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com o qual ganham alento, mais uma vez, uma inflexão naturalista (ressurreta intencionalmente

via modelos oitocentistas) e um todo poderoso compromisso testemunhal, percebidos como

valores autossuficientes, que descartariam, portanto, a necessidade de análise concreta, criteriosa,

das obras.

Ambos os retornos se fariam acompanhar – não é de estranhar – por uma série de

categorizações e formas apaziguadoras, e acríticas, de comentário. O que parece acionar, de um

lado, guardadas as evidentes diferenças contextuais, algo próximo daquilo que Roland Barthes

nomeou, em Mitologias, de “a critica nem-nem” - isto é, aquela que se pretende inocente,

transcendente, “pura de qualquer determinação sistemática”, “que não toma partido” e “não

emite juízo” – e que, no entanto, funcionaria simultaneamente como um misto de release1

 promocional, de reciclagem de categorias e generalidades literárias (disfuncionalmente ainda em

uso) e de afirmação personalista, sob a forma de crônicas e resenhas de fácil leitura. De outro

lado, e ampliado pelo alcance massivo das redes sociais e da internet em geral, alastra-se outro

tipo de comentário, marcado por uma espécie de histeria judicativa, inflamada, imediata, mas

sem ajuizamento real, sem argumentação, voltada fundamentalmente não para o adensamento da

discussão, e sim para o efeito, para o próprio potencial de multiplicação redundante, à maneira

dos adendos e interferências compulsivos a todo tipo de noticia, evento ou tema em debate, como

os que proliferam no twitter ou em qualquer site online.

A busca, ao contrário, por operatividade transformadora, por revisão conceitual, pela

intensificação do próprio potencial de intervenção, e a compreensão mesma da crítica como

forma efetiva de intervenção, envolvendo, então, dentre outros aspectos, a capacidade de

construir relações particulares (não simplesmente continuístas) com o campo histórico, de

informar e ampliar a compreensão do próprio presente, e de expor e investigar as condições de

formulação e emergência dos objetos, categorias, quadros de referencia e relações de valoraçãocom os quais se opera. A indagação sobre eficácia – com a qual se iniciaram essas observações –

Cf. Roland Barthes, “A Crítica Nem-Nem” IN: Mitologias. Lisboa: Edições 70, 2007, p. 208-210.1

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e que cita intencionalmente a frase interrogativa com que se conclui ensaio de 1979 de Silviano2

Santiago, se ligada, aqui, ao quadro comunicacional contemporâneo, talvez possa ganhar em

 precisão, no entanto, se colocada, igualmente, em perspectiva histórica que permita um modo

contrastivo de observação.

 Nesse sentido, talvez se possa examinar, então, um conjunto de textos breves (dois de

Antonio Candido, e os outros, respectivamente, de Walnice Nogueira Galvão, Luiz Costa Lima e

Silviano Santiago), exemplares do debate critico da segunda metade do século XX, e passiveis,

além, evidentemente, de iluminar o próprio contexto de produção, de contribuir para a discussão

da crítica brasileira contemporânea vista tanto como experiência especulativa (continuadamente)

em processo, quanto, em sua dimensão performativa, como forma particular de ação.

A seu modo, cada uma dessas intervenções lida com uma indagação sobre a crítica e

sobre sua eficácia, o seu lugar social, seus limites, assim como os do campo cultural em que se

insere. E todas elas lidam com momentos em que essas delimitações se veem pressionadas

historicamente a uma redefinição. Talvez seja o caso de começar a observá-las, então, por meio

de algumas das “Notas de Crítica Literária”, de Antonio Candido, publicadas na  Folha da

 Manhã, entre 1943 e 1945, e por sua prática, em outros termos, do rodapé jornalístico – a

começar pela desmontagem do personalismo que o caracterizava e pela configuração de umespaço, uma ética e modos peculiares de operação que serviriam de linhas mestras para a crítica

literária moderna no Brasil.

“Creio mesmo, firmemente, que o trabalho do crítico” – assinalaria Candido (em texto

divulgado no dia 7 de janeiro de 1943), na “Abertura” da sua seção – “só começa quando ele

ultrapassa a sua pessoa, num esforço de colocar em primeiro plano aquilo que lhe parece a

realidade da obra estudada” . E nomearia com todas as letras aquilo que procurava rejeitar3

“integralmente” nessa ultrapassagem: “o conceito impressionista que faz da crítica uma aventura

 Na primeira publicação do ensaio “Vale quanto pesa”, na revista Discurso, da USP, Silviano Santiago o encerrava2

 perguntando “Que eficácia pode ter?”. Na edição em livro, a questão passa a ser “Que eficiência pode ter?”. Optei por manter “eficácia” ao revisar – em outro contexto - a indagação por ele sugerida.

 Antonio Candido, “Ouverture” IN: “Notas de Critica Literária”, Folha da Manhã, 7 de janeiro de 1943.3

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da personalidade, um passeio através das obras e dos autores com o intuito exclusivo de

 penetração e de enriquecimento pessoal”. E se o ajuizamento individual, a pessoa do critico,

seriam, de certo modo, “a base do processo crítico”, isso não significaria que ela fosse a sua

“razão de ser”, que isso pudesse servir de pretexto para uma “hipertrofia da personalidade”,cabendo, a seu ver, ao crítico, ao contrário, “integrar a significação da obra ao seu momento

cultural”. E, tendo ciência da contingência que caracterizaria o próprio oficio, deveria manter-se

“ligado à vida do seu tempo”, e compreender a obra não como uma essência invariável e meta-

histórica, mas, em suas palavras, segundo texto datado de 9 de janeiro de 1944, como “um lugar

(sentido geométrico) de influencias e de ressonâncias” , relacionado “com o complexo de ideias4

que caracterizam o momento social”.

A essa compreensão da obra como “lugar” se conectaria um dimensionamento ético da

crítica, envolvendo tanto a exigência de exposição e de um forçoso autoexame dos próprios

 princípios de trabalho, quanto a compreensão de qual o “papel que lhe impõe o seu tempo” e o

que significaria, no seu exercício, “trabalhar no sentido do interesse coletivo”. E, diante do

espaço de ressonâncias que constitui o seu objeto de análise, se imporiam, dentre outros

 procedimentos, a capacidade de “relacionar”, de “por em contato” e a de explicar “à luz do

 presente”. Candido parece, na verdade, voltar, assim, nesses dois artigos de 1943 e 1944, à

questão que se impusera, ainda no primeiro número da revista Clima, em 1941, sobre “o

 problema da legitimidade e do valor de semelhante tarefa, diante do momento histórico”.

A certa altura, no mesmo texto com que iniciava a seção sobre “Livros” dessa revista de

 juventude, o crítico se perguntava: “E enquanto todos se crispam diante dos fatos que decidem a

sorte do homem, qual o valor da obra literária, qual a atitude a se tomar diante dela?” . Em meio5

à Segunda Guerra Mundial, e às condições de trabalho intelectual sob o Estado Novo, no Brasil,

essa indagação sobre a função e a necessidade da literatura e da crítica parecia de certo modoindescartável. Observe-se, porém, que a preocupação com a razão e a natureza do fenômeno

literário, assim como com a “função efetiva” da atividade crítica no “complexo das outras

------------------------, “Um ano” IN: “Notas de Crítica Literária”, Folha da Manhã, 9 de janeiro de 1944.4

 Cf. Antonio Candido, “Livros” IN: Clima nº1, Maio de 1941.5

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atividades sociais” se manteria como questão recorrente não apenas em momentos mais

convulsivos, mas ao longo de toda a trajetória intelectual de Antonio Candido.

 Nesses textos da década de 1940, ressaltava-se, portanto, diante da pergunta sobre o valor

da obra e sobre sua forma possível de avaliação, a necessidade de uma “explicação social da

literatura” (ainda pouco usual à época – salientava Candido – à exceção de trabalhos como os de

Silvio Romero e de Astrogildo Pereira), que se deveria fazer acompanhar, todavia, de uma visão

dos fatores sociais e históricos que a condicionam que não se confundisse nem com uma noção

de “estilo de época” (compreendido como uma “sincronia das manifestações culturais”), nem

com a de uma espécie de “moldura” sócio-política. Mas que tais fatores se apresentassem, ao

contrário, como componentes internos, como a substância mesma da realidade artística dessas

obras, idéia que receberia desdobramentos e desenvolvimento mais amplo em livro publicado

 por ele duas décadas depois, Literatura e Sociedade (1965).

Em particular no ensaio “Crítica e Sociologia”, que foi apresentado originalmente por

Antonio Candido em 1961, no II Congresso de Crítica e História Literária de Assis, e no qual

exporia, sob a forma de paradoxo, formulação-síntese, para a crítica brasileira moderna, sobre a

relação entre externo e interno na obra literária,  na qual se trataria  de ressaltar não uma

 polarização entre os elementos, mas o modo como o externo se torna interno. Este ensaio,fundamental, como se sabe, para a redefinição das formas de investigação das relações entre

literatura e sociedade, começaria pelo descarte simultâneo tanto da noção de que se lidaria aí

com duas “visões dissociadas”, quanto da sua apresentação como duas perspectivas exclusivas.

Tanto se rejeita o ponto de vista dos que acreditavam que “o valor e o significado de uma

obra” dependeriam unicamente de “ela exprimir ou não certo aspecto da realidade”, quanto o dos

que, privilegiando somente o exame das “operações formais” detectáveis, veriam a obra como

independente de quaisquer condicionamentos, inclusive os sociais. Candido, por seu turno,

sublinharia que, para se compreender realmente “a integridade da obra”, só “fundindo texto e

contexto numa interpretação dialeticamente íntegra”, na qual a dimensão social se converteria

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em fator da própria construção artística, devendo ser avaliada, portanto, segundo a função que de

fato exercesse “na economia interna da obra” .6

  Se o texto de 1961 indica o processo de maturação das indagações que Candido se fazia

desde o início de sua experiência como crítico, outro ensaio incluído em Literatura e Sociedade

registraria, com acuidade semelhante, as condições em que pareceu se impor, de modo

crescentemente urgente, essa investigação sobre o lugar social da literatura e da crítica no

domínio da cultura brasileira moderna. Já se assinalou que o contexto bélico mundial e a

vigência do Estado Novo, no país, foram, sem dúvida, fatores decisivos. Observando-se, porém,

o ensaio “Literatura e cultura de 1900 a 1945”, sobretudo os comentários referentes ao período

 posterior ao Modernismo, verifica-se como Antonio Candido opõe, aí, à maior divisão do

trabalho intelectual, que se visualizava ao longo dos anos 1940, um longo período (do século

XIX a meados do XX) em que coubera à literatura, no Brasil, configuração sincrética e função de

“viga mestra” em meio às demais “atividades do espírito” .7

Pois apesar de, desde o início do século XX, segundo registra Candido, a “cultura

intelectual se haver desenvolvido em ritmo acelerado”; de, “com o estabelecimento da vida

científica, em escala apreciável”, ter aumentado a divisão do trabalho; e “apesar do surto das

ciências humanas”, sobretudo a partir do decênio de 1930, ainda assim, a literatura permanecera“em posição-chave” . Não, a seu ver, como um “empecilho à formação do espírito científico e8

técnico (sem condições para desenvolver-se)”, mas, fundamentalmente, como uma espécie de

“paliativo à sua fraqueza” e à dificuldade de formar, no país, “pesquisadores, técnicos, filósofos”,

e contribuindo, assim, “com eficácia maior do que se supõe para formar uma consciência

Cf. Antonio Candido, “Crítica e Sociologia” IN: Literatura e Sociedade. 9ª edição, Rio de Janeiro: Ouro sobre6

Azul, 2006, p. 13 – 26. É importante observar como, em diálogo com o método dialético pensado por Candido, seconstituiria uma tradição crítica na qual se incluem, para assinalar apenas dois exemplos paradigmáticos, trabalhoscomo os de Roberto Schwarz, no campo da literatura, ou de Rodrigo Naves, no da crítica de arte.

Antonio Candido. “Literatura e cultura de 1900 a 1945” IN: Literatura e Sociedade. 9ª edição, Rio de Janeiro: Ouro7

sobre Azul, 2006, p. 137.

 Id. Ibid., p. 140.8

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nacional e pesquisar a vida e os problemas brasileiros” , e para “criar mitos e padrões que9

serviram para orientar e dar forma ao pensamento” .10

À medida, porém, que o ensaio se aproxima da data-limite (o ano de 1945) atribuída a

esse panorama intelectual do Brasil durante a primeira metade do século XX, sinaliza-se uma

nova configuração do campo cultural na qual, diante de crescente especialização do

conhecimento no território das ciências humanas, a literatura se vê obrigada a “especificar-se”

também e a restringir “o âmbito da sua ambição” . “O verbo literário” vai, assim, aponta11

Antonio Candido, “perdendo terreno, não apenas em relação à matéria que lhe cabia, mas ao

 prestígio que tinha como padrão de cultura” . Assistindo-se, então, de um lado, “ao fim da12

literatura onívora, infiltrada como critério de valor nas várias atividades do pensamento”, “ao fim

da literatice tradicional, ou seja, da intromissão indevida da literatura”, e, de outro lado, ao

reforço de um impulso autorreflexivo, embutido na prática da literatura, em busca de

configuração estética própria, de “novos meios”, de “nova consciência artesanal”, que se

mostrassem capazes de produzir outras “formas de expressão literária” . Não é de estranhar que,13

nesse movimento bifronte - por um lado, de retração e, por outro, de redelimitação do sistema

expressivo, dos padrões valorativos e do campo mesmo da literatura -, coubesse à crítica indagar,

igualmente, sobre as formas e as condições de articulação de sua intervenção e sobre a

constituição de um lugar próprio de atuação no âmbito de uma vida intelectual em processo de

reconfiguração.

Ao mesmo tempo em que o ensaio aponta para uma conjunção entre retração e

redelimitação de fronteiras discursivas como traço característico do processo de emergência e

afirmação da crítica moderna, Candido finalizaria seu panorama da vida cultural brasileira de

Id. Ibid., p. 139.9

 Id. Ibid., p. 138.10

 Id. Ibid., p. 143.11

 Id. Ibid., p. 137.12

 Id. Ibid., p. 143.13

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meados do século XX, problematizando o alcance possível da difusão da “literatura literária (por

assim dizer)” sem que se tivesse consolidado de fato a instrução no país. Nesse sentido, o14

encolhimento do lugar social da cultura literária e o do “prestigio tradicional do livro” não

resultariam tão somente de partilha diversa do trabalho intelectual, mas, de modo significativo,também, da maior participação de veículos de massa, e de outras formas de comunicação gráfica

ou oral, talvez mais empáticas, e de apreensão mais imediata, no cotidiano brasileiro de então.

 Não seria mais com circunstancias idênticas às apontadas por Antonio Candido como

características da vida cultural nos anos 1940 que dialogaria, mais de duas décadas depois, outro

texto de interferência que se tornaria fundamental para a expansão do campo de abrangência dos

estudos literários no país – o pequeno ensaio “MMPB: Análise Ideológica”, publicado

originalmente por Walnice Nogueira Galvão em 1968 na revista  Aparte, que era produzida, à

época, pela área de teatro da USP. O seu horizonte de referencia não é mais como aquele em que

se assistiu à formação – via radio, cinema e grande imprensa – de um público de massa, e no

qual proliferavam as crônicas jornalísticas breves, os programas radiofônicos de forte difusão (e

suas várias manifestações literárias afins - da radionovela ao slogan musical, dos quadros de

costumes dos programas humorísticos à popularização da canção popular). É no contexto de uma

ordem política ditatorial, pautada, no Brasil pós-64, pela aceleração do desenvolvimento das

telecomunicações e do mercado publicitário, por uma economia inflacionária e um crescimento

urbano desordenado, por um processo impositivo de modernização industrial, pela brutalização

da política e por restrições crescentes na vida cultural, que as manifestações musicais - em

 particular, a canção popular brasileira –, objeto da análise de Walnice, ganhariam espaço não

apenas do ponto de vista da expansão da sua recepção, mas também no que diz respeito a maior

complexificação formal e a um dimensionamento político que foi se intensificando nesses anos

de autoritarismo.

Como registram Santuza Cambraia Naves, Frederico Coelho, Tatiana Bacal e Thais

Medeiros, no “Levantamento e comentário crítico de estudos acadêmicos sobre música popular

no Brasil” realizado por eles em 2001, se, ao longo dos anos 1930, “a canção popular passou a

Id. Ibid, p. 144.14

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ocupar espaços cada vez maiores no campo cultural brasileiro”, com uma divulgação de “largo

espectro”, incluindo “vários segmentos sociais”, três décadas mais tarde, haveria um quadro de

maior fracionamento, no sentido de “um público mais segmentado, identificado com a classe

média intelectualizada”, e tornando-se, desse modo, a música popular um “meio privilegiado para discutir os temas culturais e políticos, ultrapassando as questões meramente musicais e

estéticas” . É nesse contexto que se impõe a apreciação ideológica de algumas das letras de15

canções de protesto mais populares da “moderna música popular brasileira” que foram

examinadas por Walnice Nogueira Galvão na revista Aparte.

Diante de uma repercussão massiva e da expansão do prestígio e do espaço da canção na

vida cultural brasileira, o texto de Walnice se ocuparia – em outros termos – da questão da

eficácia. Pois, neste caso, a um alcance expansivo se acoplaria, paradoxalmente, a seu ver, um

efeito desmobilizador. Ao contrário do que assinalou Antonio Candido sobre o panorama cultural

dos anos 1940, observando a retração das “formas escritas” e da “literatura literária”

 precisamente quando esta “conseguira forjar uma tradição expressiva” (e, no entanto, assiste à

conquista do seu publico potencial pelos “novos meios de comunicação” ), no seu ensaio de16

final dos anos 1960, Walnice lidaria com um modelo poético-musical em crescente popularidade

e com potencial combativo pouco usual naquele momento, sobretudo tendo em vista as restrições

à liberdade de expressão e o controle das telecomunicações pelo estado autoritário brasileiro.

Com as manifestações culturais mais tradicionais - como a literatura e o teatro (assim como a

mídia impressa de modo geral) - submetidas a formas mais ostensivas de vigilância (o que ficaria

 patente no fim do ano de 1968, com o AI-5), outras produções, que se afiguravam inofensivas,

como era o caso das canções populares, vistas, a rigor, como vinculadas exclusivamente ao

entretenimento, ao consumo irrefletido da audiência de radio e televisão, vão ganhando

autoconsciência da dimensão de provocação politica e da capacidade disruptiva (em diálogo com

outras linguagens artísticas) que poderia resultar do próprio alcance de massa.

Santuza Cambraia Naves, Frederico Coelho, Tatiana Bacal, Thais Medeiros. “Levantamento e comentário crítico15

de estudos acadêmicos sobre música popular no Brasil”. IN: ANPOCS bib. – Revista Brasileira de InformaçãoBibliográfica em Ciências Sociais 51, São Paulo, 1º semestre de 2001. Cf.http://www.hugoribeiro.com.br/

 biblioteca-digital/Naves-Levantamento_estudos_academicos_musica_popular_Brasil.pdf  , p. 2-3.

 Antonio Candido, “Literatura e cultura de 1900 a 1945”, p. 143.16

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 Nogueira Galvão sejam, de um lado, a exposição da resistência cultural à ditadura não como um

homogêneo “nós”, mas como campo de forças e práticas em disputa; e, de outro lado, a

apresentação de uma visão expansiva do exercício analítico, para além da polarização entre alta

cultura e indústria cultural, e para além do estritamente literário, pois, sem abandonar o rigor nosestudos textuais, aponta, simultaneamente, no sentido de uma crítica cultural. E de uma

redefinição territorial da literatura – no qual, dentre outras manifestações, coubessem também as

canções.

A diferenciação e as tensões internas do próprio campo intelectual brasileiro seriam dois

dos aspectos destacados, alguns anos mais tarde, numa polêmica como a centrada nos estudos

teóricos – e de que fez parte o artigo “Quem tem medo de teoria?”, de Luiz Costa Lima,

divulgado originalmente em versão abreviada no jornal Opinião, em 21 de novembro de 1975, e

em versão integral na revista “Vozes” no mesmo ano. Nesse caso, porém, independente da forte

repercussão da discussão sobre o Estruturalismo e sobre o estudo regular da Teoria da Literatura

(que envolveu, como se sabe, dentre outros, de Antonio Carlos de Brito, Ana Cristina Cesar,

Carlos Nelson Coutinho a Ledo Ivo e Carlos Drummond de Andrade) , o segmento que passava19

a estar sob observação não tinha tão grande visibilidade ou recepção massiva como a “moderna

musica popular brasileira” examinada por Walnice Galvão.

O que passa a estar em questão, menos de uma década depois do artigo de Walnice, é o

 próprio pensamento crítico, analisado, de dentro, em momento de refluxo acentuado “de

criticidade” na esfera da “vida social” , segundo ressaltaria Costa Lima, e num pais que, entre20

fases ditatoriais e períodos de liberdade, parecia, a seu ver, habituar-se crescentemente ao

acanhamento da “prática da discussão”. Lembre-se que o artigo sobre a rejeição à teoria viria a

 publico apenas um mês depois da morte sob tortura do jornalista Vladimir Herzog, em outubro

de 1975, no DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de

Há uma síntese sobre essa discussão em “A polêmica do Estruturalismo ou ‘Quem tem medo de teoria?’”, de19

Regina Faria, texto apresentado ao XI Congresso Internacional da ABRALIC em 2008. Cf. http://www.abralic.org.br/anais/cong2008/AnaisOnline/simposios/pdf/041/REGINA_FARIA.pdf 

 Luiz Costa Lima, “Da existência precária: o sistema intelectual no Brasil”. IN: Dispersa Demanda: ensaios sobre20

literatura e teoria. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1981, p. 4.

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Defesa Interna) do 2º Exército em São Paulo quando prestava depoimento sobre sua relação com

o PCB (Partido Comunista Brasileiro). E isso no contexto de um governo que se auto-anunciara

como “de redemocratização”, como fizera Ernesto Geisel ao assumir o seu mandato presidencial.

O que parece, sem duvida, de molde a intensificar a percepção da disseminação de formasdiversas de conjugação entre violência e distensão na vida política brasileira. E não apenas aí.

Pois, se uma tradição acrítica, bastante enraizada na vida cultural do país e à qual se

ligaria também a rejeição à prática teórica, teria influído decisivamente na expansão,  segundo

Costa Lima, da polêmica do Estruturalismo, ele não deixa de sublinhar, ao mesmo tempo, as

condições históricas que teriam intensificado essa recusa. “O autoritarismo dos regimes

autocráticos se harmoniza com a tradição acrítica do nosso pensamento em sua falta de estimulo

ante qualquer indagação teórica” , comentaria em “Da existência precária: o sistema intelectual21

no Brasil”. E, adotando exame pouco complacente, como o de Walnice, do campo ideológico da

resistência política, observaria como, “mesmo entre seus adversários”, o autocratismo politico

estimularia “o receio do pensamento reflexivo”, neste caso, “o temor de que a indagação teórica”

não passasse “de uma modalidade de escapismo” . O que levaria inclusive o pensamento22

tematicamente de oposição - “pelos entraves” que opõe “à discussão crítica” - a práticas

autoritárias próximas ao dogmatismo do regime a que se opunha. Assim como a frequentes

retornos reverentes a “velhas matrizes do pensar, do fazer e do dizer” .23

“A velha matriz”, diria Costa Lima, “se realimenta e passa a viver mesmo entre aqueles

que ideologicamente se opõem às formas econômicas e politicas que lhe correspondem” .24

Propõe, então, ao contrário, um redimensionamento da reflexão crítica, no sentido de maior

formalização e de um desenvolvimento sistemático do pensamento teórico, que se mostrassem

capazes não só de expandir o conhecimento da arte e da literatura, mas de antagonizarem o

Id. Ibid., p. 14.21

 Id. Ibid.22

 Id. Ibid., p. 14.23

 Id. Ibid.24

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dogmatismo e as formas impositivas de pensamento, que, em sintonia com uma ordem politica

autoritária, não se preocupavam com demonstração ou argumentação, bastando-lhes “apontar,

mostrar com o dedo” o que se pretendia afirmar como verdadeiro. Pois aquilo que se25

apresentava como uma especie de medo da teoria apontaria, na realidade, para o medo da perdade um lugar impositivo e privilegiado na vida cultural.

Costa Lima distingue, nesse sentido, no interior mesmo das práticas críticas, as

estritamente impositivas, pautadas no julgamento, daquelas que expõem e refletem sobre o

 próprio processo de ajuizamento, abrindo espaço possível para a configuração de um pensamento

teórico. Enquanto as primeiras, dimensionadas pragmaticamente, estariam voltadas basicamente

 para a aplicação dogmática do já sabido; na crítica pautada no juízo, a ênfase, ao contrário,

estaria na apresentação da própria cadeia demonstrativa, num esforço de, via formalização,

expandir a reflexão e o conhecimento, permitindo, desse modo, a ativação de um espaço mais

amplo de intervenção e crítica também para os seus leitores. Assim como de outro lugar

investigativo para o exercício crítico.

Se a necessidade de um movimento autorreflexivo constante, presente, desde o momento

em que inicia a sua trajetória enquanto crítico, nas indagações de Antonio Candido sobre a

função e o valor da crítica, assim como sobre a função e o valor da literatura, seria fator decisivo para uma redefinição do campo cultural, das práticas literárias e críticas e para a configuração de

uma crítica moderna no Brasil ao longo da década de 1940, o que Costa Lima detectaria, por sua

vez, três décadas depois, seria a tensão entre, de um lado, um quadro de restrição às atividades

especulativas e uma dominância de matrizes convencionais no exercício critico, e, de outro, uma

diversificação da prosa, da poesia e do público literário, ligada à ampliação da base econômica,

do mercado literário e à expansão da formação e das instituições universitárias. O que apontaria

 para a necessidade de uma teoria crítica eficaz o suficiente para redefinir critérios e práticas, e para se indagar, mais uma vez, sobre a questão do valor estético e da sua própria função num

sistema intelectual como o brasileiro.

Id. Ibid., p. 10.25

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 Não é de estranhar que, em “Vale quanto pesa”, texto divulgado originalmente, em 1979,

no décimo número da revista Discurso, do Departamento de Filosofia da USP, Silviano Santiago

 procure formular, desde o título, uma indagação sobre a literatura moderna brasileira, a crítica e o

valor. E que a resposta contida no título aponte, não sem ironia, de um lado, para uma marca desabonete extremamente popular no país desde os anos 1930 – o “sabonete das famílias”, o

sabonete “grande, bom e barato” -, e, de outro, para entrevista de grande repercussão então de

Alfredo Machado, editor da Record, que declarara que, para ele, o livro era um produto (como

um sabonete) e que deveria, portanto, ser vendido exatamente como se venderia um sabonete.

Pois, ironia à parte, seria esse produto – o livro – o eixo da discussão de Silviano sobre a

contradição reiterada, na literatura brasileira moderna, entre o desejo de o texto literário dialogar

com “camadas sociais diferentes” e o fato de sua exposição se dar por meio de veículo cuja

circulação - “limitada, deficitária e claudicante” - não permitiria a ele atingir de fato um público

mais vasto. Retomando a constatação por Antonio Candido, em Literatura e Sociedade, de que

haveria uma restrição estrutural do público literário, devido a uma ainda reduzida expansão da

cultura letrada, no Brasil, Silviano Santiago chamaria a atenção para, sobretudo, duas formas de

assimetria. De um lado, a que define o público como essencialmente cosmopolita e conservador,

que tenderia a limitar-se a uma leitura-registro de influencias, sem compreensão substantiva (fora

do terreno da analogia) da ficção local; de outro lado, a vacuidade dos esforcos de uma literatura

de denuncia que, paradoxalmente, alcança, sobretudo, as classes dirigentes. Assimetrias que

impediriam, na cultura moderna brasileira, tanto a profissionalização regular da atividade

literária, quanto a fuga a um horizonte fechado de classe, determinando-se, assim, a inoperância

e a tautologia mesmo de posturas ficcionais ideologicamente mais avançadas (mas cuja

circulação permaneceria entre pares).

“Circulo vicioso, que só pode se abrir no momento em que surgir um novo e diferenteleitor”, diria Silviano, em 1979, “no momento em que surgir um novo e diferente romancista”,

capaz de “propor reflexões a camadas sociais diferentes” . Do contrário – e é o que se pergunta26

 Silviano Santiago, “Vale quanto pesa (A ficção brasileira modernista)”. IN: Vale quanto pesa. Rio de Janeiro: Paz26

e Terra, 1982, p. 29.

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Acrescente-se a isso a convivência com a condição pós-meios, com a revisão de noções

como as de especificidade material ou pureza genérica, em processo de substituição por outro

aparato conceitual, voltado para as “especificidades diferenciais”, para experiências de

autodiferenciação, e de “passagem entre diversas superfícies” , como observa Rosalind Krauss28

em A Voyage on the North Sea:  Art in the Age of the Post-Medium Condition. Uma

 problematização dos próprios limites genéricos ou discursivos de que não estaria ausente a

experimentação literária. Por vezes intensificando-se os atritos e mixagens e remixagens entre

zonas de escrita, como se observa nos textos de Carlito Azevedo, ou entre textos e imagens, entre

anacronismos e comentários-em-cima-da-hora, como é característico do trabalho de Zuca

Sardana. Por vezes operando-se passagens entre materializações multimídia e variantes

discursivas distintas – performatizações, oralizações, clips, versões impressas, digitais, ou emvídeo dos poemas – como é o caso de Augusto de Campos, sublinhando-se, assim, modos de

formalização movidos por ressonâncias e interferências, e por diferentes configurações

 presenciais. Por vezes enfatizando-se trânsitos entre campos musical, plástico e verbal, como os

operados por Arnaldo Antunes. Ou intensificando-se a relação entre escrita poética e

 performance, como no trabalho de Ricardo Domeneck ou Ricardo Aleixo, para ficar em dois

exemplos. Ou, pensando em Nuno Ramos, por vezes trabalha-se com formas diversas de

reconfiguração textual (em livros, instalações, performances, estruturas plásticas) como asacionadas por ele invariavelmente sob a pressão de intensa consciência das possibilidades

materiais de cada uma dessas manifestações.

Uma sucessão de trânsitos e interações e de transformações nos meios comunicacionais

que obrigatoriamente suprimem a possibilidade de definições pré-estabelecidas, essencialistas,

do literário. E que complexificam, dessa maneira, o modo como se realizam as operações

críticas, que se habituaram a se manter centradas, fundamentalmente, no exame de formas

autônomas. E que agora, diante do funcionamento dessas novas estruturas de invenção, se veem

compelidas a uma reconceituação da própria atividade, capaz de dar conta desses processos

Rosalind Krauss. A Voyage on the North Sea: Art in the Age of the Post-Medium Condition. New York: Thames28

and Hudson, 1999, p. 52-53.

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interacionais, desses diferentes contextos de manifestação, das operações de reexposição e

deslocamento que têm se intensificado na prática literária contemporânea.

É importante ter consciência, nesse sentido, de modos radicalmente diversos de lidar com

essas passagens, no âmbito da literatura recente. Pode ser útil recorrer, desse ponto de vista, a

uma serie de comentários de Beatriz Sarlo sobre a televisibilidade, como condição

industrialmente necessária para que estilos e programas a principio diversos pudessem se ajustar

a um “estilo padrão” que os homogeneíze. Cabendo a essa adaptabilidade, oferecida pelo estilo

 padrão, por sistema idêntico de apresentação visual, a garantia da variabilidade interna, das

formas diversas de miscelânea que alimentam o meio televisivo. Pois referendariam, em sua

diversificação de superfície, forte homogeneização. Referendo que parece verificável igualmente

em muitas manifestações literárias recentes – que parecem pré-formadas como futuros roteiros

de pecas ou filmes ou séries de tv. Quanto maior o potencial nesse sentido, mais fácil a

assimilação. Quer se pense num livro como O Filho Eterno, quer se considerem os

desdobramentos mercadológicos de Cidade de Deus ou de Estação Carandiru. Uma

adaptabilidade que permitiria, diz Sarlo, tratando da televisão, “a variedade porque sustenta a

unidade profunda que sutura as descontinuidades entre os diferentes programas” . E onde29

 poderíamos acrescentar, ainda, as diferenças entre modos textuais, meios e repertórios não

significariam tanto, pois “a todo momento, sempre se sabe onde se está” .30

Ao contrário, há trânsitos e indeterminações pautados em procedimentos que vão na

direção oposta à de uma adaptabilidade homogeneizadora, e reconstrutora de formas

convencionais de recepção estética empático-tranquilizadora, e que operam em sentido inverso –

no da produção de novos horizontes de recepção e novos regimes críticos. O que se busca, nesses

casos, são processos de diferenciação, não fórmulas de adaptação, de reduplicação tal qual. Não

à toa Marjorie Perloff– focando, sobretudo, nas variações internas que estruturam ascomposições em vários meios de Kenneth Goldsmith – invocaria, para o exame da poesia

contemporânea, uma poética diferencial, na qual as formas e intensidades de resistência, mesmo

Beatriz Sarlo. Cenas da Vida Pós-Moderna. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1997, p. 67.29

 Id Ibid., p. 68.30

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em infra-escala, a cada mudança de linguagem, meio ou contexto, são o que de fato conta. A

cada nova variação que se apresenta, diferenciando-se, pois, significativamente, mais uma vez, o

trabalho em consideração, e quebrando-se, em cada uma dessas operações, o vinculo tradicional

“entre a identidade de um objeto e o seu meio” . Um exame de formas de resistência que exige31

apreciações que envolvam não apenas uma atuação em regime interrelacional, intermídia (tendo

em vista formas discursivas e objetos em redefinição e transito constantes entre materialidades e

funções diversas), mas experiências de ajuizamento que ponham em teste simultaneamente os

 próprios contextos de atuação, os seus códigos e categorias operacionais, e que possam exercer

interferência ativa e transformadora numa compreensão crítica do próprio presente.

Lev Manovich Apud Marjorie Perloff, “The Poetics of Click and Drag: Screening the New Poetries”, p.31

8. Cf. http://wings.buffalo.edu/epc/authors/goldsmith/perloff_poetics.pdf