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    Qualificao deGestores do SUS

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    Ministrio da Sade

    MINISTRO

    Alexandre Padilha

    SECRETRIO DE GESTO DO TRABALHO E DA EDUCAO NA SADE

    Milton de Arruda Martins

    Fundao Oswaldo Cruz Fiocruz

    PRESIDENTE

    Paulo Ernani Gadelha

    DIRETOR DA ESCOLA NACIONAL DE SADE PBLICA SERGIO AROUCA ENSP

    Antnio Ivo de Carvalho

    COORDENADORA DA EDUCAO A DISTNCIA EAD/ENSP

    Lcia Maria Dupret

    Curso de Qualificao de Gestores do SUS

    COORDENADORES

    Victor Grabois

    Walter Mendes

    Roberta Gondim

    ASSESSORAS PEDAGGICAS

    Henriette dos Santos 1 e 2 edies

    Milta Neide Freire Barron Torrez 1 edio

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    Qualificao deGestores do SUS

    Roberta GondimVictor GraboisWalter MendesOrganizadores

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    G637 Gondim, Roberta (Org.) Qualificao de gestores do SUS. / organizado por Roberta

    Gondim, Victor Grabois e Walter Mendes 2. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro, RJ: EAD/Ensp, 2011.

    480 p.

    ISBN: 978-85-61445-67-6

    1. Gesto em sade. 2. Sistema nico de Sade. 3. Sistemasde informao - utilizao. 4. Tomada de decises. 5. Promooda sade. 6. Vigilncia. 7. Educao a distncia. I. Grabois,Victor (Org.) II. Mendes, Walter (Org.). III. Ttulo.

    CDD 362.10425

    Copyright 2009 dos autores

    Todos os direitos de edio reservados Fundao Oswaldo Cruz/Ensp/EAD

    1 edio: 2009

    1 reimpresso: 2010

    2 edio revista e ampliada: 2011

    SUPERVISO EDITORIAL

    Maria Leonor de M. S. Leal

    REVISO METODOLGICA

    Alda Maria Lessa Bastos

    Cleide Figueiredo Leito

    Henriette dos Santos

    Milta Neide Freire Baron Torrez

    Suely Guimares Rocha

    REVISO E NORMALIZAO

    Alda Maria Lessa Bastos

    Alexandre Rodrigues Alves

    Christiane Abbade

    Maria Auxiliadora Nogueira

    Neise Freitas da Silva

    Rosane Carneiro

    Snia Kritz

    REVISOR TCNICO DE O CASO DE ANA

    Marcelo Adeodato Bello

    PROJETO GRFICO

    Jonathas Scott

    Eliayse Villote

    ILUSTRAES

    Gabinete de Artes

    EDITORAO ELETRNICA E TRATAMENTO DE IMAGEM

    Quattri Design

    Catalogao na fonteInstituto de Comunicao e Informao Cientfica e TecnolgicaBiblioteca de Sade Pblica

    Projeto realizado em parceria com a Rede de Escolas e Centros Formadores em Sade Pblica.

    2011

    Educao a Distncia da Escola Nacional de SadePblica Sergio Arouca

    Rua Leopoldo Bulhes, 1480

    Prdio Professor Joaquim Alberto Cardoso de Melo

    Manguinhos Rio de Janeiro RJ

    CEP: 21041-210

    www.ead.fiocruz.br

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    [...] o mundo comum aquilo que adentramos aonascer e que deixamos para trs quando morremos.

    Transcende a durao de nossa vida tanto no

    passado quanto no futuro: preexistia nossa chegada

    e sobreviver nossa permanncia. isto que temos

    em comum no s com aqueles que vivem conosco,

    mas tambm com aqueles que viro depois de ns.

    Mas esse mundo comum s pode sobreviver ao

    advento e partida das geraes na medida em que

    tem uma presena pblica. o carter pblico da

    esfera pblica que capaz de absorver e dar brilho

    atravs dos sculos a tudo o que os homens venham

    a preservar da runa natural do tempo.

    Hannah Arendt

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    AutoresAna Cecilia de S Campello FaveretGraduada em relaes internacionais; doutora em sade coletiva pelo Instituto de

    Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/Uerj); mestre

    em administrao pblica pela Carleton University, Canad; bacharel em relaesinternacionais pela Universidade de Braslia. reas de atuao: planejamento e

    oramento em sade, sistema de informaes sobre oramentos pblicos em sade

    (SIOPS/MS). Integra o Grupo Executivo da iniciativa Contas Nacionais de Sade.

    Especialista em regulao da Agncia Nacional de Sade Suplementar.

    Ana Cristina ReisNutricionista; doutoranda em sade pblica pela Escola Nacional de Sade Pblica

    Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz); sanitarista da Secretaria de Estado de Sade e Defesa Civil

    do Rio de Janeiro.

    Andr Monteiro CostaEngenheiro; doutor em sade pblica pela Fundao Oswaldo Cruz (2003); pesquisador

    adjunto do Departamento de Sade Coletiva/NESC do Centro de Pesquisas Aggeu

    Magalhes/CPqAM/Fiocruz. Tem experincia na rea de sade coletiva, com nfase empolticas de saneamento, sade ambiental e anlises de polticas pblicas.

    Antnio Ivo de CarvalhoMdico; mestre em cincias pela Escola Nacional de Sade Pblica Sergio Arouca (Ensp/

    Fiocruz); pesquisador/professor do Departamento de Administrao e Planejamento em

    Sade (Daps) da Ensp/Fiocruz. Trabalha com promoo da sade, polticas e gesto em

    sade e determinantes sociais da sade. Atualmente diretor da Ensp/Fiocruz.

    Carlos Eduardo Aguilera CamposMdico; doutor em medicina preventiva pela Faculdade de Medicina da Universidade

    de So Paulo (USP); professor do Departamento de Medicina Preventiva e do Programa

    de Ateno Primria Sade da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio

    de Janeiro (UFRJ); editor da Revista Brasileira de Medicina de Famlia e Comunidadee

    editor adjunto da Revista de APS; coordenador da residncia em medicina de famlia ecomunidade da Faculdade de Medicina da UFRJ.

    Cristiani Vieira MachadoMdica sanitarista; doutora em sade coletiva pelo Instituto de Medicina Social da

    Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/Uerj); professora e pesquisadora do

    Departamento de Administrao e Planejamento em Sade da Escola Nacional de Sade

    Pblica Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz).

    Elizabete Vianna DelamarqueHistoriadora e museloga; mestranda do programa de ps-graduao em histria

    das cincias e da sade da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz); membro do Centro

    Colaborador em Vigilncia Sanitria da Escola Nacional de Sade Pblica Sergio Arouca

    (Cecovisa/Ensp/Fiocruz).

    Else Bartholdy GribelEnfermeira sanitarista; mestre em sade pblica informao e comunicao em sade;

    tecnologista do Centro de Sade da Escola Nacional de Sade Pbica Sergio Arouca da

    Fundao Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz); docente do Curso Gerncia de Unidades Bsicas;

    chefe do Centro de Sade Escola Germano Sinval Faria (CSEGSF/Ensp).

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    Roberta Gondim (Organizadora)Psicloga; mestre em sade pblica pela Escola Nacional de Sade Pblica Sergio Arouca

    (Ensp/Fiocruz); docente da Ensp/Fiocruz na rea de poltica, planejamento e gesto em sade.

    Roberto de Freitas VincentMdico com especializaes em pediatria, oncologia e gesto em sade; servidor da

    Secretaria Municipal de Sade-Rio; atualmente na Diretoria de Informao e Anlise da

    Situao de Sade Secretaria de Estado de Sade e Defesa Civil/RJ.

    Rodrigo Pucci de S e BenevidesEconomista; mestre em sade coletiva pelo Instituto de Medicina Social da Universidade

    do Estado do Rio de Janeiro (IMS/Uerj); especialista em polticas pblicas e gesto

    governamental do Ministrio do Planejamento, em exerccio no Ministrio da Sade;

    bacharel em economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

    Rosa Maria da RochaGraduada em educao fsica; mestre em educao fsica pela Universidade Gama

    Filho; tecnologista em sade pblica da Escola Nacional de Sade Pblica Sergio Arouca

    (Ensp/Fiocruz); docente do curso nos moldes de residncia da sade da famlia; tutora e

    membro da equipe de coordenao do Curso de Especializao em Promoo da Sade e

    Desenvolvimento Social e do Curso de Aperfeioamento em Promoo da Sade na Escola.

    Rosana Chigres KuschnirMdica; doutora em planejamento e polticas de sade pelo Instituto de Medicina Social

    da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/Uerj); mestre em gesto de servios

    de sade pela Universidade de Birmingham, Inglaterra. Trabalha nas reas de ensino,

    pesquisa e assessoria tcnica/cooperao da Escola Nacional de Sade Pblica Sergio

    Arouca (Ensp/Fiocruz) e coordena o Curso de Especializao em Gesto de Sistemas e

    Servios de Sade. Tem experincia nas reas de planejamento, programao e gesto

    de sistemas de sade e organizao de servios de sade e de redes assistenciais.

    Sidney Feitoza FariasPsiclogo; doutor em sade pblica pelo Centro de Pesquisas Aggeu Magalhes/

    Fundao Oswaldo Cruz/CPqAM/Fiocruz (2009); docente/pesquisador do Departamento

    de Sade Coletiva do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhes/CPqAM/Fiocruz. Atua narea de sade pblica, com nfase em anlise de polticas de sade, regulao em sade

    e planejamento e gesto em sade.

    Tatiana Wargas de Faria BaptistaPsicloga; doutora em sade coletiva pelo Instituto de Medicina Social da Universidade

    do Estado do Rio de Janeiro (IMS/Uerj); professora e pesquisadora do Departamento de

    Administrao e Planejamento em Sade da Escola Nacional de Sade Pblica Sergio

    Arouca (Daps/Ensp/Fiocruz).

    Vanessa Cristina Felippe Lopes VillarDentista; mestranda do Programa de Ps-Graduao em Sade Pblica da Escola

    Nacional de Sade Pblica Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz); servidora da Superintendncia

    de Vigilncia Sanitria da Secretaria de Estado da Sade e Defesa Civil do Rio de Janeiro

    e da Secretaria Municipal de Sade, da Prefeitura Municipal de Queimados.

    Vera Lcia Edais PepeMdica; doutora em medicina preventiva pela Universidade de So Paulo (USP);

    pesquisadora do Departamento de Administrao e Planejamento em Sade da

    Escola Nacional de Sade Pblica Sergio Arouca (Daps/Ensp/Fiocruz). Atua na rea

    de sade coletiva, principalmente em vigilncia sanitria, medicamentos, poltica de

    medicamentos, judicializao do acesso a medicamentos e avaliao em sade.

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    Victor Grabois (Organizador)Mdico; mestre em sade coletiva, rea de concentrao em planejamento e polticas

    de sade pelo Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

    (IMS/Uerj); coordenador-adjunto do Curso de Especializao em Gesto Hospitalar.

    Trabalha nas reas de ensino, pesquisa e assessoria tcnica/cooperao da Escola

    Nacional de Sade Pblica Sergio Arouca da Fundao Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz).

    Walter Vieira Mendes Jnior (Organizador)Mdico; doutor em sade pblica pela Fundao Oswaldo Cruz; mestre em polticas

    e planejamento em sade pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj); autor

    de livros e artigos sobre avaliao da qualidade em servios de sade, segurana do

    paciente e atendimento domiciliar.

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    II

    I

    Sumrio

    Prefcio........................................................................................................................... 13

    Apresentao................................................................................................................. 15

    Fundamentos do Sistema nico de Sade

    1. Concepo de sade-doena e o cuidado em sade ...................................................................... 21Marly Marques da Cruz

    2. Histrico do sistema de sade, proteo social e direito sade .................................................... 35Marly Marques da Cruz

    3. Princpios organizativos e instncias de gesto do SUS ................................................................... 47Cristiani Vieira Machado, Luciana Dias de Lima e Tatiana Wargas de Faria Baptista

    Gesto da ateno sade

    O caso de Ana............. ............. ............ ............. ............. ............. ............. ............. ............. ............. . 75Cristiani Vieira Machado, Luciana Dias de Lima e Tatiana Wargas de Faria Baptista

    4. Organizao da ateno ............................................................................................................... 93Roberta Gondim, Regina Lcia Dodds Bomfim, Victor Grabois, Carlos Eduardo Aguilera Campos e Else Bartholdy Gribel

    5. Configurao da rede regionalizada e hierarquizada de ateno sade no mbito do SUS .......... 121Rosana Kuschnir, Luciana Dias de Lima, Tatiana Wargas de Faria Baptista e Cristiani Vieira Machado

    6. Gesto do cuidado ..................................................................................................................... 153Victor Grabois

    As vigilncias do campo da sade: aportes e implicaes para a gesto de sistemase de servios de sade

    O caso de Ana na cidade: o que os olhos no veem, o corao e o corpo sentem?............................ 193Marismary Horsth De Seta, Vanessa Cristina Felippe Lopes Vilar e Elizabete Vianna Delamarque

    7. Vigilncias do campo da sade: conceitos fundamentais e processos de trabalho ......................... 199Marismary Horsth De Seta, Lenice G. da Costa Reis e Vera Lcia Edais Pepe

    8. Construo, estruturao e gesto das vigilncias do campo da sade ............ ............ ............. ... 239Marismary Horsth De Seta e Lenice G. da Costa Reis

    9. Trajetrias, desafios e perspectivas das vigilncias do campo da sade ......................................... 277

    Marismary Horsth De Seta, Elizabete Vianna Delamarque e Lenice G. da Costa

    Promoo da sade e desenvolvimento social

    10. Promoo da sade como poltica e a Poltica Nacional de Promoo da Sade .............. ............ 297Maria de Ftima Lobato Tavares, Lenira Zancan, Antonio Ivo de Carvalho e Rosa Maria da Rocha

    III

    IV

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    11. Articulao intersetorial na gesto para a promoo da sade.................................................... 309Lenira Zancan, Antnio Ivo de Carvalho, Maria de Ftima Lobato e Rosa Maria da Rocha

    12. Territrios da promoo da sade e do desenvolvimento local .................................................... 325Rosa Maria da Rocha, Lenira Zancan, Maria de Ftima Lobato Tavares e Antonio Ivo de Carvalho

    Funes gestoras e seus instrumentos13. Gesto em sade: uma abordagem introdutria......................................................................... 347Pedro Ribeiro Barbosa

    14. Formulao de polticas e planejamento..................................................................................... 357Regina Lcia Dodds Bomfim

    15. Gesto oramentria e financeira no Sistema nico de Sade .................................................... 381Ana Ceclia de S Campello Faveret e Rodrigo Pucci de S e Benevides

    16. A regulao no setor pblico de sade: um processo em construo .......................................... 399Sidney Feitoza Farias, Garibaldi Dantas Gurgel Jnior e Andr Monteiro Costa

    17. Monitoramento & Avaliao como uma das funes gestoras do Sistema nico de Sade........... 415

    Marly Marques da Cruz e Ana Cristina Reis

    Apndices

    Apndice A Exemplos de sistemas de informaes relevantes para a gesto do SUS ....................... 429Roberto de Freitas Vincent e Regina Lcia Dodds Bomfim

    Apndice B Utilizao dos sistemas de informao do DATASUS como subsdio para a tomada dedecises na gesto do SUS............................................................................................................... 441Roberto de Freitas Vincent

    Siglas............................................................................................................................. 473

    V

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    A gesto do SUS representa um ponto essencial na garantia do direito sade, que tem nas dimenses do acesso e da qualidade das aesseus eixos estruturantes. A qualificao do trabalho uma das variveismais sensveis para as mudanas que se desejam operar, em especial nocampo da gesto pblica em sade.

    A complexidade dos processos de gesto, prprios de um sistema desade descentralizado, no cenrio federativo brasileiro e o processo dereorientao do modelo de ateno no SUS exigem dos gestores cons-tante desenvolvimento de conhecimentos e atualizao nas estratgias

    e ferramentas de gesto, a fim de que possam responder s novas exi-gncias da conjuntura local, regional e nacional em sade. O melhorcenrio para concretizar esse desafio se d no mbito da adoo depolticas sistemticas de qualificao para o trabalho. A integrao deesforos na formao para a qualificao da gesto em sade propicia atroca de saberes, a cooperao interinstitucional e o compartilhamentode processos de trabalho e tecnologias.

    A criao da Secretaria de Gesto do Trabalho e na Educao da Sade(SGETS) em 2003 delimita claramente como ao de governo a for-mulao e implementao de polticas, que, no seu conjunto, confor-

    maram uma agenda positiva para a rea do trabalho e da educao nasade. Iniciativas mais integradas e de carter sistmico consideradascomo poltica de estado na rea da formao para o trabalho em sade foram fortemente includas na agenda nacional.

    A obteno de resultados nas aes de sade em funo de metas e indi-cadores, previamente pactuados no mbito federativo, mantm estreitarelao com a qualidade dos processos de gesto. Para tanto, devem ser

    Prefcio

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    desenhadas iniciativas de envergadura nacional capazes de dar contados desafios de qualificar um conjunto de trabalhadores envolvidos emprocessos decisrios do SUS. Sendo assim, a efetivao de programasnacionais impe a necessidade de criar estratgias que incluam e res-peitem os arranjos federativos, prprios da poltica nacional de sade,

    de forma a contribuir para maior institucionalidade e estabilidade depolticas pblicas. Em 2008, nesse cenrio, foi implantado o Curso deQualificao de Gestores do SUS.

    Como resultado dessa experincia positivamente avaliada, no campoda qualificao da gesto do SUS, tornou-se ntida a pertinncia destapublicao, como segunda edio do livro didtico do referido curso,como estratgia potente no apoio aos processos formativos dessa natu-reza. Ao manter o dilogo com as necessidades do trabalho gestor,tende-se a pensar caminhos, construir alternativas e encontrar soluesno cotidiano da gesto que produzam impactos no seu desempenho e,

    em ltima instncia, sejam componentes importantes na melhoria dascondies de vida e do direito sade.

    Milton de Arruda Martins

    Secretrio de Gesto do Trabalho e da Educao na Sade

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    O livro Qualificao de Gestores do SUS parte integrante da PolticaNacional de Qualificao da Sade e est ancorado em trs convices.

    A primeira manifesta-se no reconhecimento da importncia do dilogocom os princpios e diretrizes da Poltica Nacional de Sade, com foconas funes gestoras do sistema de sade e em seus campos de prtica.Os espaos onde as aes em sade se fazem presentes, sejam elas decarter tcnico ou poltico, individual ou coletivo, seus processos deci-srios, suas bases histricas e conjunturais, seus instrumentos, diretri-zes e normativas, constituem o campo a ser tratado de maneira crtica,

    considerando as diferentes realidades nas quais a sade se concretiza.

    A segunda convico a certeza de que a Poltica Nacional de Qualifi-cao do Trabalho em Sade deve guardar semelhanas com a organi-cidade e a institucionalidade das demais polticas da sade, no respeitoao desenho federativo do Estado brasileiro. Com isso, h de ser coleti-vamente implementada, tendo como lugar de referncia os espaos degesto do SUS nas trs instncias de governo, numa operao com aRede de Escolas e Centros Formadores em Sade Pblica.

    E a terceira se evidencia na maneira como o livro est organizado. Esta-mos convencidos e adotamos como pressupostos a existncia de umcampo comum da gesto pblica em sade e a certeza de que o conhe-cimento e as prticas desse campo podem e devem ser compartilhados.Representam o leito comum pelo qual os princpios e diretrizes da ges-to pblica em sade transitam. Esse marco proporciona a possibilidadede o conhecimento e as experincias acumulados serem nacionalmente

    Apresentao

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    discutidos e criticamente analisados. Como estamos falando de um eixocomum da gesto em sade, a organizao dos captulos do livro refleteaquilo que geral a todos os espaos coletivos e institucionais nos quaisesta se concretiza.

    O livro, em volume nico, est estruturado em cinco partes. A Parte I,Fundamentos do Sistema nico de Sade, apresenta um breve pano-rama das bases histricas, conceituais, institucionais e organizacionaisnas quais o SUS se ancora. A inteno a de que voc possa revisit-lascom um olhar crtico, porque, afinal, so elas que fundamentam e con-formam a poltica de sade brasileira. Trs captulos compem essa parte:1. Concepo de sade-doena e o cuidado em sade; 2. Histrico dosistema de sade, proteo social e direito sade; 3. Princpios orga-nizativos e instncias de gesto do SUS. Ao longo dos captulos, vocser convidado a ler importantes artigos que complementam e apoiamo estudo.

    As trs partes seguintes do livro refletem uma organizao temticabaseada em reas de prtica do sistema de sade, a saber: ateno sade; vigilncias em sade; promoo da sade e desenvolvimentosocial. Esse recorte em reas de prtica fruto da iniciativa da EscolaNacional de Sade Pblica Sergio Arouca da Fundao Oswaldo Cruz(Ensp/Fiocruz) de rever as bases de oferta de cursos lato sensu, na cer-teza de que estes devem refletir a demanda por formao e superar aoferta fragmentada e de pouco impacto, abrindo caminho para um pro-grama de formao sintonizado com as prioridades do SUS e metodo-

    logicamente adequado diversidade de suas necessidades. Essa inicia-tiva, de construo coletiva e participativa, contou com a contribuiode inmeros atores do SUS das trs esferas de governo, de diferentesreas e responsabilidades gestoras. Dessa forma, as Partes II, III e IV soresultantes dessa reviso do programa de formao e cada uma delas composta por trs captulos, nos quais so tratados diferentes temas derelevncia para a gesto em sade.

    A Parte II, Gesto da Ateno Sade, por corresponder a uma rea deprtica, iniciada com o relato de um caso, que busca refletir diferentesaspectos da ateno sade: O caso de Ana. Os elementos trazidos por

    ele so tratados ao longo dos trs captulos que a compem: 4. Organi-zao da ateno; 5. Configurao da rede regionalizada e hierarqui-zada de ateno sade no mbito do SUS; e 6. Gesto do cuidado.

    O caso de Ana na cidade: o que os olhos no veem, o corao e o corposentem? um seguimento do caminhar de Ana e inaugura a Parte III,As vigilncias do campo da sade: aportes e implicaes para a gesto

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    de sistemas e de servios de sade, em que so discutidas as vigilnciasem sade: epidemiolgica, sanitria, ambiental e do trabalhador. A Ana nacidade traa caminhos e prope uma relao dialgica com o Captulo 7,Vigilncias do campo da sade: conceitos fundamentais e processos detrabalho; com o Captulo 8, Construo, estruturao e gesto das vigi-

    lncias do campo da sade; e com o Captulo 9, Trajetrias, desafios eperspectivas das vigilncias do campo da sade.

    Na Parte IV, Promoo da sade e desenvolvimento social, so feitasinteraes entre situaes-problema e os captulos que a compem:10. Promoo da sade como poltica e a Poltica Nacional de Pro-moo da Sade; 11. Articulao intersetorial na gesto para apromoo da sade; e 12. Territrios da promoo da sade e dodesenvolvimento local.

    A Parte V, Funes gestoras e seus instrumentos, tem por desafio

    traar um panorama sobre o que so, como se organizam e se operamdiferentes dimenses da gesto, aqui tratadas como funes gestoras.Para efeitos de sistematizao e de dilogo com a estruturao do SUS,optou-se por um recorte possvel de funes, mas sem perder de vistaque esse recorte, descrito a seguir, no o nico, e sim o que melhornos pareceu no sentido de organizar o trabalho da gesto. O objetivodessa parte do livro aprofundar e apoiar a leitura, aproximando oleitor das funes presentes na gesto em sade, alm de propiciarcondies para uma melhor apreenso dos atributos e instrumentosinerentes ao campo. Essa parte iniciada por um captulo introdutrio

    sobre gesto, cujo objetivo situar o leitor quanto s dimenses dagesto em sade. Ademais composta de cinco captulos que retratamdeterminadas funes gestoras e traz instrumentos importantes parasua efetivao: Captulo 13, Gesto em sade: uma abordagem intro-dutria; Captulo 14, Formulao de polticas e planejamento; Cap-tulo 15, Gesto oramentria e financeira no Sistema nico de Sade;Captulo 16, A regulao no setor pblico de sade: um processo emconstruo e Captulo 17, Monitoramento & Avaliao como umadas funes gestoras do Sistema nico de Sade.

    Convencidos de que a apropriao com qualidade das funes gestorasrequer que se lance mo de um conjunto de informaes e indicadoresem sade, decidimos pela incluso, neste livro, de anexos importantesque tratam dos principais sistemas de informao do SUS. Contudo,reconhecemos que, algumas vezes, no basta acessar dados disponveisnas diferentes bases do sistema; necessrio manuse-los para che-gar o mais prximo possvel da realidade que pretendemos conhecer.

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    Para ajudar o leitor no alcance desse objetivo, descrevemos um passo apasso de como utilizar o TabWin, que um sistema de tabulao de dados.

    Por fim, convidamos voc a um mergulho nesse farto material de lei-tura, apostando que ele certamente ir subsidi-lo conceitual, crtica e

    operacionalmente no tratamento da realidade no mundo do trabalhodo sistema de sade brasileiro.

    Os Organizadores

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    I Fundamentos do Sistemanico de Sade

    Ilustraes:GabinetedeArtes(2011).

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    QUALIFICAODEGESTORESDOSUS

    Para refletir

    a) O que significa ter sade? O que contribui para que as pessoastenham sade?

    b) O que significa estar doente? O que favorece o adoecimento

    das pessoas?

    c) O que voc faz quando adoece? O que significa para voc sercuidado?

    d) Como os trabalhadores de sade interferem no processo sade-doena das pessoas?

    Diferentemente do que voc fez, ao explorar bastante seu prprioconhecimento sobre esses tpicos, agora voc vai levantar as concep-es de outras pessoas, considerando a insero social delas no mbitoda sade. Voc quer saber como? Ento vamos l...

    Para praticar

    Faa um levantamento com um gestor, um profissional de sade e umusurio dos servios de sade, utilizando as mesmas questes sobre asquais voc j refletiu. Formule um roteiro para registrar as respostas dosentrevistados, procurando ser o mais fiel possvel. Esse registro pode serfeito num quadro como o exemplo a seguir:

    Entrevistados Questo 1 Questo 2 Questo 3 Questo 4

    Entrevistado 1

    Entrevistado 2

    Entrevistado 3

    Depois de realizar as entrevistas, compare as respostas dos entrevistadoscom as suas e faa uma sntesedas semelhanas e diferenas observadas.

    Sntese semelhante ao resumo,mas incorpora a crtica em relao

    ao que foi discutido.

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    Concepo de sade-doena e o cuidado em sa

    Modelos explicativos do processo desade, doena e cuidadoAqui vamos tratar brevemente dos diferentes modelos explicativos doprocesso sade-doena e do cuidado para entender como o assuntosobre o qual estamos nos debruando se faz presente desde a Antigui-dade. Alm disso, vamos nos reportar aos modelos para apontar dife-rentes concepes que se complementam, buscando indicar, sempreque possvel, os avanos e as limitaes explicativas referentes a cadaum deles. De qualquer forma, esse panorama histrico vai ajud-lo aentender proximidades e disparidades com as concepes de sade,doena e cuidado da atualidade.

    Modelo mgico-religioso ou xamanstico

    A viso mgico-religiosa sobre a sade ea doena e sobre como cuidar era a pre-dominante na Antiguidade. Os povos dapoca concebiam as causas das doenascomo derivadas tanto de elementos na-turais como de espritos sobrenaturais.O adoecer era concebido como resultantede transgresses de natureza individuale coletiva, sendo requeridos, para reataro enlace com as divindades, processos

    liderados pelos sacerdotes, feiticeiros ouxams (HERZLICH, 2004). As relaes com omundo natural se baseavam em uma cos-mologia que envolvia deuses e espritos

    bons e maus, e a religio, nesse caso, erao ponto de partida para a compreenso domundo e de como organizar o cuidado.

    Modelo holstico

    As medicinas hindu e chinesa, tambm na Antiguidade, traziam uma

    nova forma de compreenso da doena. A noo de equilbrio quevai dar origem medicina holstica. Esta noo associa a ideia de pro-poro justa ou adequada com a sade e a doena. A sade era enten-dida como o equilbrio entre os elementos e humores que compem oorganismo humano. Um desequilbrio desses elementos permitiriao aparecimento da doena.

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    O conceito biomdico da doena definido como

    desajuste ou falha nos mecanismos de adaptao do organis-mo ou ausncia de reao aos estmulos a cuja ao est ex-posto [...], processo que conduz a uma perturbao da estru-tura ou da funo de um rgo, de um sistema ou de todo o

    organismo ou de suas funes vitais (JENICEK; CLROUX, 1982apud HERZLICH, 2004).

    O modelo biomdico focou-se, cada vez mais, na explicao da doenae passou a tratar o corpo em partes cada vez menores, reduzindo asade a um funcionamento mecnico (BARROS, 2002). Numa perspec-tiva crtica, Fritjof Capra (1982) destaca a concepo fragmentria domodelo biomdico ao defender que este consiste num tipo de modeloda teoria mecanicista, em que o homem visto como corpo-mquina;o mdico, como mecnico; e a doena, o defeito da mquina. A percep-o do homem como mquina datada historicamente com o advento

    do capitalismo.

    Foi tambm no Renascimento que a explicao para as doenas come-ou a ser relacionada s situaes ambientais; a causa das doenas pas-sava a estar num fator externo ao organismo, e o homem era o recept-culo da doena. Destas elaboraes tericas sobre o contgio firmou-sea teoria dos miasmas, que foi a primeira proposta de explicao, dentrodos parmetros da cincia, da associao entre o surgimento de epide-mias e as condies do ambiente.

    Os miasmas seriam gases decorrentes da putrefao da matria orgnicaque produziam doenas quando absorvidos pelos seres vivos. Com adescoberta dos microrganismos (teoria microbiana) como causa dasdoenas, a teoria dos miasmas perdeu fora explicativa e abriu espaopara a primeira revoluo sanitria, com o incio das pesquisas sobre asrelaes entre organizao social, pobreza e frequncia de doenas.A teoria microbiana propunha que cada doena teria por agente causalum organismo especfico, que poderia ser identificado, isolado e ter suascaractersticas estudadas.

    A interveno de cuidado baseada numa viso reducionista e meca-nicista, em que o mdico especialista o mecnico que tratar da partedo corpo-mquina defeituosa ou do ambiente para o controle das pos-sveis causas de epidemias. O cuidado, na concepo biomdica, estfocado, segundo Foucault (1979), no controle do espao social, nocontrole dos corpos.

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    importante enfatizar que por sistema epidemiolgico entende-se

    o conjunto formado por agente suscetvel e pelo ambiente, do-tado de uma organizao interna que regula as interaes de-terminantes da produo da doena, juntamente com os fato-res vinculados a cada um dos elementos do sistema (ALMEIDA

    FILHO; ROUQUAYROL, 2002, p. 49).

    Essa definio de sistema epidemiolgico aproxima-se da ideia denecessidade de um sistema de sade complexo, que contemple umconjunto de aes e servios de sade capaz de identificar as interaesdos determinantes da produo e reproduo das doenas e de atuar deforma efetiva no enfrentamento destes.

    Modelo da Histria Natural das Doenas(modelo processual)

    A busca por explicaes causais do processo sade-doena resultou naconfigurao da Histria Natural das Doenas (HND), conhecido comomodelo processual dos fenmenos patolgicos. Os principais sistemati-zadores desse modelo foram Leavell e Clark, no ano de 1976, quandodefiniram histria natural da doena como o conjunto de processosinterativos que cria o estmulo patolgico no meio ambiente ou emqualquer outro lugar, passando da resposta do homem ao estmulo, atas alteraes que levam a um defeito, invalidez, recuperao ou morte(LEAVELL; CLARK, 1976 apud ALMEIDAFILHO; ROUQUAYROL, 2002).

    O modelo da HND visa ao acompanhamento do processo sade-doenaem sua regularidade, compreendendo as inter-relaes do agente cau-sador da doena, do hospedeiro da doena e do meio ambiente e oprocesso de desenvolvimento de uma doena. Esta forma de sistemati-zao ajuda a compreender os diferentes mtodos de preveno e con-trole das doenas.

    O sistema de histria natural das doenas apresenta uma dimensobasicamente qualitativa de todo o ciclo, dividindo em dois momen-tos sequenciais o desenvolvimento do processo sade-doena: opr-patognico e o patognico. O primeiro, tambm considerado perodo

    epidemiolgico, diz respeito interao entre os fatores do agente, dohospedeiro e do meio ambiente. O segundo corresponde ao momentoquando o homem interage com um estmulo externo, apresenta sinais esintomas e submete-se a um tratamento. De acordo com o apresentadona Figura 2, o perodo pr-patognico permite aes de promoo dasade e a proteo especfica, enquanto o perodo patognico envolve apreveno secundria e a preveno terciria.

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    Figura 2 Modelo da Histria Natural da Doena

    Histria natural

    da doena

    Fonte: Almeida Filho e Rouquayrol (2002).

    A sistematizao sugerida no modelo da HND orientou a organizaodo cuidado por diferentes nveis de complexidade, em termos de recur-sos e aes. Ao considerar a possibilidade de evitar a morte, so trazidascom este modelo diferentes possibilidades de preveno e promoo dasade, como interromper a transmisso, evitar o caso e promover vidacom qualidade.

    Determinao do processo sade-doenaPelo que pudemos ver at aqui, o processo sade-doena se configuracomo um processo dinmico, complexo e multidimensional por englo-

    bar dimenses biolgicas, psicolgicas, socioculturais, econmicas,ambientais, polticas, enfim, pode-se identificar uma complexa inter-relao quando se trata de sade e doena de uma pessoa, de um gruposocial ou de sociedades. A abordagem de Castellanos (1990) se colocacomo um esforo de operacionalizao, do ponto de vista analtico, doprocesso sade-doena, tendo em vista os diferentes nveis de organi-zao da vida.

    O modeloexplicativo dedeterminao do

    processo sade-doena destacado no filme nacionalIlha das Flores, de 1989,dirigido por Jorge Furtado,e disponvel em:

    http://www.portacurtas.com.br/coments.asp?Cod=647#.

    O documentrio mostra acrise de civilizao em quea sociedade moderna eglobalizada est inserida. um cido e divertidoretrato da mecnica dasociedade de consumo.Acompanhando a trajetriade um simples tomate,desde a plantao at serjogado fora, o curta explicitao processo de gerao deriqueza e as desigualdadesque surgem no caminho.

    Vale a pena assistir ao filme!

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    O processo sade-doena um conceito central da proposta de epi-demiologia social, que procura caracterizar a sade e a doena comocomponentes integrados de modo dinmico nas condies concretas devida das pessoas e dos diversos grupos sociais; cada situao de sadeespecfica, individual ou coletiva, o resultado, em dado momento,

    de um conjunto de determinantes histricos, sociais, econmicos, cul-turais e biolgicos. A nfase, nesse caso, est no estudo da estruturasocioeconmica, a fim de explicar o processo sade-doena de maneirahistrica, mais abrangente, tornando a epidemiologia um dos instru-mentos de transformao social (ROUQUAYROL, 1993).

    Nessa trajetria, o conceito desade vem sofrendo mudanas,por ter sido definido como estadode ausncia de doenas; foi rede-finido em 1948, pela OrganizaoMundial da Sade (OMS), comoestado de completo bem-estarfsico, mental e social, passandode uma viso mecnica da sadepara uma viso abrangente e noesttica do processo sade-doena.

    A definio de sade presentena Lei Orgnica de Sade (LOS),n. 8.080, de 19 de setembro de

    1990, procura ir alm da apre-sentada pela OMS, ao se mostrarmais ampla, pela explicitao dosfatores determinantes e condicio-nantes do processo sade-doena.Esta lei regulamenta o Sistema nico de Sade, e complementadapela Lei n. 8142, de dezembro de 1990. O que consta na LOS que

    A sade tem como fatores determinantes e condicionantes,entre outros, a alimentao, a moradia, o saneamento bsico,o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educao, o transpor-te, o lazer, o acesso a bens e servios essenciais; os nveis de

    sade da populao expressam a organizao social e econ-mica do pas (BRASIL, 1990, Art. 3).

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    Importante prestar ateno para a seguinte questo: a compreensodas diferentes concepes referentes ao processo sade-doena estintimamente relacionada s dinmicas de cuidado existentes, presentes naorganizao das aes e servios de sade e das redes sociais de apoio.

    Voc ter a possibilidade dever com mais detalhes aorganizao das aes eservios de sade na Parte II,Gesto da ateno sade.

    Conforme discutido desde o incio deste captulo, a sade, a doena e ocuidado so determinados socialmente, variando conforme os tempos, oslugares e as culturas, o que implica dizer que a organizao das aes eservios de sade e das redes de apoio social precisa ser planejada e geridade acordo com as necessidades da populao de um dado territrio.

    Para praticar

    Faa a leitura do texto de Paulo Sabroza, Concepes de sade edoena, da Escola Nacional de Sade Pblica Sergio Arouca (2004),disponvel em: http://www.abrasco.org.br/UserFiles/File/13%20CNS/SABROZA%20P%20ConcepcoesSaudeDoenca.pdf

    Procure identificar no texto como o autor aborda as dimenses dacomplexidade do processo sade-doena.

    Vamos introduzir neste momento um tema que retornar na Parte IV,Promoo da sade e desenvolvimento social. Por isso, preciso dei-xar claro que no esgotaremos esse assunto; apenas queremos estabe-lecer a conexo entre processo sade-doena, determinantes sociais epromoo da sade de forma introdutria.

    Na atualidade, o conceito de sade da OMS vem sofrendo mudanase aperfeioamentos. Na 1aConferncia Internacional sobre Promooda Sade, realizada em 1986, o conceito passou a estar relacionado noo de promoo da sade, que significa capacitar a comunidadepara atuar na melhoria da sua qualidade de vida e sade, incluindouma maior participao social no controle do processo de sade edoena (ORGANIZAOPAN-AMERICANADESADE, [199-]).

    Na perspectiva da promoo da sade, muda a concepo de sade, emque esta referida a um recurso aplicado vida e no um objeto davida, o que permite aos sujeitos maior controle sobre a prpria sade esua possibilidade de melhor-la.

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    A noo de promoo da sade no conceito da OMS significa incluirindivduos e grupos no processo sade-doena, de modo que possamidentificar aspiraes, satisfazer necessidades e modificar favoravel-mente o meio ambiente, o que significa compreender os indivduos egrupos como agentes na promoo da sade.

    Para praticar

    Leia o texto de Paulo Buss, Promoo da sade e qualidade de vida,publicado naRevista Cincia & Sade Coletiva(2000), disponvel no sitehttp://www.scielo.br/pdf/csc/v5n1/7087.pdf

    Aps a leitura do texto identifique os seguintes pontos:

    a) Qual concepo de sade o autor prope?

    b) Como o autor compreende promoo da sade?

    c) Como essas questes ou outras apresentadas pelo autor estorelacionadas a seu processo de trabalho, considerando aspectos deacesso, resolutividade e respeito aos direitos sade?

    Faa o registro de suas respostas.

    Cabe destacar que promoo da sade, como apresentado por Buss(2000), requer uma maior aproximao e apropriao dos temas rela-tivos aos determinantes da sade, visto que aes de promoo visaminterferir neles. Esse um ponto crucial, j que o planejamento e aimplementao de aes de promoo devem ir ao encontro das necessi-dades dos grupos sociais, o que vai implicar, muitas vezes, a organizaode aes intersetoriais, com mtodos e enfoques apropriados.

    Promover sade , em ltima instncia, promover a vida de boa qua-lidade, para as pessoas individualmente e para as suas comunidadesno territrio. A estratgia de promoo da sade foi orientada para amodificao dos estilos de vida, para a adoo de hbitos saudveis.

    A atuao na perspectiva da promoo da sade visa a:

    Acesso equitativo sade como direito de todos; Desenvolvimento de um entorno facilitador da sade;

    Ampliao e potencializao das redes de apoio social;

    Promoo de atitudes afirmativas para a sade acompanhadas deestratgias de enfrentamento adequadas;

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    Ampliao da noo de construo compartilhada doconhecimento e de difuso de informaes relacionadas sade;

    Fortalecimento da noo de responsabilidade social e civil degestores de forma compartilhada com a sociedade organizada.

    Pelo que foi apresentado neste captulo, d para perceber que a pro-moo da sade no de responsabilidade exclusiva do setor sade;ela vai muito alm: aponta na direo de um bem-estar global, em queindivduos, grupos sociais e Estado tm papel importante a exercer parasua conquista.

    Para consolidar os seus conhecimentos

    Com base na leitura deste captulo e dos textos complementares

    indicados, prepare um quadro-sntese com os diferentes modelosexplicativos sobre o processo de sade, doena e cuidado, destacandoas vantagens e desvantagens de cada um deles. Amplie sua pesquisapara a construo do quadro. Lembre-se de registrar as refernciasutilizadas na realizao desse trabalho.

    Ao final deste captulo, esperamos que voc tenha compreendido osdiferentes modelos explicativos do processo de sade, doena e cui-dado e a conexo destes com as formas de organizao das aes eservios de sade para uma dada populao no territrio. No prximo

    captulo vamos nos deter mais nos fundamentos tericos e conceituaise nos marcos legais que possibilitaram a construo do Sistema nicode Sade no Brasil.

    RefernciasALMEIDAFILHO, N; ROUQUAYROL, M. Z.Modelos de sade-doena:introduo epidemiologia.3. ed. Rio de Janeiro: Medci Ed., 2002. p. 27-64.

    BARROS, J. A. C.Pensando o processo sade doena: a que responde o modelo biomdico?Revista Sade e Sociedade, So Paulo, v. 11, n. 1, p. 1-11, jan./jul. 2002.

    BRASIL. Constituio (1988). Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988.Braslia:Congresso Nacional, 1988. Disponvel em: . Acesso em 2 fev. 2005.

    BRASIL.Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990: [Lei Orgnica da Sade]. Dispe sobre ascondies para a promoo, proteo e recuperao da sade, a organizao e o funcionamentodos servios correspondentes e d outras providncias. Dirio Oficial [da] Repblica Federativa doBrasil], Braslia, DF, p. 18.055, 20 set. 1990. Disponvel em: . Acesso em: 2 fev. 2005.

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    Concepo de sade-doena e o cuidado em sa

    BRASIL.Lei n. 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Dispe sobre a participao da comunidade nagesto do Sistema nico de Sade SUS e sobre as transferncias intergovernamentais de recursosfinanceiros na rea da sade e d outras providncias. Dirio Oficial [da] Repblica Federativa doBrasil], Braslia, DF, p. 25694, 31 dez. 1990. Disponvel em: . Acesso em: 2 fev. 2005.

    BUSS, P.Promoo da sade e qualidade de vida. Revista Cincia & Sade Coletiva, v. 5, n. 1, p.163-177, 2000.

    CAPRA, F.O ponto de mutao. So Paulo: Cultura, 1982.

    CASTELLANOS, P. L.Sobre o conceito de sade-doena: descrio e explicao da situao de sade.Boletim Epidemiolgico [da] Organizao Pan-Americana de Sade, v. 10, n. 4, p. 25-32, 1990.

    FOUCAULT, M ICHAEL.Microfsica do poder. Rio de Janeiro: Edies Graal, 1979.

    HERZLICH, C. Sade e doena no incio do sculo XXI: entre a experincia privada e a esfera

    pblica. Physis:revista de sade coletiva, Rio de Janeiro, v. 14, n. 2, p. 383-394, 2004.

    ORGANIZAOPAN-AMERICANADESADE.Carta de Ottawa.1986. In: BRASIL. Ministrio da Sade.Promoo da sade: Cartas de Ottawa, Adelaide, Sundsvall e Santa F de Bogot. Braslia, [199-].

    ROUQUAYROL, M. Z.Epidemiologia e sade. Rio de Janeiro: Medsi, 1993.

    SABROZA, P. C. Concepes de sade e doena.Rio de Janeiro: Escola Nacional de Sade PblicaSrgio Arouca, 2004. Mimeografado.

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    2. Histrico do sistema de sade,proteo social e direito sade

    Marly Marques da Cruz

    O Captulo 2 da Parte I compreende os fundamentos tericos e concei-tuais e os marcos legais de proteo social que propiciaram a constitui-o da sade como um direito. Est dividido em duas partes: a primeira referente ao histrico do sistema de sade brasileiro; a segunda cor-responde ao sistema de proteo e de direito sade.

    Este captulo tem por objetivo apresentar as origens e a evoluo dosistema de sade brasileiro considerando os marcos da proteo sociale do direito sade, caracterizar os marcos tericos e conceituais quefundamentaram a reforma sanitria e deram origem ao Sistema nico

    de Sade (SUS), bem como discutir os princpios e diretrizes do SUScom base na concepo de extenso dos direitos no setor sade.

    Com o intuito de proporcionar leitura e aprendizado dialogado e moti-vador, procuramos trabalhar o Captulo 2 com atividades que, na rea-lidade, so um convite para voc comear a refletir sobre as temticascentrais. A inteno que voc possa problematizar sobre os pontossugeridos, fazer uma aproximao com os conceitos e com a sua reali-dade e, posteriormente, retornar a eles na leitura ou em alguma outraatividade de sntese.

    Histrico do sistema de sade brasileiro

    Para iniciar o estudo deste tema, sugerimos que voc realize uma ativi-dade para recuperar o que lembra dessa histria da qual voc tambmfaz parte.

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    Histrico do sistema de sade, proteo social e direito sa

    Voc pode observar que naquela conjuntura foram muitos os proble-mas que deram origem reformulao do sistema de sade brasileiro.Dentre eles destacamos:

    desigualdade no acesso aos servios de sade;

    multiplicidade e descoordenao entre as instituies atuantes no setor; desorganizao dos recursos empregados nas aes de sade,curativas e preventivas;

    baixa resolutividade e produtividade dos recursos existentes e faltade integralidade da ateno;

    escassez de recursos financeiros;

    gesto centralizada e pouco participativa.

    Foi diante desses problemas e de um cenrio marcado pela abertura

    poltica, aps o regime ditatorial, que os atores polticos da reformasanitria tiveram acesso ao aparelho do Estado (Ministrio da Sade ePrevidncia Social). Esse cenrio propiciou toda a reestruturao pol-tico-institucional que culminou com a consolidao do Sistema nicode Sade (SUS).

    Para refletir

    Afinal, o que para voc o Sistema nico de Sade?

    Procure refletir sobre os principais marcos da reforma sanitria que

    orientaram a constituio de um sistema nico de sade e os interessesem jogo na arena de disputas.

    O marco da reforma do sistemade sade brasileiro foi a 8 Con-ferncia Nacional de Sade,cujo lema era Sade, Direitode Todos, Dever do Estado. Asconferncias de sade foram ins-titudas pela Lei n. 378, de 13 de

    janeiro de 1937, e tinham comoprincipal objetivo propiciar a arti-culao do governo federal comos governos estaduais, dotando-ode informaes para a formulaode polticas, para a concesso desubvenes e auxlios financeiros(NORONHA, LIMA; MACHADO, 2008).

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    A 8 Conferncia ocorreu em maro de 1986, promovida pelo Minis-trio da Sade (MS), e contou com a participao de diferentes setoresorganizados da sociedade (ANDRADE, 2001). A grande novidade dessaconferncia, segundo o que ressaltam Noronha, Lima e Machado(2008), foi a participao, pela primeira vez, das entidades da socie-

    dade civil organizada de todo pas como delegados eleitos, incluindo asrepresentaes sindicais, das associaes de profissionais de sade, demovimentos populares em sade, do Centro Brasileiro de Estudos deSade (Cebes), da Associao Brasileira de Ps-Graduao em SadeColetiva (Abrasco).

    Os principais temas debatidos na conferncia foram:

    a) Sade como direito de cidadania;

    b) Reformulao do Sistema Nacional de Sade;

    c) Financiamento do setor.

    O relatrio da 8 Conferncia de Sade orientou os constituintes dedi-cados elaborao da Carta Magna de 1988 e os militantes do movi-mento sanitrio. Os eixos do relatrio foram os seguintes:

    a) Instituio da sade como direito de cidadania e dever do Estado;

    b) Compreenso da determinao social do processo sade-doena;

    c) Reorganizao do sistema de ateno, com a criao do SUS.

    Naquele momento havia clareza, entre os participantes desse processo,de que para o setor sade no era suficiente uma mera reforma admi-

    nistrativa e financeira. Era necessria uma mudana em todo o arca-bouo jurdico-institucional vigente.

    Para pesquisar

    Leia o captulo da sade na Constituio Federal e na Lei Orgnica daSade n. 8.080 e destaque os princpios e diretrizes do SUS presentesnesses documentos. Fique vontade para consultar outros documentosou referncias, caso tenha necessidade.

    Sistema de proteo e direito sadeO Sistema nico de Sade (SUS) conforma o modelo pblico de aese servios de sade no Brasil. Representou um importante ponto deinflexo na evoluo institucional do pas e determinou um novo

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    comunidade, mais chance ter de acertar na resoluo dosmesmos. A descentralizao tem como diretrizes:

    a regionalizao e a hierarquizao dos servios rumo municipalizao;

    a organizao de um sistema de referncia e contrarreferncia; a maior resolutividade, atendendo melhor aos problemas de

    sua rea;

    a maior transparncia na gesto do sistema;

    a entrada da participao popular e o controle social.

    Integralidade da ateno sade o reconhecimento, naprtica, de que:

    o usurio do sistema um ser integral, participativo no processosade-doena e capaz de promover sade;

    as aes de promoo, proteo e recuperao da sade formamtambm um sistema nico e integral e por isso devem atenderem todos os nveis de complexidade, referenciando o pacienteaos servios na medida em que for necessrio o atendimento;

    cada comunidade deve ser reconhecida dentro da realidade desade que apresenta, entendida em sua integralidade;

    promover sade significa dar nfase ateno bsica, mas noprescinde de ateno aos demais nveis de assistncia.

    Participao popular visando ao controle social a garantia

    constitucional de que a populao, por meio de suas entidadesrepresentativas, pode participar do processo de formulao daspolticas e de controle de sua execuo. Assim:

    garante o controle social sobre o sistema e a melhor adequaoda execuo realidade referida;

    permite uma compreenso mais abrangente do prprio usuriona concepo de sade-doena;

    fortalece a democratizao do poder local, com o aumento dainfluncia da populao na definio de polticas sociais.

    Perceba que os princpios e diretrizes abordam justamente os caminhospara o enfrentamento dos problemas do sistema de sade apresentadoscomo crticos. Esses princpios, na realidade, referiam-se a valores queestavam na base da construo de um novo sistema. Por isso queremosconvid-lo a se aproximar um pouco mais do que deu origem a essesprincpios e diretrizes e em que esto fundamentados.

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    Histrico do sistema de sade, proteo social e direito sa

    A implantao do SUS tem incio nos primeiros anos da dcada de 1990,aps a promulgao da Lei Orgnica da Sade (LOS) n. 8.080/90, de19 de setembro de 1990, complementada pela Lei Orgnica da Saden. 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Estas foram leis fundamentaisque orientaram a operacionalizao do sistema de sade, visto que a

    primeira definiu os objetivos e atribuies do SUS, enquanto a segundadefiniu as regras gerais para a participao popular e financiamento,conforme apresentado a seguir.

    Como objetivos do SUS, a Lei n. 8.080 define:

    a identificao e a divulgao dos fatores condicionantes edeterminantes da sade;

    a formulao de polticas de sade;

    a assistncia s pessoas por intermdio de aes de promoo,

    proteo e recuperao da sade, com realizao integrada dasaes assistenciais e das atividades preventivas.

    Como atribuies do SUS, a Lei n. 8.080 define:

    Atuar na promoo de sade com aes de:

    vigilncia epidemiolgica

    vigilncia sanitria

    sade do trabalhador

    sade ambiental

    vigilncia nutricional

    fiscalizao de produtos

    ateno primria

    Atuar na assistncia mdica propriamente dita e ainda:

    com o uso de recursos tecnolgicos mais apropriados

    na poltica de sade e hemoderivados

    na poltica de medicamentos

    A Lei Complementar Lei Orgnica da Sade (n. 8.142/1990) define:

    o estabelecimento das regras para a realizao das confernciasde sade, bem como sua funo. As conferncias tm por funodefinir as diretrizes gerais para a poltica de sade;

    a regulamentao dos conselhos de sade nacional, estaduais emunicipais, definido o carter permanente e deliberativo dessesfruns, a representao paritria e o papel de formulador econtrolador da execuo da poltica de sade;

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    QUALIFICAODEGESTORESDOSUS

    a definio das regras de repasse dos recursos financeiros daUnio para os estados e municpios, que deveriam ter fundode sade, conselho de sade, plano de sade, relatrio degesto e contrapartida de recursos do respectivo oramento.

    As competncias das trs instncias do SUS foram definidas como: Municpio

    prover os servios;

    executar servios de vigilncia epidemiolgica e vigilnciasanitria, de alimentao e nutrio, de saneamento bsicoe sade ocupacional;

    controlar e fiscalizar os procedimentos dos servios privadosde sade.

    Estado

    ser responsvel pelas aes de sade do estado;

    planejar e controlar o SUS na sua esfera de atuao.

    Unio

    normatizar o conjunto de aes de promoo, proteo erecuperao da sade, identificando riscos e necessidades nasdiferentes regies.

    O exerccio e a participao da iniciativa privada na sade so previs-tos por lei, de forma complementar, regulamentados por disposies e

    princpios gerais da ateno sade.

    O SUS, portanto, no composto somente por servios pblicos; integrado tambm por uma ampla rede de servios privados, princi-palmente hospitais e unidades de diagnose e terapia, que so remu-nerados por meio dos recursos pblicos destinados sade (NORONHA,LIMA; MACHADO, 2008). As aes e servios de sade so considerados derelevncia pblica, segundo Andrade (2001), cabendo ao poder pblicosua regulamentao, fiscalizao e controle, nos termos da lei, a seremexecutados diretamente ou por terceiros, inclusive pessoa fsica ou

    jurdica de direito privado.

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    Histrico do sistema de sade, proteo social e direito sa

    Sistema nico de Sade: normatizaoem questo!No que se refere capacidade de efetivao da poltica nacional desade, deve-se sempre considerar que estados e municpios se encon-travam em diferentes estgios em relao s novas funes gestorasprevistas no novo arcabouo legal. O processo de descentralizao dosistema de sade levou os municpios, com base na redefinio de fun-es e atribuies das diferentes instncias gestoras do SUS, a assumi-rem papel de atores estratgicos, em virtude da sua competncia cons-titucional, para prestar, com a cooperao tcnica financeira da Unio edos estados, servios e atendimento sade da populao. Como bemalertam Noronha, Lima e Machado (2008), A base da regulao fede-ral sobre a descentralizao a normatizao.

    Como uma das principais estratgias para esse fim, constitudo umarcabouo normativo que, nos anos 1990, representado por quatroNormas Operacionais Bsicas (NOB), de 1991, 1992 (similar anterior),1993 e 1996. Na dcada de 2000, foi publicada a Norma Operacionalda Assistncia Sade (Noas), nas verses 2001 e 2002, e, em 2006, asportarias relativas ao Pacto pela Sade (Quadro 1).

    Quadro 1 Elementos constitutivos da regulao do processo de descentralizao no SUS

    Perodo Principaisportariasem vigor

    Racionalidadesistmica

    Financiamento federalde aes e serviosdescentralizados do SUS

    Modelos de ateno Acordo federativo

    1998 a

    2002

    NOB 96 Moderada:

    vinculada s

    iniciativas e

    negociaes

    intermunicipais,

    com participao

    e mediao da

    instncia estadual

    (Programao

    Pactuada e

    Integrada PPI)

    Forma residual: repasse

    direto ao prestador

    segundo produo

    aprovada

    Forma preponderante:

    transferncias

    segmentadas em vrias

    parcelas (project grants)por nvel de ateno

    sade, tipo de servio e

    programas

    Programa de Agentes

    Comunitrios de Sade

    (Pacs); Programa Sade

    da Famlia (PSF)

    Programas e projetos

    prioritrios para controle

    de doenas e agravos

    (carncias nutricionais,

    catarata, varizes,

    ateno de urgncia/

    emergncia, doenas

    infecciosas, vigilncia

    sanitria, ateno populao indgena)

    Negociaes em mbito

    nacional e estadual e

    experincias de negociao

    regional isoladas (ex.: CIB

    regionais)

    Iniciativas isoladas de

    consrcios

    Formalizao dos acordos

    intergovernamentais por

    meio do processo de

    habilitao s condies de

    gesto do SUS e da PPI

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    Perodo Principaisportariasem vigor

    Racionalidadesistmica

    Financiamento federalde aes e serviosdescentralizados do SUS

    Modelos de ateno Acordo federativo

    2002 a

    2005

    Noas

    2001/2002

    Forte: vinculada

    s definies doconjunto de aes

    e servios a serem

    contemplados

    nos mdulos

    assistenciais pelo

    nvel federal e

    s iniciativas

    e negociaes

    intermunicipais sob

    coordenao da

    instncia estadual

    (PPI, Plano Diretor

    de Regionalizao,Plano Diretor de

    Investimentos)

    Forma residual: repasse

    direto ao prestadorsegundo produo

    aprovada

    Forma preponderante:

    transferncias

    segmentadas em vrias

    parcelas (project grants)por nvel de ateno

    sade, tipo de servio e

    programas, incluindo a

    definio de referncias

    intermunicipais

    Manuteno dos

    dispositivos anteriores e:

    Definio das

    responsabilidades

    mnimas e contedos

    para a ateno bsica

    Redefinio de

    procedimentos da

    ateno de mdia

    complexidade

    Redefinio de

    procedimentos da

    ateno de alta

    complexidadeCriao de protocolos

    para assistncia mdica

    Negociaes em mbito

    nacional e estadual eexperincias de negociao

    regional isoladas (ex.: CIB

    regionais)

    Iniciativas isoladas de

    consrcios

    Formalizao dos acordos

    intergovernamentais por

    meio do processo de

    habilitao s condies de

    gesto do SUS, da PPI e de

    experincias de contrato de

    gesto isoladas.

    Implantao de mecanismos

    de avaliao de resultados

    (Agenda da Sade, Pacto da

    Ateno Bsica)

    A partir

    de 2006

    Pactos pela

    Sade

    Forte: vinculada

    s definies do

    conjunto de aes

    e servios a serem

    contemplados

    no processo de

    regionalizao da

    sade conduzidosno mbito estadual

    com pactuao

    entre os gestores

    Transferncias em cinco

    grandes blocos segundo

    nvel de ateno

    sade, tipo de servio,

    programas e funes

    em fase de implantao

    Definio das

    responsabilidades em

    todos os nveis de

    ateno

    Negociaes em mbitos

    nacional e estadual

    Fomento expanso

    das experincias de

    negociao regional e

    compartilhamento da gesto

    dos sistemas de sade

    Formalizao dos acordos

    entre gestores por meio da

    PPI, da assinatura de termos

    de compromissos no mbito

    do Pacto de Gesto e do

    Pacto pela Vida

    Implantao de mecanismos

    de monitoramento e

    avaliao dos compromissos

    pactuados

    Quadro 1 Elementos constitutivos da regulao do processo de descentralizao no SUS (cont.)

    Fonte: Noronha, Lima e Machado (2008).

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    Histrico do sistema de sade, proteo social e direito sa

    As normas operacionais so fruto de um processo poltico de pactuaointergestores que, aps a Lei Orgnica da Sade, vem criando condiesprivilegiadas de negociao poltica no processo de descentralizao ede construo do Sistema nico de Sade.

    Sei que voc ficou com um gostinho de quero mais! Aguarde um pouco.No prximo captulo voc aprender mais sobre as normas operacionaise o que elas significaram no contexto de implementao do sistema desade no Brasil.

    Para consolidar seus conhecimentos

    Considere tudo o que voc estudou neste Captulo 2 e aponte:

    a) trs avanos do SUS, identificando os possveis fatores que tenham

    concorrido para isso;b) trs desafios, sugerindo aes que possam revert-los.

    Neste momento, procure revisar suas anotaes. Algo mudou? Com basenesses apontamentos e reflexes, faa uma sistematizao para consolidaros conhecimentos trabalhados at agora.

    Ao final deste captulo esperamos que voc tenha aprofundado maisos seus conhecimentos sobre os princpios e diretrizes que nortearama construo do SUS, no qual a sade passa a ser um direito, e sobreo arcabouo jurdico e administrativo estabelecido para a operaciona-lizao do sistema. No prximo captulo voc discutir melhor o fun-cionamento do sistema pblico de sade, a partir de seus princpiosorganizativos e suas instncias de gesto.

    RefernciasANDRADE, L. O. M.Do nascimento da sade publica ao movimento pr-SUS. In: SUS passo a

    passo: normas, gesto e financiamento. So Paulo: Hucitec; Sobral: Edies UVA, 2001. p. 19-28.

    ANDRADE, L. O. M.A regulamentao do SUS. In: SUS passo a passo: normas, gesto efinanciamento. So Paulo: Hucitec; Sobral: Edies UVA, 2001. p. 29-31.

    BAPTISTA, T. W. F.O direito sade no Brasil: sobre como chegamos ao Sistema nico de Sade eo que esperamos dele. In: ESCOLAPOLITCNICADESADEJOAQUIMVENNCIO. Textos de apoio empolticas de sade.20. ed. Rio de Janeiro, 2005. v. 1, p. 11-42.

    BAPTISTA, T. W. F. Histria das polticas de sade no Brasil: a trajetria do direito sade. In:MATTA, Gustavo Correa; PONTES, Ana Lucia de Moura (Org.). Polticas de sade:a organizao e aoperacionalizao do Sistema nico de Sade. Rio de Janeiro: Escola Politcnica de Sade JoaquimVenncio, 2007. v. 3.

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    QUALIFICAODEGESTORESDOSUS

    BRASIL.Constituio (1988). Constituio da Repblica Federativa do Brasil:promulgada em 5 deoutubro de 1988. Braslia: Senado Federal, 1988.

    BRASIL.Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990: [Lei Orgnica da Sade]. Dispe sobre ascondies para a promoo, proteo e recuperao da sade, a organizao e o funcionamentodos servios correspondentes e d outras providncias.Dirio Oficial [da] Repblica Federativa do

    Brasil], Braslia, DF, p. 18.055, 20 set. 1990. Disponvel em: . Acesso em: 2 fev. 2005.

    BRASIL. Lei n. 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Dispe sobre a participao da comunidade nagesto do Sistema nico de Sade SUS e sobre as transferncias intergovernamentais de recursosfinanceiros na rea da sade e d outras providncias. Dirio Oficial [da] Repblica Federativa doBrasil], Braslia, DF, p. 25694, 31 dez. 1990. Disponvel em: . Acesso em: 2 fev. 2005.

    MACHADO, C. V.Direito universal, poltica nacional:o papel do Ministrio da Sade na poltica desade brasileira de 1990 a 2002. Rio de Janeiro: Ed. do Museu da Repblica, 2007.

    MATTA, G. C.Princpios e diretrizes do Sistema nico de Sade In: MATTA, G. C.; PONTES, A. L.DEM.(Org.). Polticas de sade:a organizao e a operacionalizao do Sistema nico de Sade.Rio de Janeiro: Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio, 2007. v. 3. p. 61-80.

    NOGUEIRA, V. M. R.; PIRES, D. E. P. DE.Direito sade: um convite reflexo. Cadernos de SadePblica, Rio de Janeiro, v. 20, n. 3, 2004.

    NORONHA, J. C.; LIMA, L. D.; MACHADO, C. V. O Sistema nico de Sade SUS. In: GIOVANELLA,Lgia et al. (Org.). Polticas e sistema de sade no Brasil.Rio de Janeiro: Fiocruz, 2008. p. 435-472.

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    3. Princpios organizativos einstncias de gesto do SUS

    Cristiani Vieira Machado, Luciana Dias de Limae Tatiana Wargas de Faria Baptista

    Este captulo discute alguns aspectos relevantes para o funcionamentodo sistema pblico de sade, abordando a definio do papel e das atri-

    buies dos gestores do SUS e a configurao e a forma de atuao dasinstncias coletivas de negociao e de deciso sobre a poltica de sadeexistentes no mbito do SUS.

    O papel dos gestores e as instncias dedeciso no Sistema nico de Sade

    Vamos iniciar o estudo desse tema convidando voc para uma primeirareflexo sobre o papel dos gestores do SUS.

    Para refletir

    O que ser gestor do Sistema nico de Sade? Com quem os gestoresinteragem, na sua prtica? Com quem negociam? Como compartilhamou dividem responsabilidades e atribuies? Quais os desafiosrelacionados s atividades dos gestores pblicos da sade, considerandoo contexto em que atuam e os atores (pessoas, grupos) comquem interagem?

    Os trabalhadores e usurios do sistema pblico de sade, em seu coti-diano, frequentemente se deparam com problemas de organizao,funcionamento e qualidade dos servios que prejudicam o acesso e oatendimento s necessidades de sade da populao. A quem recorrer

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    para tentar solucionar esses problemas? Quem so os responsveis pelocomando do Sistema nico de Sade? Como as decises so tomadasno SUS?

    A definio clara das responsabilidades pela gesto e implementao

    das polticas no SUS importante para assegurar condies adequadas concretizao da sade como direito de cidadania, como afirmadona Constituio Federal de 1988.

    Alm disso, importa considerar a forma como se processam as decisessobre as polticas de sade, visto que o funcionamento do SUS envolve

    uma grande quantidade de servios e de pessoas dirigentes, profis-sionais de sade, prestadores de servios, empresrios, fornecedores eusurios de servios.

    Nesse sentido, a Constituio de 1988 estabeleceu algumas diretrizesorganizativas para o SUS que tm implicaes para a forma como asdecises relativas s polticas de sade so tomadas e implementadas.

    Este texto enfoca dois aspectos relevantes para o funcionamento dosistema pblico de sade: o primeiro deles a definio do papel e dasatribuies dos gestores do SUS. Para isso, discute-se a prpria concep-

    o sobre o que ser gestor pblico na sade, para depois abordar aconfigurao do papel dos gestores do SUS nas trs esferas de governo.

    O segundo aspecto a configurao e a forma de atuao das instnciascoletivas de negociao e de deciso sobre a poltica de sade existentesno mbito do SUS. Nesse sentido, so apresentados e discutidos os papisdas comisses intergestorese dos conselhos participativos na sade.

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    Princpios organizativos e instncias de gesto do S

    O que ser gestor do SUS?

    A LOS Lei Federal n. 8.080, de 1990 (BRASIL, 1990) define que adireo do SUS nica em cada esfera de governo e estabelece comorgos responsveis pelo desenvolvimento das funes de competncia

    do Poder Executivo na rea de sade o Ministrio da Sade no mbitonacional e as secretarias de sade ou rgos equivalentes nos mbi-tos estadual e municipal. Com essa definio, no setor sade, o termogestor do SUS passou a ser amplamente utilizado em referncia aoministro e aos secretrios de sade.

    Mais do que um administrador, ogestor do SUS a autoridade sani-tria em cada esfera de governo,cuja ao poltica e tcnica deveestar pautada pelos princpios da

    reforma sanitria brasileira.

    O reconhecimento de duas dimen-ses indissociveis da atuao dosgestores da sade a poltica e atcnica pode ajudar a compreen-der a complexidade e os dilemasno exerccio dessa funo pblicade autoridade sanitria, a natu-reza dessa atuao e as possveis

    tenses relativas direcionalidadeda poltica de sade em um dadogoverno e ao longo do tempo.

    Em primeiro lugar, cabe lembrar que o cargo de ministro ou de secret-rio de sade tem significado poltico importante; seu ocupante desig-nado pelo chefe do Executivo, democraticamente eleito em cada esferado governo (presidente, governador ou prefeito). Isso situa o gestor dasade como integrante de uma equipe que tem responsabilidade porum determinado projeto de governo, que ter de dar respostas aochefe poltico em cada esfera e interagir com outros rgos de governo.

    Por outro lado, a autoridade sanitria tem a responsabilidade de con-duzir as polticas de sade segundo as determinaes constitucionais elegais do SUS, que constituem um dado modelo depoltica de Estadopara a sade que no se encerra no perodo de um governo. A interao

    projeto de governo-poltica de Estado setorialtem de ser considerada

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    Para refletirVoc conhece algum exemplo de poltica ou programa de sade quetenha se expandido nos ltimos anos no pas, em seu estado ou em seumunicpio, independente de mudanas de governo?

    Ou, ao contrrio, voc conhece polticas ou programas que tenham sidointerrompidos em funo de alterao dos governantes ou dosgestores do SUS?

    Como voc avalia essa situao?

    A atuao poltica do gestor do SUS se expressa em seu relacionamentoconstante com diversos grupos e atores sociais, nos diferentes espaos denegociao e deciso existentes, formais e informais. Os objetivos a seremperseguidos na rea da sade exigem a interao do gestor com os demaisrgos governamentais executivos (por exemplo, outros ministrios ousecretarias de governo), com outros Poderes (Legislativo e Judicirio), comgestores de outras esferas de governo e com a sociedade civil organizada.

    A atuao tcnica do gestor do SUS, permanentemente permeada porvariveis polticas, se consubstancia por meio do exerccio das funese atribuies na sade, cujo desempenho depende de conhecimentos,

    habilidades e experincias no campo da gesto pblica e da gesto emsade. Tais funes podem ser definidas como um conjunto articuladode saberes e prticas de gesto necessrios para a conduo de polticasna rea da sade.

    Os gestores do SUS nas trs esferas de governo

    Por que no Brasil existem autoridades sanitrias ou gestores do sistemade sade nos mbitos federal, estadual e municipal?

    Isso ocorre porque o Brasil uma federao, constituda por trs esferas

    de governo: Unio, estados e municpios.

    Federao a forma de

    organizao territorial em que opoder de Estado se expressa emmais de uma esfera de governo,sem que existam relaeshierrquicas entre elas. O sistema poltico federativo

    A principal caracterstica do sistema poltico federativo a difuso depoder e de autoridade em muitos centros, de modo que o governonacional e os governos subnacionais (no caso brasileiro, os estados e

    na reflexo sobre a atuao dos gestores do SUS, visto que muitas vezespode expressar tenses que influenciam a possibilidade de continui-dade e consolidao das polticas pblicas de sade.

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    Princpios organizativos e instncias de gesto do S

    municpios) tm poderes nicos e concorrentes para governar sobre omesmo territrio e as mesmas pessoas.

    O federalismo pode ser definido como um conjunto de instituiespolticas que do forma combinao de dois princpios: autogoverno e

    governo compartilhado. Ou seja, a adoo formal de um sistema polticofederativo implica a existncia de regras nacionais e de regras definidasno mbito das unidades subnacionais, em uma relao que envolveinterdependncia e autonomia relativa. Em outras palavras, requer que,em um dado pas, compatibilizem-se mecanismos de concentrao depoder (em nome da integrao poltica e da equidade social) com adisperso de poder (em nome do respeito s autonomias e diversidadesregionais e locais).

    Em uma federao, os entes federados tm seu poder estabelecidoconstitucionalmente, diferena dos pases unitrios, em que todo opoder emana do governo central, que pode ou no transferi-lo para as

    unidades territoriais. Portanto, nas federaes se coloca o desafio deuma soberania compartilhada, visto que a existncia de competnciaslegislativas concorrentes e de responsabilidades compartilhadas na ofertade bens e servios prpria essncia do federalismo. Na implementaodas polticas sociais em federaes, as relaes intergovernamentaisassumem formas peculiares, caracterizadas tanto pela negociao entreesferas de governo quanto pelo conflito de poder, no cerne do qual esta definio do grau de autonomia do governo nacional e dos governossubnacionais (ALMEIDA, 2001).

    A adoo de um sistema poltico federativo e as especificidades decada federao tm implicaes importantes para as polticas pblicas,incluindo as de sade. A federao brasileira apresenta especificida-des que a diferenciam de outros pases federativos, como destacado notexto As caractersticas da federao brasileira.

    As caractersticas da federao brasileira

    O Brasil uma federao desde a primeira Constituio da Repblica, que de 1891. No entanto, o processo de democratizao dos anos 1980 ea Constituio de 1988 trouxeram mudanas importantes para o arranjo

    federativo brasileiro, que o diferenciam do de outros pases.Entre as especificidades do federalismo brasileiro que tm implicaes paraas polticas pblicas pode-se destacar:

    a) a origem formal h mais de um sculo, porm o carter ainda emconstruo do federalismo brasileiro, em face dos longos perodos deautoritarismo centralizador na histria do pas e das transformaesdemocrticas a partir dos anos 1980;

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    b) o peso dos estados e dos governadores em alguns momentos dahistria poltica nacional (o que no significa uma atuao igualmenteexpressiva da esfera estadual em todas as reas da poltica);

    c) o grande peso dado aos municpios aps a Constituio de 1988,

    relacionado ao seu reconhecimento como entes federativos, descentralizao poltica e tributria e sua importncia nas polticaspblicas;

    d) a existncia de milhares de municpios de pequeno porte no pas, comlimitada capacidade financeira e administrativa para desenvolver todasas responsabilidades sobre as polticas pblicas que lhes so atribudas;

    e) as marcantes desigualdades econmicas e sociais entre regies, estadose principalmente entre municpios do pas.

    Atualmente, a federao brasileira conformada pela Unio, por 26

    estados, pelo Distrito Federal e por 5.564 municpios (Figura 1).

    Figura 1 Diviso territorial do Brasil em estados e municpios (2005)

    Fonte: Wikipdia apud Brasil, [200-].

    Os estados e municpios brasileiros apresentam caractersticas muitodiferentes entre si em termos geogrficos, populacionais (Tabela 1),econmicos, sociais e de capacidade administrativa e financeira para aformulao e implementao das polticas pblicas.

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    Princpios organizativos e instncias de gesto do S

    Tabela 1 Distribuio do nmero de municpios por faixa populacional. Brasil 2007

    Faixa populacional Municpios

    N. %

    at 5 mil 1.370 24,6

    > 5 mil at 10 mil 1.283 23,1

    > 10 mil at 20 mil 1.280 23,0

    > 20 mil at 50 mil 1.047 18,8

    > 50 mil at 100 mil 309 5,6

    > 100 mil at 1 milho 260 4,7

    > 1 milho 15 0,3

    Total 5.564 100,0

    Fonte: IBGE (2007).

    Ao abordar as imensas diferenas entre os milhares de municpiosbrasileiros, Souza (2002) adverte para o fato de que, em contexto degrande heterogeneidade econmica e social, a descentralizao depolticas pblicas, incluindo as de sade, pode levar a consequnciasadversas, como at mesmo ao aprofundamento das desigualdades. Paraevitar isso, necessrio assegurar condies adequadas para o fortaleci-mento da gesto pblica, dos mecanismos de coordenao da rede e depromoo do acesso de todos os cidados s aes e servios de sade

    necessrios, independente de seu local de residncia.

    A sade expressou fortemente as mudanas no arranjo federativo apsa Constituio de 1988. O processo de descentralizao em sade pre-dominante no Brasil, desde ento, do tipo poltico-administrativo,envolvendo no apenas a transferncia de servios, mas tambm atransferncia de poder, responsabilidades e recursos, antes concentra-dos no nvel federal, para estados e, principalmente, para os munic-pios. A descentralizao da poltica de sade nos anos 1990 contou comuma forte induo federal, mediante a formulao e implementaodas Normas Operacionais (NO) do SUS e outras milhares de portarias.

    Essas portarias eram editadas a cada ano pelas diversas reas do Minis-trio da Sade e demais entidades federais da sade, em geral associa-das a mecanismos financeiros de incentivo ou inibio de polticas eprticas realizadas pelos gestores estaduais, municipais e prestadores deservios (LEVCOVITZ; LIMA; MACHADO, 2001; MACHADO,2007).

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    O fato que a dcada de 1990testemunhou a passagem de umsistema extremamente centra-lizado para um cenrio em quecentenas de gestores municipais

    e estaduais tornaram-se atoresfundamentais no campo da sade.

    Alm da dimenso federativa, oprocesso de descentralizao nasade apresenta a especificidadede necessariamente ter que estaratrelado ideia de conformaode um sistema integrado de ser-vios e aes de sade, implicandonovas formas de articulao entreesferas de governo, instituies eservios de sade (VIANA, 1995).

    Nesse contexto, foram feitos esforos de definio mais clara das res-ponsabilidades de cada esfera de governo no SUS e da conformao deinstncias de debate e negociao entre os gestores da sade. Assim,o papel e as funes dos gestores da sade nas trs esferas de governosofreram mudanas importantes no processo de implantao do SUS,em grande parte relacionadas descentralizao; essas mudanas seroabordadas no prximo item.

    Para refletir

    Considerando a sua insero profissional, reflita sobre a forma como asmudanas discutidas anteriormente se expressaram na realidade do seuestado ou municpio.

    As funes dos gestores do SUS

    A atuao do gestor do SUS se consubstancia por meio do exerccio dasfunes gestoras na sade. Essas funes podem ser definidas como umconjunto articulado de saberes e prticas de gesto necessrios para aimplementao de polticas na rea da sade, que devem ser exercidasde forma coerente com os princpios do sistema pblico de sade e dagesto pblica.

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    QUALIFICAODEGESTORESDOSUS

    Quadro 1 Resumo das principais atribuies dos gestores do SUS

    Esfera degoverno

    Formulao de polticas eplanejamento

    Financiamento Regulao, coordenao,controle e avaliao

    Execuo direta deservios

    Federal Identificao de problemas

    e definio de prioridades

    no mbito nacional.

    Papel estratgico e

    normativo.

    Manuteno da unicidade,

    respeitando a diversidade.

    Busca da equidade.

    Apoio e incentivo para o

    fortalecimento institucional

    e de prticas inovadoras

    de gesto estadual e

    municipal.

    Planejamento edesenvolvimento de

    polticas estratgicas nos

    campos de tecnologias,

    insumos e recursos

    humanos.

    Garantia de recursos

    estveis e suficientes

    para o setor sade.

    Peso importante dos

    recursos federais.

    Papel redistributivo.

    Definio de prioridades

    nacionais e critrios de

    investimentos e alocao

    entre reas da poltica e

    entre regies/estados.

    Realizao de

    investimentos

    para reduo de

    desigualdades.

    Busca da equidade na

    alocao de recursos.

    Regulao de sistemas

    estaduais.

    Coordenao de redes

    de referncia de carter

    interestadual/nacional.

    Apoio articulao

    interestadual.

    Regulao da incorporao e

    uso de tecnologias em sade.

    Normas de regulao

    sanitria no plano nacional.

    Regulao de mercados

    em sade (planos privados,

    insumos).Regulao das polticas de

    recursos humanos em sade.

    Coordenao dos sistemas

    nacionais de informaes em

    sade.

    Avaliao dos resultados

    das polticas nacionais e do

    desempenho dos sistemas

    estaduais.

    Em carter de exceo.

    Em reas/aes

    estratgicas.

    Estadual Identificao de problemas

    e definio de prioridades

    no mbito estadual.

    Promoo da

    regionalizao.

    Estmulo programao

    integrada.

    Apoio e incentivo ao

    fortalecimento institucional

    das secretarias municipais

    de sade.

    Definio de prioridades

    estaduais.

    Garantia de alocao de

    recursos prprios.

    Definio de critrios

    claros de alocao de

    recursos federais e

    estaduais entre reas

    da poltica e entre

    municpios.

    Realizao de

    investimentos

    para reduo de

    desigualdades.

    Busca da equidade na

    alocao de recursos.

    Regulao de sistemas

    municipais.

    Coordenao de redes

    de referncia de carter

    intermunicipal.

    Apoio articulao

    intermunicipal.

    Coordenao da PPI no

    estado.

    Implantao de mecanismos

    de regulao da assistncia

    (ex.: centrais, protocolos).

    Regulao sanitria (nos

    casos pertinentes).

    Avaliao dos resultados das

    polticas estaduais.

    Avaliao do desempenho

    dos sistemas municipais.

    Em carter de exceo.

    Em reas estratgicas:servios assistenciais

    de referncia estadual/

    regional, aes de

    maior complexidade de

    vigilncia epidemiolgica

    ou sanitria.

    Em situaes de carncia

    de servios e de omisso

    do gestor municipal.

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    Princpios organizativos e instncias de gesto do S

    Esfera degoverno

    Formulao de polticas eplanejamento

    Financiamento Regulao, coordenao,controle e avaliao

    Execuo direta deservios

    Municipal Identificao de problemas

    e definio de prioridades

    no mbito municipal.

    Planejamento de aes e

    servios necessrios nos

    diversos campos.

    Organizao da oferta de

    aes e servios pblicos

    e contratao de privados

    (caso necessrio).

    Garantia de aplicao de

    recursos prprios.

    Critrios claros de

    aplicao de recursos

    federais, estaduais e

    municipais.

    Realizao de

    investimentos no mbito

    municipal.

    Organizao das portas de

    entrada do sistema.

    Estabelecimento de fluxos de

    referncia.

    Integrao da rede de

    servios.

    Articulao com outros

    municpios para referncias.

    Regulao e avaliao dos

    prestadores pblicos e

    privados.

    Regulao sanitria (nos

    casos pertinentes).

    Avaliao dos resultados daspolticas municipais.

    Peso importante na

    execuo de aes/

    prestao direta deservios assistenciais, de

    vigilncia epidemiolgica

    e sanitria.

    Gerncia de unidades de

    sade.

    Contratao,

    administrao e

    capacitao de

    profissionais de sade.

    Quadro 1 Resumo das principais atribuies dos gestores do SUS (cont.)

    Para refletir

    Observe novamente o Quadro 1. Quais as diferenas mais marcantesque voc observa nas funes e atribuies dos gestores da sadenas trs esferas de governo? E quais as semelhanas? Voc acha quepredominam competncias diferentes ou semelhantes? Que condiesvoc considera que seriam necessrias para que as trs esferas de

    governo desempenhassem adequadamente suas atribuies? E comoa sociedade poderia saber se os gestores do SUS esto exercendo suasresponsabilidades de forma adequada?

    Reflita sobre a realidade do seu estado ou municpio. Voc sabe comoessas funes e atribuies vm sendo exercidas pelos gestores do SUS?

    Modelo institucional e instncias dedeciso no SUS

    O modelo institucional proposto para o SUS ousado no que concerne tentativa de concretizar um arranjo federativo na rea da sade e for-talecer o controle social sobre as polticas nas trs esferas de governo,de forma coerente com os princpios e diretrizes do sistema.

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    QUALIFICAODEGESTORESDOSUS

    Esse modelo pressupe uma articulao estreita entre a atuao de:

    a) gestores do sistema em cada esfera de governo;

    b) instncias de negociao e deciso envolvendo a participao dosgestores das diferentes esferas, a Comisso Intergestores Tripartite

    (no mbito nacional), as Comisses Intergestores Bipartites(uma por estado) e, mais recentemente, os Colegiados de GestoRegional Intraestaduais (nmero varivel em funo do desenhoregional adotado em cada estado);

    c) conselhos de representao dos secretrios de sade no mbitonacional (Conass e Conasems) e no mbito estadual (Cosems);

    d) conselhos de sade de carter participativo no mbito nacional,estadual e municipal. A Figura 2 sistematiza o arcabouoinstitucional e decisrio vigente no SUS.

    Figura 2 Estrutura institucional e decisria do SUS

    Fonte: Adaptado de Secretaria de Ateno Sade (BRASIL, 2002).

    O arranjo institucional do SUS, portanto, prev uma srie de instn-cias de negociao e estabelecimento de pactos, envolvendo diferen-tes nveis gestores do sistema e diversos segmentos da sociedade. Talarranjo permite que vrios atores mesmo os no diretamente res-ponsveis pelo desempenho de funes tpicas da gesto dos sistemas

    participem do processo decisrio sobre a poltica de sade. O exerccioda gesto pblica da sade cada vez mais compartilhado por diversosentes governamentais e no governamentais e exige a valorizao e ofuncionamento adequado dos espaos de representao e articulaodos interesses da sociedade.

    Arretche (2003) sugere que a complexa estrutura institucional para atomada de decises no SUS, ainda no plenamente explorada pelos

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    Princpios organizativos e instncias de gesto do S

    atores diretamente interessados em suas aes, pode contribuir para arealizao dos objetivos da poltica de sade e propiciar respostas aosdesafios inerentes sua implementao.

    As comisses intergestores na sade

    Em federaes,