Putnam O Significado de Significado

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O significado de significado Hilary Putnam A linguagem a primeira grande rea da capacidade cognitiva humana que est comeando a obter uma descrio que no exageradamente super simplificada. Graas ao trabalho dos linguistas transformacionais contemporneos 1, est sendo construda uma descrio muito refinada de algumas linguagens humanas. Algumas caractersticas destas linguagens parecem ser universais. Quando essas caractersticas deixam de ser especficas da espcie no explicveis por alguns fundamentos gerais de utilidade funcional ou simplicidade que poderiam se aplicar a sistemas arbitrrios e que servem s funes da linguagem podem lanar alguma luz sobre a estrutura da mente. Enquanto extremamente difcil dizer o quanto da grande estrutura assim iluminada mostrar-se- ser uma estrutura universal da linguagem, em oposio estrutura universal das estratgias inatas de aprendizagem2, o legtimo fato de que esta discusso pode acontecer testemunho da riqueza e generalidade do material descritivo que os linguistas esto comeando a fornecer, e tambm testemunho da profundidade das anlises, mesmo se as caractersticas que parecem ser candidatas especficas da espcie da linguagem no estejam na superfcie da conscincia ou nas caractersticas fenomenolgicas da linguagem, mas permanecem no nvel da estrutura profunda. O mais srio problema de todas essas anlises, at onde interessa ao filsofo, que no dizem respeito ao significado das palavras. A anlise da estrutura profunda das formas lingusticas d-nos uma descrio incomparavelmente muito mais poderosa da sintaxe das linguagens naturais que aquilo que tnhamos feito antes. Mas a dimenso da linguagem associada com a palavra significado est, apesar da inundao usual das tentativas heroicas mal orientadas, quando muito, no escuro em que sempre esteve. Neste ensaio, quero explorar a razo pela qual isto ocorre. Em minha opinio, a razo pela qual a semntica est em pior condio que a teoria sinttica que o conceito prcientfico sobre o qual est assentada o prprio conceito pr-cientfico de significado est em situao muito pior que o conceito pr-cientfico de sintaxe. Como usual em filosofia, as dvidas cticas sobre o conceito no ajudam a clarificar ou melhorar a situao, tanto quanto as asseres dogmticas de filsofos conservadores de que tudo est realmente bem neste que o melhor de todos os mundos possveis. A razo pela qual o conceito pr-cientfico de significado est em m configurao no ser elucidada por algum argumento geral, ctico ou nominalista, afirmando que significados no existem. Efetivamente, o resultado de nossa discusso ser que significados no existem do modo preciso em que tendemos a pensar que eles existem. Mas eltrons tambm no existem do modo em que Bohr os pensou. Aqui est

Publicado originalmente em Language, Mind, and Knowledge, Minnesota Studies in The Philosophy of Science, vol. VII, 1975, p. 131-193, K. Gunderson, ed., University of Minnesota Press. Tambm em The Twin Earth Chronicles: Twenty Years of Reflection on Hilary Putnams The Meaning of Meaning, Andrew Pessin e Sanford Goldberg, eds., New York, M. E. Sharp, 1996, p. 3 52. 1 Os que contriburam para esta rea so, atualmente, muito numerosos para serem listados: os pioneiros foram, obviamente, Zellig Harris e Noam Chomsky. 2 Para uma discusso dessa questo ver meu The 'Innateness' Hypothesis and Explanatory Models in Linguistics, Synthese 17 (1967), p. 12-22.

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toda a distncia no mundo entre esta assero e a assero de que significados (ou eltrons) no existem. Falarei, em grande maioria, unicamente sobre o significado de palavras mais do que sobre o significado de sentenas porque sinto que nosso conceito de significado-palavra mais defeituoso que o nosso conceito de significado-sentena. Mas comentarei brevemente os argumentos de filsofos como Donald Davidson, que insiste que o conceito de significadopalavra deve ser secundrio e que o estudo do significado-sentena deve ser primrio. Uma vez que olho as teorias tradicionais sobre o significado como mitos aceitos (note que o tpico significado um tpico discutido na filosofia para o qual no existe literalmente nada, exceto teoria literalmente nada que pode ser rotulado ou mesmo ridicularizado como viso do senso comum), ser necessrio discutir e tentar desenredar uma quantidade de temas acerca dos quais a viso recebida est, em minha opinio, errada. O leitor me ajudar na tarefa de tentar deixar essas questes claras se gentilmente assumir que nada est claro doravante. 1. Significado e extenso A extenso de um termo, na linguagem lgica costumeira, simplesmente o conjunto de coisas para as quais o termo verdadeiro. Assim, coelho, no sentido mais comum do ingls, precisamente o conjunto de coelhos. Entretanto mesmo esta noo e a noo menos problemtica neste assunto nebuloso tem seus problemas. Fora os problemas inerentes da noo aparentada de verdade, o exemplo precedente de coelho no sentido mais comum do ingls ilustra tal problema: falando estritamente, no um termo, mas um par ordenado, consistindo de um termo e de um sentido (ou uma ocasio de uso, ou algo mais que distingue o termo em um uso do mesmo termo usado de modo diferente), que tm uma extenso. Outro problema o seguinte: um conjunto, no sentido matemtico, um objeto sim/no; qualquer objeto dado ou pertence definitivamente a S ou definitivamente no pertence a S, se S um conjunto. Mas palavras, na linguagem natural, no so, em geral, sim/no: sendo cauteloso, existem coisas para as quais a descrio rvore naturalmente verdadeira e coisas para as quais a descrio rvore naturalmente falsa, mas existe uma grande quantidade de casos na fronteira. Pior, a linha entre os casos ntidos e os casos de fronteira , ela prpria, difusa (fuzzy). Assim a idealizao envolvida na noo de extenso a idealizao envolvida na suposio que existe uma coisa tal como o conjunto das coisas para as quais o termo rvore verdadeiro realmente muito rgida. Recentemente, alguns matemticos tm investigado a noo de conjunto difuso isto , a noo de um objeto para o qual outras coisas pertencem ou no pertencem com uma dada probabilidade ou um dado grau, preferivelmente ao pertencer sim/no. Se algum realmente deseja formalizar a noo de extenso aplicada a termos na linguagem natural, seria necessrio empregar conjuntos difusos ou algo similar, no lugar de conjuntos no sentido clssico. O problema de uma palavra com mais de um sentido tratado, de modo padro, tomando cada um dos sentidos como uma palavra diferente (ou ainda, tratando a palavra como carregando subscritos invisveis, assim: coelho1 animal de certo tipo; coelho 2 covarde;

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como se coelho1 e coelho2, ou qualquer outra coisa, fossem palavras inteiramente diferentes). Isto novamente envolve duas idealizaes rgidas (pelo menos duas, que so): supor que as palavras tm, de modo discreto, muitos sentidos, e supor que o repertrio inteiro de sentidos est fixado de uma vez por todas. Paul Ziff, recentemente, investigou a extenso para a qual ambas estas suposies distorcem a situao real na linguagem natural 3; contudo continuaremos a fazer estas idealizaes aqui. Agora considere os termos compostos criatura com corao e criatura com rins. Assumindo que todas as criaturas com corao possuem rins e vice-versa, a extenso destes dois termos exatamente a mesma. Mas eles diferem obviamente em significado. Suponha que exista um sentido de significado no qual significado = extenso, mas deve haver outro sentido de significado no qual o significado de um termo no sua extenso, mas algo mais, digamos o conceito associado com o termo. Chamemos este algo mais a intenso do termo. O conceito de criatura com corao naturalmente diferente do conceito de criatura com rins. Assim os dois termos tm diferente intenses. Quando dizemos que eles tm diferentes significados, significado = intenso. 2. Intenso e extenso Algo como o pargrafo precedente aparece em toda exposio padro das noes de intenso e extenso. Mas no de todo satisfatrio. Porque no satisfatrio, num certo sentido, o objetivo de todo este ensaio. Mas alguns temas podem ser colocados logo no incio: antes de tudo, qual evidncia existe de que extenso um sentido da palavra significado? A explicao cannica das noes de intenso e extenso algo da forma em um sentido significado significa extenso e em outro sentido significado significa significado. O fato que, enquanto a noo de extenso muito precisa, relativa noo lgica fundamental de verdade (e sob a idealizao rgida observada acima), a noo de intenso to imprecisa quanto a noo vaga (e, como veremos, confusa) de conceito. como se algum explicasse a noo de probabilidade dizendo: em um sentido probabilidade significa frequncia, e em outro sentido significa tendncia. Probabilidade nunca significa frequncia, e tendncia to obscura quanto probabilidade. Na falta de clareza, a doutrina tradicional de que a noo de significado possui a ambiguidade extenso/intenso tem determinadas consequncias tpicas. Muitos filsofos tradicionais pensaram dos conceitos como algo mental. Assim, a doutrina de que o significado de um termo (isto , o significado no sentido de intenso) um conceito levou implicao de que significados so entidades mentais. Frege e mais recentemente Carnap e seus seguidores, entretanto, rebelaram-se contra o que chamaram de psicologismo. Sentindo que significados so propriedades pblicas que o mesmo significado pode ser apreendido (grasped) por mais de uma pessoa e por pessoas em tempos diferentes eles identificaram conceitos (e, portanto, intenses ou significados) antes com entidades abstratas que com entidades mentais. De qualquer modo, apreender estas entidades abstratas foi ainda um ato psicolgico individual. Nenhum destes filsofos duvidou que compreender uma palavra3

Isto discutido por Ziff em Understanding Understanting (Ithaca, NY: Cornell University Press, 1972), especialmente cap. VIII.

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(conhecer sua intenso) fosse apenas questo de estar num determinado estado psicolgico (algo de modo que conhecer como fatorar nmeros em alguma cabea fosse apenas questo de estar num estado psicolgico muito complexo). Em segundo lugar, o exemplo j desgastado dos termos criatura com rins e criatura com corao mostra que dois termos podem ter a mesma extenso e ainda assim serem diferentes em intenso. Mas foi tomado como bvio que o contrrio impossvel: dois termos no podem diferir em extenso e ter a mesma intenso. E o que mais interessante, nenhum argumento j foi oferecido para esta impossibilidade. Provavelmente, reflete a tradio dos filsofos antigos e medievais que assumiram que o conceito correspondente a um termo fosse apenas uma conjuno de predicados e, portanto, o conceito correspondente a um termo devesse sempre preencher uma condio necessria e suficiente para cair na extenso de um termo4. Para filsofos como Carnap, que aceitava a teoria verificacionista do significado, o conceito correspondente a um termo proporcionava (no caso ideal, em que o termo tinha significado completo) um critrio para pertencer extenso (no apenas no sentido de condio necessria e suficiente, mas no sentido forte de modo de reconhecer se uma coisa dada cai na extenso ou no). Assim estes filsofos positivistas foram perfeitamente felizes em reter a viso tradicional neste ponto. Dessa forma, a teoria do significado estabeleceu-se sob duas pressuposies indubitveis: 1. Que conhecer o significado de um termo apenas uma questo de estar num determinado estado psicolgico (no sentido de estado psicolgico, no qual estados de memria e disposies psicolgicas so estados psicolgicos; ningum pensou que conhecer o significado de uma palavra fosse um estado contnuo de conscincia, naturalmente); 2. Que o significado de um termo (no sentido de intenso) determina sua extenso (no sentido de que mesma intenso implica mesma extenso). Eu argumentarei que estas duas pressuposies so podem ser conjuntamente satisfeitas por qualquer noo, deixando indeterminada qualquer noo de significado. O conceito tradicional de significado um conceito que repousa sobre uma teoria falsa. 3. Estado psicolgico e solipsismo metodolgico

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A tradio cresceu porque O termo cuja anlise provocou toda a discusso na filosofia medieval foi o termo Deus, e o termo Deus foi pensado ser definido atravs da conjuno dos termos bom, poderoso, onisciente, etc. as assim chamadas perfeies. Entretanto, havia um problema, porque Deus era suposto ser a Unidade, e a Unidade era pensada excluir Sua prpria essncia, que era complexa de algum modo isto , Deus foi definido atravs de uma conjuno de termos, mas Deus (sem aspas) no podia ser o produto lgico de propriedades, nem podia ser a nica coisa que exemplificasse o produto lgico de duas ou mais propriedades distintas, porque mesmo este tipo altamente abstrato de complexidade continuava ser incompatvel com Sua perfeio de Unidade. Este o paradoxo teolgico com os quais os telogos judeus, rabes e cristos debateramse violentamente por sculos (e.g. a doutrina da Negao da Privao em Maimnides e Toms de Aquino). divertido que teorias de interesse contemporneo, tais como o conceptualismo e nominalismo, foram primeiro propostas como soluo para o problema da predicao no caso de Deus. tambm divertido que o modelo favorito da definio em todas estas teologias o modelo de conjuno de propriedades ainda sobrevive, pelo menos atravs de suas consequncias, na filosofia da linguagem dos dias atuais.

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A fim de mostrar isso, precisamos clarificar a noo tradicional de um estado psicolgico. Em um certo sentido, um estado simplesmente um predicado binrio cujos argumentos so um indivduo e um tempo. Assim, ter 1,5 metros de altura, estar com dor, conhecer um alfabeto, e mesmo estar a mil milhas de Paris so estados. (Note que o tempo usualmente deixado implcito ou no contexto; a forma completa de uma sentena atmica destes predicados seria x tem 1,5 metros de altura no tempo t, x est com dor no tempo t, etc.). Na cincia, entretanto, costume restringir o termo estado a propriedades definidas em termos de parmetros do indivduo e que so fundamentais do ponto de vista de uma dada cincia. Assim, ter 1,5 metros de altura um estado (do ponto de vista da fsica); estar com dor um estado (pelo menos do ponto de vista da psicologia mentalista); conhecer um alfabeto pode ser um estado (do ponto de vista da psicologia cognitiva), embora seja difcil dizer qual; mas estar a mil milhas de Paris no pode naturalmente ser chamado um estado. Num certo sentido, um estado psicolgico simplesmente um estado que estudado ou descrito pela psicologia. Neste sentido pode ser trivialmente verdadeiro dizer conhecer o significado da palavra gua um estado psicolgico (do ponto de vista da psicologia cognitiva). Mas isto no o sentido de estado psicolgico que est na pressuposio (1) acima. Quando os filsofos tradicionais falaram sobre estados psicolgicos (ou estados mentais), fizeram a pressuposio que podemos chamar de solipsismo metodolgico. Este pressuposto o de que nenhum estado psicolgico, assim propriamente chamado, supe a existncia de qualquer outro indivduo alm do sujeito a quem o estado atribudo. (De fato a pressuposio foi a de que nenhum estado psicolgico pressupe a existncia mesma do corpo do prprio sujeito: se P um estado psicolgico, assim propriamente chamado, ento deve ser logicamente possvel para uma mente desencarnada estar em P). Esta pressuposio assaz explcita em Descartes, mas est apenas implcita em toda da psicologia filosfica tradicional. Claro que fazer esta pressuposio adotar um programa restritivo um programa que deliberadamente limita o alcance e a natureza da psicologia para convir a determinadas preconcepes mentalistas ou, em alguns casos, convir a uma reconstruo idealista do conhecimento e do mundo. Entretanto, s vezes, no fica anunciado quo restritivo o programa. Um estado psicolgico comum, ou vrios deles, como estar com cimes deve ser reconstrudo, por exemplo, se a pressuposio do solipsismo metodolgico for mantida. Pois, em seu uso ordinrio, x est com cimes de y implica que y exista, e x est com cimes do olhar de y para z implica que y e z existam (bem como x, claro). Assim estar com cimes e estar com cimes do olhar de algum para outro algum no so estados psicolgicos permitidos pela pressuposio do solipsismo metodolgico. (Ns os chamaremos estados psicolgicos em sentido largo e referimos aos estados psicolgicos que so permitidos pelo solipsismo metodolgico como estados psicolgicos no sentido estrito). A reconstruo requerida pelo solipsismo metodolgico seria reconstruir cime de modo que eu possa estar com cimes por minhas prprias alucinaes, ou por fices de minha imaginao, etc. Somente se assumirmos que estados psicolgicos no sentido estrito tm um grau significativo de fechamento causal (de modo que restringir a ns mesmos a estados psicolgicos em sentido estrito facilitar o estabelecimento de leis psicolgicas) que h algum sentido em engajar-se nesta reconstruo, ou em fazer a pressuposio do solipsismo metodolgico. Mas, em minha opinio, os trs sculos de falhas da psicologia mentalista so evidncias tremendas contra este procedimento.

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Seja como for, podemos agora estabelecer mais precisamente o que afirmamos ao fim da seo precedente. Sejam A e B quaisquer dois termos que diferem em extenso. Assumindo (2) eles devem diferir no significado (no sentido de intenso). Assumindo (1), conhecer o significado de A e conhecer o significado de B so estados psicolgicos no sentido estrito pois foi como construmos a pressuposio (1). Mas estes estados psicolgicos devem determinar a extenso dos termos A e B tanto quanto os significados (intenses) fazem. Para ver como isto ocorre, tentemos assumir o oposto. Naturalmente, no pode haver dois termos A e B tais que conhecer o significado de A seja o mesmo estado que conhecer o significado de B, mesmo porque A e B tm diferentes extenses. Pois conhecer o significado de A no apenas apreender (grasping) a intenso de A, qualquer que seja esta; tambm conhecer que a intenso que algum entendeu a intenso de A. (Assim, algum que sabe o significado de roda presumivelmente entende a intenso de seu sinnimo alemo Rad; mas se ele no sabe que a intenso em questo a intenso de Rad ele no diz saber o significado de Rad). Se A e B so termos diferentes, ento conhecer o significado de A um estado diferente de conhecer o significado de B quer os significados de A e B sejam os mesmos ou diferentes. Mas, pelo mesmo argumento, se I 1 e I2 so as diferentes intenses e A um termo, ento conhecer que I1 o significado de A um estado psicolgico diferente de conhecer que I2 o significado de A. Assim, no pode haver dois mundos possveis, logicamente diferentes L1 e L2 tais que, digamos, Oscar est nos mesmos estados psicolgicos (no sentido estrito) em L1 e em L2 (em todos os aspectos), mas em L 1 Oscar compreende A como tendo o significado I1 e em L2 Oscar compreende A como tendo o significado I 2. (Pois, se assim fosse, ento em L1 Oscar poderia estar no estado psicolgico conhecer que I1 o significado de A e em L2 Oscar poderia estar no estado psicolgico conhecer que I2 o significado de A, e estes so diferentes e at mesmo assumindo que A tem apenas um significado para Oscar em cada mundo estados psicolgicos incompatveis no sentido estrito). Em resumo, se S o tipo de estado psicolgico que temos discutido um estado psicolgico da forma conhecer que I o significado de A, no qual I uma intenso e A um termo ento a mesma condio necessria e suficiente para cair na extenso de A funciona em todo mundo logicamente possvel no qual o falante est no estado psicolgico S. Pois o estado S determina a intenso I, e pela pressuposio (2) a intenso preenche a condio necessria e suficiente para a pertinncia na extenso. Se nossa interpretao da doutrina tradicional da intenso e extenso justa para com Frege e Carnap, ento toda a questo psicologismo/platonismo se parece como uma tempestade numa chaleira, no que diz respeito teoria do significado. (Naturalmente, uma questo muito importante at na filosofia geral da matemtica). Pois, ainda que os significados sejam entidades platnicas ao invs de entidades mentais, na viso de FregeCarnap, apreender aquelas entidades presumivelmente um estado psicolgico (no sentido estrito). Alm disso, o estado psicolgico determina de forma nica a entidade platnica. Assim tomar a entidade platnica ou o estado psicolgico como o significado poderia parecer uma questo de conveno. E tomando o estado psicolgico como sendo o significado dificilmente se poderia ter a consequncia temida por Frege, a de que significados deixassem de ser pblicos. Estados psicolgicos so pblicos pois diferentes pessoas (e mesmo pessoas em diferentes pocas) podem estar no mesmo estado psicolgico. Na verdade, o

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argumento de Frege contra o psicologismo apenas um argumento contra identificar conceitos com particulares mentais, no com entidades mentais em geral. O carter pblico de estados psicolgicos implica, em particular, que se Oscar e Elmer compreendem a palavra A de modo diferente, ento eles devem estar em estados psicolgicos diferentes. Pois o estado mental de conhecer a intenso de A ser, digamos, I o mesmo estado, quer para Oscar, quer para Elmer. Assim dois falantes no podem estar no mesmo estado psicolgico em todos os aspectos e compreender o termo A de modo diferente; o estado psicolgico do falante determina a intenso (e, portanto, pela pressuposio (2), a extenso) de A. esta ltima consequncia das pressuposies (1) e (2) tomadas em conjunto que afirmo ser falsa. Ns afirmamos que possvel dois falantes estarem no mesmo estado psicolgico (no sentido estrito), muito embora a extenso do termo A no idioleto de um seja diferente da extenso do termo A no idioleto do outro. A extenso no determinada pelo estado psicolgico. Isto ser mostrado em detalhes nas sees posteriores. Se isto est correto, ento existem dois caminhos abertos para algum que quer resgatar pelo menos uma das pressuposies; desistir da ideia de que estados psicolgicos (no sentido estrito) determinam a intenso, ou desistir da ideia de que a intenso determina a extenso. Ns consideraremos tais alternativas mais tarde. 4. Os significados esto na cabea? Agora ser mostrado que os estados psicolgicos no determinam a extenso com a ajuda de uma pequena histria de fico cientfica. Para o propsito dos seguintes exemplos de fico cientfica, suporemos que em algum lugar da galxia existe um planeta que chamaremos Terra Gmea. A Terra Gmea muito parecida com a Terra; de fato, as pessoas na Terra Gmea at mesmo falam o ingls. De fato, exceto pelas diferenas que especificaremos em nossos exemplos de fico cientfica, o leitor pode supor que a Terra Gmea exatamente como a Terra. O leitor pode supor que tem um Doppelgnger uma cpia idntica na Terra Gmea, se quiser, embora minhas histrias no dependam disso. Embora algumas das pessoas na Terra Gmea (digamos, aquelas que chamam a si mesmas americanas e aquelas que chamam a si mesmas canadenses e aquelas que chamam a si mesmas inglesas) falem o ingls, existem, no surpreendentemente, mnimas diferenas que agora descreveremos entre os dialetos do ingls falado na Terra Gmea e o ingls padro. Estas diferenas dependem de algumas particularidades da Terra Gmea. Uma das particularidades da Terra Gmea que o liquido chamado gua no H 2O, mas um liquido diferente cuja frmula qumica muito longa e complicada. Eu abreviarei esta frmula qumica simplesmente como XYZ. Suporei que XYZ indistinguvel da gua em condies normais de temperatura e presso. Em particular, seu gosto como a gua e tambm mata a sede. Alm disso, suporei que os oceanos e lagos da Terra Gmea contm XYZ e no gua, que chove XYZ na Terra Gmea e no gua, etc.

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Se uma espaonave da Terra visita a Terra Gmea, ento a primeira suposio ser a de que gua tem o mesmo significado na Terra e na Terra Gmea. Esta suposio ser corrigida quando for descoberto que gua na Terra Gmea XYZ, e o terrqueo da espaonave relatar algo como segue: Na Terra Gmea a palavra gua significa XYZ (A propsito, este tipo de uso da palavra significa que conta para a doutrina de que extenso um sentido do significado. Mas note que, embora significa no signifique algo como tem como extenso, neste exemplo, no se poderia dizer Na Terra Gmea o significado da palavra gua XYZ a menos, possivelmente, do fato de que gua XYZ fosse conhecido por todo falante adulto do ingls na Terra Gmea. Ns podemos considerar isto em termos da teoria do significado que desenvolveremos abaixo; neste momento, ns apenas observamos que o verbo significa algumas vezes significa tem como extenso, mas a nominalizao de significado nunca significa extenso). Esta suposio ser corrigida quando for descoberto que gua na Terra H 2O, e o terrestre gmeo da espaonave relatar: Na Terra5 a palavra gua significa H2O Note que no h problema com a extenso do termo gua. A palavra simplesmente tem dois significados (como dizemos): no sentido em que usado na Terra Gmea, o sentido de guaTG, o que ns chamamos gua simplesmente no gua; enquanto no sentido que usado na Terra, o sentido de guaT, o que os terrqueos gmeos chamam gua simplesmente no gua. A extenso de gua no sentido de guaT o conjunto de todas as pores consistindo de molculas H2O, ou algo assim; a extenso de gua no sentido de gua TG o conjunto de todas as pores consistindo de molculas XYZ, ou algo assim. Voltemos o tempo para 1750. Naquele tempo, a qumica no havia sido desenvolvida nem na Terra, nem na Terra Gmea. O tpico falante do ingls da Terra no sabe que gua consiste de hidrognio e oxignio, e o tpico falante do ingls da Terra Gmea no sabe que gua consiste de XYZ. Seja Oscar1 um tpico falante do ingls da Terra e seja Oscar2 sua contraparte na Terra Gmea. Voc pode supor que no existe crena que Oscar 1 tenha sobre gua que Oscar2 no tenha sobre gua. Se quiser, pode mesmo supor que Oscar 1 e Oscar2 so os mesmos em aparncia, sentimentos, pensamentos, monlogos interiores, etc. Outra vez a extenso do termo "gua" era tanto H2O na Terra em 1750 quanto em 1950; e a extenso do termo "gua" era tanto XYZ na Terra Gmea em 1750 quanto em 1950. Oscar 1 e Oscar2 compreendiam o termo "gua" diferentemente em 1750 embora eles estivessem no mesmo estado psicolgico, e apesar de que, dado o estado da cincia naquele tempo, tivessem que aguardar suas comunidades cientficas por cinqenta anos para descobrir que eles entendiam o termo "gua" diferentemente. Assim a extenso do termo "gua" (e, de fato, seu significado no uso intuitivo, pr-analtico, daquele termo) no em si mesma uma funo do estado psicolgico do falante.

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Ou melhor, ele relatar: Na Terra Gmea [o nome terrestre gmeo para a Terra HP] a palavra gua significa H2O.

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Mas, pode-se objetar, porque aceitaramos que o termo "gua" tenha a mesma extenso em 1750 e em 1950 (em ambas as Terras)? A lgica dos termos de espcies naturais como "gua" uma questo complicada, mas segue-se um esboo da resposta. Suponha que aponto para um copo de gua e diga este liquido chamado gua (ou isto chamado gua", se o marcador liquido ficar claro no contexto). Minha definio ostensiva de gua tem a seguinte pressuposio emprica: que o corpo do liquido que estou apontando preenche uma determinada relao de ser o mesmo (digamos, x o mesmo liquido que y, ou x o mesmo -L que y) para com a maioria da matria-prima que eu e outros falantes em minha comunidade lingustica temos, em outras ocasies, chamado "gua". Se esta pressuposio falsa porque, digamos, estou, sem saber, apontando um copo de gim e no um copo de gua, ento no pretendo que minha definio ostensiva seja aceita. Assim, a definio ostensiva conduz para o que deve ser chamada uma condio suficiente e necessria passvel de ser anulada: a condio necessria e suficiente para ser gua preencher a relao mesmo-L para com matria-prima no copo; mas isto a condio necessria e suficiente somente se a pressuposio emprica for satisfeita. Se no for satisfeita, pode-se dizer, ento, que uma srie de condies de desistncia ativada. O ponto chave que a relao mesmo-L uma relao terica: quer algo seja o mesmo liquido ou no, isto pode acarretar uma quantidade indeterminada de investigao cientfica. Alm disso, ainda que uma resposta definida tenha sido obtida atravs da investigao cientfica ou atravs da aplicao de algum teste do senso comum, a resposta algo que pode ser anulado: a investigao futura pode reverter mesmo o exemplo mais determinado. Portanto, o fato de que um falante ingls em 1750 ter chamado XYZ de "gua", enquanto ele ou seus sucessores no chamaram gua de XYZ em 1800 ou em 1850, no significa que o significado de "gua" mudou para o falante mediano no intervalo de tempo. Em 1750 ou em 1850 ou em 1950 pode-se ter apontado para, digamos, o liquido do Lago Michigan como um exemplo de "gua". O que mudou foi que em 1750 poderamos ter pensado de modo equivocado que XYZ preenchia a relao mesmo-L com o liquido no Lago Michigan, enquanto em 1800 ou em 1850 poderamos ter sabido que no (eu estou ignorando, obviamente, o fato de que o liquido do Lago Michigan fosse, naturalmente, somente gua em 1950). Modifiquemos agora nossa histria de fico cientfica. Eu no sei se algum pode fazer caarolas e panelas de molibdnio; e se algum pode faz-las completamente de molibdnio, no sei se elas podem ser distinguidas facilmente das caarolas e panelas de alumnio. (Eu no sei nada mesmo, ainda que tenha adquirido a palavra molibdnio). Assim, eu suporei que caarolas e panelas de molibdnio s podem ser distinguidas de caarolas e panelas de alumnio por um especialista. (Para enfatizar o interesse, eu repito que isto poderia ser verdadeiro para tudo o que sei, e a fortiori poderia ser verdadeiro para tudo o que sei em virtude de conhecer o significado das palavras alumnio e molibdnio). Ns iremos supor que molibdnio comum na Terra Gmea como o alumnio na Terra. Em particular, iremos assumir que caarolas e panelas de alumnio so feitos de molibdnio na Terra Gmea. Finalmente, assumiremos que as palavras alumnio e molibdnio so comutadas na Terra Gmea: alumnio o nome de molibdnio e molibdnio o nome de alumnio. Este exemplo partilha algumas caractersticas com o exemplo anterior. Se uma espaonave da Terra visitou a Terra Gmea, os visitantes da Terra provavelmente no suspeitariam que caarolas e panelas de alumnio na Terra Gmea fossem feitos de alumnio, especialmente quando os terrqueos gmeos dissessem que eram. Mas existe uma

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importante diferena entre os dois casos. Um metalrgico terrqueo poderia dizer facilmente que o alumnio era molibdnio. (As aspas na sentena precedentes indicam usos dos terrqueos gmeos). Enquanto em 1750 ningum na Terra ou na Terra Gmea poderia distinguir gua de "gua", a confuso com alumnio e alumnio envolve somente uma parte das comunidades lingusticas envolvidas. O exemplo toca o mesmo ponto do exemplo precedente. Oscar1 e Oscar2 so falantes padres do ingls da Terra e do ingls da Terra Gmea, respectivamente, e nenhum deles qumico ou metalrgico sofisticado, ento no pode haver diferenas em seus estados psicolgicos quando eles usam a palavra alumnio; apesar disso, diremos que alumnio tem a mesma extenso que alumnio no idioleto de Oscar1 e a extenso molibdnio no idioleto de Oscar2. (Tambm diremos que Oscar1 e Oscar2 significam coisas diferentes por alumnio, que alumnio tem diferentes significados na Terra e na Terra Gmea, etc.). Novamente, vemos que o estado psicolgico do falante no determina a extenso da palavra (ou do significado, falando pr-analiticamente). Antes de discutir este exemplo adiante, deixe-me introduzir um exemplo cientfico (no fico). Suponha que voc seja como eu e no pode distinguir um olmo de uma faia. Ns ainda dizemos que a extenso de olmo em meu idioleto a mesma que a extenso de olmo em qualquer outro idioleto, viz., o conjunto de todos os olmeiros, e que o conjunto de todas as rvores faia a extenso de faia em nossos idioletos. Assim olmo em meu idioleto tem a mesma extenso de faia em seu idioleto (como o caso). realmente crvel que esta diferena em extenso tenha trazido alguma diferena em nossos conceitos? Meu conceito de olmo exatamente o mesmo que meu conceito de faia (eu fico vermelho em confessar). (Isto mostra, a propsito, que a identificao do significado no sentido de intenso com conceito no pode estar correta). Se algum heroicamente sustenta que a diferena entre a extenso de olmo e a extenso de faia em meu idioleto explicada pela diferena em meu estado psicolgico, ento podemos sempre refut-lo construindo um exemplo Terra Gmea apenas sejam as palavras olmo e faia comutadas na Terra Gmea (o modelo alumnio e molibdnio foi o exemplo prvio). Alm disso, eu suponho ter um Doppelgnger na Terra Gmea que molcula por molcula idntico comigo (no sentido em que duas gravatas podem ser idnticas). Se voc um dualista, ento suponha que meu Doppelgnger pensa o mesmo que eu ao verbalizar pensamentos, que tem os mesmos dados dos sentidos, as mesmas disposies, etc. absurdo pensar seu estado psicolgico um pouco diferente do meu: outra vez, ele significa faia quando diz olmo, e eu significo olmo quando digo faia. Corte a torta do jeito que voc quiser, mas significados no esto na cabea! 5. Uma hiptese sociolingustica Os ltimos dois exemplos dependem de um fato da linguagem que, surpreendentemente, parece nunca ter sido considerado: existe diviso do trabalho lingustico Dificilmente podemos usar palavras tais como olmo e alumnio se ningum possusse uma maneira de reconhecer olmos e alumnios; mas nem todos, para os quais a distino importante, tm a habilidade de fazer a distino. Mudemos o exemplo: consideremos ouro. Ouro importante por muitas razes: um metal precioso, tem valor monetrio, tem valor simblico (

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importante para muitas pessoas que a aliana de ouro de casamento que usam realmente consista de ouro e no apenas parea ser ouro), etc. Considere nossa comunidade como uma fbrica: nesta fbrica algumas pessoas tm o trabalho de portar anis de ouro de casamento, outras pessoas tm o trabalho de vender anis de ouro de casamento e outras pessoas ainda tm o trabalho de dizer se algo ou no realmente ouro. No necessrio, nem eficiente, que todos portem um anel de ouro (ou uma abotoadura de ouro, etc.), ou discutam o padro ouro, etc., ou ocupem-se em comprar e vender ouro. Nem necessrio, nem eficiente, que todos que compram e vendem ouro sejam hbeis em dizer se algo ou no realmente ouro numa sociedade em que esta forma de desonestidade incomum (vender ouro falsificado) e na qual se pode facilmente consultar um especialista em caso de dvida. E certamente no necessrio, nem eficiente, que todos aqueles que tm a oportunidade de comprar ou portar ouro sejam hbeis a dizer com alguma confiabilidade se algo ou no realmente ouro. Os fatos precedentes so apenas exemplos da diviso mundana de trabalho (num sentido lato). Mas eles engendram uma diviso do trabalho lingustico: todos, para os quais ouro importante por alguma razo, tm que adquirir a palavra ouro; mas no tm que adquirir o mtodo de reconhecer se algo ouro ou no. Isso pode ser deixado a uma subclasse especial de falantes. Todas as caractersticas que so geralmente pensadas estar presentes em conexo com um nome geral condies necessrias e suficientes para pertencer a uma extenso, modos de reconhecer se algo est na extenso (criteria), etc. esto presentes na comunidade lingustica considerada como um corpo coletivo; mas o corpo coletivo divide o trabalho de conhecer e empregar estas vrias partes do significado de ouro. Esta diviso do trabalho lingustico fundamenta-se na diviso do trabalho no lingustico e a pressupe. Se apenas as pessoas que sabem como dizer se algum metal realmente ouro, ou no, tm alguma razo para ter a palavra ouro em seus vocabulrios, ento a palavra ouro ser como a palavra "gua" foi em 1750 com respeito subclasse de falantes, e os outros falantes apenas no querem adquiri-la de qualquer modo. E algumas palavras no exibem qualquer diviso de trabalho lingustico: cadeira, por exemplo. Mas com o crescimento da diviso de trabalho na sociedade e o aparecimento da cincia, mais e mais palavras comeam a exibir este tipo de diviso do trabalho. "gua", por exemplo, no exibe, de qualquer modo, nenhuma anterioridade para o aparecimento da qumica. Hoje obviamente necessrio para todo falante ser capaz de reconhecer gua (com confiana, sob condies normais), e provavelmente todo falante adulto reconhece as condies necessrias e suficientes de que "gua H2O" mas somente uma quantidade de adultos pode distinguir gua de lquidos que superficialmente se assemelham gua. No caso de dvida, outros falantes confiariam nos julgamentos destes falantes especialistas. Assim o modo de reconhecer que estes especialistas possuem, atravs deles, torna-se patrimnio do corpo coletivo lingustico, mesmo que no seja o modo de reconhecer de cada membro do corpo, e desta maneira o fato mais raro sobre a gua pode tornar-se parte do significado social da palavra enquanto for desconhecido para a maioria dos falantes que adquire a palavra. Parece-me que este fenmeno da diviso do trabalho lingustico muito importante para uma investigao da sociolingustica Para tanto, gostaria de propor a seguinte hiptese:

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HIPTESE DA UNIVERSALIDADE DA DIVISO DO TRABALHO LINGUSTICO: Toda comunidade exemplifica o tipo de diviso do trabalho lingustico descrito: isto , possui pelos menos alguns termos aos quais os criteria associados so conhecidos apenas para um subconjunto de falantes que adquirem os termos, e cujo uso por outros falantes depende de uma cooperao sub-estruturada entre termos e falantes em subconjuntos relevantes. Seria interessante, em particular, descobrir se povos extremamente primitivos apresentam, algumas vezes, excees a esta hiptese (que poderia indicar que a diviso um produto da evoluo social), ou se a exibem. No ltimo caso, pode-se conjeturar que a diviso do trabalho, inclusive do trabalho lingustico, um trao fundamental de nossa espcie. fcil ver como este fenmeno d conta de alguns dos exemplos dados acima da falha das pressuposies (1) e (2). Sempre que um termo est sujeito diviso do trabalho lingustico, um falante mediano que o adquire, no adquire nada que fixa sua extenso. Em particular, seu estado psicolgico individual certamente no fixa a extenso; somente o estado sociolingustico do corpo lingustico coletivo ao qual o falante pertence que fixa a extenso. Ns podemos resumir esta discusso indicando que existem dois tipos de ferramentas no mundo: existem ferramentas como um martelo ou uma chave de fenda que podem ser usadas por qualquer pessoa; e existem ferramentas como um navio a vapor, que requerem a atividade cooperativa de um nmero de pessoas para serem usadas. Palavras tm sido pensadas em demasia no modelo do primeiro tipo de ferramenta. 6. Indexicalidade e Rigidez6 O primeiro de nossos exemplos de fico cientfica - "gua" na Terra e na Terra Gmea em 1750 no envolve a diviso do trabalho lingustico, ou pelo menos no a envolve da mesma maneira que os exemplos de alumnio e olmo. No havia (na nossa histria) quaisquer especialistas em gua na Terra em 1750, nem quaisquer especialistas em "gua" na Terra Gmea. (O exemplo, entretanto, pode ser construdo para envolver a diviso do trabalho atravs do tempo. Eu no desenvolverei aqui esta maneira de tratar o exemplo). O exemplo envolve coisas de fundamental importncia teoria da referncia e tambm teoria da verdade necessria, que agora discutiremos. Existem duas maneiras bvias de dizer para algum o que ns significamos por meio de um termo de espcie natural tal como "gua", ou tigre, ou limo. Pode-se dar a chamada definio ostensiva este (liquido) gua; este (animal) tigre; esta (fruta) limo; na qual os parnteses so usados para indicar os marcadores lquido, animal e fruta, que podem ser explcitos ou implcitos. Ou se pode dar uma descrio. No ltimo caso, a descrio dada consiste tipicamente de uma ou mais marcas junto com um esteretipo7 uma descrio padronizada das caractersticas da espcie que so tpicas, ou normais ou, por6

O contedo desta seo foi apresentado numa srie de conferncias que dei na University of Washington (Summer Institute in Philosophy) em 1968, e numa conferncia na University of Minnesota.

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qualquer razo, estereotpica. As caractersticas centrais do esteretipo geralmente so os criteria caractersticas que, em situaes normais, constituem modos de reconhecer se a coisa pertence espcie ou, pelo menos, condies necessrias (ou condies probabilsticas necessrias) para pertencer espcie. Nem todos os criteria usados pela comunidade lingustica, enquanto corpo coletivo, esto includos no esteretipo e, em alguns casos, os esteretipos podem ser muito fracos. Assim (a menos que eu seja um falante muito atpico), o esteretipo de um olmo apenas aquele de uma rvore antiga comum. Estas caractersticas so, de fato, condies necessrias para pertencer espcie (eu digo necessrias no sentido vago; eu no penso que olmos so rvores antigas seja analtico), mas elas esto longe de constituir uma maneira de reconhecer olmos. De outro lado, o esteretipo de um tigre nos habilita a reconhecer tigres (a menos que ele seja albino, ou est presente alguma outra circunstncia atpica), e o esteretipo de um limo geralmente nos habilita a reconhecer limes. No caso extremo, o esteretipo pode ser apenas o marcador: o esteretipo de molibdnio pode ser apenas o fato de que molibdnio um metal. Consideremos ambas as maneiras de introduzir um termo no vocabulrio de algum. Suponha que eu aponto um copo de liquido e diga isto gua, a fim de ensinar a algum a palavra "gua". Ns j descrevemos algumas das pressuposies deste ato, e o modo pelo qual esta espcie de explanao do significado pode ser frustrada. Tentemos agora clarificar como considerar este ato. No que se segue, tomaremos a noo de mundo possvel como primitiva. Fazemos isto porque sentimos que, de vrios modos, a noo faz sentido e cientificamente importante mesmo que seja necessrio faz-la mais precisa. Assumiremos posteriormente que, em pelo menos alguns casos, possvel falar de algum indivduo existindo em mais de um mundo 8. Nossa discusso inspira-se fortemente no trabalho de Saul Kripke, embora as concluses fossem obtidas independentemente. Sejam W1 e W2 dois mundos possveis nos quais eu exista e nos quais este copo existe e nos quais eu estou dando uma explicao do significado, apontando para este copo e dizendo isto gua. (Eu no assumo que o liquido no copo o mesmo nos dois mundos). Suponhamos que em W1 o copo est cheio de H2O e no mundo W2 o copo est cheio de XYZ. Tambm suponhamos que W1 o mundo real e que XYZ a matria-prima tipicamente chamada gua no mundo W2 (desse modo a relao entre falantes do ingls em W1 e falantes do ingls em W2 exatamente a mesma relao entre falantes do ingls na Terra e falantes do ingls na Terra Gmea). Assim, pode haver duas teorias acerca do significado de gua:

1. Pode ser verdadeiro que gua fosse relativa a um mundo, mas constante emsignificado (isto , a palavra tem um significado relativo constante). Nesta teoria, gua significa o mesmo em W1 e W2; apenas gua H2O em W1 e gua XYZ em W2.

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Veja meu Is Semantic Possible?, em H. E. Kiefer e M. K. Munitz, eds., Language, Belief, and Metaphysics (Albany, NY: State University of New York Press, 1970). 8 Esta pressuposio no realmente necessria no que segue. O que necessrio que a mesma espcie natural possa existir em mais de um mundo possvel.

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2. Pode ser verdadeiro que gua H2O em todos os mundos (a matria-primachamada gua em W2 no gua), mas gua no tem o mesmo significado em W1 e W2. Se o que foi dito antes sobre o caso Terra Gmea for correto, ento (2) naturalmente a teoria correta. Quando eu digo isto (o liquido) gua, o isto , por assim dizer, um isto de re, isto , a fora de minha explanao que "gua" tudo o que preenche uma determinada relao de equivalncia (a relao que chamamos mesmo-L) com a poro de liquido referida a isto no mundo real. Ns poderamos simbolizar a diferena entre as duas teorias como a diferena de escopo da seguinte maneira. Na teoria (1), verdadeiro o seguinte: (1) (Para todo mundo W) (Para todo x em W) (x gua = x preenche a relao mesmo-L entidade referida a isto em W) enquanto na teoria (2): (2) (Para todo mundo W) (Para todo x em W) (x gua = x preenche a relao mesmo-L entidade referida como isto no mundo real W1) (Eu chamo diferena de escopo porque em (1) a entidade referida como isto est no interior do escopo de Para todo mundo W como a expresso em W deixa explcito, enquanto em (2) a entidade referida a isto significa a entidade referida a isto no mundo real, e tem assim a referncia independente da varivel ligada W). Kripke chama designador rgido (numa dada sentena) se (naquela sentena) se refere ao mesmo indivduo em todo mundo possvel no qual o designador designa. Se ns estendermos a noo de rigidez aos nomes de substncias, ento podemos expressar a teoria de Kripke e a minha dizendo que o termo "gua" rgido. A rigidez do termo "gua" segue do fato de que quando eu dou a definio ostensiva isto (liquido) gua eu pretendo (2) e no (1). Podemos tambm dizer, seguindo Kripke, que quando eu dou a definio ostensiva isto (liquido) gua, o demonstrativo isto rgido. Kripke foi o primeiro a observar que esta teoria do significado (ou do uso, ou do que seja) da palavra "gua" (bem como outros termos de espcies naturais) tem consequncias surpreendentes para a teoria da verdade necessria. Para explic-la, introduzimos a noo de uma relao atravs dos mundos. Uma relao binria R ser chamada atravs dos mundos quando compreendida de tal modo que sua extenso um conjunto de pares ordenados de indivduos que no esto no mesmo mundo possvel. Por exemplo, fcil compreender a relao mesmo peso que como uma relao

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atravs dos mundos: para compreender isto veja que, e.g., se x um indivduo no mundo W1 que tem 1,50 m de altura (no mundo W1) e y um indivduo no mundo W2 que tem 1,50 m de altura (no mundo W2), ento o par ordenado pertence extenso de mesma altura que. (Uma vez que um indivduo pode ter alturas diferentes em diferentes mundos possveis nos quais existe, estritamente falando no o par ordenado que constitui um elemento da extenso de mesma altura que, mas o par ordenado x-no-mundo-W1, y-no-mundo-W2). Similarmente, podemos entender a relao mesmo-L (mesmo liquido que) como uma relao atravs dos mundos compreendendo que o liquido no mundo W1, que tem a mesmas propriedades fsicas importantes (em W1) que o liquido em W2 possui (em W2), preenche a relao mesmo-L com respeito ao ltimo liquido Ento a teoria que temos apresentado pode ser resumida dizendo que a entidade x, num mundo possvel arbitrrio, gua se, e somente se, preenche a relao mesmo-L (construda como uma relao atravs dos mundos) com a matria-prima que ns chamamos "gua" no mundo real. Suponha, agora, que eu ainda no tenha descoberto quais so as propriedades fsicas importantes da gua (no mundo real) isto , eu ainda no sei que gua H 2O. Eu posso ter maneiras de reconhecer gua que so bem sucedidas (claro, posso fazer um pequeno nmero de erros que no serei capaz de detectar at um ltimo estgio em nosso desenvolvimento cientfico) mas no sei a microestrutura da gua. Se eu concordo que um liquido com as propriedades superficiais de gua mas com diferente microestrutura realmente no pode ser gua, ento minhas maneiras de reconhecer gua (minha definio operacional por assim dizer) no podem ser olhadas como uma especificao analtica de o que ser gua. Melhor, a definio operacional, como a definio ostensiva, simplesmente o modo de apontar um padro apontar a matria-prima no mundo real tal que para x ser gua, em qualquer mundo, x preenche a relao mesmo-L com os membros normais da classe de entidades locais que satisfazem a definio operacional. gua na Terra Gmea no gua, mesmo se satisfaz a definio operacional, porque no preenche a relao mesmo-L com a matria-prima local que satisfaz a definio operacional, e a matria-prima local que satisfaz a definio operacional, mas tem uma microestrutura diferente do resto da matria-prima local que satisfaz a definio operacional tambm no gua, porque no preenche a relao mesmo-L com os exemplos normais da gua local. Suponha, agora, que eu descubra a microestrutura da gua que gua H 2O. Neste momento estarei habilitado a dizer que a matria-prima na Terra Gmea que antes interpretei erradamente como gua no era realmente gua. Da mesma maneira, se voc descreve, no outro planeta no universo real, mas outro universo possvel na qual existe matria-prima com a frmula qumica XYZ que passa no teste operacional para gua, teremos que dizer que a matria-prima no gua, mas to somente XYZ. Voc no descreveu um mundo possvel no qual gua XYZ, mas to somente um mundo possvel no qual existem lagos de XYZ, pessoas bebendo XYZ (e no gua) ou o que quer que seja. De fato, uma vez que tenhamos descoberto a natureza da gua, nada conta como um mundo possvel no qual gua no tem aquela natureza. Uma vez que tenhamos descoberto que gua (no mundo real) H 2O, nada conta como um mundo possvel quando gua no H 2O. Em particular, se uma afirmao logicamente possvel aquela que vale em algum mundo logicamente possvel, no logicamente possvel que gua no seja H2O.

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Por outro lado, podemos perfeitamente imaginar ter experincias que poderiam convencer-nos de que (e que poderia ser racional acreditar que) gua no H2O. Neste caso, concebvel que gua no seja H2O. concebvel, mas no logicamente possvel. Ser concebvel no prova de possibilidade lgica. Kripke refere-se a sentenas que so racionalmente no revisveis (assumindo que existam) como epistemicamente necessrias. s sentenas que so verdadeiras em todos os mundos possveis ele simplesmente refere-se como necessrias (ou, algumas vezes, metafisicamente necessrias). Nesta terminologia, a questo pode ser estabelecida como segue: uma sentena pode ser (metafisicamente) necessria e epistemicamente contingente. A intuio humana no tem acesso privilegiado necessidade metafsica. Desde Kant houve uma grande diviso entre os filsofos que pensavam que todas as verdades necessrias eram analticas e filsofos que pensaram que algumas verdades necessrias eram sintticas a priori. Mas nenhum desses filsofos pensou que uma verdade (metafisicamente) necessria poderia deixar de ser a priori: a tradio kantiana foi to culpada quanto a tradio empirista em igualar necessidade metafsica e epistmica. Neste sentido, o desafio de Kripke doutrina recebida foi para alm da oscilao usual empirismo/kantismo. Entretanto, neste trabalho, nosso interesse a teoria do significado, no a teoria das verdades necessrias. Aproximaes relacionadas a Kripke foram feitas em termos da noo de indexicalidade9. Palavras como agora, isto, aqui, j h algum tempo foram reconhecidas como indexicais, ou espcime-reflexivas (token-reflexive) isto , tm uma extenso que varia de contexto a contexto ou de espcime a espcime. Para estas palavras ningum sugeriu a teoria tradicional de que intenso determina a extenso. Para tomar nosso exemplo da Terra Gmea: se tenho um Doppelgnger na Terra Gmea, ento quando penso eu tenho uma dor de cabea, ele pensa eu tenho uma dor de cabea. Mas a extenso do espcime particular eu no seu pensamento verbalizado ele mesmo (ou sua classe nica, para ser preciso), enquanto a extenso do espcime eu em meu pensamento verbalizado sou eu (ou minha classe nica, para ser preciso). Assim a mesma palavra eu tem duas diferentes extenses em dois diferentes idioletos, mas no se segue que o conceito que eu tenho de mim mesmo de qualquer modo diferente do conceito que meu Doppelgnger tem de si mesmo. Assim sendo, temos sustentado que a indexicalidade estende-se obviamente para alm das palavras indexicais e morfemas (e.g., os tempos dos verbos). Nossa teoria pode ser resumida dizendo que palavras, como "gua", tm um componente indexical no mencionado: "gua" a matria-prima que preenche uma relao determinada de similaridade gua aqui em volta. gua, em outro tempo e em outro lugar ou mesmo em outro mundo possvel, tem que preencher a relao mesmo-L para com nossa "gua" a fim de ser gua. Portanto, a teoria (1) de que palavras tm intenses que s vezes so conceitos associados com as palavras dos falantes; e (2) que intenso determina extenso, no pode ser verdadeira de palavras de espcies naturais como "gua" pela mesma razo que a teoria no pode ser verdadeira de palavras obviamente indexicais como eu. Entretanto, a teoria de que palavras de espcies naturais so indexicais, como "gua", deixa em aberto dizer que "gua" no dialeto da Terra Gmea tem o mesmo significado que "gua" no dialeto da Terra e uma extenso diferente (que o que normalmente dizemos sobre9

Estas aproximaes foram feitas em minhas conferncias de 1968 na University of Washington e University of Minnesota.

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eu em diferentes idioletos), e por isso mesmo desiste da doutrina de que significado (intenso) determina extenso; ou dizer, como escolhemos fazer, que diferena de extenso ipso facto uma diferena no significado de palavras de espcies naturais, e por isso mesmo desiste da doutrina de que significados so conceitos, ou, obviamente, entidades mentais de algum tipo. Todavia, para ser claro, a doutrina de Kripke de que palavras de espcies naturais so designadores rgidos e nossa doutrina de que so indexicais so duas maneiras de fazer a mesma coisa. Ns amavelmente endossamos o que Kripke disse quando escreveu:Suponhamos que fixamos a referncia de um nome por uma descrio. Mesmo se assim fazemos, no fazemos o nome sinnimo da descrio, mas, ao invs disso, usamos o nome rigidamente para referir ao objeto assim nomeado, ainda que falando em situaes contrafactuais, em que a coisa nomeada poderia no satisfazer a descrio em questo. Ora, aquilo que penso de fato verdadeiro para aqueles casos dos nomes em que a referncia fixada por descrio. Mas, de fato, tambm penso, contrariamente maioria dos recentes tericos, que a referncia de nomes raramente fixada, ou mesmo nunca fixada, por meio da descrio. E, por isso, eu realmente no entendo o que Searle diz: No uma descrio nica, mas antes um feixe, uma famlia de propriedades que fixa a referncia. Eu entendo que propriedades, neste sentido, nunca so usadas 10.

7. Sejamos realistas Desejo agora contrastar minha viso com uma que popular, pelo menos entre os estudantes (parece acontecer espontaneamente). Para esta discusso, tomemos como nosso exemplo uma palavra de espcie natural, a palavra ouro. Ns no faremos distino entre ouro e as palavras cognatas em grego, latim, etc. e focaremos ouro no sentido de ouro no estado slido. Com esta compreenso, sustentamos que: ouro no mudou em extenso (ou no modificou significativamente) em dois mil anos. Nossos mtodos de identificar ouro foram se desenvolvendo para mtodos incrivelmente sofisticados. Mas a extenso de crus no dialeto grego de Arquimedes a mesma extenso de ouro em meu dialeto de ingls. possvel (e suporemos ser o caso) que existiram peas de metal que no poderiam ter sido afirmadas no ser ouro antes de Arquimedes; assim existiram peas de metal que no poderiam ter sido afirmadas no ser ouro nos dias de Arquimedes, mas que podem ser distinguidas de ouro muito facilmente com tcnicas modernas. Seja X tal pea de metal. Naturalmente X no pertence extenso de ouro no ingls padro; minha viso que no pertencia extenso de crus na Grcia tica tambm, embora um grego antigo pudesse equivocar-se em tomar X por ouro (ou melhor, crus). A viso alternativa que ouro significa qualquer coisa que satisfaa a definio operacional contempornea de ouro. Ouro, uma centena de anos atrs, significou satisfazer a definio operacional de ouro em uso uma centena de anos atrs; ouro, agora, significa10

Veja Identity and Necessity de Kripke em M. Munitz, ed., Identity and Individuation (New York: New York University Press, 1972), p.157.

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satisfazer a definio operacional de ouro em uso em 1973; e crus significou satisfazer a definio operacional em uso de crus da poca. Um motivo comum para adotar este ponto de vista um determinado ceticismo sobre a verdade. Na viso que estou defendendo, quando Arquimedes afirmou que algo fosse ouro (crus) ele no estava apenas dizendo que tinha caractersticas superficiais de ouro (de fato, em casos excepcionais, algo pode pertencer a uma espcie natural e no ter as caractersticas superficiais de um membro daquele tipo natural); ele estava dizendo que tinha a mesma estrutura invisvel geral (a mesma essncia, assim dizendo) que qualquer pea de ouro local. Arquimedes poderia ter dito que nossa pea hipottica do metal X era ouro, mas ele poderia estar errado. Mas quem pode dizer que ele poderia estar errado? A resposta bvia : ns poderamos (usando a melhor teoria hoje disponvel). Para muitas pessoas ou a questo (quem diria?) chatice, e nossa resposta no chatice, ou nossa resposta chatice e a questo no chatice. Por qu isto? A razo, eu creio, que as pessoas tendem a ser ou fortemente antirrealistas ou fortemente realistas em suas intuies. Para uma intuio fortemente antirrealista faz pouco sentido dizer que o que est na extenso do termo crus de Arquimedes determinado usando nossa teoria. Pois o antirrealista no v nossa teoria e a teoria de Arquimedes como duas descries aproximadamente corretas do mesmo reino fixado de entidades independentes de teoria, e ele tende a ser ctico sobre a ideia de convergncia na cincia ele no pensa que nossa teoria uma descrio melhor das mesmas entidades que Arquimedes estava descrevendo. Mas se nossa teoria apenas nossa teoria, ento us-la para decidir que X est ou no na extenso de crus to arbitrrio como usar a teoria Neandertal para decidir que X est ou no na extenso de crus. A nica teoria que no arbitrria para usar aquela que o prprio falante subscreve. O problema que, para um antirrealista rigoroso, verdade no faz sentido exceto como uma noo intraterica11. O antirrealista pode usar a verdade intraterica no sentido de uma teoria redundante; mas ele no tem as noes de verdade e referncia disponveis extrateoricamente. Mas extenso est ligada noo de verdade. A extenso de um termo exatamente aquilo para o qual o termo verdadeiro. Melhor que tentar reter a noo de extenso atravs de um operacionalismo embaraoso, o antirrealista deveria rejeitar a noo de extenso, tal como ele faz com a noo de verdade (em qualquer sentido extraterico). Como Dewey, por exemplo, ele pode voltar noo de assertibilidade garantida no lugar de verdade (relativizada ao mtodo cientfico, se ele pensa existir um mtodo cientfico fixado, ou para o melhor mtodo disponvel no tempo, se ele concorda com Dewey que o mtodo cientfico desenvolve-se por si mesmo). Ento ele pode dizer que X ouro (crus) foi uma assero garantida no tempo de Arquimedes e no uma assero garantida hoje (de fato, esta a afirmao mnima, no sentido de que representa o mnimo em que o realista e o antirrealista podem concordar), mas a assero de que X estava na extenso de crus ser rejeitada como sem significado, assim como seria rejeitada a assero de que X ouro (crus) era verdadeira. bem conhecido que o operacionalismo ingnuo no pode dar conta, com sucesso, do uso real dos termos cientficos ou do senso comum. Verses relaxadas do operacionalismo,11

Para uma discusso desta questo, veja Explanation and Reference, em G. Pearce e P. Maynard, eds. Conceptual Change (Dordrecht: Reidel, 1973).

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como a verso de Carnap da teoria de Ramsey, se no do conta, concordam com o uso cientfico real (principalmente por causa das verses relaxadas do acordo com qualquer uso possvel!), mas s custas de fazer a comunicabilidade de resultados cientficos um milagre. Para alm disso, o fato que os cientistas usam termos como se os criteria associados no fossem condies necessrias e suficientes, mas aproximadamente caracterizaes corretas de algum mundo de entidades independentes da teoria, e falam como se as ltimas teorias na cincia madura fossem, em geral, melhores descries das mesmas entidades que nas antigas teorias. Em minha opinio, a hiptese de que isto correto a nica hiptese que pode responder pela comunicabilidade dos resultados cientficos, pelo fechamento de teorias cientficas aceitveis sob a lgica de primeira ordem, e por muitas outras caractersticas do mtodo cientfico12. Mas no minha tarefa argumentar isto aqui. Minha questo que, se ns estamos usando as noes de verdade e extenso de uma maneira extraterica (isto , olhando estas noes como definidas para sentenas bem assentadas na linguagem de outras teorias, mais do que na nossa prpria teoria), ento devemos aceitar a perspectiva realista s quais estas noes pertencem. A dvida acerca de se ns podemos dizer que X no est na extenso de ouro tal como Jonas o usou a mesma dvida que aquela de saber se faz sentido pensar a sentena de Jonas, X ouro, como verdadeira ou falsa (e no apenas assero garantida por Jonas e assero no garantida para ns). Enquadrar a noo de verdade, que essencialmente uma noo realista, com algum preconceito antirrealista adotando uma teoria indefensvel de significado no progredir. Um segundo motivo para adotar uma abordagem operacional extrema uma averso a hipteses no verificveis. primeira vista pode parecer como se estivssemos dizendo que X ouro (crus) fosse falso no tempo de Arquimedes embora Arquimedes no pudesse em princpio saber que fosse falso. Mas esta no exatamente a situao. O fato que existe uma quantidade de situaes que ns podemos descrever (usando a teoria verdadeira que nos diz que X no ouro) na qual X poderia ter-se comportado de modo muito diferente do resto da matria-prima classificada por Arquimedes como ouro. Talvez X pudesse ser separada em dois diferentes metais quando fundida, ou poderia ter diferentes propriedades de condutividade, ou poderia vaporizar-se numa temperatura diferente, ou o que quer que seja. Se ns tivssemos feito os experimentos com os olhos de Arquimedes, ele poderia no ter sabido a teoria, mas poderia ter sido capaz de checar a regularidade emprica de que X comporta-se diferentemente do resto da matria-prima classificada como crus em muitos aspectos. Eventualmente ele poderia ter concludo que X no podia ser ouro. A questo que mesmo se algo satisfaz os criteria usados para identificar ouro num determinado tempo (isto , reconhecer se algo ouro), poderia comportar-se diferentemente em uma ou mais situaes do resto da matria-prima que satisfaz os criteria. Estes no podem provar que algo no ouro, mas levantam a hiptese de que pode no ser ouro, mesmo na ausncia da teoria. Agora, se vamos informar para Arquimedes que ouro tem tais e tais estruturas moleculares (exceto para X), e que X comporta-se diferentemente porque tem uma estrutura molecular diferente, existe alguma dvida de que ele concordaria conosco de que X no era ouro? Em qualquer caso, parece-me ridculo preocupar-se por causa de coisas que podem ser verdadeiras (num dado tempo) e no podem ser verificadas (naquele tempo). Em qualquer viso razovel, seguramente existem coisas que so verdadeiras e no podem ser12

Para uma discusso brilhante de algumas dessas questes, veja de R. Boyd Realism and Scientific Epistemology (no publicado: cpia xerox distribuda pelo autor, Cornell Department of Philosophy).

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verificadas em qualquer tempo. Por exemplo, suponha que existam infinitas estrelas duplas. Deveramos ser capazes de verificar isto, mesmo em princpio?13 At agora lidamos com as razes metafsicas para rejeitar nossa abordagem. Mas algum poderia discordar de ns dos fatos empricos acerca das intenes dos falantes. Isto poderia ser o caso se, por exemplo, algum pensasse que Arquimedes (no Gedankenexperiment descrito acima) dissesse: no questo se X no age diferentemente de outras peas de ouro; X uma pea de ouro, porque X tem tais e tais propriedades e que so todas tomadas como ouro. De fato, enquanto no se determinar que palavras de espcies naturais na Grcia Antiga tm as propriedades das palavras correspondentes no ingls de hoje, no pode haver dvidas srias acerca das propriedades do ouro. Se colocarmos preconceitos filosficos parte, ento acredito que bem poderamos perfeitamente saber que nenhuma definio operacional proporciona uma condio necessria e suficiente para a aplicao de qualquer palavra. Podemos dar uma definio operacional, ou um feixe de propriedades, ou o que seja, mas a inteno nunca fazer o nome sinnimo da descrio. Melhor, ns usamos o nome rigidamente para nos referirmos a coisas que partilham a natureza que normalmente possuem as coisas que satisfazem a descrio. 8. Outros sentidos O que analisamos at agora o sentido predominante de palavras de espcies naturais (ou melhor, a extenso predominante). Mas palavras de espcies naturais possuem, normalmente, vrios sentidos. (Ziff j sugeriu que elas possuem um continuum de sentidos). Parte disto pode ser explicado com base na nossa teoria. Ser gua, por exemplo, preencher a relao mesmo-L com determinadas coisas. Mas o que a relao mesmo-L? X preenche a relao mesmo-L com y apenas nos casos em que (1) x e y so ambos lquidos, e (2) x e y concordam em propriedades fsicas importantes. O termo liquido , por si mesmo, um termo de espcie natural que no tentaremos analisar aqui. O termo propriedade um termo de largo espectro que analisamos em trabalhos anteriores. O que queremos enfocar agora a noo de ser importante. Ser importante uma noo de interesse relativo. Normalmente as propriedades importantes de um liquido ou slido, etc., so aquelas que so estruturalmente importantes: as que especificam do que o liquido ou slido, etc., feito, ao final das contas partculas elementares, ou hidrognio e oxignio, ou terra, ar, fogo, gua, ou o que seja e como eles esto arranjados ou combinados para produzir as caractersticas superficiais. Deste ponto de vista, as caractersticas de uma poro tpica de gua consistem de H2O. Mas pode ser importante falar que existam impurezas; assim, num contexto, gua pode significar gua quimicamente pura, enquanto noutro pode significar a matria prima do Lago Michigan. E um falante pode, s vezes, referir-se a XYZ como gua, se est usando-o como gua. De novo, normalmente importante que gua seja o estado13

Veja meu Logical Positivism and the Philosophy of Mind em P. Achinstein, ed., The Legacy of Logical Positivism (Baltimore: John Hopkins Press, 1969); e tambm meu Degree of Confirmation and Inductive Logic, em P. A. Schilpp, ed., The Philosophy of Rudolf Carnap (La Salle, IL: Open Court, 1962) e meu Probability and Confirmation (programa de rdio para a Srie Filosofia da Cincia da Voz da Amrica, Primavera, 1963); reimpresso em A. Danto e S. Morgenbesser, eds., Philosophy of Science Today (New York: Basic Books, 1967).

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lquido; mas algumas vezes isto no tem importncia, e algum pode referir-se a uma nica molcula de H2O como gua, ou gua a vapor como gua (gua no ar). Mesmo alguns sentidos que at agora deviam ser olhados como pouco desviantes, podem preencher a relao definida em um sentido preciso. Por exemplo, posso dizer voc viu os limes significando os limes de plstico. Um caso menos desviante esse: ns descobrimos tigres em Marte. Isto , eles se parecem com tigres, mas tm uma qumica baseada em silicone, no lugar de uma qumica baseada em carbono. (Um exemplo notvel de evoluo paralela!). So os tigres marcianos tigres? Depende do contexto. No caso desta teoria, como no caso de qualquer teoria que assimtrica maneira que as pessoas tm pensado previamente, incompreenses esto fadadas a aparecer. O que j apareceu o seguinte: um crtico tem sustentado que o sentido predominante de, digamos, limo aquele no qual alguma coisa com as caractersticas superficiais de limo (um nmero suficiente) limo. O mesmo crtico sugeriu que ter a estrutura invisvel o cdigo gentico de um limo necessrio para ser um limo somente quando limo usado como um termo da cincia. Ambas as contestaes parecem-me permanecer num malentendido, ou, talvez num par de mal-entendidos complementares. O sentido literal, no qual qualquer coisa com as caractersticas superficiais de um limo necessariamente um limo, longe de ser o caso dominante, extremamente desviante. Assim, algo poderia ser um limo se fosse visto como limo, com gosto de um limo, mesmo que tivesse uma qumica baseada em silicone, por exemplo, ou mesmo se um microscpio eletrnico revelasse ser uma mquina. (Mesmo se incluirmos o crescimento como um limo nas caractersticas superficiais, isso no exclui o limo siliconado, se existirem limoeiros em Marte. Nem mesmo exclui o limo-mquina; o limoeiro pode ser uma mquina tambm!). Ao mesmo tempo, o sentido no qual ser um limo tem algo a ver com o cdigo gentico de um limo, no o mesmo que o sentido tcnico, (se existe um, o que eu duvido). Eu tomo o sentido tcnico como se limo fosse sinnimo de uma descrio especificada do cdigo gentico. Mas quando ns dizemos (para mudar o exemplo) que algo para ser gua tem que ser H2O, ns no significamos, como j deixamos claro, que o falante deve saber disso. somente se confundirmos necessidade metafsica com necessidade epistmica que se pode concluir que as condies de verdade (metafisicamente necessrias) de ser gua ser H 2O, e ento "gua" deve ser sinnimo de H 2O neste caso certamente um termo de cincia. E similarmente, mesmo atravs do sentido predominante de limo, no qual para algo ser um limo tem que ter o cdigo gentico de limo (eu acredito), no se segue que limo sinnimo de uma descrio que especifica explicitamente o cdigo gentico ou qualquer outra coisa. A confuso de pensar que existe um sentido importante de limo (talvez o predominante), no qual ter as caractersticas superficiais de um limo , pelo menos, suficiente para ser um limo, mais plausvel se, entre as caractersticas superficiais, se inclui ter fertilizao cruzada com limes. Mas a caracterstica de ter fertilizao cruzada com limes pressupe a noo de ser um limo. Assim, mesmo se se puder obter uma condio suficiente desta forma, tomar isto como inconsistente com a caracterizao oferecida aqui cair num crculo vicioso. Alm disso, a caracterizao em termos de limo, pressupe caractersticas superficiais (como ser frtil no cruzamento com limes), no condies de verdade que poderiam habilitar-nos a decidir que objetos em outros mundos possveis (ou que

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objetos, um milho de anos atrs, ou que objetos um milho de anos-luz daqui) so limes. (Alm disso, no penso que esta caracterizao, que circular, seja correta, mesmo como condio suficiente. Eu penso que se poderiam inventar casos nos quais, algo que no fosse um limo, fosse frtil no cruzamento com limes e olhado como limo, etc.). Novamente, se pode tentar excluir o caso de limes-mquinas (mquinas-limes?) com crescimento em limoeiros-mquina (mquinas-limoeiro?) dizendo que crescer no realmente crescer. O que correto; mas correto porque crescer um verbo de espcies naturais, e precisamente o tipo de abordagem que ns temos apresentado se aplica a ele. Outro mal-entendido que poderia ser evitado o seguinte: tomar a abordagem que desenvolvemos como implicando que os membros da extenso de uma palavra de espcie natural necessariamente tm uma estrutura invisvel comum. Poder-se-ia apresentar pores de liquido que chamamos gua sem caractersticas fsicas comuns exceto as superficiais. Em tal caso, as condies necessrias e suficientes para ser gua poderiam ser a posse suficiente de muitas das caractersticas superficiais. Incidentemente, a ltima afirmao no implica que gua poderia falhar em ter uma estrutura invisvel (ou que gua poderia ter sido qualquer coisa exceto H 2O). Quando dizemos que poderia ser apresentada gua sem estrutura invisvel, o que queremos dizer que o liquido sem estrutura invisvel (isto , muitos diferentes tipos de lquidos, sem nada em comum exceto caractersticas superficiais) poderia ser olhado como gua, ter gosto de gua, e ter preenchido os lagos, etc. que so realmente cheios de gua. Para encurtar, poderamos ter estado na mesma situao epistemolgica com respeito a um liquido sem nenhuma estrutura invisvel por um certo tempo, como se o liquido fosse realmente gua. Compare isto com Kripke acerca da estante feita de gelo14. H, de fato, muitos desses casos. Por exemplo, algumas doenas tm apresentado no ter estrutura invisvel (a nica coisa que o paradigma dos casos tm em comum um feixe de sintomas), enquanto outras tm uma estrutura comum no sentido de uma etiologia (e.g. tuberculose). Algumas vezes, ainda no sabemos; existe uma controvrsia ainda pairando sobre o caso de esclerose mltipla. Um caso interessante o caso do jade. Embora os chineses no reconhecessem a diferena, o termo jade aplica-se a dois minerais: jadeta e nefrita. Quimicamente, existe uma notvel diferena. Jadeta uma combinao de sdio e alumnio. Nefrita feito de clcio, magnsio e ferro. Essas duas microestruturas muito diferentes produzem as mesmas qualidades de texturas nicas! Voltemos ao exemplo da Terra Gmea, por um momento; se H 2O e XYZ fossem abundantes na Terra, ento deveriam ser um caso similar a jadeta/nefrita: seria correto dizer que existem dois tipos diferentes de gua. No lugar de dizer a matria-prima na Terra Gmea apresentada no era realmente gua, deveramos dizer a matria prima na Terra Gmea apresentada era XYZ, um tipo de gua. Resumindo tudo: se existe uma estrutura invisvel, ento esta geralmente determina o que ser um membro da espcie natural, no apenas no mundo real, mas em todos os mundos possveis. Posto de outro modo, determina o que pode, ou no pode, ser contrafactual supor sobre a espcie natural (gua poderia ser inteiramente vapor? sim / gua poderia ser XYZ14

Veja Identity and Necessity de Kripke.

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no). Mas a gua local, ou o que seja, poder ter duas ou mais estruturas invisveis ou, ento, muitas estruturas invisveis torna-se irrelevante, e caractersticas superficiais tornam-se as decisivas. 9. Outras palavras At agora temos usado apenas palavras de espcies naturais como exemplo; mas as consideraes que temos feito aplicam-se tambm a muitos outros tipos de palavras. Aplica-se grande maioria dos nomes bem como a outras partes do discurso. Consideremos, por um momento, os nomes de artefatos palavras como lpis, cadeira, garrafa, etc. Na viso tradicional, estas palavras so certamente definidas por conjunes, ou possivelmente feixes, de propriedades. Qualquer coisa com todas as propriedades em conjuno (ou muitas propriedades suficientes no feixe, ou no modelo de feixe) necessariamente um lpis, cadeira, garrafa, ou o que seja. Alm disso, algumas das propriedades no feixe (no modelo de feixe) so usualmente asseveradas como necessrias (no modelo de conjuno de propriedades, todas as propriedades na conjuno so necessrias). Supostamente necessrio ser um artefato, bem como pertencer a um tipo com determinada finalidade padro e.g. lpis so artefatos e lpis devem ser usados na escrita so supostos ser necessrios. Finalmente este tipo de necessidade assevera ser uma necessidade epistmica de fato, analiticidade. Novamente nos engajemos na fico cientfica. Desta vez usaremos um exemplo imaginado por Rogers Albritton. Imagine que, algum dia, ns descobrimos que lpis so organismos. Ns os cortamos e os examinamos com um microscpio eletrnico e vemos no mximo o tracejado invisvel de nervos e outros rgos. Espionamo-los, e os vimos desovando, e vimos a prole crescer at chegar a lpis adultos. Descobrimos que esses organismos no esto imitando outros lpis (artificiais) no existem e nunca existiram quaisquer lpis, exceto tais organismos. O estranho, para sermos cuidadosos, que haja inscrio em muitos desses organismos e.g. registrado na Alfndega, DELUXE N 2, made in USA e talvez sejam organismos inteligentes, e esta sua forma de camuflagem. (Tambm temos que explicar porque ningum atentou para os lpis manufaturados, etc., mas isto claramente um mundo possvel, em algum sentido). Se isto concebvel, e eu concordo com Albritton que , ento epistemicamente possvel que lpis pudessem ser organismos. Segue-se que lpis so artefatos no epistemicamente necessrio no sentido mais forte e, a fortiori, no analtico. Entretanto, sejamos cuidadosos. Mostramos que existe um mundo possvel no qual lpis so organismos? Penso que no. O que mostramos que existe um mundo possvel no qual determinados organismos so a contraparte epistmica de lpis (a frase de Kripke). Para retornar ao instrumento da Terra Gmea: imagine desta vez que lpis na Terra so apenas o que pensamos que so, artefatos manufaturados para se escrever, enquanto lpis na Terra Gmea so organismos la Albritton. Imagine, alm disso, que isto totalmente insuspeito pelos terrqueos gmeos eles tm exatamente as mesmas crenas sobre lpis que temos. Quando descobrimos isso, no diramos: alguns lpis so organismos. Ns estaramos mais

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inclinados a dizer: as coisas na Terra Gmea que passam por lpis no so realmente lpis. Elas so realmente uma espcie de organismo. Suponha agora a situao como no exemplo de Albritton, tanto na Terra quanto na Terra Gmea. Ento poderamos dizer lpis so organismos. Assim, se os lpis-organismos na Terra Gmea (ou outro mundo possvel) so realmente lpis, ou no, uma funo de se os lpis locais so organismos ou no. Se os lpis locais so apenas o que ns pensamos que so, ento um mundo possvel no qual existem lpis-organismos no um mundo possvel no qual lpis so organismos; no existem mundos possveis nos quais lpis so organismos nesse caso (que , claro, o real). Que lpis so artefatos necessrio no sentido de verdadeiro em todos os mundos possveis metafisicamente necessrio. Mas no se segue que epistemicamente necessrio. Segue-se que lpis no sinnimo de qualquer descrio nem mesmo vagamente sinnimo de uma descrio vaga. Quando usamos a palavra lpis, pretendemos referir ao que quer que tenha a mesma natureza dos exemplos normais de lpis locais no mundo real. Lpis apenas um indexical como "gua" ou ouro. De um certo modo, o caso dos lpis tornando-se organismos complementar ao caso discutido alguns anos antes15 de gatos que se tornam robs (remotamente controlados de Marte). Em Katz (a aparecer) 16, Katz argumenta que ns descrevemos mal este caso: que o caso poderia ser melhor explicado como ocorre que no existem gatos neste mundo. Katz admite que ns devemos dizer Gatos no eram animais, mas robs, mas ele argumenta que esta uma sentena semanticamente desviante que glosada como as coisas que eu referia como gatos no eram animais, mas robs. A teoria de Katz , entretanto, m lingustica Antes de tudo, a explicao de como podemos dizer Gatos so robs simplesmente uma explicao proposta de como podemos dizer qualquer coisa. Mais importante, a teoria de Katz prediz que Gatos so robs desviante, enquanto No existem gatos no mundo no desviante no caso descrito, mas o fato padro. Ento, eu no nego que existe um caso em que No existem (e nunca existiram) quaisquer gatos no mundo seria o padro: ns devemos (falando epistemicamente) descobrir que estamos sofrendo de uma alucinao coletiva. (Gatos so como elefantes cor de rosa). Mas no caso que descrevi, Gatos vm a ser robs remotamente controlados de Marte certamente no desviante, e No existem gatos no mundo altamente desviante. Incidentemente, a abordagem de Katz no apenas m lingustica; tambm ruim como reconstruo racional. A razo pela qual no uso gato como sinnimo de uma descrio certamente que conhecemos o bastante sobre gatos para saber que eles no tm uma estrutura invisvel, e uma boa metodologia cientfica usar o nome para referir rigidamente a coisas que possuem aquela estrutura misteriosa e no para o que acontece satisfazer uma descrio. Naturalmente, se sabamos a estrutura invisvel, poderamos moldar uma descrio em termos desta; mas no deste modo. Neste sentido, o uso de palavras de espcies naturais reflete um importante fato sobre nossa relao com o mundo: saber que existem tipos de coisas com uma estrutura invisvel comum, mas no temos ainda conhecimento para descrever todas essas estruturas invisveis.15 16

Veja meu It Aint Necessarily So, Journal of Philosophy 59 (1962), p. 658-671. J. J. Katz, Logic and Language: An Examination of Recent Criticism of Intensionalism [em K. Gunderson, ed., Language, Mind and Knowledge, Minnesota Studies in Philosophy of Science, VII (Minneapolis: University of Minnesota Press, 1975)].

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A viso de Katz, entretanto, tem mais plausibilidade no caso de lpis do que no caso de gatos. Pensamos conhecer uma condio necessria e suficiente para ser um lpis, embora uma condio vaga. Assim possvel fazer lpis sinnimo de uma descrio vaga. Ns devemos dizer, no caso de lpis so organismos ou lpis devem ser organismos ou no existem lpis no mundo isto , devemos usar lpis ou como uma palavra de espcie natural ou como uma palavra de critrio-nico17. De outro lado, devemos duvidar que existam quaisquer palavras de critrio-nico de verdade na linguagem natural, fora de contextos estipulativos. No poderia ocorrer que pediatras no sejam doutores, mas espies marcianos? Responda sim e voc abandonou a sinonmia de pediatra e doutor especializado em cuidar de crianas. Parece que h uma forte tendncia para palavras que so introduzidas como palavras de critrio-nico para desenvolver um sentido de espcie natural, com toda a concomitncia de rigidez e indexicalidade. No caso de nomes de artefatos, o sentido de espcies naturais parece ser predominante. (H uma piada sobre um paciente prestes a sair de um asilo para doentes mentais. Os doutores fizeram perguntas por algum tempo e ele tinha dado as respostas de um pessoa com perfeita sade mental. Os mdicos decidem dar alta e ao fim da entrevista um dos mdicos pergunta casualmente, o que voc deseja ser quando sair? Um bule de ch. A piada no seria inteligvel se fosse literalmente inconcebvel que uma pessoa pudesse ser um bule). H, entretanto, palavras que retm um carter puro de no mximo um critrio. So as palavras cujo significado deriva de uma transformao: caador = pessoa que caa. No apenas a abordagem dada aqui se aplica para muitos nomes, mas se aplica para outras partes do discurso. Verbos como crescer, adjetivos como vermelho, todos tm caractersticas indexicais. Por outro lado, algumas palavras sincategoremticas parecem ter mais de um critrio. Todo, por exemplo, pode ser explicado assim: O exrcito cercou a cidade pode ser verdadeiro mesmo se a diviso A no tomou parte no cerco. Todo o exrcito cercou a cidade significa que cada parte do exrcito (de tipo relevante, e.g. a diviso A) tomou parte na ao indicada pelo verbo18. 10. Significado Vejamos agora o que dissemos a respeito da noo de significado. At agora temos visto que a extenso de um termo no fixada pelo conceito que o falante individual tem em sua cabea, e isto verdadeiro porque a extenso , em geral, fixada socialmente h uma diviso do trabalho lingustico bem como uma diviso do trabalho real e porque a extenso , em parte, determinada indexicalmente. A extenso de nossos termos depende da natureza real das coisas particulares que servem de paradigma19, e sua natureza real no , em geral, completamente conhecida do falante. A teoria semntica tradicional deixa de fora exatamente17

A ideia de palavra de critrio-nico, e a teoria de analiticidade baseada nesta noo, apareceu em meu The Analytic and the Synthetic em H. Feigl e G. Maxwell, eds., Minnesota Studies in the Philosophy of Science, vol.3 (Minneapolis: University of Minnesota Press, 1962). 18 Este exemplo veio de uma anlise de Anthony Kroch (em sua tese de doutorado no MIT, 1974, Departamento de Lingustica).

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duas contribuies para a determinao da extenso a contribuio da sociedade e a contribuio do mundo real! Ns vimos, no incio, que o significado no pode ser identificado com extenso. Contudo no pode ser identificado com intenso, se intenso um conceito do falante individual. O que devemos fazer? Existem dois caminhos plausveis que poderamos tomar. Um caminho seria reter a identificao de significado com conceito e pagar o preo de abandonar a ideia de que significados determinam a extenso. Se segussemos esse caminho, poderamos dizer que gua tem o mesmo significado na Terra e na Terra Gmea, mas diferentes extenses. (No apenas uma extenso local diferente, mas uma extenso diferente global. O XYZ na Terra Gmea no a extenso dos espcimes de gua que eu profiro, mas est na extenso dos espcimes de "gua" que meu Doppelgnger profere, e isto no apenas porque a Terra Gmea est longe de mim, mas uma vez que as molculas de H2O esto na extenso dos espcimes de gua que profiro no importa quo longe de mim eles estejam no espao e no tempo. Tambm, o que eu posso contrafactualmente supor ser gua diferente do que meu Doppelgnger pode contrafactualmente supor ser gua). Enquanto este o caminho correto a seguir para uma palavra absolutamente indexical como eu, parece incorreto para as palavras que temos discutido. Considere olmo e faia, por exemplo. Se estas so comutadas na Terra Gmea, ento seguramente no poderamos dizer que olmo tem o mesmo significado na Terra e na Terra Gmea, mesmo se o esteretipo de uma faia (ou de um olmo como ele chama) de meu Doppelgnger idntico ao meu esteretipo de um olmo. Melhor, deveramos dizer que olmo em meu idioleto Doppelgnger significa faia. Por esta razo, parece prefervel tomar um caminho diferente e identificar significado com um par ordenado (ou possivelmente uma n-upla ordenada) de entidades, uma das quais a extenso. (Os outros componentes do vetor significado, por assim dizer, sero especificados mais tarde). Fazendo isto, fica trivialmente verdadeiro que significado determina a extenso (isto , diferenas em extenso so ipso facto diferenas em significado), mas se abandona totalmente a ideia de que se existe uma diferena no significado que meu Doppelgnger e eu atribumos a uma palavra, ento deve existir alguma diferena em nossos conceitos (ou em nossos estados psicolgicos). Seguindo este caminho, podemos dizer que meu Doppelgnger e eu significamos coisas diferentes quando dizemos olmo, mas isto no uma assero sobre nossos estados psicolgicos. O que tudo isto significa que os espcimes da palavra que ele profere tm uma extenso diferente dos espcimes da palavra que eu profiro; mas estas diferenas em extenso no so reflexos de qualquer diferena em nossas competncias lingusticas individuais, consideradas em isolado. Se isto correto, e penso que , ento o problema tradicional do significado divide-se em dois problemas. O primeiro problema dar conta da determinao da extenso. Uma vez que, em muitos casos, a extenso determinada socialmente e no individualmente, devido diviso do trabalho lingustico, acredito que este problema , propriamente, um problema da sociolingustica Resolv-lo envolve explicitar, em detalhes, exatamente como a diviso do trabalho lingustico funciona. A chamada teoria causal da referncia, introduzida por Kripke para nomes prprios e estendida por ns para palavras de espcies naturais e termos de19

Eu no tenho em mente a noo esvoaante de paradigma no qual qualquer paradigma de um K necessariamente um K (na realidade).

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magnitude fsica20, tema desta rea. Dado que, em muitos contextos, atribumos para os espcimes de um nome que eu profiro qualquer referente que atribumos aos espcimes do mesmo nome proferido por uma pessoa a partir de quem eu adquiri os nomes (assim que a referncia transmitida do falante aos falantes, comeando dos falantes que estiveram presentes na cerimnia de nomeao, ainda que nenhuma descrio fixada seja transmitida) este simplesmente um caso especial de cooperao social na determinao da referncia. O outro problema descrever a competncia individual. A extenso pode ser determinada socialmente, em muitos casos, mas ns no atribumos a extenso padro aos espcimes de uma palavra W proferida por Jones sem importar como Jones usa W. Jones precisa ter algumas ideias particulares e habilidades em conexo com W a fim de tomar parte na diviso do trabalho lingustico Uma vez que desistimos da ideia de que competncia lingustica tem de ser to forte para realmente determinar a extenso, devemos comear o estudo numa moldura nova da mente. Em conexo com isto, instrutivo observar que nomes como tigre ou gua so muito diferentes de nomes prprios. Algum pode usar o nome prprio Sanders corretamente sem conhecer nada sobre o referente, exceto que se chama Sanders e que pode mesmo no ser correto. (Era uma vez, h muito tempo atrs, numa Sexta-feira, o Ursinho Pooh vivia numa floresta sozinho sob o nome de Sanders). Mas no se pode usar a palavra tigre corretamente, salvo per accidens, sem saber um bom nmero de coisas sobre tigres, ou pelo menos sobre determinada concepo de tigre. Neste sentido, conceitos tm algo a ver com o significado. Como o estudo do primeiro problema propriamente um tpico da sociolingustica, o estudo do segundo problema propriamente um tpico da psicolingustica Agora ns tomamos este tpico. 11. Esteretipos e comunicao Suponha que um falante sabe que tigre tem um conjunto de objetos fsicos em sua extenso, mas no mais. Se ele possui competncia lingustica normal com respeito a outros temas, ento poderia usar tigre em algumas sentenas: por exemplo, os tigres tm massa, os tigres ocupam espao, d-me um tigre, aquilo um tigre?, etc. Alm disso, a extenso socialmente determinada de tigre nestas sentenas seria a padro, isto , o conjunto dos tigres. Ainda assim no poderamos contar tal falante como conhecendo o significado da palavra tigre. Por qu no? Antes de atentar para a resposta, reformulemos um pouco a questo. Ns falaramos de algum como tendo adquirido a palavra tigre se ela fosse hbil a us-la de tal maneira que (1) seu uso passa desapercebido (isto , pessoas no dizem dela coisas como ela no sabe o que um tigre, ela no sabe o significado da palavra tigre, etc.); e (2) seu modo geral de estar situado no mundo e na sua comunidade lingustica tal que a extenso socialmente determinada da palavra tigre em seu idioleto o conjunto dos tigres. A