PSICOMOTRICIDADE E OS DISTÚRBIOS DE LEITURA E...

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UNISALESIANO Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” em Psicopedagogia Clínica e Institucional” Angelita da Silva Rego Raphael PSICOMOTRICIDADE E OS DISTÚRBIOS DE LEITURA E ESCRITA: Aspectos psicomotores que influenciam no aprendizado da leitura e escrita LINS-SP 2015

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UNISALESIANO

Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium

Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” em Psicopedagogia Clínica

e Institucional”

Angelita da Silva Rego Raphael

PSICOMOTRICIDADE E OS DISTÚRBIOS DE

LEITURA E ESCRITA: Aspectos psicomotores que

influenciam no aprendizado da leitura e escrita

LINS-SP

2015

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ANGELITA DA SILVA REGO RAPHAEL

PSICOMOTRICIDADE E OS DISTÚRBIOS DE

LEITURA E ESCRITA: Aspectos psicomotores que

influenciam no aprendizado da leitura e escrita

Monografia apresentada à Banca Examinadora do Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium, como requisito parcial para obtenção do título de especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional, sob orientação dos Professores Me Denise Rocha Pereira e Me Marcos José Ardenghi.

LINS-SP

2015

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ANGELITA DA SILVA REGO RAPHAEL

PSICOMOTRICIDADE E OS DISTÚRBIOS DE

LEITURA E ESCRITA: Aspectos psicomotores que

influenciam no aprendizado da leitura e escrita

Monografia apresentada ao Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium,

para obtenção do título de especialista em Psicopedagogia Clínica e

Institucional.

Aprovada em: _____/______/_____ Banca Examinadora:

Profa. Me Denise Rocha Pereira

Mestre em Educação pela Universidade Estadual de São Paulo (UNESP –

Marília)

______________________________________________________________

Prof. Me. Marcos José Ardenghi

Mestre em Educação Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo (PUC – São Paulo)

______________________________________________________________

LINS-SP

2015

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho à minha filha, pessoa tão especial, por

ser paciente e tolerar as muitas horas de ausência de minha parte.

Horas essas dedicadas a este trabalho, passadas em frente ao

computador e longe desse ser que amo tanto!

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AGRADECIMENTOS

Agradeço imensamente aos meus pais José Carlos e Maria Cecília, por estarem sempre ao meu lado, me apoiando na busca do crescimento profissional.

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RESUMO

Este trabalho visa investigar a influência do desenvolvimento psicomotor, na capacidade de aprendizado da leitura e escrita de uma criança do Ensino Municipal de Promissão. A aprendizagem é um mecanismo adaptativo, que o ser humano utiliza para a sobrevivência e que se evidencia pela mudança de comportamento e, para o sucesso dessas aprendizagens fundamentais devemos lembrar que a construção cognitiva humana está em constante transformação. Porém, muitos fatores contribuem para o sucesso da aprendizagem infantil. Quando um ou mais desses fatores encontram-se em desarmonia, pode ocorrer o surgimento dos distúrbios de aprendizagem. O distúrbio de aprendizagem geralmente não é resultado de um único fator em desarranjo, e sim de um conjunto desarmônico de contextos, que irão contribuir para um rendimento escolar aquém do esperado para a criança. O distúrbio de aprendizagem, hoje, faz parte dos problemas enfrentados pelos professores que atuam nas salas de aula regulares e nas salas de educação especial, atingindo grande parte dos alunos matriculados em rede pública. O presente trabalho visa descrever o estudo de caso com o aluno M.S.S de 10 anos, estudante do 4º ano do ensino fundamental, que apresenta sinais claros de distúrbio de aprendizagem, atualmente atendido no Centro Educacional Multidisciplinar “Pequeno Príncipe” da cidade de Promissão. Toda a investigação do caso, baseou-se nas teorias de desenvolvimento cognitivo, das habilidades metalinguísticas e habilidades psicomotoras preconizadas por vários autores, como necessárias ao estudante para que seu processo de alfabetização seja concluído. As avaliações das habilidades metalinguísticas foram feitas à partir do Protocolo PROHMELE CUNHA e CAPELLINI (2009) já as habilidades psicomotoras foram avaliadas à partir do Protocolo EDM de Rosa Neto (2002).

Palavras-chave: Psicomotricidade. Leitura. Escrita.

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ABSTRACT

This paper aims to investigate the influence of psychomotor development, reading and writing learning ability of a child of the Municipal Education Promissão. Learning is an adaptive mechanism that humans use for survival and that is evidenced by behavior change and for the success of these key learning we must remember that human cognitive construction is constantly changing. However, many factors contribute to the success of early learning. When one or more of these factors are at variance, it can occur the appearance of learning disorders. The learning disorder is usually not the result of a single factor in disarray, but a disharmonic set of contexts, which will contribute to academic performance below expectations for the child. The learning disabilities, today, is part of the problems faced by teachers working in regular classrooms and in special education rooms, reaching most of the students enrolled in public schools. This paper aims to describe the case study with the student MSS 10 years, student of the 4th grade of elementary school, which shows clear signs of learning disabilities currently attending the Multidisciplinary Educational Center "Little Prince" City Promissão. The entire investigation of the case was based on the cognitive development theory, the meta-linguistic abilities and psychomotor skills advocated by several authors as necessary for the student to his literacy process is completed. Evaluations of meta-linguistic skills were made from PROHMELE CUNHA and CAPELLINI Protocol (2009) have psychomotor skills were assessed from the EDM ROSA NETO Protocol (2002). Keywords: Psychomotor. Reading. Writing.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................................................. 08

CAPÍTULO I – A IMPORTÂNCIA DA LEITURA NA VIDA SOCIAL .............. 11

1 AS DIFICULDADES NA LEITURA ..................................................... 18

1.1 Habilidades metalinguísticas ............................................................... 21

1.1.1 Consciência fonológica .................................................. ..................... 22

1.1.2 Acesso ao léxico mental ............................................... ...................... 23

1.1.3 Compreensão leitora ............................................................ ............... 24

1.2 Modelos de leitura ................................................................ ............... 25

CAPÍTULO II – A RELAÇÃO DA LEITURA COM O DESENVOLVIMENTO

PSICOMOTOR .............................................................................................. 28

2 A PSICOMOTRICIDADE .................................................................... 29

2.1 Os fatores de desenvolvimento psicomotor ......................................... 36

2.2 Distúrbios psicomotores e problemas de leitura e escrita .................... 39

CAPÍTULO III – A IMPORTÂNCIA DO MOVIMENTO NO

DESENVOLVIMENTO PSÍQUICO E COGNITIVO DA CRIANÇA ................. 43

3 PROCEDIMENTOS E METODOLOGIA .............................................. 47

3.1 Teste de avaliação motora ................................................................. 48

3.2 Teste Prohmele de habilidades metalingüísticas e de leitura .............. 50

4 RESULTADOS ................................................................................... 53

CONCLUSÃO ............................................................................................... 56

REFERÊNCIAS ............................................................................................. 59

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INTRODUÇÃO

A aprendizagem é um mecanismo adaptativo, que o ser humano utiliza

para a sobrevivência e que se evidencia pela mudança de comportamento,

provocada pela experiência, visando a aquisição de habilidades e

conhecimentos.

Há aprendizagem por todas as fases da vida, e existem aquelas que

serão cruciais para todas as aprendizagens posteriores, como por exemplo

aprender à utilizar-se da linguagem oral e escrita para interagir no mundo,

aprender à utilizar-se do próprio corpo com a finalidade de explorar o ambiente

e fazer novas descobertas, inclusive descobrir a si mesmo.

E para o sucesso dessas aprendizagens fundamentais devemos lembrar

que a construção cognitiva humana está em constante transformação e

evolução por meio da interação do indivíduo com outros da sua espécie.

Muitos fatores contribuem para o sucesso da aprendizagem infantil,

desde seu contexto familiar, seu contexto escolar, sua interação social,

constituição biológica e até psíquica.

Quando um ou mais desses fatores encontram-se em desarmonia, pode

ocorrer o surgimento dos distúrbios de aprendizagem.

O distúrbio de aprendizagem geralmente não é resultado de um único

fator em desarranjo, e sim de um conjunto desarmônico de contextos, que irão

contribuir para um rendimento escolar aquém do esperado para a criança.

Para Fonseca (2008) caracteriza-se como uma desarmonia evolutiva,

acompanhada de imaturidade psicomotora, atrapalhando os processos

simbólicos da aprendizagem, impedindo a integração dos elementos

constituintes da linguagem e as formas concretas de expressão que as

simbolizam.

O distúrbio de aprendizagem, hoje, faz parte dos problemas enfrentados

pelos professores que atuam nas salas de aula regulares e nas salas de

educação especial, atingindo grande parte dos alunos matriculados em rede

pública.

O presente trabalho visa descrever o estudo de caso com o aluno M.S.S

de 10 anos, estudante do 4 ano do ensino fundamental, que apresenta sinais

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claros de distúrbio de aprendizagem, atualmente atendido no Centro

Educacional Multidisciplinar “Pequeno Príncipe” da cidade de Promissão.

Suas dificuldades o acompanham desde de seus primeiros anos de

alfabetização, e estão concentradas na área de leitura e escrita.

Toda a investigação do caso, baseou-se nas teorias de desenvolvimento

cognitivo, das habilidades metalinguísticas e habilidades psicomotoras

preconizadas por vários autores, como necessárias ao estudante para que seu

processo de alfabetização seja concluído (LE BOULCH, 1987; FONSECA,

2008; ROSA NETO, 2002; CUNHA e CAPELLINI, 2009).

As avaliações das habilidades metalinguísticas foram feitas à partir do

Protocolo PROHMELE CUNHA e CAPELLINI (2009). Já as habilidades

psicomotoras foram avaliadas à partir do Protocolo EDM de ROSA NETO

(2002). A discussão do caso reside em questões centrais das teorias que

abordam o assunto, pautando por compreender quais habilidades estariam

aquém do esperado no aluno M.S.S, e até que ponto este subdesenvolvimento

atrapalhou no seu processo de alfabetização.

Para isso foi feito uma revisão de base teórica dos autores citados

acima, que sustentam os protocolos de avaliação utilizados, e uma

investigação teórica de conceitos importantes envolvendo a leitura, sua função

social, aspectos fonoaudiológicos e ideológicos de seu ensino.

Partindo de uma visão global do aluno, e utilizando-se de instrumentos

validados cientificamente, analisamos o desenvolvimento motor,

metalinguístico do aluno tentando buscar respostas que nos faça compreender

a origem das dificuldades enfrentadas por ele no ambiente escolar.

O primeiro capítulo aborda a importância da leitura na vida do indivíduo,

e os prejuízos advindos da falha na sua aquisição, em sua adaptação na

sociedade.

O segundo capítulo aborda o tema da psicomotricidade, quais itens que

compõe o sistema psicomotor humano, e a relação do desenvolvimento

psicomotor com a leitura, os fatores que influenciam sua aquisição, e quais

aspectos psicomotores podem estar mais relacionados com a leitura fluente.

No terceiro capítulo abordaremos mais especificamente a importância do

movimento e da atividade física na formação psíquica e cognitiva da criança,

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traçando um paralelo entre o corpo físico e psíquico, e a capacidade de

influência que a atividade física tem sobre a aprendizagem na escola.

Este trabalho não tem a pretensão de provar a importância ou a

influência do desenvolvimento psicomotor na capacidade de aprender, e sim de

relacionar os aspectos psicomotores que podem estar ligados aos problemas

da aquisição da leitura e escrita por parte do aluno analisado. Tratando-se

portanto, de um estudo de caso, mais especificamente de uma avaliação

psicopedagógica, onde se utilizou protocolos de avaliação, estudados durante

o curso de psicopedagogia.

Tratam-se de instrumentos de grande valia na observação de quadros

atípicos de desenvolvimento infantil, podendo ser utilizados por profissionais da

educação, servindo também como norteadores de intervenções

psicopedagógicas.

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CAPÍTULO I

A IMPORTÂNCIA DA LEITURA NA VIDA SOCIAL

O ensino da leitura sempre foi, para os grandes educadores brasileiros

um dos maiores desafios a ser superado com sucesso. Isso se deve à

importância que ela tem na vida social do indivíduo, e no seu potencial

transformador da realidade. Para Paulo Freire ( apud MENDONÇA 2007, p.47)

[...] o ato de ler não se esgota na decodificação pura da palavra escrita, mas [...] se antecipa se alonga na inteligência do mundo. A leitura de mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele.

Para Cagliari a leitura é uma atividade extremamente complexa,

envolvendo problemas de diversas ordens como semântica, cultural,

ideológicas, filosóficas e fonéticas.

Além de ser de assimilação individual, atividade que leva a interiorização

e reflexão. Ele fala da leitura linguística que leva a uma interpretação,

passando pela decifração e decodificação “(...) a velocidade da leitura com

compreensão está diretamente ligada à habilidade do leitor como falante da

língua.” (CAGLIARI, 2010, p.136)

Entendemos então que a oralidade; a habilidade de se comunicar e

expressar ideias oralmente,, é a facilitadora no aprendizado da leitura, assim

como na escrita “por leitura entende-se toda manifestação linguística que uma

pessoa realiza para recuperar um pensamento formulado por outra e colocado

em forma de escrita.” (CAGLIARI, 2010, p.136)

Já para Isabel Solé “A leitura é um processo de interação entre o leitor e

o texto portanto envolve a compreensão e sempre é guiada por objetivos”

(SOLÉ, 1998, p.23)

Podemos deduzir então que por ser um processo cognitivo, que envolve

o desenvolvimento de diversas habilidades, por si só, já traz uma certa

dificuldade para alunos que tem baixa capacidade de abstração e limitações

cognitivas.

Para ler necessitamos, simultaneamente, manejar com destreza as habilidades de decodificação e aportar ao texto

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nossos objetivos, ideias e experiências prévias, precisamos nos envolver em um processo de previsão e inferência contínua, que se apoia na informação proporcionada e na nossa bagagem. (SOLÉ, 1998, p. 23)

Ou seja, é um grande exercício intelectual onde a criança deve ser

capaz de processar a informação vinda do texto e relacioná-la com o

conhecimento prévio, além de acessar seu léxico mental para compreender o

significado do vocabulário utilizado e, depois, transformar essa informação num

conjunto de conhecimentos úteis ao objetivo que se busca.

Em todo o processo de leitura seja no início da aprendizagem ou até

mesmo quando a criança já tem certa fluência ao ler, o processo de análise e

síntese é indispensável para o entendimento do que está escrito, mas a leitura

não se resume a isso como mostra Genouvrier; Peytard (apud MENDONÇA,

2007, p.49)

Ler é descobrir na grafia dos signos uma sequência ordenada de sons. Insistimos no facto de que a leitura, durante todo o período de ensino elementar, se faz em voz alta. Fala-se a escrita. Quer dizer que o aluno descobre a fala e ouve-a, mas não é mais fonte da mesma: fala a partir de um texto. Graças a essa fala, compreende o escrito; a ajuda do oral é lhe indispensável para que a grafia se revele.

O aluno ao ouvir as palavras escritas, vai então descobrindo as

propriedades combinatórias de formar outras palavras através dos “pedaços”

que constituem aquela primeira palavra.

Aqui estamos falando claramente do uso da silabação para ler algo, a

criança no inicio da alfabetização, usará este processo para se familiarizar com

as combinações feitas a partir das sílabas “ninguém aprende a ler e a escrever

se não aprender relações entre fonemas e grafemas”. (SOARES, 2003, p. 18)

O ler e o escrever são as formas mais elevadas da linguagem humana,

envolvem os processos mentais superiores, e possibilitam a inserção do

indivíduo no mundo dos símbolos.

Na perspectiva histórico-social esse processo ocorre pela presença do

outro, só assim a criança percebe a necessidade de produzir uma escrita

compreensível tanto quanto desejará ler o que o outro produz como explica

(COELHO, 2003, p.5):

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As primeiras grafias que a criança faz no papel, para lembrar-se de algo que foi dito, permaneceriam como meros rabiscos, não fosse a presença de outros sujeitos com os quais ela convive. Essa forma gráfica tem uma significação e pode ser fixada convencionalmente devido aos elementos históricos culturais que condicionam a vida da criança.

Ler é muito mais do que decodificar os símbolos gráficos , além da

criança ser capaz de realizar essa decodificação, ela também necessita

compreender as ideias de seu interlocutor

A leitura nos dará o aporte cultural necessário quando saímos da escola.

Pois através dela é que se consegue assimilar a cultura mundial, participar

ativamente na sociedade que se está inserido.

Sem a leitura a vida no mundo de hoje fica difícil e limita o individuo na

expressão de seus potenciais, na interação com as outras pessoas.,seu ensino

sistemático e eficaz é o objetivo final dos três primeiros anos de escola

fundamental como explica (GAGLIARI , 2010, p.160):

De tudo o que a escola pode oferecer de bom aos alunos é a leitura, sem dúvida, o melhor, a grande herança da educação. É o prolongamento da escola na vida, já que a maioria das pessoas, no seu dia a dia, lê muito mais do que escreve. Portanto, deveria se dar prioridade absoluta á leitura no ensino de língua portuguesa, desde a alfabetização .

O fato de ser um instrumento de inserção no mundo moderno é apenas

uma pequena parte da função social da leitura, através dela o indivíduo adentra

o pensamento de outras pessoas e povos, ou seja, ela ganha autonomia para

transitar nos diferentes mundos que a cultura humana criou.

O objetivo principal da leitura é a compreensão do que está escrito, pois,

é ela que dará autonomia intelectual para que o indivíduo use-a como

ferramenta pra buscar conhecimentos posteriores, ferramenta social necessária

para se interpretar as informações vindas da realidade.

O ensino da leitura se configura hoje como o maior desafio da escola.

Formar leitores capazes de refletir sobre um texto, seja ele de qualquer

natureza ou tipo, deixando assim de produzir analfabetos funcionais, ou seja,

os que apesar de frequentar uma escola, não são capazes de utilizar a leitura

como uma ferramenta na busca do conhecimento.

A leitura surgiu, para que a humanidade conseguisse lidar com o

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aumento da quantidade de informação entre as pessoas e entre os povos,

passando da decifração de desenhos ( ideográfica), para a decodificação de

símbolos que carregam valores fonéticos, da língua nativa, como relata Cagliari

(1999, p.14):

com a expansão do sistema de escrita a quantidade de informações necessárias para que alguém soubesse ler e escrever aumentou consideravelmente, o que obrigou as pessoas a abandonar o sistema de símbolos para representar coisas e a usar cada vez mais símbolos para que representassem sons da fala, como por exemplo as sílabas.

Ao longo da história da humanidade existiu diversos métodos para

ensinar às gerações futuras, como decifrar, decodificar as informações

disseminadas em forma de escrita.

E desde que a alfabetização das crianças passou a ser preocupação

constante de autoridades intelectuais, sua história pode ser dividida em três

grandes períodos. (MENDONÇA, 2007)

Da antiguidade à idade média, predominou o método de soletração,

também chamado de alfabético ou ABC. O aprendizado iniciava-se com as 24

letras do alfabeto, as crianças tinham que decorar os nomes das letras depois

sua ordem, assim que isso ocorria, então passava-se para o valor sonoro das

letras (MENDONÇA, 2007)

O segundo período que se estendeu do século XV à XVIII predominou

os métodos sintéticos e analíticos. Neste período os novos métodos que

surgem tem seus fundamentos no método global de Claparède que de acordo

com Mendonça (2007) postulava que

[...] o conhecimento aplicado a um objeto se desenvolve em três atos: sincretismo (visão geral e confusa do todo),a análise (visão distinta e analítica das partes) e a síntese (recomposição do todo com o conhecimento que se tem das partes).

Esses princípios nortearam a produção de material pra alfabetização até

meados da década de 1960.

No terceiro período que corresponde aos dias atuais, houve a

necessidade de se associar sinais gráficos da escrita aos sons da fala, para

que pudesse aprender a ler.

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A preocupação com a alfabetização das crianças foi mais visível depois

da revolução francesa, a partir desse momento houve uma explosão na

confecção de cartilhas de alfabetização que abordavam desde o método

alfabético ao método silábico.

O método alfabético abordava uma lição para cada letra, já o silábico

iniciava os estudos apresentando as sílabas, das simples para as mais

complexas.

As cartilhas existentes no Brasil até 1950 davam muita ênfase à leitura,

e as primeiras que foram usadas por aqui eram provenientes de Portugal mas

logo após essa data a maioria das cartilhas publicadas dava maior importância

à produção escrita.

Seu uso está arraigado no cotidiano escolar e muitos professores

acreditam que por terem sido alfabetizados através de uma cartilha, esta,

portanto, teria um método eficaz para alfabetizar as novas gerações.

(MENDONÇA, 2003)

Entretanto, existem muitos pontos negativos com relação ao uso das

cartilhas. A maioria delas apresentam textos pobres e precários, sem unidade

semântica ou coerência , e a medida que a criança vai se alfabetizando com

uso somente de cartilhas , vai perdendo a capacidade inata da oralidade, pois

de acordo com Cagliari (apud MENDONÇA, 2007, p.41) “para as cartilhas, uma

palavra é feita de sílabas, uma sílabas de letras, uma frase é um conjunto de

palavras e um texto é um conjunto de frases”.

Esta concepção abrange um nível superficial da linguagem e não

incorpora os aspectos naturais e discursivos dela, e ainda as cartilhas ignoram

diferenças regionais da fala, pois o mesmo material é produzido pra ser

trabalhado em todo o país e de acordo com Mendonça (2007, p.39):

O aluno vem pra escola com plena habilidade para descrever, narrar e até defender um ponto de vista. Entretanto a partir do momento que inicia a alfabetização vai perdendo tais competências. No intuito de facilitar a leitura para o aluno, a cartilha propõe textos que são pretextos, elaborados com palavras com sílabas já dominadas.

Sendo textos construídos para facilitar a leitura e não para a reflexão,

transmitindo para a criança a ideia de que não se pode errar, e que o discurso

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do cotidiano dela não tem correspondência com a forma de se falar de dentro

da escola.

O método Paulo Freire que surge no Brasil em meados da década de

1960, baseia-se no uso da palavra geradora, ou seja , o educador antes de

apresentar os princípios da alfabetização , faz um estudo da oralidade do

aprendiz e tira de seu contexto as palavras que serão objeto do estudo.

Não se constitui de um modelo fixo a ser seguido, diferentemente dos

outros, garantindo ao aprendiz o direito de refletir sobre sua realidade

linguística e segundo Gadotti (apud MENDONÇA, 2007, p.45):

A rigor não se poderia falar em “método” Paulo Freire pois se trata muito mais de uma teoria do conhecimento e de uma filosofia da educação do que um método de ensino. [...] chame-se à esse método sistema, filosofia ou teoria do conhecimento.

Paulo Freire contextualiza toda a prática de alfabetização do aprendiz,

tornando a interação verbal colaboradora do processo.

Seu método também respeitava as ideias postuladas pelo método global

de alfabetização, apresentando em sua dinâmica o sincretismo, quando a

palavra geradora é apresentada integralmente, a análise, quando a palavra é

segmentada em sílabas e estas decompostas em suas respectivas famílias

silábicas, e a síntese quando o aprendiz compreende que decompondo a

palavra estudada pode compor novas palavras utilizando as partes dela

(sílabas).

Nos anos 80 os “métodos” de alfabetização viraram tabu no cenário

educacional brasileiro, boa parte disso foi devido à má interpretação dos

trabalhos de Emilia Ferreiro em Psicogênese da Língua Escrita.

De acordo com suas contribuições a alfabetização não deveria se

reduzir somente ao domínio da correspondência entre grafemas e fonemas,

mas se caracterizaria como um processo ativo por meio do qual a criança ,

desde os seus primeiros contatos com a escrita, construiria e reconstruiria

hipóteses sobre a natureza e o funcionamento da língua escrita,

compreendendo como um sistema de representação.

Seu trabalho ao contrario do que muitos pensam não se constituiu em

propor um novo método de alfabetização, ao contrário, concentrou seu foco

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nos mecanismos que as crianças se utilizam para aprender a linguagem

escrita.

Demonstrou que essa aquisição independe dos métodos de

alfabetização utilizados, ao contrário, está submetido a mecanismos intrínsecos

ao sujeito que aprende, o sujeito epistêmico ,“as crianças interpretam o ensino

que recebem, transformando a escrita convencional do adulto. Sendo assim

produzem escritas diferentes e estranhas”. (AZENHA, 2001, p.42)

Também importante frisar que Ferreiro acreditava que a criança está

exposta à situações de leitura e escrita antes mesmo de adentrar na escola, ou

seja, que no seu ambiente social tinha contato com material impresso, cultura

escrita e leitura compartilhada.

Esse contato prévio cria segundo ela, possibilidades de a criança refletir

sobre o ato de escrever. A partir do estudo e análise da escrita espontânea de

diversas crianças, Ferreiro e Teberosky concluíram que as crianças passam

por etapas onde comentem os mesmos erros com certa regularidade; o que

evidencia que são aspectos construtivos, que estão em processo de evolução,

pode-se afirmar com clareza a existência de determinados níveis sucessivos de

hipóteses da escrita. (AZENHA, 2001)

Pode-se dizer que a maioria das análises sobre os métodos de

alfabetização do Brasil chegam a mesma conclusão, a de que o trabalho do

professor não deve ser restrito à determinados métodos e sim priorizar o

desenvolvimento de competências metalinguísticas , para o uso da língua

escrita na prática social. (PRÓ-LETRAMENTO, 2008)

Existem inúmeras desvantagens pedagógicas em se restringir o trabalho

em sala de aula apenas em determinados métodos. O método silábico, por

exemplo, contempla aspectos importantes para a apropriação do código

escrito, mas supõe uma progressão fixa e previamente definida reduzindo o

alcance dos conhecimentos linguísticos , quando desconsidera as funções

sociais da escrita.

Os métodos de base fônica restringem a concepção de alfabetização

quando valorizam exclusivamente o eixo codificação e decodificação pela

decomposição de elementos que se centram em fonemas e sinais gráficos.

Os métodos analíticos orientam a apropriação do código escrito pelo

caminho do todo para as partes, ou seja de palavras , sentenças , de textos

18

para a decomposição das silabas em fonemas. Porém se valem de textos e

frases artificialmente curtos e repetitivos para favorecer a estratégia de

memorização “O estágio atual dos questionamentos e dilemas no campo da

educação nos impõe a necessidade de firmar posições consistentes, evitando

polarizações e reducionismos nas práticas de alfabetização.” (PRÓ-

LETRAMENTO, 2008)

As práticas fundamentadas no arcabouço teórico do construtivismo

trazem importantes considerações sobre a aprendizagem significativa e das

interações sociais vivenciadas em sala de aula, bem como o uso social da

escrita e da leitura, mas interpretações errôneas dessa teoria tem acarretado

outras formas de reducionismos por exemplo quando negam aspectos

psicomotores ou grafomotores , desprezando seu impacto no processo inicial

do processo de alfabetização , o que prejudica principalmente aqueles alunos

que vem de realidades sociais desfavorecidas só tendo contato com livros nos

ambientes escolares como descrito em Pró-Letramento (2008):

[...] algumas interpretações equivocadas do construtivismo têm recusado a apresentação de informações relevantes ao avanço dos alunos, como se todos os conhecimentos pertinentes à apropriação da língua escrita pudessem ser construídos pelos alunos, sem a contribuição e a orientação de um adulto mais experiente.

1 AS DIFICULDADES NA LEITURA

Dificuldades na leitura, no calculo, na escrita, e até na coordenação

motora podem ser características de um quadro de distúrbios de

aprendizagem, que podem ser acentuados em uma determinada área ou

englobar diversas áreas do conhecimento juntas. De acordo com o DSM-IV os

distúrbios de aprendizagem caracterizam-se por quadros onde o rendimento

individual nas provas habituais de leitura, escrita e aritmética for,

substancialmente inferior ao esperado para a idade ou para o nível de

escolaridade, ou nível intelectual. Interferindo significativamente na vida

escolar, ou no cotidiano, e seus prejuízos podem persistir na idade adulta.

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Dentre os distúrbios de aprendizagem, focaremos nos distúrbios

específicos de leitura, e sua relação com o desenvolvimento das habilidades

metalinguísticas e psicomotoras.

As dificuldades de leitura mais comumente encontradas nas crianças

que estão sendo alfabetizadas variam no grau e no tipo, sendo que existem as

dificuldades advindas de uma metodologia pedagógica ineficiente , dificuldades

provenientes de déficits cognitivos ( deficiência intelectual) e as dificuldades

causadas por distúrbios da linguagem e do processamento da informação , e

distúrbios da atenção

Segundo Poppovic (apud JOSÉ; COELHO, 1999, p.77):

a fala a leitura e a escrita não podem ser consideradas como funções autônomas e isoladas; mas sim como manifestações de um mesmo sistema, que é o sistema funcional da linguagem. A fala a leitura e a escrita resultam do harmônico desenvolvimento e da interação das várias funções que servem de base ao sistema funcional da linguagem desde o inicio de sua organização.

Por isso a explicação sobre a existência das dificuldades em leitura e

escrita não podem ser reduzidas a um ou a outro fator. Em cada caso de

criança com dificuldade acentuada na leitura e escrita deve-se conduzir uma

investigação diante de todos os fatores responsáveis ao desenvolvimento do

sistema de linguagem.

Esse sistema de linguagem é composto pelas dimensões biológicas,

intelectuais e emocionais, além das habilidades metalinguísticas e

psicomotoras necessárias ao aprendizado da leitura e escrita. (JOSÉ;

COELHO, 1999)

De acordo com os autores consultados neste capítulo Soares (2003);

Azenha (2001); Mendonça (2007); Cagliari (1999); José (2010); Coelho (1999);

Cunha e Capellini (2009); Solé (1998), a “prontidão para ler” ou em outras

palavras os pré-requisitos para a criança ser alfabetizada incluem diversos

fatores,: neurológicos , educacionais, sociais, porém nenhum autor afirma

categoricamente que não se deve investigar as condições em que a criança

está quando se inicia o processo de alfabetização

E para melhor entendermos o que configura um distúrbio de leitura e

escrita, precisamos compreender todas as habilidades e competências que se

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desenvolvem num indivíduo sadío , ou seja, que aprende a ler normalmente ,

no tempo previsto sem nenhum contratempo

Estas habilidades e competências serão divididas em habilidades

metalinguisticas (CUNHA, CAPELLINI, 2009) e habilidades psicomotoras,

essa divisão é somente pra fins pedagógicos.

A proposta de Isabel Solé pressupõe que para ler é necessário

primeiramente o domínio no ato de decodificação “a capacidade de decodificar

(...), nessa capacidade subjaz a possibilidade de se prestar atenção de forma

deliberada consciente à linguagem e de refletir sobre ela”. (SOLÉ, 1998, p.55)

Portanto para que se chegue no nível de leitura compreensiva a criança

tem que antes ser capaz de estabelecer a relação correta entre o grafema e

seu fonema correspondente.“pressupõe dominar habilidades metalinguísticas

que é pensar e manipular intencionalmente a linguagem”. (SOLÉ, ANO, p.50)

A partir desta afirmação pode-se ter uma ideia de onde se inicia os

problemas com a leitura das crianças observadas. Como descreve Capovilla &

Capovilla (2004) em seus estudos, onde verifica que a maioria dos distúrbios

situam-se nos mecanismos básicos que tornam possível o reconhecimento das

palavras escritas (decodificação ); e não na compreensão.

E o aluno só é capaz de manipular a linguagem oral e escrita quando

consegue despender esforço cognitivo objetivando

Ativar conhecimento prévio relevante

Estabelecer objetivos na leitura

Estabelecer inferências

Auto questionar-se

Resumir

Sintetizar

Prever

Quando o individuo consegue utilizar-se dos recursos acima citados

concluímos que ele está alfabetizado.

Isabel Solé usa das palavras de outros autores para definir o que é

alfabetização segundo Gaiton e Pratt (apud SOLÉ, 1998, p.50) definindo-a

como:

[ ...] O domínio da linguagem falada e da leitura e da escrita [ ... ] uma pessoa alfabetizada tem a capacidade de falar, ler e

21

escrever com outra pessoa e a consecução da alfabetização implica aprender a falar, ler e escrever de forma competente.

Para Magda Soares alfabetização é “(...) domínio do código

convencional da leitura e da escrita e das relações fonema/grafema, do uso de

instrumentos com os quais se escreve (...)”. (SOARES, 2003, p.17)

Para ela existem dois processos pelos quais a criança entra no mundo

da escrita, dois caminhos indissociáveis que proporcionam ao aluno as

competências do uso da linguagem escrita para se comunicar; a alfabetização

já descrita acima , e o letramento que é aprender a usar a técnica do código

simbólico, para interagir com qualquer tipo de texto, de composição e

finalidades diversas.

Essas duas aprendizagens (...) constituem dois processos, e um não está antes do outro. São processos simultâneos e interdependentes, pois todos sabem que a melhor maneira de aprender a usar um forno de microondas é aprender a tecnologia com o próprio uso. (SOARES, 2003, p.17)

Porém sabe-se que não são processos que dependem apenas do

talento do professor alfabetizador, ou do excelente método que ele resolveu

usar pra alfabetizar, ou da capacidade cognitiva do aluno apenas.

Ter competência leitora e capacidade de produzir textos com coerência

são atributos que se desenvolvem no aluno com o passar dos anos de

alfabetização , além da interação dos fatores acima citados.

Os primeiros anos do Ensino Fundamental são cruciais para desenvolver

nos alunos as Capacidades Metalinguísticas necessárias à toda sua posterior

vida acadêmica.

As habilidades metalinguísticas estão muito relacionadas com a

alfabetização e uma se beneficia da outra, não tendo possibilidade de

conclusão do processo de alfabetização sem que as diversas habilidades

estejam se desenvolvendo concomitantemente.

1.1 Habilidades Metalinguísticas

Habilidade metalinguística, refere-se à habilidade de pensar a própria

língua , incluindo as habilidades sintáticas, semânticas e fonológicas.

22

Neste trabalho focaremos em três habilidades consideradas essenciais

paras que ocorra o processo de leitura:

1. Consciência fonológica

2. Acesso ao léxico mental;

3. Compreensão leitora

1.1.1 Consciência Fonológica

A consciência fonológica é depois da linguagem oral, a habilidade

fundamental para o estabelecimento da relação entre grafema e fonema e

segundo Capovilla & Capovilla (2014, p.31) “(...) a análise explicita das

palavras em unidades fonológicas é indispensável para compreender o código

alfabético e por este meio, aprender ler e escrever”

Se tomarmos por base que a criança já chega à escola com algum

conhecimento prévio sobre a leitura e a escrita, concluímos que boa parte das

habilidades metalinguísticas citadas, já estão em processo de

desenvolvimento.

Ela não surge de forma repentina, mas vai se desenvolvendo à medida

que a criança amadurece biologicamente e é constantemente requisitada pelo

meio em que vive, a fazer interações verbais com os adultos e outras crianças,

esta habilidade está relacionada com a reflexão sobre a fala e manipulação de

seus segmentos, podendo operar rimas, aliterações, sílabas e finalmente

fonemas. (CUNHA; CAPELLINI, 2009)

A consciência fonológica é uma habilidade metalinguística que possibilita

de acordo com Cunha; Capellini (2009, p.10)

acesso consciente ao nível fonológico da fala e a manipulação cognitiva das representações neste nível, o contato com a linguagem escrita possibilita o desenvolvimento desta capacidade assim como esse desenvolvimento auxilia nos níveis mais avançados de leitura e escrita.

O circuito fonológico é responsável em armazenar material verbal,

organizando-o de forma temporal, e seriada.

Atuando juntamente com a consciência fonológica na aquisição da

leitura, linguagem vocabulário e na assimilação de palavras novas, uma vez

que guarda as relações fonêmicas das letras.

23

Esta habilidade e a alfabetização se aprimoram juntas e isso por sua vez

auxilia o desenvolvimento das funções cognitivas necessárias à leitura no nível

de compreensão.

Segundo Cunha; Capellini (2009), existe três posições teóricas

diferentes para explicar o surgimento da consciência fonológica.

Na primeira ela é considerada “preditiva” para o progresso da leitura e

escrita, ou seja, a chave para a alfabetização.

A segunda preconiza que a instrução formal do sistema de escrita

alfabético é a principal causa para o surgimento da consciência fonológica,

onde a capacidade de se estabelecer analogias é devida à capacidade de

decodificação. E a capacidade de detectar os fonemas é influencia direta do

conhecimento ortográfico.

E na terceira posição existe a reciprocidade entre a consciência

fonológica e a aquisição da leitura e escrita nos estágios iniciais da

alfabetização e o estabelecimento dela contribui para o desenvolvimento de

habilidades fonológicas mais complexas.

Esta ultima concepção teórica é embasada nos conhecimentos de que

alguns segmentos sonoros desenvolvem-se naturalmente na criança e outros

somente com estimulação do ambiente externo.

Sem que a criança desenvolva minimamente essas habilidades, seu

aprendizado na leitura e escrita, e, posterior aprendizado de conteúdos fica

praticamente impossível.

1.1.2 Acesso ao léxico mental

O acesso ao léxico mental nada mais é do que o reconhecimento de

palavras de alta frequência, ou seja, o reconhecimento rápido de palavras de

uso frequente na língua através da busca ao acervo de palavras na memória

permanente.

Quanto maior o vocabulário da criança, maior seu acervo de memória

verbal , e de acordo com Ávila (apud CUNHA; CAPELLINI, 2009) o acesso ao

léxico mental atua de forma subjacente ao desenvolvimento da consciência

fonológica.

Inicia-se com a análise visual da palavra, identificando-a no

agrupamento do texto, seguido pela busca de seu significado a partir do

24

sistema semântico. E de acordo com Sales; Parente (1999) é através dessa

rota de leitura que palavras de alta frequência são reconhecidas com rapidez e

precisão do que aquelas que não são lidas ou pronunciadas frequentemente.

1.1.3 Compreensão leitora

A leitura não envolve apenas os processos fonológicos e lexicais citados

acima, os primeiros são de extrema importância para o inicio da alfabetização ,

porém sem a capacidade de compreender as ideias expressas nas sentenças

escritas, a capacidade de leitura e seu posterior uso como ferramenta social,

fica prejudicada, “compreensão da leitura requer capacidades cognitivas, como

elaboração de inferências , e capacidades linguísticas , como conhecimento do

vocabulário , da sintaxe , entre outras.” (SALLES; PARENTE, 1999; p.10)

Essa capacidade só pode ser desenvolvida se as duas primeiras já

estiverem consolidadas na criança, e com o passar dos anos escolares a

bagagem cultural do aluno aumenta e ele passa a ser capaz de compreender

textos mais densos e complexos, e de acordo com Cagliari (1999, p.313).

Somente o conhecimento pleno da língua que a escrita representa é capaz de dar ao leitor condições adequadas para uma leitura que englobe decifração e a compreensão. As vezes, a isto é preciso acrescentar conhecimentos mais amplos exigidos pelo próprio texto.

Além disso a capacidade de compreensão de um texto, pode variar de

acordo com os conhecimentos prévios que o leitor tem sobre o assunto.

De acordo com Solé (1998) a uma das funções da leitura é o

aprendizado de conteúdos novos, portanto ela só terá sentido se o leitor

conseguir fazer relações entre o texto lido e seus conhecimentos prévios,

senão pode acontecer de não ser possível compreendê-lo “quando a leitura

envolve a compreensão, ler torna-se um instrumento útil para aprender

significativamente.” (SOLÉ, 1998 ,p.46)

Uma boa compreensão textual portanto envolve vários processos

cognitivos que se relacionam, como por exemplo realizar inferências, memória,

conhecimento de mundo. E aqui esbarramos em mais um conceito que

acompanha a alfabetização, que seria o letramento.

25

O letramento como já dito acima deve acompanhar o desenvolvimento

das duas primeiras habilidades, a consciência fonológica e a habilidade de

acesso ao léxico mental, pois, com ele a criança desenvolverá a capacidade

de compreensão dos diversos tipos textuais que circulam no meio social e

acadêmico, como afirma Soares (2003, p.79) são “conhecimentos necessários

ao uso efetivo e competente da leitura e escrita nas práticas sociais que

envolvem a língua escrita (...)”

1.2 Modelos de leitura

Existem diversos modelos de leitura que caminham juntamente com o

modelo de instrução dada no inicio da alfabetização. Segundo Santos; Navas

(apud, CUNHA; CAPELLINI, 2009, p.28) “Os modelos de decodificação e

compreensão da leitura são divididos em button-up, top-down e interativos.”

O modelo Button Up enfatiza a importância do processo de

decodificação, começando pelo processamento dos elementos do texto, desde

a análise das letras, seguida das palavras e depois as frases.

O modelo Top Down parte do pressuposto que o leitor não procede

lendo letra por letra, mas usa seu conhecimento prévio e seus recursos

cognitivos para estabelecer antecipações sobre o texto, por este modelo as

propostas de ensino enfatizam o conhecimento global de palavras em

detrimento das habilidades de decodificação.

E por último o modelo de leitura interativo onde ocorrem

simultaneamente a utilização dos conhecimentos prévios e o conhecimento dos

elementos do texto, nas palavras de Solé (1998, p.24) “(...), para ler, é

necessário dominar as habilidades de decodificação e aprender as distintas

estratégias que levam à compreensão.”

Neste último modelo podemos verificar a influencia da concepção

construtivista da aprendizagem e do ensino, que consideram as crianças

hábeis usuárias da linguagem, sendo essa a base da construção das outras

habilidades metalinguísticas necessárias para a formação do leitor.

Na concepção construtivista da aquisição do conhecimento a criança é

considerada possuidora de ideias prévias sobre o sistema de escrita e das

relações que esta estabelece com a linguagem oral, ideias estas vindas

de,experiências de leitura anteriores compartilhadas entre a criança e a família,

26

em suas palavras “Na aquisição deste conhecimento, as experiências de leitura

da criança no seio da família desempenham uma função importantíssima.”

(SOLÉ, 1998, p.54)

Pode-se dizer que a leitura segue três etapas, que correspondem à

forma como o processo de leitura se dá, logográfica, alfabética, ortográfica,

constituindo-se resumidamente de dois componentes, a decodificação e a

compreensão. Na etapa logográfica ocorre o reconhecimento da palavra que

pertence ao vocabulário de visão, baseado em características parciais, como o

grupo de letras, suas posições , comprimento, etc

Na etapa alfabética ocorre a correspondência letra-som, adquirindo-se

gradualmente as regras contextuais, aqui “o acesso ao significado ocorre pela

rota fonológica [decodificação ]”. (CUNHA; CAPELLINI, 2009, p.26)

Na etapa ortográfica a leitura passa a utilizar também a rota lexical, ou

seja, ao acervo de memória verbal, caracterizada pelo uso de padrões de

ortografia, e as relações grafofônicas são estabelecidas para a produção de

palavras irregulares. (CUNHA; CAPELLINI, 2009)

Morais; Pinheiro (apud CUNHA; CAPELLINI, 2009) propõe o processo

de dupla rota para a leitura, explicando que a leitura ocorre pela rota

fonológica, quando depende da conversão grafema-fonema, envolvendo o

sistema auditivo da palavra. E também pela rota lexical, quando a leitura

depende do reconhecimento previamente adquirido da palavra, armazenada no

banco de memórias fonológicas, envolvendo o reconhecimento visual da

palavra.

Este seria um outro modelo de leitura, o modelo cognitivo, onde

palavras regulares e irregulares são lidas por rotas cognitivas diferentes.“(...) é

o processo fonológico que permitirá a criança, posteriormente, realizar a leitura

pela rota lexical, isto é, leitura com significado. (CUNHA; CAPELLINI, 2009,

p.32)

A medida que a criança avança nas séries posteriores ocorre a

preferência pela rota de leitura lexical, que possibilita a leitura fluente, sem que

a criança tenha que ficar silabando pra compreender o que leu.

Esta rota lexical é melhor desenvolvida a partir do 4 (quarto) ano, porém,

a rota fonológica sempre é requisitada quando a criança se depara com

palavras novas, irregulares, de baixa frequência.

27

Depois de compreendermos como ocorre do processo de leitura, em

crianças que estão nos anos iniciais de alfabetização, podemos então

conceitualizar o que é dificuldade específica de leitura.

As dificuldades específicas de leitura, ou distúrbio específico da leitura

como já foi dito inicialmente vem sempre acompanhado de distúrbios da

linguagem , porém o que propomos neste trabalho é analisar se além das

dificuldades de linguagem, essa alteração vem acompanhada também dos

atrasos no desenvolvimento psicomotor.

De acordo com o DSM-IV (1995) o distúrbio de leitura é diagnosticado

quando a criança apresenta em testes padronizados de leitura, e no

rendimento escolar , um nível muito aquém daquele esperado para sua idade

cronológica. Podendo ser chamado de dislexia quando não está associado à

déficits cognitivos (rebaixamento de Q.I), à déficits sensoriais (auditivo ou

visual), ou pertubações neurológicas.

Caracteriza-se por muita lentidão na leitura em voz alta como na

silenciosa e vem acompanhada de erros na interpretação e compreensão do

que foi lido. Tem prevalência no sexo masculino e é do tipo familiar, ou seja,

hereditária, nos indivíduos com parentesco de primeiro grau. Estima-se que a

dislexia acomete cerca de 4% da população escolar. DSM-IV (1995)

O mais provável é encontrar distúrbios de leitura associados à outros

distúrbios de aprendizagem , como os de cálculo.

28

CAPÍTULO II

A RELAÇAO DA LEITURA COM O DESENVOLVIMENTO

PSICOMOTOR

O estudo atual sobre a influencia do movimento na aprendizagem vem

da psicologia cognitiva, que compartilha do ponto de vista de que os circuitos

motores e sensoriais de baixo nível não apenas se alimentam de cognição,

como são a cognição.

O corpo é a nossa única ligação com o mundo, todos os conhecimentos

são obtidos pelos sentidos “o cérebro estimula a experiência real a fim de dar

sentido ao mundo”. (ARYAN, 2014, p. 13)

Como já foi dito anteriormente, a partir dos anos 50, no Brasil a escola

passa a se universalizar, atendendo a todos os segmentos da sociedade, os

materiais de alfabetização passaram a dar mais ênfase na produção escrita,

em detrimento do ato individualizado de ler. (CAGLIARI, 1999)

Concomitantemente à esse período de universalização do ensino, a

psicologia começa a voltar seus olhos para as escolas, e estas se tornam seus

grandes laboratórios.

Com suas teorias psicológicas de desenvolvimento cognitivo e psíquico,

concluíam que as crianças deveriam passar por um período de preparação

para a alfabetização. Período este que desenvolveria habilidades necessárias

para que elas conseguissem se apropriar do ato de ler e escrever com

destreza, de acordo com Cagliari (1999, p.28)

Os psicólogos inventaram, então, uma série de coisas estranhas para as crianças fazerem antes da alfabetização: fazer curvinhas pra cá e para lá, completar figuras, fazer bolinhas, dizer se uma caixa de sapato é maior do que uma caixa de fósforos [...].

Surge o período preparatório, e os testes de prontidão, que são

basicamente testes psicomotores, mas que na época não analisavam a

linguagem do ponto de vista linguístico, ou fonológico, “sem formação

pedagógica, sem formação linguística, os psicólogos começaram a aplicar

uma variedade de testes (...)”. (CAGLIARI, 1999, p. 28)

29

Em meado da década de 30 no Brasil surge o TESTE ABC de Lourenço

Filho, que tinha como objetivo principal “testar”ou aferir”a maturidade das

crianças de 5 a 6 anos que adentravam as escolas publicas brasileiras. Visto

que nesse período a intenção era de formar classes homogêneas de crianças,

pois de acordo com seu autor “A leitura e a escrita estruturam-se em

comportamento de base motriz(...)”. (FILHO, 2008, p.41)

Iniciava-se já nesse período a verificação das condições à que se

chegavam as crianças, para se alfabetizar, e elas deveriam estar “prontas”para

o aprendizado da Leitura e Escrita, como afirma o autor :

Ler é uma atividade, não só em sentido figurado,: é uma ação , desde a visão das palavras, das frases ou sílabas, até a expressão final, em linguagem oral (leitura expressiva), ou em linguagem interior (leitura silenciosa). (FILHO, 2008, p.41)

Para esse autor a maturidade a que se referia seria a capacidade da

criança com relação aos movimentos gerais, coordenação viso-motriz e

auditivo-motriz importantes pois “condicionam a conduta de cópia de

figuras(...), resistência a inversão de figuras, à ecolalia na linguagem oral, à

memória visual, auditiva, à resistência a fadiga(...)” (FILHO, 2008, p.48)

É exatamente esta problemática que liga a leitura com a

psicomotricidade, e o presente estudo de caso analisa os aspectos envolvidos

na interação das habilidades psicomotoras e metalinguísticas da criança que

não consegue se apropriar do sistema alfabético de escrita.

Podemos então começar a falar de psicomotricidade, pois, os testes de

prontidão, as condições de maturidade neurológica, motora, emocional, são

estudadas em conjunto nesta disciplina.

2 A PSICOMOTRICIDADE

De forma concisa podemos definir psicomotricidade como sendo o

conjunto de movimentos coordenados, acompanhados do pensar e que

proporciona a passagem de regulações automatizadas para regulações ativas

e planejadas por parte do sujeito. (PIAGET, 1993)

30

O discurso inicial da Psicomotricidade era de domínio médico,

especificamente da neurologia, que no final do século XIX, precisou nomear

zonas corticais do cérebro, localizadas além das regiões motoras, para explicar

fenômenos patológicos, ligados à sincinesias, paratonias e inabilidades

motoras.

Quem primeiro fez referência à palavra Psicomotricidade, foi o médico

francês Ernest Dupré, em 1870.

A psicomotricidade, por exemplo, nasceu na França há cerca de um século e teve nas suas origens um contato muito próximo com a neurologia e a psicologia; dialogando também com a Educação Física. (MENDONÇA, 2007, p. 18)

Em 1909 Dupré, estudando a correlação motricidade e inteligência ,

estabelece melhor o âmbito psicomotor, afirmando não haver correspondência

biunívoca entre a localização neurológica e as pertubações motoras da

infância, assim como entre a debilidade mental e a motora.

De acordo com Dupré (apud PICQ; VAYER, 1988, p.17) a Lei da

psicomotricidade pode se resumir da seguinte forma ,“existe entre certas

pertubações mentais e as pertubações motoras correspondentes uma estreita

união e uma tal semelhança que constituem verdadeiros casais psicomotores”

Em 1925, surgem mais teóricos, como Wallon, com o estudo sobre a

relação entre motricidade e caráter colocando o movimento humano como

“instrumento na construção do psiquismo” Wallon (apud LEVIN, 1995, p.25)

Para ele a criança passa sucessivamente por diferentes estados

motores:“do ato motor à representação mental graduam-se todos os níveis de

relação entre organismo e meio” Wallon (apud PICQ; P.VAYER, 1988, p 18).

Em 1947, com AJURIAGUERRA e colaboradores, a psicomotricidade

ganha novas concepções diferenciando-a de outras áreas. Na mesma época

GRUNSPUN já indicava exercícios psicomotores para portadores de distúrbios

de aprendizagem.

Aos poucos essa área do conhecimento foi deixando o âmbito médico e

se tornando claramente uma técnica de intervenção psicopedagógica, e dando

lugar à globalidade corporal, à relação do sujeito com suas emoções e

afetividade.

31

E ao longo do tempo diversos autores segundo Levin (1995) como por

exemplo, Wallon, Piaget, Ajuriaguerra, Le Boulch demonstraram a influência da

motricidade sobre a formação da inteligência do indivíduo :

muitos autores contribuíram na quebra do correlato entre pertubação motora e dano orgânico, relacionando também ao afetivo, o emocional e o meio ambiente , dando lugar, neste campo conceitual, às terapias psicomotoras que enfatizaram a expressividade, o vínculo e a relação corporal. (LEVIN 1995, p.26)

Ainda citando os primeiros trabalhos de Dupré, podemos verificar que a

psicomotricidade é parte fundamental no desenvolvimento da criança normal

ou debilitada como relata PICQ; P.VAYER (1988, p.17) “existe um paralelismo

entre o desenvolvimento das funções motoras de movimento e de ação e o

desenvolvimento das funções psíquicas” .

De acordo com Bueno (1998, p. 123) no início do século XX, a noção de

psicomotricidade fixou-se no desenvolvimento psicomotor da criança. Depois

disso foi estudada a relação entre atraso no desenvolvimento psicomotor e

atraso intelectual, o que foi nomeado “paralelismo psicomotor”. Seguiram-se

então estudos das habilidades manuais e aptidões motoras em função da

idade, até chegar a posição atual da psicomotricidade, que é a de ultrapassar

os problemas motores e trabalhar a relação entre gesto, afetividade e

qualidade na comunicação.

A psicomotricidade considera o indivíduo como um ser físico, social,

afetivo, que está em constante transformação e por sua vez transforma

também o meio.

O desenvolvimento psicomotor e seus processos são observados tanto

em crianças normais como naquelas com algum distúrbio no desenvolvimento

“(...) mesmo quando a sintomatologia aparente é motora, intelectual ou afetiva”

(PICQ; P.VAYER, 1988, p.17).

O desenvolvimento psicomotor é fruto da experiência da criança e vai do

inconsciente absoluto ao desenvolvimento de todas as funções neuromotoras

essenciais como o andar, até o jogo simbólico das brincadeiras de faz de conta

“Essas aquisições são sem dúvida, o resultado de uma progressiva, mas,

32

sobretudo o fruto da experiência pessoal; são parcialmente o produto da

educação(...)”. ( PICQ P.VAYER ,1988, p.18)

Durante a primeira infância, até os três anos, a inteligência é função

imediata do desenvolvimento neuromuscular, mais tarde esta associação é

rompida e a inteligência se torna independente da motricidade.

E nesta fase que o investimento emocional da mãe na criança dará

sentido às primeiras aquisições cognitivas do bebê, como afirma Velasco

(1996, p.23) “a mãe ao dar sentido particular a algo que seria apenas do

funcionamento orgânico, estimula o processo de mielinização das estruturas

corticais que dão competência ao equipamento.”

Aqui podemos entender o sentido da expressão “desenvolvimento

global” da criança, pois percebemos que toda aparelhagem neuromuscular do

bebê vai se desenvolvendo a partir dos estímulos externos tanto sensoriais

como os afetivos.

É a fase correspondente ao,período sensório motor de Piaget. Nesse

período a inteligência da criança vai sendo construída a partir de reflexos

neurológicos básicos, pois, o bebê começa a construir esquemas de ação para

assimilar mentalmente o meio. Também é marcado pela construção prática das

noções de objeto, espaço, causalidade e tempo, configurando assim, uma

inteligência essencialmente prática.

Ocorre aqui dois processos distintos e simultâneos; a diferenciação e a

integração.

É assim que os esquemas vão pouco a pouco, diferenciando-se e

integrando-se, no mesmo tempo em que o sujeito vai se separando dos objetos

podendo, por isso mesmo, interagir com eles de forma mais complexa.

Após uma criteriosa análise dos dois primeiros anos de vida dos bebês,

Piaget chegou à conclusão de que a inteligência se desenvolve desde o

nascimento - e não com o surgimento da fala, como era comum pensar até o

início do século XX. (PIAGET, 1993)

Um dos principais resultados desse período é a criança tomar

consciência de si mesma e dos objetos que a cercam, agindo sobre eles e

usando o movimento e as sensações advindas dessa interação.

É no chamado período sensório motor que o cérebro começa a ser

ativado, à partir das experiências sensoriais(visão, audição, tato, paladar,

33

olfato) e da ação motora sobre o ambiente resultando num aumento do número

de sinapses e a concomitante mielinização que é a maturação das células

nervosas proporcionando rapidez e precisão no recebimento, transmissão,

interpretação e emissão de respostas.

Já para a psicogênese Walloniana os fatores biológicos são

responsáveis pela sequência e regularidade dos estágios do desenvolvimento

psicomotor, mas a duração de cada um dependerá da demanda social, do

estímulo do meio ambiente, de tal forma que as atividades infantis se

distribuam em campos funcionais como a motricidade, a cognição e a

afetividade

O comportamento físico da criança reflete seu intelecto e suas

dificuldades emocionais, sendo que as primeiras evidências de um

desenvolvimento mental normal são manifestações motoras.

Uma evolução motora normal permite a criança passar dos movimentos

globais aos mais específicos e do movimento espontâneo ao movimento

consciente de acordo com Fonseca (2004), se essas propriedades não se

tornam parte integrante do sistema, ou não funciona de forma eficaz, o

surgimento de disfunções leves (dispraxias), moderadas e severas (apraxia) é

então possível.

Sendo pertinente ressaltar que para a criança adquirir novos

aprendizados todos os fatores que compõem o sistema psicomotor humano

devem necessariamente estar em consonância com a idade cronológica e

tempo de maturação adequados “em todos os casos de inadaptação escolar ou

geral, os problemas motores e psicomotores são sempre estreitamente ligados

aos problemas afetivos e psicológicos”. (PICQ; P.VAYER, 1988, p.21)

A psicomotricidade refere-se então ao movimento intencionalmente

organizado, visando um objetivo e defini-se como o sistema de funcionamento

total do indivíduo, onde, a inteligência juntamente com o movimento intencional

se relacionam para que haja a exploração do meio externo e interno da criança.

De acordo com (FONSECA, 2004, p.105):

[...] o sistema psicomotor humano pode ser concebido como um sistema complexo integrado por sete fatores psicomotores independentes ( tonicidade, equilíbrio, lateralização, noção do corpo, estruturação espaço-temporal, praxia global e praxia fina).

34

E hoje o estudo da psicomotricidade ultrapassa problemas motores, e

tenta estabelecer relações entre os distúrbios de aprendizagem com a

lateralidade, a estruturação espacial e a orientação temporal. Além de verificar

como estes fatores se entrelaçam com a afetividade e emoção.

A psicomotricidade, parte de uma visão unitária do ser humano onde o

biológico e o psicológico desenvolvem-se juntos para construir um corpo único

onde encerram-se três dimensões que trabalham para a aprendizagem, sendo

respectivamente: motora, afetiva ou emocional e a cognitiva (JOSÉ; COELHO,

1999). Na dimensão motora ocorre a integração de diversas partes do corpo

em um todo chamado esquema corporal, ou noção do corpo, sendo que está

submentida à maturação neurológica.

Através da dimensão motora ocorre a evolução da tonicidade

muscular, o desenvolvimento do controle e dissociação dos movimentos, com

aumento da velocidade e precisão, e ocorre também a afirmação da

lateralidade.

Quando a dimensão motora se desenvolve normalmente, a criança é

capaz de correr, escalar, saltar. Também é capaz de coordenar movimentos

das mãos, e dos olhos, a chamada coordenação viso-motora. (LE BOULCH,

1987)

Na dimensão emocional o organismo usa o corpo como meio de

expressão primário, assim. Os primeiros gestos úteis para a criança não são

aqueles que permitirão apropriar-se dos objetos do mundo exterior, mas sim

gestos para chamar a atenção das pessoas; são gestos de expressão. (LE

BOULCH, 1987)

Na dimensão cognitiva o individuo usa o corpo para experiências

sensório-motoras e percepto-motoras, podendo com o passar do tempo

nomear direita e esquerda, e os demais segmentos corporais, orientar-se

corretamente nas diversas direções, acima, abaixo, etc.

Qualquer alteração no desenvolvimento de alguma dessas dimensões,

ocasiona distúrbio psicomotores. Segundo Coste (1981), psicomotricidade é

subdividida em três condutas:

• Conduta de base: – coordenação motora ampla e fina, respiração,

equilíbrio.

35

• Conduta neuro- motora: - esquema corporal, controle

psicomotor e lateralidade

• Conduta perceptivo – motora: - orientação corporal, espacial e temporal

Essa subdivisão da psicomotricidade humana coincide com os fatores

psicomotores de Fonseca (2004) A dinâmica sistemática do SPMH requer a

participação dinâmica e concatenada das três unidades funcionais do cérebro,

a saber: integração, elaboração e expressão do movimento voluntário.

A primeira compreende as funções psicológicas vitais da integração e da

atenção responsável pelos fatores psicomotores da tonicidade e da

equilibração. A segunda compreende as funções psicológicas de análise,

síntese e armazenamento, responsáveis pela noção do corpo e da estruturação

espaço-temporal. E a terceira unidade, compreende a planificação,

programação e regulação responsáveis pela praxia global e da praxia fina .

todos os processos mentais, como a percepção, a memória, a cognição ou a praxia, a linguagem ou o pensamento, bem como aprendizagem simbólicas da leitura, da escrita ou da matemática, decorrem da organização funcional do cérebro, que envolve uma constelação de trabalho que integra três unidades funcionais complexas e hierarquizadas e de origem sócio-histórica. (FONSECA, 2004, p.106)

E nessa perspectiva a psicomotricidade coloca-se como uma qualidade

geral, proveniente da relação harmoniosa entre os sete fatores citados

anteriormente, que atuam ora em conjunto, ora separadamente. sete fatores

são:

1) Tônus

2) Equilibrio

3) Esquema corporal

4) Organização espaço-temporal

5) Lateralidade

6) Praxia global

7) Praxia fina

Estes sete fatores atuam de forma a ligar o movimento ao pensamento.

E quando se evidencia que algo não está funcionando harmoniosamente, o que

na maioria das vezes acontece a partir da entrada da criança na escola,

36

aparece as dificuldades de aprendizagem que de acordo com (DINIS;

FONSECA; MOREIRA, 2000, p.13):

não evidencia distúrbios de expressão da sua motricidade, mas sim na sua integração, planificação, regulação e controle, ou seja, nos processos psíquicos que se motivam e estruturam, numa palavra, na sua psicomotricidade.

Muitos autores ressaltam a importância do desenvolvimento psicomotor

durante os três primeiros anos de vida como explica PICQ; P.VAYER (1988)

onde diz que existe estreita ligação entre maturação orgânica e experiência

neuromotora, assim como descreve Wallon nos estágios sucessivos do

desenvolvimento motor.

Estado de impulsividade motora;

Estado emotivo;

Estado sensitivo motor;

Estado projetivo

Durante os primeiros anos de vida da criança a motricidade e o

psiquismo estão praticamente fundidos, sendo dois aspectos indissociáveis. A

partir da segunda infância a mielinização dos neurônios, já num estágio mais

avançado contribui para maiores aquisições motoras, neuromotoras,

perceptivo-motoras o que levará à tomada de consciência de seu próprio corpo,

afirmação da dominância lateral, orientação espacial e temporal a partir de sua

referência corporal. (ROTTA et al, 2007)

2.1 Os fatores de desenvolvimento psicomotor

a) Tônus muscular

A tonicidade, indica a elasticidade tônus muscular e tem um papel

fundamental no desenvolvimento motor, pois, é ela que garante a mobilidade, a

postura, as mímicas, a expressão das emoções.(FONSECA 2004)

É através da capacidade muscular que a criança pode se movimentar e

explorar seu ambiente, portanto, para uma boa mobilidade, o corpo deve

apresentar um índice de tônus muscular razoável que possibilite sua

movimentação, apreensão de objetos.

b) Equilíbrio

37

O equilíbrio é a base da ação humana, sem ele, é praticamente

impossível se manter ereto. O que pode implicar postura inadequada e prejuízo

na exploração do ambiente, como afirma. (ROSA NETO, 2002, p.17)

quanto mais defeituoso é o movimento, mais energia consome; tal gasto energético poderia ser canalizado para outros trabalhos neuromusculares. Dessa luta constante, mesmo que inconsciente, contra o desequilíbrio, resulta numa fadiga corporal, mental e espiritual, aumentando o nível de estresse, ansiedade e angústia do indivíduo.

c) Esquema Corporal

O esquema corporal é a imagem que o indivíduo tem do seu corpo, a

consciência das partes que o compõe. O fato de a criança possuir ou não uma

imagem corporal de si mesma, introjetada na mente, influenciará na formação

do seu ego, no seu psiquismo como afirma (ROSA NETO, 2002, p.19)

Há um modelo postural, um esquema, uma imagem do nosso corpo, independente das informações cutâneas e profundas, os quais desempenham um papel importante, mesmo que não evidente, na consciência que cada um tem de si mesmo.

d) Organização espaço-temporal

A estruturação espacial ou noção de tempo é “ambivalente, pois, ao

mesmo tempo, é concreta e abstrata, finita e infinita.” (ROSA NETO, 2002,

p.21)

O espaço físico existe independente de nós enquanto que o psicológico

está associado à existência da mente, revelando-se em nossa consciência .

Nossa atividade perceptiva de espaço é baseada nas experiências

concretas que darão significado ao conceito de espaço.

Organização espacial portanto pode ser definida como a capacidade de

avaliar nossa relação com o espaço que nos rodeia e com os objetos que o

constitui e assim efetuar mudanças no curso de nossos deslocamentos. (ROSA

NETO, 2002)

A organização temporal é a capacidade de perceber as mudanças que

se produzem no transcorrer de um período, da sucessão e transformação dos

acontecimentos , constituindo um futuro que passará a ser o presente e depois

o passado. Como afirma Rosa Neto (2002, p.23): “O tempo, é antes de tudo,

38

memória (...) e assim, aparecem os dois grandes componentes da organização

temporal: a ordem e a duração que o ritmo reúne.”

e) Lateralidade

Pode-se defini-la como a capacidade do corpo, ou do cérebro, de

trabalhar preferencialmente com um dos lados, o direito ou o esquerdo. Visto

que nosso corpo é constituído de partes anatômicas pares e simétricas. De

acordo com (ROSA NETO, 2002, p.23):

A lateralidade é a preferência da utilização de uma das partes simétricas do corpo: mão, olho, ouvido, perna; a lateralização cortical é especialidade de um dos dois hemisférios quanto ao tratamento da informação sensorial ou quanto ao controle de certas funções.

Ela existe para organizar o ato motor “o qual desembocará na

aprendizagem e na consolidação das praxias.” (ROSA NETO, 2002, p.24)

f) Praxia Global

A conduta da criança pequena está representada pela sua atividade

motora, exploram o mundo através do movimento e assim assimilam o

ambiente. A medida que ela cresce, e sua aparelhagem neuromuscular se

desenvolve, seus movimentos ora espontâneos e reflexos, vão se tornando

controlados e planejados “É através da brincadeira espontânea que ela

descobre os ajustes diversos, complexos e progressivos da atividade em

motriz, resultando em um conjunto de movimentos coordenados em função de

um fim a ser alcançado.” (ROSA NETO, 2002, p.16)

O movimento global da criança, não é um simples movimento. Na

verdade ele envolve todo o sistema sinestésico, ou seja, envolve percepções

visuais, auditivas, percepções espaço-temporal, controle de equilíbrio, etc.

Por isso é tão importante avaliar os movimentos globais das crianças

pequenas, ele diz muito sobre seu desenvolvimento neurológico, cognitivo e

afetivo.

g) Praxia fina

A coordenação motora das mãos e seus movimentos precisos e

planejados, configuram uma importante ferramenta para a espécie humana. É

através dela que podemos lançar mão de um objeto, escrever, desenhar,

39

pintar, utilizar ferramentas como extensão do nosso corpo para atingir um fim

específico.

Essa atividade manual não envolve apenas os músculos de mãos e

braços, Rosa Neto (2002, p.14) explica que na coordenação visuomanual estão

relacionados

[...] diferentes centros motores e sensoriais que se traduzem pela organização de programas motores e pela intervenção de diversas sensações oriundas dos receptores sensoriais, articulares e cutâneos do membro requerido.

A coordenação visuomanual é tanto mais precisa quanto maior for o

nível de desenvolvimento da criança, portanto também diz muito sobre sua

experiência de exploração do ambiente, e de contato com objetos usados na

escrita convencional.

2.2 Distúrbios psicomotores e problemas de leitura e escrita

O aprendizado da leitura e escrita além de depender de todo o

desenvolvimento das habilidades metalinguísticas citadas no primeiro capítulo,

também se estrutura em bases psicomotoras.

De acordo com Le Boulch (1987), o domínio da língua escrita deve

passar do simbolismo à compreensão do código gráfico, sendo necessário para

isso uma série de condições. Dentre elas:

Domínio da linguagem falada no plano sintático, além da pronuncia

de todos os fonemas, saber usar termos que exprimem organização

espaço temporal, como, antes, depois, acima, embaixo.

Familiarização global com o código gráfico , que nada mais é do que

a descoberta do uso de outro código que não o verbal, e sim a

transposição desse em sinais gráficos.

Finalmente condições psicomotoras que para o autor, significa um

certo desenvolvimento psicoafetivo e funcional para que ao iniciar a

alfabetização ela já tenha uma boa disposição motora global,

também já tenha dominância lateral definida e coordenação motora

fina.

Para Le Boulch (1987) percebe-se três grandes causas dos problemas

no aprendizado da leitura, déficits na função simbólica, causados

40

principalmente por “debilidades”; atraso no desenvolvimento da linguagem e os

problemas essencialmente motores.

A compreensão do código gráfico exige da criança um desenvolvimento

global, que deve ser estimulado desde os primeiros anos escolares, e de

acordo com Le Boulch (1987, p.32)

antes que a criança aprenda a ler, isto é, antes de sua entrada no curso preparatório, o trabalho psicomotor terá como objetivo proporcionar-lhe uma motricidade espontânea, coordenada e rítmica, que será o melhor aval para evitar problemas de disgrafias.

Sem o controle tônico dos músculos diretores do movimento das mãos e

braços, não poderá ocorrer o aprendizado da escrita e sua função de

interiorização.

A dominância lateral também se mostra importante para o aprendizado

da leitura e da escrita, mesmo que a criança ainda não verbalize sua direita e

sua esquerda.

A lateralização “(...) atinge a organização de seu corpo próprio. A

dificuldade de orientação e o problema de leitura não passam de dois sintomas

ligados à mesma causa: a dislateralidade” (LE BOULCH, 1987, p.33)

A dominância lateral atinge diretamente a direção do olhar e a

prevalência da mão, pois a leitura de um texto é feito de movimentos

sucessivos, bruscos e ritmados , orientados obrigatoriamente da esquerda

para a direita.

Já com relação à formação do pensamento abstrato, o desenvolvimento

psicomotor também tem importante papel, pois é através deste que a criança

passa da etapa perceptiva (concreta), para a representação mental de um

espaço orientado na organização espaço-temporal.

As ações devem ser simbolizadas, verbalizadas e depois concretizadas

no grafismo (escrita), só depois de internalizadas no nível de abstração é que

pode se deixar o terreno psicomotor para ingressar no domínio da inteligência

lógica.

Isso só é possível se o desenvolvimento motor passar pelas três fases,

ou níveis de organização como descreve Le Boulch (1987), o nível sensório

41

motor; nível de estruturação perceptiva e o nível das representações mentais

que culminará na simbolização, e na conceitualização.

Esses três níveis estão sob orientação de centros nervosos diferentes e

sua estruturação hierárquica não ocorre espontaneamente. A escola tem papel

fundamental neste processo.

Além de tudo que foi exposto até aqui, pode se encontrar também os

problemas relacionados com a organização espaço-temporal, pois a escrita e a

leitura como já foi dito têm direção definida, sendo exigidos movimentos

precisos e com controle motor razoável. Além de exigir também a compreensão

das sucessões temporais da fala e sua transposição gráfica.

O que se verifica na percepção auditiva e sua simbolização gráfica, nas

sucessões de fonemas, nos intervalos entre palavras e frases, e na percepção

das formas gráficas semelhantes porém não idênticas.

Fica claro que os distúrbios de leitura podem estar relacionados sim aos

desvios psicomotores, e quando os desvios no desenvolvimento padrão são

grandes, chegam a configurar distúrbios psicomotores diversos, e uma vez

instalados na criança, todo o seu comportamento frente à aprendizagem fica

comprometido.

De acordo com Grünspun (apud JOSÉ; COELHO, 1999) os distúrbios

psicomotores podem ser:

Instabilidade motora- que causa flutuações emocionais, déficits

intelectuais, falta de atenção e concentração, agitação, falha na

coordenação global e fina, problemas na leitura, lentidão so copiar

entre outros.

Debilidade motora- caracteriza-se pela presença de paratonias, que

são regiões musculares que apresentam rigidez ; e as sincinesias

que são movimentos involuntários de músculos que não são

necessários para o movimento que se realiza, aqui a criança pode

apresentar também distúrbio de linguagem que influenciará

diretamente no aprendizado da leitura e escrita.

Inibição motora- aqui existe a presença constante da ansiedade que

pode ser percebida na expressão facial da criança com

sobrancelhas sempre franzidas e de cabeça baixa.

42

Lateralidade cruzada- que pode afetar o esquema corporal,

causando fadiga ao executar movimentos que exigem o uso dos

olhos e mão ao mesmo tempo, como a escrita, a cópia da lousa,

apresentando também em seus sintomas os problemas de

linguagem, como a dislalia, fala enrolada, escrita embaralhada e

espelhada, tendo também a leitura compromentida.

Imperícia- dificuldade na coordenação motora fina, quebra de

objetos, letra irregular, fadiga muscular e movimentos rígidos.

43

CAPÍTULO III

A IMPORTÂNCIA DO MOVIMENNTO NO DESENVOLVIMENTO

PSÍQUICO E COGNITIVO DA CRIANÇA

As experiências motoras da criança são decisivas na elaboração

progressiva das estruturas mentais que evoluirão para as formas superiores de

raciocínio Ferreira et al (2000), a pobreza de seu campo de exploração irá

retardar e limitar a capacidade perceptiva do indivíduo, por isso as brincadeiras

e os brinquedos são tão importantes na infância .

Aprendizagem e vivencia dessa forma caminham juntas, quanto mais

intensas forem as experiências infantis, associadas à afetividade nas relações,

maiores serão as adaptações e aquisições cognitivas da criança.

Dessa forma ao analisar o desenvolvimento neuropsicomotor de uma

criança é possível discernir de seu estado funcional e neurológico, podendo

detectar possíveis sinais de imaturidade no desenvolvimento de seu sistema

motor e neurológico, o que por sua vez , influenciará nas aquisições cognitivas

futuras.

Todo movimento intencional, direcionado à um objetivo, quando bem

executado, demonstra o nível de maturidade do sistema neuromuscular.

Quando isso não ocorre, é possível verificar a ocorrência das dispraxias, que

podem ser definidas como profundas pertubações na organização do esquema

corporal, na representação espaço-temporal, tornando impossível a execução

de uma sequência de gestos por exemplo. (FERREIRA et al, 2000)

Isso se relaciona diretamente com a capacidade de análise, síntese,

abstração e simbolização, o que só é possível à partir do momento que a

criança tem conhecimento e controle sobre suas potencialidades corporais

Todos os sete fatores de desenvolvimento psicomotor citados

anteriormente, desenvolvem-se simultaneamente, e por isso a maturação

neurológica estará acontecendo concomitantemente com o desenvolvimento da

imagem corporal, com os processos de lateralizaçao , as coordenações global

e fina, o equilíbrio e a percepção rítmica, assim como a cognição e a

linguagem.

44

Esse processo integral, influenciará diretamente o desenvolvimento e a

adaptação da criança na escola, e esta por sua vez contribuirá na finalização

do processo de evolução psicomotora.

As flutuações do tônus muscular (desequilíbrio) se traduzirão na maneira

de ser da criança, em suas emoções , na sua vivencia psíquica, é também um

elemento de comunicação não verbal, assim a autonomia corporal se reflete na

posterior maturidade sócio-emocional. (FERREIRA et al, 2000)

Por sua vez a construção da imagem corporal refere-se diretamente com

as relações que o individuo tem com seu corpo, e com o conceito de si mesmo,

advindo daí a formação de sua personalidade, sendo resultado direto da

comunicação do indivíduo com o mundo.

O desenvolvimento psicomotor está diretamente relacionado com a

capacidade do indivíduo de movimentar, explorar o ambiente e interagir com o

mundo e as pessoas que o cercam.

Ações muitas vezes triviais, como o ato de ir e vir, a percepção de uma

comunicação interna do próprio indivíduo (ouvir os próprios pensamentos) ,

expressões corporais como franzir a testa, fazer sinal de “positivo”

(comunicação não verbal), na verdade são ações provenientes de operações

cognitivas complexas, e estruturas mentais elaboradas pra produzir julgamento

social, linguagem, percepção e raciocínio (ARYAN, 2014).

O ato de ler por exemplo, é um processo complexo, somente possível

em cérebros com o desenvolvimento neuropsicomotor completo, e com todas

as estruturas responsáveis pela percepção fonética e linguística atuando de

forma simultânea “o que é o ato de ler? Senão aquele que começa com o

movimento de deslizar os olhos, linha após linha.” (ARYAN, 2014, p.20)

A mente usa o corpo para dar sentido aos conceitos abstratos, o

processo de abstração, se baseia em atributos físicos, por exemplo, flexionar

músculos faciais faz refletir nossas emoções, assim como são necessários

para experimentá-las.

Sendo assim a leitura é primeiramente a capacidade de movimentar os

olhos no sentido correto pra apropriação do sentido das palavras, por exemplo

“a leitura de palavras com conotação emocional,enquanto consideram seu

significado, impulsionam a atividade muscular sutil que as pessoas

demonstram ao experimentar os sentimentos.” (ARYAN, 2014, p.10)

45

O que evidencia que o raciocínio e a atividade muscular estão

conectados. A ação física é igualmente valiosa para as crianças a ler. Pois o

ato de ler implica a integração sensório motora, que é a capacidade do sistema

nervoso identificar e integrar as informações proveniente de órgãos dos

sentido, ou seja, pegar dados sensoriais como símbolos gráficos e fonemas e

transformá-los em resposta motora, como o falar e o compreender o texto, o

que envolve antecipação e sequenciação de ações

Ao observar ações simples, áreas do córtex pré-motor envolvidas na

realização desse movimento se ativam, o que sugere que mentalmente todos

nós ensaiamos os movimentos que vemos, esse ensaio é essencial para o

aprendizado motor. (ARYAN, 2014).

Aprender uma sequencia motora complexa como uma coreografia de

dança, um movimento de luta, ou o próprio ato de escrever, ativa além de um

sistema motor direto para controle de contração muscular, um sistema de

planejamento motor que contém informações sobre as capacidades do corpo

de realizar um movimento específico.

A execução de movimentos ritmados e planejados (dança) ativa também

a Área de Broca que é associada a produção da fala, o que explica a origem

das danças tribais como forma de comunicação representativa.

A linguagem gestual é igualmente controlada por áreas cerebrais

também responsáveis pela fala, gestualidade e fala compõem uma unidade

inseparável , tendo por base um processo cognitivo complexo, podendo dizer

que os gestos são as janelas do pensamento. (ARYAN, 2014)

O movimento e as atividades físicas na criança e no adulto, tem fortes

efeitos sobre a vida mental, funcionando como importantes aliados no combate

ao estresse, ansiedade, depressão, além de estimular novas conexões

cerebrais e neurogênese (formação de novos neurônios) ajudando a manter

por mais tempo capacidades cognitivas como aprendizado, concentração,

memorização.

O corpo e o psiquismo não amadurecem de forma independente. Uma

função motora desenvolvida de forma insuficiente, por exemplo, pode frear o

intelecto, pois quanto mais segura a criança está ao explorar seu ambiente,

mais facilmente absorve novos estímulos. “pela observação cientistas puderam

concluir que há principalmente dois tipos de efeitos do exercício físico sobre o

46

sistema nervoso: estímulo ao crescimento vascular e o neuronal” (ARYAN,

2014, p.17)

Para atingir as funções psíquicas superiores da aprendizagem, a

motricidade deve ser concebida como um pré-requisito e não como um fim em

si, sendo um meio de reorganizar as funções mentais de atenção, análise,

síntese, imagem, comparação, planificação, regulação e integração da ação.

Tendo em vista maximizar as capacidades de aprendizagem e não

simplesmente a aquisição das habilidades motoras. (DINIS; FONSECA;

MOREIRA, 2000) Dentre os sete fatores anteriormente citados como

constituintes da psicomotricidade humana, dois em especial tem maior relação

com o desenvolvimento da leitura e da escrita. De acordo com Oliveira (2002),

a estruturação temporal, tem relação estreita com a leitura pois, através de

seu desenvolvimento a criança adquiri domínio de ritmo, de sucessões de sons

no tempo, aumento da memória auditiva, discriminação auditiva,

reconhecimento de suas frequências e durações , percepção de intervalos

entre as palavras, sequenciação lógica do tempo, podendo compreender os

ciclos cotidianos e compreender a ordenação lógica de ideias numa história

Assim como também a estruturação espacial é importante, pois, quando

essa não foi bem desenvolvida nos anos iniciais da vida da criança, ela não é

capaz de perceber os intervalos espaciais entre as palavras num texto, mistura

fatos, faz confusão na ordenação e sucessão das palavras, tem grande

dificuldade em discernir lados direito e esquerdo, o que leva à uma dificuldade

na grafia das letras, apresentando inversões, omissões e adições indevidas.

A debilidade na estruturação espaço-temporal acarreta problemas na

discriminação visual de palavras, e na permanência delas em sua memória

visual, esta por sua vez tem relação direta com a leitura pela rota lexical

descrita anteriormente, pois depende da identificação visual da palavra e su

acesso rápido do acervo lexical para a leitura rápida e fluente.

Rosa Neto (2002) também salienta que a atividade motora é de suma

importância para o desenvolvimento global integral da criança e que é através

da exploração motriz que desenvolverá a consciência de si mesma e do mundo

exterior.

Aquisições motoras estão assim vinculadas ao desenvolvimento da

percepção corporal, espaço-temporal, o que constituirão componentes de

47

domínio básico tanto para aprendizagens concretas quanto para aprendizagens

simbólicas da formação escolar.

Exercendo influencia nas aquisições cognitivas, as noções de tempo e

espaço nos anos iniciais da escola irão contribuir futuramente para o

aprendizado da leitura e escrita. (ROSA NETO, 2002)

A capacidade de discriminação auditiva e rítmica que diz respeito á

localização do som no espaço e às mudanças nos dados temporais resultarão

na compreensão da sucessão e periodicidade de fonemas, sílabas, palavras e

ideias contidas num texto, ou seja, proporcionam a capacidade de leitura

funcional.

3 PROCEDIMENTOS E METODOLOGIA

O presente trabalho trata-se de um estudo de caso, realizado com uma

criança (M.H.S.S.) de 10 anos matriculada no 4º ano do ensino fundamental,

que desde seus primeiros anos escolares apresenta lentidão na aprendizagem,

atraso no desenvolvimento da linguagem e aquisição de linguagem escrita,

problemas de atenção e concentração.

A criança ao final do seu 3º ano do ensino fundamental foi encaminhada

pela coordenação pedagógica da escola, para o programa de apoio

pedagógico e de educação especial, oferecidos pelo município.

Este consiste em avaliação, triagem e matrícula no Centro Educacional

Multidisciplinar “Pequeno Príncipe”, que possui além de atendimento

psicopedagógico, intervenções nas áreas de psicologia, fonoaudiologia, e

terapia ocupacional, voltados para proporcionar condições de adequação e

inclusão das crianças com necessidades educacionais especiais nas salas de

ensino regular.

Toda a avaliação da criança foi feita nas dependências do Centro

Educacional “Pequeno Príncipe” supervisionada pelos profissionais que

atendem no local ,assim como a interpretação dos dados obtidos nos testes de

desenvolvimento motor e de desenvolvimento da linguagem oral e escrita.

48

Os testes aplicados foram executados e finalizados em uma semana,

pois a criança era trazida pela monitoria da escola regular até o local de

aplicação, tendo por isso de se ausentar da sala regular por uma hora.

Os responsáveis pela criança autorizaram a aplicação dos testes desde

que não fossem divulgadas fotos ou cadernos de provas, e solicitaram

supervisão dos profissionais do Centro Educacional Multidisciplinar “Pequeno

Príncipe”.

3.1 Teste de Avaliação Motora

A avaliação motora consistiu em analisar o desenvolvimento da

Psicomotricidade da criança citada, Os testes foram aplicados com base na

Escala de Desenvolvimento Motor (EDM) proposta por Rosa Neto (2002).

Trata-se de instrumento composto por diversas baterias de testes para

avaliar o desenvolvimento motor de crianças de 2 a 11 anos de idade, onde a

ordem de sua aplicação é baseada nas idades cronológicas aumentando

gradativamente o nível de dificuldade das tarefas juntamente com a idade.

Compreende 6 baterias de testes, abrangendo as seguintes áreas da

motricidade humana: (1) motricidade fina, (2) motricidade global, (3) equilíbrio,

(4) esquema corporal, (5) organização espacial, (6) organização temporal.

Possui também testes de lateralidade com metodologia diferenciada.

Com exceção dos testes de lateralidade, as outras baterias consistem

em 10 tarefas motoras cada, distribuídas entre 2 e 11 anos, organizadas

progressivamente em grau de complexidade, sendo atribuído para cada tarefa,

em caso de êxito, um valor correspondente a idade motora (IM), expressa em

meses.

Ao final da aplicação, dependendo do desempenho individual em cada

bateria, é atribuída à criança uma determinada IM, em cada uma das áreas

referidas anteriormente (IM1, IM2, IM3, IM4, IM5, IM6), sendo após, calculada a

idade motora geral (IMG) e o quociente motor geral (QMG) da criança. O valor

do quociente motor é obtido pela divisão entre a idade cronológica, multiplicado

por 100.

49

Quadro 1: quociente motor em meses classificação 130 ou mais Muito superior

120 a 129 Superior

110 a 119 Normal alto

90 a 109 Normal médio

880 a 89 Normal baixo

70 a 79 Inferior

69 ou menos Muito inferior

As baterias de testes de Motricidade Global e Equilíbrio da escala EDM,

consistem num conjunto de 10 tarefas motoras cada uma, progressivamente

mais difíceis de executar, divididas por faixa etária

Tarefa de motricidade global e equilíbrio

2 anos subir em um banco equilibrar-se sobre um banco

3 anos saltar sobre uma corda equilibrar sobre um joelho

4 anos saltar no mesmo lugar equilibrar-se com o tronco flexionado

5 anos saltar uma altura de 20 cm equilibrar-se nas pontas dos pés

6 anos caminhar em linha reta fazer o “pé manco” estático

7 anos fazer o “pé manco” fazer o quatro

8 anos saltar uma altura de 40 cm equilibrar-se de cócoras

9 anos saltar no ar equilibrar-se com o tronco flexionado

10 anos fazer o “pé manco” com uma caixa de fósforos, equilibrar-se nas

pontas dos pés com os olhos fechados

11 anos saltar sobre uma cadeira “pé manco” estático de olhos fechados

A criança foi avaliada individualmente, em sala ampla e com o mínimo

de ruídos, disponibilizada pela Direção de cada Escola.

Para o tratamento dos dados foi utilizada a análise descritiva, feita

através da média, desvio padrão, valor mínimo e valor máximo,

mediana,variância e moda.

A avaliação motora da organização temporal foi realizada conforme

procedimentos adotados no Manual de Avaliação Motora (ROSA NETO, 2002),

cujo objetivo e analisar o desenvolvimento da dimensão lógica do

conhecimento de ordem e duração em que os acontecimentos se sucedem.

Esses procedimentos consistem de quatro tarefas:golpes, desenho,

leitura e ditado. A tarefa de golpes consiste em realizar toques (batidas) na

50

mesa com um lápis. Esta tarefa exige da criança a percepção auditiva dos sons

emitidos pelas batidas da experimentadora e a sua reprodução com o lápis.

Na tarefa de desenho a criança observa cartões com círculos

desenhados, dispostos de forma a representar sons mais espaçados (círculos

mais distantes) e sons mais curtos (círculos próximos), tendo que reproduzi-los

em sua quantidade e respeitar os espaços.

Na tarefa de leitura a criança observa outras figuras, tendo que

reproduzi-las, agora, em forma de sons. Na ultima tarefa, a de ditado, a criança

escuta os golpes e deve reproduzi-los no papel em forma de desenho, como na

tarefa anterior.

Para a realização das tarefas a criança, foi conduzida individualmente à

sala e se posicionou sentada na frente da avaliadora, estando entre elas uma

pasta, de forma a impedir que a criança visse as mãos da avaliadora,conforme

recomendações do protocolo adotado.

As tarefas seguiram a ordem de avaliação do protocolo para o teste de

organização temporal: golpes, desenho, leitura e ditado.

4.2 Teste PROHMELE de habilidades metalinguísticas e de leitura

As provas de habilidades metalinguísticas e de leitura, verificam as

habilidades referentes à identificação de sílabas, fonemas, bem como a

capacidade de manipulá-los, bem como perceber auditivamente as partes que

constituem as palavras, formação de novas palavras, aprendizagem essas que

posteriormente serão transferidas para a leitura e escrita. (CUNHA;

CAPELLINI, 2009)

O protocolo é divido em duas partes:

Parte A

Refere-se às provas de habilidades metalinguísticas;

Parte B

Refere-se à provas de leitura de palavras reais e não palavras.

A 1

Provas de identificação silábica e fonêmica:

Identificação de sílaba inicial

Identificação de sílaba media,

51

Identificação de sílaba final

Identificação de fonema inicial

Identificação de fonema medial

Identificação de fonema final

A 2

Provas de manipulação silábica e fonêmica:

Segmentação silábica

Adição silábica

Substituição silábica

Combinação silábica

Subtração silábica

Segmentação fonêmica

Adição fonêmica

Substituição fonêmica

Combinação fonêmica

Subtração fonêmica

A 3

Repetição de Não-Palavras

Repetição de Não-Palavras monossilábicas

Repetição de Não-Palavras dissilábicas

Repetição de Não-Palavras trissilábicas

Repetição de Não-Palavras polissilábicas com 4 sílabas

Repetição de Não-Palavras polissilábicas com 5 sílabas

Repetição de Não-Palavras polissilábicas com 6 sílabas

B

Provas de Leitura: Leitura de palavras reais onde foi apresentada uma

lista de palavras reais isoladas (133 palavras);e Leitura de pseudopalavras

onde foi apresentada uma lista de pseudopalavras (27 pseudopalavras). As

pseudopalavras são entendidas aqui, como logátomo, ou seja, uma sílaba ou

uma sequência de sílabas que pertencem à língua, mas que não formam uma

palavra com significado. A aplicação das provas de habilidades

metalinguísticas foi realizada de forma que o escolar não tivesse pista visual da

52

articulação dos sons produzidos pela examinadora. As respostas do escolar

foram anotadas na folha de respostas do PROHMELE. O escolar foi instruído e

treinado previamente, por meio de exemplos similares aos da prova, para que

soubesse o que deveria fazer.

As provas de leitura foram realizadas em voz alta e gravadas em

gravador digital para posterior análise da leitura. O escolar recebeu instrução

de como deveria ler as listas de palavras, apresentadas no formato de letra

Arial, tamanho 14, espaço duplo, divididas em colunas segundo extensão de

palavras (monossilábicas, dissilábicas, trissilábicas e polissilábicas – 4 a 7

sílabas) e de pseudopalavras (monossilábicas, dissilábicas, trissilábicas). Na

prova de leitura de pseudopalavras, foi esclarecido aos escolares que os

mesmos iriam ler palavras que não existem, e que por isto não faz parte de seu

vocabulário.

O número de palavras que compõem a prova de leitura de palavras reais

e pseudopalavras é diferente, pelo fato de que, a primeira lista foi composta de

palavras segundo as regras de correspondência grafofonêmica independente

do contexto e de correspondência grafofonêmica e dependente do contexto.

Enquanto que a segunda lista apenas foi composta de pseudopalavras,

derivadas de palavras segundo a regra de correspondência grafofonêmica

independente do contexto.

Todas as provas deste estudo foram analisadas segundo o critério de

erros. A caracterização dos tipos de erros da leitura de palavras reais e

pseudopalavras, foi realizada a partir de critérios estabelecidos para o

Português do Brasil, descritos a seguir:

D1 - Regra de correspondência grafofonêmica independente do contexto

referentes às palavras regulares com correspondência unívoca.

D2 - Regra de correspondência grafofonêmica dependente do contexto

referentes às regras aplicadas às palavras irregulares.

D4- Valores da letra “X” dependentes exclusivamente do léxico mental e

ortográfico.

Na prova de leitura de pseudopalavras foi considerada somente a regra

D1, pois seu objetivo é verificar a correspondência unívoca entre letra e som.

53

4 RESULTADOS

Como já foi citado acima toda avaliação, dos aspectos metalinguísticos e

de leitura e dos aspectos psicomotores, foi realizada com a supervisão dos

serviços de fonoaudiologia e terapia ocupacional fornecidos no Centro

Educacional Multidisciplinar “Pequeno Príncipe” da cidade de Promissão.

Na avaliação das habilidades metalinguísticas utilizou-se o protocolo

Prohmele, Cunha; Capellini (2009), e obtivemos os seguintes resultados.

Nas provas de identificação de sílabas e fonemas que corresponde a

parte A 1 do caderno de provas, a criança teve desempenho abaixo do

esperado para sua idade cronológica e nível escolar atual. Não reconhece

sílabas simples, nem tampouco as sílabas que apresentam encontros

consonantais.

O mesmo aconteceu com a identificação dos fonemas isolados nas

palavras, reconheceu apenas os sons de vogais.

Nas provas de manipulação silábica e fonêmica que corresponde a parte

A2, ocorreu o mesmo, a criança apresentou desempenho abaixo do esperado

para idade cronológica e nível escolar atual.

Nas provas de repetição de não palavras correspondente a parte A3 do

protocolo, a criança apresentou lentidão na repetição de Não-palavras, trocas

de fonemas e omissões de fonemas.

Nas provas de leitura, correspondente a parte B do protocolo a criança

não obteve êxito esperado para sua idade e nível escolar atual. Muitas vezes

tentava adivinhar o que estava escrito, falando qualquer palavra que lhe vinha

à mente ou usando a primeira letra para tentar adivinhar as palavras reais, o

mesmo acontecia com as Não-palavras.

Pode concluir pela avaliação à partir desse protocolo que a criança não

está alfabetizada mesmo após permanecer no Ensino Fundamental por 5 anos,

pois, repetiu o 4º ano do Ensino Fundamental.

Apresentou atraso na linguagem oral, verificado pela lentidão em repetir

palavras reais e Não-palavras, além das omissões silábicas e fonéticas.

De forma geral a criança apresentou quadro de atraso na aquisição da

linguagem oral e escrita, atraso na aquisição das habilidades de análise e

síntese fonêmica e silábica (identificação) , atraso na aquisição das habilidades

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de manipulação silábica e fonêmica , o que resulta em leitura disfuncional ou

inexistente, além da ineficácia no desenvolvimento escolar com relação á

leitura e escrita.

Na avaliação dos aspectos psicomotores utilizou-se a bateria de testes

EDM (escala de desenvolvimento motor) de Rosa Neto (2002). Foram

avaliados seis aspectos dos sete citados anteriomente.

Motricidade fina

Motricidade global

Equilíbrio

Esquema corporal

Organização espacial

Organização temporal

Na motricidade fina, a criança apresentou dificuldade acentuada, no

planejamento motor do exercício de labirinto, com traços que não respeitavam

as margens, com distorções gráficas, pressionando demais os instrumentos

com os dedos.

Na motricidade global os movimentos foram incoordenados, não

conseguindo dissociar os movimentos dos membros superiores dos inferiores.

Com relação ao equilíbrio a criança teve dificuldade em manter-se nos

exercícios de equilíbrio estático , com olhos fechados. Mostrou-se inquieto.

Em exercícios de equilíbrio dinâmico, ou seja, quando solicitado à se

movimentar tentou várias vezes se reajustar com apoio e lateralização do

corpo.

Nos exercícios para avaliação do esquema corporal, observou-se

dificuldade em nomear algumas partes do corpo, como cotovelo, tornozelo, na

lateralidade também demonstrou dificuldades, não reconhecendo direita e

esquerda, imitação de gestos bi-manuais distorcidos, com dificuldade na

movimentação óculo-manual.

Com relação aos exercícios que avaliam a organização espacial e

temporal, na discriminação auditiva e reprodução das batidas de lápis na mesa

a criança não soube executar. Não compreendendo que os sons produzidos

pelas batidas de lápis na mesa poderiam ser reproduzidos por símbolos

escritos como bolinhas, ou círculos no papel.

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Esse exercício foi o que a criança encontrou mais dificuldade, pois,

quando solicitada à reproduzir o mesmo som, batendo também na mesa com o

lápis, não foi capaz de produzí-lo com o mesmo ritmo e periodicidade.

Maior dificuldade encontrou quando foi solicitado desenhar o som no

papel através de bolinhas que representavam as batidas na mesa.

Durante todo o teste a criança manteve postura desanimada, pondo a

mão para apoiar a cabeça quando devia escrever ou desenhar algo.

Sua fala era repetitiva e desconexa, com pouca concentração e

momentos de dispersão. A criança a todo momento trazia conteúdos verbais

fora do contexto, parecendo estar pensando em algo que não tinha relação

alguma com o momento vivido.

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CONCLUSÃO

É possível verificar através das avaliações das habilidades

metalinguísticas que a criança apresenta um atraso considerável no

desenvolvimento da linguagem oral, da consciência fonológica e no acesso ao

léxico mental, o que por sua vez impossibilita a aquisição da escrita e leitura.

Devido à pouca percepção auditiva, a criança não é capaz de discriminar

sílabas e fonemas isolados, muito menos dentro das palavras. Sua pouca

capacidade de manipulação fonêmica e silábica, não o permite pensar na

formação de novas palavras.

Conclui-se que sem essas habilidades a criança permanece sem se

alfabetizar, o que lhe acarreta prejuízos na evolução escolar,sem

aproveitamento de currículo e dependente de estratégias diferenciadas de

professores de apoio pedagógico e de Atendimento Educacional Especializado

(AEE). Serviço esse destinado à criança com Necessidades Educacionais

Especiais ou Deficiência.

Com relação à avaliação dos aspectos psicomotores, também verifica-

se, atraso considerável no desenvolvimento de estruturas cognitivas essenciais

ao aprendizado de conceitos, e do desenvolvimento do raciocínio abstrato.

Mais especificamente, no aspecto da lateralidade, da organização espacial e

temporal.

Esses três fatores psicomotores já foram analisados anteriormente e

citados como fundamentais para a aquisição da leitura e escrita. Devido à sua

influência na percepção do rítmo e periodicidade dos sons nas palavras, das

palavras nas frases, e na compreensão da sequência lógica destas num texto,

tão necessárias para formar o enredo de uma história e posterior interpretação

por parte do aluno.

A lateralidade ainda não definida pela criança analisada, pode ter

influencia direta em sua dificuldade de organizar a escrita no caderno, na

inversão de letras e percepção invertida das letras na lousa.

É também fator crucial na compreensão do sentido da escrita, que se

processa sempre da esquerda para a direita, respeitando margens e

delimitações do caderno.

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A dificuldade na organização temporal, pode ser o fator que o impede de

perceber que as palavras são formadas por unidades, que obedecem uma

sequência definida, que cada fonema tem um lugar certo para permanecer

dentro da palavra e que numa frase existem intervalos entre elas.

Diante do que foi exposto neste trabalho é possível afirmar que a criança

apresenta um quadro de desenvolvimento metalinguístico e psicomotor que

não condiz com os padrões normais. Compondo manifestações típicas de

transtorno de aprendizagem, com comprometimento das áreas de linguagem,

raciocínio lógico, e àrea motora.

As dificuldades observadas nas avaliações, acompanham a criança,

desde sua entrada na escola, o que leva a crer que não é fruto de metodologia

ineficiente, e sim de um quadro sintomático próprio do desenvolvimento

anormal da criança.

Esse conjunto de sintomas está de acordo com a definição de transtorno

da aprendizagem definida no DSM-IV (1995) que estabelece que as

pertubações da aprendizagem iniciam-se na infância ,podendo acompanhar o

indivíduo por toda sua vida, caracterizando-se como, um rendimento muito

abaixo do esperado para a idade em testes padronizados de leitura, escrita, e

aritmética. Influenciando inclusive, na vida cotidiana da criança, quando

solicitada à utilizar-se dos recursos das áreas citadas acima.

Esse quadro sintomático ainda pode de acordo com o DSM-IV (1995),

estar associado à comorbidades, como déficits cognitivos medidos em testes

de Q.I,à outros transtornos psiquiátricos como depressão, déficit de atenção,

hiperatividade, transtornos psicóticos. Necessitando para fechamento de

diagnóstico, de avaliações mais detalhadas pela área médica em conjunto com

outros profissionais.

Portanto conclui-se que diante das avaliações realizadas, encontrou-se

correspondência entre atraso no desenvolvimento psicomotor e atraso no

desenvolvimento das habilidades metalinguísticas. Não sendo possível diante

das limitações dos testes utilizados e do curto tempo de avaliação, afirmar se o

atraso psicomotor foi causa anterior ao atraso das habilidades metalinguísticas,

ou vice-versa. O que ficou claro diante do exposto, foi que as áreas com atraso

de desenvolvimento atuam em conjunto na dinâmica do individuo, causando

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grandes prejuízos nas aquisições cognitivas, com perdas acadêmicas que

influenciarão em toda sua vida escolar.

Quadro esse que torna o aluno aqui analisado, como público alvo das

políticas de inclusão da criança com Necessidades Educacionais Especiais,

não sendo possível mantê-lo na sala de aula regular sem o apoio de

profissionais especializados na área da Educação Especial .

59

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