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Quata-feira, 26 de Fevereiro de 2020 I Ano 02, n.º 23 I Director: Prof. Adriano Nuvunga I www.cddmoz.org/eleicoes Eleições C onhecedor da realidade africana e antigo Secretário Executivo da Co- missão da União Africana, o Profes- sor Carlos Lopes foi orador da palestra sobre “Avanços na Integração Regional Africana: Implicações para Moçambique”, organizada pela Centro para Democracia e Desenvolvi- mento (CDD) em parceria com a Universida- de Técnica de Moçambique (UDM). Na sua intervenção, começou por destacar a vontade política dos líderes africanos em aderir ao Acordo de Livre Comércio, uma iniciativa da União Africana que visa facili- tar e dinamizar as trocas comerciais entres os países africanos e mobilizar investidores africanos e não só a apostarem em África. O Professor Carlos Lopes olha para o Acordo de de Livre Comércio como caminho para acelerar os processos de integração regio- nal em África que ficaram estagnados nos últimos anos. Com uma população estimada em 1,3 bi- liões de habitantes, a Zona Livre Comércio de África é a maior em termos do número de países (55) e constitui o maior mercado do mundo. Mais ainda, metade da popula- ção é jovem e estimativas mais optimistas indicam que em 2043 África terá a maior força de trabalho do mundo, ultrapassando a China e Índia. O Professor Carlos Lopes vê nesses indicadores vantagens para o suces- so do Acordo de Livre Comércio, cujos ob- jectivos passam, também, por transformar AULA PÚBLICA DO PROFESSOR CARLOS LOPES Que vantagens Moçambique pode tirar do Acordo de Livre Comércio?

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Quata-feira, 26 de Fevereiro de 2020 I Ano 02, n.º 23 I Director: Prof. Adriano Nuvunga I www.cddmoz.org/eleicoes

Eleições

Conhecedor da realidade africana e antigo Secretário Executivo da Co-missão da União Africana, o Profes-

sor Carlos Lopes foi orador da palestra sobre “Avanços na Integração Regional Africana: Implicações para Moçambique”, organizada pela Centro para Democracia e Desenvolvi-mento (CDD) em parceria com a Universida-de Técnica de Moçambique (UDM).

Na sua intervenção, começou por destacar a vontade política dos líderes africanos em

aderir ao Acordo de Livre Comércio, uma iniciativa da União Africana que visa facili-tar e dinamizar as trocas comerciais entres os países africanos e mobilizar investidores africanos e não só a apostarem em África. O Professor Carlos Lopes olha para o Acordo de de Livre Comércio como caminho para acelerar os processos de integração regio-nal em África que ficaram estagnados nos últimos anos.

Com uma população estimada em 1,3 bi-

liões de habitantes, a Zona Livre Comércio de África é a maior em termos do número de países (55) e constitui o maior mercado do mundo. Mais ainda, metade da popula-ção é jovem e estimativas mais optimistas indicam que em 2043 África terá a maior força de trabalho do mundo, ultrapassando a China e Índia. O Professor Carlos Lopes vê nesses indicadores vantagens para o suces-so do Acordo de Livre Comércio, cujos ob-jectivos passam, também, por transformar

AULA PÚBLICA DO PROFESSOR CARLOS LOPES

Que vantagens Moçambique pode tirar do Acordo de Livre Comércio?

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as economias africanas de exportadoras de matérias-primas para fora do continente à exportadoras de produtos manufacturados.

Pelo menos 35 países africanos dependem de exportações de matéria-prima, sendo que esta componente representa 85% das expor-tações de cada país. “A indústria africana tem uma produtividade baixa, emprega menos num continente que precisa de criar, em mé-dia, 7 milhões de empregos por ano. África precisa de uma transformação industrial. Há barreiras para a industrialização que só po-dem ser superadas se os países agirem em bloco”, descreve o Professor Carlos Lopes.

A produção industrial de África é estimada em 500 mil milhões de dólares, sendo que 70% da produção é consumida a nível do-méstico, 20% é exportada para fora de Áfri-ca e apenas 10% entra nas trocas comerciais dentro do continente. Por isso, a eliminação das taxas aduaneiras em 90% dos produtos vai incentivar o comércio intra-africano e mobilizar investidores africanos e não só a apostarem no mercado continental. Neste momento, a China é o maior investidor em África, seguido dos Emirados Árabes Uni-dos. África do Sul e Marrocos são os únicos países africanos que entram na lista dos 10 maiores investidores em África.

Além de mobilizar os próprios africanos a investirem em África, a implementação do Acordo de Livre Comércio vai trazer formas de regulação mais sofisticadas para o mer-cado africano, neste momento dominado pelo comércio informal. Devido à falta de regulação, o comércio intra-africano corres-ponde a apenas 17% de todo o comércio desenvolvido em África. “O comércio é feito de forma informal e as actividades económi-cas mais sofisticadas, como as finanças e as telecomunicações, não são captadas pelas estatísticas devido à falta de domínio técni-co dos reguladores nacionais”, explicou.

O orador chamou a atenção para os ris-cos da concentração da riqueza africana em poucos países. África tem um PIB avaliado em 3 triliões de dólares, dos quais 65% são correspondem às três principais economias do continente, nomeadamente África do Sul, Nigéria e Egipto. Uma recessão numa dessas economias pode contaminar as eco-nomias dependentes, gerando uma espiral de crise económica.

Mas há um outro problema: alguns des-ses países, como a Nigéria, mostraram-se reticentes em aderir ao Acordo de Livre Comércio devido à falta de clareza na de-finição das regras de origem dos produtos.

Detentor de um dos maiores mercados de África, a Nigéria tinha receio de ser invadido por produtos acessíveis que não foram pro-duzidos originariamente em África. Por isso, Carlos Lopes defende a importância do es-tabelecimento das regras de origem para se definir quando é que um produto pode ser considerado africano.

Lançado oficialmente na cimeira da União Africana do Níger, em Julho de 2019, o Acor-do de Livre Comércio deverá ser implemen-tado a partir de Junho deste ano, depois da cimeira extraordinária da União Africana que deverá ser convocada para Maio.

Até Julho do ano passado, dos 55 países do continente, apenas a Eritreia ainda não tinha assinado acordo; e 27 países tinham, não só assinado, mas também ratificado o acordo. Moçambique faz parte dos países que ainda não ratificaram o Acordo de Livre Comércio.

Numa primeira fase, o livre comércio entre os países africanos consiste na retirada de taxas aduaneiras em 90% das mercadorias, mas será alargada para a área de serviços. A segunda fase do acordo, cujas negocia-ções já arrancaram, abrange o protocolo de concorrência e propriedade industrial. Já a terceira e a mais complexa fase, envolve o comércio digital.

Que vantagens Moçambique pode tirar do Acordo de Livre Comércio?

Devido à sua localização na costa do Índi-co e perto da África do Sul (uma das maiores economias africanas), Moçambique pode tirar muitas vantagens do Acordo de Livre Comércio. Carlos Lopes diz, por exemplo, que Moçambique pode tirar proveito da crise energética da África do Sul, investin-

do mais em fontes de geração de energias, como barragens e centrais a gás, um recurso abundante no país. “Há investimentos ener-géticos em Moçambique, mas não me pare-cem que estejam a ser pensados no quadro da integração regional e muito menos da Zona de Livre Comércio. Moçambique devia

aproveitar este momento em que África do Sul continua hesitante em liberalizar o sec-tor energético, tanto do lado da produção, como da transmissão”, disse o orador. In-vestindo em barragens, Moçambique resol-ve o problema de cheias cíclicas e da falta de água que, no futuro, poderá ser uma das principais causas de conflitos no mundo.

Moçambique pode ainda explorar os cor-redores logísticos (Nacala, Beira e Maputo) para tirar vantagens do livre comércio. Mas para isso, avisa Carlos Lopes, é preciso in-vestir na modernização dos portos, incluin-do dos serviços logísticos. Deu o exemplo de Togo que modernizou o seu porto de Lomé, tornando-o um dos mais atractivos para o comércio na África Ocidental. “Outra componente importante é a segurança ma-rítima. Onde há segurança marítima os cus-tos de seguro são baixos e isso atrai muitas companhias de comércio”.

Mas as vantagens comparativas não bas-tam: “Nenhum país vai beneficiar do Acor-do de Livre Comércio por automatismo. Os países devem trabalhar para tirar benefícios deste Acordo”, declarou o Professor Carlos Lopes.

Entretanto, alguns participantes levanta-ram algumas questões que podem inviabi-lizar o Acordo de Livre Comércio. Por exem-

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plo, Adriano Nuvunga, director do CDD, questionou como operacionalizar a Zona de Livre Comércio num continente em que os modelos de crescimento económico deixam milhões de jovens desesperados e desinte-grados devido à fraca qualidade de educa-ção. A fraca capacidade institucional de al-guns países africanos também é um factor que pode perturbar a integração na Zona de Livre Comércio. Outra questão tem que ver com a falta de informação: “Os nossos go-

vernantes não nos dizem o que vão discutir e assinar nas cimeiras da União Africana. Mui-tas coisas que estamos a ouvir com o Profes-sor Carlos Lopes constituem novidade por-que os nossos dirigentes simplesmente não nos informam”, lamentou Adriano Nuvunga. A questão da fraca qualidade de educação também foi levantada pelo reitor da Univer-sidade Técnica de Moçambique (UDM), Se-verino Ngoenha.

Ericino de Salema, activista social, levantou

a questão da falta de integridade e de trans-parência dos processos eleitorais em muitos países como um factor a ter em conta na abordagem do Acordo de Livre Comércio. Outros participantes falaram da falta de se-gurança em muitos países africanos como um problema que pode afectar a implemen-tação da Zona de Livre Comércio. Aponta-ram, como exemplo, das dificuldades de li-vre circulação de pessoas e bens que ainda persistem na região da SADC.

Propriedade: CDD – Centro para a Democracia e Desenvolvimento Director: Prof. Adriano NuvungaEditor: João Nhabanga Tinga Autor: João Nhabanga Tinga Equipa Técnica: João Nhabanga Tinga, Agostinho Machava, Ilídio Nhantumbo, Denise Cruz, Isabel Macamo. Layout: CDD

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