Que é Didática

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que é didática? Segundo Candau (1988), é o tratamento sistemático do fazer educativo, a reflexão sistemática e a busca de alternativas para os problemas da prática pedagógica. Seu objeto de estudo é o processo ensino aprendizagem. Articula-se com as dimensões humana, técnica e político-social da educação. Toda proposta didática – um certo modo de encaminhar o processo ensino aprendizagem – está impregnada de concepções filosóficas, epistemológicas e psicopedagógicas, assumidas conscientemente ou não pelo educador. As opções cotidianas dos professores acerca do modo de organizar o tempo, o espaço, os materiais didáticos e as interações na sala de aula refletem seus posicionamentos nesse sentido. Nesse estudo, consideraremos como recursos didáticos na situação ensino aprendizagem todos os aspectos organizativos da dinâmica da sala de aula, buscando sempre desvelar os princípios implicados na sua utilização. O que significa, para a formação do aluno, a utilização de recursos didáticos mais lineares ou mais interativos, mais abertos ou mais fechados, mais diretivos ou mais construtivos? A que concepções de conhecimento (perspectiva epistemologia), de homem e sociedade (perspectiva filosófica) e relação ensino/aprendizagem (perspectiva psicopedagógica) essas opções correspondem? De uma didática instrumental a uma didática fundamental A didática que vigorou na escola até bem pouco tempo tem sua centralidade no ensino, entendido este como transmissão do conhecimento. O lugar aqui ocupada pelo ensino reflete uma concepção de conhecimento como verdade pronta a ser repassada e uma concepção de aprendizagem como progresso passivo e receptivo. A relação professor / aluno / conhecimento é assumida numa perspectiva linear: o professor transmite ao aluno o conhecimento. Nesse visão, a função da didática é instrumental: fornecer estratégias e recursos instrucionais para viabilizar o processo transmissivo- receptivo. (ver verbete Relação Professor / Aluno / Conhecimento). O que se questiona? A concepção de conhecimentos, a linearidade da relação ensino / aprendizagem, a neutralidade dos recursos didáticos como meios que se prestam a quaisquer finalidades. A expressão o professor transmite o conhecimento resume quase tudo. Conhecimento não se transmite, cada sujeito se apropria dele num processo de elaboração pessoal e interpessoal. Transmitem-se informações e não se pode reduzir o conhecimento à informação. Dados, fatos que encontramos descritos nos livros, nos jornais, na internet ou no relato oral são informações. O conhecimento é a informação elaborada: interpretada, relacionada, processada; enfim, submetida a um tratamento sistemático e crítico. Se até pouco tempo a escola se colocou como um espaço privilegiado de transmitir informações sistematizadas, exige-se mais dela hoje. A informação está disponível em muitos outros espaços, e, muitas vezes, de forma mais rápida, mais completa e mais interessante do que na escola. O investimento educativo deve se voltar para o desenvolvimento das competências necessárias para processar essa informação de forma crítica e ética. Ou seja, demanda-se da educação a formação do sujeito autônomo, protagonista central da aprendizagem, posicionando e comprometido diante do conhecimento e do mundo, agente pensante e não paciente da aprendizagem. A educação da inteligência Pirâmide informacional Fonte: MACHADO, 1995, p. 65 Inteligência

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que é didática? Segundo Candau (1988), é o tratamento sistemático do fazer educativo, a reflexão sistemática e a busca de alternativas para os problemas da prática pedagógica. Seu objeto de estudo é o processo ensino aprendizagem. Articula-se com as dimensões humana, técnica e político-social da educação.

Toda proposta didática – um certo modo de encaminhar o processo ensino aprendizagem – está impregnada de concepções filosóficas, epistemológicas e psicopedagógicas, assumidas conscientemente ou não pelo educador. As opções cotidianas dos professores acerca do modo de organizar o tempo, o espaço, os materiais didáticos e as interações na sala de aula refletem seus posicionamentos nesse sentido.

Nesse estudo, consideraremos como recursos didáticos na situação ensino aprendizagem todos os aspectos organizativos da dinâmica da sala de aula, buscando sempre desvelar os princípios implicados na sua utilização.

O que significa, para a formação do aluno, a utilização de recursos didáticos mais lineares ou mais interativos, mais abertos ou mais fechados, mais diretivos ou mais construtivos? A que concepções de conhecimento (perspectiva epistemologia), de homem e sociedade (perspectiva filosófica) e relação ensino/aprendizagem (perspectiva psicopedagógica) essas opções correspondem?

De uma didática instrumental a uma didática fundamental

A didática que vigorou na escola até bem pouco tempo tem sua centralidade no ensino, entendido este como transmissão do conhecimento. O lugar aqui ocupada pelo ensino reflete uma concepção de conhecimento como verdade pronta a ser repassada e uma concepção de aprendizagem como progresso passivo e receptivo.

A relação professor / aluno / conhecimento é assumida numa perspectiva linear: o professor transmite ao aluno o conhecimento. Nesse visão, a função da didática é instrumental: fornecer estratégias e recursos instrucionais para viabilizar o processo transmissivo-receptivo. (ver verbete Relação Professor / Aluno / Conhecimento).

O que se questiona? A concepção de conhecimentos, a linearidade da relação ensino / aprendizagem, a neutralidade dos recursos didáticos como meios que se prestam a quaisquer finalidades. A expressão o professor transmite o conhecimento resume quase tudo. Conhecimento não se transmite, cada sujeito se apropria dele num processo de elaboração pessoal e interpessoal. Transmitem-se informações e não se pode reduzir o conhecimento à informação. Dados, fatos que encontramos descritos nos livros, nos jornais, na internet ou no relato oral são informações. O conhecimento é a informação elaborada: interpretada, relacionada, processada; enfim, submetida a um tratamento sistemático e crítico.

Se até pouco tempo a escola se colocou como um espaço privilegiado de transmitir informações sistematizadas, exige-se mais dela hoje. A informação está disponível em muitos outros espaços, e, muitas vezes, de forma mais rápida, mais completa e mais interessante do que na escola.

O investimento educativo deve se voltar para o desenvolvimento das competências necessárias para processar essa informação de forma crítica e ética. Ou seja, demanda-se da educação a formação do sujeito autônomo, protagonista central da aprendizagem, posicionando e comprometido diante do conhecimento e do mundo, agente pensante e não paciente da aprendizagem.

A educação da inteligência

Pirâmide informacionalFonte: MACHADO, 1995, p. 65

 

Inteligência(projetos/valores)

conhecimento(compreensão/teorias)

informações(significado/informações)

Dados(qualitativos/quantitativos)

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De acordo com Machado:

O cerne das atividades escolares encontra-se na produção de significações. Para tanto, alimenta-se de dados e informações provenientes de seu exterior, acumulados historicamente e/ou gerados continuamente, em permanente transformação, procurando construir e/ou desenvolver o conhecimento e a inteligência das novas gerações. (1995, p.64).

Os desvios em relação a essa proposta podem ser melhor compreendidos a partir da análise da articulação desses quatro constituintes básicos do trabalho escolar, numa concepção dinâmica dos processos cognitivos. Se tomarmos os níveis em que se estrutura a pirâmide informacional numa sociedade em que a informação desempenha papel cada vez mais relevante, veremos que, para cumprir uma função formativa no mundo atual a escola não só deve superar o nível da informação, como também o do conhecimento teórico.

Na base da pirâmide estão os dados, cujo valor informacional depende de sua organização e atribuição de significado, tendo em vista transformá-lo, em informação.

No segundo nível, estão as informações. Aqui operamos meios de comunicação de massa (jornais, revistas, televisão). Embora não devesse sê-lo, aqui costuma situar-se também a educação escolar. Como simples acúmulo de informações não garante a compreensão dos fenômenos da realidade, uma vez que esta exige o estabelecimento de conexões, o processamento das informações (análise, avaliação, organização em sistemas), fica comprometida a formação do educando.

No 3º nível, o nível do conhecimento, têm-se situado as aspirações da escola moderna: uma boa formação científica, para atender ao desenvolvimento da ciência, garantindo a apreensão dos significados em contextos teóricos em que as informações se integram em sistemas, num patamar superior de compreensão.

Hoje, nos tempos pós-modernos, exige-se um nível acima: a capacidade de administras os conhecimentos disponíveis, de construir novos conhecimentos, de produzir novos dados e informações, visando à realização de projetos. Ou seja, a capacidade de mobilizar conhecimentos em razão de uma ação intencional, tendo em vista atingir objetivos.

A capacidade de elaborar projetos, que distingue o homem como tal, extrapola o nível prático-utilitário; envolve a capacidade de tecer sonhos, ilusões, perseguir utopias que alimentam, e dignificam a vida. Para daí deveriam convergir as atividades escolares: promover o desenvolvimento da inteligência do sentido da capacidade humana de criar, valorizar, projetar o mundo.

Até o 3º patamar, uma didática instrumental – voltada para a dimensão técnica do fazer educativo – obviamente mais sofisticada no nível do conhecimento que no nível da informação, poderia ajudar o professor a resolver os problemas relativos à sua prática pedagógica. Fornecer as orientações e instrumentos necessários ao desenvolvimento de conceitos científicos e de procedimentos relativos ao aprender em cada área do conhecimento, bem como nortear a definição de normas de convivência na sala de aula. O mesmo não ocorre em relação ao último patamar, que tem sua ênfase na educação em valores, privilegiando a criatividade.

Reformar o ensino para reformar o pensamento

Para aprofundar a reflexão no sentido da busca de uma nova razão humana, julgamos oportuno falar da proposta de Morin (2001), autor francês que vem discutindo a necessidade de reformar o ensino para redirecionar o modo de ser do homem no mundo.

Se tomarmos a pirâmide informacional de Machão (1995) na perspectiva de Morin (2001), podemos substituir, no último patamar, Inteligência por Pensamento.Considera a necessidade de transformar o pensamento e, para isso, aponta a necessidade de transformar o ensino. Um ensino transformado revoluciona a didática: a missão do didatismo é o auto-didatismo, despertando, provocando, favorecendo a autonomia do espírito. (MORIN, 2001).

Em outras palavras, o ensino cumpre sua função quando liberta o educando da dependência do mestre, quando faz dele um aprendiz autônomo. Morin (2001) propõe o ensino educativo, aquele que vai além da conquista do saber, que cria uma cultura que nos ajuda a compreender nossa condição no mundo, que nos ajuda a viver e que favorece um modo de pensar livre e aberto.

O pensamento de que trata Morin (2001) é o pensamento complexo, aquele capaz de reintegrar os conhecimentos dispersos numa visão holista, global da realidade. Complexo no sentido original do termo: aquilo que é tecido junto. O retalhamento das disciplinas torna impossível apreender as questões multidimensionais que enfrentamos na compreensão do mundo. A inteligência que só saber separar fragmenta o complexo (tecido) do mundo, atrofiando as possibilidades de reflexão e de uma visão integrada e interativa das partes que o compõem. Combate a hiperespecialização que produz a cegueira: uma consciência incapaz de perceber o contexto e o complexo planetário fica cega, inconsciente e irresponsável (MORIN, 2001, p. 15).

Na escola, aprendemos a isolar os objetos do seu meio, a separar as disciplinas (que nas situações reais atuam integradas),

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a dissociar os problemas, a transformar o complexo (articulado, entrelaçado) em simples.

A cultura escolar vem privilegiando a análise, ou seja, a decomposição em partes. É preciso recuperar a capacidade de síntese, sob pena de comprometer a própria possibilidade de análise. O conhecimento pertinente é aquele capaz de situar qualquer informação em seu contexto, no conjunto em que está inscrita. Aprender a contextualizar e integrar é uma importante capacidade a ser desenvolvida na escola.

A idéia do enorme conjunto de conhecimentos dispersos da atualidade nos permite compreender a angústia manifesta por T. S. Eliot, citado em Morin (2001, p. 16) quando ele se pergunta:

Onde está o conhecimento que perdemos na informação?

O conhecimento só é conhecimento enquanto organização, relacionado com as informações e inserido no contexto destas. E ele vai mais fundo ainda, quando pergunta:

Onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento?

Ou seja, o conhecimento nos serve para uso técnico, instrumental, mas não garante a consideração da situação humana no mundo, seu uso integrado para a condução de nossas vidas.

Chegamos ao final do milênio num grau nunca imaginado de desenvolvimento científico e tecnológico, mas o sonho de redenção do mundo por meio da ciência falhou. Apenas uma pequena parcela da humanidade tem acesso a ele e usufruir de seus benefícios em termos de qualidade de vida. A ciência tem-se realizado para o sucesso próprio, numa visão individualista e utilitarista. O progresso do conhecimento não nos tornou mais sábios nem mais solidários ou felizes. Não conseguimos integrar o conhecimento para conduzir melhor as nossas vidas.

O desafio hoje é integrar ciências e humanidades. Uma ciência sem alma coloca em risco não só a felicidade, mas a própria sobrevivência da humanidade.

Daí, a necessidade de mais um patamar na pirâmide: um autor o chama de inteligência, outro de pensamento. Seja qual for o nome que se dê a ele, o importante é envolver o conhecimento de senso ético, colocá-lo a serviço da vida humana em primeiro lugar. Superar a razão instrumental da tecnociência, por uma razão crítica que submeta o conhecimento ao crivo da ética.

Uma formação dessa natureza requer uma didática fundamental, para atender à construção de uma nova razão humana: uma razão crítica e ética.

Estruturação da situação de ensino para uma nova formação

Ao mesmo tempo em que são construídos significados sobre os conteúdos do ensino, os alunos constroem representações sobre a própria situação didática, que pode ser percebida como estimulante e desafiadora ou, pelo contrário, como intratável e tediosa, desprovida de interesse ou inatingível para suas possibilidades. Naturalmente, também constroem representações sobre eles mesmos, nas quais podem aparecer como pessoas competentes, interlocutores interessantes para seus professores e colegas, capacitados para resolver os problemas colocados ou, no pólo oposto, como pessoas pouco capazes, incompetentes ou com poucos recursos. Por sua vez, os “outros” presentes na situação de aprendizagem podem ser percebidos em uma ampla gama de representações que oscila entre um pólo no qual os colegas e professores podem ser vistos como pessoas que compartilham objetivos e ajudam na consecução da tarefa ou, no pólo oposto, como rivais e repressores (SOLÉ, 1996, p. 38).

Nesse cenário desenrola-se o processo ensino aprendizagem, educam-se seres humanos. A forma de estruturar as situações de ensino influi decisivamente nos resultados das aprendizagens e na formação dos alunos.

A didática, ao buscar respostas para o como ensinar, produz orientações para a organização das atividades escolares em relação ao tempo, ao espaço, aos materiais didáticos e às interações que se estabelecem no cotidiano da sala de aula. Essas orientações vinculam-se a concepções mais amplas – para que ensinar, por que ensinar desta ou daquela forma -, estando atreladas a um projeto político de educação.

Os professores, quando organizam o trabalho docente, o fazem orientados por princípios, quer tenham consciência disso ou não, e atendem implicitamente a um projeto político de educação (visão de formação humana). Agem como profissionais reflexivos (quando fazem escolhas conscientes e fundamentadas) ou como funcionários da burocracia escolar (quando executam propostas mecanicamente, reproduzindo rotinas e tradições).

É preciso ter clareza de para que ensinar – finalidades da ação educativa – e de onde se deseja chegar, para definir como caminhar.

Se nosso compromisso for com a formação crítica, com o desenvolvimento do pensamento e da capacidade de elaborar projetos para conduzir com sabedoria a vida, ou seja, trabalhar no último nível da pirâmide, no nível da complexidade, essas

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intenções deverão ser objetivadas em modos específicos de organizar as situações de ensino-aprendizagem. Devemos construir uma proposta didática nessa direção.

Ensinar, para nós, será criar situações dialógicas e interativas de aprendizagem, situações desafiadoras que exija trabalho de reflexão e investigação, situações que permitam a confrontação de pontos de vista, o posicionamento valorativo e fundamentado diante dos fatos, a análise de problemas segundo diferentes ângulos, enfim, tudo o que leve à formação de mentes abertas, autônomas, criativas e éticas.

A organização de cada aspecto da situação de ensino implicará aprendizagens específicas na direção de nosso projeto de formação humana. Ou seja, cada pequeno detalhe da rotina escolar estará conformando uma direção de formação, e o professor é o gestor desse processo.

Reorganizando os tempos, os espaços, os materiais e as interações na sala de aula

Estudos epistemológicos e psicopedagógicos, bastante divulgados no meio educacional, já não deixam dúvida quanto à natureza mediada da aquisição do conhecimento. O processo de conhecimento na escola envolve a relação sujeito (aluno)/ objeto (conteúdos conceituais, atitudinais e procedimentais), num contexto de mediação (o professor, os colegas, os pais, os autores, a mídia são mediadores culturais).

Os recursos didáticos se inserem como elementos de apoio nesse processo mediador. Dão forma, definem o formato das interações. Ou seja, as relações entre os elementos constitutivos da prática não ocorrem no vazio. Acontece num dado espaço, num determinado tempo, numa relação mais linear ou dialética, de forma mais democrática ou autoritária, por meio de materiais mais abertos ou fechados, utilizando equipamentos mais simples ou mais sofisticados, estando esses recursos operatórios intimamente relacionados.

Assim, a organização do contexto em que se dará o processo ensino-aprendizagem, na escola, envolve decisões relativas à organização do tempo, do espaço, das interações e dos materiais didáticos.

Vejamos como acontece na prática:. tempos curtos e rígidos atendem a uma relação professor / aluno / conhecimento linear e diretivista, uma vez que reduzem as possibilidades de interações aluno / aluno, aluno / professor, professor / aluno, privilegiando o monólogo do professor numa classe massificada, que responde individualmente e executa tarefas dirigidas. Nessa relação, apenas um ponto de vista é considerado, o conflito cognitivo não tem ocasião para manifestar-se, a participação é difusa e pontual, ficando muitas dúvidas por esclarecer. Entendimentos equivocados não se manifestam durante o tempo destinado às aulas, só vindo à tona nos momentos especificamente destinados à verificação da aprendizagem;. espaços fixos e limitados correspondem a esses tempos fragmentados, como as salas de aula com carteiras enfileiradas de frente para o quadro e o professor, de onde são transmitidos os conhecimentos. A própria disposição do mobiliário denuncia a relação para a qual este espaço foi estruturado: relações de mão única, exposições nos moldes de miniconferências, informação e não comunicação;. o recurso material mais freqüente neste espaço é o quadro-giz (ou painel), no qual se registra a fala do professor, apoiada ou não por recursos como cartazes, gravuras, e mais recentemente, por retroprojetores, fitas de vídeo, etc. Houve um tempo em que essas aulas-conferência eram anotadas em cadernos nobres que constituíam fontes de estudo (não havia a fartura de livros-texto de hoje). Como a introdução de novos materiais de apoio como o mimeógrafo, o livro-texto individual e, posteriormente o xerox, a anotação foi desaparecendo gradativamente da sala de aula da educação básica. Hoje, muitas vezes, os alunos devaneiam entediados, desenvolvem atividades paralelas, ficando apenas fisicamente presentes à sala de aula.

O que está errado? As aulas expositivas devem ser abolidas? Os alunos devem voltar a anotar para se manterem atentos?

Não se trata de uma coisa nem de outra. O fato é que a didática construída para resolver as questões de ensino transmissivo-receptivo (informativo) não atende às necessidades do ensino interativo e construtivo que se propõe hoje. A escola incorporou novos instrumentos tecnológicos no seu dia-a-dia, mas não mudou a lógica de organização das aulas. As aulas expositivas não podem mais ter o lugar central e quase exclusivo que já tiveram, como única fonte disponível de informação. São pertinentes para a abertura de um assunto, para seu fechamento ou síntese, para o enriquecimento do que está sendo discutido: uma exposição transformada, dialógica, na qual tem espaço o questionamento, o debate, a participação reflexiva do coletivo da sala de aula.

No contato com alunos, percebe-se que sua dispersão e desinteresse nas aulas, vistos como indisciplina pelos professores, são justificados por argumentos como: “tudo o que o professor fala está no livro, depois eu estudo para a prova”, ou “a gente não tem tempo para falar com os colegas, o jeito é passar bilhete nas aulas”. Alunos que não conseguem ficar atentos às aulas, que supostamente “não têm capacidade de concentração”, passam horas na frente do computador.

Novamente nos perguntamos: o que está errado? Os jovens de hoje não querem nada, são muito agitados? As tecnologias da informação desbancaram o professor?

Voltamos ao ponto inicial da nossa conversa. A escola e o professor não podem permanecer alheios ao contexto em que atuam. A demanda de formação que a sociedade faz a eles é que mudou, tornou-se mais complexa. É preciso que a escola não apenas repasse informações, mas que ajude o aluno a lidar com o grande volume de informações a que está exposto. Sabemos que a informação é o dado organizado segundo um critério ou ponto de vista. Os mesmos dados podem gerar informações diferentes e, até mesmo, contraditórias: vistos de outro ângulo, com outras ênfases, analisados segundo outros

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valores, ou acrescidos de fatos e circunstâncias novos. Isso significa que as informações recebidas por meio dos livros ou da mídia e da internet não podem ser absorvidas como verdades, precisam ser processadas. Essa é uma aprendizagem complexa, que exige ação efetiva do aluno: construção de conceitos, desenvolvimento de atitudes, domínio de procedimentos de investigação, crítica e sistematização de conhecimentos. Os livros e o computador por si mesmos não dão conta dessa tarefa, apenas disponibilizam informações. Cabe ao professor a questão desse processo: criar atividades, selecionar materiais, coordenar as interações dos alunos entre si e com outros mediadores, buscar espaços ricos e tempos flexíveis e processuais.

Quanto à utilização dos novos desenvolvimentos da telemática (vídeo, TV) e da informática (internet, computador) na sala de aula, a questão que se coloca aos educadores não é se devemos ou não incorporá-los, mas como devemos fazê-lo de forma a contribuir para a inovação e o desenvolvimento da atividade educacional numa perspectiva formativa.

A didática que devemos construir hoje muda de eixo: sua centralidade é a aprendizagem. Ensinar – transmitir informações para o aluno reproduzir – passa a criar situações de aprendizagem para ajudar o aluno a aprender, ou seja, criar situações em que o aluno possa interagir no mundo dos objetos e das pessoas para construir conhecimento.

A forma de organização dos elementos da prática educativa afeta a relação do aluno com o conhecimento e, portanto, a sua formação. Daí a importância de uma didática fundamental.

Professor necessário a uma didática fundamental

Educar é um ato racional, afetivo, intencional e organizado. Para o desenvolvimento de um projeto de educação voltado para uma aprendizagem consistente e significativa, garantidora do desenvolvimento cognitivo, pessoal e social das crianças e jovens, é necessário um professor:

.reflexivo, capaz de assumir uma dimensão de autoria, de produção, de autonomia;

. disposto a enfrentar os desafios da tarefa de ensinar, criando e recriando formas de intervenção didática, para que os alunos avancem na aprendizagem;. detentor de uma competência fundamental – crítica, criativa, propositiva – e não apenas instrumental;. que pense e toma decisões articulando teoria e prática; . organizador de situações de aprendizagem – estimulador, instigador, desafiador, interrogador, esclarecedor e orientador do aluno no processo de elaboração e apropriação do conhecimento;. educador consciente de que ninguém pode substituir ninguém no processo de aprender, mas pode ajudar o outro a aprender e mais: ajudar o outro a aprender a aprender.

Concordamos com Rubem Alves, quando ele diz que cabe ao educador dar sabor ao saber, aproximar o aluno do conhecimento de forma instigante, envolvendo cabeça e coração.

* Mestre em Educação pela FAE/UFMG.

PARA SABER MAIS...

CANDAU, Vera. Rumo a uma nova didática. Petrópolis: Vozes, 1998.A autora reflete sobre o sentido e o objeto da didática, propondo que esta seja um modo crítico de desenvolver a prática educativa, envolvendo educandos e educadores. Distingue didática fundamental e didática instrumental, situando a primeira numa perspectiva mais global do processo ensino aprendizagem, por integrar as dimensões humana, técnica e político-social desse processo. Avança no sentido de elevar a discussão do como fazer a educação para além das prescrições técnicas, descontextualizadas e desvinculadas de um consciente e propositado para que educar.

MACHADO, Nilson José. Epistemologia e didática: as concepções de conhecimento e inteligência e a prática docente. São Paulo: Cortez, 1995. 320 p. O autor analisa, numa linguagem clara e acessível, a relação entre concepções de conhecimento e a forma como os professores conduzem sua prática pedagógica. Nessa mesma perspectiva, focaliza a opção pelo trabalho interdisciplinar e o uso de tecnologias informáticas na educação. Examina a lógica linear do conhecimento escolar tradicional e propõe uma nova lógica em rede para a construção de outras alternativas de organização do ensino. Sua leitura ajuda o educador, que deseja transformar a sua prática, a fazê-lo de forma crítica e bem fundamentada.

MORIN, Edgar. A cabeça feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. 128p.

A frase de Montaigne, “mais vale uma cabeça bem-feita do que uma cabeça cheia”, inspira o autor na sua proposta de educação contemporânea que recusa a cisão entre ciências e humanidades, religando conhecimentos dispersos para uma compreensão mais global do mundo. É um volume pequeno e denso cuja leitura, se feita por toda a escola, seria fecunda para unir pais e professores na construção de projeto transformador de educação.

SOLÉ, Isabel. Disponibilidade para aprendizagem e sentido da aprendizagem. In: COLL, César e outros. Construtivismo na sala de aula. São Paulo: Ativa, 1996. 221 p. Nessa obra, Coll reúne as idéias de sete autores, abordando conceitos relevantes para a compreensão do desenvolvimento

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do ensino numa perspectiva construtivista de aprendizagem. Aprendizagem com sentido e significado, conhecimento prévio, mediação cultural, zona de desenvolvimento proximal estão entre os conceitos discutidos por esses autores. Vale a pena conferir.