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Jornal Paralímpico QUARTA-FEIRA, 21.9.2016 CADERNO ESPECIAL Nº 2 PARA SEMPRE NA MEMÓRIA Um balanço do evento que encantou os cariocas DANIEL DIAS, O CARA DA RIO-2016 Nadador chega à marca de 24 medalhas em Jogos EM COOPERAÇÃO COM

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JornalParalímpico

QUARTA-FEIRA, 21.9.2016 CADERNO ESPECIAL Nº 2

PARA SEMPRE NA MEMÓRIAUm balanço do evento que encantou os cariocas

DANIEL DIAS, O CARA DA RIO-2016Nadador chega à marca de 24 medalhas em Jogos

EM COOPERAÇÃO COM

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2|Jornal Paralímpico|Quarta-feira 21.9.2016

ÍNDICE3 | EditorialJoachin Breur, diretor geral do SeguroSocial Alemão de Acidentes de Trabalho (DGUV); Andrew Parsons,presidente do Comitê Paralímpico Brasileiro; e Fernando Ewerton, jornalista e professor da ECO/UFRJ,escrevem sobre o legado do evento

4 e 5 | Balanço dos JogosOs atletas, as imagens, os números, as curiosidades: momentos marcantes que fizeram da Rio-2016um divisor de águas no esporte paralímpico mundial

5 | O adeus do campeãoO nadador potiguar Clodoaldo Silvase despede da carreira vitoriosa com uma prata no revezamento4X50m livre misto – 20 pts

6 | Torcendo em silêncioModalidade exclusiva da Paralimpíada, o inusitado goalballconquista a torcida brasileira

6 | A eficiência do BrasilPlanejamento e investimentos na preparação dos atletas garantemrecorde de medalhas

7 |A história de Tatyana e HannahIrmãs russa e albanesa, adotadaspor americana, competem juntas pela primeira vez no atletismo, nos 100m categoria T54

7 | Campeã da solidariedadeA mesatenista polonesa NataliaPartyka cria fundação para apoiaratletas de seu país

7 | Histórias de superaçãoO perfil de três atletas que, no dia a dia, vencem dificuldades para treinar e competir em alto nível

8 | Erguida pela quedaDepois de emocionar o mundo ao cair na cerimônia de abertura, Márcia Malsar visita o Engenhão a convite do “Jornal Paralímpico”

8 | Mundo imperfeitoJornalistas com deficiência contam a experiência de cobrir os Jogos e avaliam instalações

8 | Narração educativaAudiodescrição mistura informações sobre os esportescom relato lance a lance

ExpedienteCoordenação de projeto: Clara Kaminsky, Karin Preugschat (“Der Tagesspiegel”) e Luiz Henrique Romanholli (O GLOBO) | Edição: Ingrid Brack e Luciana Barros | Consultoria editorial: Fernando Ewerton (ECO/UFRJ) | Diagramação: Christiana Lee Reportagem: Fernanda Lagoeiro, Guilherme Longo, Gustavo Altman, Hugo L’Abbate, João Pedro Soares, Jorge Salhani, Leonardo Levatti, Letícia Paiva, Natália Belizario e Thaís Contarin. Jornal Paralímpico é um projeto especial do GLOBO em parceria com o jornal alemão “Der Tagesspiegel”, em associação com a Deutsche Gesetzliche Unfallversicherung (DGUV). As reportagens foram produzidas por estudantes brasileiros selecionados esupervisionados pelo GLOBO e pela Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO/UFRJ). Capa: Daniel Dias no Estádio Aquático Olímpico, ao ganhar o bronze nos 50m borboleta, na categoria S5 | Foto: Divulgação/Washington Alves/CPB

A emoção de viver o imprevisível

A pedido do GLOBO, os 22 estudantes que produziramas reportagens desta edição e das edições em alemão einglês do “Jornal Paralímpico” resumiram em poucas li-nhas a experiência de participar da cobertura de umgrande evento esportivo. São jovens brasileiros e euro-peus, selecionados por meio de um concurso de redaçãoque teve por jurados jornalistas do GLOBO, do diárioalemão “Der Tagesspiegel” e um professor da Escola deComunicação da Universidade Federal do Rio de Janei-ro (ECO/UFRJ).O projeto, uma iniciativa do “Tagesspiegel” em associaçãocom o Seguro Social Alemão para Acidentes de Trabalho(DGUV), começou nos Jogos de Atenas-2004. Prevê a pu-blicação de dois suplementos especiais – um antes e outrodepois do evento. Esta segunda e última edição do “JornalParalímpico” (a primeira circulou no GLOBO do último dia7) reúne histórias de triunfos, despedidas, segundaschances, recordes e decepções, na visão de quem começana carreira jornalística.

FERNANDA LAGOREIRO, 22 ANOS, CAMPINAS (SP)“Cheguei no Rio de Janeiro cheia de expectativas e inse-guranças. Mas é muito bom saber como se comportarfrente a um atleta e tratá-lo da maneira correta. Queroser correspondente internacional, e nada é mais gratifi-cante que ter a oportunidade de cobrir um evento comoa Paralimpíada. Além disso, como jornalista e cidadã, émuito importante poder quebrar esteriótipos, dar àspessoas acesso à informação e mostrar o que há além dasuperação dos atletas.”

GUILHERME LONGO, 23, FLORIANÓPOLIS (SC) “Para mim, o mais inesquecível dessa experiência foi opúblico brasileiro. Durante partidas de vôlei sentado erúgbi em cadeira de rodas, as arenas tremiam nas co-memorações. Foi de arrepiar. Nós, brasileiros, mostra-mos ao mundo que, não somente somos capazes de or-ganizar megaeventos, como também podemos serapaixonados por esportes que nem sempre entende-mos completamente.”

GUSTAVO ALTMAN, 18, SÃO PAULO (SP) “Ter essa experiência aqui no Rio de Janeiro foi, certamen-te, um dos momentos mais inesquecíveis da minha vida.Fiz amigos para a vida, aprendi muito, ouvi relatos impres-sionantes. Nessa edição, assino um texto sobre as irmãsadotadas que competiram junto na Paralimpíada, além deum retrato da Márcia Malsar, a senhora que caiu com a to-cha na cerimônia de abertura. Contar histórias é o que memove – e esses personagens são prato cheio para isso.”

HUGO L’ABBATE, 22, BELO HORIZONTE (MG)“Foi uma experiência única cobrir in loco uma das minhasmaiores referências do esporte, a mesatenista polonesaNatalia Partyka, e suas competições. Profissionalmente,tive a oportunidade de entrevistá-la e cobrir seu tetracam-peonato paralímpico, o que resultou na minha primeiramatéria publicada em alemão. Como fã, pude tirar uma fo-to com ela e ainda ganhei um autógrafo na minha raquetede tênis de mesa. Vivi experiências das quais jamais meesquecerei!”

JOÃO PEDRO SOARES, 22, RIO DE JANEIRO (RJ)“Durante as Olimpíadas, a forma de torcer do público bra-sileiro foi um ponto polêmico. Pelo que pude observar du-rante a apuração das minhas reportagens, os torcedoresque compraram ingressos para a Paralimpíada estavamconscientes da necessidade de respeitar o silêncio en-quanto a bola estivesse em jogo. Além disso, tinham moti-vação de sobra para ajudar o Brasil a conquistar meda-lhas, utilizando os momentos de bola parada para trans-mitir às atletas e aos atletas seu incentivo.”

JORGE SALHANI, 22, BAURU (SP)“Os Jogos foram a oportunidade perfeita para conhecer omovimento paralímpico e os melhores atletas do mundo.”

LEONARDO LEVATTI, 22, SÃO PAULO (SP)“O fascinante da vida vem do seu imprevisível. Jamaispensei que estaria aqui, num intercâmbio cultural tão ricoe na primeira grande cobertura da minha carreira. Foram

dias de trabalho e aprendizagem. Hoje, vejo as pessoascom deficiência sob outra perspectiva. Cresci como jorna-lista e como cidadão.”

LETÍCIA PAIVA, 20, SÃO PAULO (SP)“Conversando com os atletas que pude conhecer, percebique o esporte mudou a vida de cada um de uma forma di-ferente. Debora Benevides, da canoagem, por exemplo,diz que estar na água é maravilhoso, sente que está flutu-ando, que é invencível. Ela é a mais jovem atleta da moda-lidade. Tem apenas 20 anos, como eu. Foi muito inspira-dor estar em contato com pessoas como ela.”

NATÁLIA BELIZARIO, 20, SÃO PAULO (SP)“A zona mista foi o meu lugar preferido na Rio-2016. Veros atletas falando sobre os seus resultados logo depois dacompetição foi uma oportunidade única.”

THAÍS CONTARIN, 22 ANOS, UBERABA (MG)“Foi muito gratificante poder entrevistar pessoas de todasas partes do mundo e conhecer um pouco mais sobre a vi-vência de cada uma delas.”

DAVID HOCK, 19, PINNEBERG (ALEMANHA)“E, de repente, Daniel Dias parou bem na minha frente. Oastro da natação brasileira acabara de ganhar sua primei-ra medalha de ouro nos Jogos. Depois de mais de uma ho-ra de espera, eu, finalmente, estava autorizado a começara minha entrevista. Ao lado do meu companheiro de tra-balho e amigo Hugo, parabenizei Daniel em português e,em seguida, Hugo traduziu a minha pergunta para ele.”

HANNAH HOFER, 18, WERDER (ALEMANHA)“Natação, ciclismo e corrida. Estes três esportescompõem o triatlo, que estreou nas Paralimpíadas. Eu pu-de assistir ao vivo o alemão Martin Schulz ganhar o ouro! Ànoite, tive a oportunidade de olhar a medalha mais de per-to e aprender algo novo: elas são realmente pesadas! Emi-tem sons diferentes, de acordo com o metal, e contamcom informações em braile. Surpreendente!”

ISABELLA WIMMER, 21, BERLIM (ALEMANHA)“Para mim, o cerimônia de abertura foi o melhor momen-to. Entendi o meu papel nesses Jogos Paralímpicos. Assis-tir às performances de todos os artistas e acompanhar osatletas entrando no Maracanã foram momentos de quenunca vou esquecer. A atmosfera das arenas também foioutra coisa que me impressionou.”

JULIAN HILGERS, 19, JÜCHEN (ALEMANHA)“Espontaneamente, fui assistir à partida de tênis entre ocoreano Ho Won Im e o francês Frederic Cattaneo. Paramim, foi a mais emocionante dos Jogos Paralímpicos. Ocoreano, de apenas 18 anos, me impressionou com seuespírito e seu comprometimento. Ele é um símbolo paratodos os atletas paralímpicos nesses Jogos.”

JONATHAN FRIDMAN, 18, ERLANGEN (ALEMANHA)“Meu momento mais importante durante os Jogos Para-límpicos foi a cerimônia de abertura que aconteceu no es-tádio do Maracanã. Quando a atleta que carregava a tocha(Márcia Malsar, cujo perfil o leitor confere na página 8)caiu e se levantou com o apoio dos aplausos da multidão,eu me lembrei do que os Jogos Paralímpicos podem nosensinar de melhor: não importa se você cair, o importanteé se levantar novamente.”

KERI TRIGG, 21, POWYS (INGLATERRA)“Eu não acreditava que o Rio pudesse realizar Jogos me-lhores do que os de Londres, mas tenho que dizer que issoaconteceu. A atmosfera em cada local era uma grande fes-ta, e éramos recebidos com alegria e sorrisos logo ao pas-sar pelas portas. Escolher um momento de destaque é im-possível, as duas semanas foram inesquecíveis.”

LISA KUNER, 21, ERFURT (ALEMANHA)“Estou impressionada com a atmosfera nas arenas, princi-palmente nas competições com participação brasileira.Durante as disputas todos torciam em voz alta e nos inter-valos dançavam e cantavam. Eu gostei de assistir ao jogode vôlei entre Alemanha e Brasil. Foi emocionante até ofim, mesmo com a derrota da Alemanha.”

LUCY MICHAELOUDIS, 21, LONDRES (INGLATERRA)“Foi ótimo ver que os Jogos Paralímpicos trouxeram o me-lhor do Brasil. Para mim, os melhores momentos foramassistir à prova de ciclismo de estrada e às cerimônias demedalhas de perto. Testemunhar Lora Turnham recebersua medalha de ouro foi muito especial porque, à beira-mar, a atmosfera era mais intimista do que em um grandeestádio.”

MARC BÄDORF, 21, COLÔNIA (ALEMANHA)“Houve vários momentos marcantes nos Jogos Paralímpi-cos no Rio. É difícil destacar um. No geral, a atmosfera nosestádios e arenas foi o que mais me impressionou. A torci-da brasileira realmente incentiva cada atleta com muitoentusiasmo.”

MILAN MARCUS, 19, BERLIM (ALEMANHA)“Foi incrível assistir, da tribuna de imprensa, ao meu atle-ta favorito Hans-Peter Durst ganhar sua primeira medalhade ouro em sua bicicleta adaptada. Ele até me reconheceue acenou antes de iniciar sua prova. Além disso, eu tinhapermissão para entrevistá-lo e tirar uma foto com sua me-dalha depois! Ele é um grande atleta e uma ótima pessoa.”

MIRIAM KAROUT, 21, BEIRUTE (LÍBANO)“Meu melhor momento durante o nosso projeto foi conhe-cer a equipe palestina, composta apenas por um atleta,um treinador e um chefe de missão. Foi uma conversa lon-ga e muito comovente que me mostrou o verdadeiro signi-ficado do Jogos Paralímpicos: inclusão e esperança paratodos. Foi incrível ver o quanto o esporte pode afetar a vidade pessoas que perderam tudo.”

TILLMANN BAUER, 20, HEIDELBERG (ALEMANHA)“Para mim, a experiência mais emocionante nos Jogos Pa-ralímpicos foi o jogo de goalball entre Alemanha e Brasil. Atorcida, apesar de excitada, ficou quieta durante toda apartida, mas depois de um gol eles comemoraram mais al-to do que o habitual. Foi impressionante!”

Estudantes brasileiros e europeus responsáveis pela pauta, apuração e redação desta edição do ‘Jornal Paralímpico’

contam como foi a experiência de participar da cobertura de um dos eventos esportivos mais importantes do planeta

THILO RÜCKEIS/TAGESSPIEGEL

No Parque Olímpico, os estudantes brasileiros e europeus posam com exemplares do “Jornal Paralímpico”

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Foi uma linda caminha-da. De Copenhague2009, quando o Rio deJaneiro ganhou o direitode ser a sede dos pri-meiros Jogos Paralím-picos na América Lati-na, até setembro de2016. Mais do que medalhas, mais do que competi-ções incríveis, o que vou guardar com mais carinho namemória é a incrível sintonia entre público e atletas.Os Jogos Rio-2016 foram o momento em que mi-lhões de pessoas no Brasil inteiro se encantaram como esporte paralímpico. Jamais tivemos tanta divulga-ção e alcance na mídia. Numa sociedade em que aspessoas com deficiência ainda lutam por oportunida-des e direitos, fica até difícil medir o impacto que osJogos Paralímpicos tiveram e terão pelos próximosanos. Sabemos que será imenso. Tomara que maiordo que imaginamos. Porque não foram apenas pesso-as com deficiência tendo espaço na TV como nuncahavia acontecido antes. Foram pessoas cujas defici-ências se tornaram apenas um detalhe, não o temaprincipal das pautas e reportagens. Isso faz com queum projeto como o “Jornal Paralímpico” ganhe aindamais relevância. Esperamos que a equipe que teve aoportunidade de acompanhar os Jogos no Rio leveadiante a experiência que vivenciaram. São os futurosformadores de opinião deste país, que tiveram umaoportunidade que a minha geração e as outras que vi-eram anteriormente não tiveram. Parabéns pelo pro-jeto, parabéns pelo resultado, e sucesso daqui para afrente. Esperamos encontrar vocês em muitos even-tos com nossos atletas daqui por diante. Os Jogos Pa-ralímpicos Rio-2016 foram apenas o começo.

ANDREW PARSONS

Presidente do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB)

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Quarta-feira 21.9.2016|Jornal Paralímpico|3

EDITORIAL

Não é fácil trabalhar nacobertura de grandeseventos esportivos. Hásempre muita coisaacontecendo, competi-ções simultâneas em lo-cais diferentes, vitóriase derrotas disputandoatenção. No caso dos Jogos Paralímpicos, o desafio éainda maior. Não apenas pelas particularidades demodalidades com as quais os jornalistas não estão fa-miliarizados, mesmo os acostumados a cobrir os es-portes convencionais. Além das dificuldades co-muns, é preciso abordar a competição de um modomais amplo, em que nem todas as conquistas estãono pódio e a vitória muitas vezes ocorre no momentoda largada, e não apenas no fim da prova. Não bastaentender as regras, conhecer os craques, destrincharos resultados. É preciso ir além para contar a históriade seres humanos que fazem sacrifícios pessoais embusca de pódios que nem sempre vêm. E compreen-der que a expectativa do atleta, com ou sem deficiên-cia, é ainda maior que a do torcedor, para quem o es-porte é um evento ocasional, distante da dedicaçãodiária daqueles que se arriscam a representar seu pa-ís. Esta Paralimpíada simboliza uma oportunidadepara que jornalistas e torcedores repensem sua formade acompanhar todos os esportes, valorizando a efici-ência sem condescendência, a emoção sem pieguice,a crítica sem crucificação. Coisas que os jovens talen-tos deste jornal mostram ter aprendido.

FERNANDO EWERTON

Jornalista e professor da ECO/UFRJ

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“A Paralimpíada estátão emocionante e com-petitiva quanto foi aOlimpíada.” Esta frasefoi ouvida com frequên-cia nas últimas sema-nas no Rio, entre mora-dores da cidade, turis-tas e jornalistas que acompanharam o evento. Atépouco antes do início dos Jogos, as más notícias ain-da dominavam o noticiário e preocupavam quem sepreparava para estar na competição. Os problemasnão vieram a se confirmar, muito pelo contrário: osespectadores encheram os estádios, contribuíram pa-ra um ambiente maravilhoso, incentivaram os atletase mostraram-lhes o maior respeito.

Os Jogos Paralímpicos no Rio demonstraram, umavez mais, que os grandes eventos esportivos podemter êxito quando se trata realmente da questão cruci-al: atletas adoram praticar seus esportes, treinammuitas horas por dia para serem os melhores e que-rem competir com outros atletas para comprovar seudesempenho. O resultado disso é que essas competi-ções geram muito entusiasmo no público.

Também foi possível sentir isso no Rio: os atletasparalímpicos deram uma contribuição importante noâmbito da inclusão. Eles evocam emoções e criamproximidade. Fica uma certeza: os Jogos Paralímpi-cos não eliminam as barreiras que existem no dia adia, mas preparam a consciência para uma mudançapor parte de todos nós.

JOACHIM BREUER

Diretor-geral do Seguro Social Alemão

de Acidentes de Trabalho (DGUV)

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Quarta-feira 21.9.2016|Jornal Paralímpico|54|Jornal Paralímpico|Quarta-feira 21.9.2016

Éinquestionável o legado imaterial que a Pa-ralimpíada deixa para o Brasil. O públicoabandonou a ideia de que atletas paralímpi-cos são “coitadinhos”. E eles mostraram que

podem competir num nível tão alto, ou superior,quanto o dos atletas sem deficiência. Foi o caso deAbdellatif Baka (Argélia), Tamiru Demisse (Etiópia),Henry Kirwa (Quênia) e Fouad Baka (Argélia), os qua-tro primeiros colocados dos 1.500m T12/13 das Pa-ralimpíadas do Rio. O quarteto de meio-fundistas cor-reu abaixo do tempo (3m50s) do campeão olímpicoda prova, o americano Matthew Centrowitz.

Antes mesmo de os competidores entrarem em ce-na, o público pôde ter uma ideia do que estava por vir.Na cerimônia de abertura realizada no Maracanã, aamericana Amy Purdy, atleta biamputada de snowboard, encantou a plateia com seu balé. Usando pró-teses, dançou com um robô industrial e tornou-se mu-sa dos brasileiros. Na mesma noite, o mascote olím-pico Vinicius fez graça: apareceu usando o vestidocom que Gisele Büdchen desfilara na abertura daOlimpíada. Mas, nas lojas oficiais dos Jogos, o bone-co de pelúcia do parceiro Tom, mascote paralímpico,fez mais sucesso: foi o produto mais vendido.

Embora o Brasil não tenha atingido a quinta coloca-ção na classificação geral, meta estipulada pelo Co-mitê Paralímpico Brasileiro (CPB), o país ultrapassouo recorde de medalhas de Pequim-2008 já no sétimodia de competição: 48 contra 47. Ao fim dos Jogos, oBrasil somou 72 pódios. Além disso, os brasileirosconquistaram quatro medalhas inéditas. Outro pontoalto foi a despedida de veteranos, como a lenda da na-tação Clodoaldo “Tubarão” Silva.

Alguns nomes consagrados confirmaram as expec-tativas. É o caso de Daniel Dias, que, ao ganhar novemedalhas, tornou-se o nadador com maior número depódios paralímpicos da história, 24. Além disso, Diasé o maior medalhista paralímpico brasileiro. Entre osestreantes, houve gratas revelações. O corredor Pe-trúcio Ferreira dos Santos, de 19 anos, ganhou as pri-meiras três medalhas paralímpicas e bateu o recorde

mundial dos 100m rasos na categoria T47 do atletis-mo, marca que já durava 24 anos. E a sempre sorri-dente Verônica Hipólito segurava como se fossem ou-ro suas medalhas de prata e bronze conquistadas nos100m e 400m da classe T38. Verônica é alguém pa-ra ficarmos de olho em Tóquio-2020. Por outro lado,uma decepção: Alan Fonteles sequer chegou às finaisdos 100m e 200m rasos na categoria T44, provasdas quais é recordista mundial.

Os brasileiros puderam conhecer esportes tão dife-rentes como a bocha, que rendeu um dos momentosmais emocionantes dos Jogos: o abraço dos irmãosAntônio e Fernando Leme logo após o ouro conquista-do na categoria BC3. Antônio subiu no pódio ao ladoda colega de equipe Evelyn de Oliveira. Com paralisiacerebral, ele tem o auxílio de Fernando para posicio-nar as calhas antes de lançar a bola.

O quadro de medalhas foi encabeçado pela China,seguida por Grã-Bretanha, Ucrânia, EUA e Austrália.O Brasil terminou na oitava colocação. O desempe-nho dos chineses chamou atenção, com quebra de re-cordes em várias modalidades por atletas desconhe-cidos, o que despertou desconfiança acerca dos resul-tados. Vale destacar a participação de atletas que játinham competido em Olimpíada. Também emocio-nou o público o ex-piloto de Fórmula-1 AlessandroZanardi. O italiano se tornou um dos destaques do ci-clismo de estrada paralímpico ao conquistar três me-dalhas. Assim como na Olimpíada, esta edição dosJogos Paralímpicos foi a primeira da história a teruma delegação de atletas refugiados e asilados.

A torcida, por sua vez, deu um show à parte. No pri-meiro sábado dos Jogos, o Parque Olímpico registrourecorde de público em um único dia desde o início daRio-2016, em agosto. Embora a atmosfera tenhasempre sido positiva, alguns aspectos deixaram a de-sejar. Os voluntários eram sempre solícitos, mas, àsvezes, mal informados. Mesmo assim, o público tevea oportunidade de vivenciar o maior evento do para-desporto mundial. E, pela primeira vez, na AméricaLatina. Deixará saudades.

Um legado paraalém do esporteA Paralimpíada deixa como herança mais positiva a mudança de visão sobre

pessoas com deficiência. Com 72 medalhas, Brasil supera marca de Pequim-2008

DIVULGAÇÃO/CEZAR LOUREIRO/CPB

Na festa deencerramento,no Maracanã, a mensagem de amor emvárias línguas

DIVULGAÇÃO/DANIEL ZAPPE/CPB

Os irmãosAntônio

(de frente) eFernando Leme

comemorarm o ouro inédito

na bocha

SIMON BRUTY/AP

O nadador sírio IbrahimAl-Husseindepois decompetir nos50m livres S9.Ele é um dosdois atletasrefugiados a competir pela primeiravez numaParalimpíada

DIVULGAÇÃO/DANIEL ZAPPE/CPB

Petrucio Ferreira dos Santos: recorde mundial nos 100m rasos T47

MONICA IMBUZEIRO

O mascote paralímpico Tom estava em todos os pódios, e Vinicius fez graça ao usar vestido igual ao de Gisele

MARCELO THEOBALD

Maior nadador paralímpico da história, Daniel Dias conquistou nove medalhas no Rio e já soma 24 no total

DIVULGAÇÃO/MARCO ANTONIO TEIXEIRA/CPB

Biamputada,Amy Purdyemocionou ao dançar com um robô na abertura

Destaques da festa no RioMEDALHAS INÉDITAS PARA O BRASILQuatro modalidades em que brasileiros nunca havi-am ido ao pódio conquistaram suas primeiras meda-lhas na Rio-2016: ciclismo de estrada, halterofilis-mo, voleibol sentado e canoagem, sendo a estreiadesta última nos Jogos. O ciclista Lauro Chaman ga-nhou bronze na disputa contrarrelógio e prata na pro-va de estrada, ambas na categoria C5 (destinada aatletas com deficiência físico-motora ou amputados,que competem em bicicletas convencionais). No hal-terofilismo, Evânio da Silva levantou 210kg na cate-goria até 88kg, conquistando a prata. Após o feito, elechegou a chorar no pódio. Ao bater a Ucrânia na dis-puta pelo terceiro lugar, a seleção feminina de volei-bol sentado faturou o bronze. Na canoagem, o Brasilganhou sua primeira medalha na modalidade: CaioRibeiro levou o bronze na KL3 (categoria na qual osatletas têm menor comprometimento motor, usandotronco, pernas e braços na remada). “Espero que essaprimeira disputa da canoagem mostre às pessoascom mobilidade reduzida que há um novo esporteque elas podem praticar”, afirmou o medalhista. EmLondres-2012, o Brasil conquistou pódios em setemodalidades. No Rio, foram 13. (Letícia Paiva)

RECORDES BRASILEIROSAlém de conquistar 72 medalhas durante os Jogos,os brasileiros quebraram quatro recordes mundiais enove recordes paralímpicos. A maioria das marcas foibatida nas provas de atletismo. Um dos destaques foio velocista Petrúcio Ferreira dos Santos, que quebrouo recorde mundial nos 100m rasos, na categoria T47.O tempo de 10s72 estabelecido em Barcelona-92pelo nigeriano Ajibola Adeoye foi imbatível por 24anos, mas o atleta brasileiro superou-o nas classifica-tórias da prova com a marca de 10s67 e, no dia se-guinte, estabeleceu novo recorde ao conquistar o ourocom o tempo de 10s47. (Thaís Contarin)

O SHOW DA TORCIDA NAS ARENASSe a baixa procura por ingressos antes dos Jogos preo-cupava, não restaram mais dúvidas de que os brasilei-ros se apaixonaram pelos esportes paralímpicos. No pri-meiro fim de semana de competições, o Parque Olímpi-co recebeu cerca de 330 mil pessoas, sendo 170 mil nosábado – número superior ao recorde de 160 mil visi-tantes em um único dia registrado durante a Olimpíada.Como de habitual, a festa da torcida nas arenas esporti-vas foi um ponto alto, e diversos atletas tiveram a opor-tunidade de receber o calor de públicos tão grandes pelaprimeira vez. As polêmicas vaias dos torcedores brasi-leiros que marcaram a Olimpíada deram lugar ao res-peito por todos os atletas – até argentinos foram poupa-dos. Respeitar o silêncio enquanto a bola rolava nas par-tidas de futebol de 5 e goalball foi um desafio. (João Pe-dro Soares)

VOLUNTÁRIOS FIZERAM A DIFERENÇAAmpliar as capacidades e habilidades (pessoais e pro-fissionais), fazer amizade com pessoas de diversos paí-ses, e ser parte da história do Brasil e de um dos eventosmais importantes do mundo – é isso que motivou os vo-luntários que se candidataram para atuar nos Jogos Pa-ralímpicos Rio-2016. Como parte do processo, os 15mil voluntários (do quais cinco mil com deficiências)participaram de um treinamento online, no qual fizeram

curso de inglês, além de aulas de primeiros socorros eambientação do departamento em que iriam atuar. Amineira Yasmin Santos de Jesus, de 20 anos, veio aoRio só para atuar nos Jogos. “Como futura jornalista, eunão poderia ignorar um evento tão grande como esseacontecendo bem no nosso quintal!”, contou. Mas fazerparte dos Jogos não foi tarefa fácil – uma das maiorescríticas do público foi a falta de informação por parte dosvoluntários. “Cada um me deu uma instrução diferentede onde eu deveria ir”, contou a cadeirante Maria Apare-cida Senner, de 49 anos. (Fernanda Lagoreiro)

ATLETAS OLÍMPICOS E PARALÍMPICOSEntre os mais de quatro mil atletas que participaramdos Jogos Paralímpicos Rio-2016, seis se destaca-ram por também terem participado dos Jogos Olímpi-cos em algum momento de suas carreiras. Três delesdisputaram ambos no Rio: a arqueira Zahra Nemati,do Irã, e as mesatenistas Natalia Partyka, da Polônia,e Melissa Tapper, da Austrália. “Acho que foi algo na-tural (disputar as duas competições), pois sempredisputei os dois circuitos mundiais da Federação In-ternacional de Tênis de Mesa. Me classifiquei pelaprimeira vez em 2008 para uma Olimpíada e, desdeentão, sempre participo dos dois torneios”, explicouNatalia, que ganhou o ouro na competição individualnos Jogos Paralímpicos. (Guilherme Longo)

ILHAS FAROE DISPUTAM APENAS A PARALIMPÍADADiante das tribunas do Centro Aquático, tremulavauma bandeira das Ilhas Faroe, pequeno país nórdicopróximo à Islândia. Isso significa que – diferentemen-te da Olimpíada – o país de apenas 50 mil habitantesesteve oficialmente representado na ParalimpíadaRio-2016. Na Olimpíada, o feroês Pál Joensen com-petiu pela Dinamarca. Já na Paralimpíada, KristaMørkøre teve a possibilidade de representar sua terranatal. A nadadora, de 21 anos, competiu nos 50m,100m e 400m livre, mas não avançou às finais. Aolado de Krista, seu pai e treinador Torkil Mørkøre e ochefe da missão feroesa, Tróndur Ravnsfjall, comple-taram a delegação do país. “As Ilhas Faroe estavampresentes quando o Comitê Paralímpico Internacio-nal foi fundado e, desde então, somos membros. Já oComitê Olímpico Internacional não nos reconhece co-mo um Estado soberano, por isso não podemos com-petir”, diz Tróndur. (Hugo L’Abbate)

REFUGIADOS TIVERAM DELEGAÇÃOEsta edição dos Jogos Paralímpicos foi a primeira dahistória a ter uma delegação de atletas refugiados easilados. Dois deles competiram sob a bandeira para-límpica, representando os Atletas Paralímpicos Inde-pendentes: Ibrahim Al-Hussein, na natação, e Shah-rad Nasajpour, no atletismo. O iraniano Nasajpour vi-ve hoje nos Estados Unidos. O atleta competiu no lan-çamento de disco, classe F37 (paralisia cerebral), eterminou na 11ª colocação. Al-Hussein, nascido naSíria, perdeu parte da perna direita após a explosãode uma bomba em seu país natal e hoje vive como re-fugiado na Grécia. Nadou as provas dos 50m e 100mlivre, classe S9. Apesar de finalizar suas provas semsubir ao pódio, o iraniano ficou satisfeito com sua par-ticipação: “Estou feliz por estar aqui. Foi uma experi-ência ótima, que só me trouxe benefícios. Fiz diversosamigos”, avaliou o atleta. (Jorge Salhani)

1º China 107 81 51 239

2º Grã-Bretanha 64 39 44 147

3º Ucrânia 41 37 39 117

4º Estados Unidos 40 44 31 115

5º Austrália 22 30 29 81

6º Alemanha 18 25 14 57

7º Holanda 17 19 26 62

8º Brasil 14 29 29 72

9º Itália 10 14 15 39

10º Polônia 9 18 12 39

11º Espanha 9 14 8 31

12º França 9 5 14 28

13º Nova Zelândia 9 5 7 21

14º Canadá 8 10 11 29

15º Irã 8 9 7 24

16º Uzbequistão 8 6 17 31

17º Nigéria 8 2 2 12

18º Cuba 8 1 6 15

19º Bielorrússia 8 0 2 10

20º Coreia do Sul 7 11 17 35

21º Tunísia 7 6 6 19

22º África do Sul 7 6 4 17

23º Tailândia 6 6 6 18

24º Grécia 5 4 4 13

25º Bélgica 5 3 3 11

26º Eslováquia 5 3 3 11

27º Argélia 4 5 7 16

28º Irlanda 4 4 3 11

29º México 4 2 9 15

30º Egito 3 5 4 12

QUADRO DE MEDALHASPaís Ouro Prata Bronze Total

Inspiração para uma geração inteira de atletas, entreeles o supercampeão Daniel Dias, o nadador potiguarClodoaldo Silva se despediu da delegação brasileiracom 14 medalhas conquistadas em Paralimpíadas:seis de ouro, seis de prata e duas de bronze. A sua fa-vorita é a de ouro que ganhou junto com Luiz Silva,Francisco Avelino e Adriano Lima em Atenas-2004,no revezamento 4x50m. Clodoaldo também é donode 19 pódios em Jogos Parapan-Americanos, sendo13 dourados. Em Campeonatos Mundiais são outrasnove medalhas, todas elas de ouro.

Na Rio-2016, Clodoaldo experimentou de novo,pela última vez, a sensação de que mais gosta: dividiro pódio com os amigos. Com Daniel Dias, Joana Ma-ria e Susana Ribeiro, ganhou prata no revezamentomisto 4x50m.

Foi um desfecho premiado para uma carreira quemuitos pensavam já estar terminada. Em Lon-dres-2012, Clodoaldo voltou para casa sem meda-lha. Com uma lesão recente, não chegou ao pódio epensou em se aposentar. Mas afirmou que o lugar pa-ra pendurar a sunga seria o Rio de Janeiro. Decisãoque hoje se mostra acertada.

O multimedalhista quer deixar na história um lega-do muito maior do que os seus bons resultados na pis-cina. Clodoaldo espera ser um exemplo para o Brasil,colaborando com uma mudança positiva na visão dasociedade sobre a deficiência.

Prata para fazer adespedida brilhar

Natália Belizario

Com uma medalha conquistada em casa, Clodoaldo Silva diz adeus aos Jogos com 14 pódios.Desempenho apaga decepção de Londres-2012

DIVULGAÇÃO/WASHINGTON ALVES/CPB

Clodoaldo: prata no revezamento 4X50m na Rio-2016

JASON CAIRNDUFF/REUTERS

No lugar mais alto do pódio, o ex-piloto de Fórmula -1 Alessandro Zanardi comemora a conquista, ao lado do australiano Stuart Tripp (prata) e do americano Oscar Sanchez (bronze)

Com o fim dos Jogos no Rio, as atenções se voltampara Tóquio-2020. A cidade japonesa será a primeirana história a receber pela segunda vez uma Paralim-píada. A primeira foi em 1964.

A próxima edição dos Jogos terá algumas novida-des, com dois esportes estreando: o badminton e o ta-ekwondo. Ao todo, serão 22 disputados. Os outrossão atletismo, tiro com arco, bocha, canoagem, ci-clismo, hipismo, futebol de 5, goalball, judô, haltero-filismo, remo, tiro esportivo, vôlei sentado, natação,tênis de mesa, triatlo, basquete, esgrima, rugby e tê-nis em cadeira de rodas.

Várias instalações serão as mesmas que foramconstruídas para os Jogos de 1964. Três novas are-nas permanentes estão sendo erguidas, e há planosde melhorar o transporte e o acesso por toda a cidade.

Na Rio-2016, o Japão ficou em 6º lugar na Olimpí-ada, com 12 ouros, oito pratas e 21 bronzes. Mas ain-da tem um longo caminho a percorrer em Paralimpía-das. O país terminou em 64º lugar na competição,com um total de 24 medalhas. Não houve ouro, ape-nas 10 pratas e 14 bronzes.

Em Tóquio, doisnovos esportes

Gustavo Altman

Badminton e taekwondo estreiam na Paralimpíada, que acontece pela segunda vez no Japão em 2020

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6|Jornal Paralímpico|Quarta-feira 21.9.2016

Um silêncio intimidador na Arena do Futuro.É possível ouvir a respiração de cada torce-dor. Apreensão, concentração, emoção.Uma vez ou outra, explosão. É gol! Eis o gri-

to libertador que rompe com a quietude e instaura afesta. O espetáculo não para. E o contraste encanta: aArena está lotada. São fragmentos de um ambientesingular: uma partida de goalball.

— É estranho ficar quieta num ambiente como es-te. É diferente. Mas quando saía gol o grito era tão for-te que compensava — lembra a torcedora Karina deSouza, estudante de 16 anos. Foi o primeiro contatodela com o goalball, esporte disputado apenas em Pa-ralimpíadas e que, mais do que jogado, precisa sersentido.

Praticado por deficientes visuais, os elementos tá-teis e sensoriais são vitais. E o silêncio, também. Abola, por exemplo, pesa 1,25kg e contém dois peque-

nos guizos para orientar os atletas em quadra pela au-dição. Como o nome da modalidade sugere, o gol temmais importância: são nove metros de extensão, sufi-cientes para abranger toda a linha de fundo da quadrade 18 metros de comprimento.

Dentro das quatro linhas, cada equipe é formadapor três jogadores – um central e dois alas. Enquan-to o central se concentra na defesa dos ataques ad-versários, os pontas costumam realizar os lança-mentos, sempre com as mãos. É coletivo. Todosajudam na hora de defender, e uma regra determinaum rodízio para as jogadas ofensivas. Dinamica-mente, o tempo escorre pelas mãos dos atletas:após dois tempos de 12 minutos, vence o time quefizer mais gols.

Embora não haja contato direto com o adversário,apitar o goalball não é tarefa simples. A equipe de ar-bitragem tem 11 pessoas em cada partida. As fun-

ções são diversas: quatro fiscais de linha, um em ca-da quina da quadra, cuidam da reposição de bola.Outros cinco mesários se dividem para cronometra-gem, substituições, tempos técnicos, súmula e outrasatribuições. E finalmente os dois árbitros principaisque, com microfones, indicam o que está acontecen-do no jogo para toda a Arena.

— É um processo pedagógico em que o árbitro prin-cipal é figura central. Ao dizer qual infração foi come-tida, ao pedir silêncio quando necessário, ele dá umadiretriz para os envolvidos naquela atmosfera. É o ge-renciador máximo do jogo — explica Daniel Voltan,de 31 anos, o único árbitro brasileiro na modalidade.

Talvez o mais encantador do goalball esteja foradas regras e das normas. Paulo Sérgio de Miranda,coordenador nacional de goalball da ConfederaçãoBrasileira de Desportos de Deficientes Visuais(CBDV), considera o esporte carismático e misterio-so, capaz de reunir o que o brasileiro mais gosta:

— Tem bola, tem rede e tem gol. É dinâmico, os jo-gos são intensos. E é encantador porque exige o de-senvolvimento das habilidades sensoriais como pou-cas modalidades. Tem seus truques, seus segredos.

Da arquibancada, muitos desses segredos não sãodescobertos. E, por vezes, eles estão mais evidentesdo que se pode imaginar. É o caso das linhas espalha-das pela quadra. Aparentemente, uma referência vi-sual para a arbitragem e quem assiste ao jogo. Já paraquem joga, uma função diferente.

— O alto relevo delas nos ajuda bastante. Na horade defender, é o que garante o posicionamento ade-quado. Nossas mãos sempre procuram as marcas —esclarece Simone Rocha, a central da seleção brasi-leira feminina.

Um outro aspecto importante é a comunicação du-rante a partida.

— A gente se conhece pela voz, nos chamamosdentro de quadra a toda hora para nos localizarmos.Enxergamos o jogo de uma outra maneira — diz.

Outro exemplo são as traves, que servem de refe-rência espacial para quem realiza os ataques. Dão a

exata noção do quanto se pode correr até o limite daárea para girar o tronco e efetuar o lançamento.

— Toco na trave e parto. Tento aplicar o máximo deforça e técnica no ataque. É como ter a quadra na ca-beça e na minha mão — diz Leomon Moreno, de 23anos, artilheiro da seleção masculina, com 27 gols.

Objeto de disputa narrativa, o tão comentado lega-do do período olímpico-paralímpico parece ser umarealidade no goalball. É unânime entre os atletas e or-ganizadores o gosto que o torcedor brasileiro tomoupor esse esporte. Segundo números divulgados peloComitê Rio-2016, a Arena do Futuro teve uma médiade quase 80% de ingressos vendidos até as semifi-nais da competição.

— É o que vai ficar. As pessoas estão lendo sobreas regras, buscando informações. Muitos conhece-ram o jogo somente agora. Tudo contribui para umfuturo promissor da modalidade — comemoraPaulo Sérgio.

Norteada pelo conceito de arquitetura nômade, aestrutura esportiva dará lugar a quatro escolas muni-cipais em Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio de Janeiro,após a Paralimpíada. O palco do goalball deve ser, embreve, palco da liberdade e da autonomia indissociá-veis da educação e do conhecimento. No desafio diá-rio por uma sociedade com mais inclusão e harmonia,os atletas que passaram pela quadra da Arena do Fu-turo cumpriram sua missão.

Ao fim do torneio, no masculino, o ouro ficou com aLituânia; a prata, com os EUA; e o bronze, com o Bra-sil. No feminino, Turquia, China e EUA conquistaramo pódio.

Leonardo Levatti

O silêncio reveladordo goalball, disputadosó em ParalimpíadasCom mais juízes do que atletas em quadra, esporte caiu no gosto dos brasileiros

e ensinou uma forma diferente de torcer: gritos e cantos somente na hora do gol

“NOS CHAMAMOS DENTRO DE

QUADRA PARA NOS LOCALIZARMOS.

ENXERGAMOS DE OUTRA MANEIRA”

Simone Rocha, central da seleção brasileira feminina

DIVULGAÇÃO/WASHINGTON ALVES/MPIX/CPB

Na partida semifinal, os Estados Unidos desclassificaram o Brasil, que acabaria levando o bronze na disputa contra a Suécia. O esporte, cuja quadra tem um gol de nove metros, foi criado para ajudar na reabilitação de veteranos de guerra

Sete anos de investimento garantem bons resultados no Rio

“Trabalho de formiguinha” foi a ex-pressão utilizada por Gustavo Araú-jo, ouro no revezamento 4x100mda categoria T13 (deficientes visu-ais), para definir como o Brasil con-seguiu bater seu recorde de meda-lhas em Paralimpíadas. Com 72 pó-dios, o país chegou à sua melhorparticipação na história dos Jogos, eisso só foi surpresa para aquelesque não acompanharam a recenteevolução da delegação brasileira.

Desde 2009, o Comitê Paralím-pico Brasileiro (CPB) colocou emprática um plano que trouxe os re-sultados observados no Rio. O in-vestimento possibilitou uma maiorprofissionalização do esporte,bem como a construção de umanova casa para os atletas, o CentroParalímpico, em São Paulo.

— Antes, a gente sempre ficavainvejando alguns países pelosseus inúmeros centros. Hoje, po-demos dizer que temos uma casa— afirmou Gustavo, que fez a acli-matação para os jogos no centro.

Com os programas de incentivo aoesporte paralímpico e olímpico (vejamais ao lado), agora muitos atletaspodem de fato viver do esporte. Comnecessidades diferentes de um com-petidor do movimento olímpico,atletas paralímpicos tendem a tergastos mais elevados com saúde,alimentação e equipamentos.

Verônica Hipólito diz que o CPBtrabalhou desde Londres-2012 e

agora “o trabalho está aqui”. Meda-lhista de prata e bronze nos 100m e400m da categoria T38, respectiva-mente, Hipólito acredita que a atua-ção “em rede” feita pelo comitê foi aprincipal responsável pelo bom de-sempenho da delegação. O contatoentre os responsáveis pelas diversasetapas de preparo do atleta, desde otécnico até o psicólogo, faz com queo Brasil seja um exemplo.

— Não encontramos isso em ou-tro país. Não é à toa que hoje vári-os atletas querem vir para o Brasil

para treinar — concluiu Verônica.Diogo Cardoso, por sua vez, deu

uma explicação simples sobre a efi-ciência do Brasil na Paralimpíada:

— A gente treina demais, pô!Diogo é guia de Alice de Oliveira

Correa, que compete na categoriaT12 e foi medalhista de prata norevezamento 4x100m. A atletaconcordou com o guia:

— É uma dedicação total.Para todos, a mudança de visão

sobre a deficiência foi a maior con-quista do evento em solo carioca.

— Eu acredito muito nesse po-der. As pessoas não vão mais tra-tar a gente como coitadinhos —declarou o dono da única medalhaparalímpica do Brasil no halterofi-lismo, Evânio Rodrigues.

Ainda que a Rio-2016 tenha co-locado em evidência o que há demelhor no paradesporto, a realida-de da pessoa com deficiência nemsempre é espelho do que acontecenas competições. Maria Cecília,psicóloga de 26 anos que veio deMinas Gerais assistir à partida debasquete feminino entre Brasil eArgentina, contrasta o cenário dosJogos com o que vê no cotidianobrasileiro, onde 6,2% da popula-ção têm algum tipo de deficiência.

— Aqui você encontra deficien-tes visuais na fila, namorando,passeando com a família. Inclusãoque às vezes não vemos no dia adia — disse Maria, cadeirante.

Rafael Maranhão, gerente de co-municação do CPB, vê uma me-lhora a caminho.

— Em novembro, o Centro Para-límpico sediará as ParalimpíadasEscolares. Será a primeira compe-tição internacional após aRio-2016, e a gente espera estarapontando o caminho para essesfuturos atletas — disse Maranhão.

Alan Fonteles, prata no reveza-mento 4x100m na Rio-2016 e re-cordistas dos 100m e 200m nacategoria T43, foi descoberto noevento, que é o maior do parades-porto escolar do mundo.

Natália Belizario

Incentivos e Centro Paralímpicopermitiram dedicação integraldos atletas aos treinamentos

MÁRCIO ALVES

Verônica Hipólito: prata e bronze nos 100m e nos 400m da categoria T38

No processo de profissionalizaçãoque veio a reboque dos JogosRio-2016, um dos maiores incen-tivadores foi o Governo Federal,que na última década aumentouos investimentos nos atletas e noslocais de treinamento. O programamais antigo é o Bolsa Atleta, cria-do em 2005. Até o momento, fo-ram investidos mais de R$ 600milhões em bolsas que variam deR$ 370 a R$ 3.100 mensais.Desse total, cerca de um terço foidistribuído aos atletas paralímpi-cos, com um total de 11.700 bol-sas anuais, tornando-se o maiorprograma de patrocínio esportivoindividual e direto do mundo.

Para dar um foco maior aos es-portistas de melhor rendimento, ogoverno criou em 2011 o BolsaPódio. Nele, atletas que estão en-tre os 20 melhores do mundo nosrankings oficiais de suas modali-dades passaram a ganhar um va-lor entre R$ 5 mil e R$ 15 mil.

Completando a lista de incenti-vos públicos no esporte, o gover-no lançou em 2012 o Plano BrasilMedalhas, que junto com a capta-ção de dinheiro privado, aumen-tou em R$ 1 bilhão o investimen-to no atual ciclo olímpico e para-

límpico. A verba de construção doCentro de Treinamento veio dessemontante.

Na Rio-2016, mais de 90% dadelegação paralímpica brasileirarecebem algum tipo de apoio dogoverno. Para alguns atletas, esseauxílio foi fundamental e trouxemelhora na performance.

— A bolsa para mim é tudo, por-que antes eu tinha que trabalhar.E, agora, a nossa evolução é visí-vel. No meu esporte, agora temosmedalha — diz Evânio da Silva,primeiro medalhista brasileiro nohalterofilismo.

Com esse investimento focadonos Jogos Rio-2016, uma dasmaiores preocupações dos atletasé que após o evento o valor repas-sado diminua.

Mas para Andrew Parsons,presidente do Comitê Paralímpi-co Brasileiro (CPB), o futuro étranquilo. A entidade conseguiuencontrar outras formas de cap-tação do dinheiro público , comoa Lei Brasileira de Inclusão daPessoa com Deficiência, que au-mentou o repasse de verba dasloterias.

— Com a aprovação desta lei,temos a previsão de cerca de R$130 milhões já para este ano, ape-nas da Lei Agnelo Piva.

Mais de 90% da delegaçãoparalímpica têm auxílio federal

Guilherme Longo

Lei Brasileira de Inclusão daPessoa com Deficiência garanteverbas vindas das loterias

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Hannah fez o melhor tempo de sua carreira com o quarto lugar nos 100m, categoria T54

Aatleta americana Tatyana McFad-den é autora de um livro autobiográ-fico chamado “Ya sama” (“Posso tu-do por conta própria”, em tradução

livre do russo). O primeiro parágrafo não po-deria ser mais assertivo: “A vida não é sobreaquilo que não se tem, mas sobre o que se fazcom o que se tem”. Tatyana e a irmã, Han-nah, possuem a noção exata do que têm – e,não seria exagero dizer, são referências quan-do o assunto é desafiar preconceitos.

Tatyana nasceu há 27 anos com espinhabífida, uma má-formação da medula espi-nhal que a deixou sem o movimento da cin-tura para baixo. Hannah, de 21, teve ampu-tada a perna esquerda por ter nascido sem ofêmur. Tatyana é russa. Hannah, albanesa.Foram adotadas pela mãe, Deborah McFad-den, funcionária do governo de GeorgeBush, durante viagens de agenda institucio-nal. Débora é casada com BridgetO´Shaughnessey. As irmãs, portanto, con-vivem com duas mães. Há mais: Debbie,como é apelidada, tem a Síndrome de Guil-lain-Barré, doença autoimune que leva à in-flamação dos nervos e fraqueza muscular. Acomposição familiar, feita de privações e su-cessivas conquistas, é exemplar do ponto devista da superação dos limites.

— Quando vi Tatyana pela primeira vez,havia uma chama em seus olhos — recorda-se Debbie. — Sempre foi meu sonho adotaralguma menina com deficiência, e houveuma conexão imediata. Queria levá-la aosEstados Unidos, mas os médicos disseramque ela não viveria muito tempo. O resto, vo-cês já sabem. Ela praticou esportes e se tor-nou mais saudável.

Tatyana passou os primeiros seis anos desua vida num orfanato com péssimas condi-ções em São Petersburgo, na Rússia. Emseu livro, ela conta não ter lembrança de co-mer carne. Não havia TV, computadores,tampouco qualquer assistência médica es-pecializada. Nenhum cuidador era apto a li-dar com a deficiência de Tatyana, queaprendeu, sozinha, a andar com as mãos –plantando bananeira, de cabeça para baixo.Os primeiros anos de vida de Hannah, naAlbânia, não foram muito diferentes. A atle-ta, que hoje utiliza próteses para caminhar,foi deixada por sua mãe biológica num orfa-nato e lá ficou até os 3 anos.

“EM PEQUIM, HANNAH

FICOU EM OITAVO. FOI

UMA GRANDE MELHORA”Tatyana McFadden, sobre o quarto lugar da irmã

A Paralimpíada do Rio serviu para reafir-mar a excelência das duas entre os grandesnomes do atletismo em cadeira de rodas.Tatyana, em especial, tem um impressio-nante histórico de 31 medalhas conquista-das, sendo 16 em Paralimpíadas e 15 emMundiais – no Rio foram quatro douradas eduas prateadas. Há uma explicação para re-sultados tão bons. A mais velha das McFad-den vence provas de curta e longa distância,desafiando os limites do corpo humano. Em2013, ela se tornou a primeira atleta, comdeficiência ou não, a vencer o Grand Slamdas maratonas, que inclui as provas de Chi-cago, Boston, Nova York e Londres. Ela ain-da se aventurou na Paralimpíada de Inver-no, em 2012, e conquistou uma medalhade prata no esqui. Hannah, por sua vez, so-ma duas medalhas de bronze em Mundiais,mas tem pela frente uma longa avenida paraseguir os passos da irmã.

No último dia 9, no Engenhão, elas dispu-taram sua primeira prova juntas, nos 100mT54. Separadas por três raias, as duas es-queceram-se por alguns segundos da cum-plicidade cultivada na convivência do dia adia, das frequentes idas ao cinema, restau-

rantes e shoppings, para se tornarem rivais.Não fossem 12 décimos de segundo, as ir-mãs subiriam juntas ao pódio em uma provaindividual – algo que seria inédito na históriadas Paralimpíadas. Tatyana ficou em se-gundo lugar; Hannah, em quarto, com o me-lhor tempo de sua carreira.

Posicionados na arquibancada no EstádioOlímpico, cerca de dez parentes das atletaschamavam a atenção pelo colorido e pelaanimação. Dada a largada, o grito deixou deser “Tatyana” ou “Hannah” para se tornarum uníssono “Team McFadden”, como estáestampado em suas camisetas. A mãe, De-borah, admite a dificuldade em escolher umlado durante a prova das duas, mas, entreelas, que não dividiram quarto na Vila dosAtletas, a rivalidade é tratada com elegân-cia. Diz Hannah sobre a irmã:

— A diferença entre nós é que ela é muitoforte, mas eu tenho uma largada que ela nãotem. É difícil competir com a Tatyana por-que ela é muito boa. Mas pode também serdivertido. Aprendo muito.

Prova finalizada, ambas se dirigiram aolocal onde enfrentariam o pelotão de repór-teres. Hannah, visivelmente frustrada, pas-sou chorando. Dali a alguns segundos, veioTatyana. Assediada por dezenas de microfo-nes, gravadores e celulares, foi informadade que a irmã não conseguira lugar no pó-dio. Reagiu com genuíno espanto.

— Ela ficou em quarto? Não sabia — dis-se, com decepção — Mas estou feliz por ela.Em Pequim, Hannah ficou em oitavo. Foiuma grande melhora, estou orgulhosa.

Num outro momento da competição, aoserem desclassificadas da prova que daria amedalha conjunta das duas, o revezamento4x400m, Hannah e Tatyana tiveram umadiscussão logo ao deixarem a pista a cami-nho da área interna do Engenhão. Quando amaioria dos jornalistas já havia ido embora,a irmã mais nova se queixou com a mais ve-lha por ela não ter dado a devida atenção àdesclassificação das duas, já que estavaocupada apenas em dar entrevistas depoisde seu pódio individual. Chamada de “ego-ísta” pela caçula, Tatyana abaixou a cabeçae pediu desculpa. Ali, no bastidor de umacompetição global, eram apenas irmãs due-lando como se estivessem em casa. ParaTatyana e Hannah McFadden, é vida quesegue, agora a caminho de Tóquio. Em ou-tras palavras, “Ya sama”, porque elas po-dem tudo por conta própria.

Irmãs entre a parceria e a rivalidadeAdotadas por uma americana, a russa Tatyana e a albanesa Hannah levam o nome da família McFadden para a elite do atletismo paralímpico. Na

Rio-2016, disputaram sua primeira prova juntas, nos 100m, categoria T54. A mais velha chegou em segundo lugar, enquanto a caçula ficou em quarto

Gustavo AltmanFOTOS DE MAURO PIMENTEL/AP

Competindo pelos EUA, Tatyana McFadden tem um impressionante histórico de 31 medalhas conquistadas, sendo 16 em Paralimpíadas

“É DIFÍCIL COMPETIR COM

A TATYANA PORQUE ELA

É BOA. APRENDO MUITO”Hannah, sobre a irmã mais velha

Engana-se quem imagina que a tetracampeã para-límpica de tênis de mesa, Natalia Partyka, de 27anos, pensa apenas na própria carreira no esporte.Além da conquista de sua medalha de ouro na Para-limpíada do Rio, a polonesa também celebrou nestemês de setembro o primeiro aniversário de seu projetosocial Fundusz Natalii Partiki (Fundo da NataliaPartyka).

O projeto consiste na distribuição de bolsas – quevariam de 300 euros (R$ 1.110) a 500 euros (R$1.800) – a jovens atletas poloneses de baixa renda. Ofundo atende atualmente a 12 competidores de es-portes de verão e inverno, paralímpicos e olímpicos.

— Pensei em criar essa iniciativa há quatro anos.Mas eu precisava de três anos, aproximadamente,para achar patrocinadores e os profissionais ideaispara me ajudar a levar o projeto adiante. Agora, já es-tamos planejando realizar uma segunda edição, des-sa vez contemplando mais atletas — relata Partyka.

Tetracampeã paralímpica e com participação em três Olimpíadas, Partyka patrocina atletas na Polônia

Campeã polonesa financia atletas Para chegar ao número final de esportistas ajuda-

dos pelo programa, no entanto, foi necessário outroprocesso longo de seleção. Segundo Natalia, mais decem candidatos passaram na primeira peneira da se-leção. Em seguida, este número foi reduzido para 60e, posteriormente, para dez. Mais tarde, o fundo aca-bou sendo estendido para 12 atletas.

— Eles tiveram de escrever redações sobre suascarreiras, seus esportes, suas conquistas e compro-var as condições financeiras de suas famílias. Era umprocesso de seleção para atletas sem recursos, porémtalentosos. Depois, tiveram de nos enviar um vídeo deum minuto no qual falavam de si mesmos. Foi um tra-balho cansativo, mas eu gostei — diz a mesatenistasobre o processo de seleção.

Dos 12 bolsistas atuais, quatro são atletas paralím-picos e dois competiram na Rio-2016. O principaldestaque foi Bartosz Tyszkowski, de 22 anos, que le-vou a prata no arremesso de peso, classe 41, com13m56cm. Em apenas um ano de existência, o Fun-dusz Natalii Partyki já apresenta resultados.

Hugo L’Abbate

Mesatenista cria projeto na Polônia para dar bolsa anovos talentos. Com menos de um ano de existência,fundação já conta com um medalhista de prata

Quarta-feira 21.9.2016|Jornal Paralímpico|7

Movidospela vontade de vencer

Um deles era mecânico de caminhões; o outro, en-tregador de quentinhas; e o terceiro, estudante deum colégio para cegos. Os três competiram naRio-2016, cada um em sua modalidade – remo, fu-tebol de 7 e judô. Vivendo na Região Metropolitanado Rio, desde que foram iniciados no esporte en-frentam os obstáculos de uma cidade pouco acessí-vel, além do peso de morarem em áreas geralmentemenos atendidas pelo poder público.

Há três anos, Michel Pessanha, de 37, pratica-va halterofilismo. Estava acima do peso e decidiumudar de vida ao ver pela TV a história de ThayaneTavares, que perdeu o movimento das pernas noMassacre de Realengo, quando um atirador dei-xou 12 vítimas fatais em uma escola do bairro, em2011. A jovem reabilitava-se remando no Clubede Regatas Flamengo.

— Sem conhecer o esporte, bati na porta do clu-be e pedi para treinar. Em seis meses, fiz testes pa-ra a seleção brasileira — conta o atleta, que ficouem sétimo lugar nos Jogos na categoria DoubleSkiff TA misto, em dupla com Josiane Dias.

Morador de Caxias, Michel tem uma deficiênciana perna direita, por conta de sequelas da poliomi-elite. Ele começa seu dia às 3h40m, para estar às5h na Lagoa, onde treina. Quando começou essarotina, usava transporte público e trabalhava co-mo mecânico. Hoje se mantém por meio dos pro-gramas de incentivo do governo e de retornos deseu clube. Sua dedicação inteira é para o remo.

No time brasileiro de Futebol de 7, Zeca – ou Jo-sé Carlos Monteiro, de 38 anos – é o camisa 4. Ve-terano, esta é sua quarta Paralimpíada – e ele as- Fernanda Lagoeiro

Três atletas que competiram nos Jogos do Riocontam suas trajetórias e falam da rotina de treinos. Michel Pessanha, Zeca Monteiro e Wilians de Araújo encontraram no esporte uma profissão e uma inspiração para a vida

segura que também é a última. Dono de uma prataconquistada em Atenas-2004, ele agora é donotambém de uma medalha de bronze. Desde 2003na modalidade, Zeca acompanhou a evolução doesporte de perto.

— Agora é melhor. Onde moro, não se pensavaque pessoas com deficiência podiam jogar bola —conta o morador da Mangueira, que teve paralisiacerebral devido a uma queda da mãe na gestação.

Morador de Olaria, o judoca medalhista de prataWilians de Araújo, de 26 anos, perdeu a visãoapós um disparo acidental da espingarda do pai.Tinha 10 anos. Após passar um tempo fora da es-cola, entrou para o Instituto Benjamin Constant,tradicional instituição de ensino voltada para defi-cientes visuais. Dali, seguiu para o Colégio PedroII. Foi lá que conheceu o judô.

Após os Jogos, ele pretende se dedicar aos estu-dos, quem sabe cursando Psicologia. Seu objetivoé estar próximo dos jovens, mostrar o quanto o es-porte é capaz de trazer autonomia:

— Quero ajudar na formação de novos Wilians,passando a eles as oportunidades que eu tive.

DIVULGAÇÃO/CLEBER MENDES/CPB

Willians de Araújo ficou com amedalha de prata na Rio -2016

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Page 7: QUARTA-FEIRA, 21.9.2016 Jornal Paralímpico - tagesspiegel.de · com uma prata no revezamento 4X50m livre misto – 20 pts ... recordes e decepções, na visão de quem começa ...

DIVULGAÇÃO/DANIEL ZAPPE/MPIX/CPB

Márcia emocionou o público ao carregar a tocha olímpica

da pista. Seguidas vezes: “Levanta, Márcia, levan-ta!”. Era o técnico Nivaldo Vieira, que acompanhava atrajetória da atleta desde o início de sua carreira. Se-guiu os conselhos do treinador e continuou a prova.Acabou em segundo lugar – em outras duas provas nacompetição, ela ainda venceria os 200m e levaria obronze nos 60m.

— Quando eu caí na abertura, não pensei em muitacoisa. Mas me lembrei do Nivaldo. “Levanta, Már-cia!” — recordou a atleta, com um sorriso largo. Elatem dificuldades para falar por conta da paralisia ce-rebral, mas compensa a deficiência com uma comu-nicação facial expressiva.

Nascida em São Gonçalo (RJ), Márcia teve, aos 2anos, uma infecção de sarampo, que evoluiu para umquadro de encefalite. Com o passar do tempo, a doen-ça causou danos cerebrais irreversíveis. Ao deixar ohospital, o diagnóstico dos médicos era pessimista:ela dificilmente teria coordenação motora suficientepara falar ou andar. Para driblar a situação, a famíliapassou a investir no esporte. A mãe, Maria José, sem-pre incentivou a filha a treinar, entendendo que man-tê-la ativa seria a melhor maneira de atenuar os pro-blemas. Apesar disso, raramente frequentavam am-bientes esportivos juntas, já que Márcia sempre esta-va com sua equipe de treinamento.

Por conta da rotina pesada de uma esportista de al-to rendimento, Márcia acabou se afastando da irmã,que seguiu carreira como técnica de enfermagem emoutros cantos do país. Durante os anos de distância,Márcia ajudou a mãe, prioridade que se sobrepunhaao atletismo. O agravamento de seu quadro, contudo,tornou inviável o apoio adequado e necessário. Mara,então, retornou a Rio Bonito para auxiliar no cuidadode ambas. Hoje, as três moram juntas e vivem um de-licado e gradativo processo de reaproximação.

Depois do Maracanã, Márcia virou uma celebrida-de internacional. A convite do “Jornal Paralímpico”,ela foi ao Engenhão junto com a irmã e outros três pa-rentes na tarde de segunda-feira, dia 12, para acom-panhar as provas de atletismo. Reconhecida por umafã, ouviu a carinhosa pergunta: “Você é a senhora da

abertura, não é?”. Márcia confirmou e iniciou-se aliuma enxurrada de pedidos de fotos, beijos e abraços.

— Quero pôr uma máscara — dizia. — Fico comvergonha!

Vergonha que rapidamente se transformou em or-gulho quando lhe ofereceram a ajuda que ela sabenão precisar. Abordada por um voluntário, que gentil-mente sinalizou o elevador que a levaria aos pisos su-periores do Engenhão, Márcia fez cara de poucosamigos e disse: “Rampa, rampa!”. E pela rampa su-biu, junto com o restante do público.

Ao entrarem no estádio, emocionadas com a gran-diosidade do palco esportivo iluminado, as irmãs seolharam. Nunca haviam estado juntas numa compe-tição olímpica.

— Aqui é mais bonito do que o estádio de NovaYork. É a minha terra, né? — disse Márcia, lembran-do-se de suas conquistas nos Estados Unidos.

Márcia é do tempo em que a Paralimpíada não ti-nha a dimensão profissional e o respeito de hoje. Em

1984, ao experimentar os três andares do pódio, le-vou apenas as medalhas para casa – atualmente, ummedalhista de ouro ganha R$ 60 mil; de prata, R$ 30mil e, de bronze, R$ 20 mil. A partir de agora, a ho-menagem no Maracanã e a celebração na tarde doEngenhão são eternas, mas não significam uma vidamelhor financeiramente.

As irmãs Malsar vivem com a mãe, hoje com 86anos, em uma casa simples. Durante o tempo em quetrabalhou como faxineira, Márcia contribuiu para aprevidência social. Já há alguns anos, vive da aposen-tadoria que recebe do INSS, além de uma pensão àqual a mãe tem direito. A família lamenta a falta deajuda do poder público. Embora diversos ex-atletasrecebam auxílio financeiro do Ministério do Esporte,Márcia não integra esse grupo. Ela ainda toma remé-dios para depressão por conta dos espasmos e preci-sa, na maioria das vezes, de um acompanhante parapoder caminhar – ainda que insista na inutilidadedessa ajuda. Ano passado, fez uma de suas primeirasviagens sozinha, de ônibus, a Minas Gerais.

Márcia talvez já não possa viajar anonimamente.Como tantos outros que deram suas vidas ao esportee, paralelamente, lutaram contra o preconceito, foitardiamente reconhecida. Mas, desde aquela noite noMaracanã, ganhou nome e sobrenome. Márcia Mal-sar fez história no Rio em 2016. Até Deus se emocio-nou, como se dissesse: “Levanta, Márcia, levanta!”.

THILO RÜCKEIS/TAGESSPIEGEL

A ex-atleta assistiu aos Jogos no Engenhão com o mesmo uniforme que usou na abertura da Paralimpíada, no Maracanã

cada para chegar à tribuna – mesmo tendo problemasde mobilidade.

O transtorno foi causado por falta de informação dosvoluntários no local. Segundo o gerente de acessibilida-de da Rio-2016, Augusto Fernandes, que é cadeirante,a arena tem elevador para cadeiras de rodas.

A equipe de Sustentabilidade, Acessibilidade e Le-gado da Rio-2016 informa que a construção de áreasacessíveis nas instalações ficou a cargo da EmpresaOlímpica Municipal (EOM) e, segundo Fernandes, foium grande desafio direcionar a quantidade de espaçoadaptado para os meios de comunicação:

— A acessibilidade nunca é 100%, mas temos quetrabalhar para funcionar da melhor forma possível.

8|Jornal Paralímpico|Quarta-feira 21.9.2016

Olhos paraouvidos atentosAudiodescrição misturou narraçãotradicional com informações sobre os esportes. Recurso esteve presenteem 11 das 23 modalidades dos Jogos

Jakciane de Aguiar Pereira, de 25 anos, foisozinha assistir à vitória do Brasil sobre Isra-el no goalball feminino. Ela não tinha quemlhe dissesse os resultados da partida, e mes-mo assim não perdeu nenhum lance. Pesso-as com deficiência visual que estavam nanatação ouviram mais do que apenas quemvenceu a prova e o tempo dos atletas. Elasdeixaram a arena sabendo, também, quaiseram as cores das toucas dos competidorese que o nadador André Brasil tem uma gran-de tatuagem nas costas.

Estas informações foram escutadas porquem acompanhava a narração audiodes-critiva nas arenas, recurso que mescla a nar-ração esportiva com elementos da audio-descrição. Informações técnicas da compe-tição – nome dos atletas, placar, melhorestempos – eram intercaladas com uma des-crição dos detalhes visuais da arena.

Os espectadores puderam ouvir a narra-ção por frequência de rádio, em seus própri-os dispositivos eletrônicos ou pelo aparelhode rádio distribuído pela organização doevento. O recurso esteve presente em 11

das 23 modalidades da Rio-2016.Na natação, os comentaristas Bruno Ro-

drigues e Alan March narraram a prova emportuguês e inglês, respectivamente. ParaMarch, a narração audiodescritiva não sedirige só às pessoas com deficiência visual:

— Ela é desenvolvida para atingir a todos.É uma oportunidade de educar sobre espor-tes que, até então, muitas pessoas não co-nheciam. A ideia é não deixar o que vemospassar batido — explicou.

O número de dispositivos de áudio dispo-nibilizados variou entre 50 e 150 unidades,de acordo com o esporte. Na natação, o totalera 150 e uma média de dez aparelhos fo-ram distribuídos por noite de competição,segundo Andrea Andion, diretora de rádiodo Comitê Rio-2016. No goalball, o númerode aparelhos entregues ao público por parti-da foi maior, chegando a 70.

O jogador da seleção alemã de goalballStefan Hawranke utilizou o dispositivo napartida entre seus adversários brasileiros eamericanos. Para ele, o recurso, apesar denão fornecer informações táticas do jogo,importantes para outros atletas da modali-dade, tem grande utilidade para o público.

Augusto Fernandes, gerente de Acessibili-dade, Sustentabilidade e Legado doRio-2016, avalia que a inserção da narra-ção audiodescritiva nos Jogos deixa um le-gado para outras competições esportivas.

— Temos que ser pró-ativos e dizer aoscegos que esse recurso existe. Ele faz umadiferença incrível.

Jorge Salhani

THAÍS CONTARIN

AugustoFernandes e Carla Azevedono ParqueOlímpico da Barra

A luta por maisacessibilidadeJornalistas que usam cadeiras de rodas contam aexperiência de percorrer as instalações dos Jogos.Falhas de comunicação por parte dos voluntários e dimensionamento do espaço foram obstáculos

A cobertura da Paralimpíada do Rio é a maior da his-tória da competição. Ao todo, quatro bilhões de pes-soas em mais de 154 países acompanharam as dis-putas pela TV, pelo rádio e pela internet, segundo da-dos do Comitê Paralímpico Internacional (IPC, em in-glês). Para que todas as informações fossem transmi-tidas ao redor do mundo, 2.136 jornalistas passarampelas instalações paralímpicas durante os dez dias deprovas. Muitos deles com necessidades especiaisnem sempre atendidas nos locais de trabalho.

A repórter da Empresa Brasil de Comunicação(EBC) Carla Azevedo participa da cobertura de JogosParalímpicos desde Atenas-2004. Para ela, os pro-blemas de acessibilidade não foram só na Rio-2016.

— Foi assim em Atenas e em Londres — avalia en-quanto conduz a própria cadeira de rodas pelo ParqueOlímpico da Barra, explicando que a facilidade deacesso varia de arena para arena. — Em Deodoro,acompanhei o tiro esportivo e vi as provas por entre asfrestas da barra de ferro que ficava na altura dos meusolhos, mas quando fui assistir ao judô foi muito bom.

Na Arena do Futuro 3, onde aconteceram as dispu-tas do basquete, Jonas Wengert, jornalista de 23anos do Seguro Social Alemão de Acidentes de Traba-lho (DGUV, em alemão), precisou subir lances de es- Thaís Contarin

‘Achuva na cerimônia foram lágrimas deDeus. Ele estava emocionado”. Dessaforma simples e sensível, Márcia Mal-sar, de 57 anos, quatro vezes medalhis-

ta em Paralimpíadas, descreve o momento que a fezreconhecida mundialmente. Ao carregar a tocha a ca-minho da pira na cerimônia de abertura dos Jogos Pa-ralímpicos no Rio, perdeu o equilíbrio e caiu, na meta-de do percurso. Levantou-se sozinha e, apesar da fra-gilidade nas pernas, prosseguiu. Chovia muito no Ma-racanã. As lágrimas de Deus somaram-se às de maisde 50 mil pessoas presentes no estádio e muitas ou-tras que assistiam pela TV.

Uma semana antes da cerimônia, Márcia pediu aosparentes que comprassem ingressos para o evento. Airmã, Mara, de 52 anos, entrou no site dos Jogos, masesbarrou no custo: as únicas entradas disponíveis ti-nham preços elevados. Horas depois, no entanto,veio um inesperado telefonema. Era um representan-te do Comitê Paralímpico Brasileiro, com um conviteao mesmo tempo irrecusável e intimidador – Márcianão apenas assistiria à festa, mas também participa-ria dela como uma das grandes estrelas.

A ideia inicial era pôr as duas irmãs juntas na pistapara a terceira passagem da tocha, de modo que Ma-ra pudesse ajudar em uma eventual dificuldade. Oconvite foi aceito, mas com a condição de que Márciafosse sozinha.

— Apesar das ajudas indiretas, ela conquistou tudopor conta própria — argumenta a irmã.

Ao final da ligação, as duas sabiam estar diante deum desafio imenso, que iria expor Márcia aos olhos demilhões de pessoas na TV.

Trataram, então, de se preparar. Mara vasculhouestantes, gavetas, abriu e fechou armários. Enfim,encontrou o objeto desejado: uma garrafa plástica,com 30cm, forma cônica, fácil de ser segurada pordedos frágeis, era a peça ideal para simular uma to-cha olímpica. Em sua casa, no município fluminensede Rio Bonito, Márcia praticou a caminhada que fariadali a alguns dias. De um canto ao outro do quintal deterra batida, a campeã percorreu a distância sem per-calços, em um vaivém seguro. Durante o ensaio geralno Maracanã, repetiu a travessia ao lado da equipe deprodução do espetáculo. Na véspera do grande dia,Mara alertava a irmã: “Só não vai cair, Márcia. Peloamor de Deus!”.

Momentos antes naquela tarde do dia 7 de setem-bro, Márcia ameaçou desistir. Um integrante da equi-pe responsável pelo bom andamento da cerimôniaolhou-a nos olhos, pegou sua mão e disse, repetida-mente, com calma e certeza: “Este momento é seu,de mais ninguém”. Ela respirou fundo e foi – avançan-do na chuva, com a bengala, vencendo cada passolentamente. A multidão no Maracanã torcia em silên-cio, até que Márcia caiu. Ao levantar-se, sozinha, foidemoradamente aplaudida. Após a tensão que tomouo estádio, o alívio veio acompanhado de orgulho,mesmo que a maioria dos presentes não conhecessesua trajetória. Márcia voltava a demonstrar, ali, a pos-tura que sempre a acompanhou: a queda seguida doreerguimento.

Em 1984, na Paralimpíada de Nova York, durantea disputa por medalha na prova dos mil metros crosscountry, na classe C6, Márcia estava em primeiro lu-gar, mas se desequilibrou e tombou. Permaneceuimóvel no chão, perplexa com o que acabara de acon-tecer. “Levanta, Márcia!”, ela ouviu, vindo do fundo

Gustavo Altman e João Pedro Soares

‘Levanta, Márcia!’Ex-atleta conta que, ao cair na cerimônia de abertura, lembrou-se de frase

motivadora gritada por seu técnico após tombo na Paralimpíada de 1984

“AQUI (O ENGENHÃO) É MAIS

BONITO DO QUE O ESTÁDIO DE NOVA

YORK. É A MINHA TERRA, NÉ?” Márcia Malsar, ex-atleta

“APESAR DAS AJUDAS INDIRETAS,

ELA CONQUISTOU TUDO POR

CONTA PRÓPRIA”Mara Malsar, irmã de Márcia