Psicanálise - A Razão, Desde Freud

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  • Gilson Iannini filsofo epscanalista. Doutor em Filosofia

    na (USP), mestre em Psicanlise (Universidade de Paris VIII).

    Professor do Departamento deFilosofia da Universidade

    Federal de Ouro Preto (UFOP).Autor de Estilo e Verdade em

    Jacques Lacan

    A razo, desde FreudAo inventar a Psicanlise, Freud esbarra em temticas e tradies filosficas que ele no inventou. Um conceitomoderno de razo no pode ser indiferente subverso freudiana

    Por Gilson Iannini

    "Isso no nada! Deve ser psicolgico! Quantas vezes frases do tipo no so proferidas ali, onde o discurso mdico se deparacom seus limites? Buscando tranquilizar o paciente quanto natureza de seu sofrimento, o mdico afirma algo do tipo: Fiquetranquila, voc no tem nada. Seu sintoma psicolgico. Sem se dar conta, o discurso mdico, nesses momentos, acabaemprestando ao sintoma o estatuto de mentira, de falsidade.

    Esse quadro no era muito diferente na Viena antes de Sigmund Freud (1856-1939). E foi contra esse silenciamento do sintomaque Freud se levantou. A premissa fundamental sobre a qual ele inventou a Psicanlise era justamente a de que um sintoma fosse ele histrico, obsessivo, fbico, paranoico , traduzia algo da ordem da verdade. Mesmo que no houvesse nenhuma baseorgnica reconhecvel. Mesmo que no houvesse, na disposio do saber, uma figura capaz de acolher a espessura daquelesofrimento.

    Esse nada ao qual o discurso mdico reduzia o sofrimento psquico foi elevado por Freud ao estatuto de uma verdade dosujeito. Para o inventor da Psicanlise, a inexistncia de um substrato orgnico para a doena no queria dizer que o sintoma nofosse real. Mas de que real o sofrimento psquico nos fala? Qual o gnero de verdade posto pelo sintoma?

    A essa altura, o leitor pode questionar: mas o que tudo isso tem a ver com Filosofia? Por que diabos um filsofo, ocupado comgrandes temas acerca da razo e do conhecimento, do agir e dos valores, deveria preocupar- se com questes to regionais, tomarginais, relativas ao sofrimento psquico? O interesse filosfico da Psicanlise reside justamente a. Sem que Freud tivesseprocurado, ele esbarra em problemas e tradies externas racionalidade psicanaltica. Ao construir sua metapsicologia, oarcabouo conceitual da teoria que fundamenta a prtica de escuta e tratamento do sofrimento psquico, Freud acaba formulandouma teoria do sujeito calcada em dois pilares: a estrutura inconsciente da atividade mental e o carter pulsional da sexualidadehumana.

    Assim sendo, ele acaba questionando dois pilares da Filosofia Moderna: a equivalncia entresubjetividade e conscincia, e o postulado da autonomia da vontade. Ao deixar de caracterizar osujeito pela transparncia dos atos de conscincia desde Descartes, o conhecimento humano seriadefinido por meio da evidncia para a conscincia (tudo aquilo que evidente para mim, na ordemdas razes, deve ser verdadeiro na ordem das coisas) , Freud estaria propondo abandonar o soloseguro da conscincia como base da teoria da subjetividade. Alm disso, ao mostrar o carterpulsional da sexualidade, Freud estaria questionando a ideia, to cara a Kant, de que s podemosser responsabilizados por nossos atos porquanto agimos fundamentados unicamente na autonomiada vontade.

    O conceito de pulso diz justamente que, no domnio de nossas escolhas sexuais, incluindo a asescolhas relativas ao nosso prprio ser, os mveis ltimos das nossas escolhas no coincidem com oque designamos como vontade livre. Ao contrrio, somos determinados, ao menos em parte, porfatores contingentes ligados nossa histria singular como sujeitos.

    Por tudo isso, Jacques Lacan (1901- 1981) props o provocativo sintagma a razo desde Freudpara indicar que a racionalidade moderna no poderia ser indiferente ao corte representado pelainveno da Psicanlise, como teoria e como dispositivo de uma prxis. Por exemplo, sem quepudesse adivinhar, Freud, ao acolher o sofrimento psquico como uma verdade discordante emrelao ao saber mdico, acabou reafirmando uma tese filosfica cara dialtica. Hegel (1770-1831)dizia que verdade e saber so duas ordens separadas, que s coincidiriam no longnquo momento dosaber absoluto. Mas, na experincia da conscincia, saber e verdade entrariam numa espcie deconflito. A cada passo dado pelo saber, algo da verdade escapa a esta apreenso pelo conceito. Ora,a Psicanlise, diz Lacan, representa um novo sismo nas relaes entre saber e verdade.

    Mas isso no tudo. No apenas algumas ideias centrais da concepo filosfica acerca dasubjetividade moderna so postas em xeque pela inveno da Psicanlise. Pois algum poderiadizer: Sim, verdade, mas a estrutura da razo como tal no tem nada a ver como isso! Mas no bem assim. Freud, ao tratardo inconsciente, por exemplo, no est dizendo que algumas de nossas ideias so desconhecidas de ns mesmos ou quehaveria uma zona escura da nossa mente habitada por fantasmas; que somos, no fundo, animais irracionais. Ao contrrio, Freudest afirmando que o inconsciente estruturado por leis sistemticas. Que o pensamento, em si mesmo, antes de adquirir a

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    PedroMquina de escreverRevista Filosofia - Cincia & Vida, n. 73, jul. 2.012

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  • subjetividade moderna so postas em xeque pela inveno da Psicanlise. Pois algum poderiadizer: Sim, verdade, mas a estrutura da razo como tal no tem nada a ver como isso! Mas no bem assim. Freud, ao tratardo inconsciente, por exemplo, no est dizendo que algumas de nossas ideias so desconhecidas de ns mesmos ou quehaveria uma zona escura da nossa mente habitada por fantasmas; que somos, no fundo, animais irracionais. Ao contrrio, Freudest afirmando que o inconsciente estruturado por leis sistemticas. Que o pensamento, em si mesmo, antes de adquirir aqualidade inconstante da conscincia, inconsciente. Ou seja, ele est postulando que a prpria razo no mais a mesma, seadmitirmos as ideias de inconsciente e de pulso.

    Muitas questes importantes se estabelecem desde ento: a Psicanlise uma Cincia? O que a Psicanlise pode nos dizeracerca da tica e da responsabilidade? Os conceitos psicanalticos servem apenas para pensar a prtica clnica ou eles podemnos auxiliar a repensar a teoria social, as produes estticas e a experincia religiosa? So questes deste tipo que a colunaque inauguramos hoje pretende abordar.

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