QUATRO MITOS DO BRASIL ATUAL
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QUATRO MITOS DO
BRASIL ATUAL
MITO 1: “A CRISE MUNDIAL É FINANCEIRA” ........................................ 5
MITO 2: “A CRISE NÃO CHEGOU AO BRASIL” ....................................... 8
MITO 3: A “RECENTE” DESINDUSTRIALIZAÇÃO DO BRASIL E O SEU
“NEODESENVOLVIMENTO”. .................................................................... 14
MITO 4: O “ETERNO” DESCENSO DE MASSAS ..................................... 21
DESVENDAR OS MITOS ............................................................................. 26
3
função primordial das análises de conjunturas é
oferecer uma leitura realista, sistemática e
articulada de uma determinada situação
geopolítica, política, econômica e social. Os diferentes
agrupamentos políticos se orientam a partir do
cruzamento das análises de conjunturas com os
princípios e propósitos que lhe são particulares. Neste
sentido, organizações políticas e sociais, diferentes ou
até mesmo rivais, podem produzir análises de conjuntura
bastante similares, sem, contudo, serem convergentes no
ponto de vista da ação.
A análise de conjuntura possibilita a prática consciente e planejada num
determinado contexto. É certo que não existe um modelo de análise de
conjuntura universal, tampouco este é o objetivo a ser perseguido,
porém a mesma não pode ser construída arbitrariamente, sem critérios e
referências articuladas e hierarquizadas a partir do real, das relações
sociais concretas. Logo, as referidas análises são, a um só tempo,
necessárias e problemáticas. Necessárias porque em sua ausência não há
ação consciente na disputa política coletiva; problemáticas porque
sempre estarão sujeitas às limitações da apreensão do real.
A
4
Outro problema recorrente é que a clareza do conceito não é suficiente
para informar ação prática, é necessário ter fidelidade ao momento
histórico, ou seja, fidelidade às possibilidades que são reveladas no
processo de análise de conjuntura. Em outras palavras, é preciso se
comprometer com as análises que fazemos e levá-las às últimas
conseqüências. Nem o intelectual, nem as organizações de militantes
podem escapar desta verdade, sob o risco de cair no descrédito ou
apontar por caminhos fora do curso ou das exigências do tempo
presente.
No entanto, de forma sub-reptícia, alguns setores confundem a análise
de uma situação concreta com agitação ideológica, auto-proclamações
ou mesmo justificativas para a inércia e o abandono da iniciativa
política. Sem nenhum compromisso com a situação conjuntural, sem
nenhuma responsabilidade com a organização e mobilização das
massas, sem nenhum cuidado com as condições de vida das maiorias,
estas posições infames, ao serem repetidas cotidianamente, se
transformam em culturas políticas setoriais (ou internas a uma
determinada organização ou movimento). Toda cultura baseada em
construções abstratas, em princípios fechados e retro- alimentados pela
crença de que sua bandeira e seus valores são “eleitos” e a razão não
reside nos outros, inevitavelmente cria seus mitos, laicos ou não. Este
fundamentalismo secular, com uma suposta base científica, gera
distorções substantivas nas análises de conjunturas que, no lugar de
verificar os contornos da realidade, são reduzidas a pequenos
instrumentos de legitimação de um determinado discurso.
Quais seriam então alguns importantes mitos em circulação no
momento atual? Passamos a discutir alguns deles.
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MIto 1: “A CrIsE MunDIAl é FInAnCEIrA”
Aqueles que defendem a noção na qual a crise que foi revelada ao
mundo em 2008 é de natureza financeira, criada por uma suposta
“bolha” especulativa no setor imobiliário, estão defendendo explícita ou
implicitamente a postura liberal, que recolhe “problemas no
capitalismo” sem, contudo, entender ou admitir a dinâmica do próprio
circuito de reprodução do capital, necessariamente concentrador e
desequilibrado. Alguns defendem que o problema foi o descuido para
com a chamada “economia real”, ou seja, industrial. O problema desta
análise é óbvio, a separação entre capital bancário e industrial é apenas
teórica, na realidade trata-se do mesmo capital em etapa diferente de
seu ciclo de reprodução ampliada. A ideia de “bolha” pretende isolar
artificialmente um determinado momento do circuito de reprodução do
capital, dando uma feição isolada para o suposto ponto de origem da
crise. Ambas as análises procuram acobertar o que é principal: A crise
atual é uma crise de reprodução do capital.
Não há dúvida que as dificuldades enfrentadas ultrapassam o limite do
setor financeiro, pois existe, sobretudo, uma crise de alternativas. Os
governos não conseguem respostas confiáveis para a bancarrota das
economias centrais. Ao que tudo indica não poderão produzi-las com o
repertório liberal. Ou seja, apostando no ajuste fiscal, em medidas
restritivas de direitos e injeção permanente de recurso nos bancos. Para
os trabalhadores isto tem significado especialmente a supressão de
direitos trabalhistas e garantias sociais históricas, que foram conquistas
de muitos anos de luta. Este ataque do capital orquestrado pelo Estado
aos direitos dos trabalhadores soma-se às estratégias existentes de
transferência de valor da periferia ao centro e reforça os elementos
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contra-tendenciais da crise capitalista, ou seja, os elementos que
invertem o movimento tendencial de redução da taxa de lucro na
produção capitalista. O resultado imediato desta dinâmica só poderia
significar mais centralização do capital à custa do empobrecimento
crescente dos trabalhadores. Desta forma, em países como Grécia,
Espanha, Itália e Inglaterra, por exemplo, os trabalhadores retomaram
sua agenda de lutas. Também no Oriente Médio, em especial nos países
árabes da região, tem havido um acirramento da luta de classes. O que
move os trabalhadores do mundo é a luta pela defesa de suas conquistas
trabalhistas e sociais e a negação de um sistema que, embora nunca
tenha produzido tanta riqueza, o faz concentrando renda, elevando o
desemprego, mercantilizando direitos, intensificando a pobreza e
elevando o grau de exploração da força de trabalho.
A resposta às condições acima expostas e à conseqüente deterioração da
legitimidade das estruturas de poder político se expressa nas
mobilizações de massas cada vez mais internacionais e freqüentes. No
entanto, a indignação, que assume feições anticapitalistas, ainda não
tem conseguido apontar para a superação do sistema.
Faltam proposições capazes de disputarem a preferência das maiorias,
oferecendo indicações de uma alternativa à crise civilizatória. Depois de
dizer “não”, é hora de pensar: “e agora, para onde vamos?”.
O capitalismo, mesmo com sérias dificuldades de reprodução, ainda é
hegemônico e não pode ser subestimado. Cabe às organizações
revolucionárias disputarem uma nova concepção de humanidade e
7
trabalhar da melhor forma possível o momento atual. Certamente a
correlação de forças ainda é desfavorável à classe trabalhadora, mas
pelo menos a situação oferece um novo terreno de combate que pode
implicar em uma retomada da ofensiva política.
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MIto 2: “A CrIsE não CHEGou Ao BrAsIl”
Não é coincidência que a tese da crise financeira seja acompanhada por
outra: a de que a crise não chegou ao Brasil. Defende-se que, graças à
atuação decidida e responsável do governo juntamente com a força de
nosso mercado interno foi possível blindar a economia brasileira. Uma
análise um pouco mais rigorosa – e histórica – revela que esta tese não
passa de pura apologia ao governo e à manutenção do status quo, que
tem na falácia de “um mercado interno em crescimento” e das
“desigualdades sociais em diminuição” suas justificativas ideológicas.
Os aparelhos ideológicos do Estado Brasileiro têm obtido relativo
sucesso na tarefa de convencer a população brasileira (inclusive grande
parte dos partidos e organizações de esquerda) de que o crescimento do
mercado interno é produto de sua política social de distribuição de
renda. Sem distribuir ou democratizar, no entanto, os fatores de
produção desta renda, mantendo a transferência de valor do trabalho ao
capital por meio de uma estrutura tributária regressiva e sem garantir o
crescimento do poder de compra dos salários dos trabalhadores, o
governo se vê obrigado a retirar a remuneração dos lucros de suas
estatísticas para poder assim produzir uma diminuição da desigualdade
social que é ilusória.
Se analisarmos a partir da principal categoria marxista – a totalidade –
esta apologia se desfaz rapidamente. A acumulação capitalista é
mundial. Organiza e coordena a acumulação do capital em cada país do
globo, justamente de maneira desigual e combinada. Se houve no centro
deste sistema uma crise de reprodução do ciclo do capital é óbvio que
esta crise não deixaria de ter efeitos em todos os países capitalistas.
9
O que comumente se chama de crise é um momento específico da
verdadeira crise. Esta desorganização generalizada dos mercados
financeiros, que rapidamente “afetou” a indústria e o comércio é
somente a válvula de escape de uma panela de pressão que há muito
tempo está no fogo. A essência da crise já vinha ocorrendo antes, ou
seja, a insuficiência das taxas de exploração em continuarem
remunerando crescentemente o capital mobilizado. Quando isto ocorre
por um tempo prolongado, a expressão da crise aparece
assustadoramente aos olhos dos analistas de superfície.
O mundo capitalista vive hoje, portanto, uma dupla necessidade:
desvalorizar brutalmente o capital já existente e aumentar as taxas de
exploração. Esta necessidade é urgente principalmente nos territórios
em que a situação é mais difícil, dado as dificuldades de aumentar as
taxas de exploração internamente: Europa, EUA, Japão. Portanto, ao
mesmo tempo em que lentamente estas dificuldades são combatidas, a
periferia é convocada a dar sua contribuição por meio das transferências
internacionais de valor, ou, desde nossa perspectiva: por meio das
perdas internacionais.
O Brasil, como hoje já é evidente, não poderia fugir das necessidades da
acumulação mundial de capital (exceto com uma proposta de alternativa
ao capitalismo). Em primeiro lugar, a clássica política de contenção da
desorganização financeira foi tomada: uma transferência gigantesca de
excedente econômico foi realizada, via Estado, para os grandes
monopólios: seja por meio da isenção fiscal, que contribui para a
realização da mercadoria e para redução do custo da força de trabalho;
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seja por meio da injeção de dinheiro público captado a preços altíssimos
pelo governo (taxa de juros selic) no mercado nacional e internacional,
mas oferecido a preço baixo por meio de uma política do BNDES que
favorece um seleto grupo de monopólios nacionais e estrangeiros. A
expansão do crédito tem contribuído também para oxigenar os lucros
das grandes empreiteiras (setores imobiliário e de construção civil) e
das multinacionais de setores como eletro-eletrônicos e de linha branca,
automobilístico e de aviação civil, à custa, no entanto, de um
endividamento familiar crescente (segundo dados da Confederação
Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, 65% das famílias
brasileiras estão endividadas), que já compromete significativa parcela
da renda e do patrimônio dos trabalhadores brasileiros, intensificando
uma vez mais a transferência de sua renda ao grande capital. Como esta
expansão do crédito tem um padrão de financiamento estrangeiro, a
captação de recursos no exterior que o BNDES realiza sistematicamente
tem contribuído, também, para o endividamento do Estado e o
agravamento da dependência em nosso país. O próprio BNDES, aliás,
alterou em 2006 seu estatuto para permitir que este crédito financie
empreiteiras, financeiras e o agronegócio brasileiro.
Entretanto, esta rápida retomada keynesiana teve vida curta. Se entre
2007 e 2010 alguém se iludiu que a política econômica da estabilidade -
que na verdade sustenta o pacto da classe dominante desde o início do
plano real, ou seja, a “santíssima trindade” da inflação, câmbio e juros:
se alguém teve a ilusão de que finalmente estava sendo alterada, foi
obrigado a tomar uma nova dose de realismo imposta, desta vez, pelo
governo da presidente Dilma. Ora, se a crise não chegou ao Brasil
porque as atuais medidas de austeridade, de contenção do aumento
salarial e dos gastos sociais? Porque a retomada do aumento da taxa de
juros que havia sido reduzido de 19,75 pontos percentuais desde agosto
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de 2005 para 8,75% a.a em julho de 2009, mas que já foi rapidamente
elevado para 12,5% em julho deste ano?
A crise está, portanto, obviamente afetando o Brasil que assim como
todas as nações do mundo está sendo chamado à “responsabilidade” de
salvar os países centrais. Algumas nações, no entanto, têm mais
capacidade de se defender contra a desvalorização monetária dos países
centrais – forma com que estes países classicamente encontram para se
apropriar do excedente econômico produzido em outros países.
Todavia, o nível de integração subalterna do Brasil à economia mundial
não faz dele uma destas nações.
A primeira expressão que nos demonstra isto e que mais “liga” o Brasil
à crise é a dívida pública. Não é paradoxal que justamente durante uma
crise financeira, de escassez de crédito, ou seja, de escassez monetária
nosso país seja invadido por uma enxurrada de dólares? Este paradoxo
aparente revela, na verdade, toda falácia da economia liberal, pois,
como já dissemos não se trata de uma crise financeira, de crédito, ou
bolha especulativa, mas sim de uma crise de reprodução do capital
(produção e apropriação do valor). Se o epicentro desta crise são os
países centrais é natural que o capital que sobra nestes países busque se
apropriar de mais-valor produzido por trabalhadores de outros países. A
entrada de capitais externos no país ocorre com este objetivo. Seu
principal instrumento: a dívida pública interna (principalmente) e
externa. O Estado brasileiro compromete anualmente metade de seu
orçamento para essa gigantesca transferência de valor. Valor produzido
pelos trabalhadores e trabalhadoras de nosso país e que está sendo
utilizado para tentar salvar a acumulação nos países centrais. E tudo isto
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por um único motivo: a estabilidade da acumulação nestes países é
pressuposto da estabilidade da nossa classe dominante.
A estabilidade brasileira, portanto, está assentada nesta gigantesca
transferência de valor, nas famosas perdas internacionais do nosso país.
Estas se dão principalmente por meio da remuneração da dívida pública,
mas não somente. Uma rápida olhada na evolução dos indicadores do
Balanço de Pagamentos revela outras de suas formas. Se em 2003 o
Brasil transferiu US$ 18,6 bi em “renda de investimento”, em 2010 essa
cifra passou para US$ 40bi; na rubrica “lucros e dividendos –
investimento direto” passou de US$ 4 bi para US$23,6 bi; e o de
“lucros e dividendos – investimento em carteira” foi de US$1,5bi para
US$6,7bi. Esses dados demonstram como nosso país tem contribuído
com a necessidade de acumulação dos países centrais em detrimento
das necessidades do nosso povo. Não é coincidência, portanto, que
justamente desde 2008 – ano de estouro da crise – o saldo de transações
correntes do balanço de pagamentos tenha se tornado deficitário. Isso
significa que o superávit comercial não tem conseguido fazer frente à
gigantesca quantidade de riqueza que tem sido sugada do país, na forma
monetária.
Ademais, a clássica transferência de valor por meio de intercâmbio
desigual de mercadorias também continua operando, apesar de que para
muitos analistas – que ainda não aprenderam a diferença entre valor e
preço - seja “coisa do passado”.
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Não obstante, a aposta do governo tem sido em aumentar o saldo
comercial por meio do aumento da exportação dos produtos agrários, o
que tem se revelado como uma verdadeira ressatelitização da economia
brasileira. Tal economia tem, cada vez mais, passado a orbitar ao redor
da economia chinesa. É flagrante demais para ser apenas coincidência
que a volta dos produtos primários como primeiro produto na pauta de
exportação tenha se dado juntamente com a ascensão da China como
primeiro parceiro comercial brasileiro, sendo que tudo isto se desenhou
com a crise de 2008.
14
MIto 3: A “rECEntE” DEsInDustrIAlIzAção Do
BrAsIl E o sEu “nEoDEsEnvolvIMEnto”.
A economia brasileira, a despeito da propaganda oficial, segue sendo
dependente e, ao que tudo indica, cada vez mais subordinada ao
desenvolvimento chinês. A fração mais ligada ao setor industrial da
classe dominante brasileira até ensaiou uma ofensiva ideológica contra
este movimento denunciando a suposta desindustrialização brasileira no
último período. Segundo esta tese, na verdade um outro mito, a “forte e
industrializada” economia brasileira estaria sofrendo com o ataque
especulativo do dólar e a concorrência chinesa. Mesmo sendo verdade,
isso não significa um movimento recente, mas um aspecto estrutural da
nossa economia e uma prova da manutenção das diretrizes neoliberais
na atual política econômica.
A tese da desindustrialização não é uma novidade tupiniquim. Como
quase tudo que passa na cabeça de nossos analistas ela veio importada
diretamente do pensamento dos países centrais. Mais especificamente
de uma análise do “insuspeito” Fundo Monetário Internacional. Era a
tentativa de explicar o fenômeno ocorrido nos EUA, Europa e Japão
que entre as décadas de 1970 e 1990 viram a porcentagem da população
empregada no setor manufatureiro cair em torno de 10%, na mesma
medida em que crescia a porcentagem da população empregada no setor
de serviços. Outro indicador utilizado foi o de valor adicionado pela
indústria no PIB que apresentou o mesmo movimento: diminuição da
contribuição do setor industrial e aumento do setor terciário. Trata-se,
portanto, de nova importação teórica sem a devida redução sociológica.
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Em primeiro lugar, antes de falar em desindustrialização temos que
compreender corretamente o que foi a nossa industrialização, pois ela
não tem paralelo com a industrialização dos países centrais. Ao
contrário de lá, não tivemos uma revolução industrial capitaneada por
uma burguesia nacional que dominou toda a cadeia tecnológica e
integrou produtivamente grande parte de sua força de trabalho
disponível. A industrialização brasileira foi periférica e dirigida pelo
estado, especialmente durante a era Vargas. Este processo contou com a
participação dos monopólios internacionais, principalmente a partir da
década de 50, logo após a recuperação das economias centrais no pós-
guerra. A industrialização brasileira não foi capaz de superar a
orientação exógena, e continuou apoiada sobre uma pauta de exportação
de baixo valor agregado. A dinâmica de nossa industrialização sempre
necessitou da realização de mercadorias via exportação dado que nosso
mercado interno é historicamente atrofiado pela super-exploração de
sua força de trabalho. Basta comparar o poder de compra de um
trabalhador da mesma transnacional no Brasil ou nos EUA; ou então, o
lucro da General Motors nos dois países para evidenciar este
mecanismo em operação. A nossa indústria é um apêndice dos
conglomerados transnacionais. Como precisamente afirmou Darcy
Ribeiro, é uma industrialização recolonizadora.
Por isso, o arroubo de ofensiva nacionalista dos industriais durou muito
pouco. Bastou algumas reuniões com o atual ministro de
desenvolvimento, indústria e comércio (Fernando Pimentel) para
compreenderem que “teriam que aprender a viver com o câmbio baixo”.
Afinal, os industriais estão aproveitando muito bem o câmbio baixo: a
captação de recursos externos do setor privado aumentou violentamente
em conjunto com a importação de máquinas e bens de equipamento da
China e dos EUA. Este mecanismo de se endividar em dólar em troca
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de máquinas e bens de equipamento permite aumentar a produtividade
interna, elevar a quantidade produzida sem aumentar a massa salarial.
Não obstante, com esta ofensiva ideológica conseguiram algumas
concessões e benefícios governamentais, como isenção fiscal, proteção
tarifária direcionada e novos benefícios creditícios.
Por fim, os 3 indicadores mais utilizados para defender a tese da
desindustrialização estão sendo utilizados de maneira precária. Isto
porque a formação bruta de capital fixo, ou seja, a famigerada taxa de
investimento não ultrapassa o nível de 20% do PIB desde 1994. O
mesmo acontece com a participação da indústria de transformação no
PIB que passou de 35% em 1985 para 18% em 1995 e desde então
nunca mais ultrapassou o teto de 20% do PIB. O mesmo movimento
aconteceu com o percentual da população economicamente ativa
ocupada na indústria: queda acentuada até 1995 e manutenção do
mesmo nível desde então. Esses dados demonstram, portanto, que se
houve alguma desindustrialização ela não é recente. Ao contrário, ela
está na base do pacto de classe do plano real que mantêm a atual
estabilidade.
Por que, então, a burguesia industrial brasileira não reclama da
desindustrialização desde 1994? Porque defende com unhas e dentes a
“santíssima trindade” - inflação, câmbio flutuante e juros altos? Por
uma razão muito simples: a burguesia industrial se contenta com a
posição de sócia subalterna do desenvolvimento dos países centrais. A
rápida arrefecida da sua ofensiva ideológica demonstrou quais eram
17
seus únicos objetivos: conquistar mais alguns privilégios estatais. Por
isso esta mesma burguesia que se diz contra a desindustrialização
continua importando massivamente máquinas e bens de equipamento do
exterior; continua se endividando gigantescamente; e se levanta contra
qualquer tentativa do governo de reestabelecer uma indústria de base,
de tecnologia de ponta, sob a acusação de “reestatização da economia”.
Portanto, esta tese da desindustrialização revela o oportunismo da
burguesia brasileira, desinteressada e não identificada com um processo
de desenvolvimento nacional e autônomo. O que mais preocupa, no
entanto, é que partidos de esquerda estejam influenciando parte da
classe trabalhadora a sair em defesa dos interesses desta burguesia. Se a
luta contra a desindustrialização capitaneada pela classe trabalhadora
não for tomada como parte de uma luta contra a burguesia ela será, na
verdade, uma luta contra os próprios trabalhadores.
Aqueles dados, por sua vez, também ajudam a desmistificar uma
segunda tese: a de que o atual governo é neodesenvolvimentista. Desde
1994 a taxa de investimento, a de valor adicionado pela indústria ao
PIB, e a de pessoal ocupado na indústria de transformação mantêm-se
praticamente estável. Tampouco vimos acelerar a reforma agrária,
urbana, universitária e bancária nos moldes defendidos pelo
desenvolvimentismo clássico da década de 1960.
Outra “novidade neodesenvolvimentista” vangloriada pelo governo e
pelos analistas de plantão da economia é o chamado “dinamismo do
mercado interno”. No entanto, sua origem está numa combinação
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perigosa entre consumo e endividamento. De um lado, o governo
estimula a produção de bens como os produtos da “linha branca” e
automóveis favorecendo os grandes monopólios nacionais com
renúncias fiscais, debilitando assim as finanças do Estado; de outro, as
famílias se postam “às compras” lastreadas nas “facilidades” do crédito,
ou seja, no endividamento. Uma simples pesquisa demonstra que o
endividamento médio dos brasileiros tem crescido brutalmente nos
últimos anos. E não poderia ser de outra forma, uma vez que o salário
percebido pela classe trabalhadora do país, por si só, é insuficiente até
para provê-la de mercadorias básicas da modernidade como fogão,
geladeira e televisão. Logo, o mecanismo que tem dado fôlego ao
mercado interno nos últimos anos traz pro país a solidez de um pântano,
além de implicações decorrentes como o aumento dos danos ambientais
num contexto de manutenção da lógica da dependência e de
aprofundamento do caos nas cidades.
O atual centro do debate “neodesenvolvimentista” – inflação, câmbio e
juros – nunca foi o centro do debate desenvolvimentista; da heterodoxia
do pensamento econômico. O governo petista não é
neodesenvolvimentista simplesmente porque o neodesenvolvimentismo
é uma falácia. Não tem nada de desenvolvimentista. É puro
oportunismo ideológico e político que concorre para alimentar o
discurso do “Brasil Grande” juntamente com um conjunto de fatos
levantados – como grandes obras, PAC, a recepção da Copa do Mundo
e das Olimpíadas – para alimentar a fantasia de que o Brasil estaria se
colocando na economia mundial como uma grande potência que “dita
os rumos”. Este mesmo movimento ideológico apresenta-se no interior
da esquerda brasileira. A apologia neodesenvolvimentista, útil para os
setores dominantes e governistas, aparece no interior da esquerda com a
tese de que o Brasil estaria se tornando uma nação imperialista.
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Neodesenvolvimentismo por um lado e imperialismo por outro, são,
portanto, duas faces do mesmo movimento ideológico incapaz de
perceber a posição intermediária e dependente que nosso país ocupa.
Todavia, ao contrário da ideologia neodesenvolvimentista (que é útil às
classes dominantes), a tese do Brasil imperialista poderá levar a
(pretensa) esquerda revolucionária brasileira a erros gravíssimos.
O cenário ideológico brasileiro oferece, portanto, várias opções para
distrair as consciências ingênuas. “A crise não chegou ao Brasil”, “o
país está se desindustrializando” e “o governo é
neodesenvolvimentista”, são todas alternativas para manter nossa
consciência crítica alienada, sem enxergar os nossos reais problemas e
distanciando-nos das verdadeiras soluções. Isto porque interessa a todas
as frações da nossa classe dominante manter o atual governo
simplesmente porque ele tem sido fundamental para manter seu pacto
de classe. Nunca antes na história desse país os banqueiros nacionais e
internacionais ganharam tanto; os grandes monopólios produtivos estão
subsidiados pelo lado fiscal e do crédito além de aproveitarem as
brechas da legislação para também acumular na esfera financeira; o
agronegócio, não obstante a famigerada elevação do preço
dascommodities, continua sugando do Estado brasileiro gigantescas
quantias anuais, revelando que em vez de trazer superávits ao país está
deixando nosso Estado deficitário.
Porém, é cada vez mais evidente que a atual fase cíclica do capital
afetou e afetará ainda mais o Brasil. O funcionalismo público já está
sentindo isso na pele e parte dele sequer teve reajuste inflacionário no
ano de 2011; os trabalhadores da iniciativa privada também já tiveram
diminuição no seu aumento de poder de compra; os marginalizados
20
estão cada vez mais percebendo que a sua participação neste
“neodesenvolvimentismo” é assessória e resumida ao assistencialismo.
A solução para a crise não está em construir modelos recauchutados da
ideologia neoliberal. Tampouco não há crise sem soluções, e ao que
tudo indica esta não será superada sem a abertura de uma nova vaga
histórica de lutas populares.
21
MIto 4: o “EtErno” DEsCEnso DE MAssAs
Tem sido consagrado em recentes análises de conjuntura que o país vive
um profundo descenso do movimento de massas. De fato não estamos
vivenciando nenhum momento pré-revolucionário. Porém, o que
importa são as conseqüências, em termos de ação política, derivadas
deste tipo de leitura. A mais difundida é que, na medida em que
estamos num descenso do movimento de massas, não é possível ter
iniciativa na luta política, sendo que alguns ainda complementam que “é
o momento de estudar e formar quadros”.
36. Há o que dizer sobre esta lógica. A primeira é que a tarefa de
formação de quadros necessariamente é permanente, não é restrita a
conjunturas de baixa mobilização. Por outro lado, um quadro não se
forma apenas com estudo, pois mesmo sendo este imprescindível é
necessário que experimente a ação prática, o trabalho de organização de
massas nas mais diferentes e difíceis situações. O quadro se forma
quando é chamado a definir a política de sua organização, se
responsabilizando e se comprometendo. O concurso de estudo, ação
política e vivência organizativa forma o quadro, não apenas os cursos,
que por mais necessários que sejam não são suficientes. Apenas o
estudo cria militantes pedantes, apenas a prática cria voluntaristas sem
reflexão. A teoria e a prática são tarefas em qualquer situação, em
qualquer conjuntura.
Porém, algumas organizações justificam sua inoperância com o
argumento de que não é possível fazer outra coisa senão “estudar” e
“formar” quadros. Os mais honestos defensores desta concepção
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acreditam que realmente não é possível acumular força no descenso. O
que resta, portanto, é estudar e manter “a chama acesa da utopia”, sendo
isso nada mais que uma postura religiosa sobre o processo político. O
que não percebem é que para cada conjuntura exige uma determinada
estratégia de atuação, pois não há acúmulo de força fora de uma
estratégia. O que existe não é a impossibilidade de ação política, mas a
ausência de uma estratégia por parte destas organizações.
Outro gargalo que deve ser entendido se refere à relação entre a ação
política e a conjuntura. É puro determinismo acreditar que o descenso é
impermeável à ação política. A prática política estrategicamente e
teoricamente embasada permite alterar a conjuntura, acumular forças e
romper com o descenso de massas. Não se trata de voluntarismo, mas
de intervir conscientemente dentro das condições existentes, procurando
alterá-las em benefício do objetivo.
É comum encontrarmos análises de conjuntura que atribuem às políticas
assistenciais um efeito desmobilizador das massas. Em outras palavras,
estas políticas pacificariam “os debaixo”, obstruído qualquer
possibilidade de ação da esquerda. O primeiro problema deste tipo de
análise é que a mesma superestima o alcance destas políticas, atribuindo
uma força que não possuem. Programas assistenciais estão longe de
garantir um nível de bem-estar que retiraria a possibilidade de
mobilização popular. O segundo se refere à concepção de trabalho
político de massas, ou como é conhecido “o trabalho de base”. O estilo
tradicional de “trabalho de base” foi elaborado em condições de
profunda pauperização das classes subalternas, trabalhando com alvos
fáceis dentro das lutas econômicas. Porém, qualquer alteração das
condições de vida o torna obsoleto e não mais responde ao seu
23
propósito. Diante da falência deste estilo de trabalho de organização
popular, setores de esquerda atribuem o problema ao povo, ou ao
descenso do movimento de massas, criando justificativas elegantes
teoricamente para a própria miopia política.
“É necessário retomar o trabalho de base”. Algo que é repetido como
mantras por setores da esquerda. Quem pode ir contra tal afirmação? No
entanto, escondem a ausência de uma política para que este instrumento
tenha conteúdo e um novo método para que seja eficaz. Toda linha de
massas serve a uma linha política e está contida em uma estratégia, do
contrário são apenas palavras bonitas, consensuais e inofensivas.
Este suposto “retorno ao trabalho de base” se materializa, na prática,
como rituais, uma vez que as massas não respondem ao chamado das
“vanguardas”, sendo então “necessário que a mesma produza por ela
mesma os atos”. Ou seja, que uma minoria radical cumpra a função da
classe. Este aspecto se expressa por meio de campanhas nacionais
artificiais, completamente deslocadas das necessidades e do horizonte
das maiorias. Da mesma forma os inúmeros atos e jornadas de luta
reforçam a lógica das manifestações como “espetáculos” e que em nada
tem haver com a organização popular cotidiana e persistente, apesar de
ser algo de fundamental importância para qualquer processo de
transformação social. As ruas não podem se tornar um picadeiro dos
descontentes, que isolam e desmoralizam a militância perante a massa,
não podem ser lugar de rituais de sensibilização dos governos e da
sociedade para as causas populares. Esta postura, por mais bem
intencionada, ao contrário do que declara, está longe de representar os
interesses das classes trabalhadoras. Geralmente são atos que tendem a
impor determinada pauta política, sem, contudo, compreender e ser fiel
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ao momento conjuntural. As mobilizações e a tomada das ruas devem
ser produto de uma condução afinada à realidade, naquelas situações em
que os atos não se tornam apenas desfiles, mas um imperativo político e
moral de avanço ou defesa dos interesses das maiorias. Para que as
organizações políticas e movimentos consigam entender a melhor forma
de condução das mobilizações é preciso estar inserido no cotidiano da
classe, e construir a partir deste encontro as força capaz de envolver as
maiores frações do corpo social em torno de reivindicações reais, que só
assim poderão se transformar em fermento para a luta.
Os arautos do mito do descenso de massas esquecem que os ascensos
somente são aproveitados por aqueles que estiverem melhores
posicionados politicamente, geralmente aqueles que tiveram fidelidade
aos acontecimentos históricos. A ascendência das mobilizações
populares não é facilmente prevista, revoluções não se anunciam, são
vividas, e geralmente as condições de sua existência são verificadas
a posteriori. Por isso não se pode esperá-las, não se pode postergar o
trabalho organizativo até uma futura insurreição de massa, na qual os
“esclarecidos revolucionários” se apresentará mecanicamente como a
direção da plebe rude. As massas não aguardam as direções, sendo que
a auto-proclamação de vanguarda somente serve para satisfazer as
expectativas e ansiedades da pequena burguesia radicalizada.
Também o oposto do mito do descenso de massa parte do mesmo erro:
o subjetivismo. Alguns agrupamentos da esquerda tentam causar o
ascenso das massas simplesmente anunciando-o diuturnamente. Para
estes, por oportunismo consciente ou não, enxergam em cada situação
um período pré-revolucionário. Criam análises e discursos que são
monumentos à ansiedade. O resultado desta prática é claramente
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perceptível, as maiorias os enxergam como alienígenas. Muitas das
vezes este tipo de interpretação está apoiada em uma leitura mecânica
das obras revolucionárias, de um estilo doutrinário de pensamento
alheio à criação, que apresenta soluções pré-moldadas antes mesmo de
refletir sobre as questões que se colocam para o tempo presente. As
respostas para as questões atuais não podem ser produzidas em série,
tão pouco serão encontradas por meio da visita importuna às sinistras
enciclopédias. Citações não criam teoria, tampouco convencem as
massas. Para se aproximar de uma análise concreta é necessário partir
do real. Somente assim é possível compreender a situação da luta de
classes e produzir a melhor política.
Não é certo que a classe proletário-popular está adormecida, as lutas
acontecem, porém em um nível de consciência muito imediato. O que
falta é uma melhor compreensão de como elas estão se desenvolvendo,
muitas vezes de forma subterrânea. Porém esta compreensão não vem
apenas dos estudos, mas da inserção no meio popular.
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Desvendar os mitos
As análises de conjuntura são aproximações do real, assim, mitos e
quaisquer outros tipos de abstrações não são apropriadas a um esforço
sério de interpretação da situação. A conjuntura atual nos exige a
capacidade de estabelecer parâmetros mais sólidos para a ação.
A crise mundial é sistêmica e profunda e pode inaugurar um período
histórico novo que desafia as forças sociais anti-capitalistas. É preciso
ter consciência que o Brasil está inserido dentro deste conjunto de
mudanças globais, com as quais tem profunda interação. Neste sentido,
as respostas até agora apresentadas estão longe de oferecerem
alternativas contundentes aos constrangimentos causados pela
deterioração da ordem capitalista mundial. As contestações populares se
generalizam, ainda que pouco sólidas e órfãs de uma proposta
alternativa. As organizações revolucionárias podem contribuir na
construção deste novo patamar de disputa política, mas terão que se
credenciar a partir da atuação consciente junto às massas. O mundo não
é mais o mesmo, a mudança não é apenas um imperativo moral, mas
uma exigência cada vez mais urgente.
Brasil, 05 de janeiro de 2012