Publicaçoes Desertos Verdes

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Cíntia Pereira Barenho FOTO ADRIANO BECKER A mulher e os impactos gerados com a expansão das monoculturas de eucalipto sobre o Pampa gaúcho Amigos da Terra/Brasil apresentam:

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A mulher e os impactos gerados com a expansão das monoculturas de eucalipto sobre o Pampa gaúcho Cíntia Pereira Barenho FOTO ADRIANO BECKER

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Cíntia Pereira Barenho

FOTO ADRIANO BECKER

A mulher e os impactos gerados com a expansão dasmonoculturas de eucalipto sobre o Pampa gaúcho

Amigos da Terra/Brasilapresentam:

Realização: Núcleo Amigos da Terra/BrasilApoio: FOEI e WRMCoordenação-Geral: Cíntia Pereira BarenhoCoordenação-Adjunta: Maria da Conceição CarrionColaboração: Elizabeth Díaz e Eliege FanteRevisão de texto: Nely BlauthAgradecimentos: Lucia Ortiz, Cláudia Prates, Flavia Luce Maisonave, Lucilaine dosSantos Oliveira, Lucio Macedo e Felipe Amaral. Também às entidades NAT, WRM,MMC, MST, MPA, MNLM, MMM.Agradecimentos especiais: a todas as mulheres que contribuíram com suashistórias de vida e resistência contra o avanço das monoculturas de eucalipto sobreo Pampa gaúcho.

O estudo de caso – Pampagaúcho – foi desenvolvido para oprojeto “A Função da União Européiano desempoderamento dasmulheres no Sul através daconversão de ecossistemas locaisem plantações de árvores”,coordenado pelo Movimento Mundialpelas Florestas Tropicais (WRM), oFriends of the Earth (FoEI) ForestProgramme e o FoEI GenderProgramme.

O Núcleo Amigos da Terra/Brasil(NAT/BRASIL) foi selecionado pararealização do estudo, com mulheresatingidas pelas plantações deárvores em grande escala no Brasil,especificamente no Rio Grande doSul.

Após contatos com movimentossociais do campo e da cidade, comoo Movimento dos TrabalhadoresRurais Sem Terra (MST), oMovimento de PequenosAgricultores (MPA), o Movimento deMulheres Camponesas (MMC)ligados à Via Campesina, além do

APRESENTAÇÃOMovimento Ambientalistas Gaúcho(MEG) e da Marcha Mundial deMulheres (MMM), entre outros, foipromovido um encontro de doisdias, em Porto Alegre/RS, com asmulheres atingidas pelasplantações. Além disso, foi precisoir a campo para realização deentrevistas com outras mulherestambém impactadas pelo avanço dasilvicultura no RS. As mulheresparticipantes residem nas seguintescidades: Piratini, Herval, RioGrande, São José do Norte,Encruzilhada do Sul, Barra doRibeiro, Santana do Livramento,Porto Alegre e Hulha Negra.

Os depoimentos e vivênciasdessas mulheres auxiliarão nodesenvolvimento de ferramentaspara campanhas diversas em nívelnacional, estadual e internacional,bem como, servirão como subsídiopara a luta dos movimentos sociaise ambientalistas contra o avanço dasilvicultura e dos megaprojetos defábricas de celulose no Rio Grandedo Sul.

Estamos no Pampa gaúcho, Sul doBrasil, no estado do Rio Grande doSul (RS), limítrofe com outros doispaíses pampeanos: Uruguai eArgentina.

Devido um conjunto de fatores,incluindo os seus vastos prados1, aregião vem sofrendo uma ofensiva detrês grandes empresas do setor dacelulose e papel2 – Aracruz, Votorantine Stora Enso - que viram nestescampos grande conveniência emexpandir suas monoculturas deárvores exóticas, bem como suasatividades ligadas à produção dacelulose e papel.

Desde meados de 2003 o poderpúblico do RS e os meios decomunicação local evidenciam eaplaudem os mega-projetos decelulose e papel vislumbrados para aregião, mega-projetos estesanunciados como a solução para odesenvolvimento local, princi-palmente, na “problemática” metadeSul, região estagnada econo-micamente, na qual a atividadepecuária está em declínio e possuigrandes latifúndios.

É importante lembrar que em 1980houve uma tentativa frustrada deinstalação de uma fábrica de celulosee papel no município do Rio Grande.Foram plantados muitos hectares depinus e eucaliptos em vastas áreasda região, até mesmo na EstaçãoEcológica do Taim e no Parque Nacionalda Lagoa do Peixe. Mesmo com o “fatoconsumado” a comunidade local,incluindo universidades, entidadesecológicas e, até mesmo, o poderpúblico local foram categoricamentecontrários ao projeto, projeto este,que de certa forma ficou “adormecido”a espera de outra oportunidade.

A oportunidade surgiu nos doisúltimos mandatos do governo do

INTRODUÇÃOEstado do RS, porém se consolidouefetivamente na gestão da atualgovernadora Yeda Crusius. A cúpulado poder público estadual assumiu osinvestimentos do setor da celulose epapel como projeto de governo e vemincentivando de diferentes formas aconsolidação deste setor no RS. Estasformas de incentivo incluem linhas definanciamento público e até mesmo aflexibilização e o descumprimento dalegislação ambiental (por exemplo,excluindo ou postergando o uso deEstudo Prévio de Impacto Ambientalem empreendimento de florestamentoou reflorestamento para finsempresariais com menos de 1000hectares). Os licenciamentos am-bientais dos plantios de eucaliptosestão sendo liberados de formaprecária, descumprindo regras e sema conclusão do ZoneamentoAmbiental para atividade de Sil-vicultura no Estado do Rio Grande doSul (ZAS), proposto pelo próprioGoverno estadual. Além disso,segundo uma das técnicas de órgãoambiental, tem ocorrido fre-quentemente situações deperseguição aos servidores que têmatuado visando o cumprimento dalegislação ambiental e não ocumprimento das decisões impostaspela cúpula da SEMA/FEPAM. Tal fatovem sendo denunciado siste-maticamente pelo SEMAPI 3, osindicato local, que representa acategoria.

Estas três empresas de celulose epapel - Aracruz, Votorantim (VCP) eStora Enso - dividiram o Pampa gaúcho(Figura 1), em função principalmenteda infra-estrutura logística, em trêsterritórios para a instalação de seusmega-projetos. É importante ressaltarque a Aracruz é formada por umconjunto de empresas: a norueguesaLorenz detém 28%; outros 28% sãodo Banco Safra, 28% da Votorantin e

Figura 1: Onde estão as “florestas”.Fonte: Jornal Zero Hora de novembro de 2008.

12,5% do BNDES (Banco Nacional deDesenvolvimento Econômico e Social).A VCP, além de deter ações da Aracruz(que iria ser comprada pela VCP em2008)4, também é “joint-venture” comoutras empresas como o grupo Suzanoe Ripasa. Já a Stora Enso é umaempresa de capital sueco-finlandês etambém é uma “joint-venture” daAracruz na Bahia, com a empresaVeracel5.

Estima-se que estas empresasinvistam cerca de US$ 3 bilhões naprodução de celulose e papel noEstado do Rio Grande do Sul.Atualmente o RS tem uma área demais de 500 mil hectares6 demonoculturas de árvores exóticas e

segundo projeções deverá ter cercade um milhão de hectares deplantações de pinus, eucalipto e acáciae investimentos da ordem de R$ 6,1bilhões até 2015. Além dosinvestimentos ditos como “florestais”(leia-se monoculturas de árvoresexóticas) as empresas pretendeminstalar três fábricas de celulose noRS. Segundo consta, a Stora Ensopretendia instalar uma unidade deprodução de celulose na fronteira-oeste do RS em sete anos. Já a Aracruzpretendia quadruplicar sua fábrica jáinstalada em Guaíba. E, finalmente,a VCP pretendia instalar uma fábricade celulose branqueada na metade suldo Estado, possivelmente em RioGrande ou Arroio Grande.

É importante destacar que a atualcrise mundial do modelo neoliberal daeconomia e seus efeitos sobre ademanda de celulose, fez com quetodas as empresas suspendessemseus investimentos no Estado. Alémdisso, especulação cambial feita pelaAracruz (que fez operações comderivativos para proteção contra adesvalorização do dólar nos últimosanos no Brasil), já acumulou perdasde mais US$ 2 bilhões em 2008.Inclusive tal especulação, provocoudemissões no RS. Igualmente a VCPjá anunciou a demissão de 118trabalhadores no sul do Estado, quesegundo a empresa a decisão émotivada pela postergação do projetoLosango7. E, além de taiscircunstâncias, a Stora Enso queadquiriu terras de forma irregular nafaixa de fronteira8 teve o pedidorejeitado pela procuradoria do INCRA(Instituto Nacional de Colonização eReforma Agrária), porém vemtentando modificar a legislaçãobrasileira para poder regularizar suasituação.Em suma, a situaçãoenfrentada pelo RS não parece muito

diferente dos demais países doConesul, onde as empresas decelulose e papel pregam as“promessas douradas dos desertosverdes” 9, que mesmo já virandodemissões e incertezas, seguemconquistando governantes e políticosem geral, seduzindo os meios decomunicação e não prestando asdevidas informações à população localsobre as implicações que a expansãoda monocultura de árvores exóticaspode causar no ambiente como umtodo.

Sendo assim, as mobilizações eresistências das entidades ecológicas,sindicatos e movimentos sociaisgaúchos vêm ampliando e ganhandoespaço em diversos municípios doEstado. Muito dessa resistência temsido protagonizada por mulheresgaúchas, que têm rompido o silêncioe denunciado o modelo degradante,irresponsável e inescrupuloso doagronegócio ligado a silvicultura. Sãoos relatos de algumas dessasmulheres que apresentaremos nesteestudo de caso do Pampa gaúcho.

O estudo de caso envolveu vintee quatro mulheres do campo e dacidade. São elas:

§ Quatro mulheresambientalistas de Porto Alegre;

§ Uma estudante do Programa dePós-Graduação em DesenvolvimentoRural (PPGDR) da UFRGS/PortoAlegre;

§ Uma feminista da MarchaMundial das Mulheres;

§ Seis trabalhadoras rurais(assentadas) ligadas ao Movimentodos Trabalhadores Rurais Sem Terra(MST)residentes emPiratini,Herval, HulhaNegra eSantana doLivramento;

§ Umatrabalhadorarural doMovimento deMulheresCamponesas(MMC);

§ Umapescadoraligada aoMovimentoNacional deLuta pelaMoradia(MNLM) residente em Rio Grande;

§ Uma proprietária de sítiocercado pelos plantios deeucaliptos;

§ Uma técnica de órgãoambiental estadual;

§ Duas mulheres pescadoras euma ambientalista de São José doNorte;

PARTICIPANTES DO ESTUDO DE CASO§ Três gerações de mulheres

(avó, mãe e filha) trabalhadorasrurais de Encruzilhada do Sul;

§ Uma mulher trabalhadora deviveiro de mudas de eucalipto daAracruz em Barra do Ribeiro;

§ Mãe e filha trabalhadoras ruraisda comunidade da Palma em RioGrande.

No entanto apenas dezoitomulheres relataram como osimpactos da expansão dasmonoculturas de eucaliptos estãoafetando efetivamente suas vidas.

Faixaetária dasparticipantese desdequandomoram naregiãoafetada:

A maioriadasparticipantestem idadeentre 29 e40 anos,sendo quealgumas jáestavam nafaixa etáriados 50 e 60anos deidade.

Quanto ao tempo que moram naárea afetada, aquelas que residemhá menos tempo, vivem no localentre 5 e 6 anos; outras residemdesde sempre por lá, refletindo,portanto, a sua idade. Em geral amaioria vive há mais de 10 anos nolocal.

A maioria das mulheres contouque, em geral, os impactos atingemtanto homens quanto mulheres, masmesmo assim já é possível identificarsituações específicas em que asmulheres são as mais afetadas.

Um dos impactos relatados sobre adestruição do patrimônio cultural localdá conta que, em Herval as casasantigas, com cercas de pedras(construídas no período daescravatura), localizadas em terrascompradas por uma das empresas decelulose e papel, foram todasdemolidas. Mesmo que a construçãoremeta a momentos lastimáveis dahistória gaúcha, isso evidencia quetais empresas não estão preocupadasem manter o patrimônio histórico ouqualquer conjunto arquitetônico queremeta a identidade cultural local. Acultura local está sendo destruída eapagada da memória. Perde-se oapego e a identidade, afirmou atrabalhadora Rural de Herval:

as empresas compram edestroem. (...) No interior dePedras Altas tinha casaslindíssimas, cercas construídaspelos escravos, várias delas.(...) Da época tal, batalha tal,coronel tal. (...) Paredes evidros desenhados. (...) Lá nãotem telha, era uma arquiteturadiferenciada porque o vento émuito forte. Muitos queacreditavam notradicionalismo aderiram ànova cultura imposta pelasempresas (Trabalhadora Ruralde Herval)

Ainda sobre o assunto, a trabalhadoracontou que os latifundiários locais -defensores do tradicionalismo gaúcho- atualmente ignoraram tais opiniões edefendem ferrenhamente as empresasde celulose e papel. No município de

Herval, o Sindicato Rural (formadoprincipalmente por proprietários deterra) apóia a iniciativa dessasempresas. Situação que, em geral,acontece em todo o Estado do RS.

Também tem ocorrido das empresasde celulose e papel como a Aracruz ea VCP comprarem terras compagamento à vista e de forma maisrápida do que o INCRA. Além disso,há proprietários de terra que serecusam a vender as mesmas para oINCRA. Tanto em Piratini, como emHerval, foi relatado que as terras quevaliam cerca de R$ 500,00 o hectare,atualmente valem cerca de R$4.000,00 o hectare. Também emEncruzilhada do Sul foi contado portrês mulheres que a oferta pelas suasterras, feita por uma das empresas,não é condizente com o preço real daterra.

eles descontam do tamanhoda terra as pedras, as árvores(...) A opção que tu tem é ficarno meio deles (TrabalhadoraRural de Encruzilhada do Sul).

As mulheres disseram que se nãovenderem a terra para a empresa, nãohaverá mais ninguém interessadodevido ao alto preço que estácustando a terra.

Como se pode visualizar aespeculação sobre o preço das terras,tem impedido a compra das terrastanto por pequenos agricultores,quanto pelo INCRA (que tem um tetomáximo para pagar pelas terrasdestinadas à reforma agrária). Areforma agrária no Pampa gaúcho estáengessada devido a estas grandesaquisições de terra por parte das trêsempresas de celulose e papel.

O relato feito pela trabalhadorarural de Hulha Negra chama a atenção

O IMPACTO GERAL DAS PLANTAÇÕES

para a juventude rural. Ela contou que,na região dos municípios de Aceguá eCandiota, há produção de leite nosassentamentos o que fornece rendaàs famílias, mas que o retornofinanceiro é pequeno. A juventuderural também está a todo o momentosendo influenciada pelos meios decomunicação de massa, que dita que“é preciso ter para ser...” e quandovão à cidade também querem ter ascoisas que a juventude urbana possui.

eles vêem na mídia que temque ter um tênis, um celular.Eles pensam que se forem paraa cidade, vão conseguir istotudo trabalhando deempregado. Então, largam olote, o pai, a produção leiteirae vão. De empregado, odinheiro vem rápido, mas nãoé tanto. É uma ilusão. Lá elescompram macacão, botas,tudo, e o salário fica pequeno.Teria que haver pessoas paraconscientizar os jovens sobreesta realidade (TrabalhadoraRural de Hulha Negra).

Para uma das mulheres deEncruzilhada do Sul, os jovens estãopreferindo trabalhar para as empresasa trabalhar no campo com a família.

Outra situação relatada foi sobrea manutenção das estradas rurais.A trabalhadora rural de Hulha Negracontou que quando estava grávidaera preciso percorrer 30 km a cavalopara chegar ao posto médico maispróximo. As estradas não permitiame ainda não permitem ser percorridaspor veículo automotor. O poderpúblico municipal se omite em fazermelhorias, pois atribui ao Estado, aresponsabilidade sobre a mesma.Nesse sentido, ponderou atrabalhadora rural de Herval que láo INCRA fez estrada devido aoassentamento rural, mas queatualmente empresas de celulose e

papel estão utilizando as estradassem fazer qualquer t ipo demanutenção. São os assentados queestão tendo que lidar com o péssimoestado das estradas. Diferentementeem Encruzilhada do Sul, devido àausência do Estado, as benfeitoriasnas estradas têm sido feitas pelaempresa o que gera certa simpatiapelos moradores da zona rural.

Ainda sobre as estradas rurais, nacomunidade da Palma, em RioGrande, estas também estãoprecárias. Mãe e filha contaram queo tráfego de máquinas pesadas eônibus inviabil izaram o uso daestrada. Elas disseram que quandochove fica impossível passar até apé. Foi preciso que elas procurassemo poder públ ico local, pois osencarregados da empresa disseramque não fariam mais reparos naestrada.

O impacto vivenciado pelacomunidade da Barra Nova, em RioGrande, evidencia que aproblemática não está ocorrendosomente no meio rural. A comunidadelocaliza-se em área de expansão doSuper Porto de Rio Grande onde sepretende instalar o Terminal deexportação da celulose e madeira.Na comunidade vivem 200 famílias,sendo que cerca de 90% dosmoradores e moradoras trabalha naprópria comunidade (p.ex. naatividade pesqueira). Além dosimpactos ambientais, inerentes àsconstruções portuárias, tal terminaltambém impedirá o acesso aosrecursos pesqueiros, principal formade sustento da comunidade. E mais,as casas dos moradores serãoretiradas e reassentadas em outrolocal (que poderá ser próximo ao localonde vivem, mas não há certezaquanto ao local), sendo que cadafamília deverá pagar pela nova casaalocada (cerca de 5% sobre o saláriomínimo).

a gente vive da nossacomunidade, não precisamossair de lá. (...) As pessoas queestão concordando em sair sãoas que moram em barracos, nãotem mais condições demoradia, e estão com aesperança de conseguir umacasinha melhor. Mas a maioria,que pagamos a nossa casa etemos tudo direitinho, nãoqueremos nos mudar. (...) Agente não sabe o que vai serfeito, não tem projeto(Pescadora de Rio Grande).

O poder público executivo e judiciáriolocal está apoiando prioritariamente aexpansão do Super Porto e construçãodo Terminal de exportação de celulosee madeira. Para a pescadora de RioGrande, devido ao nível dealfabetização local ser muito baixo, aspessoas da comunidade não têm muitaclareza da situação, poucos são os queestão se mobilizando contrariamente.Muitos não estão cientes que paraserem reassentados é preciso pagarpelas casas e outros moradorespresumem que receberão uma casa demelhor qualidade que as suas atuaismoradias.

Entretanto, segundo Relatório daMissão de investigação do direito àmoradia Rio Grande (ANEXO 1),desenvolvido pela plataforma DhescaBrasil10, um dos conjuntoshabitacionais já construído parafamílias de baixa renda , no qual estásendo utilizado como “modelo”, possuiproblemas críticos quanto ahabitabilidade das casas e a infra-estrutura do bairro. No relatóriotambém são apontados outrasproblemáticas referente à remoção dasfamílias, são identificadas violações doDireito Humano à moradia adequadae terra urbana, bem como, sãoapontadas recomendações aosdiversos atores locais envolvidos noprocesso.

Também em Rio Grande existemplantios de eucalipto na comunidadeda Palma. Uma única família resisteentre os plantios, que circundam osquatro lados de sua propriedade.Inclusive o acesso à propriedadeprecisou ser negociado com a empresade celulose e papel. Tal condição temtrazido sérias conseqüências àfamília, principalmente para aatividade econômica exercida pelamesma.

Sobre a situação dos plantios, astrabalhadoras rurais relataram queexistem lavouras de eucalipto comapenas 10m de distância dosassentamentos. Uma trabalhadorarural de Santana do Livramento contouque, como mora na fronteira com oUruguai, já não há mais limite visíveisentre as fronteiras. Os plantios emRivera e em Livramento não cumprema distância exigida pela Lei Federalsobre a faixa de fronteira. Neste localnão é possível identificar onde é olimite do Brasil e onde é o do Uruguai.Além disso, há muito receio de queos plantios do lado uruguaio e do ladobrasileiro circundem totalmente oassentamento onde vivem.

Situação semelhante foi relatadapela proprietária de sítio, onde osplantios de eucalipto estãodesrespeitando o limite de suapropriedade, pois estavam a menosde 20 metros da divisa. Foi precisomover ação judicial para que a VCPafastasse os plantios de suaresidência, em 100 metros. Ela jáganhou em primeira instância. Aempresa está obrigada judicialmentea afastar o plantio e caso não o façadeverá pagar multa diária de R$ 2 mil,mas a empresa já recorreu da decisãojudicial.

Também foi relatado que em SãoJosé do Norte estão sendo feitasdiversas formas de coagir osmoradores das áreas rurais, como por

exemplo, maciço de eucaliptos feitopróximo a pomar de uma família quese recusa a vender a terra, ou ainda,impedindo que famílias acessem aágua que passa por terra compradapara os plantios. Outra situação quetem coagido os trabalhadores etrabalhadoras rurais é o aumento daocorrência de assaltos às residências,relatados tanto em Encruzilhada doSul, como em Piratini.

Referente aos impactos sobre osrecursos naturais, várias situações foramrelatadas como a de plantios deeucaliptos sobre banhados, sangas(córregos) e espécies vegetais

protegidas por Lei (p.ex. figueiras), oque é um descumprimento total dalegislação ambiental; relatos deintoxicação e contaminação através deagroquímicos; escassez de água nosaçudes; dificuldade em encontrar plantasmedicinais; mortandade de abelhas eoutros animais. Em Encruzilhada do Sulos plantios que cumprem minimamenteas regras são nas terras com famíliaspróximas. Nos demais locais “plantameucalipto até em cima de banhado”,afirmou uma das mulheres. Também foirelatado que lá algumas áreas úmidas eaté mesmo arroios já não existem mais.Situação corroborada pela maioria dasoutras mulheres.

As participantes do estudorelataram que na maioria das vezes,mesmo que homem e mulhertrabalhem fora-de-casa, são asmulheres que assumem as tarefasdomésticas ao retornar para casa,exercendo assim uma jornada detrabalho dupla, até mesmo jornadastriplas.

A chegada das monoculturas deeucalipto tem preconizado a divisãosexual do trabalho, pois em suamaioria são contratados os homenspara o desenvolvimento dasatividades referentes à silvicultura.Essa situação só é um poucodiferenciada em Barra do Ribeiro, ondea maioria dos trabalhadores no viveirode mudas são mulheres.

Na maioria dos casos, ainda nãohouve mudanças expressivas nasrelações de poder entre os homens eas mulheres dentro das comunidadese famílias.

IMPACTO DAS PLANTAÇÕES SOBRE A DIVISÃOSEXUAL DO TRABALHO E AS RELAÇÕES DE GÊNERO

NAS COMUNIDADES LOCAISTambém sobre a estrutura de

tomada de decisões dentro dasfamílias e a comunidade num todo,não houve mudanças evidentes. Atomada de decisão se mantémpatriarcal em muitas famílias. Sobretal circunstância uma pescadora deRio Grande recordou sua infância emSão José do Norte, onde seu paitrabalhava na plantação de pinus eque os demais integrantes da família(inclusive ela) cuidavam da roça eanimais. Mas a estrutura de decisãofamiliar se mantinha com o homem,seu pai. Já na comunidade, se mantéma tomada de decisão relacionada aoshomens que detêm o poder político efinanceiro. Como as compras de terratêm aumentado o desemprego e oabandono do campo, uma situaçãoque pode vir a ocorrer, é o fato dasmulheres das famílias rurais, aochegarem à cidade, na maioria dasvezes, conseguirem apenas trabalhocomo domésticas nas casas dasfamílias urbanas.

A maioria contou que tem sidonecessário o uso mais intenso deadubos nas lavouras/roças familiares.A trabalhadora rural de Santana doLivramento lembra que nestes 11anos em que vive no local nunca haviasido tão necessário o emprego deadubos na terra. Em São José do Nortetambém foi relatada a perda daprodutividade da terra, em especialpara produção de cebola.

não precisava trabalharmuito a terra, colocar adubo,e hoje tem que colocar se não,não colhe nada. Se plantavaarroz porque tinha umas lagoaspequenas, açudes, onde opessoal largava as vacas deleite para tomarem água. (...)Se tem dificuldade para plantarbatata doce e mandioca, antesse tinha de um ano para ooutro, agora não tem mais(Trabalhadora de Herval).

Sendo assim, a maioria dasmulheres evidenciou o quanto aprodutividade da terra vem decaindoem diferentes regiões. Por isso,alertam que a massificação dosplantios de eucaliptos intensificará aperda da produtividade da terra.

O uso da terra para produção dealimentos, criação de animais de cortee produção de leite também diminuiudrasticamente na maioria das regiões.Segundo uma trabalhadora rural deHerval, devido a pouca produção emsua região, a demanda local não émais suprida. Já é preciso trazer deoutras regiões, o que acabaencarecendo o custo de vida.

A condição de sobrevivência para afamília da Palma está cada vez maiscomplicada.

IMPACTO DAS PLANTAÇÕES SOBRE AS CONDIÇÕESSOCIAIS E A SOBREVIVÊNCIA DIÁRIA

depois que a Votorantin veiopra cá, nós só tivemosprejuízo. (Trabalhadora Ruralde Rio Grande)

Elas contaram que a produçãoleiteira familiar está ficando cada vezmais inviabilizada. Como o re-colhimento da produção não estásendo feito mais próximo a pro-priedade é preciso carregar o leite atédeterminado local. Além disso, acondição da estrada impede, muitasvezes, o tráfego do caminhão do leitefazendo com que estrague a produçãode leite.

Já tivemos que colocar muitoleite fora. (Trabalhadora Ruralde Rio Grande)

Ao mesmo tempo, como são osúnicos produtores de leite querestaram na região, há receios de queo recolhimento de leite seja suspensoem breve.

Outra situação que vem ocorrendoem diversas regiões, principalmentenos municípios da fronteira oeste, é aescassez de água. Em tais regiõesacentua-se a falta de água e escassezde chuvas. Uma das trabalhadorasrurais falou que o poço artesiano dafamília, não fornece água emquantidade suficiente. Muitas vezesnem com a utilização de bombas épossível obter-se água. Em São Josédo Norte também foi relatado que aágua não tem a mesma qualidade deépocas passadas e que em poucoslugares ela tem aparecido. Além disso,foi relatado que uma determinadalagoa, que mesmo em períodos deseca mantinha suas águas,atualmente esta quase não existe emfunção dos maciços de pinus que temem toda a sua volta.

Também foi ressaltado que muitasfamílias ao venderem suas terras paraas empresas de celulose e papel forammorar nas cidades. Atualmenteenfrentam condições difíceis desobrevivência diária, pois muitastinham baixa escolaridade o quedificulta arranjarem bom emprego.Além disso, precisam morar de aluguele não podem mais ter horta parasubsistência familiar.

aumenta a pobreza nascidades porque estas pessoasque vendem as suas terras vãopara as periferias. E vão paraa cidade fazer o quê?(Trabalhadora Rural deEncruzilhada do Sul)

Ainda foram relatados casos, comoo da proprietária rural, onde oseucaliptos plantados próximos a suapropriedade, têm causado umabarreira contra o vento, impedindo acirculação de ar. Ela acredita que dois

animais morreram devido às moscasque permanecem na propriedade,porque há pouco vento.

A trabalhadora rural de Piratiniressaltou que, atualmente, asCaturritas11 (Myiopsitta monachus) jáestão afetando as plantações demilho local e ela acredita que haveráuma maior invasão destes pássarosquando os maciços de eucaliptostomarem conta da paisagem.Igualmente em Encruzilhada do Sul,foi ressaltado que os poucosprodutores rurais que ainda plantammilho, padecem em função do ataquedas Caturritas. Isso tem feito com quemuitos desistam de plantar milho

Além disso, a trabalhadora rural deHerval advertiu sobre os Javalis12 (Susscrofa) que já têm uma reproduçãodescontrolada no RS, podem se valerdas monoculturas de eucalipto comoesconderijo e abrigo, dificultandoainda mais seu controle.

Mesmo que não tenham sidoevidenciadas mudanças expressivasnas práticas religiosas, a maioria dasmulheres contou sobre situações queestão se extinguindo como as capelase cemitérios nas propriedades.Inclusive a trabalhadora rural deSantana do Livramento contou queem Rivera já aconteceu de umcemitério ser cercado por eucaliptos,mas por “respeito” o mesmo foipoupado.

MUDANÇAS NAS PRÁTICAS RELIGIOSASDAS COMUNIDADES

Em Encruzilhada do Sul algumasescolas rurais fecharam, em funçãodo êxodo, tornando indisponíveis oslugares para realização de missas,uma vez que não há igrejas locais.

Ainda sobre as práticas religiosas,as mulheres disseram que asempresas de celulose e papel têmpatrocinado diversas festividadesreligiosas, de forma a conquistarmaior simpatia para com a população.

As mulheres pesquisadas contaramdiferentes situações relacionadas àsaúde da comunidade, das famílias emesmo dos animais, que até entãonão ocorriam com freqüência.Portanto, elas estão relacionando osmesmos a recente expansão dasmonoculturas de eucaliptos.

o adubo é fortíssimo e tema quantidade de veneno queeles usam. A gente não sabe,mas fica pensando (...) Temcasos de alergia, bronquite,desarranjo, sem contar que, naépoca em que eles passam oveneno, o ar é irrespirável. Naépoca do corte o cheiro é forte,é horrível. Teve até aborto eminício de gestação(Trabalhadora Rural dePiratini).

Apenas em São José do Norte foirelacionado o aumento do uso dedrogas em grupos de trabalhadoresdos pinus e eucaliptos.

Quanto aos impactos vinculados aouso de agroquímicos a proprietáriade sítio contou que a família decaseiros foi contaminada pelo uso deagroquímicos nos plantios deeucalipto. O filho do casal foi para ohospital devido à intoxicação, porém,os médicos não atestaram que opaciente apresentou sintomas deintoxicação por agroquímicos. Para osmédicos, em geral, vômitos, enjôo,diarréia, dor de cabeça e tonturas sãosintomas de viroses, como porexemplo, o “Rotavirus”. Para a maioriadas mulheres rurais já se poderelacionar a ocorrência dessa virose àépoca de emissão de agroquímicos noseucaliptos.

Em Encruzilhada do Sul as mulheresrelataram que já houve casos depessoas terem dor-de-barriga, após

ingestão de água de córrego quepassa entre os plantios de eucalipto.

No combate das formigas é utilizadoum tipo de gás fosforado. Segundo atrabalhadora rural de Herval naocorrência de poucas formigas, essegás já é utilizado. Além disso, tal gásjá tem feito com que muitos moradoresde áreas próximas precisassemprocurar auxílio médico na cidade,devido aos sintomas de enjôos, dorde cabeça e tonturas.

Também já ocorre a utilização deagroquímicos para combate dos cupins(insetos da Ordem Isoptera), queprocuram as casas das famíliaspróximas aos plantios, deslocando oproblema para as comunidades.

Ainda foram relatados casos ondeos animais têm nascido comproblemas de má formação, comalterações que não são comuns como,por exemplo, terneiros que nasceramcom ânus fechado e cordeiro comproblemas nas patas. Do mesmomodo, algumas mulheres mostrarampreocupação com a água utilizada nadessedentação dos animais, emespecial as vacas leiteiras, pois estaspodem contaminar seu leite.

Igualmente foram relatados casosde morte de animais nativos/silvestres possivelmente devido acontaminação pelos agroquímicosutilizados nas lavouras de eucalipto.

IMPACTO DAS PLANTAÇÕES SOBRE A SAÚDE

E por fim, algumas mulherescontaram que os casos de criançascom problemas de alergias e deaprendizagem têm aumentado emsuas comunidades. Para elas já há umaumento no número de casos debronquite, alergias, diarréias.

Quanto aos impactos vinculados àscondições de trabalho algumas

mulheres falaram que ostrabalhadores dos eucaliptosalimentam-se e descansam muitopróximo aos plantios, ficando muitomais suscetíveis aos agroquímicosutilizados nos plantios. A trabalhadorarural de Encruzilhada do Sul relatou ocaso de homens que, trabalhando naaplicação de agroquímicos sofreramintoxicação e foram substituídos poroutros saudáveis. Além disso, odescanso desses trabalhadores émínimo, pois saem de suas residênciaspor volta das 5 horas da manhã e sóretornam à noite.

Outra situação comentada foi otrabalho desenvolvido na extração daresina do Pinus Elliottis em São Josédo Norte, pela empresa Flopal. A resinaé um tipo de látex que para serextraída é necessário utilizar umaespécie de ácido, que cheira muitoforte e, além disso, tal resina grudana pele. Já foi freqüente o fato de ostrabalhadores não possuíremequipamento de segurançaapropriado, situação que favorecia daresina grudar-se na pele. Depois demuitas denúncias anônimas foramconquistados equipamentos desegurança. Mesmo assim, o uso doácido faz com que os equipamentosnão durem muito e a retirada do látexda pele (que muitos utilizam óleo decozinha) fazem machucados equeimaduras. Inclusive, já existemsuspeitas de câncer de pele que sãonegadas pela empresa. Além disso, otrabalho é remunerado a partir daprodução diária individual, situaçãoque leva a uma sobrecarga de trabalhodiário, principalmente das mulheres.

Situação parecida foi relatada pelatrabalhadora rural de Encruzilhada doSul, onde a empresa Tanac13,responsável pela retirada de resinaem monoculturas de Acácia Negra(Acacia mearnsii), já foi denunciadainúmeras vezes, e recentemente, por

manter trabalhadores em situação detrabalho escravo.

As condições de trabalho relatadaspela trabalhadora de Barra do Ribeiroevidenciaram a exploração do trabalhofeminino desenvolvida pela empresaAracruz e sua terceirizada local. Amaioria das mulheres que trabalhamnos viveiros de mudas de eucaliptotem problemas de tendinite, causandolesão por esforço repetitivo (LER/DORT). Além da LER, essa mulherdesenvolveu uma grave doença depele no rosto, em função do “vapor”do eucalipto (ela desconhece se foiexposta a algum produto químico notrabalho). Essa alergia fez delavulnerável ao trabalho (no qual sedemitiu) ou a qualquer trabalho queseja necessária longa exposição aosol ou forte luminosidade. A empresapouco ajudou no tratamento médico.

Sobre os impactos vinculados ànutrição a maioria relacionou talsituação à escassez de terrasplantadas com alimentos, bem comoa perda da produtividade das terrasvizinhas as monoculturas deeucaliptos. Além disso, uma situaçãointeressante relatada foi sobre osanimais silvestres. Estes podemutilizar plantas medicinais quandoprecisam se tratar de algumaenfermidade, porém com o avanço dasmonoculturas de eucalipto tal situaçãofica comprometida.

Por fim, quanto aos impactosvinculadas à disponibilidade de águalimpa e ao estado do ar foramrelatados casos de intoxicação pelaágua e ar, em localidades próximas àHulha Negra. A disponibilidade deágua limpa também tem se reduzido.Inclusive algumas mulheres, como asde Encruzilhada do Sul, relataram quehá famílias sendo impedidas aoacesso à água, pois esta foibloqueada em propriedade comprada

por uma das empresas. A maioria dastrabalhadoras rurais relatou apresença de odor muito forte emdecorrência do uso de agroquímicosnos plantios de eucaliptos. Atrabalhadora rural de Hulha Negra

ALTERAÇÕES NAS PRÁTICASTRADICIONAIS DAS COMUNIDADES

A alteração mais visível comentada por todas asmulheres foi a questão das plantas medicinais do Pampa.

A tradição de coleta da erva medicinal Macela14

(Achyrocline satureioides) no RS já está sendoprejudicada com o avanço dos plantios de eucaliptos

sobre os campos. Outras plantas medicinais também irãoser afetadas com o avanço dos eucaliptos sobre o campo,

como a Espinheira-santa e a Coronilla.

relatou que isso possa ser responsávelpelo aumento do número de casos deaborto espontâneo. O mesmo fatotambém é comentado em São José doNorte sobre as mulheres que extraema resina do Pinus.

Eucaliptos em Santa Cruz do SulFoto: Cintia Barenho

As oportunidades de trabalho sãomajoritariamente oferecidas aoshomens. Em geral, as poucasoportunidades abertas às mulheresreforçam o papel que a sociedadecapitalista (que tem uma perspectivamachista, racista e homofóbica) atribuiàs mulheres, serviços ditos comoinferiores e que são menos visíveis,como de cozinheiras, faxineiras. Noentanto, em Barra do Ribeiro, amaioria dos contratos de trabalho, noviveiro de mudas de eucalipto, édestinada às mulheres.

As plantações fornecemoportunidades precárias detrabalho e que nem sempre éoferecido aos trabalhadores dacomunidade local. A maioria dostrabalhadores vem de outrosmunicípios. Em Herval são poucos dacomunidade que trabalham naplantação. E em Santana doLivramento a maioria dos tra-balhadores vem do município deCacequi, distante 189 km. Para asmulheres, se a empresa não estácontratando ninguém de lá, não estáajudando ao desenvolvimento localcomo costumam propagandear.

Geralmente o serviço oferecido aostrabalhadores está voltado ao plantiodos eucaliptos e a manutenção domesmo, por meio de aplicação deagroquímicos.

Outra situação relatada foi emrelação ao órgão público estadual, aEMATER (Associação Riograndense deEmpreendimentos de AssistênciaTécnica e Extensão Rural) que proferiamaravilhas acerca da PoupançaFlorestal 15, como poderiam enriquecerse aderissem ao mesmo. A empresa(neste caso a VCP) junto a órgãospúblicos estaduais convidou pessoasde diferentes cidades/localidades paraconhecerem o programa em atividade

AS OPORTUNIDADES DE TRABALHO(com todas as despesas pagas poreles) na cidade de Pelotas. Fizeramverdadeiras “excursões” parapromover a Poupança Florestal.

Também foi ressaltado que taisempresas recebem grandes incentivospúblicos/governamentais para suainstalação, enquanto que o pequenoprodutor não consegue acessarminimamente as linhas de créditosrurais. Quando consegue além de terque apresentar uma série dedocumentos para acessar o crédito,os juros altíssimos.

Já no caso do Terminal portuário dacelulose e madeira, como acomunidade local não tem qualificaçãoexigida, estão trazendo trabalhadoresde outras regiões.

Uma importante ponderação foifeita pela aluna de pós-graduação, queestas empresas de celulose e papelestão se especializando em fornecertrabalho e não empregos. Trabalho équalquer atividade executada,remunerada ou não; já o emprego éum tipo de trabalho remunerado, devínculo permanente e formal, prestadoa uma organização ou pessoa. Naslavouras de eucalipto só há trabalhoenquanto há plantios para seremfeitos. No momento que este éfinalizado, mínimas atividadesrestam, não havendo mais ne-cessidade de tantos trabalhadores.

Quanto aos contratados homens,geralmente, precisam comprar todosos seus equipamentos de trabalho (atémesmo de segurança) com pagamentoá vista, ou seja, já começam seutrabalho endividando-se. Na maioriados casos são empresas terceirizadasque contratam estes trabalhadores(não há vínculo empregatício diretocom as empresas de celulose e papel),

sendo que os contratos são precáriose sem garantia de renovação.

A trabalhadora rural de Piratinicontou que a Delegacia Regional doTrabalho, já averiguou casos detrabalho escravo em Piratini e PinheiroMachado. Na fazenda haviatrabalhadores do Ceará, os quaisrecebiam cerca de R$ 100,00 mensais.Já a trabalhadora rural de Hulha Negrarelatou casos de pessoas que nãoquiseram ir acampar com o MST eforam trabalhar nas lavouras deeucalipto. Lá todos os equipamentosnecessários para o plantio doeucalipto foram descontados nomomento da assinatura do contrato.

A pescadora de Rio Grande lembrouque em São José do Norte, quandoseu pai trabalhou na plantação dePinus, foi somente por três anos, poisa empresa do contrato “desapareceu”.Depois de certo período, surgiuempresa para extração da resina doPinus e, novamente, as ofertas detrabalho foram para os homens.

Em São José do Norte atualmenteo trabalho nos pinus tem empregadotanto homens quanto mulheres, masde forma diferenciada. Quanto osplantios chegaram, o trabalho eraexclusivamente voltado para oshomens. Depois se iniciou um ciclode extração da resina e atualmenteda extração da madeira para serrariasonde o trabalho passou a ser misto(extração de resina pelas mulheres ealguns homens; e extração da madeiramajoritariamente pelos homens). Aspescadoras contaram que quando aplantação de pinus começou, uns 20anos atrás, os valores pagos aostrabalhadores eram muito inferioresaos prometidos e incompatíveis como salário mínimo. Quando haviacontratos, estes eram precários e atéocorreram casos de trabalhopraticamente escravo, pois otrabalhador se endividava ao iniciar o

trabalho (p.ex. ao comprar do patrãoos equipamentos do trabalho). Hojehá um mínimo de garantiastrabalhistas, porém o trabalhocontinua precário.

A situação de trabalho das mulheresé bem diferente. Os trabalhosrealizados por mulheres para asempresas de celulose e papel sãopraticamente inexpressivos. Atrabalhadora rural de Herval contouque lá, apenas uma mulher trabalha,mas como cozinheira. Ela que fornecea alimentação aos “peões” queplantam os eucaliptos. Ela cozinha ealguém leva até os trabalhadores. EmHulha Negra também há uma mulhertrabalhando como cozinheira para ostrabalhadores das lavouras deeucaliptos. Ao mesmo tempo, comojá abordado, a maior parte do trabalhonos viveiros de mudas de eucalipto,em Barra do Ribeiro, é desenvolvidopor mulheres.

Um caso grave relatado foi emEncruzilhada do Sul: já houve casosde mulheres recebendo rancho decomida em troca da sua força detrabalho nos plantios de eucalipto.

Igualmente grave é o trabalhodesenvolvido pelas mulheres em SãoJosé do Norte. Lá, trabalhadorasmesmo tendo a carteira de trabalhoassinada e salário fixo têm metasdiárias de produtividade a seremcumpridas para serem remuneradas.Neste caso, os salários entre homense mulheres são desiguais, pois aprodutividade diária de homens (tantona extração de resina como naextração da madeira) é superior a dasmulheres. Muitas vezes as mulheressaem de casa na segunda-feira paraextração da resina, retornando apenasna sexta-feira. Também foi relatadopelas pescadoras, casos onde asmulheres acompanham seus maridosna extração da madeira. Elascozinham e dependendo do trabalho

do marido, ajudam fazendo ospetrechos para extração da resina.

Já em Barra do Ribeiro a situaçãorelatada por uma trabalhadora,evidenciou a precariedade do trabalhooferecido às mulheres. A maioria écontratada temporariamente (45dias), não possuindo nenhumagarantia de efetivação ou perspectivasde crescimento profissional. A carteirade trabalho nem sempre é assinada(situação que andou mudando depoisdo anúncio de ampliação da fábricade celulose em Guaíba), ou seja, nãohá um mínimo de garantiastrabalhistas. Inclusive, segundo relatoda trabalhadora, o serviço é intenso,havendo, de certa forma, exploraçãodo trabalho realizado pelas mulheres.Além disso, não há creche da empresaterceirizada para as mães deixaremseus filhos e nem transporte dos/dastrabalhadoras (a maioria utilizabicicleta, tanto para deixar os filhosna creche, quanto para chegarem aotrabalho).

A partir dos casos relatados não hádúvidas que os homens são os quetêm maior acesso aos trabalhoscriados pelas companhias. Ao mesmotempo, há uma grande perda de outrasoportunidades de trabalho em geral.

Estes novos trabalhos nãocompensam a perda de fontes detrabalho anteriores, como no caso jáfalado sobre os assentamentos (estesquase não têm sido mais criadosnestas regiões). Para todas asmulheres são assentamentos quegeram emprego e renda para acomunidade local.:

são os assentamentos quemovimentam as cidades. É areforma agrária que movimentao local! (Trabalhadora rural dePiratini).

O impacto econômico gerado noestabelecimento de um assentamentorural é muito maior do que destasempresas de celulose e papel. Asfamílias assentadas irão comprar nosestabelecimentos comerciais dacidade seu primeiro chinelo, porco,lona, arame, ou seja, todas as coisasque precisam para iniciar sua vidacomo assentada. As empresas decelulose e papel além de teremincentivos fiscais, pouco investemsuas divisas na comunidade local.Algumas mulheres contaram que nemmesmo os trâmites burocráticos(p.ex.cartório) da compra de terrastêm sido feitos no município.

Em Encruzilhada do Sul muitasfamílias venderam suas terras devidoa ofertas tentadoras e foram morarna cidade. Fato curioso é que taisfamílias criaram um vilarejo chamadoCampos Verdes, onde atualmente amaioria destes moradores estátrabalhando nos plantios de eucalipto.

Também foi relatada situaçãoparecida em Candiota, onde famíliastambém abandonaram seus lotes paratrabalharem nos plantios de eucalipto.Além disso, foi relatado pelatrabalhadora rural de Hulha Negra quealguns assentados rurais foramtrabalhar nos plantios de eucalipto eque essa atitude foi questionada pelosdemais assentados. Tal ques-tionamento fez com que os mesmosnão mais fossem trabalhar nosplantios. Porém tal desistênciaresultou num endividamento destes,pois já haviam assinado os contratosde plantios.

Outra situação relacionada à perdade oportunidades de trabalho é a dasfamílias da comunidade Barra Novaem Rio Grande. A retirada de 200famílias vai gerar perda de trabalho erenda, pois a grande maioria gera seusustento na própria comunidade (cercade 90% dos moradores trabalha no

próprio bairro, além de um grandenúmero de pessoas de outrascomunidades, segundo a pescadora deRio Grande). O local previsto para oreassentamento da comunidadeapenas permitirá a construção deresidência, logo não haverá galpõespara beneficiamento do pescado. Alémdisso, nesse local o mar é maisagitado podendo deteriorar e inutilizaros botes e barcos de pesca. Apescadora de Rio Grande disse quenão há dados precisos de quantosempregos seriam gerados pelaconstrução do Terminal portuário paraexportação da celulose e madeira.

Também em São José do Norte,além das famílias rurais, muitasfamílias pescadoras largaram suasatividades tradicionais paratrabalharem nas plantações de pinus.

E ainda na Palma, a compra massivade terras estimulou às famílias avenderem suas propriedades e iremtentar a vida na cidade. “Quanta genteque saiu que dependia daqui”,constatou uma das mulheres.

Por fim, também foi relatada a perdade empregos em função do uso demaquinário na colheita do eucalipto.

A migração que tem ocorrido éaquela conhecida por pendular16. Emgeral os trabalhadores são urbanos,sendo que muitos já viveram no campoe atualmente sobrevivem nas cidades.Ainda não ocorrem migrações“definitivas”.

Em Santana do Livramento amaioria dos trabalhadores vem domunicípio de Cacequi e são poucos deSantana do Livramento que trabalhamnos plantio. Na comunidade da Palmaos trabalhadores são de outras regiões(Pinheiro Machado e Capão do Leão),sendo que todos os dias cerca de trêsônibus com trabalhadores chegampela manhã e partem ao final doexpediente.

A MIGRAÇÃO EM DECORRÊNCIA DAS PLANTAÇÕESJá em São José do Norte acontece

dos trabalhadores e trabalhadorasausentarem-se por uma semana desuas residências para irem trabalharnas plantações de pinus.

Além disso, poucos são os relatossobre as mulheres estarem assumindoa função de chefes de família, devidoà migração dos homens para asregiões de plantio. Foi relatado o casode homens que estão saindo paratrabalharem nos plantios, enquantoque as mulheres ficam tomando contados lotes, dos animais, das hortas.Sendo assim, o homem não conseguemais ajudar a mulher nas lidas docampo/roça, ficando a mesmasobrecarregada.

Residência abandonada em Santa Cruz do Sul após expansão dos eucaliptaisFoto Cíntia Barenho

Sobre violência, foi relatado pelaproprietária rural que sua prima tevea casa assaltada, coincidentementedepois que se negou a vender suasterras (pois não aceitou a propostafinanceira) para uma das empresas decelulose e papel. Após o assalto elase sentiu coagida, com medo eresolveu vender suas terras. Tambémem Encruzilhada do Sul, umaresidência cercada pelos eucaliptos foiassaltada. A família ficou com receiode permanecer por lá e mudou-se paraa casa dos pais da esposa. Para umadas mulheres entrevistadas, além dapresença de homens desconhecidos,também as estradas têm facilitado osroubos (devido a alguns me-lhoramentos feitos nelas).

Já sobre violência contra a mulherfoi relatado que, a chegada detrabalhadores dos eucaliptos temincitado formas de assédio sexual17,atitudes machistas e sexistas.

a Aracruz geralmente nãocontrata funcionário domunicípio, então, os que vêmde fora mexem com as

A VIOLÊNCIA EM DECORRÊNCIA DASPLANTAÇÕES

mulheres, não se tem caso deabuso, mas de assédio sexualsim, ficam chamando asmulheres de ‘gostosas’,inclusive no interior, quando asmulheres vão fazercaminhadas, isso acontececotidianamente (TrabalhadoraRural de Encruzilhada do Sul).

Esta forma de migração pendularque ocorre, cria uma situação favorável(comunidade “desconhecida”, famílianão está presente) a tais fatos.

As mulheres contaram que apresença destes trabalhadoresdesconhecidos promove medo einsegurança por parte das mulheres esuas famílias. Anteriormente, seocorresse qualquer eventualidade erapossível contatar algum empregadoda estância/propriedade, porém agoradevido aos maciços de eucaliptos,dificilmente encontra-se alguém quepossa ajudar/socorrer.

Acerca da prostituição as mulheresrelataram que não há casosconhecidos.

As comunidades, bem como asmulheres, ainda não tem im-plementado estratégias de so-brevivência específicas, devido aosimpactos das plantações ainda seremmuito recentes.

Quanto à função específica dasmulheres no desenvolvimento eimplementação das estratégias deresistência foi dito que a luta dasmulheres é uma luta diária. É precisoum trabalho contínuo sobre taisquestões, mostrando e incentivandoas outras famílias a participarem dasdiscussões. Éum processoque precisaser construídojunto àsfamílias.

Quanto àses t ra tég iasde resistênciacontra asplantações asmulheres doMST contaramque sempreconvidam asfamílias as-sentadas a participar de debatessobre a expansão das monoculturasde eucalipto. E sempre que sãoconvidados para alguma reunião e/oudebate colocam em pauta a discussãosobre a celulose e papel no Pampa.

Algumas especificidades foramcontadas como o caso de Hulha Negraonde utilizam rádio comunitária pararealizar debates sobre asconsequências das monoculturas deeucalipto. Em Herval algumas escolastêm fomentado esse debate einclusive feito protestos de rua.Também em Herval, em frente àpropriedade rural há uma placa de

ESTRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIA E RESISTÊNCIA ÀSPLANTAÇÕES

protesto contra os eucaliptos, gerandorepresálias à moradora.

Em Rio Grande a comunidade daBarra Nova tem feito passeatas nocentro da cidade, distribuído panfletos,promovido debates, além de sis-tematicamente fecharem a rodoviaque liga a área portuária em sinal deprotesto e alerta ao despejo dasfamílias.

Também em Rio Grande, nacomunidade da Palma, a resistênciatem sido feita por uma única família.

Mesmo “sendobriga de ca-chorro gran-de”, segundoas mulheres, afamília se-guirá na terraenquanto pu-der. A vidanão estásendo sim-ples, jáp e n s a r a mmuitas vezesem vender apropriedade,mas é a

produção leiteira que sustenta afamília. Uma das mulheres relatou quejá esteve no escritório da empresa eum funcionário mostrou a papeladareferente à compra das terras dafamília. Segundo o funcionário era sóirem juntos ao cartório para finalizara compra. Para a família as ofertasnão tem sido condizentes com asituação proporcionada a eles.

Eu não tenho que sair (...)quem me encurralou foi eles(...) (Trabalhadora Rural de RioGrande).

Foi relatado de alguns maridos sequeixarem do trabalho que vem sendodesenvolvido pelas mulheres do MST.Porém muitos já estão vendo que essetrabalho e essa discussão, fomentadapor elas, é séria e fundamentada.

Na comunidade de Rio Grande omovimento também é misto, mas quemvai para rua protestar são as mulheres.Os homens ajudam quando hánecessidade, porque em geral estãotrabalhando na pesca. Há muitaresistência de moradores locais emuita discriminação por parte dacomunidade riograndina.

Sobre se as mulheres têm desen-volvido ou têm estado envolvidas de

Além da oferta de compra, aempresa já ofereceu uma permuta,porém para uma terra sem água ouluz.

Em São José do Norte muitasfamílias rurais estão resistindo àvenda de suas terras, muitas já estão“ilhadas” devido às plantios de pinuse eucaliptos. O Fórum local dedesenvolvimento rural já emitiuparecer recomendando a redução dasáreas de plantios, mas este não vemsendo cumprido. Além disso, um grupolocal vem fazendo contraponto aosmonocultivos de eucaliptos e pinus,bem como contra o Terminal deexportação da Aracruz que pretendeser instalado.

Já em Encruzilhada do Sul vemsendo desenvolvido projetos deestratégias e resistência, viaMovimento de Mulheres Camponesas(MMC), visando à soberania alimentar,como hortas comunitárias. Nacomunidade, muitas mulheres nãofazem mais suas hortas, buscando nacidade o alimento que poderiamproduzir de forma econômica eecológica. Também tem sidopromovidos debates na comunidadea fim de esclarecer mais sobre aproblemática das monoculturas doeucalipto. Porém há muitasdificuldades em função do poderpúblico local ser pró-eucalipto.

Como se pode perceber as açõesde resistência tem objetivado areforma agrária, a soberaniaalimentar, a manutenção das famíliasno campo, a denúncia do agronegócioe da falácia do desenvolvimento, alémda luta por igualdade e justiçasocioambiental.

Sobre como as ações tem sidoorientadas, cada localidade temdesenvolvido ações especificas e noâmbito dos movimentos sociais asformas de resistência são diversas.

As ações têm sido especialmenteorientadas diretamente nasplantações e para atrair a atenção damídia. Vide as ações das mulheresligadas aos movimentos sociais no 8de março ocorrida nos últimos 3 anos.

As ações para obtenção de apoiodas autoridades nacionais e/ou locaistêm sido muito restritas. Poder públicoestadual, boa parte do poderlegislativo e das autoridadesmunicipais estão aliadas as empresasde celulose e papel. Os apoiosbuscados têm sido ao MinistérioPúblico tanto Federal como Estadualpara que façam o Estado cumprir alegislação ambiental. E também temsido buscado apoio junto aosparlamentares e senadores, bem comode órgãos da esfera federal, em funçãoda redução da faixa de fronteira.

O movimento de resistência émisto, mas são as mulheres que temconduzido os debates e ações, pois,segundo a maioria das participantes,são elas que sentem quando faltacomida à mesa. As mulherescriticaram os homens dizendo que elesnem sempre “entendem” o que elasestão discutindo e propondo.

alguma forma em particular contra asplantações, todas afirmam que sim.As mulheres têm desenvolvido açõesespecíficas contra as monoculturas doeucalipto especialmente no dia 8 demarço, que é reconhecidamente a datade luta das mulheres, sendo que nosmovimentos ligados ao campo, taisatividades são desenvolvidas apenaspor elas.

Já os homens apóiam tais iniciativas,mas nem sempre compreendem porque são as mulheres que estão a frenteda luta contra as monoculturas deeucaliptos. Mas também há com-panheiros que reclamam que a luta do8 de março é exclusiva das mulheres,acham que é necessário abrir a lutapara todos e todas. Mesmo sendo asmulheres que vão para o enfren-tamento, os homens ficam como grupode apoio. Já aconteceu das mulheresque protestavam no 8 de março serempresas. Então os homens trancaramalgumas estradas e com faixasprotestaram contra eucaliptos e contraa prisão inconsequente de mulheres,jovens e crianças.

Sobre se a participação das mulheresem movimentos de resistência temalterado sua posição ou funções nacomunidade, a maioria das parti-cipantes respondeu que agora asmulheres dos movimentos sociais nãosão mais invisíveis. As mulherespassaram de uma condição de invisíveispara visíveis, por meio principalmenteda ação direta feita no laboratório demudas da Aracruz, no município de Barrado Ribeiro, em 2006. As mulheresromperam o silêncio, tomaram adecisão de encarar o agronegócio dasilvicultura e foram para oenfrentamento, para a ação direta. Asmulheres estão buscando o seu espaçoe estão usando este para fazer aresistência e a denúncia sobre o modelodo agronegócio que vem se instalandono RS. E por fim, todas identificam queos movimentos sociais do campo têm

cada vez mais aberto espaço para asmulheres e isso tem ajudado a criaroutras relações de gênero.

Quanto aos resultados identificadosem termos de lições aprendidas foi ditoque nos movimentos sociais ligadosao campo tem se ampliado asdiscussões acerca das questões degênero, das feministas, porém, aindahá muitas dificuldades a seremsuperadas.

As mulheres dos movimentos sociaisligados ao campo entendem que asações não podem ficar apenas naconscientização e de alianças comdiferentes grupos locais (Ongs,Sindicatos, etc). Ainda há certadificuldade em envolver grupos comode professores, funcionários públicos,sindicalistas e até mesmo estudantes.Além disso, é preciso fazer ações deenfrentamento direto como tem sidofeito no 8 de março. Para asparticipantes, tal data já tem umaresposta positiva, pois estáevidenciando a luta delas.

Ainda foi comentado que há muitarepressão contra as mulheres, porestas serem ligadas aos movimentosdo campo, em especial ao MST. Aampliação das alianças éimprescindível a fim de que outrosgrupos da sociedade gaúcha ajudemnos processos de conscientização dascomunidades locais. “A luta sozinhanão se constrói.”, afirmou uma dastrabalhadoras rurais. Tal ampliação dealianças é necessária, pois osmovimentos sociais, sindicatos eOngs, em geral, estão sendocriminalizados, perseguidos ereprimidos violentamente pelasautoridades locais, situação que temcriado um ambiente de hostilidade,receio e até mesmo de retração dosmovimentos contrários asmonoculturas de árvores exóticas noRS.

Para as participantes é necessárioir às ruas e denunciar, pois o poderpúblico e os meios de comunicaçãolocal não abrem espaço para esclarecertodas as implicações da expansão dasmonoculturas de eucaliptos. Osespaços de comunicação omitem osmalefícios e das monoculturas doseucaliptos. Elas acreditam que quandoo povo estiver alerta da problemáticaque os plantios de eucalipto trarãopara o RS, este também irá para asruas com os Movimentos Socais eOngs. Um exemplo disso foi a açãodireta das mulheres no laboratório daAracruz, onde tal ação fez com que apopulação gaúcha, principalmenteurbana, tomasse uma posiçãoreferente ao ocorrido. Mesmo com acobertura parcial dos fatos, pelosmeios de comunicação local, gaúchose gaúchas se posicionaram. Forammuitos os que consideraram a atitudedas mulheres como de extremacoragem.

Além disso, as participantesponderaram uma série de situaçõesque dificultam a luta contra asmonoculturas de eucaliptos no RS,como em Herval onde a VCP vemdesenvolvendo trabalho voltado àjuventude local. Em Rio Grande ondetambém a VCP tem patrocinadomuitas atividades locais, buscandoreforçar uma boa imagem deresponsabilidade social institucionalpara a comunidade. Em Encruzilhadado Sul onde a Aracruz desenvolve umasérie de atividades locais com intuitode promover a boa vizinhança:

essas empresas parecem umimenso polvo, com tentáculosem todos os campos dasociedade (Pescadora de SãoJosé do Norte).

Também foi citada a novela “AFavorita” (ANEXO 2) tem tratado dotema da celulose e papel, de formapouco crítica, na rede de televisãoaberta e em cadeia nacional.

Mesmo com um curto período paraa realização desse estudo de caso ereconhecendo que a expansão dasmonoculturas de árvores exóticas noPampa gaúcho é recente (meados de2003, porém alguns plantios existemdesde 1980), os relatos das mulheresenvolvidas evidenciam impactossignificativos sobre suas vidas e desuas comunidades.

Os relatos e vivênciasdemonstraram o quanto à expansãodas monoculturas de eucalipto,principalmente, tem contribuído parao desempoderamento das mulheres.

A ofensiva da silvicultura sobre oPampa tem gerado poucos empregospara as comunidades locais e em setratando de trabalho para asmulheres, os números são pífios. Ascondições de trabalho são precárias,os contratos são temporários, muitasvezes com garantias trabalhistasmínimas, com exploração da força detrabalho, principalmente sobre asmulheres trabalhadoras dos viveirosde mudas, e que já demonstra estarcomprometendo a saúde dastrabalhadoras e trabalhadores.

Muitas são as dificuldades acercadas condições sociais e desobrevivência diária, como acontaminação do ambiente e de

CONSIDERAÇÕES FINAISanimais devido a utilização de grandequantidade de agroquímicos naslavouras de eucalipto; a precáriasituação das estradas rurais devidoao tráfego de veículos pesados; asituação de violência e assédiosexual; escassez de água; degradaçãoda terra, entre outras. Além disso, areforma agrária está neutralizada e oabandono do campo tem seintensificado.

Percebe-se, também, que muitosoutros impactos possam estarocorrendo (p.ex. aumento dacontaminação por AIDS, mudanças noshábitos alimentares, desestruturaçãofamiliar, entre outros) porém, devidoao curto período de estudo, não foipossível pesquisá-los. Impactos comoesses tem sido relatados em diversoslugares depois da chegada de grandesempreendimentos.

Enfim, o estudo de caso corroboroupara mostrar o quanto as mulherestêm sido protagonistas na luta contrao avanço das monoculturas de árvorese do potencial que elas têm em fazercom que “o novo aconteça”. Éimperativo unificar a ação dasmulheres da cidade, com as mulheresdo campo, fortalecendo a luta contrao avanço dos mega-projetos dasempresas de celulose e papel sobre oPampa gaúcho.

“MULHER, A LIBERTAÇÃO VIRÁ ATRAVÉS DA NOSSA RESISTÊNCIA,RESISTÊNCIA ESSA QUE BUSCAMOS QUANDO NOS REUNIMOS E

VEMOS QUE OS PROBLEMAS SÃO OS MESMOS E AS SOLUÇÕES SERÃOBUSCADAS NO COLETIVO, COLETIVO ESTE QUE CONSTRUIRÁ UMA

NOVA SOCIEDADE E APONTARÁ UMA NOVA MULHER...”Autoria desconhecida

Mensagem recitada por uma das mulheres

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Incra nega compra de terra por multinacional. Disponível em: https://conteudoclippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2008/6/5/incra-nega-compra-de-terra-por-multinacional. Acesso em novembro de 2008.

Papeleira Stora Enso pode comprar parte da Aracruz na Veracel. Disponívele m : h t t p : / / w w w . a g e n c i a c h a s q u e . c o m . b r /ler01.php?idsecao=91f03f57e9aff94c35d3d21f0ef2fc5b&&idtitulo=aa26fa8b21d4c494ccb3191cfe9bb3cb.Acesso em: novembro de 2008.

Rumos do Sul. N.2. Porto Alegre: Zero Hora, 26 de novembro de 2008.StoraEnso prepara oferta por fatia da Aracruz na Veracel. Disponível em: |http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20081114/not_imp277460,0.php. Acessoem: novembro de 2008.

VCP explica motivos para adiar empreendimento. Disponível em: http://w w w . v c p . c o m . b r / l o s a n g o / p t b / n o t i c i a s /noticias_naMidia_081015_VCP%20explica%20.asp. Acesso em: outubro de2008.

Votorantim anuncia demissão de 118 trabalhadores no sul do Estado.Disponível em: http://www.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default.jsp?uf=1&local=1&section=Economia&newsID=a2316437.xml. Acessoem dezembro de 2008.

REFERÊNCIAS

1 O Pampa sul-rio-grandenseabrange cerca de 176 mil Km2, oque equivale a cerca de 60% daárea do estado. O Pampa écaracterizado por uma vegetaçãocampestre, que predomina emrelevos de planície, e por umavegetação mais densa, arbustiva earbórea, nas encostas e ao longodos cursos de água, além de havera ocorrência de banhados(Schnadelbach & Picoli, 2007).

2 É importante ressaltar que em2003 a Aracruz comprou a Riocel (antiga Borregard). Além disso,também há outra empresa decelulose e papel no RS que é aCambará S.A. No estudo tambémforam abordadas ações de outrasduas empresas responsáveis pelaretirada de resinas de Pinus Elliottiie da Acácia: Flopal e Tanac,respectivamente.

3 Semapi denuncia licenciamentopara beneficiar empresas e puniçãoa técnicos. Disponível em: http://www.semapirs.com.br/semapi2005/site/indexex.php?inc=mostra_noticia&f_cod_noticia=2477

4 A VCP postergou sua fusão com aAracruz devido aos problemasfinanceiros da mesma, gerados poruma mal sucedida operaçãofinanceira com derivativos cambiais,pela crise de crédito do mercadointernacional. Disponível em: http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2008/10/18/votorantim-cancela-compra-da-aracruz).

5 Recentemente a Stora Enso, maiorprodutora de papel do mundo, temestudado fazer uma oferta pelos50% que a Aracruz possui naVeracel. Disponível em: http://www.estadao.com.br/

estadaodehoje/20081114/not_imp277460,0.php

6 Segundo o ex-secretario de MeioAmbiente do RS, Francisco SimõesPires, já são quase 500mil hectaresplantados, sendo que destes há uns140mil hectares com licenciamentoambiental. As entidadesambientalistas integrantes doConselho Estadual de MeioAmbiente desde agosto de 2008solicitaram os dados sobrelicenciamento, bem como opercentual de hectares dasilvicultura, mas ainda nãoobtiveram respostas.

7 Losango é o nome dado ao projetode implantação de uma fábrica decelulose branqueada de eucalipto noRS. Maiores informações em: http://www.vcp.com.br/losango/ptb/oprojeto/oProjeto_infos.asp

8 É considerada área indispensávelà Segurança Nacional a faixaterrestre interna paralela à linhadivisória de 150 Km de largura,paralela à linha divisória terrestredo território nacional. Vide LeiFederal nº 6.634, de 2 de maio de1979.

9 “As promessas douradas dosdesertos verdes viraram demissõese incertezas”. Disponível em: http://www.rsurgente.net/2008/12/as-promessas-douradas-dos-desertos.html

10 A Plataforma DhESCA Brasilsurgiu como um capítulo daPlataforma Interamericana deDireitos Humanos, Democracia eDesenvolvimento (PIDHDD), a qualse articula, desde os anos 1990,para promover a troca deexperiências e a soma de esforçosna luta pela implementação dos

(Footnotes)

direitos humanos, integrandoorganizações da sociedade civil dediversos países, em especial doPeru, Equador, Argentina, Chile,Bolívia, Colômbia, Paraguai eVenezuela.

11 “No Sul do Brasil, na Argentina eno Uruguai, a caturrita éconsiderada praga em zonas decultivo de milho e sorgo e empomares. Com o desaparecimentodas matas onde viviam, ascaturritas começaram a procuraralimento nas culturas que hojeocupam seu habitat natural. Comalimento fácil e a extinçãoprogressiva de seus predadores,como o gavião, a população daespécie aumentou facilmente. Ocultivo de eucalipto também temum papel importante na explosãopopulacional das caturritas. Acaturrita encontrou no eucalipto umlocal perfeito para nidificar,construindo ninhos nos galhos maisaltos, os ovos, filhotes e adultosficam muito bem protegidos doataque dos seus inimigos naturais edificultando o controle populacionalpor parte do homem”. Disponívelem:http://pt.wikipedia.org/wiki/Caturrita.

12 Espécie exótica introduzida noUruguai e Argentina que se alastrouno RS. A espécie não encontrapredadores naturais, consegueprocriar com o porco doméstico,aumentando ainda mais seu efeito

negativo de “praga”. Disponível em:http://pt.wikipedia.org/wiki/Javali13

Maiores informações em: http://www.tanac.com.br/PT/index.php

14 Especificamente no Rio Grande doSul há a tradição de colheita damacela na Sexta-Feira Santa, antesdo sol nascer; pois se acredita quea colheita nesse dia traga maiseficiência ao chá das flores. Essechá é freqüentemente utilizado paraproblemas digestivos, como anti-inflamatório, dentre outros.

15 “A Poupança Florestal é umaforma de participar, em conjuntocom a Votorantim, de um negóciointeressante e lucrativo: o plantiode eucalipto”. Disponível em: http://www.vcp.com.br/sitevcp/poupancaflorestal/. Já a Aracruztem um programa semelhante –Produtor Florestal – para conheceracesse: http://www.produtorflorestal.com.br

16 Esse processo significa simplesfluxos populacionais que nãoconfiguram propriamente comomigração, isso por que não se tratade uma transferência definitiva esim momentânea.

17 Assédio sexual é um tipo decoerção de caráter sexual, que secaracteriza por alguma ameaça,insinuação de ameaça ou mesmohostilidade, com fundamento emsexismo.