucesso. Serviço e conveniência serão os elementos-chave desta estratégia. Porém, o risco de oportunidade para fomentar “free-riders” é enorme, uma vez que os consumidores podem facilmente utilizar estes espaços para experimentação e contacto com os produtos e depois efectuar as suas compras, em regra com menos custos, pela via virtual.

4. Locação do espaço de venda. A locação de partes da área de venda pode ser uma oportunidade magnífica para a rentabilização das zonas de lojas mais ociosas ou com menor produtividade. Há muito que as lojas de departamento o fazem e cada vez mais os próprios hipers, veja-se o Carrefour Planet ou a FNAC com os espaços Apple e Microsoft nas suas lojas. Porque não todos os especialistas?

Está claramente a iniciar-se um novo ciclo para o retalho. Para conseguir com-petir com os seus concorrentes sem loja, os retalhistas clássicos necessitam de ser ágeis e inteligentes na eliminação das categorias que já não são produtivas ou acrescentam valor e na introdução de novas categorias que as possam aportar.Retalhistas deste mundo, convençam-se de uma vez por todas que nunca existiu, não existe nem nunca existirá qualquer crise! Sempre existiu, existe e sempre exis-tirá mudança. Já há quinhentos anos o dizia Camões. Ainda têm dúvidas?

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