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PRÁTICAS PEDAGÓGICAS COM ALUNOS COM DEFICIÊNCIA

INTELECTUAL E MÚLTIPLA DA EJA FASE 1: SUPERANDO O

CARÁTER FUNCIONAL NA PERSPECTIVA DA TEORIA

HISTÓRICO-CULTURAL

Marilene Martini Piva1

Jane Peruzo Iacono2

Resumo

Este trabalho, fundamentado na Teoria Histórico-Cultural, tem como objetivo refletir sobre a realidade enfrentada pelos professores que atuam na EJA fase 1 da Escola Especial Novo Amanhecer, mantida pela APAE3 do município de Nova Aurora-Pr4 quanto à percepção de que esses professores se sentem angustiados devido às dificuldades de seus alunos com deficiência intelectual e múltipla que têm idade cronológica avançada e apresentam atraso cognitivo que frustra as expectativas quanto à aprendizagem dos conteúdos acadêmicos. Tem como objetivo, também, compreender as características que marcam a deficiência desses alunos no sentido de potencializar suas capacidades; discutir sobre suas possibilidades de se apropriarem dos símbolos da cultura; contribuir para a compreensão de que o processo ensino-aprendizagem deve ser realizado a partir do contexto de vida dos alunos de forma a que estejam motivados para novas aprendizagens; compreender a importância de se oportunizar atividades funcionais, mas significativas, para esses alunos. Como procedimento metodológico foram realizadas ações de observação, tanto em sala de aula, como em atividades funcionais e do cotidiano desenvolvidas nas oficinas da escola; a seguir, foram realizadas entrevistas com os professores, com o objetivo de promover o desenvolvimento de práticas pedagógicas significativas e, como atividade principal, realizou-se um curso de formação para os professores e equipe técnico-pedagógica da escola em que os temas trabalhados em cada encontro foram fundamentados em referencial teórico sobre as deficiências intelectual e múltipla na perspectiva da psicologia histórico-cultural. Foram oito encontros em que houve estudo de textos, palestras e exibição de vídeos e filmes. Como resultados constatou-se que os professores puderam repensar suas concepções educacionais e suas práticas pedagógicas no sentido de compreender a individualidade e a singularidade desses alunos como sujeitos simbólicos e capazes de novas e cada vez mais significativas aprendizagens, as quais poderão contribuir para transformações em sua história de vida pessoal e social.

Palavras-chave: Deficiência Intelectual. Deficiência Múltipla. Teoria Histórico-Cultural. Atividades Funcionais Significativas. Inclusão Social.

Introdução

1Professora da Rede Pública Estadual de Ensino do Paraná. E-mail de contato: [email protected] 2Professora Doutora do Colegiado de Pedagogia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE e Orientadora deste trabalho pelo Programa PDE. E-mail de contato: [email protected] 3 APAE – Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais. 4O município de Nova Aurora localiza-se na região oeste do Paraná.

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Pessoas com diferentes deficiências sempre existiram no decorrer da história

do homem e das diversas sociedades e grupos humanos. E, dependendo da cultura

predominante em cada período da história da humanidade, a pessoa com deficiência

era ignorada e excluída do meio social em que vivia, era negligenciada e, muitas

vezes, só lhe restava a morte física, como no mundo primitivo, nas sociedades

escravistas greco-romanas e até mesmo na Idade Média (BIANCHETTI, 1998).

Mais recentemente, a partir do ano de 1981, considerado o “Ano Internacional

das Pessoas Deficientes”5, começou-se a ver a deficiência com outro olhar, com

mais humanidade e, como consequência, houve maior abertura para consolidar leis

e direitos que garantam sua sobrevivência, sua participação na sociedade, no

mundo do trabalho, na apropriação da cultura, do conhecimento e no exercício da

cidadania.

A partir dos movimentos de pessoas com deficiência que foram acontecendo

no decorrer da história, surgiu a necessidade de se dar uma educação para elas; no

Brasil, para fins legais de definição e caracterização da deficiência, o artigo 3º do

Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999, considera:

I - deficiência - toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano; II - deficiência permanente - aquela que ocorreu ou se estabilizou durante um período de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter probabilidade de que se altere, apesar de novos tratamentos; e III - incapacidade - uma redução efetiva e acentuada da capacidade de integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou recursos especiais para que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida. (BRASIL, 1999, s/p).

Com relação à deficiência intelectual, o artigo 4º inciso IV do Decreto nº 3.298

a define como:

5 “2. ANO INTERNACIONAL DAS PESSOAS DEFICIENTES - AIPD - Em sua trigésima sessão, de

16 de dezembro de 1976, a ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS, pela RESOLUÇÃO 31/123, proclamou, oficialmente, o ano de 1981 como o ANO INTERNACIONAL DAS PESSOAS DEFICIENTES [...]” (BRASIL, 1981, p. 2, destaques dos autores).

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IV- deficiência mental6 - funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como: a) comunicação; b) cuidado pessoal; c) habilidades sociais; d) utilização da comunidade; e) saúde e segurança; f) habilidades acadêmicas; g) lazer; e h) trabalho (BRASIL, 1999, s/p).

A Convenção da Guatemala, incorporada à Constituição Brasileira pelo

Decreto nº 3.956/2001, no seu artigo 1º define deficiência como:

[...] uma restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social (BRASIL, 2001, s/p).

Constata-se, assim, que os documentos oficiais e as leis definem e

conceituam a deficiência e esses parâmetros são comprovados clinicamente por

profissionais especializados da área da saúde.

No entanto, apesar desses diagnósticos com caráter biologizante, com a

mudança de paradigmas em relação à pessoa com deficiência, percebe-se maiores

possibilidades de inclusão social e de efetivação dos direitos dessas pessoas.

O documento Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da

Educação Inclusiva (BRASIL, 2008) traz os dados de matrícula de alunos da

Educação Especial nas escolas de educação básica do país, revelando os

indicadores de acesso aos três primeiros níveis de ensino, à matrícula na rede

pública, à inclusão nas classes comuns, à oferta do atendimento educacional

especializado, à acessibilidade nos prédios escolares e ao número de municípios e

de escolas com matrículas de alunos com necessidades educacionais especiais.

(BRASIL, 2008, p. 11).

Quando os alunos com deficiência chegam à escola especial, muitos deles já

trazem uma avaliação e um diagnóstico. Mas, para além do diagnóstico, o professor

deve atuar pedagogicamente de forma a compreender os processos mentais já

estabelecidos, sempre vislumbrando a possiblidade de que a pessoa com deficiência

seja um sujeito capaz de apropriar-se da cultura e do conhecimento. Nesse sentido,

Padilha (2000a) afirma:

6No Brasil o termo deficiência intelectual vem sendo usado em substituição ao termo deficiência mental, a partir do Simpósio Intellectual Disability: Programs, Polices and planing for the future, da Organização das Nações Unidas (ONU), realizado no Canadá em 1995.

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Investir esforços na qualidade das relações interpessoais é, com certeza, vislumbrar caminhos na formação dos profissionais que atuam na Educação Especial e uma esperança de que haja uma intencionalidade de desenvolvimento das esferas do simbólico na vida dos deficientes mentais (PADILHA, 2000a, p. 2).

Nessa concepção e sobre a educação dos alunos com deficiência intelectual

e múltipla, o professor é visto como o mediador do conhecimento e ao desenvolver

práticas pedagógicas significativas e funcionais para o seu aluno, está

oportunizando a apropriação do conhecimento e o acesso a uma concepção de

mundo que avance do senso comum para formas mais abstratas de compreensão

da realidade, em que a linguagem é o meio primordial para o desenvolvimento do

pensamento.

Conforme Padilha (2000a)

A linguagem entendida como trabalho constitutivo exclui, de modo radical, a possibilidade de que o desenvolvimento cognitivo possa acontecer desvinculado da linguagem do outro e dos signos; impossível pensar desenvolvimento cognitivo fora da cultura e da linguagem; impossível pensar isso tudo sem o papel fundante dos processos de significação (PADILHA, 2000a, p. 6).

As práticas pedagógicas desenvolvidas pelo professor dos alunos com

deficiência devem estar embasadas em princípios de significação, não podem ser

desenvolvidas ao acaso, por tentativa ou erro, mas sim com ações significativas

para a vida do aluno e interligadas com a comunicação, da maneira mais adequada

entre os pares. Vigotski afirma que os processos de funcionamento mental do

homem são fornecidos pela cultura, através da mediação simbólica (REGO, 2002, p.

55). Padilha explica as funções que são especificamente humanas (2000a)

afirmando:

Ao compreender, dominar e criar sentidos as pessoas desenvolvem as funções especificamente humanas: a vontade, a memória, a atenção voluntária, o raciocínio, o pensamento abstrato, a formação de conceitos, o afeto, a imaginação (PADILHA, 2000a, p. 8).

Sem comunicação e mediação por meio da linguagem, a aprendizagem não

se efetiva; dessa forma, compete ao professor da Educação Especial que trabalha

com o aluno com deficiência intelectual e múltipla, mediando sua aprendizagem,

observar os pequenos detalhes, o comportamento, as suas ações e reações, para

perceber suas reais necessidades e romper as barreiras do diagnóstico negativo que

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lhe foi dado. O professor deve vislumbrar as potencialidades e desenvolver

atividades significativas respeitando a individualidade de cada aluno.

Para Padilha, a deficiência, no lugar de marcar limites, aponta para as

capacidades e encontra fonte de forças de superação considerando que “Não há

limitação previsível de incorporação cultural. Tudo o que envolve o homem é

humano, é social, é cultural, com limites desconhecidos”. (2000b, p.199)

Nesse sentido, também, Vigotski afirma que “Da mesma maneira que a vida

de qualquer organismo está dirigida pela exigência da adaptação, a vida da

personalidade está dirigida pelas exigências de seu ser social”. (2006, p. 41)

Compreende-se, então, que o sujeito com defeito, ao estar inserido num

contexto social vai se adaptando e se adequando, conseguindo superar seus limites,

e desenvolver suas habilidades e suas potencialidades.

Para Vigotski a supercompensação é de extrema importância e torna-se

alicerce no desenvolvimento psicológico das pessoas com deficiência. E para

ressaltar a importância do papel dos professores na educação dos alunos com

deficiência, Vigotski afirma:

Que perspectiva tem ante si o pedagogo quando conhece que o defeito não é somente uma deficiência, uma debilidade, senão também a fonte das forças e das capacidades e que no defeito há algum sentido positivo (2006, p. 43).

Assim, ao tratar do tema do “defeito e da compensação” Vigotski considera que:

A educação da criança com diferentes defeitos deve basear-se no fato de que simultaneamente com o defeito estão dadas também as tendências psicológicas de uma direção oposta; estão dadas as possibilidades de compensação para vencer o defeito e de que precisamente essas possibilidades se apresentam em primeiro plano no desenvolvimento da criança e devem ser incluídas no processo educacional como sua força motriz. (2006, p. 45).

Ao se compreender o defeito como uma força motriz de superação psíquica,

este novo olhar para o processo de aprendizagem e desenvolvimento dos alunos

com deficiência, vai abrindo novos caminhos e novos horizontes nunca antes

pensados, o que é determinante, também, para sua inclusão social.

Uma nova compreensão sobre o defeito e a supercompensação servirá de

ponto de partida para o desenvolvimento de atividades pedagógicas direcionadas e

significativas, contribuindo para o desenvolvimento das habilidades, das

potencialidades e oportunizando a apropriação do conhecimento e da cultura. E,

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com a abertura para o mundo da tecnologia da informação, os alunos com

deficiência intelectual e deficiência múltipla poderão conquistar seus espaços na

sociedade, no mundo do trabalho e, certamente, poderão construir novas histórias

de vida, por que marcadas por realizações pessoais e sociais.

Para aclarar ainda mais essas questões relativas aos aspectos pedagógicos,

busca-se Freire (2002) quando esse autor questiona: “Por que não estabelecer uma

necessária “intimidade” entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a

experiência social que eles têm como indivíduos?” (FREIRE, 2002, p. 15). O aluno

com deficiência intelectual não vem para a escola sem nenhum saber; ele é portador

de uma história de vida que deve ser respeitada, valorizada e relacionada aos

conteúdos acadêmicos que são trabalhados pelo professor em sua prática ao

ensinar. Suplino (2005) afirma que:

Costumo dizer que a vocação da Educação Especial é o desafio. Apontar as dificuldades inerentes ao ato de ensinar a uma pessoa portadora de necessidades educativas especiais é cair no lugar-comum. Vejo nesta prática educacional a oportunidade para profissionais e familiares reavaliarem seus pontos de vista. Saírem das concepções pré-concebidas de como tais pessoas aprenderão ou não aquilo que for ensinado. Penso tratar-se de um convite para revermos as técnicas, filosofias e procedimentos que vimos utilizando (SUPLINO, 2005, p. 32).

Faz-se necessário, também, repensar o projeto político-pedagógico da escola,

possibilitar que se trabalhe a individualidade de cada aluno respeitando suas

características pessoais, sua história de vida e concepção de mundo, no sentido de

desenvolver sua cognição, suas funções mentais superiores na direção de que se

aproprie do simbólico. Suplino (2005, p. 33-34) afirma que:

Os pais encontram-se em um impasse: de um lado, temem por seus filhos, na medida em que não os consideram capazes de executar nenhuma tarefa de maneira independente, passando, então, a tomar as iniciativas realizando todas as coisas por eles. Tal concepção fica expressa em declarações como ‘’... preciso sempre segurá-lo na rua, porque ele não compreende o perigo que os carros representam’’ (sic) ou ‘’Não, ele não coloca água no copo sozinho... ele derrama tudo...’’ (sic). De outro lado, sentem necessidade de ter filhos mais independentes, que não representem um fardo para a família: ‘’Eu gostaria que ele pelo menos fosse ao banheiro sozinho...’’ (sic) ou ‘’ Não vou viver para sempre, me preocupa o futuro de meu filho...” (sic). A escola, por sua vez, encontra-se num impasse semelhante, porque se por um lado procura encontrar tarefas que sejam adequadas às idades de seus alunos, quando da elaboração dos currículos, na maioria das vezes, centra-se em atividades acadêmicas, tarefas que, muitas vezes, estão completamente distantes da realidade vivida pelos alunos e que, portanto, tornam as aulas enfadonhas fazendo com que a frequência de comportamentos inadequados aumente (SUPLINO, 2005, p. 33-34).

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O professor, a escola e a família devem caminhar juntos no processo de

ensino aprendizagem; todos precisam falar a mesma linguagem para que o aluno

siga uma linha de pensamento, sinta segurança e obtenha as respostas esperadas

em qualquer um dos ambientes em que estiver. Segundo Paulo Freire (2002), ao

falar sobre a importância da autonomia,

É esta percepção do homem e da mulher como seres ‘programados, mas para aprender’, e, portanto, para ensinar, para conhecer, para intervir, que me faz entender a prática educativa como um exercício constante em favor de produção e do desenvolvimento da autonomia de educadores e educandos (FREIRE, 2002, p. 54, grifos do autor).

Nesse sentido, também, Padilha (2000b), ao tratar sobre adultos com

deficiência intelectual, afirma que as atividades funcionais devem ter significado:

No lugar do condicionamento para o uso do pente, da escova, do sabonete, do lenço, do lápis, do papel, do correio, dos livros... olhar para as ações humanas em sua absoluta interação com os objetos construídos pela/na cultura. Interação que depende das práticas discursivas e é constituída nelas e por elas, tornando-se, ele mesmo, o uso dos objetos, uma prática discursiva (PADILHA, 2000b, p. 216).

Com o uso de instrumentos culturais e pela compreensão de sua significação,

o aluno aprende habilidades que podem proporcionar mudanças em sua maneira de

agir, de se portar, gerando independência de vida e, por consequência, mais

possibilidades de inclusão social. Para Duarte, no cotidiano da escola, muitas vezes,

A atividade escolar é vista como algo que não faz parte da vida cotidiana do indivíduo, como algo estranho e até hostil a essa vida. O objetivo passa a ser, então, o de diminuir essa distância, aproximar a escola do cotidiano, fazer da educação escolar um processo de formação que prepare melhor o indivíduo para enfrentar os problemas do cotidiano (DUARTE, 2007, p.37).

Dessa forma, o professor precisa ter a sensibilidade de proporcionar um

ambiente de aprendizagem natural - no sentido de próximo à realidade de vida do

sujeito – desenvolvendo seu trabalho pedagógico por meio da criatividade, da

adequação dos conteúdos com atividades funcionais, as quais contribuam para que

seja desenvolvido o processo de construção do conhecimento e da autonomia de

vida dos alunos com deficiência intelectual e múltipla.

Iacono (2014), a partir de sua tese de doutorado em que aborda a linguagem

escrita de sujeitos com deficiência intelectual de salas de recursos com relação à

fonologia da língua, afirma que:

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Com base nas leituras feitas e na pesquisa realizada, parece clara a necessidade de investimentos em cursos de formação de professores para a Educação Especial que abordem os aspectos teórico-práticos relativos aos processos fonológicos, com ênfase em sua aplicabilidade prática em sala de aula, trabalhando com atividades que atendam à especificidade das diferentes dificuldades apontadas nesta pesquisa (IACONO, 2014, p. 215).

A Educação Especial, nos últimos anos, vem passando por transformações

no sentido de se compreender a pessoa com deficiência como alguém que, além de

sujeito de direitos, não aceita mais estudar e viver de modo segregado. Essa nova

maneira de se conceber a pessoa como deficiência como um ser histórico, inserido

em um meio cultural, muda, também, o fazer, as ações da Educação Especial. É a

educação inclusiva que hoje se preconiza. Nesse sentido, Carvalho deixa claro que:

Na fase de transição para o novo paradigma, o eixo vertebrado das mudanças está nas atitudes dos educadores frente às diferenças e na conscientização da força social de seu papel, para as práticas de significação dos conteúdos curriculares e para a leitura crítica do mundo (CARVALHO, 2004, p.137).

Ainda segundo Carvalho (2004), “O mundo em que vivemos exige que os

educadores desempenhem papéis que vão muito além de transmitir conhecimentos

e cultura” (p. 137). Assim, a tecnologia e a velocidade das informações são

ferramentas que permitem o acesso à cultura, modificando a maneira de viver e de

se comunicar fazendo com que as pessoas, dentro de suas possibilidades,

participem deste movimento constante de construção da humanidade.

Para a implementação das atividades, os encontros de formação foram

realizados na sala da Cinemateca da Escola Novo Amanhecer – Educação Infantil e

Ensino Fundamental na Modalidade Educação Especial, APAE de Nova Aurora-PR.

Nos encontros realizados houve a formação de 30 profissionais que fazem parte do

contexto dessa escola como professores, equipe pedagógica, instrutores,

atendentes, agentes educacionais, agente operacional I, cozinheira e zeladoras. Os

estudos foram efetivados por meio de um Curso de Formação Continuada realizado

de 21/02/17 a 18/04/17, em 8 encontros de 4 horas, num total de 32 horas, por meio

de Grupos de Estudos e atividades práticas; apresentação de filmes; estudo de

textos científicos e posterior realização de debates com reflexões e questionamentos

sobre as temáticas estudadas e realização de um seminário para apresentação das

atividades práticas desenvolvidas no decorrer dos trabalhos.

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No primeiro encontro, inicialmente foi realizada a dinâmica: Não estamos

sozinhos7 e, a seguir, foi apresentado o Projeto de Intervenção Pedagógica:

“Atividades Funcionais Significativas para Alunos com Deficiência Intelectual e

Múltipla da EJA – FASE I”, o que despertou o interesse para a participação no curso

de Formação Continuada. A seguir, os participantes assistiram ao vídeo:

Sociologia: relações sociais, o caso de kaspar Hauser8 para compreender a

teoria de Lev Vigotski, no qual é apresentada uma breve análise do filme “O enigma

de Kasper Hauser”, com a história de Hauser que morava em um cativeiro, isolado e

privado de manter contato com o mundo exterior, o que não lhe permitiu acesso e

compreensão sobre os objetos culturais e a apropriação dos signos e,

consequentemente, ao desenvolvimento social e autonomia de vida. Mas, a partir do

momento em que lhe foi oportunizado acesso ao mundo exterior, ao convívio social,

Hauser demonstrou capacidades a partir da apropriação de conhecimentos e foi,

consequentemente, humanizando-se. Após a exibição do filme houve discussões e

questionamentos como: - “O homem é capaz aprender”, desde que lhe sejam

apresentadas as condições sociais e humanas para tal; - A interação social é

fundamental para o processo ensino-aprendizagem do aluno; - É necessário

estarmos abertos para novos conhecimentos e concepções quanto ao ato de

aprender e ensinar.

O estudo realizado nesse encontro proporcionou momentos de reflexão e

oportunizou compreender melhor a teoria histórico-cultural que preconiza que o

homem consegue desenvolver suas capacidades por meio das interações sociais e,

nesse processo de interação e de troca de experiências, ele passa pelo processo de

humanização.

No segundo encontro foi realizada a Dinâmica do Barbante9 e, a seguir,

houve uma palestra com a equipe do PEE da Unioeste que desenvolve estudos

sobre a teoria Histórico-Cultural e a Educação Especial fundamentada em Lev

Vigostki, com o tema da compensação psíquica relativa à deficiência intelectual. O

texto estudado foi o capítulo “O Problema dos Processos Compensatórios no

Desenvolvimento da Criança Retardada Mental”, de Vigotski oportunizando aos

7 Disponível em: http://docplayer.com.br/4896936-10-dinamicas-de-grupo-para-professores-reunioes-

e-sala-de-aula.html. Acesso 05 de outubro 2016. 8 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=15lgZ3oFc04. Acesso em 04 de outubro, 2106. 9 Disponível em: http://outricidade.blogspot.com.br/2011/05/sensibilizacao-pela-inclusao-na-ec07.html.

Acesso em 05 de outubro 2016.

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professores momentos de interação e troca de experiências, por meio de perguntas

e debates, o que contribuiu para a aquisição de novos conhecimentos e saberes.

O terceiro encontro foi iniciado com a dinâmica Sensibilidade10 que trata

sobre a percepção da sensibilidade nos alunos com deficiência intelectual e múltipla.

A seguir foi estudado texto de Padilha11 (2000) que relata seu trabalho realizado com

Bianca, uma jovem com deficiência intelectual que não conseguia se apropriar dos

símbolos e dos objetos culturais, não conseguia expressar seus desejos, suas

vontades nem mesmo por meio de gestos ou expressões. Em Bianca sendo capaz

de se expressar, seria possível uma melhor compreensão de sua individualidade e

singularidade como sujeito simbólico capaz de ir além da determinação do

diagnóstico que um dia recebeu, podendo-se vislumbrar possibilidades de

aprendizagem, de apropriações cada vez maiores dos conhecimentos.

Esse texto provocou amplo debate, conforme o relato de uma das

participantes: “Muitas vezes profissionais se prendem a um diagnóstico e impõem

limites ao desenvolvimento do aluno. Devemos ver além do diagnóstico e investir

nas possibilidades e não se prender a uma avaliação”.

A partir do vídeo “Educação e Linguagem: Lev Vigotski - Desenvolvimento

da linguagem”12 foi possível compreender que a linguagem diferencia o homem dos

animais pois, ao se comunicar o homem consegue expressar seu pensamento e

interagir e, nesse processo, ele se humaniza.

No quarto encontro trabalhou-se com a dinâmica “Qualidade”13 e a exibição

do vídeo “A ilha”14 para demonstrar que, isolado, o homem não pode estabelecer

relações/interações sociais e se apropriar da cultura e do conhecimento e, por isso,

tem menos condições para sobreviver. Demonstra, ainda, o quanto é difícil para uma

pessoa, sozinha, conseguir realizar ações que permitam superar e resolver

situações de autonomia e independência de vida.

10Disponível em: http://www.slideshare.net/danielasipert/110-dinmicas-de-grupo. Acesso em 20 de

novembro, 2016. 11PADILHA, Anna Maria Lunardi. A constituição do sujeito simbólico: para além dos limites

impostos à deficiência mental. Disponível em: http://23reuniao.anped.org.br/textos/1523t.PDF. Acesso 05 de outubro, 2016. 12 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=tvNwrfCy74g. Acesso em 05 de outubro, 2016 13Disponível em: http://www.slideshare.net/danielasipert/110-dinmicas-de-grupo. Acesso em 20 de novembro, 2016. 14 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=99Dka-twHXI. Acesso em 05 de outubro, 2016

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O estudo do texto de Suplino15 permitiu a reflexão dos professores sobre as

práticas pedagógicas funcionais naturais que a autora propõe, fazendo-os

compreenderem que podem ir além da sala de aula e envolver o contexto familiar, o

que contribui significativamente para o processo de mudança de atitudes e hábitos e

para a aquisição de novos conhecimentos, de forma a promover a autonomia, a

independência de vida e a inserção social e cultural dos alunos com deficiência

intelectual e múltipla. A análise e reflexões sobre o texto geraram questionamentos

como: - Sua escola proporciona o desenvolvimento de atividades funcionais

naturais? - Descreva as unidades ocupacionais/oficinas que possibilitam o

desenvolvimento de atividades funcionais naturais e relate as experiências já

vivenciadas. - A família sonha com a independência e autonomia dos filhos com

deficiência intelectual e múltipla. Mas será que está preparada para esse desafio,

para deixar de lado a superproteção?

O quinto encontro foi iniciado com a dinâmica “O Terremoto”16 e, a seguir, foi

desenvolvido estudo sobre um texto de Padilha17, demonstrando que os alunos

com deficiência intelectual e múltipla também são capazes de se apropriar dos

signos, dos objetos culturais, do conhecimento enfim, num autêntico processo de

interação social e de humanização. Esse texto em muito contribuiu para o

entendimento da realidade educacional da Educação Especial, constatando-se os

avanços dessa modalidade quando o trabalho pedagógico é fundamentado na

Teoria Histórico-Cultural.

Embora tendo demonstrado a importância das atividades funcionais naturais,

a apresentação do vídeo “Teoría Sociocultural de Vigotsky ZDP - Haciendo

Trufitas con Magaly”18, permite compreender que se o aluno aprender somente

pelo aspecto da funcionalidade, logo poderá esquecer o que aprendeu, não

conseguindo interiorizar seu aprendizado. As atividades funcionais realizadas

15SUPLINO, Maryse. Currículo Funcional Natural Guia prático para a educação na área de autismo e deficiência mental. Brasília, 2005. Disponível em: https://especialdeadamantina.files.wordpress.com/2013/04/curriculo-funcional-natural-guia-prc3a1tico.pdf. Acesso 05 de outubro, 2016. 16Disponível em: http://docplayer.com.br/4896936-10-dinamicas-de-grupo-para-professores-reunioes-e-sala-de-aula.html. Acesso 05 de outubro, 2016. 17PADILHA, Anna Maria Lunardi. Práticas educativas: Perspectivas que se abrem para a

Educação Especial. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/es/v21n71/a09v2171.pdf. Acesso em 05 de outubro, 2016. 18Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=OG5R2PkY0EQ. Acesso em 02 de novembro,

2016.

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apenas pela sua funcionalidade são automáticas, são mecânicas e podem não

permitir um acréscimo de conhecimento novo já que os objetos culturais utilizados

na sua execução mecânica, não foram estudados e compreendidos no contexto

histórico e cultural de sua criação, mas são meros objetos utilitários que não

propiciam a compreensão de seu significado. Em todo esse processo, é fundamental

o papel do professor como mediador do conhecimento, pois o aluno necessita contar

com alguém que já possui experiência e consegue ensinar, desenvolvendo

atividades intencionalmente dirigidas e significativas, auxiliando o aluno a dar

sentido, a interiorizar o que está aprendendo para, depois, vivenciar seu

aprendizado na interação com os demais alunos da sala de aula. Compreende-se

que na teoria histórico-cultural o aluno aprende a partir do que já sabe e num

processo de construção coletiva do conhecimento. Com a mediação do professor ele

vai conseguir aprimorar seus conceitos e se apropriar do conhecimento e da cultura.

Ainda para enfatizar a importância do aspecto da significação na realização

das atividades, a exibição do vídeo “Aprendizagem Significativa - O Segredo de

Beethoven”19 deixa evidente como acontece a aprendizagem significativa quando o

aluno se apropria dos signos e dos instrumentos culturais. Compreende-se que no

caso de Beethoven já havia um conhecimento prévio e, por meio da mediação e da

ajuda mútua, ele conseguiu realizar sua apresentação para o público presente ao

espetáculo. O aspecto fundamental demonstrado no vídeo é que no processo de

ensinar e aprender na perspectiva da Teoria Histórico-cultural de Vigotski, a

mediação do professor torna-se determinante. O vídeo provocou discussões e

debates, o que resultou num pequeno sumário em que uma das equipes

participantes expôs: “O papel do professor é fundamental; é ele que vai oportunizar

situações de interação, mediando ações e signos, objetos culturais e conhecimento”.

O sexto encontro iniciou-se com a dinâmica “Apoio”20, demonstrando o

quanto os seres humanos necessitam uns dos outros e que, por meio das interações

sociais, nos humanizamos. Já o texto de Zanela21 remete a uma análise sobre a

funcionalidade das atividades, a partir da atividade de fazer renda de bilro,

explicitando, também, a partir da teoria histórico-cultural de Vigotski como se

19Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=PGoau28tSWU. Acesso 13 de outubro, 2016. 20Disponível em: http://www.slideshare.net/danielasipert/110-dinmicas-de-grupo. Acesso em: 20 de novembro, 2016. 21ZANELLA, Andréa Vieira. Atividade, significação e constituição do sujeito: considerações à luz da psicologia histórico-cultural. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/pe/v9n1/v9n1a16.pdf. Acesso em 22 de novembro de, 2016.

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desenvolve o processo de ensinar e aprender. Possibilita compreender a

constituição do sujeito simbólico na perspectiva histórico-social e compreender sobre

a mediação e sobre a significação no desenvolvimento das atividades funcionais das

pessoas que fazem rendas de bilro.

Também foi apresentado, nesse encontro, o filme “Como estrelas na terra,

toda criança é especial”22 para análise e reflexão sobre o olhar do professor para

com o aluno e as práticas pedagógicas desenvolvidas em sala de aula. O filme

relata a vida de um garoto que aos nove anos de idade ainda não consegue ler e

escrever e cujos pais, revoltados, o matriculam num colégio interno de renome e

com rígidas tradições disciplinares, acreditando que o que o impedia de aprender

era a indisciplina. No entanto, o aluno continuou não aprendendo, o que foi lhe

causando depressão e aversão pelos estudos. Seu comportamento era diferente

do dos demais alunos da turma; quando olhava para as letras, elas se misturavam,

se embaralhavam e eram como se fossem insetos que lhe percorriam o corpo,

causando medo, pânico, revolta e até mesmo agressividade; rasgava cadernos,

jogava seu material pela janela; enfim, sofria muito. Somente com a entrada de um

professor substituto, que usava metodologias diferenciadas e, principalmente, tinha

um novo olhar para com esse aluno, foi possível compreender o motivo que o

impedia de aprender. O motivo era o fato de o aluno apresentar dislexia, o que

justificava sua dificuldade para ler e escrever.

Graças à mediação e interação desse professor que acreditou no aluno - que

foi em busca de pesquisar a sua história de vida, que usou metodologias

direcionadas e com a intencionalidade de desenvolver as suas habilidades e as

suas capacidades, procurando sempre entender que, para além daquele aluno,

existia uma pessoa que podia aprender e que, com a sua ajuda, com seu apoio e

seu direcionamento, conseguiria superar os obstáculos e vencer as barreiras

encontradas no processo de construção do conhecimento - o aluno pode avançar e

superar suas dificuldades.

Esse professor fez a diferença na vida de seu aluno, contribuindo para a

constituição de uma pessoa mais feliz, realizada e participativa. Questões para

refletir em grupo: - A rejeição familiar quando a criança não aprende, interfere no

22 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=4BuR5VJdXVA. Acesso: 05 de outubro, 2016.

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processo de aprendizagem do aluno com deficiência intelectual e múltipla? - O

aluno, o professor, a escola e a família necessitam estar juntos na busca de

encontrar caminhos para proporcionar um ambiente favorável à aprendizagem? - O

professor se interessou pela história de vida de seu aluno? - Vislumbrou

capacidades e possibilidades em seu aluno? - sua metodologia de ensino

possibilitou oportunidades de apropriação da cultura e do conhecimento e de

humanização? Com a realização desse encontro foi possível constatar a

necessidade de os professores repensarem suas práticas pedagógicas e os

fundamentos teóricos que as sustentam, na direção de uma teoria humanizadora,

que permita acreditar nas capacidades dos alunos com deficiência intelectual e

múltipla e compreender como é possível promover a autonomia e a independência

de vida dos alunos, ao mesmo tempo em que ocorre o processo de ensiná-los.

Na realização do sétimo encontro desenvolveu-se a dinâmica “Vôlei

sentado”23, que possibilitou uma experiência inusitada, ao permitir aos cursistas se

colocarem no lugar da pessoa com deficiência intelectual e múltipla. A seguir, foi

feita a leitura e análise do texto de Iacono24 fundamentado na Teoria Histórico-

Cultural e que remete a reflexões sobre a trajetória escolar desses alunos em seu

processo de escolarização e sobre a importância de eles se apropriarem dos signos,

especialmente da linguagem escrita. O texto trata, ainda, da

certificação/terminalidade escolar para alunos com deficiência intelectual e da

qualidade da educação como fator determinante na formação desses sujeitos. Esse

estudo levou a reflexões sobre a importância de se acreditar cada vez mais nas

capacidades dos alunos com deficiência intelectual e múltipla e na igualdade de

oportunidades que esse trabalho pedagógico permite vislumbrar quando os alunos

com essas deficiências são capazes de se apropriar da cultura e do conhecimento.

Após a leitura, análise e discussão do texto foi apresentado o vídeo “KIWI O

Passarinho que Não Podia Voar”25 que representa a possibilidade de superação

da deficiência, em que o passarinho, apesar de não conseguir voar pela falta de

asas e de suas limitações, nunca desistiu. Com muita garra, determinação, coragem

23Disponível em: http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/voleibol-sentado/voleibol-sentado.php. Acesso em 10 de outubro, 2016. 24IACONO, Jane Peruzo. A escolarização de alunos com deficiência intelectual: a concepção histórico-cultural e os desafios em tempos de educação inclusiva. In: PESSOA COM DEFICIÊNCIA, EDUCAÇÃO E TRABALHO: REFLEXÕES CRÍTICAS. Cascavel, PR: EDUNIOESTE, 2015. Disponível em: http://www5.unioeste.br/portal/arquivos/proex/pee/livros/Pessoacomdeficiencia-educacaoetrabalh-reflexoescriticas.pdf. Acesso em 14 de novembro, 2016. 25 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=tutBA1rH6x8. Acesso em 03 de novembro, 2016.

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e força de vontade, nunca recuou mesmo nos momentos de frustração, procurando

sempre uma maneira diferente até encontrar a que o levou a realizar seu sonho que

era voar como todos os demais passarinhos. Com a realização desse encontro, ficou

clara para os cursistas a questão da igualdade de oportunidades como um direito de

todas as pessoas com deficiência intelectual e múltipla.

O oitavo e último encontro iniciou-se com a dinâmica “Mestre”26 e depois foi

apresentada a charge “Relação professor e aluno”27 para análise e discussão

sobre a mensagem transmitida pela figura. A seguir, iniciou-se a apresentação do

Seminário com as atividades desenvolvidas pelos professores participantes do

curso.

Também foram desenvolvidos projetos com ATIVIDADES FUNCIONAIS

SIGNIFICATIVAS contemplando as oficinas da escola:

a) OFICINA NOTA PARANÁ - abordou conteúdos de Matemática como

classificação, seriação e construção de gráficos, bem como diferentes formas de

interação social a partir de visitas realizadas no mercado local.

b) OFICINA de CULINÁRIA – confecção de um LIVRO DE RECEITAS FUNCIONAL

para alunos que não conseguem ler, constituindo-se como uma atividade funcional

mediada pela significação.

c) OFICINA de ARTESANATO e RECICLAGEM de materiais diversos.

Desenvolvimento do Projeto “A ARTE de RECICLAR” com atividades funcionais

significativas que ensinaram como reciclar, reutilizar e reaproveitar materiais

recicláveis como garrafas pet para transformá-las em arte, desenvolvendo-se

habilidades manuais e estimulando-se a criatividade.

d) OFICINA de RECICLAGEM (Uniformes de Abatedouro) – Desenvolvimento de

um Projeto com atividades funcionais significativas que envolvem todo o processo

de reciclagem de uniformes descartados por uma empresa local e doados à escola,

até a criação de um produto final; atividades realizadas com a participação dos

alunos servindo de suporte para os conteúdos estudados em sala de aula.

26 Disponível em: http://www.slideshare.net/danielasipert/110-dinmicas-de-grupo. Acesso em: 20 de novembro, 2016. 27Disponível em:https://www.google.com.br/search?q=charge+professor+e+aluno&espv=2&biw=1366&bih=662&tbm=isch&tbo=u&source=univ&sa=X&ved=0ahUKEwid9OTM8_vPAhWJbj4KHX50CP8QsAQ#imgrc=SPtucZhz_ntBgM%3A. Acesso em 06 de novembro, 2016.

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e) OFICINA de HIGIENE e BELEZA – Desenvolvimento de atividades funcionais

mediadas pela significação quanto ao uso de instrumentos culturais como pente e

escova de dentes em que se abordou o tema “higiene pessoal”, por meio da

apresentação de um vídeo - antes e depois. Os resultados foram surpreendentes: a

partir da atividade e do trabalho cotidiano dela decorrente, houve grande melhora na

autoestima dos alunos, que passaram a apresentar um novo visual. Nesse oitavo

encontro houve a participação da equipe do Núcleo Regional de Educação, do

município de Assis Chateaubriand, concluindo-se com a Avaliação final do Projeto

de Intervenção na Escola.

Considerações Finais

Há muitos anos os professores que atuam na fase 1 da Educação de Jovens

e Adultos da Escola Especial Novo Amanhecer, vêm enfrentando desafios diários

em seu trabalho pedagógico, no sentido de sua angústia devido às dificuldades

quanto à aquisição do conhecimento por parte de seus alunos com deficiência

intelectual e múltipla, que têm idade cronológica avançada e apresentam atraso

cognitivo que frustra as expectativas quanto à sua aprendizagem dos conteúdos

acadêmicos.

Esses problemas enfrentados vêm ocasionando a desmotivação desses

professores, tanto para a realização de estudos acadêmicos para avançar na

reflexão e na busca de soluções para esses problemas, como para sua permanência

em sala de aula. A partir da definição do objeto de estudo a ser realizado no

programa PDE, foi possível a elaboração de um Projeto de Intervenção Pedagógica

que contemplasse as necessidades da escola e dos professores que foram

identificadas e a realização da implementação do Projeto de Intervenção na escola,

a partir de uma sólida fundamentação teórica adquirida ao longo da participação no

PDE.

Os estudos realizados proporcionaram o desenvolvimento de uma proposta

de educação capaz de possibilitar aprendizado a partir da vida concreta desses

alunos com deficiência intelectual e múltipla, num processo de ensino-aprendizagem

que se realiza de forma intencionalmente dirigida, vislumbrando o desenvolvimento

de suas habilidades e capacidades, o que vem de encontro à necessidade de

formação continuada dos professores para enfrentar os novos desafios educacionais

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colocados para o processo de escolarização desses alunos. Assim, a formação dos

professores realizada na escola e o programa GTR contribuíram para a apropriação

de práticas pedagógicas desenvolvidas por meio de atividades funcionais

significativas fundamentadas na teoria histórico-cultural visando à promoção da

autonomia, da independência de vida e da inclusão social desses alunos.

A formação realizada contribuiu, ainda, para que os professores pudessem

compreender – numa perspectiva histórico-cultural – a individualidade e a

singularidade de cada aluno com deficiência intelectual e múltipla, como sujeitos

simbólicos e capazes de se apropriarem dos objetos culturais e do conhecimento

ensinado na escola, de forma que sejam possíveis transformações em sua história

de vida pessoal e social. Dessa forma, as diversas atividades realizadas no

programa PDE possibilitaram quebrar paradigmas e repensar a prática pedagógica

dos professores que trabalham com alunos com deficiência intelectual e múltipla, no

sentido do caráter de funcionalidade das atividades pedagógicas e da necessidade

de sua significação para esses alunos, na direção de uma educação humanizadora.

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