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PRÓXIMO NÚMERO: DOSSIÊ TEMÁTICO “VESTÍGIOS DA ESCRAVIDÃO”

Para nossa próxima edição, procuramos estudos sobre a escravidão em si, enquanto obje-to histórico; sobre os documentos que ainda a testemunham; e sobre as marcas que a complexa teia de relações sociais e econômicas da escravidão deixou na sociedade brasileira atual. A ideia é dar ao assunto uma abordagem científica multifacetada, com textos produzidos a partir das áreas de História, Ciências Sociais, Direito e Literatura, entre outros possíveis olhares. Os artigos podem ser enviados para histó[email protected] até a segunda quinzena de fevereiro de 2014.

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Editorial

Arquivos públicos são, antes de qualquer coisa, o lugar da memória refletida nos documen-tos oficiais. Os historiadores hoje, mesmo reconhecendo o valor dessa fonte, sabem que ela não pode ser interpretada de forma literal; e que, no estudo cuidadoso dos documentos, muitas vezes emergem lacunas e incoerências, cuja investigação abre novos caminhos. É dessa contradição que trata o número 60 da Revista Histórica Online.

Tal discrepância se manifesta, por exemplo, nos arquivos do Judiciário, objeto do artigo do historiador Fernando Alves da Costa, “O quanto valia, afinal? O problema dos preços nos inven-tários post-mortem do século XIX”. Ao tratar do problema dos inventários dos falecidos no século XIX, o articulista chama a atenção para a variabilidade dos preços atribuídos aos bens dos mortos. Esses bens podiam ser objeto das mais disparatadas avaliações. No artigo, fica demonstrado que tais variações aconteciam de acordo com uma série de determinantes sociais, que dizem muito sobre a sociedade brasileira do século retrasado.

Outra discrepância significativa entre os documentos oficiais da Justiça e a realidade que eles circundam pode ser percebida nos processos relativos a crimes sexuais que passaram pela Comarca de Ribeirão Preto, particularmente na vigência do Código Penal de 1940. O psicólogo Rafael De Tilio, autor do artigo “Queixas de crimes sexuais e formação de famílias: interesses par-ticulares e interesses do Estado entre as décadas de 1890 e 1970”, chama a atenção para o fato de que, no julgamento de crimes como sedução e estupro, o objetivo muitas vezes nem era tanto a punição dos culpados, mas sim a extinção do processo via o casamento da vítima (mulher) com o acusado. O Estado assumia, assim, a função de formador de famílias, de acordo com certos crité-rios que considerava apropriados.

A historiadora Patrícia Ferreira dos Santos, em seu artigo “Vigilância eclesiástica e discipli-namento social: limites e especificidades das prerrogativas da justiça diocesana no século XVII”, lembra a coexistência, no Brasil Colônia, da justiça do Rei e da eclesiástica, mediada pela institui-ção do padroado (acordo entre o Rei de Portugal e o Papa, no qual este último delegava ao so-berano a autoridade para organizar e financiar as atividades da Igreja Católica em seus domínios

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coloniais). Se por um lado a Igreja exercia um poderoso controle social sobre seus fiéis, utilizando até a ameaça de excomunhão para dominá-los, por outro lado tal autoridade não se exercia sem fricções com o poder governamental. O caminho para descobrir os limites e contradições dessa coexistência sem dúvida passa pelos arquivos eclesiásticos, que a autora pesquisou.

E para finalizar, o historiador Robson Roberto da Silva aborda, em seu “Marginalização, de-linquência e criminalidade infantil na cidade de São Paulo no início do século XX”, uma questão sempre atual no Brasil. Robson utiliza outro tipo de documentação presente nos arquivos - os jornais - para mostrar o viés ideologicamente carregado com que a sociedade brasileira tratava este problema, à medida que uma nova mão de obra ia se colocando no mundo do trabalho, e ocasionando novos problemas para a classe dominante.

Em “Imagens de uma época”, a Revista Histórica destaca um importante acervo do Arquivo Público do Estado de São Paulo, produzido pela então Secretaria do Estado da Educação e da Saúde Pública. Tratam-se de fotos de 34 Grupos Escolares construídos na Primeira República, cor-respondendo à concepção de ensino universal então apregoada pelos republicanos. Construídas no estilo neoclássico vigente na época, todas essas escolas continuam funcionando até hoje.

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Sumário

E QUANTO VALIA, AFINAL? O PROBLEMA DOS PREÇOS NOS INVENTÁRIOS POST-MORTEM DO SÉ-CULO XIX - Fernando A. Alves da Costa...........................................................................................6Resumo...............................................................................................................................................................6 Referências.........................................................................................................................................16

VIGILÂNCIA ECLESIÁSTICA E DISCIPLINAMENTO SOCIAL: LIMITES E ESPECIFICIDADES DAS PRERROGATIVAS DA JUSTIÇA DIOCESANA NO SÉCULO XVIII - Patrícia Ferreira dos Santos......18Resumo...............................................................................................................................................18Justiça régia e justiça eclesiástica na colonização da América Portuguesa: a esfera da jurisdi-ção.....................................................................................................................................................................19A jurisdição eclesiástica no âmbito do direito de padroado régio ultramarino........................21Da ação com vistas ao disciplinamento social ...............................................................................25Considerações finais ......................................................................................................................................31Referências..........................................................................................................................................32

QUEIXAS DE CRIMES SEXUAIS E FORMAÇÃO DE FAMÍLIAS: INTERESSES PARTICULARES E INTE-RESSES DO ESTADO ENTRE AS DÉCADAS DE 1890 E 1970 - Rafael De Tilio............................37Resumo................................................................................................................................................37A Justiça como promotora do casamento na criminalidade sexual............................................38Direito à queixa e formação de famílias no CP1940.....................................................................40Moral, honestidade, mulheres, direitos e sociedade......................................................................42Referências..........................................................................................................................................44

MARGINALIZAÇÃO, DELINQUÊNCIA E CRIMINALIDADE INFANTIL NA CIDADE DE SÃO PAU-LO NO INÍCIO DO SÉCULO XX - Robson Roberto da Silva ........................................................46Resumo................................................................................................................................................46O crescimento urbano e populacional e a vida cotidiana nos cortiços da cidade de São Pau-lo........................................................................................................................................................................47A atuação da polícia e das instituições correcionais no combate à deliquência infantil ......53Fontes Documentais e Referências.................................................................................................55

IMAGENS DE UMA ÉPOCA ...........................................................................................................57

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COSTA, Fernando Alves da. E quanto valia, afinal? O problema dos preços nos inventários post-mortem do século XIX. Histórica, São Paulo, ano 9, n. 60, p. 06-17, dez. 2013.

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E QUANTO VALIA, AFINAL? O PROBLEMA DOS PREÇOS NOS INVENTÁRIOS POST-MORTEM DO SÉCULO XIX

Fernando A. Alves da Costa1

Resumo: Ao longo do texto buscamos apresentar e discutir a problemática em torno dos preços dos bens nos inventários post-mortem, documentação largamente utilizada pela historiografia. Abordamos dois casos particulares para sustentar o argumento de que a definição dos preços apresentados nesse tipo de documentação poderia sofrer influências das mais variadas possíveis, obrigando a uma análise crítica dos valores apresentados. Isso porque não resultavam de uma transação efetivamente concretizada e porque os indivíduos responsáveis pelas avaliações eram, antes de mais nada, sujeitos imersos na complexa teia de relações sociais, políticas e econômicas das sociedades em que viviam. Em meio a tal condição, não estavam alheios a interesses mais imediatos subjacentes à produção e reprodução de suas vidas materiais.

Palavras-chave: Inventários post-mortem. Preços. Século XIX.

Abstract: Throughout the text we present and discuss the issues surrounding commodity pri-ces in postmortem inventories, documentation widely used in historiography. We address two particular cases to support the argument that the definition of prices presented in this kind of documentation could be under the most diverse influences, demanding a critical analysis of the figures. This is necessary because these figures are not a result of a transaction effectively imple-mented, and because the individuals responsible for the appraisals were, first and foremost, sub-jects immersed in the complex web of social, political and economic interactions of the societies in which they lived. Amongst such conditions, they were not alien to the more immediate inte-rests underlying the production and reproduction of their material lives.

Keywords: Post-mortem inventories. Prices. The nineteenth century.

1 Graduado em História (licenciatura e bacharelado) pela Universidade Federal de Viçosa. Mestre em História pela Unesp/Franca. Doutorando do Programa de Pós-Graduação em História Econômica da FFLCH/USP. Membro do Hermes e Clio, núcleo de pesquisa em História Econômica da FEA/USP. O trabalho apresentado faz parte de um estudo mais amplo que conta com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado São Paulo (Fapesp). E-mail: [email protected].

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Desde o pioneiro estudo de Alcântara Machado (2006) acerca da constituição dos patrimô-nios dos habitantes da São Paulo Colonial, com base em inventários post-mortem, muitos outros se seguiram, utilizando esse tipo de documentação. Por sua riqueza de informes, que permite a recuperação de uma miríade de aspectos acerca das sociedades pretéritas do Brasil, e por sua disseminação por praticamente todas as localidades brasileiras desde o século XVIII, mais recen-temente a historiografia brasileira consagrou os inventários post-mortem como um tipo de fonte dos mais utilizados em estudos das mais variadas matizes temáticas e teóricas.2

Não obstante o pioneirismo de Vida e morte do bandeirante (MACHADO, 2006), o tom das análises posteriores acerca da temática da riqueza nas mais antigas sociedades do Brasil - nosso campo de pesquisa, com base na recuperação de longas séries de inventários post-mortem –, foi dado por Zélia Cardoso de Mello em Metamorfoses da Riqueza (1990). Nesse estudo, a abordagem qualitativa da documentação, uma das marcas da análise de Machado, foi substituída por proce-dimentos metodológicos de quantificação dos informes coletados, o que não implica rejeitar a análise qualitativa dos dados.

Contudo, para o pesquisador que lida com longas séries de inventários, uma certa frustra-ção acompanha permanentemente o curso da pesquisa: as inúmeras e ricas histórias de cada um dos processos inevitavelmente se perdem por trás das quantificações, obrigatórias na tentativa de estabelecer alguma inteligibilidade para a pesquisa. Disputas por heranças, conflitos por re-conhecimento ou não de paternidades fora dos casamentos oficiais, estratégias de sonegação, conflitos pela posse de bens, casos de enriquecimento ou empobrecimento ao longo da vida, arranjos matrimoniais, enfim, uma incontável gama de enredos que poderiam ser recuperados perde-se em função da necessidade de utilização de longas séries de inventários com uma quan-tidade apreciável de dados, que possibilitem respostas mais seguras possíveis para os problemas de pesquisa.

O parágrafo acima demonstra uma mínima ideia da riqueza de informes oferecida pelo tipo de fonte tratada. Entretanto, assim como qualquer outro tipo de documentação, os inventários também são passíveis de críticas, exercício sempre indispensável na prática historiográfica. Para o caso específico dos inventários, algumas das principais críticas se referem à representatividade dos inventariados – que representam apenas uma parcela de dada população e não o seu total – e ao fato de serem a expressão de um momento estanque da trajetória de um indivíduo, e não a síntese de sua vida. Certamente esses dois aspectos conferem alguns importantes limites às afir-mações lastreadas nos informes oferecidos por esse tipo de documentação, e vêm sendo tratados pela historiografia com maior ou menor grau de profundidade.

2 Somente no âmbito de nosso tema de pesquisa, a constituição e a concentração da riqueza em sociedades pretéritas, elencamos alguns dos principais trabalhos que utilizaram longas séries de inventários post-mortem. Não queremos com isso negar a disseminação da utilização desse tipo de documentação por pesquisadores com os mais variados temas, objetivos e métodos. Contudo, uma apreciação mais pormenorizada da utilização dos inventários pela historiografia atual foge do âmbito deste texto, pois obrigaria o enfrentamento de discussões muito amplas e complexas para o escopo do trabalho. As referências que seguem se tornam assim uma amostragem dos estudos que utilizam inventários post-mortem como fontes dentro da temática da riqueza. Cf. ALMICO (2001), LOPES (2005), MARCONDES (1998), MATTOSO (1992), MELLO (1990), REIS (2005), VALENTIN (2006) e VERSIANI; VERGOLINO (2003).

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Não obstante, e embora não ignorada, uma questão nos parece ainda pouco explorada em-piricamente pela historiografia que utiliza essa documentação. Qual seja: o problema dos preços atribuídos aos bens avaliados em inventário.

Tal questão evidencia-se na medida em que os preços atribuídos aos itens descritos nesse tipo de documento não resultam de uma transação comercial propriamente dita, mas de uma avaliação feita, a priori, sem a intenção de comercialização dos bens arrolados. Como não há ne-cessariamente alguém comprando ou vendendo os bens, a projeção do preço feita na avaliação não resulta de uma transação concreta, o que abre espaço para um questionamento dos preços dos bens avaliados.

Além deste aspecto, cabe destacar também o elemento de subjetividade inerente a qual-quer avaliação que não tenha critérios minimamente estabelecidos. Não existia, à época dos in-ventários do século XIX, qualquer tipo de instrumento que guiasse as avaliações, a não ser a práti-ca cotidiana e a boa fé dos avaliadores, responsáveis por determinar os preços dos bens.

Não obstante os aspectos mencionados, o ponto que discutiremos neste texto é outro. Diz respeito aos interesses e à inserção dos avaliadores dos bens dentro das sociedades em que vi-venciavam suas experiências cotidianas. Cabe destacarmos a importância desses sujeitos no pro-cesso de avaliação dos inventários. Eram indivíduos recrutados da população local e certamen-te gozavam de reputação e prestígio, para serem escolhidos para função tão importante. Muito provavelmente contavam com condições materiais acima da média, uma vez que tinham que conhecer aquilo que avaliavam. O objeto da avaliação poderia ser desde uma simples ferramenta de lavoura ou um utensílio doméstico – familiar a qualquer indivíduo, por mais simplório que fosse – a um artigo mais sofisticado (uma joia, uma louça ou um tecido fino), o que obrigava pelo menos a um mínimo de conhecimento por parte do avaliador. Como estes últimos artigos não eram propriamente disseminados entre a população como um todo, acabava sendo restrito o rol de possíveis avaliadores.

Embora esses indivíduos fossem louvados e prestassem juramento no qual prometiam bem e fielmente avaliar tudo da melhor maneira possível, - o que certamente implicaria uma suposta neutralidade –, entendemos ser crucial considerar que eles estavam imersos nas teias das rela-ções políticas, sociais e econômicas das sociedades em que viviam. Dessa forma, aventamos a possibilidade de que, em muitos casos, interesses mais imediatos pudessem interferir na avalia-ção dos bens arrolados, contribuindo para superestimar os preços ou depreciá-los, conforme o emaranhado de situações que incidiam sobre os avaliadores no desenrolar de suas experiências sociais. Nesses casos, a suposta neutralidade subjacente ao juramento que prestavam certamente ficava restrita ao campo das formalidades, sendo marginalizada na prática.

Durante nossas pesquisas de doutoramento realizadas com base em inventários post-mor-tem sediados no Arquivo do Fórum Artur Bernardes, da cidade de Viçosa (MG0, deparamo-nos

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com alguns casos que revelam situações bastante elucidativas acerca do problema dos preços dos bens inventariados. Ao longo deste texto apresentaremos e discutiremos dois desses casos. O elemento atípico de ambos – e por isso optamos por analisá-los – é trazer à luz explicitamente divergências em relação à avaliação dos bens inventariados. Embora seja possível conjecturarmos que questões dessa natureza também tenham existido em outros inventários, raramente apare-cem de forma tão evidente como nos casos discutidos a seguir, o que os tornam atípicos. Contudo, analisá-los contribui para o entendimento das complexas relações por trás da avaliação dos bens nos processos de inventários post-mortem. Nesses casos selecionados, tais questões aparecem de modo explícito, tornando possível apreendê-las. Abordá-los também nos serve para matizar um pouco da frustração exposta nas linhas iniciais deste texto, uma vez que recuperaremos interes-santes histórias, submersas na abordagem serial e quantitativa empreendida em nossa pesquisa de doutoramento.

Iniciemos pelo caso de D. Rita Lopes da Silveira.3 Natural da cidade de Mariana (MG), fale-ceu em 1875 na fazenda Barra Alegre, freguesia de Santa Rita do Turvo, situada na Vila de mes-ma alcunha. Ao falecer, não deixou nenhum herdeiro direto. Em seu testamento, reproduzido no inventário, elegeu os seus quatro sobrinhos como herdeiros de seu patrimônio. Em casos como esse, ausência de herdeiros diretos e necessários, a lei obrigava o recolhimento da Décima4 para os cofres da Fazenda Pública, o que explica o grande interesse e celeridade do Estado em exigir a abertura do inventário de D. Rita. Ainda no mês de seu falecimento, a Justiça exigia o início do processo. No dia 26 de novembro de 1875, o alferes Francisco José da Silva Cardoso, um dos so-brinhos herdeiros, cumpria intimação e prestava juramento como inventariante dos bens de D. Rita. Um agravante a mais para aguçar as autoridades contemporâneas era o alto valor – para os padrões locais na segunda metade do XIX – dos bens da inventariada. Seu monte-mor, a soma total de seu patrimônio, atingiu o montante de Rs 67:587$285.5

Na composição de sua riqueza, o grupo de ativos com maior representatividade era o dos imóveis, responsáveis por 56% do valor de seu patrimônio. Destacavam-se as diversas casas pos-suídas pela inventariada (tanto rurais quanto urbanas), as diversas benfeitorias (como moinhos, senzalas, paióis, fornos, galinheiros, etc.), e as áreas de plantação (cafezais, roças de milho e terras de culturas em geral). O segundo grupo de ativos com maior participação na riqueza de D. Rita era constituído pela mão de obra cativa. A inventariada possuía uma escravaria formada por 33 indivíduos, 16 mulheres e 17 homens. A soma do valor de seus cativos representava pouco mais de 37% do valor total da riqueza inventariada. Estes deviam ser fundamentais para assegurar a produtividade das extensas áreas de cultivo pertencentes à inventariada, bem como as atividades

3 Inventário de Rita Lopes da Silveira (1875). Arquivo do Fórum Artur Bernardes, Viçosa (MG). Não faremos a referência completa acerca da localização exata dos processos de inventários post-mortem citados no texto dentro do acervo consultado, pois somente no presente momento o Arquivo em questão está passando por um processo de organização e catalogação de sua documentação. 4 Imposto cobrado sobre o valor dos bens inventariados após a dedução das custas processuais e das disposições testamentárias. Na maioria dos processos aos quais tivemos acesso que se enquadravam nas condições de incidência deste imposto, a taxação equivalia a 10%, conforme sugere o próprio nome. Contudo, encontramos alguns casos em que os descontos foram maiores, chegando a 15%. Até este momento não temos explicações para essas cobranças diferentes.5 Nesse caso não nos preocuparemos com a conversão dos valores para Libra Esterlina, recurso largamente utilizado para minimizar a instabilidade da moeda nacional, visto que não procederemos a comparações de preços ao longo do tempo.

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afins e tarefas domésticas. O terceiro grupo de ativos, com participação bem mais reduzida que os dois primeiros, era o das dívidas ativas. Representavam somente 3,4% do valor total dos bens de D. Rita. Disso podemos deduzir que a atividade creditícia ocupava um lugar bastante secun-dário entre as opções de investimento da inventariada. Os animais, bestas de carga, bovinos e suínos, representavam um índice ainda menor de sua riqueza, mais precisamente 1,8%. Supera-vam somente a representatividade dos bens móveis (uma variedade de itens como utensílios do-mésticos, mobílias, joias, ferramentas, estoques, etc.) que constituíam apenas 1,3% do patrimônio descrito. Descontadas as despesas processuais e as disposições testamentárias, o monte partível, o montante que seria repartido entre os herdeiros instituídos por D. Rita, e a base de cálculo para extração da Décima correspondeu a Rs 58:865$083. Dessa forma, o valor recolhido aos cofres públicos ao final do processo equivaleu a Rs 5:886$508, e a cada herdeiro coube uma legítima da ordem de Rs 14:716$270.6

No entanto, o elemento que nos chamou a atenção nesse inventário em particular não foi o montante de sua riqueza, embora bastante acima dos padrões para a localidade que estudamos, nem a composição de seu patrimônio, que estava em conformidade com os resultados gerais com os quais nos deparamos, com forte concentração em cativos e imóveis. Seu aspecto particu-lar, e que nos remete ao objetivo deste texto, foi o explícito debate e as posteriores discordâncias em torno das avaliações dos bens arrolados.

Inicialmente, como de praxe, foram nomeados e juramentados dois indivíduos como avalia-dores dos bens. Foram eles João Lopes de Faria Franco, indicado pelos herdeiros, e Francisco José Alves, indicado pelo Juiz de Órfãos, autoridade responsável pelo encaminhamento do inventário.

Em caso singular entre a documentação que até este momento compulsamos, os avaliado-res apresentaram preços diferentes para muitos dos bens arrolados, especialmente para alguns itens mais caros, como alguns escravos e imóveis. Importante destacar que, embora sempre fos-sem dois, dentro da prática usual, os avaliadores entravam em acordo e apresentavam um único preço para cada item arrolado nos inventários.

A discordância nas avaliações dos bens de D. Rita toma um significado ainda maior quando atentamos para o fato de que, quando houve desacordo, o louvado proposto pelo juiz, invariavel-mente, atribuiu maior valor aos bens. Consequentemente, sua avaliação implicaria um patrimô-nio maior e, consequentemente, uma arrecadação da Décima de maior monta para os cofres da Fazenda Pública.

Alguns exemplos de cativos avaliados ilustram sobremaneira a situação. O preço da escrava Margarida, de 13 anos de idade, foi calculado em Rs 900$000. Por sua vez, a cativa Guilhermina, de 39 anos de idade, teve seu preço estimado em Rs 500$000. Ambas as avaliações foram feitas por Francisco José Alves, o avaliador indicado pelo Juiz de Órfãos – autoridade interessada em 6 Inventário de Rita Lopes da Silveira (1875). Arquivo do Fórum Artur Bernardes, Viçosa/MG.

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superestimar a arrecadação da Décima. Por outro lado, as mesmas cativas foram avaliadas por João Lopes de Faria Franco – indicado pelos herdeiros, provavelmente interessados em reduzir o montante dos impostos a serem recolhidos – em Rs 700$000 e Rs 350$000 respectivamente.

Se essas avaliações apresentaram discordâncias consideráveis, as divergências ganharam proporção maior ainda quando consideramos alguns bens imóveis. Um moinho, benfeitoria da fazenda Barra Alegre, e uma morada de casas sita na rua do Cruzeiro, na vila de Santa Rita do Turvo, ilustram a questão. Os preços atribuídos para esses bens pelo avaliador indicado pelo juiz foram de Rs 700$000 e Rs 2:000$000 respectivamente. Por sua vez, o escolhido pelos herdeiros atribuiu para os mesmos itens exatamente a metade desses valores, Rs 350$000 e Rs 1:000$000.7

Os exemplos supracitados evidenciam de forma bastante sugestiva que Francisco José Alves prestava-se aos interesses da Fazenda Pública, uma vez que fora indicado pela autoridade responsável pelo inventário, maximizando os preços dos bens, o que acarretava na elevação da Décima a ser recolhida.

Por outro lado, o avaliador João Lopes Franco cumpria papel inverso. Indicado pelos herdei-ros, e sendo muito provavelmente pessoa que gozava da confiança deles e próxima à família, atri-buía aos bens preços menores, o que resultaria em um patrimônio menor e, consequentemente, em um valor mais reduzido de Décima a ser pago pelos herdeiros. Embora as disputas entre estes últimos fossem até certo ponto recorrentes na documentação que analisamos, nada evidencia que tenham ocorrido entre os herdeiros de D. Rita, uma vez que em todo o processo nada encon-tramos a esse respeito.

Para resolver o impasse, foi nomeado um terceiro avaliador, com o qual concordaram as duas partes, herdeiros e autoridades. O escolhido foi o capitão Luiz Mendes dos Santos. O que parecia ser a solução da questão significou, na verdade, a continuidade e o aprofundamento dos problemas em torno da definição dos preços dos bens constituintes do patrimônio de D. Rita Lopes da Silveira.

O novo avaliador instituído concordou com a maior parte das avaliações do louvado propos-to pelos herdeiros e com somente uma avaliação feita pelo louvado indicado pelo juiz. Todavia, discordou de ambos nos preços atribuídos a muitos dos bens arrolados. Dessa forma, chegou-se a uma situação bastante inusitada. Para alguns itens, havia três avaliações bastante discrepantes. Foi o caso, por exemplo, de um engenho de socar. O louvado proposto pelo juiz avaliou esse item em Rs 700$000. Por sua vez, o avaliador proposto pelos herdeiros definiu o preço do mesmo bem em Rs 350$000. Finalmente, o terceiro avaliador estipulou em Rs 500$000 o preço do engenho.

O imbróglio se complicava cada vez mais. Mesmo diante da terceira avaliação, o Coletor das Rendas Provinciais, autoridade à qual cabia dar vistas ao processo de inventário se de acordo

7 Inventário de Rita Lopes da Silveira (1875). Arquivo do Fórum Artur Bernardes, Viçosa (MG).

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estivesse com os encaminhamentos dessa documentação, não concordou com algumas das ava-liações feitas, achando-as prejudiciais aos interesses da Fazenda Pública. Questionou a dimensão das terras arroladas e suas avaliações, os preços de alguns cativos na “flor da idade” e o valor de alguns prédios urbanos. Em seguida, listou alguns dos bens que deveriam ser reavaliados: os al-queires de milho da fazenda Barra Alegre, alguns imóveis urbanos e todos os cativos (no total, 36 itens).

Pela quarta vez os bens que constituíram o patrimônio de D. Rita foram submetidos à ava-liação. Para tanto, foram louvados outros novos avaliadores: Joaquim da Silva Soares Cabral e José Lopes de Faria Reis. Estes, de fato, conferiram outros preços para alguns bens, embora nada de muito substancial. Para os bens que não foram listados pelo Coletor e que não sofreram outra avaliação, prevaleceu aquela feita pelo capitão Luiz Mendes dos Santos, o terceiro avaliador – o qual atribuiu preços que se aproximavam muito mais dos que foram indicados pelo avaliador escolhido pelos herdeiros.8 Dessa forma, temos elementos para julgar que o louvado proposto pelas autoridades de fato estava superestimando os valores dos itens do patrimônio de D. Rita, in-teressado em aumentar a arrecadação dos cofres públicos, ao passo que o avaliador indicado pe-los herdeiros parece ter proposto valores mais próximos daqueles praticados naquela sociedade, visto que suas avaliações foram muito mais próximas das demais feitas ao longo do tumultuado processo.

Em síntese, acreditamos que as idas e vindas em torno das avaliações dos bens do inventário de D. Rita Lopes da Silveira ilustram bem o problema dos preços atribuídos aos bens declarados. Embora seu processo seja bastante rico, permitindo que essa questão viesse à tona, entendemos que discordâncias, divergências e desacordos, frutos da simples subjetividade dos indivíduos en-volvidos no processo, ou de interesses, digamos, “menos nobres”, eram inerentes a esse tipo de documentação, ainda que na maior parte dos casos não tenham aparecido no documento expli-citamente.

Um segundo processo de inventário que nos permite embasar o argumento deste texto é o de Joaquim de Oliveira Ribeiro. Uma vez mais o problema em torno dos preços dos bens ava-liados manifesta-se de forma explícita. Ribeiro faleceu em 7 de outubro de 1874 na freguesia de Sant’Anna da Barra do Bacalhau, então constituinte da Vila de Santa Rita do Turvo. No início do ano seguinte, D. Sebastianna Ferreira da Crus, a viúva, prestava o juramento como inventariante dos bens de seu falecido esposo – que, além dela, deixava oito filhos como seus herdeiros. As ati-vidades profissionais de Joaquim eram bastante diversificadas, e ilustram bem a falta de especia-lização típica dos indivíduos que viveram nas sociedades do Brasil pretérito. Era ao mesmo tempo boticário – atividade perceptível pela descrição de alguns de seus bens móveis, como “remédios e vários objetos de botica” – e comerciante, o que se evidencia pela extensa lista de 68 pessoas que lhe deviam pequenas quantias a título de “contas de rol”. Na verdade, as duas atividades aca-bavam sendo complementares, uma vez que parece evidente que o inventariado comercializava 8 Inventário de Rita Lopes da Silveira (1875). Arquivo do Fórum Artur Bernardes, Viçosa/MG.

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aquilo que produzia. Uma outra atividade que exercia em menor escala era o fornecimento de crédito a juros. Seu monte-mor atingiu a soma de Rs 11:276$994, valor considerável em relação ao perfil dos inventariados da localidade de Santa Rita do Turvo na segunda metade do século XIX.9

Na composição de sua riqueza, o grupo de ativos mais representativo era formado pelos seus escravos. Possuía três: Cesário, de 22 anos, Alexandre, de 16 anos e Eva, de 12 anos. A soma dos preços desses escravos representava praticamente 40% do valor total dos bens declarados em seu inventário. Em seguida aparecem os bens imóveis, responsáveis por 29% do patrimônio de Joaquim de Oliveira Ribeiro. Dentre eles destaca-se a morada de casas situada no Largo da lo-calidade, e que, muito provavelmente, assumia as funções de residência e de loja do inventariado. Isto fica indicado pelo alto valor da propriedade (Rs 2:170$000), por sua localização urbana e sua descrição como “morada de casas com benfeitorias”. As dívidas ativas constituíam-se no tercei-ro grupo de ativos mais representativo de seu patrimônio, aspecto explicado por sua atividade comercial e creditícia. Tais dívidas constituíam praticamente um quarto do valor total dos bens arrolados. Os bens móveis – que além de mobílias e utensílios constituíam-se em grande parte pelos estoques do inventariado – constituíam 5,7% do patrimônio de Joaquim Ribeiro; e os ani-mais, 1,37%10.

Entretanto, o ponto de contato desse processo com o argumento desenvolvido neste texto evidencia-se ao acompanharmos os trâmites que se seguiram à avaliação dos bens possuídos pelo inventariado. Joaquim Ribeiro tinha uma elevada dívida passiva, da ordem de pouco mais de 67% do valor de todos os seus bens declarados. Dessa forma ficava comprometida grande parte de seu patrimônio e, consequentemente, a meiação dos bens a que tinha direito a viúva inventa-riante e as legítimas dos filhos herdeiros. Além das dívidas passivas declaradas e consideradas, a inventariante declarou que devia ainda a outras pessoas, mas que não sabia precisar os valores. Ao longo do processo não encontramos mais nenhuma referência a essas outras dívidas, sendo consideradas apenas aquelas de valores e credores declarados e reconhecidos pela viúva.

A maior parte dos credores de Joaquim Ribeiro eram comerciantes sediados na Praça do Rio de Janeiro, provavelmente fornecedores de matérias primas para seus remédios e boticas. Para honrar as dívidas com os credores, o juiz responsável pelo acompanhamento do inventário ordena a praça dos bens do inventariado para que assim fossem feitos os pagamentos. Grosso modo, tal procedimento constituía-se em um leilão público dos bens deixados pelo falecido. Os valores auferidos das arrematações serviriam para os devidos pagamentos. Entretanto, em meio a tais trâmites, a viúva inventariante requisitou a reavaliação de alguns bens que não foram arre-matados. Argumentava que não surgiram interessados em função de seus preços estarem acima dos valores praticados no mercado. Enfatizava que necessitava que fossem arrematados o mais breve possível para arcar com os pagamentos das dívidas deixadas pelo falecido, principalmente

9 Inventário de Joaquim de Oliveira Ribeiro (1874). Arquivo do Fórum Artur Bernardes, Viçosa (MG).10 Ibidem.

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por incidirem juros sobre elas.

Não houve por parte das autoridades qualquer questionamento ao argumento proposto pela viúva, o que pode levar a crer que realmente havia distorções nos preços dos bens inventaria-dos ou que isso não era algo incomum de ocorrer. O Juiz acata o pedido e convoca os avaliadores para reavaliarem alguns bens que iriam à praça novamente. Note-se que, apesar da queixa da viúva inventariante, não foram nomeados novos avaliadores, como no primeiro caso anterior-mente abordado. Os mesmos avaliadores louvados em um primeiro momento foram os mesmos que refizeram suas avaliações, reduzindo os valores de alguns dos itens arrolados no inventário. Importante ressaltar que para a viúva inventariante era imprescindível que os bens fossem arre-matados, gerando divisas para o pagamento das dívidas passivas deixadas pelo falecido Joaquim de Oliveira Ribeiro. Se fossem apresentados à praça pública com valores superestimados inviabi-lizariam todo esse procedimento.11

Dos três escravos de Joaquim Ribeiro, grupo de ativos mais importante na composição de sua riqueza, nenhum deles teve seus preços modificados. Situação diferente da ocorrida com o grupo de ativos imóveis. Dentre os sete itens listados, três deles tiveram seus valores alterados, sempre para baixo. A já citada morada de casas com benfeitorias, situada no Largo Central da lo-calidade de Sant’Anna da Barra do Bacalhau, inicialmente avaliada em Rs 2:220$000 (o bem mais caro dentre todos declarados no inventário), na reavaliação sofreu redução de seu preço para Rs 2:170$000. Outra morada de casas na mesma localidade foi de Rs 240$000 para Rs 180$000. Por fim, os quatro alqueires de terra situados no lugar denominado Forquilha, na mesma freguesia, fo-ram inicialmente avaliados em Rs 120$000. Na reavaliação, o preço foi reduzido para Rs 112$000.

Os bens móveis totalizavam dezesseis itens listados e avaliados; a metade deles sofreu re-avaliação. Por exemplo, um relógio de parede com caixa foi de Rs 50$000 para Rs 40$000. Outro relógio, este inglês, de ouro e de algibeira, foi de Rs 130$000 para Rs 100$000; uma mesa pequena de cedro teve seu preço reduzido de Rs 6$000 para Rs 5$500. Do grupo de ativos animais, das duas bestas declaradas somente uma sofreu reavaliação, tendo seu preço reduzido de Rs 120$000 para Rs 115$000.12

Dois aspectos nos chamaram a atenção. Em primeiro lugar notamos que não havia uma mesma proporção para a redução dos preços entre a primeira e a segunda avaliação. Uns bens sofreram maior redução proporcional de seus preços do que outros. Em segundo lugar, em ne-nhum momento do processo encontramos qualquer explicação para a reavaliação sofrida pelos bens, seja por parte dos avaliadores, seja por parte das autoridades que acataram o pedido da inventariante.

Ao final do processo de inventário de Joaquim de Oliveira Ribeiro não encontramos os re-gistros referentes ao processo de partilha, com as legítimas dos herdeiros e o resumo final do

11 Inventário de Joaquim de Oliveira Ribeiro (1874). Arquivo do Fórum Artur Bernardes, Viçosa (MG).12 Inventário de Joaquim de Oliveira Ribeiro (1874). Arquivo do Fórum Artur Bernardes, Viçosa (MG).

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processo, procedimento bastante comum. Sendo assim, não sabemos se a partilha foi feita e o documento está incompleto, ou se não sobrou nada dos bens para serem partilhados entre os filhos e a viúva do inventariado. Se essa segunda hipótese estiver correta, provavelmente os juros previstos nas dívidas passivas acabaram comprometendo a diferença dos valores que existia en-tre o total dos bens descritos e o valor das dívidas passivas declaradas.13

Em suma, pela análise dos dois casos acima abordados, fica evidente de forma manifesta que a definição dos preços atribuídos aos bens arrolados em inventário era uma questão comple-xa, sujeita a inúmeras variáveis. Nem sempre os elementos da neutralidade e da boa fé, juramen-tados pelos avaliadores, estavam entre os aspectos respeitados. E mesmo que estivessem, havia ainda a questão da subjetividade de quem avaliava. Questões de outra ordem, como as acima apresentadas, interferiam decisivamente na avaliação dos responsáveis em definir os preços dos bens.

Entendemos que, além dos casos acima mencionados, outras situações poderiam perfei-tamente incidir sobre o processo de avaliação dos bens. Um louvado interessado em adquirir, posteriormente à partilha, determinado bem, poderia perfeitamente depreciá-lo no momento da avaliação, com vistas a adquiri-lo pelo menor preço possível. Ou ainda, um louvado que fosse responsável por avaliar os bens de um inventariado bastante endividado, e que lhe fosse próximo, poderia contribuir para superestimar os bens do inventário a fim de facilitar o pagamento das dívidas do processo. Entendemos que embora sejam situações hipotéticas, entre outras tantas possíveis, condições dessa natureza poderiam interferir no momento em que o avaliador tivesse que definir os preços dos bens arrolados nos inventários, alijando a juramentada neutralidade e boa fé da atuação dos avaliadores, sem contar a subjetividade deles.

Por fim, destacamos que esses avaliadores eram também, e antes de mais nada, sujeitos imersos na complexa teia de relações sociais, políticas e econômicas das sociedades em que vi-viam. Em meio a tal condição, ocupavam um “lugar” social e não estavam alheios a interesses mais imediatos e condicionamentos subjacentes à produção e à reprodução de suas vidas materiais, situações que poderiam, conscientemente ou não, interferir na avaliação dos bens, extirpando a juramentada neutralidade e boa fé. A análise mais detida das divergências em torno das avalia-ções dos bens de D. Rita Lopes da Silveira e do pedido de reavaliação dos bens do inventário de Joaquim de Oliveira Ribeiro, acatada sem contestação pelas autoridades, permite ilustrar algumas dessas situações, conferindo concretude ao argumento desenvolvido.

Certamente que a abordagem dos inventários em longas séries temporais, prática recorren-te adotada por muitos pesquisadores que trabalham com esse tipo de fonte, contribui para mini-mizar o problema, embora não seja por si só suficiente para equacioná-lo por completo. O sempre profícuo cruzamento de fontes, no caso dos inventários com outros tipos de documentação, em especial com registros de transações comerciais efetivamente concretizadas, constitui-se em ou-

13 Ibidem.

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tra forma de refletir sobre a questão, permitindo a comparação dos preços. Mais do que sugerir soluções para o problema dos preços nos inventários post-mortem, buscamos somente chamar atenção para uma importante característica dos inventários, documentação largamente utilizada na historiografia brasileira, que julgamos pouco considerada. Dessa forma, entendemos que esse ponto seja passível de reflexão.

Este texto, sem oferecer soluções para o problema, busca tão somente chamar atenção para a questão, uma vez que seu equacionamento deve se dar no âmbito específico dos problemas inerentes a cada pesquisador, não existindo uma única forma de abordar tais limites desse tipo de documentação histórica. Não pretendemos com isso reduzir as possibilidades de pesquisa com base em inventários post-mortem, mas contribuir para o sempre profícuo processo de crítica à fonte, procedimento sempre recomendável na prática dos historiadores e que muitas vezes fica esquecido no calor da pesquisa.

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SANTOS, Patrícia Ferreira dos. Vigilância eclesiástica e disciplinamento social: limites e especificidades das prerrogativas da justiça diocesana no século XVIII. Histórica, São Paulo, ano 9, n. 60, p. 18-36, dez. 2013.

Histórica - A Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo, nº 56, nov. 2012

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VIGILÂNCIA ECLESIÁSTICA E DISCIPLINAMENTO SOCIAL: LIMITES E ESPECI-FICIDADES DAS PRERROGATIVAS DA JUSTIÇA DIOCESANA NO SÉCULO XVIII

Patrícia Ferreira dos Santos1

Resumo: Neste estudo, analisamos a presença eclesiástica junto às sucessivas etapas da vida so-cial. Como exemplificam as paróquias e capelanias do bispado de Minas Gerais no século XVIII, a igreja diocesana marcava presença em etapas fundamentais da vida social, como batismos, casa-mentos e óbitos, mas também se impunha por meio do exercício da justiça eclesiástica. Sua ação, nesse âmbito, era orientada pelo panorama normativo pós-tridentino, que expressa preocupação com a punição dos delitos da alçada eclesiástica, e reivindica uma atuação específica em matéria espiritual. O acervo de processos da diocese de Minas Gerais evidencia que a justiça eclesiástica atuava em conformidade com as diretrizes da metrópole lusitana, em prol do disciplinamento social – mas logrou marcar claras especificidades em relação à justiça régia.Palavras-chave: Padroado régio. Justiça eclesiástica. Tribunal eclesiástico. Disciplinamento social. Denúncia. Excomunhão.

Abstract: In this study, we analyzed the ecclesiastical presence along the successive stages of so-cial life. As shown by the parishes and chaplaincies in Minas Gerais diocese in the eighteenth cen-tury, the diocesan church marked its presence at key stages of social life as baptisms, marriages and deaths; but it also imposed itself through the exercise of ecclesiastical justice. Its action in this context was guided by the post-Tridentine normative panorama, expressing concern about the punishment of crimes of ecclesiastical jurisdiction, and claiming a specific role in spiritual matters. The fonds and collections of process of the diocese of Minas Gerais show that the ecclesiastical justice acted in accordance with the guidelines of the Lusitanian metropolis, aiming social disci-pline. But it also managed to mark some clear distinctions related to the royal justice.

Keywords: Royal patronage. Ecclesiastical justice. Ecclesiastical court. Social discipline. Denuncia-tions. Excommunication.

1 Pós-doutoranda em História Social da Cultura pela FAFICH – Universidade Federal de Minas Gerais/Capes-Fapemig. Agradeço o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais pelo apoio ao desenvolvimento de meu estágio pós-doutoral na Universidade Federal de Minas Gerais.

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Justiça régia e justiça eclesiástica na colonização da América Portuguesa: a esfera da juris-dição

A historiografia brasileira, em seus estudos clássicos e contemporâneos, jamais perdeu de vista dois aspectos que se interpenetram, e cujo estudo, a nosso ver, é decisivo para a compre-ensão das vias de dominação colonial na América Portuguesa: os feitos e registros burocráticos, inclusive os eclesiásticos, efetuados no campo de influência da jurisdição – uma categoria cen-tral naquela ordem social. Vide a expressividade de Caio Prado Júnior (1994) ao chamar atenção para a grande influência do estado eclesiástico na sociedade colonial – influência exemplificada por meio da jurisdição privativa da Igreja em assuntos centrais da vida social, como o divórcio ou repúdio e a exclusividade em matéria de pecado (p. 329). A religião, segundo o autor, supria neces-sidades espirituais equiparáveis às seculares, através de atos aos quais o indivíduo não escapava, como a constatação de nascimento e o reconhecimento do casamento.

A ressaltar a centralidade da Igreja e suas competências, encontramos idêntica ênfase con-ferida por Sérgio Buarque de Hollanda, segundo o qual não é clara a inteligência de “numerosas questões de História do Brasil sem a exploração prévia e isenta de nossa história eclesiástica.” Para este historiador, a “história eclesiástica, como toda história, sustenta-se sobre uma realidade viva e fluida, que a todo instante transborda dos preceitos jurídicos.” (HOLLANDA, 1963, p. XIII-XIV).1

Seguindo esta trilha, muitos estudos contemporâneos, com amplificado leque teórico e me-todológico, analisaram a atuação do episcopado e dos sacerdotes nos aspectos políticos e cultu-rais do trabalho religioso, ou nas suas subjetivas opções religiosas e intelectuais, que exerceriam influência no exercício de suas funções, em variada recorrência geográfica.2

Se muitos aspectos da atuação da hierarquia eclesiástica são oferecidos como objeto de investigação, sobra uma profusão de questões sobre a sua ação no âmbito da justiça eclesiástica, seus mecanismos de funcionamento, e seu relacionamento com outras autoridades coloniais.

No século XVIII, como se sabe, além dos juízes das câmaras municipais, ordinários ou de fora, bispos e ouvidores eram dois magistrados que assumiram influência e concorrência no campo judiciário. Atritos não eram raros entre eles, no exercício de suas funções (SANTOS, 2010, p. 203). A observação histórica da ação dos ouvidores das comarcas é relevante para a compreensão da dinâmica dos feitos do juízo eclesiástico, os quais deveriam acompanhar de perto, por norma.3

1 Sobre a união entre a Igreja e o Estado, desde os primeiros sinais de aliança e ajuda mútua, é lapidar a análise de CARRATO (1963, p. 97-103). 2 A bibliografia é extensa, mas destacamos os estudos de: PAIVA (2011); KANTOR (1996); WERNET (1987); AZZI (2005, p. 101-128); SOUZA (2005, p. 395-430); OLIVEIRA (2001); ZANON (1999); MEZZOMO (2012); RODRIGUES (2012); MENDONÇA (2011); SANTOS (2010).3 Desde a fundação do governo-geral, o ouvidor-geral era autoridade suprema da justiça: decidia os casos crimes, mas sem abranger pessoas de maior qualidade e o clero. Mais tarde, ao se dividirem as capitanias em comarcas, cada uma delas foi provida de um ouvidor. Em algumas capitanias poderia ser superintendido por um corregedor; em geral, aponta-se que na América portuguesa o ouvidor acumulava as atribuições daquele cargo. Segundo Nunes Leal (1997, p. 131; 214, notas 373 e 374), a América era de direito senhorial e a justiça se personificava nos ouvidores e corregedores, representando a justiça régia. O ouvidor poderia atuar em ampla gama de atividades: juiz de recursos, realização das correições no território de sua jurisdição; ou presidência das juntas de justiça. Poderia acumular cargos e atribuições, como os de superintendente de terras e águas minerais, corregedor de comarca, auditor de gente de guerra e juiz dos feitos da coroa. Dom João V declarou por meio de um alvará de março de 1708, de legislação extravagante (matéria legislativa baixada pela coroa lusitana sob forma de decretos e alvarás, de forma casuística e em complementação às Ordenações), que os ouvidores eram juízes da coroa. Cf. ORDENAÇÕES (título 58, do Livro Primeiro); FAORO (2004, p. 76; 150-151); FONSECA (2002, p. 149); AHU-MG, Cx. 55, Doc. 34. CÓDICE... (1999).

SANTOS, Patrícia Ferreira dos. Vigilância eclesiástica e disciplinamento social: limites e especificidades das prerrogativas da justiça diocesana no século XVIII. Histórica, São Paulo, ano 9, n. 60, p. 18-36, dez. 2013.

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SANTOS, Patrícia Ferreira dos. Vigilância eclesiástica e disciplinamento social: limites e especificidades das prerrogativas da justiça diocesana no século XVIII. Histórica, São Paulo, ano 9, n. 60, p. 18-36, dez. 2013.

Na América Portuguesa, o ouvidor era também juiz dos feitos da coroa. Este cargo era re-gulado pela “Concórdia de Dom Sebastião com o clero”, de 1578. O ouvidor era nomeado pelo rei para exercer a justiça de segunda instância; possuía jurisdição para decidir sobre a legitimidade de qualquer ato judicial de um prelado sobre um leigo, de modo que conservava, em nome do rei, a prerrogativa de decidir em última instância conflitos de jurisdição sobre leigos. Por meio dos recursos, este magistrado receberia a apelação das pessoas leigas, da jurisdição real, que se sen-tissem oprimidas pelas justiças eclesiásticas, e desejassem apelar ao soberano, que exercia a regia protectio (HESPANHA, 1993). Os prelados em vão reclamariam junto à coroa. Não obstante usufruir competências exclusivas acomodadas às Leis do Reino, o ordinário diocesano era policiado pelo juiz dos feitos do rei, atribuição em geral acumulada pelos ouvidores das comarcas, como informa o memorialista José Joaquim da Rocha (1995, p. 97-99).

Esse ordenamento persiste por todo o século XVIII, desencadeando muitos desentendimen-tos e abertos conflitos entre ouvidores e prelados.4 Não por acaso, o capitão general Gomes Freire de Andrade recomendou ao irmão, que o sucedia, no governo da capitania de Minas, “muito par-ticular atenção” para com os ouvidores (1899, p. 729 et seq.).

A documentação do tribunal eclesiástico evidencia, por outro lado, que malgrado os condi-cionamentos legais, havia um trabalho sistemático da hierarquia diocesana, promovendo a vigi-lância e o disciplinamento social, em um esquema de estímulo às denúncias.5

Para a verificação histórica deste trabalho, o enfoque de análise deve voltar-se para a escala reduzida das paróquias e capelanias da diocese. Nestas circunscrições, as ações da justiça eclesi-ástica ganhavam múltiplos sentidos camuflados, em meio a feitos burocráticos como a execução de mandados judiciais pelos párocos: mandados de comissão (para ouvir testemunhas); manda-dos de absolvição (autorizando a pública absolvição de um fiel excomungado, que se mostrasse quite com a justiça eclesiástica, havendo cumprido a sua penitência); mandados De evitandis; ou mandados monitórios.6

Os fundos do juízo eclesiástico de Minas Gerais revelam múltiplas tarefas destinadas aos ca-pelães e párocos, porquanto orientadas para a cooperação com a justiça eclesiástica. Os livros de sentenças revelam párocos cumulados de tarefas burocráticas e judiciárias: algumas delas eram a recepção e remessa de queixas diversas dos fregueses; diligências de ouvir testemunhas, poden-do nomear sacerdote idôneo para atuar como escrivão; remessa dos depoimentos em segredo de justiça; e o envio de documentos e certidões aos vigários gerais e das varas, selados e em segredo 4 A Concórdia de Dom Sebastião com o clero previa a cooperação entre os representantes da Igreja e do Estado. A “ajuda do braço secular” era obrigatória para a execução das penalidades sentenciadas nos tribunais eclesiásticos, de modo que, sempre que solicitada, os ouvidores e juízes de fora deveriam concedê-la, após verificarem se os autos processuais estavam bem ordenados. Este apontamento, juntamente com o Título 11 do primeiro livro da antiga Ordenação Manuelina, deu origem ao parágrafo 5º e 6º, título 12, do livro 1 da Ordenação Filipina. (CARVALHO, 1990, p. 146).5 Confessionalização e disciplinamento social são elaborações conceituais propostas pelos historiadores Heinz Shilling e Wolfgang Reinhard para interpretar a participação da Igreja na construção do Estado moderno. Os fenômenos religiosos, nesta perspectiva, passariam a ser considerados em relação direta com os fenômenos políticos, sociais e culturais. A confessionalização, durante os séculos XVI e XVIII, esteve diretamente ligada ao vínculo estreito existente entre o poder político e as igrejas. Já o processo de disciplinamento social, segundo Palomo, propiciou a prática de uma série de mecanismos, desenvolvidos amplamente no cotidiano das paróquias. Sobre estes conceitos e sua aplicação às relações entre o Estado e a Igreja em Portugal, vide os estudos de: PALOMO (1997, p. 119-136); PAIVA (2007). 6 Para ver os dados acerca dos mandados da justiça eclesiástica, devidamente contextualizados na capitania de Minas Gerais, vide: SANTOS (2013, p. 212).

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de justiça.

A paróquia equiparava-se a um centro burocrático. Às tarefas listadas acima, juntava-se a obrigação, gravemente recomendada nas Constituições dos bispados, quanto aos registros de batismos, casamentos e óbitos, propiciando a emissão e envio regular de certidões dotadas de fé pública acerca da conduta de pessoas investigadas. Os párocos obedeciam aos mandados da justiça, publicavam-nos e forneciam a declaração dos paroquianos excomungados. Os mandados De Evitandis atestavam que os suspeitos estavam sendo evitados aos ofícios enquanto não se arrependessem, se reconciliassem – ou seja, confessassem, assinando o termo de admoestação e culpa – e quitassem suas multas com a justiça eclesiástica. Os mandados monitórios forneciam prazo de nove dias aos que devessem à fábrica (tesouraria) da igreja, para quitar suas dívidas sob pena de excomunhão.7

Os párocos e capelães recebiam, ainda, dos fregueses, queixas sobre perdas materiais e rou-bos, ataques noturnos e incêndios a roças particulares. O pároco somente poderia enviar a queixa por escrito ao vigário geral após admoestar três vezes os fregueses em dias de missas de grande concurso de pessoas. Após as chamadas três admoestações canônicas, a queixa era encaminhada ao vigário geral, que autorizava a publicação de uma carta de excomunhão geral, dirigida a toda a comunidade. Essas cartas historiavam todo o ocorrido e eram afixadas às portas das igrejas. O pároco, então, ficava a aguardar a apresentação “espontânea” de depoimentos daqueles que sou-bessem algo a respeito.8 O célebre historiador Diogo de Vasconcellos escandalizou-se com essa atuação judiciária da Igreja diocesana; inconformado, observou que se assemelhava à ação de “polícia” nas freguesias (SANTOS, 2013, p. 20).

A jurisdição eclesiástica no âmbito do direito de padroado régio ultramarino

Desde os primeiros tempos da monarquia lusitana, os bispos diocesanos possuíam larga esfera de jurisdição.9 Além de julgar e punir os crimes dos clérigos, o ordinário possuía a compe-tência voluntária, nos casos em que as partes, ainda que fossem pessoas leigas, manifestassem livre vontade de resolver seu litígio no tribunal eclesiástico, visando a composições amigáveis. Es-tas composições – compositio fraterna – aplicavam-se muitas vezes a ações cíveis de sacerdotes, envolvendo suas dívidas ou execuções de seus bens. Com estes mecanismos de mediação, o tri-

7 Conc. Trid. De Reformatione, Sess. 25, cap. 3; PRIMEIRAS Constituições sinodais do Arcebispado da Bahia feitas e ordenadas pelo Ilustríssimo e Reverendíssimo Senhor Dom Sebastião Monteiro da Vide, 5º Arcebispo da Bahia, do Conselho de Sua Majestade. Propostas e aceitas em o Sínodo Diocesano, que o Dito Senhor celebrou em 12 de junho do ano de 1707. Coimbra: no Real Colégio das Artes da Companhia de Jesus, 1720. Com todas as licenças necessárias, Liv. 3, tít. 35, n. 602; Lib. 5, tít. 33-57, especialmente Liv. 5, tít. XLV, n. 1085-86. Para maior detalhamento acerca dos monitórios expedidos nas paróquias de Minas Gerais no século XVIII, vide: SANTOS (2013, p. 92; 95; 124; 126; 176; 187); ver, ainda, o gráfico “Evolução das sentenças de repressão (1748-1793)”, à p. 209.8 Aprofundamos a análise das queixas, querelas e denúncias apresentadas ao tribunal eclesiástico da diocese de Mariana, em pequena contribuição ao Boletim do Arquivo da Universidade de Coimbra (SILVEIRA, 2013).9 O eminente desembargador da Casa da Suplicação, Gabriel Pereira de Castro, compilou as concórdias de sucessivos reis lusitanos com os prelados acerca dos seus problemas de jurisdição. Vide: CASTRO, Gabriel Pereira de. Monomachia sobre as concórdias que fizeram os reis com os prelados de Portugal nas dúvidas da jurisdição eclesiástica e temporal. E breves de que foram tiradas algumas Ordenações com as Confirmações Apostólicas, que sobre as ditas Concórdias interpuseram os Sumos Pontífices. Composta por Gabriel Pereira de Castro, Desembargador da Casa da Suplicação, dedicada a Jeronymo Leite de Vasconcellos Pacheco Malheiro, Fidalgo da Casa de Sua Majestade, e Cavalleiro Professo na Ordem de Cristo. Lisboa Ocidental: por José Francisco Mendes, Livreiro, que dá à luz a dita Obra. Ano de 1738.

SANTOS, Patrícia Ferreira dos. Vigilância eclesiástica e disciplinamento social: limites e especificidades das prerrogativas da justiça diocesana no século XVIII. Histórica, São Paulo, ano 9, n. 60, p. 18-36, dez. 2013.

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bunal diocesano estava a aplicar a chamada correctio charitativa ou correção fraterna – a sua vo-cação primordial. Ela poderia decorrer, por exemplo, de alguma admoestação após a constatação de agressão física ou atentado, apresentada como queixa ao tribunal eclesiástico.10 A vocação da correção é ressaltada em meio ao recrudescimento dos debates de orientação regalista, que atribuíam aos tribunais eclesiásticos a limitada liberdade de corrigir, nunca de punir – esta era prerrogativa exclusiva do soberano. No famoso “duelo escolástico”, Gabriel Pereira de Castro de-fendeu que os leigos só deveriam comparecer ao juízo eclesiástico ad correctionem, nunca para serem castigados.11

No século XVIII, o bispo diocesano detinha algumas competências privilegiadas nas ques-tões eclesiásticas, quais sejam: de ratione personae – quando uma das partes era uma pessoa eclesiástica; de ratione materiae – em razão de matéria relativa à disciplina interna da Igreja: ma-trimônio, habilitações matrimoniais, ou a anulação por motivo de adultério, sevícias e outros; a Iurisdictio essentiallis, que envolvia as causas de matéria espiritual, da competência do provisor da diocese;12 a Iurisdictio adventícia, que garantia ao bispo a jurisdição sobre as coisas sagradas, cau-sas sobre bens eclesiásticos, dízimos, pensões, foros, usurpação da justiça eclesiástica, e causas contra leigos. Estas últimas podiam ser oriundas de devassas e visitações, ou contra delinquentes seculares asilados nas Igrejas – pelo direito de asilo.13

A jurisdição, como se nota, é uma categoria decisiva no vocabulário político do Antigo Regi-me. Iurisdictio remetia ao “exercício da autoridade”, e adquiria crescente relevo nos textos coevos. Como destacou o historiador Pedro Cardim (2004, p. 53-55), jurisdição era, “fundamentalmente, o poder exercido no espaço ‘público’; um qualificativo que remetia ao terreno exterior ao âmbito doméstico”. A condição jurisdicional deveria ser negada a todo e qualquer ato de poder exercido por quem não estivesse nele investido. Como observou o mesmo autor, no século XVII, não existia uma administração, mas muitas, juntamente com uma série de dispositivos e agentes administra-tivos de natureza corporativa, com os quais a coroa deveria se articular em complementaridade. Era comum a associação da “jurisdição” à “essência da ordem” e ao “bom governo”.

Os registros eclesiásticos na América Portuguesa eram admissíveis dentro da ordem vigente no Antigo Regime português, o qual forjou um corpo normativo congregando o exercício da ju-risdição secular e eclesiástica, compreendendo um sistema normativo que comportava uma plu-ralidade jurisdicional. Embora se reconheça a influência da Igreja nessa ordem, o alcance de seu 10 Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana, doravante AEAM. Juízo Eclesiástico, n. 2811. Acordo de desistência de ação de libelo e acerto de dívida. Acordo entre as partes em 13 a 18-01-1785, promovido pelo Vigário geral e Provisor do bispado, Dr. Vicente Gonçalves Jorge de Almeida; AEAM. Juízo eclesiástico, doravante JE. Registro de uma sentença de composição entre as partes. Armário 6, prateleira 2, livro 1030 (1765-1784), fl.103; AEAM. Juízo Eclesiástico, n. 2982B, 1765. Amigável composição a respeito de divisas de terras: “Julgo o direito de composição e fiança depositária por sentença, com que interponho minha autoridade e direito judicial e mando que se cumpra e guarde como nele se contém e pague o Reverendo Réu as custas. Vila do Carmo, 8-10-1736”, promovido pelos Vigários das Varas Manuel Freire Batalha e José Simões, Comissário do Santo Ofício. AEAM. 2900-JE.11 CASTRO, Gabriel Pereira de. Monomachia sobre as concórdias etc. Op. Cit. Artigo XII. Sobre culpados em visitação, pp. 242-46. Ord. Lib. 1, Tít. 9 – Dos Juízes dos Feitos del rei da Coroa, § 12. Disponível em: <http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/l1p31.htm>. Acesso em: 10 de maio de 2011. CASTRO, Gabriel Pereira de. Tractatus de Manu Regia. Pars prima. Editio novíssima auctior, infinitis pene Mendis, quibus fcatebat, ad amuffin expurgata. Cum novis additoinibus, et duplici Indice locupletiffimo. Ulyssipone. Ex tipis Joannis Baptiste Lerzo, 1742, pp. 1-32 – duelo escolástico. A segunda parte de De Manu Regia se compôs de resoluções que se tomaram em casos graves e que foram decididos por cartas e alvarás reais.12 Sobre o Provisor e a atuação do foro gracioso do tribunal eclesiástico, vide SANTOS (2011).13 Além dessas esferas de jurisdição, a partir de 1536 o Santo Ofício passou a deter a competência exclusiva em matéria de fé: investigava a heresia, bigamia e solicitação; quando se tratasse destes casos, o provisor diocesano deveria remeter a denúncia ao Comissário tão logo a recebesse. Cf. HESPANHA (1993, p. 287-288 e 1999, p. 142).

SANTOS, Patrícia Ferreira dos. Vigilância eclesiástica e disciplinamento social: limites e especificidades das prerrogativas da justiça diocesana no século XVIII. Histórica, São Paulo, ano 9, n. 60, p. 18-36, dez. 2013.

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poder encontra, na historiografia especializada, relativizações, reduções e ampliações em suas dimensões e alcance social. Dentre outros aspectos de divergência nesse debate, encontram-se o grau de intervenção alcançado pela Igreja. Antônio Manuel Hespanha é um dos expoentes des-se debate, e chamou a atenção para a existência de concorrência entre os poderes no processo de consolidação da monarquia, entre os séculos XVI e XVII: “com o poder da coroa coexistiam o poder da Igreja, o poder dos concelhos ou comunas, o poder dos senhores, o poder das institui-ções, como as universidades ou as corporações de artífices, o poder da família”. Também a lei e a colegialidade exerceriam limites à soberania real: o rei não governava sem o conselho de juristas, e deveria respeitar a ratio juris; o rei se sujeitava aos limites do Direito, posto que este não era apenas o produto da sua vontade. O direito régio encontrava concorrência no direito canônico e no direito dos concelhos – com usos, costumes e posturas das câmaras. O mesmo se aplicaria às normas religiosas – sendo o rei ‘Vigário’ de Deus na Terra; e às normas morais, pois o rei deveria promover o bem comum e obrigar-se a agir como um pai em relação a seus súditos. O controle do cumprimento desses deveres régios caberia justamente a entidades como a Igreja – instituição que detinha a faculdade pontifícia de excomungar o rei e desobrigar os súditos de lhe obedecer, desencadeando forte tensão em momentos de crise diplomática com a Santa Sé, como os que ocorreram nos reinados de Dom João V e Dom José I (HESPANHA, 1999, p. 139-143).

Essas razões tornavam a Igreja, na visão de Antônio Manuel Hespanha (1993, p. 287-288), motivo de preocupação para a coroa em seu processo de afirmação. A Igreja ocupava posição chave entre as forças institucionais que conviviam na época moderna e influenciavam muitos âmbitos sociais: famílias, comunidades e a comunidade internacional. O rei buscaria atenuar este alcance, com interdições múltiplas: o beneplácito, a prerrogativa da regia protectio, e o padroado, habilmente utilizado.

Para compreender a interação das instâncias seculares e eclesiásticas na colonização da América Portuguesa, é preciso ter uma compreensão do padroado régio ultramarino. O padroado regulava direitos e deveres do Estado em relação às igrejas e dioceses fundadas pelos reis nos territórios de conquista. Trata-se de um corpo de concessões feitas por meio de bulas pontifícias, gradativamente expedidas pelo papado em resposta a demandas dos reis ibéricos, em pleno pro-cesso de expansão marítima.14 Entre as máximas dessa época, propagadas pelos reis portugueses, cronistas e religiosos, encontrava-se a comparação do Reino de Portugal com o “Patrimônio de Cristo”, com vocação de dilatar (propagar, expandir) a fé.15

Os direitos conferidos pela Santa Sé à coroa, por meio do padroado, eram exercidos pelos seus respectivos representantes (da Igreja e da Coroa), investidos de cargos e respaldados por matéria legislativa. O plano de ação dos agentes eclesiásticos ficava condicionado ao beneplá-cito régio, e à conformidade às Leis do Reino, sob pena de serem acusados de desrespeitá-las,

14 Cf. DEMURGER (2002, p. 9; 24); BOXER (2002, p. 243). ANÔNIMO do século XVIII. Arte de Furtar: espelho de enganos, teatro de verdades, mostrador de horas minguadas, gazua geral dos Reinos de Portugal oferecida a El Rei Nosso Senhor Dom João IV para que a emende. Apresentação de João Ubaldo Ribeiro. Porto Alegre: L&PM, 2005, p. 230, L: Mostra-se qual é a jurisdição que os reis têm sobre os sacerdotes; KANTOR (1996, p. 52-53).15 ANÔNIMO do Século XVIII. Op. Cit., p. 13.

SANTOS, Patrícia Ferreira dos. Vigilância eclesiástica e disciplinamento social: limites e especificidades das prerrogativas da justiça diocesana no século XVIII. Histórica, São Paulo, ano 9, n. 60, p. 18-36, dez. 2013.

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incorrendo no grave crime de Lesa-Majestade. Como antes referimos, o padroado foi objeto de frequentes debates entre os letrados coevos, desde os conselheiros até ouvidores de comarcas e juízes locais envolvidos na faina administrativa lusitana, constituindo-se em pivô de contendas nas conquistas (SANTOS, 2010, p. 23-64).

Para Caio Prado Júnior (1994, p. 329), os conflitos não surpreendem: indicam as investidas do Estado pleiteando à Igreja de Roma a faculdade de ministrar aos súditos o alimento espiritual, sem jamais ignorar a importância política deste poder. Autor de uma das principais sínteses sobre a administração portuguesa no Ultramar, Prado Júnior estabeleceu na legislação o seu principal parâmetro de avaliação da burocracia lusitana. No campo da administração portuguesa no século XVIII, houve “divisão de trabalho”, mas nota-se uma indivisibilidade entre funções ou poderes do Estado, e do indivíduo, o qual, em seu foro íntimo, era regulado pela religião. O direito regula-mentava as relações externas e jurídicas. O Estado, segundo ele, era uma “unidade inteiriça”, que funcionava como um “todo único, e indivisível que abrangia o indivíduo” (p. 298-299).

Para Raimundo Faoro (2004, p. 146) o propósito metropolitano, estabelecido com sucesso, obteve “correspondência na realidade”. Malgrado as distâncias e as dificuldades na comunicação, que deixavam “dobras no manto de governo” e requeriam medidas drásticas e também contem-porizadoras, o sistema duraria enquanto durou a colônia. Por meio dele a coroa lograria controlar a conquista.

Influenciado pela interpretação de Caio Prado Júnior (1994, p. 331), um importante trabalho coordenado por Graça Salgado (p. 15-19) apresenta a ordem jurídica escrita ou consuetudinária como ponto de partida para a definição e fixação da estrutura administrativa do Estado. As órbi-tas de atuação dos principais órgãos e cargos encontravam-se definidas na legislação. O braço colonial da administração não apresentava uma racionalidade administrativa apoiada na divisão de poderes; as ingerências entre as alçadas ocorreriam porque estas possuíam limites imprecisos.

Américo Jacobina Lacombe (1968, p. 57) ressaltou que o padroado consistiu no controle do Estado não apenas sobre as nomeações das autoridades eclesiásticas, mas também da direção das finanças da Igreja, através da arrecadação dos dízimos. De modo que a Igreja estava envolvida demais nas malhas administrativas do governo para poder ser vista como entidade autônoma.

Se a autonomia da Igreja sequer fazia sentido naquelas circunstâncias, tendo em vista as suas relações de osmose com o Estado,16 isso não quer dizer que a Igreja diocesana não tenha de-marcado um espaço de atuação específica em esferas determinadas. Observe-se, nesse sentido, a aplicação das penas espirituais, o hábil uso da excomunhão como penalidade e como meio de coerção, a concessão dos alvarás de perdão, as composições amigáveis, as queixas, querelas por crimes violentos cometidos por eclesiásticos, e a hábil utilização das denúncias, que inculcava eficazmente aspectos da doutrina, como a correção fraterna.17 16 Conforme as linhas interpretativas de José Pedro Paiva (2007, p. 44-50).17 Cf. PRIMEIRAS Constituições sinodais do Arcebispado da Bahia. Liv. I, tít. III – Da especial obrigação dos Párocos para ensinarem a doutrina cristã a seus fregueses. Liv. III, Tit. 32 – Da obrigação que os Párocos têm de fazer práticas espirituais e ensinar a Doutrina cristã a seus fregueses, n. 549;

SANTOS, Patrícia Ferreira dos. Vigilância eclesiástica e disciplinamento social: limites e especificidades das prerrogativas da justiça diocesana no século XVIII. Histórica, São Paulo, ano 9, n. 60, p. 18-36, dez. 2013.

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Não obstante as divergências dos estudiosos a respeito do sucesso ou fracasso do modelo luso de administração, e dos efeitos do padroado régio, os seus estudos apresentam um ponto comum: a centralidade do exercício da justiça. Nossa contribuição, neste estudo, procura aprofun-dar a compreensão dos esquemas de funcionamento da jurisdição privativa eclesiástica. A seguir apresentaremos determinadas situações extraídas da prática judicial eclesiástica, com vistas a evi-denciar algumas das suas especificidades e condicionamentos sob o padroado régio ultramarino no século XVIII.

Da ação com vistas ao disciplinamento social

Após a publicação dos decretos do Concílio de Trento, em 156418, a tarefa do registro

eclesiástico, executada em boa parte pelos párocos, assumiu estatuto de grande importância

no âmbito da administração diocesana. As constituições diocesanas deveriam ressaltá-la e fa-

zer com que fosse efetivada, em prol de uma organização e homogeneização das práticas reli-

giosas e do disciplinamento social.19 Os registros eclesiásticos fornecem subsídios importantes

para a História Demográfica e para a História da Família no Brasil e na Europa, disciplinas que,

segundo Maria Norberta Amorim, se interpenetram. Há uma profusão de importantes estudos

sobre as populações coloniais, e seus componentes étnicos específicos, costumes e transgres-

sões, que vieram à luz por meio de análises dos registros de batismos, casamentos e óbitos.20

É necessário, por outro lado, cotejar a importância dos registros atinentes à ação da jus-

tiça eclesiástica. Tal ação assumiu grande ênfase no panorama da cristianização dos gentios

propiciada pela expansão marítima lusitana; propiciou uma busca sistemática dos chamados

pecadores públicos, e, no exercício da jurisdição ordinária, o registro de autos e termos de ad-

moestações, dentre outras atividades coercitivas visando apanhar os culpados por delitos da

alçada eclesiástica.21

Dentre os registros do tribunal eclesiástico de Minas Gerais do século XVIII, malgrado

a imensa maioria das ações cíveis, destaca-se uma profusão de denúncias e queixas. A figu-

ra do pároco impunha-se como agente fundamental de uma ação coordenada desenvolvida

pela hierarquia eclesiástica, com o objetivo de reforçar a autoridade eclesiástica. O capelão ou

o pároco deveria se comprometer com o ensino da doutrina em sua circunscrição (TORRES-Forma da Doutrina Cristã, n. 551. Liv. V, tit. 34 – Das acusações e pessoas que a ela podem ser admitidas; tít. 38 – Da denunciação judicial; tit. 37 – Da correção fraterna. A correção fraterna responde a uma longa tradição literária, pagã, e principalmente judaica, nas quais a comunidade deveria condenar os comportamentos reprováveis, por meio de uma correção fraterna. Como ensinamento bíblico, encontra-se mencionada nas cartas de São Paulo Apóstolo. BÍBLIA... (2006, Mt. 18: 15-18).18 Por meio da Bula Benedictus Deus, de 26 de janeiro de 1564, publicada em 30 de junho, e que depois da aprovação do Sacro Colégio, confirmava a obra do concílio. VÉNARD, Marc. “O Concílio Lateranense V e o Tridentino”. In: ALBERIGO, Giuseppe. (Org.) História dos Concílios Ecumênicos. Trad. José M. de Almeida. São Paulo: Paulus, 199519 Aprofundamos as reflexões sobre o escopo dos agentes diocesanos com vistas ao estabelecimento do disciplinamento social em SILVEIRA (2013).20 Para o caso português, ver: AMORIM (2003, p. 39-76); BRETTELL, METCALF (2003, p.127-52). No Brasil, foram publicados importantes trabalhos com base nos registros eclesiásticos, tanto no que se refere ao estudo das populações africanas quanto ao da ação judiciária eclesiástica, registrada por meio das devassas. Cf. LUNA, COSTA (1979, p. 79-97; 1982, p. 221-33); TORRES-LONDOÑO (1999, p. 120 et seq.; 1988, p. 28); MARCÍLIO (2004). Os estudos de Joaquim Ramos de Carvalho são leituras obrigatórias para uma compreensão aprofundada dos problemas de jurisdição, de um ponto de vista comparativo das inspeções eclesiásticas implementadas nos reinos europeus (CARVALHO, 1990, p. 136-151).21 Remetemos o leitor ao texto lapidar de CARVALHO (1990, p. 178). As reflexões de PAIVA são fundamentais para a compreensão do sentido das visitas no âmbito da administração diocesana e da ótica das relações de poder envolvendo os agentes eclesiásticos (1989; 1991; 1993).

SANTOS, Patrícia Ferreira dos. Vigilância eclesiástica e disciplinamento social: limites e especificidades das prerrogativas da justiça diocesana no século XVIII. Histórica, São Paulo, ano 9, n. 60, p. 18-36, dez. 2013.

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-LONDOÑO, 1988, p. 154). Com base no ensinamento paulino da correção fraterna, os párocos,

pregadores e confessores, à Estação da missa conventual, estimulavam as denúncias, referen-

tes aos processos de habilitação matrimonial, sacerdotais, e quanto aos costumes.22 Por meio

da correção fraterna, os fiéis eram orientados a colaborar com as justiças.

O trabalho sistemático da justiça eclesiástica mostra um potencial específico de inter-

venção na vida comunitária. Em primeiro lugar, o tribunal eclesiástico oferecia a possibilida-

de de composição amigável. Apregoando que “as demandas são causas de grandes males, e

ódios entre as partes e delas nascem muitas vezes grandes desordens nas Repúblicas”, o Re-

gimento do Auditório Eclesiástico estimulava a Compositio Fraterna. Os vigários gerais e das

varas eclesiásticas eram orientados a promovê-las “quanto em si for, para que estas se acabem,

e abreviem”. Logo no princípio das causas, fossem elas cíveis ou crimes, ordenava-se ao vigário

geral que “procure concordar as partes, advertindo-lhes os danos espirituais, e temporais que

lhe resultam.”23 A Compositio fraterna é prática corrente também nos processos cíveis do tri-

bunal eclesiástico de Mariana:

Sentença de desistência e amigável composição. “Julgo por sentença o termo de desistência e amigável composição a fls. e para maior validade interponho a minha autoridade e decreto judicial e pague o desistente as custas. Mariana, 23 de outubro de 1776. Dr. José Justino de Oliveira Gondim.24

Outra forma propugnada pelo tribunal eclesiástico de exercer mediação dos conflitos

comunitários pode ser verificada com as queixas apresentadas nas paróquias. No momento

em que, como resultado deste processo de averiguação, o queixoso obtinha depoimentos

sobre o paradeiro de seus objetos perdidos ou bens, inclusive escravos, extraviados, deveria

cumprir determinados requisitos para retirar a certidão dotada de fé pública com os depoi-

mentos sobre seus danos. Um destes requisitos legais seria não utilizar os depoimentos ou

acusar ninguém no âmbito criminal no juízo secular, limitando a solução ao cível, e no tribunal

eclesiástico.25

O capitão Vicente Ferreira de Sousa, por exemplo, era proprietário da Fazenda Barra do

Pinheiro. Em novembro de 1768, procurou o vigário geral do bispado para reclamar sobre

alguns furtos ocorridos em sua propriedade. Quando foi informado da chegada de depoimen-

tos sobre o caso, requereu as respectivas certidões ao vigário geral, o qual despachou: “Feito

termo pelo queixoso em que se obrigue com juramento não usar dos ditos para causa crime

no juízo secular contra as pessoas denunciadas, passe a certidão com os ditos, ficando os pró-

22 PRIMEIRAS Constituições sinodais do Arcebispado da Bahia. Liv. I, tít. III – Da especial obrigação dos Párocos para ensinarem a doutrina cristã a seus fregueses. Liv. III, Tit. 32 – Da obrigação que os Párocos têm de fazer práticas espirituais e ensinar a Doutrina cristã a seus fregueses, n. 549; Forma da Doutrina Cristã, n. 551. Liv. V, tit. 34 – Das acusações e pessoas que a ela podem ser admitidas; tit. 38 – Da denunciação judicial; tit. 37 – Da correção fraterna. 23 Os advogados do auditório eclesiástico eram proibidos por Regimento de obstar a composição entre as partes. Vide: Título XII – Dos advogados, n. 457-458.24 AEAM. Juízo eclesiástico. Registro de uma sentença de composição entre as partes. Armário 6, prateleira 2, livro 1030 (1765-1784), fl.103.25 PRIMEIRAS Constituições do Arcebispado da Bahia. Livro 5, n. 1087.

SANTOS, Patrícia Ferreira dos. Vigilância eclesiástica e disciplinamento social: limites e especificidades das prerrogativas da justiça diocesana no século XVIII. Histórica, São Paulo, ano 9, n. 60, p. 18-36, dez. 2013.

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prios no cartório.”26 O capitão proferiu novo juramento em Mariana, a 25 de janeiro de 1769, e

“disse que queria a certidão não para usar de causas crime no Juízo Secular contra as pessoas

denunciadas.” Segundo o Padre Ignacio Lopes da Silva, escrivão da Câmara Eclesiástica, nada

mais continham; por isso, o padre assinava o termo junto ao Muito Reverendo Ministro doutor

José Botelho Borges, e o queixoso Vicente Ferreira de Sousa.27

O trabalho da hierarquia eclesiástica no campo religioso era altamente especializado,

somente podendo ser desempenhado após um processo de seleção social no qual o agente

habilitado provava, dentre outros requisitos como a pureza de sangue, haver percorrido uma

trajetória de alto nível de especialização acadêmica (BOURDIEU, 2009, p. 32-33).28

Nas freguesias do bispado, estes agentes eclesiásticos de sofisticada formação lançavam

mão de recursos simbólicos para atuar no cotidiano. Alvos dessa mensagem religiosa, os lei-

gos constituíam o fiel da balança no interior do campo religioso.29 Quanto às punições, e aos

métodos de coerção psíquica, os agentes da hierarquia eclesiástica reivindicaram a sua au-

toridade lançando mão de penalidades espirituais como a excomunhão. Este era um recurso

de coerção recorrente: expediam-se declaratórias de excomunhão para que pessoas fossem

obrigadas a comparecer ao tribunal, quando notificadas, punindo-as caso faltassem; cartas

de excomunhão geral para conclamar denúncias sobre perdas e danos reclamados junto aos

párocos, mediante queixa; e também a sua aplicação como penalidade eclesiástica para punir

determinados casos tramitados no tribunal eclesiástico. Outrossim, os mandados monitórios,

amiúde expedidos a pedido dos párocos e capelães, eram outra forma de empregar a exco-

munhão: consistiam em grave censura eclesiástica aos que devessem dinheiro às fábricas das

paróquias, e previam a excomunhão maior aplicada ao termo de nove dias caso o devedor não

quitasse suas dívidas.

As queixas eram uma forma de mediação e solução de perdas e danos cotidianos. Profe-

rindo-as, os párocos apelavam às consciências, com ameaças de excomunhão geral, aos que

soubessem dos fatos e se calassem. Culminando com a publicação de uma carta de excomu-

nhão geral, as queixas viriam somar-se às devassas e às querelas (acusações judiciais formais

de crimes violentos) como mecanismo de averiguação de delitos empregados pela hierarquia

eclesiástica. As queixas demarcavam diferença clara em relação às querelas: nestas, segundo

os manuais jurídicos coevos, a vítima conhecia o seu agressor e o acusava mediante a apre-

sentação obrigatória de provas testemunhais; aquelas eram anunciadas nas paróquias para

conclamar denúncias sobre coisas furtadas ou perdidas, cujos culpados eram incógnitas.

As querelas contra pessoas leigas eram oferecidas às Ouvidorias de Comarca; já se a que-

26 AEAM. Juízo Eclesiástico, n. 2834I – 01-11-1768. Queixa do capitão Vicente Ferreira de Sousa, da Fazenda da Barra do Pinheiro, despachada pelo doutor José Botelho Borges. Denunciada na Catedral da Sé de Mariana. Furtos de bens valiosos. 27 Ibidem.28 “Lançando a Sociologia estes conceitos gerais, cabe à História a análise e a explicação causal da ação culturalmente significativa destes indivíduos, instituições e personalidades.” (WEBER, 2002, p. 26-29; 32-33; 72-74).29 O campo religioso apresenta-se como uma luta entre três protagonistas centrais: os sacerdotes, os profetas e os leigos, sendo que os dois primeiros constituem agentes a serviço da sistematização e racionalização da ética religiosa, cujo alvo último é o grupo de leigos. MICELI, S. Op. Cit, p. LVII-LVII.

SANTOS, Patrícia Ferreira dos. Vigilância eclesiástica e disciplinamento social: limites e especificidades das prerrogativas da justiça diocesana no século XVIII. Histórica, São Paulo, ano 9, n. 60, p. 18-36, dez. 2013.

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rela fosse contra pessoa eclesiástica, era apresentada ao ordinário diocesano. Conforme o es-

tilo, as querelas eclesiásticas eram oferecidas mediante a acusação formal, apresentação de

provas testemunhais e pagamento das custas das diligências de apuração sobre os crimes

violentos. Os autos de querelas eclesiásticas registrados no tribunal eclesiástico de Mariana

davam conta de violências físicas, ferimentos com armas, furtos, raptos e adultérios, praticados

por sacerdotes. As querelas representavam uma audição atenta e regulamentada do tribunal

acerca dos seus crimes e irregularidades.30

Por fim, as devassas, gerais e especiais, eram inquirições recorrentes, utilizadas pelas jus-

tiças para a averiguação dos costumes ou de um delito específico. Somados a determinadas

práticas, como a composição amigável, as denúncias e os pecados reservados, a utilização

das queixas e querelas como mecanismos de busca e averiguação, evidencia a grande in-

fluência da hierarquia eclesiástica na vida e no cotidiano do século XVIII. A justiça eclesiástica

oferecia correções e censuras, mas também disponibilizava recursos de resolução de conflitos.

Apregoava, ademais, estar a promover a caridade, exercida, dentre outros meios, através da

orquestração de composições amigáveis nas causas cíveis do tribunal.31

A Igreja tridentina e os seus agentes procuravam, portanto, fortalecer a sua jurisdição

sobre as consciências. Pondo em prática estes mecanismos, a hierarquia eclesiástica congre-

gava ampla gama de possibilidades de intervenção na vida social. Eram ministros, oficiais e

sacerdotes envolvidos na tarefa de inspiração tridentina, aproximando-se do cotidiano dos

aplicados: a procura e a punição dos pecadores públicos e a averiguação dos delitos, exercen-

do as composições e correções (PRODI, 2005, p. 359).

Por fim, residia nos chamados casos de perdão reservado outro importante mecanis-

mo de exercício da jurisdição episcopal, em sua função reguladora da vida política e social.

Conforme a explicação de diversas constituições sinodais do Reino e da Bahia, o ato de uma

autoridade episcopal tornar um pecado reservado pressupunha que o situasse na maior or-

dem de gravidade. Os chamados casos reservados propiciavam que os bispos exercessem o

arbítrio sobre quais delitos seriam considerados mais graves em suas dioceses. Se detinham

os prelados esta faculdade de reservar o perdão a si, a eficácia do perdão reservado também

dependia da participação do clero junto às consciências, pois as admoestações e práticas orais

e confessionais deveriam incutir aversão a eles, por medo da condenação.32

A hierarquia eclesiástica exercia, por vários modos, a persuasão, seja por meio do cul-

to divino, do cerimonial eclesiástico ou do calendário festivo, bem como das práticas orais

e escritas. A lista dos pecados reservados era afixada em uma tábua na sacristia, deixada em

locais visíveis, e frequentemente lida e divulgada pelos párocos e capelães à Estação da missa

conventual em dias de grande concurso de pessoas. A orientação pastoral rezava que esses 30 Cf. AGUIAR (1999, p. 45; 54-56) e PRIMEIRAS Constituições sinodais do Arcebispado da Bahia, n. 644, 1039-1045; 1058.31 Sobre a criação do direito canônico como ordenamento, e as penalidades impostas pela Igreja, tais como as excomunhões e pecados reservados, vide PRODI (2005, p. 63; 101 et seq.).32 PRIMEIRAS Constituições sinodais do Arcebispado da Bahia. Liv. 1, tít. 44, n. 177. Dos Casos Reservados, p. 81; Liv. 5, tít. 52, n. 1160.

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graves delitos deveriam ser abominados pela hierarquia eclesiástica. Os párocos, capelães e

confessores deveriam admoestar os fiéis sobre eles, apontando-os a toda a comunidade, com

declarações orais e registros, como pecados mortais. Essa tendência de ação da Igreja tridenti-

na, com a formulação do Deus Legislador, por Francisco Suárez, foi analisada por Paolo Prodi,

sob a forma conceitual de juridicização das consciências.33

Neste sistema de juridicização das consciências, as denúncias e a infâmia eram centrais

para a ampliação da margem de atuação eclesiástica. Quanto mais eficaz o trabalho de disse-

minação das denúncias, maior se mostraria a vigilância, tornando visíveis os mecanismos das

justiças. Isto fica claro na definição dos chamados casos de foro misto que o tribunal eclesiásti-

co de Mariana julgou. O exercício da jurisdição episcopal nos casos de foro misto encontrava-

-se condicionado à existência de infâmia – ou denúncia dada por ocasião de uma visita pasto-

ral. Apenas mediante a sua apresentação, os bispos poderiam proceder contra réus leigos (isto

é, da jurisdição real) denunciados ou, mediante a infâmia, suspeitos de haverem cometido

delitos indicados nas Ordenações. As visitas pastorais e a devassa geral da visita não apenas

exerceram a função de distribuição dos casos de foro misto entre o Estado e a Igreja como

também representavam um mecanismo regulador, o qual, se de um lado atendia o esforço

de afirmação episcopal, como deixou clara a historiografia específica, prestava-se também à

regulação da competência sobre os delitos de foro misto. O exercício da jurisdição diocesana

nos delitos de foro misto deveria necessariamente ocorrer em presença da infâmia.34

Os chamados casos de foro misto compreendiam os delitos que poderiam ser julgados

pelo ordinário diocesano ou pelo juiz da Coroa. Há que se discriminar, conforme destacou An-

tônio Manuel Hespanha, as causas mixti fori (causae mixti fori) e os delitos mixti fori. As causas

envolviam obras pias, capelas ou associações religiosas, casos de concubinato. Já os delitos

mixti fori se aplicavam a suspeitas de lenocínio, incesto, envenenamento, blasfêmia, usura; pú-

blicos adúlteros, barregueiros, concubinários, alcoviteiros, feiticeiros, benzedeiros, sacrílegos,

perjuros, onzeneiros, simoníacos, e os que dão públicas tabolagens de jogos em suas casas.

De acordo com o mesmo, a competência dos tribunais laicos e eclesiásticos era concorrente

nestes casos; a partilha se perfazia segundo as regras da preventia ou da alternativa.35

O bispo diocesano era o magistrado eclesiástico ordinário de primeira instância, auxilia-

do pelos vigários gerais, oficiais e ministros, como promotor, escrivão, notário apostólico, con-

tador e distribuidor. A segunda instância de apelação no âmbito da justiça eclesiástica eram

as “Relações eclesiásticas”, tribunais que possuíam a sua sede nas cabeças metropolitanas. As

Relações possuíam a competência de primeira instância nos litígios da diocese metropolitana,

naqueles em que uma das partes era um bispo, ou nas causas que se arrastassem por mais de

33 Sobre a juridicização das consciências vide: PRODI (2005, p. 355-36) e CONSTITUIÇÕES da Bahia. Liv. I, tít. 44, n. 177 – Dos casos reservados.34 Os casos mixti fori foram abolidos somente em 16 de maio de 1832, pelo Decreto número 24, dois anos depois da jurisdição do Tribunal eclesiástico passar a tocar apenas causas espirituais. ORDENAÇÕES Filipinas, liv. 2, tít.9: Dos casos mixti-fori. Disponível em: <www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/l2p427.htm>. Acesso em: 28 de maio de 2011; CARVALHO (1990, p. 178); HESPANHA (1993, p. 299).35 Cf. HESPANHA (1993, p. 299); PEGAS, 1669. Obras pias: Ord. Liv I, tit. 62, § 39-42; Capelas ou associações religiosas: id. Ord. Liv I, tit.62, § 39; Concubinato: Ord. Liv II, tit. I, § 13; Liv II, tit. 9; Delitos Mixti Fori - Ord. Fil. Liv. II, tit. 9.

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dois anos nos tribunais da diocese sufragânea. O tribunal de Mariana subordinava-se à Arqui-

diocese da Bahia.36

A terceira instância de apelação das causas eclesiásticas era o Tribunal da Nunciatura, ou

Legacia. Esta era a segunda instância das dioceses metropolitanas e dos territórios isentos de

diocese. A Legacia obedecia às regulamentações do aviso régio de 14 de junho de 1744. Se-

gundo Fortunato de Almeida, na segunda metade do século XVIII o jurisconsulto Melo Freire

reportou-se a este documento para submeter o estabelecimento deste tribunal à autorização

régia, afirmando que “o Núncio Apostólico tão somente pode exercer a jurisdição externa,

judicial e econômica, declarada na carta régia que lhe for expedida”. Depois, o alvará de 18

de janeiro de 1765 estabeleceu que o Núncio deveria abster-se de censuras no exercício das

funções judiciais (ALMEIDA, 1968, p. 181). Havia, ainda, o tribunal da Mesa da Consciência, que

intermediava, com o Concelho Ultramarino, as questões eclesiásticas entre os diocesanos e o

rei. Como funcionava à forma de conselho régio, deliberava sobre as questões e dúvidas acer-

ca de matéria eclesiástica.37

Considerações finais

A ação da justiça eclesiástica se efetuava em um campo bastante complexo, que envolvia agentes e instituições, inclusive do Reino. O diocesano exercia seu múnus (encargo público) nos domínios portugueses – territórios do padroado régio ultramarino; portanto, sob a fiscalização e a orientação da Metrópole. A publicação das normas disciplinares e outros textos canônicos estavam condicionados ao beneplácito régio. Como esclarece Fortunato de Almeida (1968, p. 261-264), a imposição do beneplácito régio intensificava-se e abrandava-se conforme as rupturas entre Portugal e a Santa Sé, no delicado e melindroso relacionamento que lograram manter ao longo do século XVIII.

As práticas da justiça eclesiástica evidenciam um espaço significativo de atuação do epis-copado e seus agentes no âmbito da correção e dos costumes. Revelam facetas das relações dos sacerdotes e da cúria episcopal entre si e com a população, verificadas em múltiplas escalas: da paróquia à esfera diocesana, das instâncias seculares às eclesiásticas, do clero para os fregueses e vice-versa.

A quantidade expressiva e a regularidade espaço-temporal dos processos eclesiásticos que sobreviveram em Minas Gerais testemunham uma ação pastoral ligada ao escopo de afirmação hierárquica da cúria diocesana. O episcopado exerceu, por si e por meio de delegados, a sua ju-risdição exclusiva em matéria eclesiástica.38 O seu escopo de imposição de autoridade, todavia, foi 36 AEAM. Juízo Eclesiástico. Seção: Escrituração da Cúria, Processo n. 4519, fl. 32-34.37 O tribunal da Nunciatura foi criado por uma bula do papa Júlio III, de 21-07-1554, segundo a qual as causas julgadas no Reino não teriam recurso para a Santa Sé. Assim, recursos foram abolidos também pelas Ordenações Filipinas, II, 13, pr. O Tribunal da Nunciatura foi abolido pelo decr. 23-08-1848, convenção de 21 de outubro de 1848, art. 12º, e lei de 04-09-1851. (HESPANHA, 1993, pp. 287-299).38 Os provimentos episcopais eram expedidos com a cláusula ad presentationem de El-Rei, conforme decisão de Bento XIV, em 12 de dezembro de 1740. Isto é, por apresentação régia e instituição pontifícia, se fazia a nomeação de bispos e arcebispos titulares (ALMEIDA, 1968, p. 23-30).

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estabelecido em um meio de luta social, que envolvia desde as gentes mais simples até as altas esferas administrativas e eclesiásticas, em atuação no controle da capitania de Minas Gerais no século XVIII.

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QUEIXAS DE CRIMES SEXUAIS E FORMAÇÃO DE FAMÍLIAS: INTERESSES PARTICULARES E INTE-RESSES DO ESTADO ENTRE AS DÉCADAS DE 1890 E 1970

Rafael De Tilio1

Resumo: Este artigo discute como o Código Penal Brasileiro de 1940 estimulava a formação de casamentos (entre acusados e vítimas e/ou destas com terceiros) como meio de resolu-ção da criminalidade sexual para manter a ordem social. A partir de um estudo de caso judi-cial (Apelação de Processo Crime de Sedução nº 92.319/63, Justiça contra J. T., de 1963) arqui-vado no Arquivo Público e Histórico de Ribeirão Preto, revela-se que o Estado, ao extinguir o processo criminal sexual com o casamento, por vezes entrava em conflito com queixosas já casadas (com terceiros), desejosas de punir acusados de desvirginá-las. O Estado, ao averiguar os crimes sexuais, não apenas pretensamente protegia as famílias, mas também as formatava em modelos específicos ditos tradicionais, em detrimento da garantia dos direitos individuais. Palavras-chave: Casamento. Famílias. Crimes sexuais.

Abstract: Using a case study (Crime of Seduction No. 92.319/63, Justice against JT, 1963) filed in the Arquivo Público e Histórico de Ribeirao Preto, this article discusses how the Brazilian Penal Code of 1940 stimulated the formation of traditional marriages (between defendants and victims and/or victims and others) as a means of resolution of sexual crimes. The analysis reveals that in such cases the State, in order to terminate the process with a marriage, could hurt the interests of the plaintiffs, who demanded the punition of the defendants accused of deflowering them, even in the cases when they were already married to a third person by the time of the complaint. The State, while investigating sex crimes, not only (supposedly) protected the traditional families, but it also formatted them in specific traditional models.

Keywords: Marriage. Family. Sex crimes.

1 Coordenador e Professor Adjunto do Departamento de Psicologia da UFTM nas áreas de Psicologia Social, Psicologia Institucional e Políticas Públicas. Desenvolve pesquisas e intervenções nas áreas de combate à violência contra mulheres e crianças (líder do Laboratório de Estudos e Pesquisa em Sexualidade e Violência de Gênero) e de promoção de saúde no sistema penitenciário (líder do Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Promoção de Saúde no Sistema Prisional). Contato: [email protected]

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DE TILIO, Rafael. Queixas de crimes sexuais e formação de famílias: interesses particulares e interesses do Estado entre as décadas de 1890 e 1970. Histórica, São Paulo, ano 9, n. 60, p. 37-45, dez. 2013.

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A Justiça como promotora do casamento na criminalidade sexual

Nesta discussão iremos destacar, a partir de um estudo de caso (uma apelação de processo crime de 1963, na Comarca de Ribeirão Preto), uma das principais alterações instauradas pelo Código Penal de 1940 (BRASIL, 1940) nas formas de extinção de punibilidade dos acusados de crimes sexuais. De maneira geral, o artigo discute a ação do Estado, que até recentemente fomen-tava a formação de famílias em detrimento dos interesses e direitos particulares.

Até 1984 o Código Penal Brasileiro de 1940 (CP1940) previa uma interessante maneira de extinguir crimes de natureza sexual: o casamento da vítima com o próprio acusado ou com ter-ceiro (Brasil, 1940). Situação bem distinta da atual, o casamento da vítima com outrem funcionava como absolvição do acusado e extinguia o processo legal.

Essa não foi, contudo, a única alteração proposta pelo CP1940 em relação ao CP1890 que o antecedeu(Brasil, 1890; permitia extinção do crime sexual apenas com o casamento entre vítima e acusado), no que se refere à regulação e tipificação dos crimes sexuais, pois algumas figuras criminais foram extintas e outras criadas.

De maneira resumida, o capítulo dos “crimes contra os costumes”, do CP1940, passou a defi-nir os seguintes crimes sexuais que pressupunham a conjunção carnal (penetração vaginal) e suas penas: estupro (artigo 213 e 214: com mulher virgem ou não de qualquer idade mediante fraude, violência ou engano e com presunção de violência contra menores de 14 anos, com pena de 3 a 8 anos de prisão); posse sexual mediante fraude (artigo 215: com mulher honesta de qualquer ida-de, prisão de 1 a 3 anos ou de 2 a 6 anos se a mulher for virgem); sedução (artigo 217: com mulher virgem entre 14 e 18 anos, se aproveitando de sua inexperiência ou havendo justificável confiança no criminoso, com pena de 2 a 4 anos de prisão); rapto violento mediante fraude (artigo 219: reti-rada do lar de mulher honesta mediante violência, grave ameaça ou fraude para fins libidinosos, com pena de 2 a 4 anos); rapto consensual (artigo 220: com consentimento da mulher honesta, mas sem consentimento da sua família, para fins libidinosos, de 1 a 3 anos de prisão).

Além desses, havia os crimes sexuais sem conjunção carnal (sem penetração vaginal): aten-tado violento ao pudor (artigo 214: constranger pessoa de qualquer idade ou sexo mediante vio-lência ou grave ameaça a praticar ou com que ela se pratique ato libidinoso, 2 a 7 anos de prisão); atentado ao pudor mediante fraude (artigo 216: contra mulher honesta, de 1 a 2 anos de prisão); corrupção de menores (artigo 218: facilitar ou corromper homem ou mulher entre 14 e 18 anos de idade, de 1 a 4 anos de prisão).

Os atenuantes, agravantes e formas de extinção da punibilidade também foram reformu-lados no CP1940, mas as importâncias da virgindade feminina e/ou de sua honestidade sexual continuaram.

DE TILIO, Rafael. Queixas de crimes sexuais e formação de famílias: interesses particulares e interesses do Estado entre as décadas de 1890 e 1970. Histórica, São Paulo, ano 9, n. 60, p. 37-45, dez. 2013.

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Se uma das formas de extinção da punibilidade do acusado de crimes sexuais que envol-viam conjunção carnal no CP1890 era o casamento dele com a vítima, o CP1940 inovou e ampliou essa possibilidade: o processo seria extinto (e o acusado absolvido) caso a vítima se casasse ou com o acusado ou com terceiro após qualquer crime sexual, com ou sem conjunção carnal. No CP1890, a permissão do casamento entre vítima e acusado como maneira de extinguir o crime seguia a lógica de que apenas o desvirginador poderia reparar a perda da virgindade da vítima. Já no CP1940, qualquer indivíduo que se casasse com a vítima poderia reparar o dano causado (seja a perda da virgindade, seja a participação em outros atos sexuais e libidinosos), beneficiando o acusado em muitas situações (BESSA, 1994; DEL PRIORE, 2006).

Se o estudo de De Tilio (2009) demonstrou que a procura pela Justiça em casos queixados de crimes sexuais na Comarca de Ribeirão Preto entre as décadas de 1890 e 1970 era uma reali-dade complexa que envolvia diversas possibilidades,2 vale observar que essa procura sempre observava o estipulado como norma de conduta de gênero para homens e mulheres.

D´Incao (1989) reitera que a procura por efetivar/forçar casamentos era mais usual que a procura por punições dos acusados. E mostra também que, principalmente nas si-tuações de conflito, as queixas de crimes sexuais envolviam construções discursivas de vítimas que se diziam moralmente honestas (virgens, pudicas, recatadas, inexperientes nas questões sexuais e que só cederam sua virgindade porque havia promessa efetiva de casamento com o acusado/parceiro); e que os discursos dos acusados também eram condizentes às prédicas de gênero. Os acusados podiam se dizer desejosos de casar e cumpridores com o compromisso assumido. Ou podiam, embora assumindo a ocorrência de relações sexuais, negar a autoria do desvirginamento de mulheres moral que já seriam sexualmente corrompidas; por isso, eles não seriam merecedores de punição, fosse esta o casamento ou a prisão.

Mas o CP1940, ao permitir a extinção da punibilidade do acusado quando a vítima se casava com terceiro no decorrer do processo, introduz novos elementos nessa lógica: deve-se casar, não importa com quem a vítima seduzida/corrompida se case, pois o impor-tante é formar famílias. Contudo, por vezes, isso causa detrimento dos direitos individuais, pois a submissão feminina é acentuada, embora justificada como benefício individual e so-cial pelos intérpretes do CP1940: “[...] a medida, que não é prevista em lei (a da continuida-de da ação penal contra o acusado quando do casamento da vítima com terceiro), poderia até ser prejudicial à vítima, perturbando-lhe a tranquilidade objetivada pela lei nesta causa extinta, pois a expõem diante da nova família.” (DELMANTO, 1986, p.185).

A função do Estado diante da criminalidade sexual é proteger a moral da sociedade, averiguando se a vítima queixosa nela se encaixa, mesmo que haja uma definição vaga 2 Desde a maioria de queixas visando obtenção de casamentos entre namorados impedidos de se unirem (devido a impedimentos etários, pais contrariados, ausência de recursos financeiros e que mantinham relações sexuais consentidas), passando por perdas de virgindade feminina consentidas, mas que não se concretizavam em casamento, até as queixas minoritárias de efetivos constrangimentos e violências sexuais.

DE TILIO, Rafael. Queixas de crimes sexuais e formação de famílias: interesses particulares e interesses do Estado entre as décadas de 1890 e 1970. Histórica, São Paulo, ano 9, n. 60, p. 37-45, dez. 2013.

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do que é moral sexual: “[...] a conduta sexual irrepreensível (virgem intacta), como também aquela que não corrompeu com o minimum de decência exigido pelos bons costumes” (DELMANTO, 1986, p.352). Justamente esse minimum de moral é objeto de controvérsias e, neste contexto e sob essas condições, a Justiça protege a moral da sociedade e não necessaria-mente os interesses de cada indivíduo (mulher) e menos ainda seus direitos (VIGARELLO, 1998).

O caso que trataremos ilustra essa questão e problematiza o papel do Estado como preser-vador e estimulador da formação de famílias (interesse social) mesmo que isso signifique deixar em segundo plano o interesse e direito individual da mulher queixosa.

Direito à queixa e formação de famílias no CP1940

Alguns dos documentos analisados por De Tilio (2009) trazem à discussão o direito da víti-ma de, mesmo após se casar com terceiro (pois no CP1940 isso extinguia o processo), continuar processando o acusado e buscar judicialmente reparação de crime sexual.

Nestes casos, os advogados dos acusados usualmente utilizam dois argumentos para extin-guir a ação penal à revelia das vítimas: (1) se a vítima se casou com terceiro durante o andamento do processo, isso significa que ela compreendia as responsabilidades dessa união (que envolve a sexualidade) e, assim, provavelmente compreendia as consequências de manter atos sexuais com o acusado; e se ela compreendia as responsabilidades e consequências das relações sexuais antes do casamento, hipótese plausível e que justifica o arquivamento do processo é que a vítima já não era honesta e estava moralmente corrompida quando se relacionou com o acusado, não mere-cendo a proteção da Justiça – e sorte dela que conseguiu casar com terceiro; (2) após o casamento com terceiro a titularidade do direito de representação legal e queixa na criminalidade sexual é alterada: passa dos antigos representantes legais da vítima (seus pais, ou outros) para seu novo representante legal (o marido que não é o acusado), necessitando que ele reatualize o seu direito de queixa; mas, nestes casos, por que conturbar a paz de um casamento com a reatualização/revelação de um crime?

Nestes casos há embate entre promotores públicos (que representam as vítimas), funda-mentados nos artigos 104 do CP1940 (Brasil, 1940) e 25 do Código de Processo Penal (Brasil, 1941), alegando que depois de recebida a denúncia ela se torna pública e irretratável, não necessitando de nova representação (do marido), ao passo que os advogados dos acusados se fundamentam na Súmula 388 do Supremo Tribunal Federal (BRASIL, 1964) que diz que “(...) o casamento da ofen-dida com quem não seja o ofensor faz cessar a qualidade de seu representante legal, e a ação penal só pode prosseguir por iniciativa da própria ofendida (ou seu representante legal), obser-vando os prazos legais de decadência e perempção”.

Esse embate pode ser melhor visualizado a partir do exemplo de um caso, que inclusive

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é um dos únicos que discutem a aplicabilidade da Súmula 388 após a instauração do processo. Trata-se da Apelação de Processo Crime de Sedução nº 92.319/63 (1963, Justiça contra J. T, 170 folhas, arquivado na caixa 61 Processos Crime do 1º Ofício Cível da Comarca de Ribeirão Preto e sob a guarda do Arquivo Público e Histórico/Casa da Memória de Ribeirão Preto), originalmente analisada por De Tilio (2009).

Em 1961 um casal de namorados procura a polícia para comunicar que de maneira consen-tida mantiveram relações sexuais para poderem se casar. Tomaram essa decisão porque os pais da vítima eram contrários ao casamento, e só poderiam efetivá-lo se a Justiça assim o permitisse. Por-tanto, a perda da virgindade da vítima e o desejo mútuo de matrimônio eram condições mais que suficientes para autorização do casamento e da não punição do acusado. Testemunhas são ouvi-das e confirmam que o namoro era real, que o casal só se encontrava para namorar na presença de familiares ou de amigos, que o acusado não escondia de ninguém suas pretensões e inclusive começou a construir uma casinha para a futura esposa. Os pais da vítima confirmam a existência do namoro, e o fato de que algumas vezes receberam o acusado em casa. Eles se opunham ao casamento devido aos boatos de que o rapaz namorava outras moças na cidade; mas, devido ao desvirginamento da filha, consentiam com o casamento para que ela não ficasse mal-falada pela vizinhança, pois sempre foram muito zelosos com sua educação moral. Dias depois o casal apre-sentou na delegacia uma habilitação para o casamento.

Contudo, meses depois, o casamento ainda não tinha ocorrido, e o acusado passou a negar que tivesse desvirginado a vítima. As razões para essa mudança de postura não são indicadas nos autos. Iniciado o conflito judicial, que envolveu oitiva de novas testemunhas e apreciação de no-vas provas, para a surpresa de todos, após três anos de litígio tanto a vítima quanto o acusado se casaram com outras pessoas.

Para o advogado de defesa o casamento da vítima com terceiro cessava o direito de repre-sentação do pai da vítima e iniciava o direito do marido, que deve se manifestar para continui-dade da ação, conforme a Súmula 388. O marido da vítima não se manifesta no prazo hábil, e o advogado do acusado solicita extinção da ação, a qual foi aceita pelo juiz, o qual declara “(...) que o prosseguimento do processo, em tais casos, torna-se uma verdadeira imposição de pena... à víti-ma do delito e não ao réu. Aquela, já casada, com terceiro, com sua vida familiar e social organiza-da, passa a viver atemorizada com a reação que o marido possa sofrer ao tomar conhecimento do caso anterior, muitas vezes oculto e ignorado ou então passa a sentir-se insegura quanto a uma possível mudança de estilo e atitude do esposo, diante da perturbação à tranquilidade da vida do casal oriunda do processo criminal” (Apelação de Processo Crime de Sedução nº 92.319/63, folha 84).

Em 1964 o promotor contesta a decisão do juiz alegando que o Ministério Público não é mero representante ou advogado particular da vítima, mas sim efetivo representante da socie-dade e dos seus interesses, não cabendo a interpretação da Súmula 388, mas sim o estabelecido

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pelos artigos 104 do CP1940 e 25 do CPP1941. Portanto, o interesse da continuidade da ação seria coletivo, visto que mesmo a mudança de titularidade de um direito não pode alterar o exercício deste direito – ou seja, o direito de punir o acusado de cometer crime sexual.

A situação é tão complexa que após muitas deliberações um juiz-relator foi designado para apreciar e decidir a questão: ele especifica que seguir a Súmula 388 não é obrigatório e que se deve respeitar o princípio do livre convencimento de cada juiz, pois “(...) o juiz deve submeter-se às suas próprias convicções, não estando, em suas interpretações, submetido a critérios de outros juízes e tribunais” (Apelação de Processo Crime de Sedução nº 92.319/63, folha 103). Assim, o juiz--relator se posiciona a favor da reforma da sentença que extinguiu o processo, pois o interesse público e não o privado deve vigorar, devendo haver novo julgamento.

A sentença foi reformada, o processo desarquivado e o acusado apenado em dois anos de reclusão. Vitória da vítima que pode ver a Justiça ser feita diante daquele que a desvirginou após promessa de casamento não cumprido, mesmo que após esse fato tenha se casado com outro.

Enfim, por que discutir tanto isso? O extenso embate jurídico se pautava na necessidade da manutenção da estrutura familiar, dos papéis de gênero e dos direitos coletivos em detrimento dos interesses/direitos individuais, visto que era a parte interessada (a vítima que se casa com ter-ceiro) que devia lutar pela observação dos seus direitos (de punir o acusado), não sendo o Estado (o Poder Judiciário) que garantia isso de antemão.

Moral, honestidade, mulheres, direitos e sociedade

Como se percebe, o Estado, por meio da averiguação de crimes sexuais (em qualquer situa-ção), favorece/estimula a formação de famílias. Tanto o seu procedimento com as queixas para ca-sar alegando ocorrência de crimes sexuais definidos pelo CP19403, quanto o estímulo institucio-nal para manter as famílias unidas4 revelam as pretensões do Estado, mesmo que isso signifique a não observância integral dos direitos individuais. A reparação da virgindade perdida e a alocação das mulheres-desvirginadas em novas famílias (formadas com o próprio acusado ou com terceiro) eram essenciais para a manutenção da ordem social (BASSANEZI, 1997).

Conforme De Tilio (2009) demonstrou, casos de violências sexuais também ocorreram, mas no conjunto das queixas eles eram minoritários – o que não significa que na realidade fossem minoritários. O que se quer ressaltar é que as queixas de envolvimento em crimes sexuais eram comumente utilizadas para formar famílias, visto que isso era incentivado (e legalmente permiti-do) pelo Estado, qualquer que fosse o expediente escolhido.

E as famílias formadas ou possibilitadas pelo Poder Judiciário eram as denominadas famí-

3 Em casos de consentimento entre os envolvidos, ou para evitar a punição do acusado.4 Extinguindo os crimes ou dificultando suas averiguações, quando a vítima se casa com terceiros em casos de crimes sexuais.

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lias tradicionais. As qualidades exigidas às vítimas para que se configurasse um crime sexual e a possibilidade de casamento como reparação da honra e virgindade perdidas são específicas: honra, pudor, recato e inocência sexual – emblemas da honestidade moral (COSTA, 1983). O que se julgava na apuração da criminalidade sexual era mais a moralidade da vítima e a adequação às prédicas tradicionais de gênero do que o ato do acusado (ROCHA, 2001).

Por sua vez, os acusados não negavam as relações sexuais (mesmo que isso os prejudicasse), mas apenas o desvirginamento e responsabilidade pela corrupção moral da parceira, adequando o discurso a respeito às prédicas da virilidade masculina (BESSA, 1994; COSTA, 1983). Além do mais, o homem “conquistador” contribuía para a manutenção do status quo e da honradez da família, visto que delatava as mulheres que se desviavam do ideal e se corrompiam moral e sexu-almente antes do casamento.

O Estado e o discurso do Direito, aqui representado pelo embate entre CP1940 e Súmula 388, refletiam a dissimetria das posições de gênero, requerendo que as mulheres vítimas (pelo menos ao relatar às autoridades seus episódios de combinações ou enganos referentes à vida sexual) se dissessem moralmente idôneas e recatadas, pois era exatamente isso o que se esperava de uma futura esposa. Por isso, naquele contexto, era importante fazer acreditar que a sedução e perda da virgindade eram fruto de engano diante de promessa de casamento.

Assim, quando a vítima casava com terceiro (e não com o acusado) e extinguia o crime, isso era considerado preferível a ela ter que, supostamente, expor histórias e elementos que poderiam questionar sua adequação ao papel de esposa; pois atentar contra a família (mesmo uma família recém-formada) era atentar contra a honestidade moral da sociedade.

Por isso, sedução, amor, violência, casamento, direitos (observados ou negados) e Direito estavam intimamente articulados. Bourdieu (2007) nos oferta a explicação dessas correlações: é a dominação masculina que, fortemente mantida pela dupla moral sexual, fomentada pelos registros simbólicos (educação, religião, saúde, direitos etc.), sustenta as relações de gênero, orga-nizando as formas de sociabilidade e exigindo que homens e principalmente as mulheres obser-vem e cumpram com determinados esquemas pré-determinados que sustentam desigualdades e diferenças – sendo o casamento uma das suas principais táticas.

O Direito, neste sentido, ao alegar, coibir e solucionar uma violência real (no caso, sexual) pode produzir outro tipo de violência, simbólica: nos crimes sexuais do CP1940 casar não era somente uma opção àqueles (vítimas e acusados) que o desejassem, mas também uma punição àquelas vítimas que, casadas com terceiros, ainda assim desejavam punir os acusados de desvirgi-ná-las e por muitas vezes não conseguiam. O Estado, punindo crimes sexuais, não apenas protege as famílias, mas também as forma e as formata.

DE TILIO, Rafael. Queixas de crimes sexuais e formação de famílias: interesses particulares e interesses do Estado entre as décadas de 1890 e 1970. Histórica, São Paulo, ano 9, n. 60, p. 37-45, dez. 2013.

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MARGINALIZAÇÃO, DELINQUÊNCIA E CRIMINALIDADE INFANTIL NA CIDADE DE SÃO PAULO NO INÍCIO DO SÉCULO XX Robson Roberto da Silva1

Resumo: No final do século XIX e início do século XX, a cidade de São Paulo passou por importan-tes transformações econômicas e sociais que definiram o seu perfil urbano e populacional. São Paulo tornou-se, em poucas décadas, uma das principais metrópoles do Brasil. Entretanto, esse desenvolvimento também trouxe aspectos negativos. Um dos fatores sociais mais preocupantes daquela época foi o aumento da marginalização e da delinquência infantil: um grande número de crianças indigentes e abandonadas perambulava pelas ruas e cortiços da cidade, praticando rou-bos ou entregando-se à prostituição, o que era considerado como ameaça à ordem pública. Era através da imprensa que a sociedade civil expressava sua preocupação e exigia das autoridades políticas medidas para conter o avanço da delinquência infantil.

Abstract: During the late nineteenth and early twentieth century, the city of São Paulo went through major economic and social transformations, that have defined its profile and urban po-pulation. In a few decades, São Paulo became a major Brazilian metropolis. However, this deve-lopment also brought negative aspects. One of the most troubling social characteristics of this period was the increasing of child marginalization and delinquency. A large number of destitute and abandoned children wandered in the streets and slums of the city, stealing or prostituting themselves. These children were seen as a major threat to public order. At that time, the civil so-ciety used the press to express its concern, and to demand measures to contain the spreading of child delinquency from political authorities.

1 Mestre em História Social pela Universidade Estadual de Londrina – PR. Contato: [email protected]

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O crescimento urbano e populacional e a vida cotidiana nos cortiços da cidade de São Paulo

A cidade de São Paulo do início do século XX já não era mais a pequena vila provinciana do século anterior. Em poucas décadas, havia se tornado uma das cidades mais importantes do país; ampliou seu parque industrial e, devido ao seu desenvolvimento, atraiu levas de migrantes e imigrantes que nela buscavam construir suas vidas, o que levou a um crescimento populacional sem precedentes na história da cidade. Progressivamente, a sociedade paulistana foi se tornando mais complexa, não apenas devido às novas indústrias, que demandavam uma grande oferta de mão de obra, mas também ao crescimento da oferta de serviços no comércio, ao aumento do movimento dos transportes e às grandes mudanças nos hábitos da população. Segundo Raquel Rolnik,

Cidade de fronteiras abertas. Assim se configurou São Paulo no início deste século: palco que se preparava para ser território sob domínio de capital. Em menos de 30 anos, São Paulo passa de cidade/entreposto comercial de pouca importância no país escravocrata para cidade-vanguarda da produção industrial no País. Esta passagem se produziu em um momento de transformações profundas na ordem social: passagem de um Estado Império escravocrata para a República do trabalho assalariado. Esta transição, redefinição do social, foi uma transformação multidimensional: mudaram enredos, palcos e personagens. Podemos detectar esta transição de várias formas: focalizando a atenção na transformação das relações econômicas ou sociais ou ainda nas instituições políticas. (ROLNIK, 1988, p. 75).

O aumento demográfico de São Paulo explica-se pela influência de dois eventos históricos importantíssimos: a Abolição, que permitiu aos escravos se desvincularem de seus senhores e mi-grarem para a capital em busca de trabalho, e a vinda dos imigrantes para São Paulo, a princípio, para substituir a mão de obra escrava nas fazendas; mas, posteriormente, para se fixar na capital paulista. No final do século XIX, houve um grande incentivo, tanto do governo quanto da socie-dade civil, para a vinda das famílias europeias ao Brasil. Segundo Carlos José Ferreira dos Santos,

Apreende-se, assim, por parte dos grupos ligados ao governo em São Paulo, uma “vontade” de que a população da urbe paulistana fosse de origem européia e branca. Isso pode ser percebido mais expressivamente quando das raras vezes que os Anuários e Relató rios populacionais trataram da parcela nacional. Era quase sempre para constatar com entusiasmo a sua “inferioridade” em relação à “superioridade” da presença estrangeira, que trazia “enormes vantagens [...] para o crescimento vegetativo de São Paulo” [...], para a transformação da “Paulicéia numa grande cidade italiana”. (SANTOS, 2003, p. 40).

Contudo, em poucos anos, o inicial entusiasmo com a vinda dos imigrantes e o desenvolvi-

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mento econômico de São Paulo converteu-se em preocupações com os gravíssimos problemas sociais e urbanísticos causados pelo aumento populacional desordenado. Um dos resultados so-ciais dessas mudanças foi o aumento do número de construções irregulares denominadas “corti-ços”. Segundo a definição de Lúcio Kowarick,

O cortiço é a modalidade de habitação proletária mais antiga em São Paulo. [...] está ligado aos primórdios da industrialização que se iniciou nas últimas décadas do século XIX. A partir desta época, a população da cidade que, em 1890 tinha 65.000 habitantes, aumenta vertigino samente em decorrência do grande fluxo de imigrantes. [...] Assim, o cortiço desponta e expande-se em decor rência de uma nova relação de exploração, na qual o traba lhador precisa adquirir, com o salário que aufere, os meios de vida para sobreviver. [...] não tem condições de adquirir ou alugar uma casa, pois o custo da mercadoria habitação transcende em muito o preço da força de trabalho. Desta forma, [...] o cortiço, subdivisão de cômodos em maior número possível de cubículos, aparece como a forma mais viável para o capitalismo nascente reproduzir a classe trabalhadora, a baixos custos. (KOWARICK; ANT, 1988, p. 49-50).

Foi nessas habitações irregulares que se fixou a maioria dos imigrantes, mas nelas também existiam moradores nativos. Segundo Rolnik (1988, p. 80), nos cortiços existia “alta intensidade de vida social em espaço exíguo. Nele se misturam trabalhadores e vagabundos, famílias e soltei-ros, negros, brancos e mulatos nascidos no Brasil, bem como portugueses, espanhóis, italianos.” Apesar da sua heterogeneidade, essas habitações foram mais popularmente conhecidas como “territórios italianos”, e as pessoas de bem não passavam por essas regiões perigosas, imorais e promíscuas. A escritora Zélia Gattai (1984) descreve a formação de um identidade italiana dentro dos cortiços, formando verdadeiros “territórios italianos”:

Devido a seus cortiços famosos, a Rua Caetano Pinto, no Brás, afastava de suas calçadas moradores de outras ruas. Mal-afamada pelas brigas e bafafás diários, tornara-se tabu, habitada sobretudo por italianos do Sul da Itália [...]. Passei a admirar seus moradores desde que soube terem eles destruído uma carrocinha de cachorro, pondo os laçadores a correr debaixo de tabefes e pontapés. Nun ca mais voltaram. Polícia não circulava na Caetano Pinto, os ha bitantes faziam suas próprias leis. Não havia soldado que por ali se aventurasse. (p. 85-86).

Essas aglomerações traziam consigo diversos problemas sociais, a começar pela falta de condições higiênicas devido ao amontoamento de pessoas em um espaço exíguo. “O cortiço é a longa fila de cómodos geminados, que dão para um pátio ou corredor comum e que tem ba-nheiro, cozinha e tanque coletivos.” (ROLNIK, 1988, p. 80). Esse tipo de habitação era considerado pelas autoridades públicas e pela sociedade como a principal causa da proliferação de epidemias no início do século XX. “Sua sujeira e pro miscuidade é, [...] apontada como res ponsável pelas epide-mias. [...] Assim cortiços e cortiçados são imediatamente identificados com sujeira, peste, imoralida-de e barbárie.” (ROLNIK, 1988, p. 80). É também nos cortiços que se encontram os maiores índices

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de mortalidade infantil na cidade de São Paulo: “A criança pobre, mal vestida, mal nutrida, sem re sistências imunológicas orgânicas, vivendo agrupada [...] em cubículos estreitos, [...] insalubres, estaria muito mais sujeita às enfermidades do que as mais favorecidas.” (RAGO, 1987, p. 129). Co-tidianamente, faleciam muitas crianças devido à falta de condições higiênicas. “O frágil organismo de uma criança é o que oferece menor resistência aos efeitos desfavoráveis de um mo do de vida miserável.” (ENGELS, 1985, p. 127).

Nessas condições precárias, houve dentro das famílias encortiçadas um processo crescente de de-sestruturação familiar, pois num ambiente extremamente vicioso, a educação e a formação das crianças ficava comprometida. “São os pais de família, que cedendo aos vícios [...] aca bam corrompendo os filhos, são as mulheres, que [...] trazendo ao mundo filhos sem pai, estão minando as bases que ga-rantem a ordem moral da socieda de.” (LONDOÑO, 1995, p. 137). A adoção do trabalho feminino agravou a situação, pois afastava ainda mais as mães da criação de seus filhos. “Vemo-nos no direito de concluir que essas pessoas pobres e mal alojadas sentiam um amor banal por suas criancinhas – essa forma elementar de sentimento da infância [...].” (ARIÈS, 1981, p. 179). Segundo Friedrich Engels (1985),

O trabalho da mulher na fábrica desorganiza [...] a famí lia, e [...], as consequências mais desmoralizantes, tanto para os pais como para as crianças. Uma mãe que não tem tempo de se ocupar do seu filho, de lhe dedicar durante os primeiros meses os cuidados e a ternura nor mais, uma mãe que mal tem tempo de ver o filho, que não pode ser mãe para ele, torna-se fatalmente indiferente; trata-o sem amor, sem solicitude, como uma criança estranha. As crianças que crescem nestas condições mais tarde estão completamente perdidas para a famí lia, incapazes de se sentir em casa no próprio lar que fundam, por que apenas conhecem uma existência isolada; contribuem necessa-riamente para a destruição da família. (p. 166-167).

Devido à tendência à desestruturação familiar, onde inexistia amor e afeto entre os pais e sua prole, essas crianças vão gradualmente se afastando da casa paterna. “No início do século XIX, uma grande parte da população, a mais pobre e mais numerosa, vivia como as famílias medievais, com as crianças afastadas da casa dos pais.” (ARIÈS, 1981, p. 189). O afastamento das famílias fazia dessas crianças pequenos indigentes ou vadios que perambulavam pelas ruas da cidade, prati-cando diabruras, vandalismo e pequenos furtos. “As brincadeiras, os jogos, as lutas, as diabruras [...] daqueles garotos tornaram-se passíveis de punição oficial. Os meninos das ruas tornaram-se meninos de rua.” (SANTOS, 1999, p. 229). O aumento da marginalização e da criminalidade infantil foi uma das grandes preocupações das autoridades públicas e da sociedade paulista no início do século XX.

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Indigência e criminalidade infantil nas ruas e nos cortiços paulistanos

Foi nos cortiços e nas ruas do centro da cidade de São Paulo que a presença da indigência e da delinquência infantil ficaram mais visíveis para as autoridades públicas e para a sociedade. “A rua é [...] o espaço no qual a pobreza ganha plena visibilidade, [...] e são tênues os limites que a separam do crime e da delinqüência.” (MOURA, 1999, p. 4). A infância marginalizada estava inexo-ravelmente relacionada à situação de miséria e indigência das famílias que moravam nos cortiços. Segundo a definição de Boris Fausto (1984),

No Brasil de fins do século XIX, a adolescência não é ainda um conceito. [...] a expressão não tem sentido quando aplicada a base da pirâmide social. [...] “os meninos da rua não tem tempo nem condição de serem crianças e adolescentes. Eles vivem uma mistura de vida onde as experiências infantis, juvenis e adultas se superpõem no mesmo momento e sempre de forma drástica: a beira da morte, sofrendo medo, atacando ou sendo atacado”. Mas a figura do menor [...] aplica-se em toda a extensão aos meninos pobres. (p. 80).

Esses menores, geralmente, tinham nas ruas seu meio de sobrevivência, através da mendi-cância, da prática de pequenos furtos, da gatunagem e, no caso das meninas, da prostituição. “As-sim como o menor [...] era iniciado precocemente nas atividades produtivas [...] também o era nas atividades ilegais numa clara tentativa de sobrevivência numa cidade que hostilizava as classes populares.” (SANTOS, 1999, p. 218). Ou seja, para as autoridades públicas, a rua era o espaço por ex-celência do vício e da imoralidade que pervertia as crianças abandonadas. “Isso faz pensar também que no domínio da vida real [...] a infância era um período de transição, logo ultrapassado, e cuja lembrança também era logo perdida.” (ARIÈS, 1981, p. 18). Segundo Esmeralda Blanco Bolsonaro de Moura (1999):

Mas, a rua é, também, o espaço do ócio, do comportamento visto como imoral, o espaço do crime, o espaço onde se reproduzem formas de sobrevivência tidas como verdadeiramente marginais, onde as misérias sociais estão em permanente e contundente exposição. É, enfim, o espaço no qual a ordem estabelecida tem de lidar com sua própria vulnerabilidade: o ambiente das ruas [...] torna-se ameaçador. A rua adquire assim, uma identidade perversa, associada ao crescimento da cidade, identidade que se reproduz para além do universo das elites. (p. 3).

Para as autoridades, a mendicância era a porta de entrada para o mundo da delinquência. Os menores que agiam nas ruas, pedindo esmolas, muitas vezes eram explorados pelos próprios pais e, consequentemente, empurrados para a criminalidade. As denúncias sobre essa exploração eram publicadas nos jornais paulistanos daquela época. Veja nessa reportagem publicada pelo jornal Folha da Noite de 8 de março de 1921:

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Às vezes, são meninos, que forçados por seus paes, se entregaram ao principio da mendicância profissional e não conseguiram, em certo dia de pouca sorte, obter em esmolas, a quantia que seus progenitores exigiam para admitil-os em casa, sob pena de toda espécie de castigos corporaes. [...] No dia em que míngua o recurso da caridade pública, perdido já todo o escrúpulo pelo exercício de uma profissão ignóbil, e, ainda mais, acossados pela fome, esses menores não hesitam na pratica do furto, que os conduz a frente da autoridade policial. Isto, quando são apanhados. Do contrario, o primeiro delicto incita-os ao segundo e assim sucessivamente até a adopção do furto como meio de “ganhar” o pão.

Nos jornais também eram publicadas inúmeras queixas e reclamações de moradores dos bairros onde os menores delinquentes agiam em bandos, causando arruaças e vandalismo; tanto assim, que naquela época o jornal O Estado de São Paulo (13 jul. 1916) assim comentava as queixas dos moradores:

Em muitas das cartas que diariamente recebemos para serem publicadas nesta secção, pedem-nos que chamemos a attenção da policia para os garotos que de manham á noite se agglomeram nas ruas ou arrabaldes, praticando toda sorte de diabruras num berreiro infernal. [...] A liberdade com que numerosas maltas de menores vagabundos transformam as ruas de nossos bairros em campos de “football”, riscam as paredes dos prédios e a pedradas despedaçam vidraças das casas dos moradores há muito tempo está a reclamar uma providência enérgica das autoridades da policia. (p. 5).

A violência desses bandos de delinquentes também era frequente nas ruas centrais da capi-tal paulista. Gilberto Freyre (2000), através do depoimento de um morador de um cortiço paulista-no em 1900, relatava os confrontos entre esses bandos nas ruas:

[...] prevalecia em nossa cidade à organização das “troças”, constituídas de bandos de meninos das diferentes ruas ou arrabaldes, bandos que atingiam, às vezes, as proporções de verdadeiros exércitos. [...] Aqueles pequenos exércitos, além de outros fins, mais ou menos inconfessáveis, para que se organizavam, como furtar e às vezes roubar frutas pelos quintais, gêneros e garrafas nos botequins e casas comerciais, além das depredações, quebra de vidraças e lâmpadas de iluminação pública e [...] principalmente para cultivar as rivalidades recíprocas. E as competições constantemente subiam às práticas de verdadeiras guerras, nas quais se distinguiam a luta pessoal a tapas e socos e pontapés, outras vezes, a briga coletiva organizada, a pedradas atiradas a mão livre ou por meio de setas (estilingues) ou bodoques. (p. 825).

É importante lembrar que a natureza desses delitos cometidos pelos menores tinha mais a ver com a sua sobrevivência e também com o desejo infantil pelo produto do roubo. “Benedicto Machado, menor de 11 annos de edade, foi hontem preso na rua Direita, quando era perseguido por um empregado da casa Lebre & Mello, por ter furtado um brinquedo que estava no mostrador da loja.” (O ESTADO DE SÃO PAULO, 17 fev. 1903, p. 2). Assim, a principal peculiaridade do crime infantil era sua baixa agressividade, que visava sempre o ataque rápido, sutil e pouco violento sobre os

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pedestres. “Os dados de 1904-1906 indicam o caráter ‘não agressivo’ dos delitos praticados por menores.” (FAUSTO, 1984, p. 85). O historiador Marco Antônio Cabral dos Santos (1999) descreve os delitos cometidos pelos menores delinquentes em São Paulo:

A natureza dos crimes cometidos por menores era muito diversa daqueles cometidos por adultos, de modo que entre 1904 e 1906, 40% das prisões de menores foram motivadas por “desordens”, 20% por “vadiagem”, 17% por embriaguez e 16% por furto ou roubo. [...] Estes dados indicam a menor agressividade nos delitos envolvendo menores, que tinham na malícia e na esperteza suas principais ferramentas de ação; e nas ruas da cidade, o local perfeito para pôr em prática as artimanhas que garantiriam sua sobrevivencia. (p. 214).

Segundo a tabela abaixo, entre 1900 e 1915, os índices de ocorrências criminais envolven-do menores delinquentes quae que triplicaram na cidade de São Paulo:

Tabela 3 – Quantidade aproximada de menores presos nas cadeias da cidade de São Paulo (1900 – 1915) 2

Ano Total Maiores Menores1900 7553 6509 10441902 12518 10868 16501904 14132 12168 19641905 11322 9371 19511906 8780 7264 15161907 9361 7796 15651908 8470 6862 16081909 9382 7335 20471910 11000 8542 24581911 11223 8735 24881912 11795 8814 29811913 12408 8863 35451914 10601 7562 30391915 10578 7524 3054

Outro aspecto preocupante da delinquência infantil na cidade de São Paulo era o aumen-to da prostituição de menores, especialmente na zona do baixo meretrício. “A prostituição nos meios pobres, [...] adquiria to do um caráter de sordidez maldita, de descontrole desenfreado, de excesso dionisíaco que assustava as classes privilegiadas.” (RAGO, 1991, p. 243). Fausto (1984) descreve as “farras” na zona do baixo meretrício paulistano:

Entre agosto e setembro de 1898, A Nação publicou uma série de artigos denunciando a existência de diversas “farras” no centro da cidade, onde locadores

2 Relatórios da Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça e da Segurança Pública e de Chefes de Polícia do Estado de São Paulo, 1900/1915 apud MOURA (1982, p. 152).

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sem escrúpulos abrigavam meninos e meninas ociosos. Duas casas na Rua Santa Teresa foram alvos de maior atenção. [...] A casa continha cerca de 30 cubículos imundos onde existiam uns 40 colchões em destroços, alugados a dez tostões por noite. [...] A outra “farra”, também de propriedade de um português, fora até pouco tempo atrás um antro de prostituição. Com as recentes perseguições convertera-se em um covil de menores gatunos e vagabundos, com capacidade para abrigar 150 indivíduos em cerca de 50 cubículos. (p. 83).

Vê-se que a prostituição infantil era intensa nesses casebres e cortiços. Particularmente para as meninas, esse ambiente promíscuo das “farras” era duplamente prejudicial, pois além de perde-rem sua infância, elas também perdiam a sua dignidade como mulheres, ou seja, sua virgindade. O Estado de São Paulo noticiava, em 19 de setembro de 1917, a atuação da polícia de costumes na apreensão dessas menores:

A policia de costumes apprehendeu hontem numa garagem da rua Libero Badaró a menor Michelina Cajás, de 17 annos de edade, residente a alameda Jahu, 4. É uma menina que se transviou do caminho da honestidade e que, por isso, vae ser recolhida ao Asylo Bom Pastor. A mesma policia apprehendeu hontem na ladeira S. Francisco, 12, casa de má nota, a menor Silvina Salgado dos Santos, menor de 18 annos. (p. 6).

No final do século XIX, as autoridades públicas montaram uma verdadeira estrutura tutelar para os delinquentes, onde a polícia e a justiça atuavam na contenção, aprisionamento e interna-mento desses menores em instituições correcionais.

A atuação da polícia e das instituições correcionais no combate à delinquência infantil

Como foi dito nos tópicos anteriores, devido ao crescimento demográfico desordenado de São Paulo, os índices de delinquência e criminalidade infantil aumentaram bastante no final do século XIX, sendo necessária a ação do Estado para controlar essa situação social. “Na verdade, a preocupação policial de luta contra a vagabundagem e a pequena criminalidade urbana esteve na origem da criação das instituições de sequestro da infância.” (RAGO, 1987, p. 122). A polícia de costu-mes será o primeiro e principal organismo público que irá atuar na contenção da delinquência nas ruas e cortiços paulistanos. Naquela época, as instâncias da Medicina e da Justiça estavam orientadas numa mentalidade que considerava os menores delinquentes como verdadeiras ameaças sociais à ordem pública estabelecida, ou seja, o conceito de perversidade estigmatizava as crianças de origem pobre e, muitas vezes, de raças mestiças. Segundo a explicação de Michel Foucault (2001) sobre o conceito de perversidade,

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Em outras palavras, a junção do médico com o judiciário implica e só pode ser efetuada pela reativação de um discurso essencialmente parental-pueril, que é o discurso dos pais com os filhos, que é o discurso da moralização mesma da criança. Discurso infantil, ou antes, discurso essencialmente dirigido as crianças [...]. E, de outro lado, é o discurso que não apenas se organiza em torno do campo da perversidade, mas igualmente, em torno do problema do perigo social: isto é, ele será também o discurso do medo, um discurso que terá por função detectar o perigo e opor-se a ele. (p. 44).

Tanto a polícia como os órgãos jurídicos tinham como base teórica a criminologia italiana nos estudos de Cesare Lombroso. Esse estudioso fundou o termo antropologia criminal, em que o crimi-noso nato poderia ser identificado pelos seus aspectos físicos e raciais. “A fisionomia dos famosos delinqüentes reproduziria quase todos os caracteres do homem criminoso: mandíbulas volumo-sas, assimetria facial, orelhas desiguais, falta de barba nos homens, fisionomia viril nas mulheres, ângulo facial baixo.” (LOMBROSO, 2007, p. 197). Sobre a delinquência infantil, Lombroso dá sua definição do delinquente nato:

Outro caráter que torna semelhante o menino ao delinqüente nato é a preguiça intelectual, o que não exclui a atividade pelo prazer e pelo jogo. Eles fogem de um trabalho contínuo e, sobretudo a um novo trabalho a que se sentem desadaptados. Quando constrangidos a um estudo fazem o primeiro esforço, repetem sempre esse, mas evitam outros, pela mesma lei da inércia pela qual não gostam de mudar de atividade ou conhecer fisionomias novas. Isto porque o intelecto nosso sofre com toda sensação enérgica nova, enquanto se apraz com as antigas, ou com as novas que sejam de pouca importância. Às vezes, não se revela a verdadeira preguiça muscular. Contrasta mas não contradiz com essa tendência, a de mudar continuamente de posto, de ter novas doidices, encontrar-se junto a muitos companheiros, malgrado sejam pouco afeiçoados um com o outro, fazendo orgias, de vozes e movimento, principalmente como foi notado dos meteorológicos, o dia primeiro dos temporais, e não raras vezes nas costas dos velhos, dos cretinos e dos companheiros mais débeis. (2007, p. 67-68).

Ainda não existia naquela época uma legislação específica para a questão da delinquência infantil, sendo esta enquadrada no Código Penal de 1890; era corriqueira a prisão de menores nas cadeias junto com criminosos adultos. Devido ao volume de delinquentes nas cadeias públicas, foi inaugurado em 1902 o Instituto Disciplinar do Tatuapé para o atendimento aos menores em situação de vulnerabilidade social. “Afastando o menor dos focos de contágio, correspondia depois as instituições dirigir-lhe a índole, educá-los, forma-lhe o caráter, por meio de um sistema inteligente de medidas preventivas e corretivas.” (LONDOÑO, 1995, p. 141). Essas instituições correcionais tinham como prioridade a educação disciplinar para a inserção desses menores no mercado de trabalho. Segundo esta notícia publicada pelo jornal O Estado de São Paulo em 15 de junho de 1913,

Dentro de dois mezes devem ficar instaladas as officinas do Instituto Disciplinar, de mecânica, marcenaria, sapataria, secção de chumbadores, encanadores, etc. Com essa nova orientação a dar ao ensino, os internados poderão adquirir um officio

SILVA, Robson Roberto da. Marginalização, delinquência e criminalidade infantil na cidade de São Paulo no início do século XX. Histórica, São Paulo, ano 9, n. 60, p. 37-45, dez. 2013.

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que constituirá a verdadeira base de sua regeneração ao sahirem do Instituto. Os serviços agrícolas, únicos a que se dedicam actualmente, por certo não preenchem esse fim. Com o actual desenvolvimento industrial de São Paulo, o alumno do Instituto que aprender um officio qualquer, encontrará immediatamente uma collocação que lhe garanta os meios de subsistência. (p. 1).

Segundo a notícia acima, fica esclarecido que a principal função do Instituto Disciplinar do Tatuapé era o recolhimento de menores considerados degenerados pela sociedade, e durante sua internação, que poderia levar até a maioridade daquela época (21 anos), esses menores se-riam regenerados através da educação voltada para o mundo do trabalho. “Pela educação [...] modelaram a consciência dos homens que se definem pelo seu lugar num processo de trabalho.” (PERROT, 1988, p. 80). Por fim, essas instituições correcionais estavam vinculadas à mentalidade social da época, a qual acreditava que os menores delinquentes oriundos de famílias pobres e desestruturadas estavam mergulhados na imoralidade, mas que era possível resgatá-los dessas condições através da educação disciplinar voltada para o trabalho.

Fontes Documentais

O ESTADO DE SÃO PAULO (1889-927). Acervo: Centro de Documentação e Pesquisa Histórica (CDPH). Universidade Estadual de Londrina – PR.

FOLHA DA NOITE (1921-1927). Acervo: Banco de Dados da Folha de São Paulo. Disponível em: <http://acervo.folha.com.br/fdn/1921/03/08/590> Acesso em: 26 jun. 2011.

Referências

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FAUSTO, Boris. Crime e cotidiano: a criminalidade em São Paulo: 1880-1924. São Paulo: Brasiliense, 1984.

FOUCAULT, Michel. Os anormais: curso no College de France. Tradução Eduardo Brandão. São Pau-lo: Martins Fontes, 2001. (Coleção Tópicos)

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LONDOÑO.  Fernando Torres. “A  origem do conceito do  menor”. In: DEL PRIORE, Mary. História da criança no Brasil. 3. ed. São Paulo: Contexto, 1995.

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______. Mulheres e menores no trabalho industrial: os fatores sexo e idade na dinâmica do capital. Petrópolis: Vozes, 1982.

PERROT, Michelle. Os excluídos da História: operários, mulheres e prisioneiros. Tradução de Denise Bottman. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. (Coleção Oficina da História)

RAGO, Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar. Brasil. (1890 – 1930). Rio de Ja-neiro: Paz e Terra, 1987.

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IMAGENS DE UMA ÉPOCAESCOLAS PARA A REPÚBLICA

Os anos imediatamente posteriores à Proclamação da República (1889) foram o primeiro momento, na história brasileira, em que se propôs uma política de ensino universal. Em São Paulo, os edifícios que concretizam até hoje essa vontade são as escolas públicas construídas na Primeira República. Boa parte delas sobrevive ainda na sua função original. Em 2010, 126 foram definiti-vamente tombadas pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat). Nesta edição de Imagens de uma época, apresen-tamos uma pequena amostra das escolas tombadas, com sua localização e nomes atualizados.1

Foi uma época extremamente ativa, do ponto de vista do Poder Público estadual. Para os governos das antigas Províncias, agora Estados, a República representou um ganho de autonomia inédito – inclusive financeira. Isso aconteceu principalmente em São Paulo, já então o Estado mais rico da Federação. Com mais poder e dinheiro, surgiam também demandas de melhores serviços públicos, tais como transporte, segurança e educação. Para atendê-las, surgiu uma estrutura de quatro Secretarias de Governo: a de Agricultura, Comércio e Obras Públicas; a do Interior e Instru-ção Pública; a da Justiça e Segurança Pública; e a da Fazenda.

As tarefas dessas Secretarias muitas vezes se confundiam e se sobrepunham. Grosso modo, pode-se dizer, entretanto, que a Secretaria do Interior e Instrução Pública ficou encarregada de estabelecer um sistema escolar de educação universal – ponto de honra para os ideólogos da República. E que a Superintendência de Obras Públicas, pertencente à Secretaria de Agricultura, Comércio e Obras Públicas, encarregou-se de estabelecer a estrutura física para este sistema.

A preocupação principal era com o ensino básico, que hoje seria o Fundamental I. Para as crianças nessa faixa etária, foram criados os Grupos Escolares, de inspiração francesa. Num primei-ro momento, os projetos para essas escolas, na capital ou no interior, foram encomendados pela Superintendência ao arquiteto Francisco de Paula Ramos de Azevedo. Ramos de Azevedo, que deixou sua marca em diversos edifícios da capital paulista, foi responsável pelo projeto de dois 1 WOLFF, Sílvia Ferreira Santos. Escolas para a República: Os primeiros passos da Arquitetura das Escolas Públicas Paulistas. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2010. 394 p.

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Grupos Escolares (GEs) paulistanos, e também pelo da Escola Normal Caetano de Campos. No in-terior, também deixou marcas, com os projetos dos GEs de Jundiaí e Campinas (1894), Araraquara e, ao que tudo indica, Jaboticabal – esses dois últimos, entre 1895 e 1897. A partir dessa época, a maior parte dos projetos passa a ser assinada por funcionários da Secretaria; primeiramente, por Victor Dubugras, arquiteto formado pelo próprio Ramos de Azevedo; e depois, pelos seus suces-sores, como José van Humbeeck e Manuel Sabater.

O ideal dos gestores dessa época era criar um modelo “universal” de prédio de escola públi-ca. Esse ideal, entretanto, revelou-se inalcançável, já que diversos fatores interferiam no planeja-mento e construção desses edifícios: tamanho da verba, do terreno, a duração variável do curso primário, e a criatividade do próprio arquiteto, para citar apenas alguns exemplos.

Não obstante, os Grupos Escolares do interior paulista (ver abaixo) apresentam notáveis se-melhanças no seu aspecto físico. Isso porque, frequentemente, soluções arquitetônicas que ti-nham dado certo num local eram adotadas em outros. Nesse sentido, a arquiteta Sílvia Wolff, que estudou o assunto, fala num “jogo de armar”, onde são privilegiadas as soluções intercambiáveis. As semelhanças, entretanto, não são tão grandes a ponto de implicar uma monótona uniformida-de dessas escolas.

Em geral, são edifícios de dois pavimentos, planejados para segregar meninos e meninas, inclusive com entradas e recreios separados. Em princípio, existiam oito salas, quatro para o sexo feminino e quatro para o masculino. Como o Grupo Escolar passou por fases onde tinha cinco séries, em muitos locais foi necessário estabelecer duas classes suplementares, frequentemente no pavimento térreo. (Até ali, a maior parte das escolas públicas funcionava no sistema de ensino simultâneo, em que alunos de diferentes faixas etárias e níveis de aprendizado dividiam a mesma sala e professor. O ensino seriado era uma novidade.)

A expansão da rede de escolas no interior foi auxiliada pelo significativo aumento de recur-sos para a Educação. De 1889 a 1894 o orçamento estadual para essa área só fez aumentar. E em 1910 votou-se uma verba, considerada extraordinária, destinada especificamente às construções escolares: 10.500 contos de réis. Isso se refletiu na construção de nada menos que 59 prédios es-colares no ano posterior.

As fotos abaixo são encontradas nos relatórios das Delegacias Regionais da Educação (DRE), que pertencem à Coleção da Instrução Pública do acervo do Arquivo Público do Estado de São Paulo. Dentro do acervo da instituição, existem outras peças documentais relativas ao mesmo assunto. Sugestões interessantes para a pesquisa são o Fundo da Secretaria de Agricultura, Co-mércio e Obras Públicas, com destaque para o grupo da Diretoria de Obras Públicas; ou a série de Ofícios dos Municípios Paulistas (Ofícios Diversos), pertencente à Secretaria do Governo/Casa Civil. Esses conjuntos documentais são úteis para estabelecer uma visão sistêmica do que era a administração pública da época da construção das escolas.

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Os Grupos Escolares que vemos aqui já tinham três décadas de funcionamento, e a Repú-blica que os tinha gerado não mais existia. Qual o balanço possível da sua construção? Para Wolff,

[...] não se logrou estabelecer uma rede de edifícios em número suficiente para suprir todas as crescentes carências por escolas públicas; nem proporcionar um ensino homogêneo e de qualidade por todo o Estado. A arquitetura produzida, porém, foi suficientemente adequada diante de seus objetivos para quase obliterar as metas não alcançadas.

Todas as 34 escolas retratadas abaixo já são centenárias.

Todas continuam funcionando.

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Cidade: Agudos.

Escolas da RepúblicaVeja abaixo Imagens de 34 escolas construídas pela Primeira República no interior paulista

Cidade: Botucatu.

Cidade: Itatinga.Cidade: São Manoel.

Nome atual da escola: EE Coronel Leite. Nome atual da escola: EE Dr. Cardoso de Almeida.

Nome atual da escola: EMEF Paulo Thomaz da Silva.Nome atual da escola: EMEF Dr. Augusto Reis.

Nome antigo da escola: Grupo Escolar de Agudos (1911). Nome antigo da escola: Escola Normal Oficial Botucatu (até 1911, Grupo Escolar Dr. Cardoso de Almeida). 1895-1897.

Nome antigo da escola: Grupo Escolar de Itatinga (1910).Nome antigo da escola: Grupo Escolar Dr. Augusto Reis (1895-1897).

Arquiteto: Hércules Beccari (presumidamente). Arquiteto: Victor Dubugras.

Arquiteto: G. B. Maroni.Arquiteto: Victor Dubugras.

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Cidade: Cajuru. Cidade: Guaratinguetá.

Cidade: Cruzeiro.Cidade: Cachoeira Paulista.

Nome atual da escola: EE Dr. Mousart Alves da Silva. Nome atual da escola: Escola Estadual Dr. Flamínio Lessa.

Nome atual da escola: . EE Dr. Arnolfo de AzevedoNome atual da escola: EE Dr. Evangelista Rodrigues.

Nome antigo da escola: Grupo Escolar de Cajuru (1905). Nome antigo da escola: Grupo Escolar Dr. Flamínio Lessa (1911).

Nome antigo da escola: 1o Grupo Escolar de Cruzeiro (1911).Nome antigo da escola: Grupo Escolar de Cachoeira Paulista (1909).

Arquiteto: José van Humbeeck. Arquiteto: G. B. Maroni.

Arquiteto: Capalache de Gusbert.Arquiteto: José van Humbeeck.

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Cidade: Aparecida. Cidade: Lorena.

Cidade: Itapeva.Cidade: Queluz.

Nome atual da escola: Escola Municipal Chagas Pereira. Nome atual da escola: Escola Estadual Conde Moreira Lima.

Nome atual da escola: Escola Municipal Coronel Acácio Piedade.

Nome atual da escola: Escola Estadual Capitão José Carlos de Oliveira Garcez.

Nome antigo da escola: Grupo Escolar de Apparecida (1919-1920).

Nome antigo da escola: Grupo Escolar Conde Moreira Lima (1911).

Nome antigo da escola: Grupo Escolar de Acácio Piedade, no município de Faxina, atual Itapeva (1911).Nome antigo da escola: Grupo Escolar de Queluz (1911).

Arquiteto: Cesar Marchisio. Arquiteto: Manuel Sabater.

Arquiteto: Capalache de Gusbert.

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Cidade: Itararé. Cidade: Jaboticabal.

Cidade: Piracicaba.Cidade: Bebedouro.

Nome atual da escola: EE Tomé Teixeira. Nome atual da escola: EMEB Coronel Vaz.

Nome atual da escola: EE Barão do Rio Branco.Nome atual da escola: EE Abílio Manoel.

Nome antigo da escola: Grupo Escolar de Itararé (1936). Nome antigo da escola: Grupo Escolar Coronel Vaz (1895-1897).

Nome antigo da escola: Grupo Escolar de Piracicaba; Grupo Escolar Barão do Rio Branco (1895-1897).Nome antigo da escola: Grupo Escolar de Bebedouro (1911).

Arquiteto: Ramos de Azevedo (presumidamente).

Arquiteto: Victor Dubugras.Arquiteto: José van Humbeeck/ Manuel Sabater.

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Cidade: Piracicaba.

Cidade: Ribeirão Preto.Cidade: Santa Bárbara d´Oeste.

Nome atual da escola: EE Moraes Barros.

Nome atual da escola: EE Dr. Guimarães Jr..Nome atual da escola: Escola Estadual Gabriel de Oliveira.

Nome antigo da escola: Segundo Grupo Escolar de Piracicaba (1900); Grupo Escolar Moraes Barros (1933). 1903.

Nome antigo da escola: Grupo Escolar Dr. Guimarães Jr. (1901).Nome antigo da escola: Grupo Escolar de Santa Bárbara (1905).

Arquiteto: José van Humbeeck.

Arquiteto: José van Humbeeck.Arquiteto: José van Humbeeck.

Cidade: Taubaté.

Nome atual da escola: EE Dr. Lopes Chaves.

Nome antigo da escola: Grupo Escolar Cel. Ribeiro da Luz (1900).

Arquiteto: José van Humbeeck.

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Cidade: Ribeirão Preto. Cidade: Ribeirão Preto.

Cidade: Orlândia.Cidade: Ituverava.

Nome atual da escola: EE Dona Sinhá Junqueira. Nome atual da escola: Escola Estadual Fábio Barreto.

Nome atual da escola: EE Coronel Francisco Orlando.Nome atual da escola: EMEF Fabiano Alves de Freitas.

Nome antigo da escola: Terceiro Grupo Escolar de Ribeirão Preto (1919-1920).

Nome antigo da escola: Segundo Grupo Escolar de Ribeirão Preto (1911).

Nome antigo da escola: Grupo Escolar de Orlândia (1910).Nome antigo da escola: Grupo Escolar de Ituverava (1910).

Arquiteto: Mauro Álvaro. Arquiteto: Manuel Sabater.

Arquiteto: G. B. Maroni.Arquiteto: José van Humbeeck/ Mauro Álvaro.

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Cidade: Sertãozinho. Cidade: São Carlos.

Cidade: Dourado.Cidade: Bocaina.

Nome atual da escola: EMEF Profº Anacleto Cruz. Nome atual da escola: EE Paulino Carlos (1943).

Nome atual da escola: EMEF Senador Carlos José Botelho.Nome atual da escola: EMEF Deputado Leônidas Pacheco Ferreira.

Nome antigo da escola: Grupo Escolar de Sertãozinho (1911). Nome antigo da escola: Grupo Escolar Paulino Carlos (1901).

Nome antigo da escola: Grupo Escolar de Dourado (1908).Nome antigo da escola: Grupo Escolar de São João da Bocaina (1909).

Arquiteto: José van Humbeeck. Arquiteto: José van Humbeeck.

Arquiteto: Manuel Sabater.Arquiteto: José van Humbeeck.

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Cidade: Bariri. Cidade: Ibitinga.

Cidade: Pindamonhangaba.Cidade: Caçapava.

Nome atual da escola: EM Professor Euclydes Moreira da Silva. Nome atual da escola: EE Professor Ângelo Martino.

Nome atual da escola: EE Dr. Alfredo Pujol.Nome atual da escola: EMEF Ruy Barbosa.

Nome antigo da escola: Grupo Escolar de Bariri (1911). Nome antigo da escola: Grupo Escolar de Ibitinga (1919-1920).

Nome antigo da escola: Grupo Escolar de Pindamonhangaba (1895); Grupo Escolar Dr. Alfredo Pujol (1934). 1901.

Nome antigo da escola: Grupo Escolar de Caçapava (1907); Grupo Escolar Ruy Barbosa (1934). 1905.

Arquiteto: G. B. Maroni. Arquiteto: Cesar Marchisio.

Arquiteto: José van Humbeeck.Arquiteto: José van Humbeeck.

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Cidade: Santa Branca. Cidade: São Bento do Sapucaí.

Nome atual da escola: EMEF Barão de Santa Branca. Nome atual da escola: EMEF Cel. Ribeiro da Luz.

Nome antigo da escola: Grupo Escolar Santa Branca (1911). Nome antigo da escola: Grupo Escolar Cel. Ribeiro da Luz (1909).

Arquiteto: José van Humbeeck.