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PRÁTICAS DE LEITURA NA ALFABETIZAÇÃO DE CRIANÇAS: O que dizem os livros didáticos? O que fazem os professores?

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PRÁTICAS DE LEITURA NA ALFABETIZAÇÃO DE CRIANÇAS: O que dizem os livros didáticos? O que fazem os professores?

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MARÍLIA DE LUCENA COUTINHO

PRÁTICAS DE LEITURA NA ALFABETIZAÇÃO DE CRIANÇAS: O que dizem os livros didáticos? O que fazem os professores?

Dissertação apresentada ao curso de Mestrado em Educação, do Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal de Pernambuco, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação.

Orientadora: Profª Drª Eliana Borges Correia de Albuquerque

RECIFE 2004

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AGRADECIMENTOS

A minha orientadora, Eliana:

Gostaria de fazer um agradecimento muito especial, não apenas pelo

constante interesse, incentivo, confiança em mim e neste trabalho,

mas, principalmente, pela incrível disponibilidade, não importando a

“hora nem o local” dos nossos encontros acadêmicos, mesmo que isso

lhe tomasse o tempo de estar com os seus familiares.

A Luiz e à pequena Alice,

meus agradecimentos, mas, também, minhas desculpas por ter “roubado”

tanto Eliana de vocês!

A Yarany,

por ter me recebido de portas abertas em sua sala, pela disponibilidade

de sempre, pela confiança, por ter compartilhado comigo oito meses de

muita aprendizagem e por ter se tornado uma grande parceira.

A Conceição,

por ter aceitado participar desta pesquisa, demonstrando confiança no

trabalho de uma pesquisadora ainda iniciante, o que possibilitou que eu

conhecesse mais de perto seu ótimo trabalho como professora.

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A Luziara,

que, muito embora não tenha sido citada nesta pesquisa, me recebeu,

sempre com muita atenção e cuidado, em sua sala de aula, ajudando-

me a conhecer melhor o seu cotidiano, não muito diferente do de

muitas professoras de nossas escolas.

Ao Colégio Marista São Luís, representado por Tereza Cahú, Ir. Ailton,

Lucrécia e Ana Cristina,

pela compreensão nos momentos de ausência e pelo incentivo para

que eu participasse de atividades que, muitas vezes, aconteciam no

período das aulas.

A Jô, especialmente,

pelo incentivo na participação de congressos, capacitações, bem como

pelo cuidado da organização dos horários para que eu pudesse

freqüentar as aulas no Curso de Mestrado.

A Tânia,

pelos momentos em que esteve em minha sala, assumindo tão bem a

função de professora, para que eu pudesse me afastar, mais

tranqüilamente.

Aos meus amigos Marcus, Bel, Heise e, em especial, Rose e Andréa,

que compartilharam, de perto, as angústias e “delícias” vividas durante

a realização deste trabalho.

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A Jaque,

grande incentivadora para a realização deste Curso de Mestrado:

leitora atenta do anteprojeto e que, com muito interesse, “descobriu”

um orientador interessado na minha pesquisa.

Aos alunos das professoras observadas e, sobretudo, aos meus alunos,

por todo o carinho demonstrado no dia-a-dia, através de sorrisos e dos

constantes bilhetinhos de “amor”, que me fazem sentir como é bom ser

“professora de crianças”.

A Alda,

por todo apoio e paciência que teve comigo.

A Dalmo,

pelo “orgulho” em ter uma namorada que fazia mestrado, pela

compreensão nos momentos de minhas faltas e, principalmente, pela

paciência, cuidado, perfeccionismo e maravilhosas sugestões feitas no

momento da formatação desta dissertação.

A minha mãe,

por sempre ter acreditado no meu potencial, por ter ficado ao meu lado

nos momentos mais difíceis de minha vida e por ter sido grande

incentivadora em minha trajetória pessoal e profissional.

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A meu pai,

que, mesmo estando distante, nunca deixou de estar próximo,

incentivando-me, orgulhando-se de minhas conquistas e me

considerando uma professora “especial”.

A Bruno, meu irmão,

que mesmo à distância esteve sempre interessado em entender e

conhecer o que eu fazia, torcendo para o meu sucesso.

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LISTA DE TABELAS E GRÁFICOS

Tabela 1 – Freqüência e Percentagem de Atividades de Leitura...... 70

Gráfico 1 – Atividades de leitura/Projetos........................................... 70

Tabela 2 – Freqüência e Percentagem de Materiais Textuais por Unidade/Projeto...............................................................

74

Gráfico 2 – Material Textual/Por projeto............................................. 75

Tabela 3 – Freqüência e Percentagem dos Modos de Leitura por Unidade/Projeto...............................................................

81

Gráfico 3 – Orientações para leitura/projeto...................................... 81

Tabela 4 – Explicitação dos Gêneros nas Atividades de Leitura por Unidade/Projeto...............................................................

87

Gráfico 4 – Orientação para leitura por gêneros/projetos................... 87

Tabela 5 – Explicitação das Finalidades de Leitura por Unidade/Projeto...............................................................

91

Gráfico 5 – Finalidades de leitura/projetos......................................... 91 Tabela 6 – Freqüência de Estratégias de Leitura por

Unidade/Projeto...............................................................

94 Gráfico 6 – Estratégias de leitura/projetos........................................ 94

Tabela 7 – Atividades de Apropriação do Sistema de Escrita Alfabético.........................................................................

100

Gráfico 7 – Atividades de Apropriação do Sistema de Escrita Alfabético/ Projetos..........................................................

101

Tabela 8 – O Que se Lia na Sala de Aula de Yarany (total de 22 aulas observadas)...........................................................

152

Gráfico 8 – Divisão de atividades Yarany........................................... 153

Tabela 9 – O Que se Lia na Sala de Aula de Conceição (total de 7 aulas observadas.............................................................

156

Gráfico 9 – Divisão de Atividades Conceição..................................... 156

Tabela 10 – Para Que se Lia na Sala de Aula de Yarany................... 160

Gráfico 10 – Objetivos de Leitura Yarany............................................. 160 Tabela 11 – Para Que se Lia na Sala de Aula de Conceição.............. 167 Gráfico 11 – Objetivos de Leitura Conceição....................................... 167 Tabela 12 – Quem Lia na Sala de Aula de Yarany.............................. 172 Gráfico 12 – Modos de Leitura Yarany................................................. 172 Tabela 13 – Quem Lia na Sala de Aula de Conceição........................ 176 Gráfico 13 – Modos de Leitura Conceição........................................... 176

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SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS

LISTA DE TABELAS E GRÁFICOS

SUMÁRIO

RESUMO

ABSTRACT

INTRODUÇÃO........................................................................................... 12

CAPÍTULO 1 – MARCO TEÓRICO......................................................... 16 1.1 – Transposição Didática........................................ 17 1.2 – A Construção dos Saberes na Ação................... 20 1.3 – A Fabricação do Cotidiano................................. 23 1.4 – Concepção de Língua/Linguagem...................... 26 1.5 – Alfabetização e letramento................................. 30 1.6 – Ensino de Leitura e as Estratégias de Leitura.... 38 1.7 – Algumas reflexões sobre as mudanças nos

livros didáticos de alfabetização.........................

42 1.8 – Objetivos............................................................. 50 1.8.1 – Objetivo Geral...................................... 50 1.8.2 – Objetivos Específicos........................... 50

CAPÍTULO 2 – METODOLOGIA E TRATAMENTO DOS DADOS......... 52 2.1 – Sujeitos................................................................ 53 2.2 – Procedimentos Metodológicos............................ 57 2.2.1 – Observação das aulas......................... 57 2.2.2 – Análise documental.............................. 58 2.2.3 Entrevistas........................................ 58 2.3 – As professoras como leitoras.............................. 60

CAPÍTULO 3 – ANÁLISE DO LIVRO DIDÁTICO.................................... 65 3.1 – Apresentação do livro didático Letra, Palavra e

Texto...................................................................

66 3.2 – O que os alunos lêem?....................................... 69 3.2.1 – Quais textos os alunos lêem?.............. 73 3.3 – Colaboração para a construção da leitura.......... 79 3.3.1 – Como os alunos lêem?........................ 79 3.3.2 – Com qual explicitação de gênero os

alunos lêem?........................................

85 3.3.3 – Para que os alunos lêem?................... 90

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3.3.4 – Estratégias de leitura exploradas......... 93

CAPÍTULO 4 – ANÁLISE DO USO DO LIVRO ...................................... 104 4.1 Uso não seqüenciado do livro............................. 107 4.2 – Leitura dos textos das unidades trabalhadas e

de alguns enunciados.........................................

108 4.3 – Exploração de estratégias de leitura................... 116 4.4 – Realização de atividades de apropriação do

sistema de escrita propostas no livro..................

128 4.5 – Realização de outras atividades de apropriação do

sistema a partir do livro...............................................

136 4.6 – Contextualização das atividades do livro

didático................................................................

141

CAPÍTULO 5 – PRÁTICAS DE LEITURA NA ALFABETIZAÇÃO: além do livro d idático ..................................................

149

5.1 – O que se lia em sala de aula?............................. 150 5.2 – Para que se lia em sala de aula?........................ 159 5.3 – Quem lia?............................................................ 171

CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................... 180

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................ 190

ANEXOS...................................................................................................... 195

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RESUMO

A presente pesquisa pretendeu investigar as práticas de leitura realizadas por

duas professoras, que lecionavam no 1º ano do 1º ciclo do Ensino

Fundamental, da Secretaria de Educação da Cidade do Recife. Buscamos

analisar como as docentes construíam e desenvolviam as atividades de leitura

na perspectiva do letramento e como o livro didático adotado pela Rede (Letra,

Palavra e Texto) era utilizado por elas. Como procedimentos metodológicos,

realizamos a análise do referido livro, fizemos entrevistas com as docentes e,

também, observações semanais de suas práticas de ensino. A análise do livro

constatou uma presença de um variado repertório textual, contemplando

diferentes gêneros que circulam na sociedade, mas, em relação às atividades

de leitura, muitas vezes não havia indicação de como o texto deveria ser lido e

havia pouca exploração de estratégias de leitura. No entanto, no que diz

respeito à dinâmica de sala-de-aula das professoras, ambas utilizavam o livro

didático como um dos materiais de apoio à organização do trabalho

pedagógico, mas, percebemos que, muitas vezes, elas re-construíam as

atividades propostas, modificando-as ou mesmo acrescentando outras, de

acordo com as necessidades de suas práticas. Essas modificações estavam

relacionadas, sobretudo, com a necessidade de complementar as atividades do

livro didático no que se referia à exploração de estratégias de leitura e à

apropriação do sistema de escrita.

Palavras-chave: alfabetização/letramento/livro didático/construção da

prática/atividades de leitura

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ABSTRACT

The following research has investigated the reading practices of two teachers

during the first cycle of the first year of the fundamental level from “Secretaria

de Educação da Cidade do Recife”. We have analysed how the teachers have

constructed and developed the reading activities from the perspective of literacy

and how the adopted book (Letra, Palavra e Texto) was used by them. As

methodological procedures, we have analysed the referred book, interviewed

the teachers and made weekly observations on their teaching practices. The

book analyses have found a diversified textual repertory, with different genres

that circulates among the society. Several times there were no instructions

about how the reading practices should occur and almost no exploration of

reading strategies. Referring to the class dynamics of the teachers, both of

them have used the book as support material to organize the pedagogic work.

Several times we also perceived that, they have reconstructed the purposed

activities, modifying them and even adding new activities according to their

necessities. Those modifications complemented the didactics books helping to

explore reading, strategies and the appropriation of the writing.

Key words: alphabetization/literacy/didactics books/practices

construction/reading activities

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INTRODUÇÃO

O Censo Escolar1 do ano de 2000 revelou que o fracasso escolar no 1º

ano do 1º Ciclo do Ensino Fundamental, no estado de Pernambuco,

representou cerca de 25%, ou seja, uma em cada quatro crianças repetiu a

classe inicial, por não ter conseguido (na grande maioria dos casos) construir

sua base alfabética.

Mas, o que, exatamente, traduzem esses dados? Embora a escola

tenha aumentado suas taxas de escolarização nos últimos anos, por qual

motivo não consegue vencer o desafio de alfabetizar os alunos?

As contribuições advindas das áreas educacional, sociológica,

psicológica, lingüística e outras, apontaram que o fracasso escolar não mais

poderia estar condicionado ao alunado, mas, sim, à própria escola, que se

mostrou ineficiente na garantia de permanência e de sucesso dos alunos: os

fracassos seriam “produzidos pela escola reprodutora” (MORTATTI, 1999, p.

262). Esse fracasso também teria relação direta com as práticas de leitura

realizadas nas nossas escolas.

1 Censo Escolar 2000 – Estatística da Educação Básica 2000-CIBEC/INEP

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Como bem coloca Côco (2001), as transformações ocorridas na

humanidade em seu percurso rumo a uma sociedade do letramento, as

implicações políticas na democratização do conhecimento e as relações sociais

que se estabelecem, ratificam a leitura como componente da vida social. Lerner

(1993) acrescenta que o atual desafio configura-se em combater a

discriminação que a escola opera, não apenas quando gera o fracasso explícito

daqueles que não conseguem se alfabetizar, mas, também, quando

impossibilita aos outros – que aparentemente não fracassam – chegarem a ser

leitores de textos competentes e de apropriarem-se da leitura como ferramenta

essencial no progresso cognitivo e uso social. Vencer esse desafio implica

gerar mudanças e levá-las à prática. Essa não é uma tarefa fácil para as

escolas.

Segundo Mortatti (1999), foi só a partir do final dos anos 80 e início da

década de 90 que conclusões resultantes de investigações sobre o

conhecimento e evolução psicogenética da aquisição da língua escrita surgiram

no cenário educacional, fazendo uma verdadeira revolução conceitual,

refutando as antigas práticas tradicionais de alfabetização, seus “métodos”,

materiais didáticos utilizados e, principalmente, deslocando do eixo da

discussão de como se ensina para como se aprende. Assim, o sujeito que

aprende passou a ser visto como um sujeito cognoscente, ativo e competente

lingüisticamente, capaz de construir seu conhecimento na interação com o

próprio objeto de conhecimento. Essa perspectiva de aprendizagem contribuiu

também para o abandono de uma visão adultocêntrica do processo de

alfabetização, da falsa idéia de que é o método que alfabetiza, que cria

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14 conhecimento, que o professor é o único informante autorizado e que a

atividade escolar deveria privilegiar o ensino em função da aprendizagem.

As cartilhas, até então tidas como materiais de referência no processo

de aquisição da leitura e escrita, foram amplamente criticadas e acabaram por

cair em desuso, exatamente porque se mostraram inadequadas na irrelevância

das informações que traziam, pela monotonia dos exercícios que propunham e

pela falta de sentido nas atividades sugeridas. Novas questões, então,

surgiram: Como realizar uma prática diferenciada? Que materiais utili zar?

E mais, com qual ob jetivo ensinar a ler e escrever?

Segundo Albuquerque (2002), mudanças na prática dos professores

passaram a ser exigidas. Os documentos oficiais (propostas curriculares, por

exemplo), como textos prescritivos, no geral, criticam as práticas tradicionais de

alfabetização e propõem novas perspectivas teórico-metodológicas, embora

não haja um consenso em relação às suas denominações e interpretações

(MARINHO, 1998). Por outro lado, presenciamos, na última década, um

processo de reformulação dos livros didáticos com vistas a contemplarem as

novas perspectivas teóricas de alfabetização.

Silva (1996) aponta-nos que a escola concebe o livro (didático ou não)

como um instrumento básico, um complemento primeiro das funções

pedagógicas exercidas pelo professor. Lajolo (1996) reafirma essa concepção

e acrescenta que, apesar do livro didático não ser o único material de que os

professores e alunos irão valer-se no processo de ensino-aprendizagem, ele

pode ter muita influência na qualidade do aprendizado resultante das atividades

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15 escolares, principalmente em nossa sociedade, uma vez que, no decorrer de

sua utilização, o livro didático acabou determinando conteúdos, condicionando

estratégias de ensino e marcando, de forma bastante incisiva, o que se ensina

e como se ensina em nossas escolas.

Logo, questionar os livros didáticos é questionar o próprio ensino que

neles está cristalizado. Compreendendo a importância desse material e

percebendo a necessidade urgente de serem feitas reformulações nos livros

didáticos (pois muitos apresentavam trabalho bastante diferente do sugerido

nas novas perspectivas de ensino, erros grosseiros, além de posições muitas

vezes preconceituosas e discriminadoras), o MEC passou a desenvolver,

desde 1995, o PNLD2, caracterizado pelo trabalho de análise e avaliação

pedagógica dos livros didáticos das diferentes áreas de ensino, seguindo,

como parâmetros, critérios cuidadosamente estabelecidos e de acordo com as

novas perspectivas educacionais (ALBUQUERQUE, 2002).

Dessa forma, este projeto propõe-se a analisar as práticas de leitura de

professoras em turmas de alfabetização e como tais práticas relacionam-se

com as orientações presentes nos livros didáticos recomendados pelo PNLD.

2 O Programa Nacional do Livro Didático é uma iniciativa do MEC e seus objetivos básicos são a aquisição e distribuição, universal e gratuita de livros didáticos para os alunos das escolas públicas do Ensino Fundamental. Desde 1995, esse objetivo foi ampliado e o PNLD passou, também, a avaliar os livros didáticos inscritos no programa. Em 1996 foi publicado o 1º Guia do Livro Didático, contendo pareceres e recomendações sobre os livros inscritos.

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CAPÍTULO 1 – MARCO TEÓRICO

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Pensamos ser importante, inicialmente, tomarmos como eixo de

discussão a teoria da Transposição Didática, uma vez que, para analisar as

práticas de ensino de leitura das professoras de língua

portuguesa/alfabetização, precisaremos considerar as transformações

ocorridas no ensino, nessa área, e em como elas estão sendo transpostas para

os “textos do saber” (entre eles, o livro didático) e desses para a sala de aula.

1.1 – Transposição Didática

Como forma de fazer chegar à escola as novas direções apontadas para

o ensino de língua portuguesa, precisamos pensar em um processo de

transformação de saberes, denominado por Chevallard (1991) de transposição

didática. Essa teoria baseia-se na distinção entre o saber científico (saber

“sábio”), o saber a ser ensinado (encontrado nos textos do saber) e o saber

efetivamente ensinado.

Nessa perspectiva, o saber científico, decorrente de resultados de

pesquisas que a comunidade científica realiza, passa por um processo de

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18 transformação de objetos de conhecimento em objetos de ensino-

aprendizagem e, só então, eles são introduzidos no contexto escolar.

Henry (1991) define o saber científico como o conjunto de

conhecimentos socialmente disponíveis, que, geralmente, é encontrado em

publicações científicas ou em comunicações reconhecidas pela comunidade e,

como já havíamos citado anteriormente, até a chegada na sala de aula,

transformações e adaptações alteram esse saber inicial. Segundo Chevallard

(1991, p. 45):

um conteúdo de saber, tendo sido designado como saber a ensinar, sofre então um conjunto de transformações adaptativas que vão torná-lo apto a tomar lugar entre os “objetos de ensino”. O trabalho que, de um objeto de saber a ensinar faz um objeto de ensino, é chamado de transposição didática.

“No desenvolvimento de toda prática educativa, sempre se faz

necessário estabelecer prioridades na condução dos procedimentos

pedagógicos” (PAIS, 1999, p. 16). Um dos pontos também importantes trata da

seleção dos conteúdos que constam nos programas escolares (ou, grades

curriculares) e que têm como fonte original o saber científico. É importante

salientarmos que não é a totalidade do saber científico que será ensinado na

escola. O sistema social (também denominado de noosfera) encarrega-se de

“indicar”, dentre os conhecimentos historicamente acumulados, aqueles que

são pertinentes para o ensino. Essa indicação de pertinência vai depender de

fatores diversos, tais, como: tipo de sociedade, contexto social, político e

econômico, entre outros.

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Sendo assim, é importante, segundo Pais (1999), deixar claro que os

conteúdos escolares não podem ser considerados apenas como uma

simplificação do saber científico: possuem linguagem, propósitos e objetivos

absolutamente diferentes dos utilizados inicialmente. Henry (1991) acrescenta

que, muitas vezes, da escolha do saber a ensinar até a sua adaptação ao

sistema, é possível que se criem novos conhecimentos e é só a partir dessa

adaptação que se pode determinar o conteúdo a ser ensinado. Lerner

complementa:

A escola tem por objetivo comunicar às novas gerações o conhecimento elaborado pela sociedade, então, o objeto de conhecimento – o saber científico ou as práticas que se tenta comunicar – converte-se em ‘objeto de ensino’. Ao transformar-se em objeto de ensino, o saber ou a prática para ensinar modificam-se: é necessário selecionar algumas questões em lugar de outras, é necessário privilegiar certos aspectos, tem-se que distribuir as ações no tempo, tem-se que determinar formas de organizar os conteúdos. Sendo assim, a necessidade de comunicar o conhecimento leva a modificá-lo (LERNER, 1993, p. 6).

Assim, o saber científico sofre modificações ao ser transformado em

saber a ser ensinado e sofre, também, alterações na intervenção do professor.

De acordo com Henry (1991), o professor tem a função de administrar essa

transposição didática, adaptando os objetos a ensinar a seus próprios

conhecimentos já construídos, transformando-os em saberes efetivamente

ensinados.

No entanto, sabemos que, para melhor compreendermos esse

movimento de adaptação dos objetos a serem ensinados a conhecimentos já

construídos, precisaremos considerar um outro referencial teórico que se apóia

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20 nas práticas profissionais e nos mecanismos que as caracterizam, ajudando a

melhor compreender a natureza das mudanças ocorridas nas práticas de

ensino dos professores: a construção dos saberes na ação.

1.2 – A Construção do s Saberes na Ação

Segundo Albuquerque (2002), pesquisadores, que analisam as práticas

dos professores e os processos de mudanças nelas ocorridos, têm observado

que as mudanças didáticas e/ou pedagógicas não são frutos de uma

apropriação realizada diretamente de algo que se divulga por meio de cursos,

revistas, livros, etc. Para esses autores, os saberes não são o fruto de uma

transmissão, mas, sim, de uma fabricação onde a formação do professor

tomará não o aspecto de uma transferência de conhecimentos

descontextualizados, mas uma re-interpretação de um discurso pedagógico, de

acordo com as conjunturas das diversas culturas.

De acordo com Chartier (1998), os professores constroem suas práticas

a partir do que está sendo discutido no meio acadêmico e transposto para os

textos do saber, porém, sempre considerando o que é possível e pertinente de

ser feito em sala de aula, a partir de uma re-interpretação dessas discussões, a

qual pode ser compreendida por meio de dois modelos: o primeiro defende que

a difusão dos saberes é necessária para orientar as escolhas didáticas e as

práticas pedagógicas; o segundo propõe que a formação dos professores se

faz, principalmente, por “ver fazer e ouvir dizer” e que o ponto principal dessa

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21 apreensão dos saberes é sua pertinência em relação ao trabalho na classe.

Sendo assim, entendemos que os professores não se apropriariam da teoria e

das prescrições oficiais, como, por exemplo, as contidas nos livros didáticos, de

forma a aplicá-las diretamente, como os pesquisadores/especialistas

pensaram-na, mas, sim, dentro do que é possível de se fazer, dentro de suas

condições de trabalho.

Ao analisar a prática de ensino da escrita de uma professora, Chartier

(1998) observou que ela utilizava um dispositivo específico – os ateliers de

escrita – para poder iniciar as crianças nas atividades de escrita. Dois ateliers –

o de grafismo e o de escrita dirigida – eram realizados com a sua

orientação/supervisão e priorizavam aspectos como coordenação motora e

aprendizagem dos traçados das letras. Eles pareciam se constituir em

atividades que vinha desenvolvendo há alguns anos e possuíam um objetivo

pedagógico que extrapolava a aprendizagem da escrita, se relacionando com o

desenvolvimento de outros conhecimentos, como os comportamentos/atitudes

escolares. Já o atelier de escrita livre foi iniciado durante o período de

realização da pesquisa em sua sala de aula e extrapolava a ênfase na escrita

enquanto “produção material”, por envolver a produção intelectual de um texto

que deveria ser lido por um adulto (professora/estagiários/pesquisadora). Esse

atelier parecia corresponder a uma inovação didática: tentativa de aplicação

pedagógica de reflexões teóricas recentes sobre a escrita, mais

especificamente retomada em protocolos de pesquisas elaborados por Emília

Ferreiro. Foi por sugestão da pesquisadora e com a ajuda dela que a

professora aceitou realizar esse atelier.

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22

Ainda segundo Chartier (1998), a professora pesquisada tinha

consciência de que essas atividades se referiam a uma grande variedade de

modelos. Ela sabia, por exemplo, que os dois primeiros correspondiam a

práticas tradicionais de ensino da escrita: aquisição de habilidades motoras

finas, iniciação de modelos, uso da letra de imprensa (embora o texto oficial

propusesse a cursiva). Já o atelier de escrita livre se referia a outros modelos

teóricos que tratavam a escrita em sua dimensão de saber “lingüístico” e de

código simbólico. Ela assumia o ecletismo desses modelos, uma vez que

conseguia desenvolver cada atelier sem que um interferisse no bom

desenvolvimento do outro. Assim, eles não apareciam como contraditórios,

mas como “dispositivos em coexistência pacifica”. Se, do ponto de vista teórico,

esses ateliers são incompatíveis, eles aparecem, do ponto de vista dos

“saberes da ação”, como um sistema dotado de forte coerência pragmática.

Para a referida autora, as práticas pedagógicas dos professores são

constituídas de um conjunto de dispositivos, empregados por eles, para o

ensino dos conteúdos relacionados às diferentes áreas de conhecimento, os

quais constituem o “saber-fazer” dos professores e podem envolver

procedimentos os mais rotineiros e, também, aqueles propostos como

inovadores. A prática pedagógica dos professores englobaria, assim, as

disposições incorporadas por cada sujeito, os esquemas de ação e a

fabricação de suas práticas profissionais, privilegiando, principalmente, as

informações que são diretamente utilizáveis, o “como fazer” melhor do que o

“por que” fazer.

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23

Como vemos, as práticas escolares cotidianas são permeadas por

apropriações, não ocorrendo por meio de um ato passivo de recebimento de

algo pronto e acabado, mas, sim, constituem-se em um processo ativo de “re-

construção” de práticas já existentes. Chartier (2000) ajuda-nos, mais uma vez,

a refletir sobre as mudanças nas práticas de ensino de professores, apontando

que elas podem ocorrer tanto nas definições dos conteúdos a serem ensinados

– que constituem as mudanças de natureza didática – ou, então, dizem

respeito a mudanças relacionadas à organização do trabalho pedagógico

(material pedagógico, organização dos alunos em classe, avaliação, etc.), e

que ambas também são partes constituintes da fabricação do cotidiano escolar.

É preciso, então, refletirmos sobre a relação entre esses dois aspectos.

Faremos isso com base na perspectiva de fabricação do cotidiano escolar de

Certeau.

1.3 – A Fabricação do Cotidiano

Para que possamos melhor compreender como se dá o processo de

construção do cotidiano escolar, consideramos importante tomar como

referencial teórico a Fabricação do Cotidiano de Certeau. Essa teoria defende o

cotidiano como uma compreensão do ambiente onde se formalizam as práticas

sociais, mas que, também, sofre influências exteriores. Essas relações sociais,

por sua vez, são formadas por práticas construídas, “fabricadas”, a partir das

diversas atividades que se exercem na vida cotidiana e que são produzidas e

recriadas pelos sujeitos.

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Ferreira (2004) acrescenta que a lógica das práticas cotidianas não se

apresenta apenas no que é realizado em um determinando ambiente, mas é

uma “rede de operacionalização nas quais estão envolvidas as relações de

força, que se constituem em construções de táticas e de ações ‘próprias’,

desenvolvidas pelos sujeitos (FERREIRA, 2004, p. 6).

Ainda segundo a autora, Certeau esteve muito mais centrado na busca

da compreensão das estratégias e táticas das práticas cotidianas dos sujeitos

sociais do que na identificação e estruturação dos conceitos das múltiplas

realidades.

Certeau (1985, p. 15) define estratégia como “o cálculo ou a

manipulação de relações que se tornam possíveis a partir do momento em que

um sujeito de vontade ou poder é isolável e tem um lugar de poder ou saber

(próprio)”. Desse modo, as pessoas que racionalizam sobre um determinado

espaço, elaborando normas, leis, conceitos, saberes científicos e/ou a serem

ensinados (como, por exemplo, os especialistas responsáveis pela elaboração

de documentos oficiais e livros didáticos) estão construindo estratégias de

operacionalização de um determinado espaço, que serão “fabricadas” nas

práticas cotidianas por meio das táticas, as quais, por sua vez, são “a ação

calculada ou a manipulação da relação de força quando não se tem lugar

‘próprio’ ou melhor, quando estamos dentro do campo do outro”. Assim, as

táticas surgem muito mais sutis porque são dependentes do tempo, dos

momentos, das oportunidades. Ainda, segundo Certeau (1985), quando não

estamos no nosso terreno, aproveitamos a conjuntura, as circunstâncias, para

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25 dar um “golpe”, porém não no sentido de enganar os outros, mas, no desejo de

resguardar a sobrevivência dos sujeitos.

Ferreira (2003) define as estratégias, de acordo com Certeau, como

dominantes de seu espaço de ação, possuindo relação de força, capitalizando

resultados, definindo projetos e impondo programas. Já as táticas, ao contrário,

estariam relacionadas à forma com a qual as

pessoas tomam os enunciados de uma língua e conversam em função dos encontros; cada ator impõe a sua maneira o que lhe foi dado a fazer, compreender ou viver. Entretanto, o ator não é dono do espaço no qual se move, ele divide as cartas com quem encontra (FERREIRA, 2003).

O que diferencia as estratégias das táticas, de acordo com Certeau

(1985), são os tipos de operação, uma vez que as estratégias são capazes de

produzir, mapear e impor regras, ao passo que as táticas só podem utilizá-las,

manipulá-las ou alterá-las. Elas não obedecem a uma lei (podemos entender

“lei” como as prescrições contidas nos livros didáticos, por exemplo), mas são

operações que as re-constroem.

Retomando a perspectiva da transposição didática, consideramos

importante destacar que as mudanças nos saberes científicos são transpostas

para os “textos do saber”, transformando-se em “saberes a serem ensinados”.

O professor, no entanto, não se apropria dessas mudanças, de modo a

realizá-las na forma como aparecem estrategicamente nos textos do saber

(propostas oficiais, livros didáticos). Ele re-cria o que está posto, a partir da

construção de táticas. O nosso interesse reside, justamente, em identificar e

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26 analisar as táticas de uso do livro didático, apreendendo como as professoras

estão se apropriando das novas concepções e como isto tem sido efetivado em

suas práticas de sala de aula.

Portanto, consideramos importante refletirmos, na próxima parte deste

trabalho, sobre as alterações ocorridas nos últimos anos nas orientações de

ensino de Língua Portuguesa, mais especificamente, no ensino de leitura.

1.4 – Concepção de Língua/Linguagem

Fazendo uma revisão sobre o ensino de Língua Portuguesa, Soares

(1998a) enfatiza que, até meados da década de 50, o ensino era basicamente

destinado às camadas privilegiadas da sociedade, pois estas eram as únicas

que tinham acesso assegurado à escolarização. Os seus alunos já chegavam à

escola com um razoável domínio do dialeto de prestígio (ou, a chamada norma

padrão culta) e, ensinar, nessa perspectiva, estava diretamente relacionado

ao reconhecer as normas e regras de funcionamento dessa variedade

lingüística. A língua era percebida como um sistema, e ensinar português era

ensinar a conhecer/reconhecer o sistema lingüístico.

Ainda segundo a autora supracitada, nos anos 60 o país vivenciava um

regime ditatorial e buscava o desenvolvimento do capitalismo mediante a

expansão industrial. Surgiu a necessidade de ampliar o acesso à

escolarização, como um meio de garantir o fornecimento de recursos humanos

para a expansão desejada. A partir daí, chegou às escolas um novo público –

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27 as camadas populares – e, junto com ele, variantes lingüísticas bastante

diferentes daquelas anteriormente encontradas nesse espaço.

Logo, as novas condições sócio-político-educacionais acarretaram a

revisão do ensino de Língua. Sob bases teóricas que oportunizavam o

desenvolvimento de um trabalho com esse novo alunado, a concepção de

linguagem como sistema, a partir daquele momento, foi substituída por uma

perspectiva de língua como instrumento de comunicação, articulada ao caráter

instrumental e utilitário do ensino. Tratava-se de não se levar mais ao

conhecimento do sistema lingüístico, mas ao desenvolvimento de habilidades

de expressão e compreensão das mensagens. Deslocava-se o eixo de saber a

respeito da língua para o uso da língua.

Conforme a revisão realizada por Soares (1998a), o referencial acima

citado perdurou até o início da década de 80. No entanto, mais uma vez,

questões de natureza sócio-político-educacionais contribuíram para o

redimensionamento da perspectiva descrita e forneceram dados para que,

então, uma nova concepção de linguagem fosse utilizada. Por volta dos anos

80/90 do século XX, a intensificação das pesquisas e os estudos avançaram e,

sob a influência da Lingüística Textual, da Análise do Discurso, da Psicologia

Cognitiva, da Psicolingüística, entre outros, passou-se a repensar a linguagem

e o ensino da língua escrita sob novas bases.

De acordo com Rangel (2001), é nesse período que se percebe uma

“virada pragmática” no ensino de língua materna, buscando uma mudança na

concepção do que se considera “ensinar língua”, fundamentada em um novo

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28 conjunto articulado de orientações teóricas e metodológicas: os aspectos sócio-

interacionais da linguagem passam, então, a ser considerados e a linguagem

deixa de ser encarada apenas como conteúdo escolar, passando a ser

concebida como processo de interlocução.

Isso se deu, entre outras coisas, porque o conhecimento paulatinamente

construído pelas ciências da aprendizagem a respeito do q ue é aprender

propiciou um amplo e variado questionamento das práticas e concepções até

então sustentadas. Era necessário fazer das situações de ensino um momento

de intercâmbio planejado, onde o objeto de conhecimento e os parceiros de

aprendizagem pudessem interagir (RANGEL, 2001). Não havia mais espaço

para ignorar as crenças e as hipóteses do aprendiz, exatamente porque é com

base nelas que o sujeito elabora o seu conhecimento.

Santos (1999) também chama a nossa atenção para o fato de que os

educadores passaram a ser alertados para a realidade de que a linguagem não

existe por causa da escola: ela é objeto de ensino porque existe fora desse

espaço, no dia-a-dia das pessoas e só se realiza por meio das interações.

Logo, o ensino de língua precisaria acontecer no espaço de interlocução:

(...) Desloca-se o eixo do ensino, voltado para a memorização de regras da gramática de prestígio e nomenclaturas, para um ensino cuja finalidade é o desenvolvimento da competência lingüístico-textual, isto é, o desenvolvimento da capacidade de produzir e interpretar textos em contextos sócio-históricos verdadeiramente constituídos (SANTOS, 1999, p. 19).

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Marcuschi (1996) também explicita a língua como uma atividade

constitutiva (com a qual construímos sentidos), cognitiva (com a qual podemos

expressar nossos sentimentos, idéias, ações e representar o mundo), ação

(pela qual interagimos com os outros) e que, sendo assim, se manifesta nos

processos discursivos e se concretiza nos usos textuais mais diversos. É mais

do que um instrumento de comunicação, código ou estrutura.

Dessa forma, pressupostos teóricos e metodológicos que não

contemplavam os conhecimentos prévios e as hipóteses infantis sobre a

natureza e o funcionamento da linguagem, bem como não validavam as

habilidades e competências da leitura e produções de texto como reflexões

sistemáticas, passaram a ser refutados (pelo menos, teoricamente). Nesse

sentido, o ensino de Português não mais poderia ignorar as condições sócio-

interacionais e os mecanismos cognitivos envolvidos no processo de aquisição

e desenvolvimento da linguagem: era necessário “um ensino que

proporcionasse o (inter) agir” (RANGEL, 2001, p. 10).

Essas teorias começam a chegar às escolas, adaptadas e aplicadas ao

ensino da língua materna, alterando, reestruturando e contribuindo na

reformulação da perspectiva de língua e de linguagem (SMOLKA, 1988). Com

isso, esta passou a ser entendida:

como uma forma de interação humana, produzida e atuante sobre um fundo de discurso e não de silêncio, e que utilizar a língua é bem mais do que representar o mundo: é construir sobre o mundo uma representação, é agir sobre o outro e sobre o mundo, constituindo-se o sujeito do discurso como o lugar de uma constante dispersão e aglutinação de vozes (MORTATTI, 1999, p. 30).

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Geraldi (1999) acrescenta que a linguagem é muito mais do que

possibilitar uma transmissão de informações de um emissor a um receptor: ela

é um lugar de interação humana, que só tem existência no jogo que se joga na

sociedade, na interlocução.

Assim, desde os anos 80, é a concepção interacionista de língua que

passou a nortear o ensino nessa área. Isso é evidenciado na pesquisa de

Marinho (1998), que analisou Propostas Curriculares de diferentes Secretarias

e observou que essa era a concepção ”predominantemente” adotada nesses

documentos.

É sobre o desenvolvimento de um ensino de leitura e escrita –

alfabetização – dentro dessa perspectiva de língua que nos deteremos nas

próximas etapas deste trabalho.

1.5 – Alfabetização e letramento

Entendemos por alfabetização o processo através do qual as pessoas

aprendem a ler e a escrever e que vai muito além de técnicas de transcrição da

linguagem oral para a linguagem escrita; pressupõe o aumento do domínio da

linguagem oral, da consciência metalingüística e repercute diretamente nos

processos cognitivos envolvidos nas tarefas que enfrentam (FERREIRO &

TEBEROSKY, 1986). No entanto, apesar de já se possuir clareza sobre os

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31 processos pelos quais se constrói a leitura e escrita, a alfabetização ainda

continua a ser um grande desafio.

Tradicionalmente, o ensino da leitura e da escrita tem sido pautado por

uma prática pedagógica que tem como base uma concepção de alfabetização

entendida como decodificação/codificação e produção grafomotriz. Essa

concepção, segundo Cook-Gumperz (1991), surgiu como uma necessidade de

controlar e limitar a alfabetização, monitorando as formas de expressão e de

comportamento dos sujeitos, ainda nos séculos XVIII e XIX. Alfabetizava-se

através de ensinamentos de hábitos de produtividade, economia e, também,

por meio de um programa restrito, com pouca escrita e com a leitura de textos

religiosos, objetivando treinar socialmente os trabalhadores para transformá-los

em força de trabalho operário.

Ainda segundo a autora, nesse modelo de alfabetização, as etapas de

aquisição do conhecimento eram previamente estabelecidas e a ênfase estava

no domínio de determinadas habilidades (entre elas, podemos citar,

discriminação auditiva e coordenação motora), sendo a repetição e a

memorização os “pontos-chave” desse processo

Nessa concepção tradicional, ler seria uma habilidade individualmente

adquirida, independente da situação, da época e do grupo social (KLEIMAN,

2001). Quando se pensa em uma perspectiva individual, a atenção dirige-se

para a aprendizagem do alfabeto, para a formação de palavras e frases, sem

se considerarem os usos e as funções sociais do tipo de texto que se está

lendo.

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Ferreiro & Teberosky (1986) apontam que, tradicionalmente, o problema

da leitura tem sido exposto como uma questão de método, e a preocupação

seria a de buscar o “melhor e mais eficaz método de ensino de leitura”. Assim,

convivemos durante várias décadas (e talvez ainda hoje no espaço de muitas

escolas) com dois tipos fundamentais de métodos: os sintéticos (que partiam

dos elementos menores das palavras) e os analíticos (que partiam da palavra

ou de unidades maiores). Embora houvesse divergência entre os dois, ambos

percebiam a aprendizagem da leitura como uma questão mecânica, a

aquisição de uma técnica para a realização do deciframento. Como a escrita

era concebida como uma transcrição gráfica da linguagem oral, ler significava

associar respostas sonoras a estímulos gráficos, ou seja, decodificar o escrito

em som. Essas práticas de ensino da língua escrita pressupunham uma

relação quase que direta com o oral e as progressões clássicas (começando

pelas vogais, depois combinações com consoantes, até chegar à formação das

primeiras palavras por duplicação dessas sílabas) marcavam, incisivamente, o

ensino de leitura.

As autoras supracitadas também apontam que nas décadas de 60/70

surgiram mudanças significativas no que concernia à maneira de compreender

os processos de aquisição/construção do conhecimento e da linguagem na

criança3. Só a partir de então é que se passou a considerar que a escrita era

uma maneira particular de transcrever a linguagem e que o sujeito que iria

abordar a escrita já possuía um considerável conhecimento de sua língua

materna. Até então, a leitura muito pouco tinha a ver com as experiências de

3 Cf. Piaget, 1961, 1978; Bronckart, 1976; Chomsky 1974, 1976; Pêcheux, 1962 e outros.

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33 vida e de linguagem das crianças, estando essencialmente baseada na

repetição, memorização e era tida apenas como um objeto de conhecimento na

escola (quando, na verdade, sabemos que ela é constitutiva do conhecimento

na interação).

As novas perspectivas no ensino/aprendizagem da leitura foram

apresentadas e discutidas e, assim, percebeu-se que era preciso pensar não

apenas em “ensinar” (no sentido de transmitir) a leitura, mas, de usá-la, de

fazê-la funcionar como interação, interlocução na sala de aula, experienciando

a linguagem nas suas várias possibilidades.

Se a expressão alfabetização é antiga conhecida dos meios

educacionais, foi na segunda metade da década de 1980 que a expressão

letramento surgiu no discurso de especialistas nas áreas de ensino da língua,

tornando-se, então, cada vez mais evidente, nas discussões acadêmicas e

produções teóricas, a relevância da palavra para o processo de alfabetização.

Segundo Soares (1998b), a palavra letramento foi usada pela primeira

vez, em português, por Kato (1986), dois anos depois por Tfouni (1988),

quando, desde então, se preocupou em definir e diferenciar alfabetização e

letramento. Soares (1998b) aponta que a palavra letramento é uma tradução

para o português da palavra inglesa literacy, que significa estado ou condição

de quem é letrado, transcendendo a concepção de alfabetização, pois para ser

letrado é essencial que se possua o domínio da leitura e escrita no cotidiano e

que elas sejam usadas, adequadamente, em situações sociais reais de leitura

e escrita.

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A distinção entre os termos alfabetização e letramento foi proposta por

Soares (1998b, p. 10):

A alfabetização refere-se à aquisição da escrita enquanto aprendizagem de habilidades para leitura, escrita e as chamadas práticas de linguagem. O segundo, por sua vez, focaliza os aspectos sócio-históricos da aquisição da escrita.

De acordo com a mesma autora, não basta apenas “codificar e

decodificar” signos: é preciso letrar e, apesar dos termos serem duas ações

distintas, eles são indissociáveis. O ideal, segundo Soares (1998b), seria

alfabetizar letrando, ou seja: "ensinar a ler e a escrever no contexto das

práticas sociais da leitura e da escrita, de modo que o indivíduo se torne ao

mesmo tempo alfabetizado e letrado” (SOARES, 1998b, p. 47).

Kleiman (2001), complementa definindo o termo letramento como um

conjunto de práticas sociais que usam a escrita enquanto sistema simbólico e

enquanto tecnologia, em contextos específicos, para objetivos específicos,

extrapolando o mundo da escrita tal qual ele é concebido pelas instituições que

se encarregam de introduzir, formalmente, os sujeitos no mundo da escrita. Ela

afirma que a escola (a mais importante agência de letramento) preocupa-se

não com o letramento enquanto prática social, mas, apenas, com um tipo de

letramento: o escolar.

A autora, baseada em Street3 (1984), ainda acrescenta que o modelo

que determina as práticas escolares de letramento é o modelo autônomo, que

considera a aquisição da escrita como um processo neutro, independente de 3 Cf em Kleiman, 2001.

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35 considerações contextuais e sociais. A escola, na grande maioria das vezes,

promove atividades com o objetivo de, apenas, “desenvolver a capacidade de

interpretar e escrever textos abstratos, dos gêneros expositivo e argumentativo,

dos quais o protótipo seria o texto tipo ensaio” (STREET, apud KEIMAN, 2001,

p. 44).

Em contraposição, ao modelo autônomo, e ainda baseada em Street,

Kleiman (2001) apresenta o modelo ideológico de letramento e afirma que não

existe apenas uma concepção de letramento, mas, sim, práticas de

letramentos, que são social e culturalmente determinadas. Dessa forma, os

significados específicos que a escrita assume para um grupo social dependem

dos contextos e instituições em que ela foi adquirida.

A concepção de ensino da escrita como desenvolvimento de habilidades

necessárias para produzir uma linguagem abstrata (ou modelo de letramento

autônomo) está em contradição à corrente que estamos defendendo neste

trabalho: aquisição da escrita enquanto prática discursiva.

Para esta tendência, a prioridade do trabalho pedagógico deveria estar

colocada nos usos da língua escrita e nas interações que a criança faz com os

escritos no seu cotidiano. Na medida em que a linguagem escrita não é vista

como um código a ser decifrado, mas muito mais do que isso, como um objeto

de conhecimento a ser construído, são enfatizadas atividades que favorecem o

convívio da criança com o escrito, e são valorizadas tanto as suas produções

quanto as hipóteses explicativas que vai desenvolvendo sobre a escrita.

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Logo, nessa perspectiva de letramento, o trabalho da alfabetização tem

como finalidade a formação de leitores competentes, capazes de compreender

os diferentes textos com os quais se defrontam. Para ensinar a ler nesta

perspectiva, é importante que os alunos tenham contato com variados tipos de

texto e com objetivos de leitura também diferentes desde que iniciam o

processo escolar: é o interagir com todo tipo de material escrito, que possua

significado na sociedade na qual estão inseridas as crianças.

Soares (1998b) afirma serem necessárias algumas condições para que

o letramento possa ocorrer, dentre elas, a necessidade de haver material de

leitura disponível para os alunos, pois,

em muitos casos, alfabetizam-se crianças, mas não lhes dão condições para ler e escrever: não há material impresso posto à disposição, não há livrarias, o preço dos livros e até jornais e revistas é inacessível, há um pequeno número de bibliotecas. Como é possível tornar-se letrado nessas condições? (SOARES, 1998b, p. 58).

Morais (2002) atenta para o fato de que a linguagem precisa ser

transformada em objeto de ensino-aprendizagem para que seja apropriada

pelos iniciantes, dadas as condições de ensino e aprendizagem no âmbito

escolar. Pautado em Chevallard (1986) e Brousseau (1991), Morais (2002)

afirma que os conhecimentos científicos são inevitavelmente transformados

quando os tornamos objetos de ensino-aprendizagem. No entanto, é

necessário haver um cuidado com a transformação, a fim de se evitar erros

conceituais. Termos, freqüentemente, utilizados, como, escolarização,

didatização e mesmo pedagogização, não se identificam com a destruição da

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37 língua na escola, mas têm sentido semelhante ao que esse autor chama de

transposição didática da linguagem.

Como bem afirma Morais, nessa “cadeia de transposição didática” parte

das mudanças dos conhecimentos científicos se transformam em textos do

saber – livros didáticos e propostas curriculares – que orientam o ensino: o

“saber efetivamente ensinado” e as referidas mudanças no interior do saber

científico, assim como a mudança de paradigma dos processos de

aprendizagem do ler e escrever encontraram legitimação nos textos do saber.

Para uma maior compreensão dessa abordagem, é importante

definirmos que o termo escolarização (que embora tenha tomado conotação

pejorativa quando relacionado a conhecimentos, saberes, produções culturais)

nada tem de depreciativo, pois não há como ter escola sem escolarização de

conhecimentos, saberes: o surgimento da escola está indissociavelmente

ligado à constituição de saberes escolares que se corporificam e se formalizam

em currículos, matérias, disciplinas, etc. e tudo isso exigido pela existência de

um espaço de ensino e de um tempo de aprendizagem (SOARES, 1999).

Assim, observamos que esse processo, o qual chamamos de

escolarização, é um processo inevitável porque é da essência mesma da

escola; é o processo que a institui e que a constitui. Negar e criticar a

escolarização seria negar a própria escola. O importante a ser discutido não é

o fato da escolarização existir em si, mas da inadequação da escolarização das

práticas sociais de leitura e escrita, fato que, muitas vezes, se traduz em

deturpação, falsificação e distorção, resultantes de uma pedagogização mal

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38 compreendida que, ao transformar o literário em escolar, o desfigura. Mas,

como fazer uma escolarização adequada?

Como podemos perceber, as atuais questões sobre a alfabetização para

o letramento não podem ser reduzidas a uma questão de métodos, mas de

rever o próprio processo, compreendendo-o como construção do conhecimento

sobre a língua escrita por parte da criança. Se no enfoque tradicional, o

professor (único sujeito “autorizado” a transmitir o conhecimento) questionava

qual a seqüência mais adequada de apresentação das letras para formarem

sílabas, das sílabas formarem palavras e das palavras formarem frases, no

enfoque que valoriza a perspectiva social (conhecido na literatura como

relacionado aos estudos do letramento4) a pergunta seria: quais os textos

significativos para o aluno e sua comunidade que são importantes para serem

trabalhados?

1.6 – Ensino de Leitura e as Estratégias de Leitura

Kramer (1986) define o saber ler como “dispor do veículo fundamental

de acesso aos conhecimentos da língua nacional, da matemática, das ciências,

da história, da geografia e significa possuir o instrumento de expressão e

compreensão da realidade física e social” (p.9).

Lajolo (1988) acrescenta que ler não é decifrar (como em um jogo de

adivinhações) o sentido do texto, mas, sim, a partir dele atribuir-lhe significado,

4 Conferir os trabalhos de Soares (1998), Kleiman (2001), Batista & Galvão (1999), e outros.

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39 conseguir relacioná-lo a todos os outros textos significativos. Nessa

perspectiva, a leitura também é percebida como um processo de interlocução

entre leitor/autor, mediado pelo texto. Ler não é captar um “sentido único do

texto”, mas, sim, um processo – está em constante elaboração e reelaboração.

Solé (1998) afirma que a leitura é o processo mediante o qual se

compreende a linguagem escrita. Nessa compreensão intervém tanto o texto

(sua forma e conteúdo) quanto o leitor (suas expectativas e conhecimentos

prévios). Logo, para ler, necessitamos, simultaneamente, manejar com

destreza as habilidades de decodificação e apontar ao texto nossos objetivos,

idéias, experiências prévias e mesmo motivação; a leitura é um processo de

(re) construção dos próprios sentidos do texto. É por isso que, segundo Geraldi

(1999), podemos falar de leituras possíveis de um mesmo texto. Não estamos

aqui querendo dizer que “todas as possibilidades são possíveis”, pois, como

bem coloca Possenti (1990) “a leitura errada existe”.

Solé (1998) ressalta que, apesar de o leitor construir o significado do

texto, isto não quer dizer que o texto não tenha significado em si, mas, o

significado que um escrito tem para um determinado leitor não é uma réplica do

significado que o autor quis lhe dar, mas, uma construção que envolve o texto,

os conhecimentos prévios e objetivos do leitor que o aborda.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais na área de Língua Portuguesa

(MEC-SFE, 1997), também afirmam que a leitura é um processo no qual o

leitor realiza um trabalho ativo de construção de significado do texto, a partir de

seus objetivos, do seu conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, sobre

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40 tudo o que sabe em relação à língua, seja da característica do gênero, seja

sobre o portador, ou mesmo sobre o sistema de escrita. “Ler um texto” não

trata simplesmente de extrair a informação da escrita, mas implica,

necessariamente, compreensão, através da qual os sentidos começam a ser

construídos antes da leitura propriamente dita.

Ainda segundo o documento, qualquer leitor mais experiente, que

consegue analisar sua própria leitura, constata que a decodificação é apenas

um dos procedimentos que utiliza quando lê. Outras estratégias, como a

seleção, antecipação, inferência, verificação, são tão importantes que sem elas

não é possível ler com rapidez e proficiência. Dessa forma (como nos apontam

SOLÉ, 1998; KLEIMAN, 1989, 1998 E SMITH, 1999), a escola tem papel

fundamental no ensino de estratégias de leitura. Kleiman (1998) explicita que

elas são operações regulares para abordar o texto (não queremos aqui afirmar

que o importante é possuir grande repertório de estratégias, mas, sim, saber

usá-las; estratégias de leitura não são um fim em si mesmas, mas um meio

para se chegar à compreensão), que contribuirão, imensamente, no

entendimento do material escrito.

Ajudar os alunos a utilizarem estratégias para compreenderem os textos

deve ser tarefa primordial no ensino de língua portuguesa desde muito cedo

(antes mesmo que as crianças tornem-se alfabetizadas, propriamente ditas)

porque o ensino inicial da leitura deve garantir a interação significativa e

funcional da criança com a língua escrita, como meio de construir os

conhecimentos necessários para poder abordar as diferentes etapas da sua

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41 aprendizagem, uma vez que, segundo Smith (1999), iniciamos a aprendizagem

da leitura desde a primeira vez que temos qualquer idéia da escrita e

aprendemos algo sobre a leitura cada vez que lemos.

Logo, é fundamental, como bem coloca Solé (1998), que o texto escrito

esteja presente de forma relevante na sala de aula. É importante pensarmos,

ainda, que não é apenas o material, mas, também, as atividades e exploração

das estratégias de leitura que deles suscitam o que será de importante no

ensino de leitura.

Assim, ensinar as estratégias de compreensão leitora, aliadas ao

domínio das habilidades de decodificação (claro!), torna-se ferramenta

essencial se queremos garantir que os alunos possam participar dos usos e

funções sociais que a linguagem escrita assume nas sociedades do letramento.

Mas, como unir esta perspectiva com as atividades de sala de aula sem

cair nos artificialismos de simulação de leituras? Como realizar uma prática

diferenciada? Que materiais utilizar? Com qual objetivo ensinar a ler e

escrever? Como desenvolver uma prática de leitura de diferentes gêneros com

exploração das estratégias? Deve-se iniciar essa prática de leitura quando os

alunos estiverem alfabetizados, sabendo ler e escrever?

Diante dessas indagações, faz-se fundamental buscar procedimentos

didático-pedagógicos adequados ao processo. É preciso perceber que a

mediação do adulto nesses eventos de letramento é essencial e que o livro, a

escrita, também são elementos significativos nessas interações (KLEIMAN,

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42 2001). Sendo assim, questionamos se os livros didáticos recomendados pelo

PNLD (2001/2002) têm contemplado as “novas” orientações teórico-

metodológicas nessa área.

1.7 – Algumas reflexões sobre as mudanças nos livros didáticos de alfabetização

A importância da investigação sobre a temática “livro didático” se

intensifica quando se constata que ele constitui, muitas vezes, o único material

de acesso ao conhecimento, tanto por parte dos professores (que nele buscam

a legitimação de seu trabalho e apoio para suas aulas) quanto dos alunos. E a

escola, principal responsável pelo ensino do registro verbal (principalmente ler

e escrever) da cultura dos dias atuais, concebe o livro (didático ou não) como

um instrumento fundamental, um material essencial na realização das funções

pedagógicas exercidas pelo professor (Cf. SILVA, 1996; LAJOLO, 1996;

CORACINI, 1999).

Segundo Batista (1999), os livros didáticos podem ser uma interessante

fonte para o estudo do cotidiano e dos saberes escolares. Eles são a principal

fonte de informação impressa utilizada por parte significativa de alunos e

professores, o que ocorre na proporção em que as populações escolares têm

menos acesso aos bens econômicos e culturais.

Os livros didáticos são, para significativa parte da população brasileira, o

principal impresso em torno do qual sua escolarização e práticas de leitura

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43 serão organizadas e constituídas. Ainda segundo Batista (1999), é preciso

conhecer melhor esse impresso que se converteu na principal referência para a

formação e inserção no mundo da escrita de um expressivo número de

docentes e discentes de nosso país e que, como conseqüência, tem auxiliado

na construção do fenômeno do letramento no Brasil. Dados também indicam

que o impresso didático desempenha um papel bastante importante na

produção editorial brasileira geral.

Lajolo (1996) comenta que, na sociedade brasileira, os livros didáticos, e

também os não didáticos, são considerados centrais na produção, circulação e

apropriação de conhecimentos, sobretudo dos conhecimentos por cuja difusão

a escola é responsável. Silva (1996, p. 11) acrescenta:

Aprender, dentro das fronteiras do contexto escolar, significa atender às liturgias do livro didático: comprar na livraria ou recebê-lo através de programas governamentais no início de cada ano letivo, usar ao ritmo do professor, fazer as lições, chegar à metade, ou aos três quartos dos conteúdos ali inscritos e dizer amém, pois é assim mesmo (e somente) assim que se aprende.

Assim, o livro didático, que deveria ser um meio, passa a ser visto e

usado como um fim em si mesmo, especialmente no que se refere ao trabalho

com a língua portuguesa e, mais especificamente, nas práticas de leitura

correntes. No entanto, para compreender um pouco mais a lógica posta nos

livros didáticos, entender a trajetória dos mesmos e sua utilização no contexto

escolar, é preciso retroceder no tempo e investigar como e por quê eles

sugiram.

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44

As cartilhas foram consideradas, durante muito tempo, como materiais

de referência no processo de aquisição da leitura e escrita, exatamente porque,

como aponta Cagliari (1999), as antigas cartilhas trazem uma concepção de

língua escrita como uma transcrição da fala: elas supõem a escrita como

espelho da língua que se fala. Seus “textos” são construídos com a função de

tornar clara essa relação de transcrição. Em geral, são usadas,

exaustivamente, “palavras-geradoras” e famílias silábicas, com o objetivo de

memorização e repetição, sem qualquer contexto ou sentido. A ênfase destes

materiais sempre foi dada à produção escrita pelo aluno. O importante era

aprender a escrever e decodificar palavras. A atividade escolar deixou de

privilegiar a aprendizagem e passou a cuidar quase que exclusivamente do

ensino. Em lugar do alfabeto, apareceram as palavras-chave, as sílabas

geradoras e os textos elaborados apenas com palavras já estudadas.

Completadas todas as letras, o aluno começava seu livro de leitura, também

programado de maneira a ter dificuldades crescentes.

Segundo Dietzsch (1996), nas frases soltas e sem sentido, perdia-se o

texto e sacrificava-se o leitor. Centrada nessa abordagem, que vê a língua

como pura fonologia, a cartilha introduz a criança no mundo da escrita,

apresentando-lhe um texto que, na verdade, é apenas um agregado de frases

desconectadas. A única ressalva a esses “textos” seria feita caso alguém

encorajasse o aluno a brincar com o significante e a jogar com o absurdo para,

assim, “desconstruir” e reconstruir outros sentidos. No entanto, não foi com

esse propósito que as cartilhas foram exploradas.

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45

No Brasil, os livros didáticos assumiram um modelo de livro que se

constituiu, entre os anos 60/70, em um modelo de estruturação do trabalho

pedagógico em sala de aula, de apoio ao trabalho do professor,

caracterizando-se, essencialmente, como fonte de informação para os

docentes.

Batista (1999), por sua vez, descreve como a década de 80 assistiu ao

surgimento de um forte discurso contrário à utilização dos livros didáticos. Por

um lado, essa utilização foi apontada como vinculada à desqualificação

profissional de professores e, por outro, esses materiais foram criticados por

apresentarem erros conceituais, por se constituírem em um campo da ideologia

e das lutas simbólicas, revelando um ponto de vista parcial e comprometido

sobre a sociedade.

Compreendendo a importância desse material, e reconhecendo que

muitos deles se distanciavam das atuais propostas curriculares e dos projetos

elaborados pela Secretarias de Educação – que, por sua vez, contemplavam

as novas concepções relacionadas ao ensino de língua Portuguesa – e por

serem também desatualizados e cometerem erros inaceitáveis, o MEC passou

a desenvolver e executar, desde 1995,

um conjunto de medidas para avaliar sistemática e continuamente o livro didático brasileiro e para debater, com os diferentes setores envolvidos em sua produção e consumo, um horizonte de expectativas em relação a suas características, funções e qualidade (BRASIL - MEC - SEF, 2001, p. 11).

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46

Dessa forma, todas as obras a serem adquiridas passariam por um

processo de análise e avaliação (de acordo com as áreas de conhecimento).

Apenas os livros didáticos não-consumíveis (com exceção dos dirigidos à 1ª

série), com qualidades gráficas e editoriais e que não envolvessem mais de

uma área do saber, que não exigissem a compra de outros volumes ou

satélites, que apresentassem um “guia” para o professor, poderiam ser

analisados. Além desses critérios, outros de ordem específica das áreas do

conhecimento também foram estabelecidos.

Então, desde 1996, os resultados das avaliações foram sendo

apresentados através de publicações do Guia de Livros Didáticos, que

apresenta informações sobre eles, constituindo-se em um material que deveria

orientar a escolha do livro didático pelo professor. Nesse guia, eles são

classificados em três grandes categorias:

1- Recomendados com distinção – categoria composta por manuais

que se destacam por apresentar propostas pedagógicas mais próximas

possíveis do ideal representado pelos princípios e critérios adotados nas

avaliações pedagógicas, constituindo-se em materiais elogiáveis, criativos e

instigantes.

2- Recomendados – categoria composta por livros que cumprem

todos os requisitos mínimos de qualidade exigidos, assegurando a

possibilidade de um trabalho didático correto e eficaz por parte do professor.

3- Recomendados com ressalvas – nessa categoria, reúnem-se

livros que obedecem aos critérios mínimos de qualidade, mas que, por alguns

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47 motivos, não estão livres de ressalvas. Podem subsidiar um trabalho

adequado, se o professor estiver atento às observações, consultar bibliografias

para revisão e para complementar a proposta.

Logo, autores e editoras, “preocupados” em atender às novas exigências

surgidas a partir das avaliações dos livros didáticos, apressaram-se em realizar

mudanças. As antigas cartilhas vêm sendo substituídas, desde a década

passada, por livros que, em seu título, trazem afirmações do tipo: “uma

perspectiva construtivista para a alfabetização”.

Estes ‘manuais modernos’ começaram a introduzir certos elementos novos, certos ‘truques’ que estão na moda para tornar os livros menos monótonos; assim, é comum encontrarmos histórias em quadrinhos, reproduções de trechos de jornais e revistas, receitas de cozinha etc (CHARMEUX, 1995, p. 25).

Mas, será que as propostas dos livros didáticos recomendados pelo

PNLD poderiam mesmo superar as antigas práticas usadas nos modelos

antigos? Será que esses novos manuais apresentam orientações teórico-

metodológicas que possam auxiliar o professor no desenvolvimento de um

trabalho baseado nessa nova perspectiva de alfabetização? Será que os

professores estão, efetivamente, utilizando esses “novos” livros?

Algumas pesquisas buscaram analisar os novos livros de alfabetização,

sob diversos aspectos.

Bregunci e Silva (2002), ao desenvolverem uma pesquisa financiada

pelo MEC sobre a escolha dos livros didáticos, constataram que, do ponto de

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48 vista de um grande número de professores, os livros disponibilizados após a

implantação do PNLD são considerados melhores do que aqueles distribuídos

e utilizados anteriormente, pois, segundo os próprios professores, os novos

materiais apresentam conteúdos integrados e uma abordagem interdisciplinar

ou conteúdos mais criativos, próximos à realidade dos alunos. Por outro lado,

as pesquisadoras destacaram que, para a maioria dos docentes, os livros

recebidos na faixa de menções superiores – sobretudo os Recomendados com

Distinção – não atendem à sua clientela por trazerem textos longos e

complexos, sendo “feitos para crianças que já sabem ler”. São obras

reconhecidas como “boas em si mesmas (...) mas difíceis de serem seguidas...”

Em geral, nesses casos, os professores procuram textos e exercícios

considerados menores e mais acessíveis, mais claros e mais fáceis para os

alunos, em livros que já haviam utilizado anteriormente.

Albuquerque (2002) analisou o discurso das professoras sobre os livros

didáticos recomendados e a forma como os utilizavam. A pesquisadora

observou que os professores usavam o livro como um apoio à prática

pedagógica e aproveitavam, principalmente, os textos diversificados, presentes

nos novos livros didáticos para a realização de atividades de leitura. Para o

desenvolvimento do trabalho de Análise Lingüística, as docentes procuravam,

em sua maioria, os livros tradicionais.

Silva (2003), Castanheira e Evangelista (2002) investigaram o discurso

das professoras no que se refere ao uso dos novos livros didáticos e

constataram que elas trocavam os livros recomendados pelo PNLD por outros

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49 inferiores, pois sentiam dificuldades de utilizarem os novos livros para

alfabetizar, uma vez que eles apresentavam textos complexos e longos. Assim,

preferiam livros com textos curtos e com os quais já estavam acostumadas a

trabalhar.

Nunes-Macedo, Mortimer e Green (2003) desenvolveram um estudo

com o objetivo de investigar como alunos e professora construíram a discussão

dos textos do LD, evidenciando que o discurso é constituído pelas ações dos

sujeitos no processo de interação. Eles observaram que a professora rompia

com o uso linear do LD e subvertia a lógica de organização proposta,

apropriando-se desse material conforme exigências da própria prática. Essa

opção parece indicar uma preocupação da professora em fazer um uso

contextual do material, evidenciando uma perspectiva de letramento como uma

prática sócio-cultural. Os pesquisadores observaram, ainda, que a experiência

de vida da professora foi constitutiva desse processo e isso inclui o fato de ela

ser professora há dez anos.

A presente pesquisa, por sua vez, buscou analisar as transformações

ocorridas nos livros didáticos em função dos novos referenciais teóricos e

procurou compreender como os professores têm utilizado esse material como

um suporte para suas práticas pedagógicas e, ainda, como essa prática tem

sido re-inventada a partir das táticas dos professores.

As dificuldades de escolha e uso dos livros recomendados pelo PNLD

fazem emergir a necessidade de crescente investimento em uma política de

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50 formação, que capacite os profissionais das escolas para um trabalho mais

consistente com os livros que solicitam e que lhes são destinados.

Esperamos, com o desenvolvimento deste trabalho, poder contribuir

para a reflexão sobre algumas questões teórico-metodológicas relacionadas às

pesquisas que analisam as práticas de ensino dos professores de Língua

Portuguesa na alfabetização. Pretendemos demonstrar a possibilidade de uma

compreensão diferenciada acerca da prática das professoras, que pode auxiliar

na ampliação e na reflexão de como os saberes são fabricados/construídos

também a partir de práticas docentes.

1. 8 – Objetivos

1.8.1 – Objetivo Geral:

Investigar as práticas de leitura realizadas em duas classes de

alfabetização e como tais práticas se relacionaram com as orientações

presentes nos livros didáticos recomendados pelo PNLD.

1.8.2 – Objetivos Específicos:

• Identificar a concepção de alfabetização e de leitura expressada

pelas professoras das turmas estudadas.

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51

• Analisar as atividades de leitura propostas nos livros didáticos,

observando o que os alunos leram, pra que leram e como leram.

• Analisar as atividades de leitura desenvolvidas por professores de

alfabetização: como contribuíram para o processo de letramento e como elas

se distanciaram/se aproximaram das orientações presentes nos livros didáticos

utilizados.

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CAPÍTULO 2 – METODOLOGIA E TRATAMENTO DOS DADOS

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2.1 – Sujeitos

A pesquisa foi realizada com duas professoras do 1º ano, do 1º ciclo do

Ensino Fundamental, de uma escola da rede pública de ensino da Secretaria

de Educação da Cidade do Recife. O critério de escolha dessas professoras

baseou-se em quatro aspectos:

1. Professora regente atuando no 1º ano do 1º Ciclo;

2. Utilização do livro didático adotado na rede;

3. Indicações realizadas por colegas de trabalho e pela equipe

técnica da Secretaria de Educação, como sendo uma professora que

desenvolvia uma prática diferenciada e inovadora de alfabetização;

4. Disponibilidade dos sujeitos em participarem da pesquisa;

Optamos pela realização de dois estudos de caso, exatamente porque,

segundo Lüdke & André (1986), o estudo de caso se caracteriza por procurar

apreender uma realidade, em particular, dentro de um sistema mais amplo, que

tem um valor em si mesmo, ainda que posteriormente venham a ficar evidentes

semelhanças com outros casos e situações. O interesse incide naquilo que ele

tem de único, de particular.

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Os estudos de caso tiveram durações distintas. O primeiro deles

contemplou 22 observações, durante os meses de março a novembro, no ano

de 2003. O segundo estudo de caso ocorreu no mesmo ano, no período de

outubro a dezembro, correspondendo a um total de 7 observações. A diferença

entre o quantitativo de aulas observadas, de ambas as professoras, explica-se

pela dificuldade encontrada em localizar uma docente que atendesse ao perfil

desejado.

A seguir, descreveremos cada um dos nossos sujeitos. É importante

salientarmos que a forma como estão sendo denominadas representa uma

opção delas: ambas decidiram pela manutenção dos próprios nomes.

Yarany trabalhava como professora há 10 anos, havendo ensinado nas

redes públicas de ensino; tinha sido professora da rede estadual (e encontrava-

se em período de licença sem vencimentos) e no ano da entrevista lecionava

na rede municipal. Sua primeira experiência como professora havia sido em

uma turma de jovens e adultos também como alfabetizadora. Yarany ensinou

essas turmas por cerca de sete anos. Após esse período, ela realizou um

concurso para ser professora do município de Recife; lecionou em turmas de

terceira série e aquele era o seu primeiro ano com turmas de alfabetização de

crianças.

Yarany ensinava em uma escola, no turno da manhã, e, à tarde,

também, exercia uma função administrativo-pegagógica na Secretaria de

Educação do Recife, tendo recebido a indicação para essa função através do

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55 assessor de Língua Portuguesa, que se interessou pela sua prática no ano de

2001, quando ela apresentou-lhe um de seus trabalhos.

Yarany possuía curso de magistério, realizado entre os anos de 1988 e

1989 em uma escola da rede privada de ensino e, curso superior em

Arquitetura e Urbanismo, pela Universidade Federal de Pernambuco (cursado

entre os anos de 1991 e 1996). Também havia cursado uma pós-graduação

em Informática Educacional, pela Universidade Federal Rural de Pernambuco.

Segundo ela, o referido curso foi promovido através de um convênio entre o

governo do estado e o MEC, na época em que ela ainda lecionava na rede

estadual.

Yarany relatou que estudou durante a educação infantil, ensino

fundamental e médio em escolas da rede privada de ensino.

Sua mãe era professora e embora tivesse feito o curso de direito, não

atuava na área, dedicando-se ao magistério. Atuou como professora da rede

Estadual de Ensino por vários anos e, no momento da entrevista com Yarany,

ela trabalhava como educadora de apoio, na referida rede. Possuía

especialização na área educacional, mais precisamente em gestão escolar.

Seu pai possuía o curso universitário e também especialização na área

de relações públicas, com habilitação em recursos humanos, e atuou, a vida

inteira, nesse ramo, encontrando-se, na ocasião da pesquissa, aposentado.

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Conceição ensinava em uma turma de 1º ano do 1º Ciclo, no turno da

manhã, em uma escola situada no bairro de Setúbal.

Esse era o seu segundo ano como professora, embora já estivesse em

processo de aposentadoria. Ela relatou que, apesar de possuir o curso superior

em Letras (pela Universidade Católica de Pernambuco), desde a década de

1980, nunca havia se interessado em lecionar. Quando ainda estava fazendo o

curso de graduação, começou a trabalhar na Escola Técnica Federal de

Pernambuco, na área administrativa. Depois de concluir seu curso recebeu

uma promoção (anteriormente denominada de ascensão funcional) e foi

convidada para coordenar o setor, onde chefiou durante 16 anos, até meados

do ano 2000.

Só após se aposentar foi que ela interessou-se em lecionar e fez o

concurso para ser professora da rede municipal de ensino da Secretaria de

Educação da cidade do Recife, tendo assumido a função como professora de

alfabetização logo após ter realizado a prova (em meados do ano de 2001).

Conceição possuía um curso de especialização em supervisão escolar, pela

Universidade Salgado de Oliveira (Universo). No período da nossa coleta de

dados, ela estava concluindo um curso de aperfeiçoamento na área de língua

portuguesa para as séries iniciais, promovido pela Universidade Federal de

Pernambuco, em parceria com a fundação Vita. Sua monografia de conclusão

intitulou-se Estratégias de leitura nos diversos gêneros, e tinha como objetivo

discutir as prováveis causas para o desinteresse dos alunos com relação às

atividades de leitura.

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Conceição também relatou que viveu a infância e a adolescência em

uma cidade do interior do estado de Pernambuco, onde estudou numa escola

particular religiosa, até o final do ensino médio. Seu pai possuía um engenho e

administrava pequenas áreas de terras naquela mesma região, havendo

concluído apenas o ensino fundamental. Nesse mesmo engenho funcionava

uma escola para os filhos dos trabalhadores, onde sua mãe e suas irmãs

lecionavam. Sua mãe possuía o curso de magistério

2.2 – Procedimentos Metodo lóg icos

2.2.1 – Observação das aulas

Realizamos observações da dinâmica da sala de aula, pois essas

possibilitam “um contato pessoal e estreito do pesquisador com o fenômeno

pesquisado (...) e a experiência direta é sem dúvida o melhor teste de

verificação da ocorrência de um determinado fenômeno” (LÜDKE & ANDRÉ,

1986, p. 26).

Também buscamos analisar os materiais utilizados no ensino da leitura

(entre eles, livros de literatura, cadernos dos alunos, com maior ênfase no livro

didático utilizado). Acreditávamos que, assim, poderíamos perceber como se

deu a transposição didática (CHEVALLARD, 1991) ocorrida no tratamento das

informações dadas, a partir das prescrições contidas nos documentos oficiais

(Guia do Programa Nacional do Livro Didático) e, principalmente, nos livros

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58 didáticos e como de posse deste material as professoras construíam as suas

práticas docentes (CHARTIER, 1998).

2.2.2 – Análise documental

A Secretaria de Educação da Cidade do Recife tem feito a opção pelo

“sistema escolha única do livro didático” e, dessa forma, realizamos uma

análise do livro didático utilizado na rede para a alfabetização no ano de 2003,

apresentado no capítulo 3. Segundo Bardin (1977), a análise documental é um

conjunto de operações que visa a representar o conteúdo de um documento,

sob uma forma condensada, a fim de facilitar, posteriormente, a sua consulta,

referenciação e armazenagem.

Observamos as prescrições didáticas contidas nos livros e

estabelecemos uma comparação entre essas informações, o que pensavam as

professoras a respeito das mesmas, como elas aproximavam-se/distanciavam-

se das atuais concepções de língua, linguagem e alfabetização para o

letramento e o que efetivamente as docentes realizavam a partir desses

materiais.

2.2.3 – Entrevistas

A opção por entrevistas assegura-se pelo seu “caráter de interação,

havendo uma atmosfera de influência recíproca entre quem pergunta e quem

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59 responde” (LÜDKE & ANDRÉ, 1986, p. 33). As entrevistas possuíram caráter

semi-estruturado (ou seja, possuindo questões abertas), exatamente por elas

permitirem que o pesquisador viesse a conhecer mais particularidades a

respeito dos entrevistados e, neste caso, como as docentes concebiam o

processo de alfabetização, o ensino de leitura, como utilizavam o livro didático

em suas salas. Também foram resgatadas as experiências das próprias

professoras com alfabetização, seja como alunas que haviam sido ou como

docentes que eram no período da realização desta pesquisa e como estes

pontos se relacionavam entre si. As professoras foram solicitadas a falar

sobre:

1. Seus objetivos para alfabetização e ensino de leitura.

2. Uso do livro didático e de outros materiais ou atividades que

consideravam relevantes para o ensino da leitura.

3. Sua formação; tempo de magistério; experiências de leitura como alunas

e como professoras.

Segundo Lüdke & André (1986), a entrevista semi-estruturada se

desenrola a partir de um esquema básico, não aplicado rigidamente, permitindo

que o entrevistador possa fazer as adaptações necessárias. Fizemos uso

apenas de um roteiro que guiou a entrevista através de tópicos que

considerávamos essenciais.

Com a utilização desses instrumentos de investigação, buscamos

levantar dados necessários para podermos averiguar as práticas de leituras

realizadas pelos professores do 1º ano do 1º do ciclo do Ensino Fundamental I.

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60 Para a análise de dados tomamos como referencial a análise de conteúdo

temático, pois, como bem coloca Bardin (1977), o investigador escolhe o tipo

de conteúdo a ser examinado, podendo ser ele manifesto ou latente, cujo

interesse é perceber não só o que é dito, mas o que está oculto no discurso,

buscando compreender, inclusive, o que está nas entrelinhas das mensagens.

2.3 – As professoras como leitoras

Consideramos que, nesta parte final da metodologia, é importante

refletirmos sobre as experiências de leitura das professoras, desde a infância, e

para tal análise, nos apoiaremos na última parte da entrevista.

As duas professoras tiveram vivências com o universo da leitura desde

muito cedo, mesmo antes de estarem efetivamente alfabetizadas. Yarany

relatou que o fato de sua mãe ser professora aproximou-a do universo dos

livros infantis:

“Na infância, assim, de como se chama hoje, da educação infantil,

eu me lembro muito de ouvir histórias. Minha mãe contava muita

história, minha vó contava muita história para a gente, sempre. A

gente sempre teve livrinhos ao nosso alcance, mesmo antes de ler,

né? A gente lia, a gente pintava; naquela época tinha muito aquela

coisa de pintar, colorir (...). A leitura se deu muito cedo. Como minha

mãe era professora, eu e minha irmã costumávamos muito brincar

de escolinha” (YARANY).

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61

Conceição também considerou significativa a participação de seus pais

no seu processo de leitura:

“Meu pai tinha um livro de Carlos Magno, bem grosso, ele deitava numa

rede e ficava pedindo para que eu lesse para ele, sabe? Ele gostava

muito que a gente lesse. Então, minha casa, na questão de livros, sempre

teve muito, até porque era uma casa de professoras, né?” (CONCEIÇÃO).

As leituras na infância/adolescência/fase adulta também receberam

lugar de destaque na fala das duas docentes e ambas relataram que o contato

com os livros contou com estímulos da escola. Yarany afirmou ter lido muitos

materiais, sugeridos pelo seu colégio, os quais eram muito semelhantes aos

lidos em casa:

“A gente lia a coleção vaga-lume. A gente lia aquela... para gostar de

ler. Eu tive uma professora de português, muito boa, chamada

Rosário, que me acompanhou várias séries. Então, ela gostava

muito de fazer crônicas; a gente lia várias crônicas e discutia (...). Já

em casa, eu gostava muito de ler aventura, que eu me lembro bem

que eu gostava de Giselda Laporta Nicolelis; adorava. Li vários livros

dela, de Pedro Bandeira; as crônicas dele (...)” (YARANY).

Conceição, por sua vez, também recordava, com detalhes, das leituras feitas

no período em que freqüentou a escola:

“Eu lia Poliana, Poliana Moça, esse tipo de literatura infanto-juvenil,

eu lia muito, eu lembro que eu lia porque eu e minhas amigas na

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62

escola, uma dizia o que cada uma tinha lido, a gente ia tirar livros na

biblioteca, a gente tinha muito o hábito de tirar. Então, em casa, a

gente ganhava presente e eram livros e como minha mãe era

professora a gente sempre ganhava. Eu adoro livros (risos). Eu li

tudo que você possa imaginar de José de Alencar e de Machado de

Assis, porque era uma escola de freiras e eu sempre gostei muito de

ler, certo? Então eu pegava um autor, e eu tenho esta mania até

hoje, quando eu pego um autor eu gosto de ler tudo dele”

(CONCEIÇÃO).

As duas afirmaram que, na fase adulta, têm lido livros que podem

auxiliá-las na reflexão de suas práticas. Tanto Yarany quanto Conceição

apontaram que muitas dessas indicações de leitura tinham vindo de colegas de

trabalho, de cursos de capacitação que faziam. Conceição, mais

especificamente, relatou conhecer uma bibliografia atual através das

indicações feitas em seu curso de aperfeiçoamento (que estava em fase de

conclusão no período em que realizamos a entrevista):

“Lá (no curso), eu vejo muita coisa interessante; a gente lê muito;

por exemplo, este livro de Marcos Bagno, sobre preconceito

lingüístico; tudo isso eu vi lá (...)” (CONCEIÇÃO).

Yarany complementou:

“Minha coordenadora me emprestou um livro, “Alfabetização em

Processo”, que dá, justamente, o dia-a-dia da sala de aula, que tá

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63

sendo muito bom para referencial de atividades da minha sala; e eu

tô fazendo a leitura dele; a revista Escola, que costumo ler, e a

revista Construir Notícias (...). Eu também tô lendo o de Jussara

Hoffman; não é o livro, mas capítulos dele sobre avaliação

mediadora. Esse aí foi um material fornecido na capacitação da

prefeitura, mas também tem muita coisa que vem da minha mãe,

porque, como minha mãe tem uma biblioteca muito vasta… (aqui ela

interrompe a sua fala). Ah! Eu achei excelente o “Diálogo sobre

Ensino e Aprendizagem”, de Telma Weisz. Esse eu li todo; do

começo ao fim; e achei excelente. Me apaixonei por ele; muito bom

(...)” (YARANY).

Conceição também referendou os materiais sugeridos em seu curso de

aperfeiçoamento:

“As sugestões de leitura (Geraldi, Bagno) foram do curso de

aperfeiçoamento. Independente de qualquer pessoa, eu, quando

comecei a trabalhar, comecei a procurar e a ler muito… Ester

Grossi… porque é bom você ler mais de um autor para comparar”

(CONCEIÇÃO).

Como pudemos ver, ambas as professoras afirmaram que estavam

lendo algum livro, naquele momento, que estavam relacionados à prática

docente. Todos os materiais citados haviam sido sugestões de cursos de

aperfeiçoamento, fossem eles as capacitações em serviço, promovidas pela

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64 rede, ou outras situações, como, por exemplo, no curso de extensão, citado por

Conceição.

Nos próximos capítulos, discutiremos como essas experiências de leitura

das professoras refletiram no desenvolvimento de suas práticas de

alfabetização.

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CAPÍTULO 3 – ANÁLISE DO LIVRO DIDÁTICO

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3.1 – Apresentação do livro d idático Letra, Palavra e Texto

O livro didático Letra, Palavra e Texto4 (LPT) encontra-se organizado em

nove projetos temáticos de trabalho, havendo, no final do material, um mini-

glossário que contém algumas das palavras presentes nos textos do livro,

sugestões de leitura complementar, para cada um dos projetos e referências

bibliográficas para o professor. O manual do mestre inclui todas essas seções

e mais um encarte, intitulado “manual do professor”. Nele estão mencionadas

as opções teórico-metodológicas adotadas pelas autoras do livro.

Inicialmente, faremos algumas considerações acerca dos pressupostos

teórico-metodológicos que norteiam as atividades encontradas no livro didático

LPT, procurando refletir sobre o repertório textual, o uso das estratégias de

leitura, bem como sobre aspectos fundamentais na apropriação do sistema de

escrita alfabético.

No manual do professor encontramos referências aos trabalhos de

Ferreiro & Teberosky (1985), Hoffmann (1996), entre outros. O livro descreve

que “a língua é um sistema de representação e, não um código de transcrição

4 PASSOS, J. M. A. & PROCÓPIO, M. M. S. Letra, palavra e texto: alfabetização e projetos. São Paulo: Scipione, 2001

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67

gráfica” (PASSOS & PROCÓPIO, 2001, p. 7). Também observamos que as

autoras do livro preocuparam-se em definir que “o sistema alfabético é o

produto do esforço coletivo para representar e simbolizar a linguagem”

(PASSOS & PROCÓPIO, 2001, p. 7) e os textos que circulam na sociedade

são os elementos indispensáveis ao processo de alfabetização:

Acreditamos que os textos que circulam na sociedade contemporânea são elementos indispensáveis ao processo de alfabetização, pois se constituem em unidades lingüísticas de sentido. Além disso, os textos, ao materializarem a língua escrita e seus elementos e regras, possibilitam à criança a entrada em um universo rico em significados (PASSOS & PROCÓPIO, 2001, p. 7).

Elas fazem diversas menções à perspectiva sócio-interacionista de

aprendizagem, como foi observado na página 5 do manual do professor:

... Reconhece-se que os objetos, dos quais a criança tenta se

apropriar estão, histórica e culturalmente dados, e, que,

portanto as condições sócio-históricas e a linguagem,

especificamente, funcionam como elementos mediadores da

relação criança/objeto de conhecimento (PASSOS &

PROCÓPIO, 2001, p. 5).

Embora haja muitas referências a essa perspectiva de aprendizagem,

em nenhum momento elas explicitaram ser essa a concepção adotada no livro.

Será a partir da leitura das citações bibliográficas (realizadas ao longo do texto)

que o professor compreenderá que essa é a perspectiva na qual as autoras do

livro se baseiam.

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68

Ainda no manual, havia um encarte final, de 21 páginas, detalhando as

etapas a serem seguidas na organização dos projetos temáticos, desde a

justificativa pela escolha do assunto, perpassando pelos objetivos, sugestões

de atividades desencadeadoras, recursos a serem utilizados e avaliação. No

entanto, não encontramos nenhuma justificativa para a escolha em organizar o

livro em projetos temáticos; não havia indicações bibliográficas que pudessem

auxiliar o professor na compreensão do significado e/ou fundamentação teórica

do trabalho por projetos temáticos. As autoras apenas se limitaram a explicitar

quais os projetos a serem trabalhados “A criança” (P1)5; “A Escola e os

Colegas” (P2); “A Rua” (P3); “Brincando com Palavras” (P4); “Festas

Jun inas” (P5); “Brincadeiras Folclóricas ” (P6); “Hora de Histórias” (P7);

“Plantas e Bichos” (P8) e “Arte e Quadrinho s” (P9).

Nas indicações de bibliografia complementar para o professorado,

encontramos, na página 192, sugestões de materiais contemplando autores

conceituados e títulos atuais que possibilitam um maior aprofundamento e

reflexão sobre a prática pedagógica e sobre a alfabetização, entre eles:

Ferreiro, Kleiman, Soares e Teberosky. No que se refere às sugestões de

atividades complementares, para os professores, relacionadas à leitura,

apropriação do sistema de escrita e produção de texto, nada foi encontrado.

A seguir, buscaremos descrever como foram organizadas as atividades

relacionadas à leitura, considerando o repertório textual do livro (o que os

5 Para facilitar a compreensão do leitor e melhor organização das tabelas a serem apresentadas, gostaríamos de esclarecer que as siglas P1, P2 e assim sucessivamente referem-se aos projetos temáticos presentes no livro e estão dispostas em mesma ordem em que foram organizados no livro didático.

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69

alunos liam?), as atividades propostas para leitura (como e pra que os alunos

liam?) e as estratégias de leitura exploradas.

3.2 – O que os alunos liam?

Na tentativa de melhor conhecer o material sugerido para leitura,

dividimos as atividades (de leitura) em: Leitura de Texto; Leitura de

fragmentos de texto; Leitura de frases; Leitura de palavras/ rótulos/

nomes; Leitura de palavras com auxílio de ilustrações; Leitura de

letras/sílabas.

A tabela, a seguir, apresenta a freqüência das atividades de leitura

propostas ao longo das nove unidades do livro:

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71

Como podemos observar, há predominância de leitura de textos,

correspondendo a um total de 58% (52% de leitura de texto mais 6% de leitura

de fragmentos de texto) de todas as atividades de leitura propostas, ocorrendo

desde o primeiro projeto do livro até o final. Observamos, também, maior

concentração de propostas de leituras de texto nos projetos de número 5 e 6

(Festas Juninas e Brincadeiras Folclóricas, com 8 e 10 atividades,

respectivamente) e acreditamos que isto se deve ao fato de que esses projetos

apresentam maior quantidade de sugestões de atividades de confecção de

brinquedos, como, também, de preparo de receitas.

A segunda maior freqüência encontrada se refere à leitura de palavras,

rótulos e nomes, representando um total de 22%, incidindo em maior número

de vezes nos projetos iniciais (até a unidade 6). A partir da sétima unidade, as

atividades que envolvem leitura de palavras são substituídas por leitura de

frases e, principalmente, de textos. O último projeto do livro, inclusive, só

propõe leitura de textos.

Podemos concluir que, embora seja um livro destinado à alfabetização,

as autoras apresentaram clara preocupação com a perspectiva do letramento,

elegendo o texto como a principal unidade de sentido. Ainda observando a

tabela, podemos perceber que o livro propõe poucas atividades de leitura, a

partir de fragmentos de textos, representando 6% do total dessas atividades

Salientamos, ainda, que nelas a unidade de sentido dos textos foi mantida e

que os recortes em nada comprometeram o material. A seguir, ilustraremos

com alguns exemplos:

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Figura 1 Figura 2

Ainda, consideramos importante refletirmos acerca das atividades de

leitura de palavras com auxílio de ilustrações e leitura de letras/sílabas, que

representam, respectivamente, 3% e 4% do total de atividades do livro e

ocorrem, exclusivamente, nos quatro projetos iniciais. Acreditamos que essa

ocorrência concentra-se no início das atividades propostas no livro didático

porque, muito provavelmente, as autoras consideram que, nesse período (que

corresponderia ao início do ano letivo), os alunos ainda não estariam

alfabetizados e atividades como essas favoreceriam na sistematização do

sistema de escrita. No entanto, é importante salientarmos que essas atividades

aparecem em quantidades mínimas, o que reforça a ênfase na perspectiva do

letramento. O que percebemos é que, apesar desse ser esse um livro para

alfabetização, ele preocupa-se mais com o “letrar” do que com o “alfabetizar”,

no sentido de possibilitar a apropriação de sistema de escrita pelos alunos.

Observamos, também, que houve significativa preocupação com a

seleção dos textos. Ela contempla diferentes materiais que circulam no espaço

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73

doméstico e público, com diversidade de temáticas, de gêneros, de tipos e de

contextos sociais. Há textos autênticos, inclusive da tradição oral.

Discutiremos, a seguir, a respeito do material textual presente no livro.

3.2.1 – Quais textos os alunos lêem?

Sabemos que a predominância do material a ser lido é de textos, mas

nos interessa, também, saber quais textos os alunos foram estimulados a ler.

Para auxiliar na análise, organizamos uma tabela que apresenta os

gêneros/tipos6/material textual, mais freqüentes no livro:

6 MARCUSCHI (mímeo) faz uma distinção entre gênero e tipo de texto. O primeiro, segundo esse autor, corresponde a formas textuais concretas e se expressa em designações diversas, como: receita culinária, telefonema, sermão, carta comercial, carta pessoal, romance, bilhete, notícia, bula de remédio, outdoor, etc. O tipo textual é um construto teórico lingüisticamente definido que abrange, no geral, de cinco a dez categorias, designadas, por exemplo, narração, argumentação, exposição, descrição, injunção.

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74

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75

Gráfico 2. Material Textual/Por projeto

Gráfico 2. Material Textual/Por projeto

Primeiramente, acreditamos ser importante destacar que a seleção

textual parece se dar de duas maneiras: 1) através dos projetos que envolvem

vários gêneros/tipos de textos e que se relacionam a partir de uma mesma

temática; 2) a partir de um gênero que se torna a própria temática do projeto.

Podemos observar isto, mais claramente, nos projetos de número 4, 7 e 9

intitulados, respectivamente, Brincando com Palavras, Hora de Histórias e Arte

e Quadrinhos. Neles, como sugerem seus títulos, a freqüência maior de textos

recai sobre poemas, contos e histórias em quadrinhos, respectivamente.

Assim, observamos que os projetos se organizam por gêneros textuais.

Em relação aos poemas, embora eles estejam presentes em outros

projetos, sua maior concentração é no projeto 4 (50% de todos os poemas

presentes no livro estão ali localizados). O mesmo aconteceu com o projeto de

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Conto/história

Poesia

Música

Documento

Instrucional

Informativo

Notícia

Tradição Oral*

Verbete

Quadrinhos

Biografia

Capa de Livro

Instrução Didática

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número 9 (“Hora de Histórias”), que concentrou 75%7 de todos os contos

presentes no livro. Já os projetos Brincadeiras Folclóricas e Arte e Quadrinhos

contemplam a totalidade (100%) de textos da tradição oral e de histórias em

quadrinhos, respectivamente.

Ainda observando a tabela, percebemos que o gênero mais lido é o de

Instrução Didática. Essa categoria contempla as orientações das autoras do

livro didático para a produção de textos ou organização/elaboração de projetos,

e corresponde ao total de 20,29% do material destinado à leitura. Ela

enquadra-se no que poderíamos chamar de gêneros didáticos, ou seja,

materiais produzidos com a exclusiva intenção didática e, por isso, não está

contemplado na tabela 1.

Observemos dois exemplos do gênero instrução didática:

Figuras 3 e 4

7 Gostaríamos de salientar que para realizar este percentual, desprezamos o texto presente no projeto de número 1, tendo em vista que, por não se apresentar integralmente, não está configurado exatamente como um conto; trata-se, apenas, de um pequeno fragmento de um conto-de-fada.

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Embora os textos de orientações didáticas tenham maior freqüência (14

textos), ela não difere muito do quantitativo de textos poéticos indicados para

serem lidos (12 textos). O que nos chama mais atenção é a ocorrência destes

materiais: enquanto os textos de instrução didática estão presentes em quase

todos os projetos (com exceção do projeto de número 9), os textos poéticos

não estão bem distribuídos ao longo do livro, o que já foi comentado.

Outros textos como Documentos, Verbete e Biografia, aparecem,

exclusivamente, para contextualizarem a temática do projeto, não chegando a

serem, de fato, explorados. Assim, o projeto 1 – “A criança” – contém uma

atividade de leitura e produção de uma carteira de identidade. Especificamente

na atividade de leitura, não há exploração do gênero (documento). Eles devem

“observar” uma carteira de identidade, apresentada, para, a partir dela,

produzirem as suas. Não há indicação explícita de leitura ou exploração dos

conhecimentos dos alunos sobre o gênero, como pode ser observado, a seguir:

Figuras 5 e 6, respectivamente.

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No entanto, a opção pelo gênero documento (carteira de identidade –

figura 5) tem relação com a temática do projeto no qual ele se insere (“A

criança” ), que tem o objetivo de discutir questões de identidade (nome,

sobrenome, sexo, partes que compõem o corpo humano, etc.). Já o verbete

aparece como introdução à unidade 6 – “Brincadeiras Folclóricas” – e se

relaciona com a temática da unidade, uma vez que corresponde à definição da

palavra FOLCLORE. Destacamos que não há indicação de leitura na atividade.

Também percebemos que no quesito autoria dos materiais há pouca

diversidade de época, uma vez que, essencialmente, os textos são de autores

contemporâneos. Ao mesmo tempo, observamos que os autores dos materiais

utilizados têm significativa representatividade no espaço de produção literária.

Em apenas uma situação registramos a presença de um texto informativo (p.

98) cuja autoria não é indicada, o que leva a crer que foram os próprios autores

do livro didático que o produziram. Encontramos textos autênticos e integrais.

No entanto, verificamos que não há indicação completa dos créditos dos textos

selecionados, limitando-se, apenas, à indicação dos autores, sem

especificação do título do texto, da publicação, da editora, do local e da data da

publicação ou, mesmo, de páginas de referência. Encontramos, ainda, 7 textos

que mantiveram fidelidade ao suporte original, como nos exemplos 7 e 8,

presentes nos projetos “ Plantas e Bichos e Arte e Quadrinho s” ,

respectivamente:

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Figura 7 Figura 8

3.3 – Colaboração para a construção da leitura

Como sabemos que os alunos liam principalmente textos, interessou-

nos, pois, analisar como eram propostas as atividades, que têm como propósito

colaborar para a construção significativa da leitura. Para facilitar a

compreensão de como estava organizada essa análise, dividimos as atividades

em três sub-grupos: Como os aluno s liam; Com qual explicitação de

gênero os aluno s liam e Para que os aluno s liam.

3.3.1 – Como os alunos lêem?

A partir da análise dos enunciados que antecedem o texto, observamos

5 diferentes instruções para leitura: acompanhe/escute a leitura do

professor; leia com a ajuda do p rofessor; leia com ajuda de colegas; leia

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(solicitava que o aluno lesse sozinho); explore/investigue/tente localizar

(solicitava que o aluno explorasse o texto, observando as palavras que já sabia

ler, ou que investigasse/localizasse o que já sabia ler). Alguns textos não eram

precedidos de instrução, não havendo orientação explícita para leitura.

A tabela, a seguir, apresenta a freqüência de tipos de enunciados por

projetos8.

8 Não estão inclusos nesta tabela os textos de instrução didática.

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Como podemos ver, no projeto inicial, o aluno é considerado, de fato,

como alguém que ainda “não sabe ler” e que só pode fazê-lo através do

professor ou com a sua ajuda: aproximadamente 57% dos enunciados

presentes no projeto 1 solicitam que o aluno acompanhe/escute a leitura do

professor ou leia auxiliado por ele. No entanto, ao longo do livro, essa

concepção inicial (que corresponde a 28,57% de todos os enunciados) vai

gradativamente modificando-se, uma vez que as orientações para leitura em

conjunto com o professor vão ficando mais escassas, sendo substituídas por

atividades em que o próprio aluno deve ler sozinho os textos. Essa orientação

corresponde a um total de 22,22% e concentra-se nos projetos localizados a

partir do projeto de número 5, Festas Juninas, que, como o próprio nome

sugere, deveria ser trabalhado durante o mês de junho, quando ocorrem essas

festas e se estende até o final do livro.

É importante destacar, no entanto, que a categoria acompanhe/escute a

leitura do professor acontece com maior freqüência no projeto de número 4

(“Brincando com as Palavras”), com um total de seis atividades. Acreditamos

que isto se deve ao fato de que esse é um projeto que apresenta grande

quantidade de poemas e a leitura desse gênero requer ritmo, sonoridade,

musicalidade e expressividade, habilidades não fáceis de serem encontradas

em leitores iniciais. Sendo assim, uma boa opção é, de fato, acompanhar uma

leitura mais fluída como a do professor.

Também gostaríamos de salientar que, nesse projeto, juntamente com o

de Brincadeiras Folclóricas, o aluno é instigado a “explorar/investigar” o texto,

ou seja, ler/tentar ler sozinho (27,27% das orientações para leitura referem-

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se a essa perspectiva dentro de cada um dos projetos) e essa indicação se

repete nos projetos seguintes. Acreditamos que isso se deve ao fato de que

esses dois projetos deveriam ser explorados entre os meses de maio e agosto,

período em que o processo de apropriação do sistema de escrita está mais

avançado e a maioria das crianças já começaria a ler palavras/frases ou que

poderia tentar fazê-lo, através da localização de pistas textuais, como, por

exemplo, localizando palavras conhecidas ou procurando “palavras-chave”, que

se repetem ao longo do texto, como mostram os seguintes exemplos, extraídos

do projeto de número 4 (“Brincando com Palavras”):

Ainda observando esse projeto, podemos também concluir que é nele

que aparecem, em maior quantidade, as instruções para a leitura dos textos.

Apenas, em um momento, um poema é apresentado sem a indicação, para

realização de leitura. No entanto, ainda assim, essa falta de explicitação é

compensada nas orientações seguintes, ou seja, embora as autoras

apresentem o texto inicialmente sem indicações de leitura, elas apontam, logo

Figuras 12 e 13

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ao final do texto, duas outras estratégias para a sua releitura: “Escolha um

colega e investigue o texto” e “Acompanhe a leitura do texto feita pelo

professor”, como podemos observar nos exemplos abaixo:

Figuras 9 e 10 respectivamente.

A categoria leia é a segunda mais freqüente e aparece em maior número

no projeto 6 (“Brincadeiras Folclóricas ”), pois, como observamos na tabela 2,

esse é um projeto que apresenta, principalmente, textos da tradição oral e

textos instrucionais (com sugestões de confecção de brinquedos folclóricos) em

que o próprio aluno é convidado a ler e a realizar a atividade. Em relação aos

textos da tradição oral, eles eram, em sua maioria, já conhecidos dos alunos, o

que fez com que sua leitura se tornasse mais fácil. Assim, a orientação mais

recorrente foi a de que os alunos lessem por si sós.

Quanto aos textos instrucionais, as orientações para a leitura variaram

entre ler sozinho ou ler com a ajuda do professor, como nos exemplos a

seguir:

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Figura 11

.

Figura 11

Já no projeto 7, quando já eram escassas as solicitações de

acompanhamento/escuta e leitura com a ajuda do professor, havia uma única

solicitação de que ela seja realizada com ajuda do professor – leitura de um

conto. Acreditamos que isto se deve ao fato de se tratar de um texto de maior

extensão e que é apresentado de forma capitulada.

Como podemos perceber em função dos dados observados na tabela 3

(que descreve como os alunos lêem ao longo do livro didático), os alunos são

orientados a ler em função de dois aspectos: 1) habilidade como leitor (e aqui

nos referimos à competência no domínio do sistema de escrita); e 2) gênero a

ser lido.

3.3.2 – Com qual explicitação de gênero os alunos lêem?

Para que a leitura possa dar-se de maneira mais competente, a

recuperação das condições de produção (e aqui incluímos a especificação do

gênero) é fundamental. Para analisar a explicitação do gênero a ser lido,

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organizamos a tabela abaixo que apresenta 3 categorias: Leitura de texto sem

explicitação do gênero; Leitura de texto com explicitação do gênero; Leitura de

texto/trecho de texto sem instrução. Observemos, a seguir, a freqüência de

cada uma delas:

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De posse dos dados da tabela, podemos concluir que o livro apresenta-

se ambivalente no que se refere à colaboração para a construção da leitura.

Embora 45,45% das situações de leitura informassem o gênero a ser lido,

como na figura 11, apresentada anteriormente, a freqüência de “não

explicitação” ainda é maior, representando 54,54% do total, ou seja, mais da

metade das vezes o aluno é convidado a ler mas não sabe qual gênero irá ler;

os enunciados apenas indicam que se tratará de um texto, como pode ser

observado nas figuras a seguir:

Outro ponto que merece nossa atenção é o fato de que desses 54,54%,

um total de 29,09% refere-se à leitura de textos ou trechos de texto sem

qualquer indicação ou explicitação de leitura, sem mesmo, inclusive, indicar

Figuras13 e 14, respectivamente.

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se é para ser lido ou não (Figuras 15 e 16). Essa falta de explicitação é

claramente observável no início de alguns dos projetos temáticos em que as

autoras apresentam um recorte de um texto e, simplesmente, colocam-no na

introdução do projeto. Acreditamos que essa opção é uma estratégia para

leitura que se refere à antecipação: antes de iniciar qualquer projeto, as autoras

introduzem um pequeno trecho de texto para que os alunos possam antecipar

de que se tratará o projeto vindouro.

Figura 15 Figura 16

O projeto de número 6 (“Brincadeiras Folclóricas ”) apresentou o maior

número de explicitações de gêneros a serem lidos. Retomamos, mais uma vez,

a tabela de número 2 (Freqüência de materiais textuais/projeto) e percebemos

que esse é um projeto que traz, em sua maioria, textos instrucionais e da

tradição oral. Acreditamos que esses dois itens estão relacionados, uma vez

que os trava-línguas, parlendas e instruções, podem ser mais bem

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identificados e explicitados, não havendo, de fato, dúvidas sobre a qual gênero

pertencem.

Consideramos que o livro contribui pouco para uma situação efetiva de

colaboração, para a (re)construção da leitura como uma situação efetiva de

interlocução e na colaboração para a construção de sentidos do texto, pelo

aluno. Percebemos que em nenhuma das propostas de leitura foi referenciada,

explicitamente, a recuperação do contexto de produção dos textos.

3.3.3 – Para que os alunos liam?

No que se refere à definição das finalidades de leitura, apenas estava

explicitado, quando a leitura dirigia-se à realização imediata de alguma

atividade, seja ela de confecção de algo ou para obter alguma informação

específica (cf. tabela 5 e gráfico 5).

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92

Inicialmente, podemos observar que 71% das atividades de leitura

propostas apresentavam indicações sobre suas finalidades, contra, apenas,

29% que não informavam a que se destinavam e traziam em seu enunciado

apenas a indicação de que uma leitura deveria ser realizada, como aponta o

exemplo:

Um primeiro objetivo para a leitura que apresentou freqüência elevada

(18,97%) foi a leitura para construir algum brinquedo ou, mesmo, preparar

alguma receita, que aparece em maior número nos projetos 5 e 6 (“Festas

Jun inas” e “ Brincadeiras Folclóricas” ) e que, não por acaso, são os projetos

que apresentaram maior concentração de textos instrucionais, como vimos na

tabela 2. A segunda maior freqüência referiu-se à leitura para localizar

informações/palavras no texto, com percentual de 15,52%. Essa é uma boa

atividade para crianças em processo de alfabetização, uma vez que localizar

informações/palavras em um texto pode informar se um aluno já está

conseguindo ler ou pode auxiliar na compreensão de como está sendo

Figura 17

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93

realizada a leitura. Já as instruções de leitura como auto-avaliação (para saber

se sabe ler), para diversão e para ilustração, apresentaram a menor freqüência

de todas (5,17% cada uma) e foram distribuídas ao longo de todo o livro

didático.

Já nos referimos ao uso de materiais de leitura com o objetivo de

explorar e acionar as estratégias de leitura. No entanto, a seguir, nos

deteremos com mais especificidade neste tópico.

3.3.4 – Estratégias de leitura exploradas

No que se refere aos usos e exploração das estratégias de leitura em

textos, observamos que as autoras estiveram preocupadas em elaborar

atividades relacionadas à ativação de conhecimentos prévios, levantamento e

checagem de hipóteses, produção de inferências e atividades de localização de

informações. Observemos a tabela a seguir:

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95

Um primeiro ponto que gostaríamos de analisar, com base na tabela de

número 6, está relacionado ao fato de que os projetos com maior presença de

exploração de estratégia de leitura foram os de número 4 e 7 (“ Brincando

com Palavras” e “ Hora de Histórias” ), com freqüências respectivas de 25% e

29,17%. Acreditamos que esse fato deve-se à própria temática dos projetos,

que está pautada em gêneros textuais específicos (poemas e histórias) e que

possibilitam a exploração de estratégias de leitura.

Analisando cada uma das estratégias, individualmente, observamos que

a estratégia de localização de informações foi a que mais apareceu,

representando 43,06% de freqüência total. Sua incidência esteve bem

distribuída ao longo de todo o livro didático, mas, mais uma vez, a maior

freqüência ficou entre os projetos 4 e 7.

Consideramos de fundamental importância essa estratégia ter sido

comumente acionada, uma vez que se trata de um livro de alfabetização, cujos

alunos estão se apropriando de sistema de escrita e, nesse sentido, “localizar

informações” dentro de um texto significa poder “auto-controlar” sua leitura e,

também, possibilita que o professor verifique se o aluno já está lendo.

A segunda estratégia com maior freqüência foi a de produção de

inferências, com 36% do total ao longo de todo o livro. Podemos visualizar que

os projetos 4 e 7 também apresentaram maior concentração das estratégias de

leitura de “produção de inferência”. Voltamos, mais uma vez, a salientar que

esses dois projetos destinaram-se à exploração de gêneros textuais

específicos (poemas e contos). Assim, a exploração dessa estratégia de

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96

leitura fez-se presente para contribuir na interpretação e compreensão dos

gêneros, como, também, na produção de outros poemas e contos.

Observemos alguns exemplos de enunciados do 4º e 7º projetos

(“Brincando com as Palavras” e “Hora de História”, respectivamente) que

ativam as estratégias de leitura que apareceram com maior freqüência

(localização de informações e produção de inferências):

Como podemos observar no exemplo de número 18, o autor do poema

convida os alunos a fazerem poesias (“brincar com as palavras”) e, no

enunciado da atividade, na localização de informações, pode-se observar que

as autoras do livro didático propõem que as crianças “descubram” qual o

convite feito pelo autor do poema. Já no exemplo 19, que se refere à leitura do

conto “Os três porquinhos”, as autoras sugerem que as crianças respondam a

uma questão (“Para que o lobo queria entrar na casa dos porquinhos?”) e,

Figuras 18 e 19

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97

como ela não está explicitamente colocada no texto, os alunos precisam inferi-

la.

Chama-nos a atenção o fato de estratégias como levantamento de

conhecimentos prévios, tanto de temática quanto gênero e autor, terem sido

pouco exploradas. O livro didático se propôs a trabalhar a partir de projetos

com temáticas e gêneros textuais (como, por exemplo, quadrinhos)

relacionados com o cotidiano das crianças; trouxe, em seu repertório textual,

produções de autores brasileiros consagrados e contemporâneos, além de

apresentar os mesmos gêneros textuais por diversas vezes, mas não esteve

preocupado em explorar os prováveis conhecimentos prévios dos alunos sobre

esses aspectos.

Como exemplo, podemos citar o fato de José Paulo Paes, o autor do

poema acima representado, possuir outro texto nesse mesmo projeto, o que

não foi explorado pelas autoras. Elas não buscaram estabelecer a relação

entre a autoria dos textos, nem mesmo sobre o gênero que esse autor escreve,

como se cada um dos textos (e também projetos) iniciasse e terminasse em si

mesmo.

Outras estratégias, como levantamento/checagem de hipóteses,

apresentaram uma ocorrência extremamente limitada, aparecendo,

exclusivamente, no projeto relacionado ao gênero textual “história”, em uma

ótima seqüência de atividades organizada pelas autoras e que envolviam a

leitura capitulada do conto “João e Maria”, como pode ser observado:

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98

Figuras 20, 21, 22, 23 e 24.

O projeto 2 (“A Escola e os Colegas”) não apresentou nenhuma

estratégia de leitura, embora possuísse material textual (notícia, textos

instrucionais, entre outros) que possibilitava essa exploração. Já o projeto de

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99

número 9 (“Arte e Quadrinho s”) apresentou uma única estratégia de leitura

relacionada à produção de inferência, mesmo trazendo em seu repertório o

gênero histórias em quadrinho, que é bastante conhecido pelas crianças.

Também gostaríamos de ressaltar que o quantitativo de textos nos

projetos de números 7 (“Hora de História”) e 8 (“Plantas e Bichos”) foram

muito próximos (7 e 9 textos, respectivamente), embora o quantitativo de

exploração de estratégias de leitura tenha variado: o projeto 7 apresentou um

total de 29,17% de estratégias de leitura contra o projeto 8, com 12,50%.

Acreditamos que isto se deu pelo fato de que, no projeto 8, a maior parte da

seleção textual está limitada ao gênero instrução didática, o que nos leva a

perceber que uma seleção textual pobre, baseada em gêneros didáticos

compromete, decididamente, as outras atividades de leitura.

Outras atividades:

Embora nesta análise nosso foco tenha sido nas atividades de leitura

propostas pelas autoras do livro Letra, Palavra e Texto, ainda gostaríamos de

considerar dois outros pontos que, embora não estivessem relacionados

diretamente à leitura, são de extrema significação, se levarmos em conta que

esse é um livro de e para alfabetização e que a linguagem que se escreve

(compreensão e produção textual) é tão importante como a apropriação do

sistema de escrita.

Nessa perspectiva, apresentaremos uma breve tabela contendo as

atividades de apropriação do sistema de escrita:

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102

Como pudemos observar na tabela, as atividades que se destinam à

apropriação do sistema de escrita são limitadas, concentrando-se nos projetos

de números 4 e 6. Ainda assim, a freqüência individual de cada uma delas é

baixa. A categoria que mais apresentou atividades foi a de escrita/formação de

palavras sem ou com letras dadas (33,33%), mas atividades que explorassem

as habilidades de análise fonológicas, que são fundamentais para o processo

de alfabetização, apresentaram um quantitativo mínimo de 4,17%, insuficiente

para auxiliar os alunos nesta reflexão. Isto se torna ainda mais grave quando

levamos em consideração que esse é um livro que tem como propósito

alfabetizar.

Em relação à produção de textos, os alunos são sempre confrontados

com a idéia de produzirem textos. Ao final de cada projeto temático há sempre

a orientação para a produção de um texto de opinião, onde o aluno deverá

apontar como transcorreu o projeto, o que achou mais interessante, qual a

relevância desse trabalho para sua aprendizagem; ou, deverá apresentar

alguma espécie de conclusão de tudo o que foi vivido. Embora haja esse

espaço, sempre ao final dos projetos, em nenhum deles apareceu,

explicitamente, a expressão “escreva como souber”, ou afirmações desse

gênero. Uma atividade que merece destaque é a revisão textual, sempre

proposta em companhia de um colega ou, mesmo, do professor.

Observamos pouca exploração da intertextualidade. Citamos, apenas,

os textos das páginas 72 (Texto informativo/científico Camaleão, explorado

após o poema Camaleão, de Wânia Amarantes) e 177 (Texto

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103

informativo/científico sobre as cobras, explorado após o poema “A cobra

banguela”, de Guido Heleno).

Também não observamos, ao longo das atividades, nenhum incentivo à

leitura de outros materiais. Como já havíamos citado anteriormente, apenas na

última página do livro há sugestões de leitura de outros livros.

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CAPÍTULO 4 – ANÁLISE DO USO DO LIVRO

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Neste capítulo, buscaremos refletir sobre o uso do livro didático Letra,

Palavra e Texto. por parte das professoras. Procuraremos estabelecer relações

entre o que falam as professoras e o que fazem, efetivamente. Assim, um

primeiro ponto que consideramos importante refletir refere-se ao fato de que

ambas as professoras gostavam do livro didático e que se sentiam auxiliadas

por ele. Conceição, por exemplo, destacou a organização do livro didático por

projetos como um ponto positivo, além de citar que as próprias atividades eram

interessantes:

“Ele (o livro didático) é muito bom. É todo em projetos e aí dá para

trabalhar interdisciplinarmente. (...) Ele tem muitas atividades boas,

muitas tarefas diferenciadas; é um complemento para a gente”

(CONCEIÇÃO).

Yarany também ressaltou a organização do livro por projetos didáticos e

afirmou como esse instrumento a auxiliava na organização de sua prática:

“Ele está me ajudando bastante; (...) ele me dá uma coisa que eu

não tenho muito, que é a sistemática, né? É aquela coisa de

organização cronológica. Então, quando eu tô trabalhando o projeto,

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106

eu já tenho que seguir aquele projeto, começar e terminar, avaliar;

tem aquela coisa pré-determinada, que é mais fixa. Não fica tão

solto. Eu acho que ele tem me ajudado, enquanto professora, nesse

aspecto” (YARANY).

No conjunto de aulas da professora Yarany, que perfizeram um total de

22 dias de observação, percebemos que ela fez uso do livro didático quatro

vezes. Já a professora Conceição utilizou o livro duas vezes em sete aulas

observadas. A tabela, a seguir, apresenta o conjunto de observações das duas

professoras, no que se refere aos dias de uso do livro didático:

Data Yarany – 22 aulas observadas Conceição – 7 aulas observadas.

02/04/2003 Projeto número 1 (A criança) – Página 17.

22/05/2003 Projeto número 2 (A Escola e os Colegas) – Página 31 e 32.

18/06/2003

Projeto número 5 (Festas Jun inas) - Embora ela não esteja com os livros em mãos, ela retoma uma passagem do livro referente à página 103.

26/06/2003

Projeto número 5 (Festas Jun inas) - Páginas 105 (apenas explicação da proposta), 106 e 107.

28/10/2003 Projeto número 4

(Brincando com Palavras) – Páginas 75 e 76.

04/11/2003 Projeto número 4

(Brincando com Palavras) – Página 86.

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107

Considerando que ambas afirmaram gostar e usar o livro didático, é

importante analisarmos como elas utilizavam-no. Apresentaremos, a seguir,

algumas táticas de uso do livro, desenvolvidas pelas professoras as quais

conseguimos identificar, tanto a partir dos relatos de suas entrevistas como

através das observações das suas práticas.

4.1 – Uso não-seqüenciado do livro

Uma primeira tática refere-se ao uso não-seqüenciado do material.

Embora Yarany e Conceição tenham realizado diversas atividades

relacionadas aos diferentes projetos do livro, observamos que nem todos os

projetos foram contemplados por elas, e que aqueles que o foram não

seguiram a ordem proposta pelas autoras. As escolhas dos projetos, porém,

não eram aleatórias, havendo uma intenção pedagógica subjacente a elas.

Conceição, por exemplo, realizava seu planejamento, optando pelo trabalho

com temas geradores, ligados às datas comemorativas. Assim, o uso do livro

relacionava-se a essa forma de organização, servindo como complemento à

sua prática:

”A gente faz os planejamentos da gente baseado nas datas

comemorativas. Então, de acordo com as datas, a gente vai vendo

tanto os nossos materiais como os do livro. A gente vai vendo e

complementando (...) Ele é cheio de projetos e, aí, você trabalha

tanto a questão da alfabetização como das outras disciplinas. (...)

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108

Você vai pegando o seu programa e vai conciliando, né?”

(CONCEIÇÃO).

Embora Yarany não tenha afirmado a opção pelo uso não-seqüenciado

do livro didático, observamos, em sua dinâmica de sala, que esta também era a

sua prática e que os projetos trabalhados seguiam uma ordem baseada no

calendário escolar. Por exemplo, no mês de junho, época em que se

comemora, fortemente, os festejos juninos, em nossa região, Yarany fez uso do

quinto projeto do livro didático, intitulado “Festas Juninas”, ainda que alguns

dos projetos anteriores não tivessem sido realizados.

Conceição, por sua vez, realizou os projetos de número cinco e seis

(que abordavam respectivamente os temas “São João” e “Folclore”) nos meses

correspondentes a essas festividades. Já no final do ano realizou atividades da

unidade 4 (projeto “ Brincando com Palavras”), que, na seqüência do livro,

deveria ter sido vivenciado antes dos dois projetos acima citados. Conceição

rompeu com a seqüência do livro, articulando os projetos nele propostos com

suas necessidades pedagógicas.

4.2 – Leitura dos textos das unidades trabalhadas e de alguns enun ciados

Uma outra tática de uso do livro que merece destaque está relacionada

com a forma pela qual as professoras exploraram o material textual, presente

no livro Letra, Palavra e Texto. Embora as mestras, durante as entrevistas, não

tenham feito referências explicitas à qualidade dos textos impressos no livro

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109

didático, pudemos perceber que ambas consideravam os textos como materiais

de qualidade, uma vez que, na dinâmica de suas salas-de-aula, observamos

que as duas professoras leram todos os textos presentes em cada um dos

projetos trabalhados.

A leitura de enunciados também apareceu com significativa freqüência.

Era muito comum, na prática de Yarany, por exemplo, antes de iniciar a leitura

dos textos, ela fazer a leitura dos enunciados que os antecediam. A forma

como realizava a leitura dos enunciados, no entanto, variava: em alguns

momentos ela mesma era a responsável pela leitura; em outras situações, ela

solicitava que seus alunos lessem o que propunham as autoras e que, depois,

dissessem o que haviam compreendido. Conseguimos observar um total de

quatro aulas com uso do livro didático e, nesses três momentos, Yarany seguiu

a mesma exploração de leitura dos enunciados: ela tanto lia os comandos que

indicavam a leitura de textos como também os que explicavam as propostas de

tarefas. Transcreveremos, a seguir, um extrato de aula que demonstra essas

práticas de leitura:

Yarany, no dia 26 de junho de 2003, fez a atividade de leitura da página

106, presente na unidade 5 do livro Letra, Palavra e Texto. A atividade era a

seguinte:

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Professora: “Agora a gente vai ler isso daqui (apontando para o livro

didático). Eu vou ler esta página daqui: “Atividade 11. A brincadeira

descrita abaixo é muito comum nas festas jun inas”... Tá aqui a regra

da brincadeira. Quem lembra o que são as festas juninas?”.

Alunos: “É São João, São Pedro...”.

Professora: “Então (e continua a leitura dos enunciados), “leiam em

dup la as orientações para que possam brincar”. O que é “em dupla?”.

Alunos: “4 pessoas”.

Professora: “Aí é em grupo! Em dupla é de dois em dois; então, vai se

juntar de dois em dois para ler, tá? Como é o nome desta brincadeira?

Tá aqui“ (mostrando o livro didático).

Alunos: “Pescaria”.

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Professora: “Quem já brincou de pescaria? Como é?”.

Alunos: “As crianças tentam explicar, mas dão exemplos de situações

de pescaria reais”.

Ela mostrou a ilustração do livro e pediu que eles observassem:

Professora: “Pela ilustração já dá para entender um pouco como é essa

brincadeira? Leiam aqui esta ilustração. Ler a ilustração é olhar a

ilustração, né? É ver e entender A gente não leu, ainda, a regra da

brincadeira... Só vendo a ilustração dá para a gente ter idéia do que vai

acontecer nesta brincadeira?”.

Alunos: ”Vai botar um peixinho e depois vai tirar. Vai botar na caixa...”.

Professora: “Oh!, aqui: “material”. Vamos ver o que a gente vai

precisar”.

Yarany foi lendo com os alunos a lista dos materiais E, após a leitura,

disse:

Professora: “Aqui. Tem aqui: “como brincar” (e lê o texto).

Ela combinou com as crianças como elas poderiam fazer o que

propunha o texto instrucional:

Professora: “(...) Antes de a gente fazer a pescaria… A gente vai fazer a

pescaria ainda hoje, mas antes de fazer, a gente vai fazer esta atividade

daqui” (referindo-se à atividade da página 107).

Alunos: “AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAh!”.

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Professora: “Esta atividade tem assim: letra B: ordene... Isso também é

uma sugestão, também é um comando, uma ordem que vocês têm que ler para

poder entender o que é. Agora eu vou ler e vocês vão me explicar o que tá

dizendo, ok?”.

Como observamos, Yarany preocupava-se com a compreensão dos

enunciados das atividades. Embora não esteja registrado em sua entrevista,

em uma conversa informal a professora afirmou que, em anos anteriores, ela

havia trabalhado com turmas de 3ª série e uma das suas preocupações mais

recorrentes era com o fato de seus alunos, nesse nível de ensino, não

conseguirem ler e compreender os enunciados das atividades. Sendo assim,

desde já ela buscava explorar esta compreensão.

No exemplo acima citado, a professora, na medida em que ia lendo o

enunciado, fazia perguntas que auxiliavam em sua compreensão e,

dependendo das respostas, dava algumas explicações. Por exemplo, quando

perguntou o que “são festas juninas”, os alunos responderam, corretamente.

Em seguida, ao questioná-los sobre o significado da palavra “dupla”, não

obteve uma resposta satisfatória, e precisou explicar seu sentido. Em outros

momentos, ela pedia que os alunos lessem sozinhos e tentassem compreender

o que propunha a atividade, como descrito a seguir:

Yarany, no dia 02 de abril de 2003, realizou a atividade de leitura da

página 17, propondo que seus próprios alunos lessem sozinhos o enunciado:

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A professora começou a leitura:

Professora: “Na página 17, onde tem conhecendo… conhecendo o

corpo! O que é o corpo?” (As crianças deram explicações, mas está

inaudível).

Professora: “O que estes dois meninos estão fazendo?” (As crianças

descrevem a gravura).

Professora: “Será que seria legal a gente fazer isso?”.

Alunos: “Seria!!!”.

Professora: “Então, vamos ver! Aí, aqui tem: “Atividade” (Yarany foi

interrompida pelos alunos que deram sozinhos continuidade à leitura do

enunciado).

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Professora: “A-TI-VIDADE 1! Querem tentar ler, antes de eu ler?

Tentem ler um pedacinho” (As crianças começaram a leitura em voz

alta).

Professora: “Não! Sozinhos! Sem falar. Vamos tentar ler sem fazer

barulho, só com os olhinhos, tá?” (As crianças continuaram lendo em voz

alta).

Professora: “Sem falar!”.

Aluno: “Tia, é esse daqui, é?” (apontando para o livro).

Professora: “É! Bora tentar ler; quem não conseguir, tudo bem. Tenta

ler”.

As crianças ficaram lendo sozinhas e a professora aguardou que todos

lessem para que, a partir da leitura deles, ela continuasse a explicação da

tarefa.

Conceição também explorou alguns enunciados de tarefas, como

apresentaremos a seguir. No dia 28 de outubro de 2003, a professora realizou

a atividade de leitura do texto da página 75 e propôs que seus alunos

realizassem o exercício da página 76:

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Professora: “O escritor diz assim: “ Pinte as s ílabas e forme as

segu intes palavras do po ema formiga” . Então? Vai fazer o quê?”.

Alunos: “Pintar”.!

Professora: “Então vamos fazer”.

Com menos ênfase, essa professora também realizou a leitura de

enunciados, a qual esteve diretamente relacionada à realização das tarefas do

livro. Esse fato ficou evidente nas duas situações em que observamos a

professora utilizar o livro didático: ela, no geral, não lia os enunciados que

antecediam o texto e, também, não lia o enunciado completo das atividades, se

detendo na leitura dos comandos relacionados à execução da tarefa em si. No

exemplo acima, a atividade 4 tinha uma introdução (“as palavras podem ser

divididas em SÍLABAS”) e, em seguida, vinha a instrução para a realização da

atividade (A – Pinte as sílabas e forme as seguintes palavras do poema “A

FORMIGA”). Apenas essa instrução foi lida.

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Uma hipótese para a não-leitura da introdução pode estar relacionada ao

fato de que os alunos já possuíam uma compreensão de que as palavras são

compostas de sílabas, sendo desnecessária a realização dessa explicação,

pois essa atividade foi realizada no final do ano, período em que a maioria dos

alunos já se encontrava na fase alfabética. Mesmo sem a leitura desta

instrução, os alunos conseguiram realizar a atividade sem dificuldades.

4.3 – Exploração de estratégias de leitura

Uma terceira tática relacionada ao uso do livro didático corresponde à

exploração de estratégias de leitura. Como vimos no capítulo anterior, o

percentual de exploração, ou mesmo de sugestão de exploração de estratégias

de leitura no livro didático Letra, Palavra e Texto é limitado. As autoras

sugeriram esse trabalho, basicamente, nos projetos de número quatro e sete

(respectivamente intitulados “Brincando com Palavras” e “Hora de Histórias”).

As professoras, nas atividades de leitura dos textos presentes no livro,

não se limitaram a ler apenas o texto, mas propuseram questões de exploração

de estratégias de leitura, mesmo quando elas não eram sugeridas pelas

autoras do livro. As docentes priorizaram as estratégias de localização de

informações/palavras no texto, fundamentais para a alfabetização, uma vez

que localizar palavras em um texto pode indicar que os alunos já estão

conseguindo ler. Procuraram, também, colaborar para a re-construção dos

sentidos da leitura, buscando explorar os conhecimentos prévios dos alunos,

tanto no que se refere ao gênero textual, quanto ao autor e ao tema discutido.

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Assim, antes de realizarem a leitura do texto propriamente dito, ambas

exploravam, primeiro, algumas estratégias de leitura, como pode ser

evidenciado nos seguintes extratos de aula.

Yarany, no dia 22 de maio de 2003, fez a atividade de leitura da página

31, presente na unidade 2 do livro Letra Palavra e Texto. A atividade era a

seguinte:

Professora: “Nós vamos abrir o livro na página 31. Agora, a gente vai ler

aqui, embaixo (apontando para o enunciado da página 31), tá bom?

“Acompanhe a leitura da reportagem abaixo sobre a seleção

brasileira de futebo l” . Então, o que é reportagem?”.

Alunos: ”Quando o repórter filma”.

Professora: “Só quando o repórter filma? Isso aqui tá filmado?” (aponta

para a reportagem do livro).

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Alunos: “Tá!!!”.

Professora: “Isso aqui tá filmado???”.

Alunos: “Não!!!!”.

Professora: “Tá fotografado. E é uma reportagem?”.

Alunos: “É!!!”.

Professora: “É uma reportagem. As reportagens estão nas revistas, nos

jornais, não é?”.

Alunos: “É!”.

Professora: “Pode ser no jornal escrito, no jornal falado; no rádio, que a

gente só ouve, também tem notícias, né? Então, essa daqui é sobre o

quê? Vocês acham que fala sobre o quê?”.

Alunos: “Sobre o Brasil. Sobre o jogo do Brasil”.

Professora: “Ah, sobre o jogo do Brasil... E o que tá acontecendo aqui?”.

Alunos: “Jogando. Fazendo falta!”.

Professora: “Falta? Quem derrubou quem aqui?”.

Alunos: “O Brasil”.

Professora: “Será que o juiz apitou uma falta aqui?”.

Alunos: “Apitou”.

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Ela fez algumas explorações sobre os times de futebol locais e propôs

ao grupo:

Professora: “Bora ler? Aqui tem escrito, oh!... Que palavra tem escrito

aqui, de vermelho?” (Aponta para o título da seção do jornal, presente na

ilustração do livro didático).

Alunos: “Esporte!”.

Professora: “Esportes! Então, eu vou ler (Inicia a leitura): ‘Henrique

Freitas; enviado especial. Osaka, Japão’. Então, quem escreveu isto?

Quem é o autor disto? Foi Henrique Freitas, né? E ele estava onde?”.

Alunos: “No jogo”.

Professora: “E o jogo era onde?”.

Alunos: “Lá no estádio! No Japão...”.

Professora: “Olha aqui, gente! (apontando para a referência presente no

livro didático) Osaka, Japão. Agora, eu vou ler, tá bom?”.

Continuou a leitura da reportagem e os alunos escutaram. Ao final, ela

disse:

Professora: “Primeira pergunta: essa reportagem aconteceu antes ou

depois da Copa?”.

Alunos: “Antes!”.

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Professora: “Como é que vocês sabem?”

Alunos: “Porque a Copa foi em 2002”.

Professora: “Porque a Copa foi em 2002! E aqui, diz o quê? Quando foi

que aconteceu isso?”.

Alunos: “2003”.

Professora: “Hoje é 2003. Mas, esta reportagem?”.

Alunos: “2002, 2000...”.

Professora: “A reportagem... Olha no livro! Adivinhando, não. No texto

tem o ano. Quando foi escrita esta reportagem?”.

Alunos: “2002. 1998...”.

Professora: “1998! Quer dizer que foi antes de 2002”.

Aluno: “Onde é que tem, tia?”.

Professora: “Lá embaixo, na última linha”.

Aluno: “Oxente, tia! Tem não, tia!”.

E outros alunos começaram a questionar. Então, Yarany passou por

entre algumas bancas e apontou onde estava escrito. Ela disse:

Professora: “Todo mundo circula quando aconteceu isso: 1998! Todo

mundo circula”.

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Alunos: “Onde tá isso, tia?”.

Professora: “Na última linha. Acharam? Só que esta copa não foi a de

2002. Foi antes da Copa de 98. É muito antiga esta reportagem...”.

Como podemos perceber, Yarany realizou atividades de compreensão

de leitura, explorando os conhecimentos prévios dos alunos sobre o gênero

textual (a reportagem) e sobre a temática “futebol”, como também localizou

informações precisas, tais, como: a identificação da seção do jornal (para a

qual solicitou que os alunos tentassem ler o nome em vermelho); do autor, do

ano e do local de realização do jogo. No entanto, nós observamos que, nesse

momento da exploração, a professora fez uma confusão quando questionou o

ano de produção da reportagem e localizou a data que indicava o ano de

realização de uma próxima copa, presente no mesmo texto.

O comportamento de Yarany parece se relacionar com o que Perrenoud

(1997) chame de “agir na urgência/improvisar”:

Nem todas as situações de ensino são estereotipadas. Há algumas inéditas. Ou, não sendo originais, são suficientemente complexas ou ambíguas, de tal modo que não são evidentes as medidas a tomar. Por exemplo: (...) quando um acontecimento interfere na seqüência didática em curso (...). Neste caso, é preciso improvisar, tomar uma decisão sem ter tempo ou meios de a fundamentar de forma racional. Então, o professor serve-se da sua personalidade, do seu habitus, mais do que do raciocínio ou de modelos (PERRENOUD , 1997, p. 23).

A professora fez uma questão (o ano de publicação) e teve dificuldades

de localizar a resposta. Ao invés de reler o texto para procurar entender o que

significava a data 1998, ou de explorar o gênero (reportagem; que traz a data

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de publicação no início da página do jornal), ela tentou mudar o comando e

terminou a exploração do texto dizendo onde estava localizado o ano de 1998

(quando na verdade a reportagem era de 1997) e falando que a reportagem era

muito antiga.

No entanto, é importante destacar que nenhuma destas explorações

havia sido sugerida pelas autoras do livro. Fica evidente que a preocupação

fundamental de Yarany era a de que seus alunos compreendessem o texto e

não apenas utilizassem-no como “um pretexto” para a realização da atividade

seguinte, proposta no livro didático (partida de futebol).

Conceição, por sua vez, explorou os conhecimentos prévios de seus

alunos, na seguinte atividade:

No dia 28 de outubro de 2003, ela fez a atividade de leitura do texto “A

formiga”, presente na unidade 4 do livro LPT. A atividade era a seguinte:

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Professora (antes de iniciar a leitura do poema): “Vocês se lembram da

poesia do “Camaleão” e do “Beija-flor?” (Os alunos recitam a poesia do

“Beija-flor”).

Professora: “Hoje vocês vão ouvir uma poesia nova”.

Ela colou no quadro um cartaz que trazia a poesia. Escreveu o nome

FORMIGA no quadro e, antes de ler o poema ou mesmo distribuir os livros com

os alunos, explorou:

Professora: “Que nome é este?”.

Alunos: “Formiga!!!!”.

Professora: “Como é uma formiga? Ela não é pequenininha?”.

Alunos: “É!”.

Professora: “Imaginem se vocês fossem uma formiguinha. Como é que

vocês iriam ver o mundo?”.

Alunos: (Risos)

Professora: “Tudo pequenininho, não é?”.

Ela fez uso de objetos concretos de sala (como a ponta de um lápis),

para que os alunos pudessem comparar com o tamanho de uma formiga.

Depois, começou a leitura do poema, “interpretando” cada estrofe:

Professora: “O autor fez isso. Mostrou como a formiga vê as coisas bem

pequenininhas” (escreve no quadro o nome Vinícius de Moraes).

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Professora: “Como é o nome dele?”.

Alunos: “Vinícius de Moraes!”.

Professora: “Quem conhece ele?”.

Alunos: “Eu conheço Vinícius, de ‘Malhação’”.

Professora: “Não! Este aqui é aquele que fez ‘A casa’. Quem se lembra

do poema da casa?”.

Alunos: “EEEEEU!!!”.

Ainda com base nesse mesmo texto e após a entrega do livro didático

aos alunos, Conceição explorou outras estratégias.

Professora: “Todo mundo bota o dedinho, aí, onde tem escrito ‘formiga’.

Agora, a gente vai ver onde está o título. Apontem, aí” (após uma longa

exploração da poesia, a professora solicitou que seus alunos

localizassem, em seus livros, algumas das palavras por ela ditadas).

“Procura, aí, a palavra formiga! Quantas vezes apareceu a palavra

formiga? Circula, então, no livro” (Conceição continuou esta exploração,

ditando palavras ainda relacionadas ao texto e que apareciam nas

atividades seguintes: rosa, espada, palácio, entre outras).

Como podemos perceber nessa atividade, Conceição não fez uma

exploração dos conhecimentos dos alunos sobre o gênero, mas introduziu a

leitura do texto, a partir da retomada de outros poemas lidos na sala e que os

alunos sabiam de cor. No entanto, antes da leitura, em si, a professora

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explorou os conhecimentos dos alunos sobre a temática (a formiga),

antecipando o conteúdo abordado (a visão do mundo na perspectiva da

formiga). A professora também perguntou se eles conheciam o autor do

poema, e fez uma contextualização, ao afirmar que era o mesmo autor do

poema “A Casa”, já conhecido, e solicitou, também, que seus alunos

localizassem o título do poema. Assim, embora não houvesse sugestão para a

realização de tais explorações, Conceição extrapolou a perspectiva do livro,

consciente de que a exploração das estratégias de leitura tem fundamental

importância para a compreensão de um texto.

A exploração do vocabulário também ocorreu na prática das duas

professoras, independente de haver alguma sugestão nas instruções do livro

didático para isso. Conceição fez essa exploração, por exemplo, no momento

em que trabalhou o poema “A Formiga”, de Vinícius de Moraes, acima citado.

Em uma das passagens do poema existe a palavra Corcovado. Ela perguntou

aos alunos sobre o significado dessa palavra e ninguém respondeu. Conceição

apresentou, então, cartões-postais, previamente selecionados para ilustrar a

figura do Corcovado. Nesse momento, muitos de seus alunos reconheceram a

imagem impressa. Achamos importante considerar que essa professora

parece ter planejado, antecipadamente, as explorações que desejava fazer.

Conceição havia organizado sua aula de modo que, mesmo se as dúvidas em

relação ao vocabulário não aparecessem, ela poderia instigá-las e, para isso,

havia selecionado um bom material que serviria de suporte à sua exploração.

Vejamos o que fez Yarany:

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No dia 26 de junho de 2003, Yarany fez a atividade de leitura da página

106 (texto instrucional sobre a Pescaria). Ela explorou o significado da palavra

“Brindes”:

Professora: “Aqui tem o material que a gente vai precisar”.

E continuou a leitura.

Professora: ”Uma caixa grande de papelão. Tem aqui?”.

Alunos: “Tem!”.

Professora: “Serragem ou areia. Tem aqui?”.

Alunos: “Areia, tem, aqui”.

Professora: “Varinhas de pescar?”.

Alunos: “Tem não! É só fazer!”.

Professora: “Peixinhos de papelão?”.

Alunos: “É só fazer também!”.

Professora: “Brindes?”.

Alunos: “O quê? Brindes? Que é isso?”.

Professora: “Brindes... O que é brindes?”.

Alunos: “Bota água e faz assim” (simula o bater de copos, com as mãos

para o alto).

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Professora: “Brindar pode ser quando a gente bate os copinhos, as

tacinhas, né? A gente tá fazendo um brinde”.

Alunos: “Bota água!”.

Professora: “Mas, aqui, brindes são lembrancinhas, são pequenos

prêmios” (os alunos continuaram relatando situações de brindes com

copos)... “Mas o brinde, aqui, são pequenos presentinhos (...) Que tal se

a gente fizesse uma pescaria em que os brindes fossem mensagens?

Ou, então, pagar uma prenda?”.

A exploração de Yarany surgiu somente após um questionamento de um

de seus alunos sobre o significado da palavra. Talvez isto tenha se dado

porque ela imaginava que seus alunos já conheciam o significado dessa

palavra e, mais uma vez, ela precisou agir face à “urgência”, sem ter planejado

isso.

È importante destacarmos que a familiarização com o livro didático pode

permitir que essas explorações sejam feitas mais facilmente. Conceição, por

exemplo, antecipava, com mais precisão, eventuais dúvidas de seus alunos,

por já conhecer o material e, assim, também, conseguia organizar melhor

situações de intervenções.

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4.4 – Realização de atividades de apropriação do sistema de escrita propo stas no livro

No capítulo anterior, analisamos as atividades de leitura presentes no

Letra, Palavra e Texto e verificamos que o livro didático apresentava poucas

atividades relacionadas à apropriação do sistema de escrita alfabético. Durante

o desenvolvimento dos projetos, Yarany e Conceição realizaram as atividades

do livro que apresentavam este objetivo, recriando-as de acordo com suas

necessidades. Vejamos, a seguir, como as professoras fizeram isso.

Yarany, no dia 26 de junho de 2003, primeiramente realizou a leitura da

página 106 (texto instrucional “Pescaria”), presente na unidade 5, do livro Letra,

Palavra e Texto. Logo em seguida, ela propôs aos seus alunos a realização

das atividades da página 107. Após a leitura do texto, Yarany leu o enunciado

da atividade B, e solicitou que os alunos abrissem seus livros nessa página;

para realizarem a tarefa. Ela releu o enunciado referente à atividade B e os

alunos começaram a realizá-la. No entanto, durante a execução, as crianças

vieram diversas vezes ao seu bureau, com dúvidas de como deveriam fazer o

exercício.

Yarany percebeu que essa era uma dúvida de seu grupo e decidiu re-

dimensionar a realização da tarefa.

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Professora: “Pêra aí! Vamos lá no texto e eu vou dizer umas palavras e

vocês vão circular. Primeira: CAIXA! Acharam? Começa com que letra?

Termina com que letra?”.

Alunos: (Ninguém responde, pois todos estão concentrados, procurando

as palavras).

Professora: “Vocês viram que aparece mais de uma vez a palavra

‘caixa’?”.

Yarany ditou outras palavras que estavam presentes na atividade da

página 107, para que os alunos procurassem no texto da página 106, sempre

solicitando que eles observassem a posição das letras nas palavras. Os alunos

procuraram todas elas no texto. Ao final desta exploração, ela passou, mais

uma vez, para a realização da atividade da página 107 e, desta vez, os alunos

conseguiram fazê-la.

Observemos que, primeiramente, Yarany tentou realizar a atividade

como propunha o livro. Diante das dificuldades de seus alunos, ela voltou ao

texto e solicitou que eles localizassem nele as palavras da tarefa, dando

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algumas pistas (letra inicial e final das palavras) que, por um lado, permitiriam

que os alunos localizassem mais facilmente as palavras e, por outro, ajudariam

na execução da tarefa, que solicitava que os alunos ordenassem letras,

formando as palavras que estavam no texto.

Já Conceição, após a leitura e exploração do texto “O buraco do tatu”,

fez a atividade 6 da página 86. O texto, a tarefa e o relato de como ela

conduziu as atividades serão apresentados a seguir.

Conceição, no dia 04 de novembro de 2003, retomou a atividade de

leitura do texto (iniciada no dia anterior), presente nas páginas 83 e 84. A

professora organizou um cartaz com as quatro primeiras estrofes da poesia “O

buraco do tatu”. Após a leitura das estrofes, ela fez uma atividade oral de

interpretação do texto e indicou que traria um mapa para que os alunos

apontassem o caminho percorrido pelo tatu, de acordo com o que dizia a

poesia.

Após esta primeira leitura do cartaz, os próprios alunos solicitaram que

Conceição lesse o poema uma outra vez. Ela leu e, nesse momento, a cada

estrofe lida, ela, oralmente, solicitava que os alunos dissessem quais palavras

rimavam:

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Professora: “Veja que lebre rimou com quê? Com Porto Ale...” (Ela

mesma inicia a resposta).

Alunos: “Alegre!”.

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Ela fez essa exploração com as quatro estrofes transcritas em seu

cartaz. Em seguida, ela afixou um mapa na parede e solicitou que seus alunos

localizassem o caminho percorrido pelo tatu. A todo momento, ela recitava os

trechos do poema, para que as crianças localizassem no mapa os nomes dos

estados:

Professora: “O tatu, primeiro, ele tava procurando o quê?”.

Alunos: “Uma lebre!”.

Professora: “Uma lebre! Aí ele furou um buraquinho e saiu aonde? Em

Porto Ale...”.

Alunos: “Porto Alegre!”.

Professora: “Porto Alegre, aqui, no Rio Grande do Sul” (e aponta para a

palavra escrita no mapa). “Aí, depois de Porto Alegre, ele foi para

onde?”.

E ela continuou com a exploração até completar o trajeto seguido pelo

tatu. Dando continuidade, Conceição iniciou uma outra exploração diretamente

relacionada às palavras presentes no texto:

Professora: “Agora, eu quero chamar, Jardel. Vem mostrar aqui o nome

tatu! Quantas vezes aparece o nome tatu, aqui?” (Aponta para o cartaz

afixado no quadro). “Mostre, aí, onde tem a palavrinha tatu”.

Um aluno, não identificado, disse:

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133

Aluno: “T-A-T-U”.

A criança apontou para uma outra palavra. Conceição voltou-se para o

grupo:

Professora: “Aí é tatu, gente?”.

Alunos: “Não! Eu sei onde é! Ali, oh! Tem um T, um A, um T e U”.

Ela chamou outra criança para localizar e ajudar o aluno com

dificuldades.

Professora: “Pronto! Agora você mostra onde está os outros ‘TATU’”

(Os alunos começam a dar dicas de onde estavam as outras palavras

“tatu”. Conceição solicitou a localização de palavras diferentes). “CA-VA.

Procure, aí onde tem cava”.

Conceição deu continuidade à exploração. Então, com sua régua em

mãos, ela foi apontando para o cartaz afixado no quadro, foi lendo e

questionando os alunos:

Professora: “Olha para cá, pro quadro!” (onde está afixado o cartaz), “eu

vou lendo e vocês vão vendo: ‘o tatu cava um buraco à procura de

uma lebre. Quando saí para se coçar, já está em Porto Alegre’. A

palavra tatu tá no meio, no começo ou no fim?”.

A partir de sua pergunta, os alunos localizaram a palavra no texto. Ela

fez o mesmo procedimento com outras palavras. Depois, ela passou a escrever

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134

no quadro palavras que estavam presentes no poema e que seriam escritas na

atividade seguinte, presente no livro didático:

Professora: “Olha pra cá! Vou escrever a palavra TATU. Ela tem

quantas letras? E quantas sílabas?”.

Conceição escreveu no quadro as palavras que seriam usadas na

realização da atividade e explorou-as, coletivamente, sempre registrando a

escrita convencional, a quantidade de letras e sílabas. Só após ter concluído a

sistematização coletiva das cinco palavras, que apareceriam na atividade do

livro didático, ela passou à realização, propriamente dita, da atividade 6, da

página 86. Enquanto os alunos faziam a tarefa, a professora ia circulando entre

as mesas, ajudando-os na escrita das palavras. Os alunos não tiveram

dificuldades em realizar a atividade.

Consideramos importante salientar, a partir desse extrato de aula

descrito, que, antes de Conceição realizar a atividade, propriamente dita, da

página 86, ela fez uma exploração coletiva de algumas palavras do texto,

incluindo todas as que os alunos deveriam escrever na tarefa.

Assim, podemos observar quais as atividades foram propostas pelo livro

e como a professora fabricou sua prática em função das necessidades de seu

grupo de alfabetização, ela “aproveitou” o texto “O Tatu” para explorar o

sistema de escrita, antes de passar à realização das tarefas presentes no livro

didático.

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135

É interessante observar que Yarany fez uma exploração das palavras do

texto após ter percebido que os seus alunos tiveram dificuldades para realizar a

tarefa do livro. Conceição, por sua vez, realizou-a logo após a leitura do texto e,

assim, seus alunos não apresentaram dificuldades no momento da execução

da atividade do livro. Essa era uma situação recorrente na prática dessa

segunda professora, que buscava sempre explorar aspectos do sistema de

escrita alfabético, através da composição/decomposição de palavras

relacionadas ao texto, localização de palavras-chave nos textos lidos, entre

outros, o que de certa forma facilitava a realização das atividades.

Acreditamos que o fato de Conceição já ter trabalhado, no ano anterior,

com esse mesmo livro didático, facilitou seu uso, pois, ela já conhecia as

atividades presentes nele e podia, inclusive através de sua experiência,

antecipar algumas das prováveis dificuldades de seus alunos. Ela relatou:

“Quando eu comecei o trabalho com a alfabetização eu conheci este

livro (Este era o segundo ano dela como alfabetizadora) e quando

cheguei aqui, esse ano, foi também esse mesmo livro, e como eu já

conhecia, achei ótimo porque, assim, você aprimora mais o trabalho,

né?” (CONCEIÇÃO).

Yarany, por sua vez, afirmou, em sua entrevista, que lamentava o fato

de não ter tido a oportunidade de conhecer esse livro antes do início das aulas,

período em que, segundo ela, seria de grande importância para sua

familiarização com o material:

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136

Uma outra coisa que eu acho ruim é que a gente ficou conhecendo o

livro no mesmo dia dos alunos. No final do ano letivo, eu não tava

com o livro para dar uma olhada, nas férias; o que é que ele se

propunha; eu e os meninos conhecemos igualmente, né? O livro que

chegou a mim não foi aquele livro que traz os pressupostos

metodológicos (referindo-se ao livro do professor), e a gente pegou

um dia ou dois antes de começar (YARANY).

Enfim, as duas professoras, quando propuseram a realização de uma

atividade do livro, reconstruíram a seqüência proposta pelas autoras: Yarany

fez isso durante o desenvolvimento da atividade e Conceição planejou,

previamente, a alteração da seqüência.

4.5 – Realização de outras atividades de apropriação do sistema a partir do livro

Pudemos observar, claramente, no cotidiano das professoras, que o

texto presente no livro também serviu de instrumento para a exploração de

outras atividades, nem sempre sugeridas pelas autoras, como, por exemplo,

atividades de exploração de estratégias de leitura e as de sistematização do

sistema de escrita. É importante observar que as professoras “re-constroem” as

propostas do livro didático, dependendo de suas necessidades ou, mesmo, em

função de atividades que elas consideram importantes e que não estão

contempladas no livro didático.

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Assim, as mestras criaram atividades relacionadas à aquisição do

sistema de escrita alfabético. Yarany verbalizou, em sua entrevista, que o livro

era carente de atividades desse tipo e que ela buscava complementá-lo:

“Ele (o livro didático) não traz esta questão da decodificação, né?; do

sistema alfabético. Ele, praticamente, não trata, né? E, aí, a gente

tava sentindo necessidade disso. Ele é um livro que… Ele começa já

com projetos de trabalho, né? E os meninos não conseguiam fazer”

(YARANY).

Observemos, a seguir, como ela fazia isto, ainda utilizando o exemplo da

página 31, descrito na seção anterior, que envolveu a leitura de um texto do

jornal:

Yarany no dia 22 de maio de 2003, fez a atividade de leitura da página

31, presente na unidade 2, do livro Letra, Palavra e Texto. Depois da atividade

de leitura, ela falou sobre a organização de uma partida de futebol, sem ler o

enunciado que sugere essa atividade.

Como ela sabia que naquele dia não haveria bola disponível na escola,

prometeu realizar a partida em um outro dia. Em seguida, passou para a

atividade da página 32, recriando-a, conforme descrito a seguir:

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Professora: “Nós temos 20 alunos, não é? Se eu fosse separar vocês

em dois grupos, metade fica no lado A, metade no lado B...”

Alunos: “Dez!”.

Professora: “Agora, vocês vão se dividir em grupo: dez aqui e dez lá

(separando as crianças em dois grupos, em lados diferentes da sala).

Olha, neste cantinho do livro, aqui (aponta para a margem da página 32),

vocês vão escrever os nomes dos colegas de vocês; do time, tá?”.

Alunos: “Tá!”.

Como podemos observar, Yarany transformou uma atividade,

inicialmente de desenho, em atividade de apropriação do sistema de escrita,

correspondente à escrita de palavras estáveis (os nomes de colegas da sala),

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139

rompendo com a idéia de que os alunos que ainda estão em processo de

alfabetização devem substituir a escrita por desenhos. É importante refletir que

a escrita de nomes de colegas já havia sido bastante vivenciada por esta

professora, desde o início do ano letivo: ela havia espalhado pelas paredes

cartazes com atividades realizadas e neles apareciam os nomes dos alunos;

também existia um alfabeto pregado na parede e, em cada uma das letras,

havia o desenho de figuras começadas com esta letra e, também, os nomes de

seus alunos, além de outros materiais.

Embora Conceição não tenha verbalizado que considerava as atividades

de apropriação do sistema de escrita insuficientes, observamos, em sua

prática, que ela também re-criava as propostas do livro didático e aproveitava

os textos, com o objetivo de explorar essa sistematização, como aconteceu na

leitura dos poemas “O buraco do tatu” e “A formiga”. Podemos ler, abaixo, um

trecho de sua entrevista, onde ela descreveu como usava o livro:

“Geralmente eu faço uns cartazes para a gente ler. Depois, eles vão para

o livro; eles identificam algumas palavras (...) a gente usa o alfabeto

móvel; passo tarefinhas para casa, para eles fazerem colagem de

palavras (...)” (CONCEIÇÃO).

No dia 28 de outubro de 2003, após a leitura do texto “A Formiga”,

Conceição realizou atividades de exploração do sistema de escrita alfabético:

Professora: “Eu trouxe, aqui, umas cartelas para a gente ler algumas

palavrinhas do texto (Apresentou uma seqüência de cartelas, com

palavras do texto, com suas respectivas gravuras ao lado e pediu para

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que os alunos as lessem). O que é que tem aqui?” (apresentando a

gravura de uma rosa).

Alunos: “Flor!”.

Professora: “Flor? (Conceição escreveu as palavras flor e rosa no

quadro e refletiu com os alunos sobre suas escritas). Flor começa com

que letra?” (dando ênfase à letra F).

Alunos: “F”.

Professora: “E qual é essa daqui?” (Apontando para a cartela).

Alunos: “R”.

Professora: “Então, aqui tem o quê? RO-SA! Vejam como está escrito!”.

Alunos: “RO-SA... ROSA”.

Observamos como Conceição conseguiu, a partir de uma única atividade

de leitura de texto, romper com o que estava proposto no livro didático que,

nesse caso, era a leitura do texto e decomposição de algumas palavras em

sílabas, como já foi apresentado anteriormente neste capítulo.

Ela não só fez o que sugeriram as autoras, mas, também, explorou

questões que auxiliavam seus alunos a refletirem sobre a escrita de palavras,

sons de letras e sobre significante e significado. Essa mesma seqüência de

leitura de palavras foi realizada com outros textos (presentes ou não no livro

didático) e eram atividades constituintes da prática desta professora.

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141

É importante considerarmos que, muitas vezes, as mestras tentavam

seguir as orientações dos autores para a realização das tarefas, mas, nem

sempre isto era possível. Já pudemos observar como Yarany redimensionou a

proposta do livro didático para atender a uma necessidade prática (não havia

bola para a realização da partida de futebol). Em outras situações, ela tentou

realizar o que propunha o livro didático e no desenrolar da atividade percebeu

que não seria possível seguir o que propunham as autoras do livro (quando,

por exemplo, tentou realizar a tarefa da página 107 e não conseguiu). Mas,

esta não era a única dificuldade encontrada. Conceição e Yarany relataram a

dificuldade de se trabalhar com um livro elaborado para os alunos das regiões

Sul e Sudeste. A seguir, observaremos como as mestras procuraram

contextualizar as atividades em função de uma adequação cultural.

4.6 – Contextualização das atividades do livro d idático

Conceição e Yarany relataram que se sentiam incomodadas com a falta

de regionalização do livro didático e esse era um dos motivos pelos quais elas

sentiam a necessidade de modificar o que ele propunha:

“Tem algumas coisas que eu acho que seriam melhores se fossem

ligadas à região da gente, sabe? Até o tipo de receita que ele tem de

pé-de-moleque é diferente do nosso (...) você mostra o deles e

enriquece o menino (...), não deixa de ser enriquecimento, mas, por

que a gente tem sempre que ser subordinado ao sul, sudeste? A

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gente também tem nossa cultura. Eu gostaria muito que tivesse o

livro da gente; mais pé no chão, sabe?”(CONCEIÇÃO).

Em um dos momentos de sua aula, Yarany também precisou

“regionalizar” uma das propostas do livro didático. Vejamos, a seguir, o que ela

fez:

Yarany, no dia 18 de junho de 2003, retomou, oralmente, a atividade de

leitura da página103, presente na unidade 5, do livro Letra, Palavra e Texto.

Ela estava sentada no chão, conversando com seus alunos sobre o que

já haviam estudado sobre o São João:

Professora: “Quais são os símbolos que nós escrevemos o significado,

na outra tarefa?”.

Alunos: “Fogueira, balão, bandeirinha, comidas, danças...”.

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143

Professora: “Que comidas são típicas do São João?”.

Alunos: “Milho, canjica, pamonha, bolo-de-milho, pé-de-moleque,

cajuzinho”.

Professora: “O cajuzinho, embora tenha no livro, não é muito do

costume da gente aqui, no nordeste, porque este livro é para o Brasil

inteiro, para todas as cidades; e eu não sei como é no Sul, mas, no

nordeste, aqui em Recife, no São João, a gente não como mais

cajuzinho do que no normal, né? A gente come cajuzinho quando? O

docinho cajuzinho?”.

Alunos: “Quando vai numa festa”.

Professora: “Quando vai numa festa, independente de ser São João ou

não. O livro da gente traz, mas não é costume nosso comer mais

cajuzinho porque é São João. Mas, a gente come mais canjica no São

João”.

Yarany também fez críticas em relação à escassez de atividades de

apropriação do sistema de escrita alfabético, especialmente nos projetos

iniciais, período de fundamental importância do trabalho de sistematização da

escrita, uma vez que a maioria dos alunos chega à classe da alfabetização com

hipóteses de leitura e escrita ainda muito iniciais.

“No começo deste ano eu fui meio que avessa a ele (...). Eu não

tava conseguindo fazer a mediação entre o livro e o aluno. Então, o

que é que acontecia? Quando a gente seguia o livro ficava meio que

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entediante, porque no começo do ano, algumas das atividades

propostas, eles não conseguiam entender (...). Agora, que a gente já

tá nesse processo mais engajado de leitura, de produção de texto, e

etc., aí eu tô conseguindo tirar mais proveito dele” (YARANY).

Ambas as professoras perceberam alguns limites do livro didático, como

ficou evidenciado em suas falas e práticas. Elas estiveram sempre atentas,

buscando contextualizar as atividades presentes, como, também,

acrescentaram outras, quando sentiram que era necessário. Elas fizeram

críticas ao material, embora não tenham deixado de usá-lo. Quando foi preciso,

as professoras “re-inventaram” as propostas de atividades, presentes no livro, e

fabricaram outras.

Algumas considerações sobre o uso do livro

Como já havíamos citado no início deste capítulo, o livro didático tem-se

tornado um instrumento de formação das professoras e elas acreditam que, na

medida em que se trabalha com este material, suas práticas podem ser

enriquecidas e aprimoradas. Conceição destacou, por exemplo, como ponto

positivo, o fato de estar usando o livro didático pelo segundo ano consecutivo,

como já foi citado anteriormente.

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145

A familiarização com o livro didático facilita o seu uso e possibilita uma

maior exploração de suas propostas. O Programa Nacional do livro Didático10

2004 propõe uma escolha válida por três anos e, embora os manuais didáticos

de alfabetização sejam consumíveis, a seleção permanece a mesma, só

podendo ser modificada no próximo ano de escolha. Consideramos que essa é

uma boa opção, pois, em função do que pudemos observar na prática dessas

duas professoras, existe a necessidade de um “período” que possibilite a

apropriação do material e de muitas possibilidades de seu uso.

Além das questões de regionalização do livro didático e das poucas

atividades de apropriação do sistema de escrita alfabético, outros aspectos

foram levantados pelas professoras. Yarany, por exemplo, ressaltou a

repetição de textos em livros de diferentes áreas, mas, de um mesmo nível de

ensino ou, em livros de Língua Portuguesa de diferentes níveis de ensino.

“Uma vez eu tava brincando com uma amiga minha que o

construtivismo veio com aquela idéia de construir; do ritmo; do

individual; das propostas que não podem ser empregadas como

receitas. Mas, às vezes, a gente tem estas receitas. Quantos livros

didáticos, incluindo o LPT, traz, por exemplo, a questão da

identidade, trabalhando aquele texto de Pedro Bandeira, que é do

nome, né? ‘Por que eu me chamo isso e não me chamo aquilo? Por

que o jacaré não é crocodilo?’ Quer dizer, 90% dos livros trazem a

identidade, o registro de identidade, para ser aplicado. Eu até brinco

com isso: eu não agüento mais ver cédula de identidade e certidão

10 PNLD

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146

de nascimento, porque você imagina uma criança… que agora o

livro de história e geografia traz [sic]. o livro de linguagem traz, o livro

de matemática traz. para ver os aspectos matemáticos do registro.

Então, o aluno já fez isso. Ótimo! Já fez igual, este tipo de atividade,

três vezes, em três áreas diferentes. Quando vem o ano que vem,

que ele não é mais alfabetização, mas é primeira série, ou ele é 2º

ano, 1º ciclo, normalmente os livros trazem de novo; e alguns de

segunda série ou do 3º do 1º ciclo vêm novamente com esta

atividade (...) Então, eu vejo, também, no LPT aquele texto das

‘borboletas brancas, azuis, amarelas e pretas brilham na luz’ ...

Muitos e muitos livros trazem esta poesia. Será que só existe esta

para tá trabalhando?” (YARANY).

Na perspectiva do letramento e do trabalho interdisciplinar, muitos livros

didáticos de outras áreas, além dos de língua portuguesa, passaram a incluir,

aliado às suas tarefas específicas, diferentes gêneros de textos, abrangendo os

textos de literatura infantil. Assim, livros recomendados pelo PNLD de

diferentes áreas propõem, para um mesmo nível de ensino, a leitura de textos

semelhantes. Esse fato pode estar relacionado à necessidade de que os textos

sejam de autores consagrados. O interessante é que este mesmo “requisito”

acaba por limitar as possibilidades de seleção textual e, muitas vezes, bons

textos não são utilizados por não terem sido escritos por “autores

consagrados”.

Assim, o próprio programa de avaliação do livro didático entra em

contradição quando exige que haja materiais de autores com

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147

representatividade no espaço da produção literária e solicita diversidade de

época, região, nacionalidade. As atuais avaliações do PNLD constataram a

presença de textos idênticos, de autores consagrados, nos mais diferentes

livros de alfabetização, e, agora, Yarany chama-nos a atenção para o fato de

que os mesmos textos estão atingindo outras áreas do conhecimento. Nessa

perspectiva, cabe ao professor tentar fazer uma integração entre os materiais

que possui. Para isso, ele precisa conhecer bem todos os livros com os quais

vai trabalhar, tarefa nem sempre fácil de ser realizada, pois, muitas vezes, os

livros chegam com atraso às escolas ou, mesmo, não há livros didáticos

suficientes para todos os alunos e não há manuais do professor suficientes

para todos os mestres. Também, cabe aos autores e aos avaliadores dos livros

didáticos estarem atentos para esse fenômeno.

Enfim, as professoras compreendem que o ofício de um professor não

pode estar centrado exclusivamente em um material e que ”a prática” é

construída por diversos saberes e fazeres:

“Eu também não tenho aquela expectativa, nem aquela vontade de

ter um livro ideal, porque eu acho que o livro é um suporte do

trabalho da gente e se o livro não tá dando certo, usa dentro das

coisas boas que ele traz e você completa com seu trabalho, com

atividades diferentes em sala de aula, o que você acha que tá

faltando, que tá deixando a desejar. Ele não traz esta questão da

decodificação, né? do sistema alfabético; ele praticamente não trata”

(YARANY). .

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148

“E, aí, a gente tava sentindo necessidade disso (...) Os livros de

agora, muitos dão mais questão ao que se chama de letramento,

que é a seção, a função social da língua, etc., e não se deparam que

a criança tá tendo que ter uma aquisição; ela tá formulando uma

aquisição do código alfabético; que ele tem normas cultas, tem

normas fixas, tem coisas que são explicadas e outras que são

regras. E eles não tão levando muito isso em conta. Por isso que eu

acho que um meio termo seria... “ (ela interrompe a sua fala)

(YARANY).

“Um meio termo”, na fala dessa professora seria exatamente o que elas

fazem/fabricam no cotidiano de sala de aula, ao utilizarem o livro didático e

mais as outras atividades de leitura realizadas, além do livro didático, que

serão discutidas no próximo capítulo.

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CAPÍTULO 5 – PRÁTICAS DE LEITURA NA ALFABETIZAÇÃO: além do livro didático

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Neste capítulo, discutiremos sobre as práticas de leitura desenvolvidas

nas salas das professoras investigadas e que não envolviam o uso do livro

didático. Para tal, analisaremos as entrevistas realizadas com as docentes e as

aulas observadas. Procuraremos destacar as seguintes questões: Quais

materiais eram lidos na sala de aula? Para que eram lidos? Quem lia? Quais as

prováveis relações entre os gêneros lidos, suas finalidades e os modos de

leitura? Procuramos, também, saber sobre suas práticas de leitura em torno

dos livros de literatura infantil e a disponibilidade desses materiais para leitura

dentro e fora da sala de aula.

5.1 – O que se lia em sala de aula?

Como já foi apresentado no capítulo 3 desta dissertação, as

observações da dinâmica das salas de aula das professoras ocorreram durante

o ano letivo de 2003 e corresponderam a um total de 29 aulas observadas, das

quais 22 foram da professora Yarany (no período de março a novembro) e 7 da

docente Conceição (correspondendo ao período de outubro a dezembro).

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151

Apresentaremos, a seguir, duas tabelas, sendo uma para cada

professora, e que se destinam à explicitação da freqüência sobre os dias de

aulas observados e de leitura de diferentes materiais. Também gostaríamos de

salientar que, embora estejam incluídas nessas tabelas as atividades de leitura

referentes ao uso do livro didático, elas não serão aqui novamente analisadas.

Apenas as relacionamos para que pudéssemos melhor visualizar como estão

distribuídas as atividades de leitura de cada uma das professoras.

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1

1

1

1

1

1

7 20,00%

Tex

tos

do li

vro

didá

tico

LPT

1

1

1

1

1

5 14,29%

Tex

to

cole

tivo/

info

rmat

ivo

0

0,00%

To

tal a

tivi

dad

es

3

2

1

2

2

1

1

3

2

1

1

2

1

3

2

1

1

0

2

3

1 35 100,0%

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153

Como pudemos perceber, Yarany realizou atividades de leitura em

quase todos os dias de observação (com exceção do dia 25/09) e os materiais

lidos eram variados. A maior freqüência incidiu sobre as atividades de leitura de

textos, correspondendo a um total de 62,87% de todos os materiais destinados

à leitura. O restante do material que foi lido (37,13%) esteve dividido entre as

categorias leitura de palavras/rótulos e enunciados de tarefas. Ainda

analisando a tabela, observamos que os textos destinados à leitura variaram, o

que representa uma significativa preocupação, por parte da professora, com o

repertório textual que foi lido para as crianças.

Quando indagamos a Yarany a respeito de suas práticas de ensino da

leitura, ela mencionou o porquê de considerar importante ler e, também, o

porquê de ler diferentes textos:

Gráfico 8. Divisão de atividades Yarany

34,29%

0,00%

2,86%

2,86%

2,86%

2,86%

20,00%

14,29% 0,00%

14,29%5,71%

Livros de literatura

Música

Cartas/cartões

Questões para entrevista

Bilhete informativo para ospaisEnunciado de tarefa

Dicionário

Poema

Palavras/rótulos

Textos do livro didático LPT

Texto coletivo/informativo

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154

“Todos os dias eu leio. Agora, nem todos os dias eu leio livros para-

didáticos; leio várias coisas (...). Ler, todos os dias, é imprescindível.

Se eu não ler, eu não me comunico. É essencial que eu leia, para

estabelecer, também, o diálogo, realmente. Muitas de nossas

atividades pressupõem a leitura como uma forma de entender o que

aquela atividade se propõe (...)” (YARANY).

A leitura de livros de literatura infantil apresentou a maior freqüência de

todos os materiais lidos, correspondendo a um total de 34,29%. Na sua

entrevista ela justificou essa opção:

“A minha proposta era de ler todos os dias o livro para-didático. Por que

o livro para-didático? Porque eu acho que retoma. Também. a questão da

fantasia, do que eles têm à mão, do alcance. É um momento coletivo, muito

gostoso. Então, acho que é importante preservar” (YARANY).

Podemos observar, também, que a segunda maior freqüência esteve

relacionada à leitura de palavras/rótulos, com um total de 7 atividades (20%),

bem distribuídas ao longo de todo o ano letivo. Acreditamos que essas

atividades também receberam destaque, pois, como o grupo de alunos desta

professora estava em processo de alfabetização, a preocupação com a

leitura/reflexão também em cima de palavras era bastante significativa. A partir

de nossa análise e também da observação feita pela professora, constatamos

que o livro didático Letra, Palavra e Texto apresentava poucas atividades que

possibilitassem reflexões sobre o sistema de escrita alfabético. Assim, uma boa

opção para complementar as lacunas presentes no livro didático seria, de fato,

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155

também fazer explorações sobre a constituição de palavras em atividades

extras. Observamos que a professora Yarany conseguiu fazer isso, na medida

em que trazia para sala de aula variados gêneros de circulação social, mas,

também, proporcionava atividades no nível das palavras, pois, a alfabetização

possui suas peculiaridades e apenas o contato com diversos textos não

garantiria que os alunos se alfabetizassem.

Ao analisarmos a dinâmica da sala de aula da professora Conceição

(vide tabela 9), constatamos que a prática de leitura de textos também

prevaleceu, com um total de 50% de todas as atividades propostas. Os textos

lidos apresentaram variedade de gênero e de função social. Conceição, em sua

entrevista, deu o seguinte depoimento:

“Na alfabetização, eu acho que é importante você sempre trazer

textos ligados ao dia-a-dia deles, ao mundo, sabe? Não é só o texto

literário, o texto que tenha relação com as outras disciplinas, e,

também, o contato deles com os diversos portadores de leitura”

(CONCEIÇÃO).

As atividades de exploração de palavras/rótulos também apareceram

com a segunda maior freqüência na sala desta professora, apresentando um

total de 40% de todas as atividades de leitura, como veremos a seguir:

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156

Tabela 9: O Que se Lia na Sala de Aula de Conceição (total de 7 aulas observadas)

Atividades/Dias observados

Out Nov Dez Total

28 4 10 18 2 4 18

Livros de literatura 3 1 4 19,05% Música 1 1 4,76% Cartas/cartões 2 2 9,52% Questões para entrevista 0 0,00% Bilhete informativo para os pais

0 0,00%

Enunciado de tarefa 1 1 2 9,52% Dicionário 0 0,00% Poema 0 0,00% Palavras/rótulos 1 1 2 2 1 1 8 38,10% Textos do livro didático LPT 1 1 2 9,52% Texto coletivo/informativo 1 1 2 9,52% Total atividades 2 2 6 3 2 3 3 21 100%

Gráfico 9. Divisão de Atividades Conceição

19,05%

4,76%

9,52%

0,00%

0,00%

38,10%

9,52%9,52%

0,00% 9,52%0,00%

Livros de literatura

Música

Cartas/cartões

Questões para entrevista

Bilhete informativo para ospaisEnunciado de tarefa

Dicionário

Poema

Palavras/rótulos

Textos do livro didático LPT

Texto coletivo/informativo

Conceição também conciliava, sempre que possível, o trabalho de leitura

de textos (fossem eles textos de circulação real, fossem eles do livro didático)

com explorações/reflexões no nível da palavra, afirmando, em sua entrevista,

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157

que o livro didático precisava ser complementado. Embora ela não tenha

explicitado quais eram as lacunas presentes no livro didático, no que se refere

ao trabalho de apropriação da escrita, isto ficou claro em um trecho de sua fala:

“Eu acho que foi muito bom este livro, mas a gente também

trabalhou com muito material de suporte, né? As atividades, essas

de leitura que a gente faz, que pega cartelas com figuras e com

letras móveis. (...), eu tenho muitos jogos que têm palavrinhas e

sílabas para eles irem identificando e colocando nas cartelas; ver a

figura e procurar estas letrinhas para encaixar. Tem um dominó de

figuras, com palavras, certo? E, sempre assim, com historinhas, a

gente vai trabalhando (...)” (CONCEIÇÃO).

Ainda de posse da tabela, constatamos que a leitura de livrinhos de

literatura infantil representou a segunda maior freqüência, com 4 atividades

(total de quase 20%). Observamos na prática de Conceição o incentivo à leitura

desse tipo de livro, nas mais diversas situações. Era muito comum, por

exemplo, na prática desta professora, o empréstimo de livrinhos para que seus

alunos pudessem levar para casa e desfrutar da leitura com seus familiares.

Sobre esse aspecto, Conceição pontuou:

“(...) Se você ler Geraldi, você vai ver um trabalho que eu já fazia: de

você dar os livros e não cobrar aquela fichinha de leitura, (...) que

aquilo ali, nenhum aluno gosta; não tá lendo porque gosta de ler, tá

lendo para responder as fichas e; muitas vezes; ele nem lê direito,

só vai ver onde tá a resposta daquela ficha. Então; não adianta! O

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158

prazer da leitura não existiu; existiu uma obrigação (...). Lógico que

você vai falar naquele livro, vai falar naquele autor, mas tem certas

coisas que não precisa (...). Eu acho que a questão do não gostar de

ler é porque se botam livros muito desinteressantes. Você viu um

trabalho que eu fazia, que é dar livros sem cobrar aquela ficha de

leitura (...). Eu empresto os livros, mas não tem que fazer ficha (...)”.

(CONCEIÇÃO).

Nas práticas das duas professoras, os momentos de leitura de livros de

literatura infantil eram muito apreciados pelos alunos. As duas docentes

também organizaram estratégias diferentes para realizarem a leitura, como, por

exemplo, permitindo que seus alunos selecionassem, dentre os materiais

disponíveis em sala, quais gostariam de ouvir. Embora, na grande parte das

vezes, as professoras decidissem o que ler, os alunos, também, podiam optar e

sugerir outros materiais.

Na sua entrevista, Yarany falou sobre essas escolhas, quando

questionada sobre quem escolhia os materiais a serem lidos:

“Eu, tu, ele, nós, vós, eles (risos). Eu escolho, eles escolhem, o

bauzinho, que é a caixinha, às vezes, escolhe também, porque no

começo do ano foi assim, eu já peguei o que tinha dentro do baú. Eu

não tirei nem botei nada; dei uma olhada… Então, é por isso que eu

digo ‘eu, tu, ele, nós, vós eles’, porque eu não sei quem escolheu

aqueles determinados livros que estavam lá, mas foram objeto de

leitura de vários... Acho que vários meses na sala de aula. E eles

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159

trazem muita coisa. Eu levo, às vezes, dou sugestões… É assim

(...)” (YARANY).

Ambas as professoras procuraram oferecer aos seus alunos variadas

situações de leitura, possibilitando que as crianças se familiarizassem com os

mais diversos gêneros de textos e com diferentes tipos de discurso. As duas

professoras estiveram sempre atentas à escolarização das práticas sociais de

leitura e escrita e, como observamos, em função do gênero/tipo ou atividade de

leitura, Yarany e Conceição decidiam quais eram os objetivos daquela leitura e

como os materiais seriam lidos, como poderemos observar na próxima seção.

5.2 – Para que se lia em sala de aula?

A partir das nossas análises, identificamos que as principais atividades

de leitura estavam relacionadas ao gênero literatura infantil e à leitura de

palavras/rótulos. Nesta seção, interessa-nos saber por que esses

textos/materiais eram lidos. Observemos a tabela que apresenta as finalidades

de leitura para cada um dos materiais destinados a ela11:

11 Destacamos que, em muitas situações, existe mais de uma finalidade de leitura para um mesmo texto.

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160

Tabela 10: Para Que se Lia na Sala de Aula de Yarany

Material lido/Finalidades de leitura

Leitura deleite

Realizar atividade

Para "aprender a ler"

Para se informar

Total

Livros de literatura 11 2 3 16 38,10% Música 0 0,00% Cartas/cartões 1 1 2,38% Questões para entrevista 1 1 2 4,76% Bilhete informativo para os pais

2 1 3 7,14%

Enunciado de tarefa 3 2 5 11,90% Dicionário 1 1 2,38% Poema 1 1 2 4,76% Palavras/rótulos 2 5 7 16,67% Textos do livro didático LPT 4 1 5 11,90% Texto coletivo/informativo 0 0,00%

12 13 14 3 42 100% Total atividades

28,57% 30,95% 33,33% 7,14%

Gráfico 10. Objetivos de Leitura Yarany

28,57%

30,95%

33,33%

7,14%Leitura deleite

Realizar atividade

Para "aprender a ler"

Para se informar

Na prática da professora Yarany, as finalidades de leitura apresentaram-

se de forma bastante equilibrada, ficando apenas a leitura com o objetivo de se

informar com um percentual baixo. A leitura deleite apareceu como um dos

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161

objetivos de leitura (total de 28,57%) e esteve diretamente relacionada à leitura

de livros de literatura infantil e de cartas/cartões.

Os modos de leitura para a realização de atividades e para aprender a

ler corresponderam, respectivamente, a um total de 30,95% e 33,33%.

Consideramos importante destacar que essas duas finalidades foram

exploradas em quase todos os materiais destinados à leitura (a única exceção

foi a leitura de cartas/cartões, realizada com o único objetivo de deleite).

Também é imprescindível destacar que alguns dos materiais lidos

possuíam mais de uma finalidade. Tomemos, mais uma vez, o exemplo da

leitura de livros de literatura infantil, cujo total de materiais lidos correspondeu a

12, mas o quantitativo de finalidades de leitura para esse material chegou a 16:

em 11 situações, a professora (ou os alunos) leu para deleite; em 2 momentos;

leu para realizar atividades e, em 3 situações, os livros também foram

utilizados com o objetivo de explorar o sistema de escrita alfabético.

Vejamos como a professora Yarany conseguiu aliar a leitura deleite ao

ensino de sistema de escrita alfabético, em uma atividade de leitura de livro de

literatura infantil, confirmando a hipótese de que um mesmo material possuía

finalidades diferentes:

No dia 12/03/2003, a professora Yarany levou um livro de literatura

infantil para sala de aula (O que aconteceu no caldeirão da bruxa?, de Sônia

Junqueira), mas não disse aos alunos o título do livro e nem a autoria.

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162

Ela apenas escreveu no quadro alguns traços que correspondiam à

quantidade de letras presentes no nome, como reproduzido a seguir:

TÍTULO: _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _

AUTOR: _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _

A professora realizou uma leitura protocolada. Iniciou explorando as

ilustrações e buscando levantar as hipóteses do que iria acontecer na história.

A cada página lida, Yarany confirmava a hipótese inicial e levantava outras.

Ao final da leitura, ela questionou o grupo sobre qual título eles dariam à

história e as crianças sugeriram nomes diversos. Em alguns momentos, as

sugestões de títulos não coincidiam com o enredo da história e Yarany

retomava as relações existentes entre o título proposto e a história ouvida. As

crianças se aproximaram bastante do título real do livro e a docente indicou

que a resposta estava certa, escrevendo, logo em seguida, o título no espaço

que ela havia selecionado no quadro.

Enquanto ela ia escrevendo as opções sugeridas, perguntava aos

alunos que letras ela deveria usar; que “sons” faziam determinadas sílabas;

entre outros aspectos explorados.

O mesmo procedimento foi feito com a escrita do nome da autora.

Yarany solicitou que seus alunos dissessem que letras eles imaginavam estar

ali (como na brincadeira da “forca”) e, ao passo em que os alunos respondiam

corretamente, ela ia escrevendo as letras para completar a palavra. Em um

dado momento, quando a letra S já havia assumido a sua posição correta, um

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163

aluno antecipou a leitura indicando que o nome da autora era Silvana. Yarany

refletiu sobre a quantidade de letras necessárias para a escrita da palavra

Silvana sobre o tracejado que havia feito no quadro. Os alunos perceberam

que essa não era uma opção possível e começaram a levantar outras

hipóteses.

Na medida em que as letras iam completando a palavra, a professora ia

lendo as sílabas que eram formadas, até o momento em que um dos seus

alunos antecipou a escrita de Sônia, e ela escreveu as letras que faltavam para

completar a palavra.

Quando o título e a autoria já haviam sido “descobertos”, Yarany

apresentou a capa do livro para os alunos, mas não teve tempo de ler/localizar

essas informações com eles.

A partir da descrição da aula da professora Yarany, podemos perceber

como ela procurava escolarizar as leituras literárias, buscando adequar sua

prática aos novos referenciais teórico-metodológicos para o ensino de língua

portuguesa que defendem a necessidade de um “alfabetizar-letrando”. Ao

mesmo tempo em que fazia a leitura do livro, ela realizava atividades ligadas à

compreensão da história e à aquisição do sistema de escrita alfabético, ao

solicitar que os alunos dissessem o título da história e soletrassem as palavras.

As duas únicas situações de leitura que possuíram finalidades ímpares

foram as de leitura de cartas/ cartões e a de leitura de dicionário (leitura para

deleite e para se informar, respectivamente). Vejamos como ela desenvolveu a

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164

aula em que realizou a leitura, exclusivamente, para o deleite, mas que

também buscava escolarizar práticas sociais de leitura:

No dia 06/06/2003, Yarany levou para a sala de aula as cartinhas que

ela havia escrito, em agradecimento aos seus alunos, pois, eles, também,

haviam escrito para ela mensagens de amor e carinho no quadro de sua sala.

A professora solicitou a ajuda de algumas crianças para auxiliarem na

distribuição das cartas e nomeou-os de carteiro, aproveitando o momento para

discutir com os alunos qual a função de um carteiro; quais os elementos

necessários para o envio de uma carta; entre outros.

Essas crianças leram os destinatários das cartas e começaram a

distribuição. Cada aluno que recebesse sua correspondência poderia lê-la e

compartilha-la com as outras crianças. Algumas delas ainda não conseguiam

ler alfabeticamente e realizaram a pseudoleitura do material. Yarany sugeriu

que, quem ainda não conseguisse ler, solicitasse a ajuda de algum colega já

em condições de fazê-lo. E os alunos leram uns para os outros.

Em um dado momento, observamos que duas meninas estavam juntas,

lendo seus materiais: uma delas já lia com desenvoltura enquanto, a outra,

não. Na medida em que a primeira criança ia realizando a leitura e

pronunciando as sílabas iniciais de cada palavra, a segunda aluna buscava

antecipar o que ia ser lido, “completando” a leitura com outras palavras que,

embora não houvessem sido escolhidas pela professora no momento da

escrita da carta, também estavam dentro do contexto.

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165

Após essa atividade, Yarany sugeriu a criação de um “correio” em sala

de aula e todos deram início à listagem coletiva de que materiais precisariam

para criar um correio.

Em sua entrevista, Yarany lembrou esta atividade, apontou o motivo de

sua realização e justificou a importância de se trabalhar em sala de aula a partir

de textos reais:

“Uma coisa que foi muito rica na sala foi que, um dia, eles fizeram

uma surpresa. Eu tinha saído da sala, fui falar com a outra

professora da sala vizinha e quando eu voltei, eles tinham feito uma

surpresa: tinham apagado as luzes, se escondido embaixo das

bancas, e botaram no quadro coraçãozinho, florzinha, beijos e

mensagens de ‘tia, te adoro’. Os que já estavam escrevendo

alfabeticamente, escreveram, os outros desenharam (...). Depois, eu

levei uma cartinha para cada um. E como aquela carta foi rica! Até

eu, mesma, me surpreendi. Parecia um presente, dos melhores que

a gente já recebeu na vida (...). Eu acho que foi porque ali, a leitura

era uma leitura verdadeira; ela possuía um motivo verdadeiro. Era

um agradecimento à surpresa que eles fizeram; era um pedido para

os que estavam faltando, não faltassem (...). Quer dizer, eram

motivos verdadeiros; era o dia-a-dia; era a vida de cada um (...)”

(YARANY).

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166

Observamos uma preocupação da professora em escolarizar as práticas

sociais de leitura. Na entrevista, ela pontuou o que seria letramento e como

trabalhar nessa perspectiva:

“’Mas, o que seria o letramento?’ Eu procuro tratar assim: o que é

um processo de letramento na minha sala de aula? É o fato do aluno

interagir com o livro, por exemplo, interagir com o mundo, com

outros aspectos, através de leituras. Eu acho que isso aí é

letramento. Pro letramento acontecer, eu acho que ele pressupõe a

decodificação do código. Por quê? Não existe processo completo de

letramento sem leitura, sem escrita. Aí, fica bem claro: se um aluno

tá lendo, realizando só a pseudoleitura ou a leitura de imagens, ele

não tá com o processo de letramento dele completo, porque

pressupõe um acesso à língua escrita. Eu acho isso. Agora,

também, não tá somente restrito à decodificação. É o acesso e a

interação que ele faz com isso e com o mundo, através disso”

(YARANY).

Já no cotidiano da sala da professora Conceição, as finalidades de

leitura mais recorrentes também foram as de leitura para realizar atividade

(33,33%) e leitura para “aprender a ler” (50%), como pode ser observado na

tabela 11.

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167

Tabela 11: Para Que se Lia na Sala de Aula de Conceição

Material li do /Finalidades de leitura

Leitura deleite

Realizar atividade

Para "aprender a ler"

Para se informar

Total

Livros de literatura 2 2 1 1 6 20,00% Música 1 1 3,33% Cartas/cartões 1 1 1 3 10,00% Questões para entrevista 0 0,00% Bilhete informativo para os pais

0 0,00%

Enunciado de tarefa 2 2 6,67% Dicionário 0 0,00% Poema 0 0,00% Palavras/rótulos 3 8 11 36,67% Textos do livro didático LPT 2 2 4 13,33% Texto coletivo/informativo 2 1 3 10,00%

3 10 15 2 30 100% Total atividades

10,00% 33,33% 50,00% 6,67%

Gráfico 11. Objetivos de Leitura Conceição

10,00%

33,33%50,00%

6,67%Leitura deleite

Realizar atividade

Para "aprender a ler"

Para se informar

Percebemos que Conceição também atrelava mais de um objetivo à

leitura de um material, especialmente no que se referia aos livros de literatura

infantil. Esta docente leu um total de 4 livros de literatura infantil, durante o

período em que presenciamos suas aulas e pudemos observar que essas

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168

leituras envolveram sempre mais de uma finalidade, como, por exemplo, a

leitura para o deleite, mas, também, para a realização de atividades.

Observemos como ela fazia isso na prática:

No dia 10/11/2003, Conceição levou para sala de aula o livro de

literatura infantil Frevolina (Jane Siqueira). Ela já havia combinado com os

alunos que, no final daquela semana, seria a apresentação de seus alunos na

feira de conhecimentos da escola e o tema escolhido para exposição era o

frevo.

Ao mesmo tempo em que iniciou a leitura do livro, Conceição conversou

com os alunos e disse-lhes que, antes deles aprenderem os passos

propriamente ditos do frevo, eles iriam escutar uma história que falava sobre

uma sombrinha de frevo (ela também aproveitou para cantar algumas músicas

carnavalescas com seus alunos).

Depois, a docente disse o título do livro e perguntou aos alunos como

eles imaginavam que se escrevia esse nome. Os alunos responderam e a

professora fez uma rápida exploração oral sobre a quantidade de letras e de

sílabas que possuía a palavra. Em seguida, ela apresentou a capa do livro e

disse o nome da autora.

O seu grupo de alunos mostrou-se motivado e participativo. Além de dar

entonação à sua voz, para dar mais realismo à história, Conceição fez uso de

uma sombrinha de frevo verdadeira, para ir contando a história.

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169

Ela preferiu não mostrar todas as ilustrações de imediato e solicitou que

alguns alunos viessem à frente da sala, portando a sombrinha para representar

o que dizia a história.

Quando finalizou a leitura, Conceição folheou o livro, mais uma vez, e

pediu a seus alunos que eles recontassem a história a partir das ilustrações.

Quando o grupo terminou essa atividade, a professora passou à exploração da

palavra FREVOLINA, registrando no quadro às respectivas quantidades de

sílabas e letras que a palavra possuía. Também aproveitou o momento para

explorar a palavra FREVO, seguindo a mesma dinâmica de observar quantas

letras/sílabas possuía a palavra.

Conceição lembrou aos alunos que esse era mais um trabalho a ser

apresentado na feira de conhecimento e “propôs” que cada criança do grupo

desenhasse sua própria frevolina e lhe desse um nome para ser exposto no dia

da feira. As crianças realizaram a atividade.

Após a conclusão, a professora solicitou que os alunos apresentassem

seus trabalhos uns para os outros e que todos socializassem os nomes que

haviam dado ao desenho, para que o mais votado da sala representasse o

grupo no dia da exposição dos trabalhos.

Os alunos foram dizendo os nomes e a docente foi escrevendo-os no

quadro, chamando atenção para como se escrevia cada um dos nomes ditados

por eles.

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170

Ao final, Conceição solicitou que as crianças lessem todos os nomes

sugeridos, em voz alta (e para tal, ela ia apontando para a palavra escrita no

quadro) e que escolhessem, por meio de votação, o nome que melhor

representaria a idéia do grupo.

Como vimos, essa professora também esteve preocupada em conciliar

os momentos de leitura deleite com outros objetivos. É importante

considerarmos a preocupação que Conceição demonstrou em cada um de

seus planejamentos. Isto ficou evidente nessa atividade, porque ela

proporcionou que seus alunos escutassem histórias, mas, também, escolheu

um material que se ajustava à exploração da temática “frevo”. Por fim, aliou

tudo isso à preocupação em alfabetizar seus alunos na perspectiva do

letramento (que aponta para uma alfabetização baseada em práticas sociais de

leitura e escrita). Na entrevista, referindo-se à primeira vez em que ouviu a

expressão letramento, ela mencionou essa preocupação:

“Foi num curso de capacitação da prefeitura. O curso foi justamente

falando sobre essa questão, porque com esta questão do ciclo, as

pessoas estão pensando que os meninos estão mudando de ano

sem saber ler. Das questões, a que todo mundo vive preocupado é

essa da leitura, né? Então, a gente tem tido muitas capacitações

neste aspecto, mostrando que a alfabetização não é só ele ler; tem

que compreender. Então, o letramento é a leitura com compreensão,

né?” (CONCEIÇÃO).

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Ainda observando as tabelas de número 10 e 11, ressaltamos que as

atividades destinadas ao deleite, na prática das duas professoras, estavam

diretamente relacionadas à leitura de livros de literatura infantil.

Assim, também consideramos importante destacar quem lia essas

histórias, uma vez que, como já nos referimos no capítulo que analisou o livro

didático Letra, Palavra e Texto, em função de gênero, os modos de leitura

poderiam variar também de leitor.

A seguir, discutiremos quem lia as atividades de leitura e quais aspectos

as docentes priorizaram neste trabalho.

5.3 – Quem lia?

A partir da análise dos objetivos presentes em cada uma das situações

de leitura, interessou-nos compreender como as professoras conduziam as

práticas de leitura. A tabela 12 apresenta os modos de leitura dos diferentes

materiais, na prática da professora Yarany:

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Tabela 12: Quem Lia na Sala de Aula de Yarany

Atividades de leitura/Modo de leitura

Professor lia para os

alunos

Alunos liam

sozinhos

Professor lia com alunos

Alunos liam para colegas

Alunos liam para

o professor

Livros de literatura 4 2 4 3 2 Música

Cartas/cartões 1 1 Questões para entrevista 1 1

Bilhete informativo para os pais

1

Enunciado de tarefa 2 1 1 1 Dicionário 1

Poema 1 1 Palavras/rótulos 7

Textos do livro didático LPT 4 3 Texto coletivo/informativo

11 17 6 5 3 Total atividades

26,19% 40,48% 14,29% 11,90% 7,14%

Gráfico 12. Modos de Leitura Yarany

26,19%

40,48%

14,29%

11,90%7,14% Professor lia para os alunos

Alunos liam sozinhos

Professor lia com alunos

Alunos liam para colegas

Alunos liam para o professor

Analisando a tabela, percebemos que em 73,81% das situações os

alunos liam os materiais e em 40,48%, desses momentos, os alunos liam sem

qualquer tipo de ajuda. Perceberemos que o “quem lê” está relacionado a

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diferentes aspectos, como, por exemplo, o material lido, o nível dos alunos e,

mesmo, os objetivos propostos com aquela leitura.

Para melhor compreendermos a tabela de número 12 (quem lia), é

importante retornarmos à tabela de número 8, para observarmos o que liam os

alunos de Yarany. O exemplo das atividades de leitura de livros de literatura

infantil será novamente utilizado, pois, como nos mostra a tabela 8, sua

freqüência de leitura esteve bem distribuída ao longo do ano letivo, mas, “o

leitor” variou de acordo com os meses do ano.

Do início do ano letivo até meados do mês de junho, Yarany realizou

sozinha quase todas as leituras dos livros de literatura infantil. Esta tarefa só foi

dividida com os alunos em duas situações, mas, mesmo assim, nesses

momentos, ela auxiliou as crianças na leitura. Vejamos um exemplo de como

ela fez essa leitura compartilhada, no dia 07/05/2003.

Yarany retomou a tarefa de casa que havia sido realizada no caderno e

que possuía relação com o livro de literatura infantil “O Caracol” (Mary França e

Eliardo França), lido no dia anterior. Após a correção da atividade, a professora

combinou com o grupo que iria ler o livro, mais uma vez, porém, desta vez, os

próprios alunos recontariam a história. Yarany folheou as páginas do livro,

apresentando as ilustrações e as crianças foram “lendo” a história. No entanto,

essa atividade não deu certo, pois, a velocidade de leitura variava muito entre

as crianças e nem todos os alunos liam alfabeticamente. A professora re-

dimensionou a leitura e começou, então, a ler a primeira palavra de cada uma

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174

das páginas. Como o texto era curto e simples, muitos dos alunos já o

conheciam de memória e a leitura pôde ser realizada com tranqüilidade.

A partir de agosto, essa tarefa passou a ser efetivamente compartilhada

com os alunos e, em algumas situações, eles puderam ler histórias para a

professora e para seu grupo de amigos, como foi o exemplo de uma aluna,

Daniele, que, no dia 16/10/2003, solicitou à professora a autorização para ler

para os colegas um conto-de-fada. Yarany não só permitiu que a garota lesse

como também estimulou que outros alunos trouxessem materiais para serem

lidos. Essa foi uma boa opção, pois, a partir do segundo semestre as crianças

já estão com o processo de alfabetização mais fluente e ler materiais mais

longos não era mais uma tarefa tão difícil.

Yarany salientou a preocupação em “assumir” essa posição de leitora de

seu grupo-classe, quando questionada sobre a importância da leitura:

“Ler é fundamental (...) e ele pode ser o desencadeador de alguma

atividade ou como um exemplo, o sentido não é de imitar

exatamente o que eu tou fazendo, mas, no sentido de ver uma

pessoa lendo, ver o dinamismo da leitura, tentar mostrar que aquilo

é uma coisa prazerosa” (YARANY).

Assim, vemos que a variante em relação à escolha do “leitor” se deu em

função do material a ser lido, mas, também, em função das finalidades de cada

uma dessas tarefas. Quando uma atividade destinava-se ao “ler para aprender

a ler” (como era o caso da leitura de palavras/rótulos), as crianças liam. Já a

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175

leitura de textos, nos momentos de deleite, foi dividida entre os alunos e

Yarany.

A leitura dos enunciados de tarefa e a leitura de textos do livro didático

também foram divididas com os alunos, pois, acreditamos que elas requeriam

habilidades mais específicas, como, por exemplo, compreender um comando e

executá-lo ou tentar ler textos mais extensos e, como já havíamos apontado no

capítulo que analisou o livro didático, essa não é uma tarefa fácil para os

alunos em processo de alfabetização e, mais uma vez, uma boa alternativa

seria mesmo dividir essa tarefa entre os alunos e o professor ou escutar o

professor fazê-lo.

Na prática da professora Conceição, o maior percentual se concentrou

nas atividades de leitura do ou com o professor, perfazendo um total de

65,38%. Todos os materiais de leitura também foram lidos pelo professor, pelo

menos uma vez, conforme vemos na tabela a seguir:

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Tabela 13: Quem Lia na Sala de Aula de Conceição

Atividades de Leitura/Modo d e leitura

Professor lia para os alunos

Alunos liam sozinhos

Professor lia com alunos

Alunos liam para colegas

Alunos liam para o professor

Livros de literatura 4

Música 1 1

Cartas/cartões 1 1 1

Questões para entrevista

Bilhete informativo para os

pais

Enunciado de tarefa 2

Dicionário

Poema

Palavras/rótulos 1 7 1

Textos do livro didático LPT 2 2

Texto coletivo/informativo 2

10 8 7 1 0 Total atividades

38,46% 30,77% 26,92% 3,85% 0,00%

Gráfico 13. Modos de Leitura Conceição

38,46%

30,77%

26,92%

3,85% 0,00%Pro f e rs s o r lia p ara o s a lun os

A lu no s liam s o z in ho s

Pro f e s s or lia c om a lu no s

A lu no s liam pa ra c o le ga s

A lu no s liam pa ra o p ro f e s s or

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Com uma freqüência 30,77% a leitura de materiais por parte dos alunos

foi realizada essencialmente através do trabalho com palavras/rótulos. Se

considerarmos a tabela número 2, que aponta para os dias em que ocorreram

as atividades de leitura, veremos que Conceição realizou-as com grande

freqüência nos dois meses em que observamos sua sala de aula, mesmo em

se tratando do final do ano, período em que se supõe que os alunos já estão

com razoável domínio do sistema de escrita e que já teriam condições de ler

materiais mais extensos, com maior autonomia. Ainda assim, nas situações de

leitura de rótulos/palavras, atividade diretamente relacionada à leitura para

“aprender a ler”, em alguns momentos ela leu, buscando fazer uma maior

exploração sobre os sons de parte das palavras lidas e, em outras situações,

os alunos leram sozinhos.

Embora não tenhamos presenciado nenhuma situação em que os

próprios alunos leram sozinhos os livros de literatura infantil, sabemos que

essa era uma prática adotada por Conceição, pois, no dia 28/10/2003, nós

observamos o recolhimento desse material: a professora possuía uma lista com

os nomes de cada uma das crianças e com os títulos dos livrinhos que elas

haviam escolhido, sozinhas, e levado para casa, na intenção de compartilhar a

leitura com os familiares. A docente não fez nenhuma retomada ou exploração

acerca dessa leitura, apenas recolheu os livros e questionou se as crianças

tinham gostado dos materiais que haviam levado.

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Já em sala de aula, os livros de literatura infantil foram lidos sempre pela

professora e acreditamos que isso se deu porque esses textos, geralmente,

são mais longos e para que haja, de fato, uma compreensão, algumas

habilidades (tais como entonação, conhecimento de vocabulário, fluidez, entre

outras) são necessárias e muitas delas não são fáceis de serem encontradas

em crianças ainda em processo de alfabetização.

Também acreditamos que isso se deu porque compreendemos que a

prática social de escuta de histórias é de fundamental importância, sobretudo

nessa faixa etária, cuja tarefa do “professor-leitor” é de grande valor na

formação de leitores. O professor exerce o papel de “leitor-modelo” ou “leitor-

experiente” e é uma referência para os alunos ainda em processo de

alfabetização.

Gostaríamos de salientar que uma análise de caráter mais longitudinal,

que nos proporcionasse acompanhar mais detalhadamente as variações nas

escolhas dos leitores na sala da professora Conceição, não foi possível, pois,

devido à dificuldade em encontrar uma professora disponível para a nossa

pesquisa, as observações na sala desta docente começaram tardiamente, o

que nos impossibilitou de acompanhar como as situações de leitura evoluíram

em função do nível de apropriação do sistema de escrita alfabética das

crianças.

Como pudemos analisar, as professoras estiveram preocupadas com a

leitura de diferentes materiais ou gêneros de textos. No capítulo 3 desta

dissertação, nós analisamos os textos presentes no Letra, Palavra e Texto e

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concluímos que o livro didático trazia repertório variado. Neste capítulo,

observamos como as professoras conseguiram ir além do uso do livro didático,

propondo que as crianças lessem ricos e variados materiais textuais, a partir de

diversos modos, como também com finalidades diferenciadas, que revelavam

uma preocupação em “alfabetizar-letrando”.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Historicamente os livros didáticos têm se configurado em objetos de

investigação importantes, seja no que está relacionado às concepções

ideológicas geralmente veiculadas, seja na qualidade das atividades propostas.

A partir do advento do PNLD, esse material veio sofrendo alterações e o uso de

livros didáticos recomendados pelo PNLD tem sido priorizado, inclusive, pelo

próprio discurso oficial. A análise deles e de como as professoras utilizam-no

parece ser de grande importância para a compreensão de dois processos:

1. Como tem se efetivado a transposição didática, ou seja, como os

livros didáticos têm transposto para suas atividades os “saberes

científicos” já transformados em saberes a serem ensinados;

2. Como as professoras, de posse desses materiais, fabricam suas

práticas e como estas estão relacionadas com o discurso oficial,

presente nos livros didáticos recomendados no PNLD e utilizado por

elas e, também, veiculado através dos cursos de formação

continuada.

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181

Assim, concluindo este trabalho, gostaríamos de levantar alguns pontos

no que se refere às mudanças nos livros didáticos e às práticas de

alfabetização das duas professoras, os quais consideramos de grande

importância para a compreensão de como as docentes estão construindo seus

saberes, nas próprias ações que realizam no dia-a-dia escolar.

Em relação aos livros didáticos de alfabetização, a partir da análise do

livro Letra, Palavra e Texto, observamos que eles têm se preocupado,

principalmente, em contemplar as discussões sobre letramento, ao inserirem

textos de variados tipos e gêneros. Quanto às atividades de leitura, a indicação

do contexto de produção dos textos propostos para serem lidos, assim como a

exploração de estratégias de leitura, ainda é pouco freqüente. Por se tratar de

um livro de alfabetização, é importante destacar que as atividades que

possibilitam a apropriação do sistema de escrita alfabético são reduzidas.

Estes resultados – que apontam para uma priorização da perspectiva do

letramento, em detrimento das atividades de reflexão sobre as palavras, nos

livros didáticos recomendados pelo PNLD – têm sido apontados por outros

estudos (MORAIS e ALBUQUERQUE, 2004).

Um outro ponto que merece reflexão é sobre o processo de escolha dos

livros didáticos. A secretaria de Educação da cidade do Recife adota a opção

única do livro didático por área de conhecimento, numa estratégia de

homogeneização das práticas, buscando garantir, assim, que elas se

fundamentem na perspectiva teórico-metodológica adotada na rede, o que

significa que, na maioria dos casos, os livros escolhidos pelas professoras na

escola não são os que elas recebem para trabalharem com os alunos. Por

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182

outro lado, existem pesquisas que têm apontado para o fato de as professoras

também não usarem os livros que recebem, o que significa que, mais uma vez,

elas criam outras táticas de uso dos livros didáticos.

No caso específico das professoras investigadas, ambas não

participaram da escolha dos livros de alfabetização, mas utilizaram o livro que

receberam.

O livro didático, na prática das duas professoras, era apenas um material

a mais que elas utilizavam no desenvolvimento do trabalho de alfabetização, o

que se relaciona com os resultados de outras pesquisas (ALBUQUERQUE,

2002; BREGUNCI e SILVA, 2002; RIBAS, 2003; NUNES-MACEDO,

MORTIMER e GREEN, 2003). O que elas mais usavam do livro eram os textos,

o que foi observado, também, por Albuquerque (2002). Assim, diferentemente

das cartilhas, baseadas nos métodos tradicionais de alfabetização (analíticos e

sintéticos), que eram usadas de forma seqüenciada e exaustiva por

alfabetizadores, de um modo geral, os novos livros não têm sido utilizados na

forma como, estrategicamente, os seus autores conceberam-nos. As

professoras, sujeitos da presente pesquisa, criam táticas de uso desse

material, que rompem com a seqüência proposta e com a realização de todas

as atividades do livro. O mais interessante é perceber que, na construção de

suas práticas de alfabetização, elas recriam as atividades propostas nos livros

e acrescentam outras que constituem suas práticas profissionais, como foi o

caso específico de Conceição que, a cada texto lido, desenvolvia uma

seqüência de atividades de reflexão fonológica de palavras do texto.

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Para esse processo de construção da prática envolvendo a recriação

das atividades propostas no livro, um ponto que precisa ser destacado é o

conhecimento/familiaridade que o professor tem desse material. Se o livro

escolhido pelo professor (aquele sobre o qual ele tinha um certo conhecimento

e via possibilidades de uso) não foi o que chegou à escola, isso pode, de

alguma forma, dificultar o uso que o professor poderia fazer dele. Foi o que

aconteceu com a professora Yarany, que somente no início das aulas é que

veio a conhecer o livro que iria usar e, mesmo assim, não teve acesso ao

manual do professor. Ela precisou de um tempo para entender as propostas do

livro e, muitas vezes, quando realizava atividades, estas precisavam ser

redimensionadas. Já Conceição, como estava utilizando o livro pelo segundo

ano consecutivo, parecia ter uma segurança maior e antecipava algumas

dificuldades que seus alunos poderiam apresentar no desenvolvimento de

algumas atividades. Enfim, ambas as professoras concordaram que o

conhecimento do livro era essencial para sua utilização. Sendo assim, a

estratégia do MEC de realizar a escolha dos livros didáticos a cada três anos

possibilita que os professores se apropriem do material e construam táticas de

utilização durante esse período.

Um outro ponto, que gostaríamos de destacar em relação à análise das

práticas das professoras Yarany e Conceição, é que ambas buscavam

desenvolver um trabalho com base no “alfabetizar-letrando”. Elas procuravam

escolarizar as práticas sociais de leitura, desenvolvendo atividades que

envolviam gêneros/materiais diversificados e finalidades distintas, mas,

também, se preocupavam em articular as atividades de leitura com as de

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apropriação do sistema de escrita alfabético. Que aspectos parecem influenciar

no modo como desenvolvem suas práticas de alfabetização?

Como vimos, as duas professoras não possuíam o curso de pedagogia,

o que parece indicar que a formação inicial delas não influenciava diretamente

no desenvolvimento de práticas inovadoras em alfabetização, de acordo com

os novos referenciais teórico-metodológicos para o ensino de língua

portuguesa. Não estamos aqui defendendo que a formação inicial em

pedagogia não seja importante, mas, sim, estamos apontando para a valia

dessa formação em constante reflexão com a prática.

Por outro lado, é importante destacar a ênfase que ambas as

professoras deram aos cursos de formação continuada. Tanto Yarany quanto

Conceição fizeram referências positivas aos cursos de capacitação promovidos

e ambas apontaram-nos como momentos privilegiados de troca/construção de

saberes:

“Estas sugestões (ainda se referindo aos livros sobre a prática

pedagógica) vêm basicamente da biblioteca da minha mãe, das

compras esporádicas que faço e das capacitações da prefeitura (...).

Eu acho que estes momentos de capacitações são

importantíssimos, agora, eu ainda acho que são poucos,

pouquíssimos. Acho que eles ajudam, e muito, e os que dão

oportunidade de ouvir e ser ouvido são os melhores” (YARANY).

A professora Conceição complementou:

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“Eu acho as capacitações excelentes, com todas as letras

maiúsculas. Eu acho que a prefeitura de Recife, há muitos anos,

vem preparando os professores com muita capacitação (...). Eles (os

formadores) dão, realmente, coisas, para a gente, muito

interessantes, muito ricas, entendeu? Eu gosto demais. Elas

SEMPRE me ajudaram. Todas as capacitações, que eu vou, tem

sempre alguma coisa que me enriquece… e a troca de experiência

com os professores?! E… gosto que você registre isso, aí, como o

mais importante. A troca da gente é a coisa que a gente aprende

mais, porque você, nessas capacitações, quando têm as oficinas,

você fica louca! Eu mesma fico doidinha, porque cada uma que

tenha uma coisa diferente para lhe ensinar, entendeu?; para lhe

passar. Então, é riquíssima esta troca; muito; eu aprendi muito,

muito, muito, muito, muito com elas, com as colegas. Realmente, a

rede tem muitas professoras boas, com muito compromisso (...)”

(CONCEIÇÃO).

As docentes também lembraram que suas práticas são constituídas de

elementos de práticas de outros professores, coletados nos momentos de

socialização de experiências, como afirmado por Conceição no depoimento

anterior, ou em conversas informais, partilhadas com colegas de trabalho. No

caso de Yarany, por exemplo, ela teve como importante interlocutora sua

própria mãe. Ela recordou, na entrevista, um período em que, devido a

problemas de saúde, precisou afastar-se das leituras profissionais e de como

sua mãe teve papel decisivo nesta re-aproximação:

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“Eu sempre tive como força muito grande a minha família e, mesmo

nesse momento, minha mãe sempre chegava junto, como se

voltasse à época de contar história e me contava das leituras dela,

das reflexões teóricas dela na sala de aula (...). Então, eu fazia a

leitura, não por mim, mas, pelos outros (...)” (YARANY).

“Fazer leituras pelos outros” parece ser uma das formas das professoras

se apropriarem do que está sendo discutido em relação ao ensino nas

diferentes áreas de conhecimento. Esse “outro” pode ser tanto os colegas de

trabalho como pessoas que trabalham com a formação de professores.

As experiências de outras professoras, da época em que as docentes

investigadas eram alunas, também correspondiam àquelas presentes nas suas

memórias. Yarany, por exemplo, recordou que realizava, em sua sala de aula,

atividades de leitura desenvolvidas por antigas professoras:

“Eu tive uma professora de português, muito boa, chamada Rosário,

que me acompanhou várias séries. Então, ela gostava muito de

fazer crônicas. A gente lia várias crônicas e discutia. Me lembro

muito bem disso; foi uma coisa que me marcou muito! Na 4ª série do

primário – na época era primário – a gente fez uma roda de leitura,

que, depois, eu vim a usar nas minhas salas de aula e cada aluno

comprou um livro, né? Não era o livro das bibliotecas da escola;

cada um comprou. Eu não me lembro [sic] o nome da coleção; e

você lia e tinha que emprestar para um colega. Então, nisso, eram

40 alunos na sala. A gente leu, se não os 40, mas, uns 30 livros; 20

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por aluno, nesse esquema. Isso, eu me lembro bem que era assim,

a recomendação com o cuidado com o livro do colega, do não

estragar, do não riscar (...)” (YARANY). .

Conceição também afirmou sentir falta, atualmente, de algumas

atividades do tempo em que era aluna e que eram, freqüentemente, realizadas

por suas antigas professoras:

“Têm umas coisas que faziam, quando eu era aluna, que é muito

difícil fazer, hoje em dia. Difícil é ver um professor botar um menino

para ler em voz alta; e, no início, as pessoas liam em voz alta, né?

Eu acho a leitura em voz alta importante, por causa da entonação,

para você saber o que é que você tá lendo; para a expressividade,

porque quando você tá lendo, pode ser um parágrafo um pouco

grande, de uma frase pouco grande. Então, a gente se preocupa até

para saber se vai ser uma interrogação; se tiver uma interrogação

você vai fazer uma pergunta, né?” (CONCEIÇÃO).

Assim, concordamos com Chartier (1998) que os professores privilegiam

as informações que utilizam diretamente, o “como fazer” mais do que “o porquê

fazer” e seu trabalho pedagógico se “alimenta”, freqüentemente, da troca de

“receitas”, coletadas em encontros ou, até mesmo, por acaso, e elas são

validadas pelos colegas com os quais se pode discutir sem embaraço e que

são relativamente flexíveis para autorizar variações pessoais.

Por fim, consideramos importante refletirmos sobre as experiências de

leitura das professoras e sobre o como elas podem se relacionar com suas

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práticas de ensino de leitura. Ambas as docentes vivenciaram, desde a

infância, práticas de leituras no ambiente familiar e na escola. Relataram que

as leituras ultrapassavam o livro didático, o que foi apresentado no capítulo 2

deste trabalho. Assim, de certa forma, essas experiências podem contribuir

para que tentem, com seus alunos, realizar atividades de leitura que

extrapolam o livro didático, com privilégio dos livros de literatura infantil.

Dentre as suas experiências de leitura, ambas as professoras

mencionaram que, em relação à atualidade, realizavam leituras profissionais e

citaram alguns livros na área de Língua Portuguesa e Alfabetização que se

relacionavam com as perspectivas teóricas contempladas nos documentos

oficiais, como os Parâmetros Curriculares Nacionais. Essas leituras eram

sugestões dos cursos de formação continuada (capacitações da rede ou curso

de extensão oferecido pela UFPE) ou de colegas de trabalho.

Assim, tanto Yarany como Conceição, tentavam se manter atualizadas e

as leituras que faziam, juntamente com os cursos de formação continuada que

freqüentavam e as trocas com os colegas, pareciam ter papéis fundamentais

no desenvolvimento de uma prática na perspectiva de “alfabetizar-letrando”.

Podemos concluir que as professoras afirmaram usar o livro como mais

um elemento constituinte de seu fazer pedagógico. Salientaram que as trocas

com as parceiras de trabalho foram importantes na construção dos seus

saberes na ação e que os cursos de formação continuada exerceram papel

importante no desenvolvimento de suas práticas.

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Este estudo analisou, de forma exploratória, práticas de alfabetização de

professoras reconhecidas por seus colegas de profissão como docentes que

desenvolviam um bom trabalho e que faziam uso efetivo do livro didático

adotado na rede. Acreditamos que os resultados aqui apresentados poderão

fornecer subsídios para reflexões sobre a fabricação de práticas diferenciadas

e “inovadoras” para a alfabetização. Consideramos essencial o

desenvolvimento de outras pesquisas que busquem aprofundar as questões

levantadas neste trabalho, que tomem como eixo a construção da prática do

professor mediada por outros materiais, como os livros didáticos, e os saberes

efetivamente aprendidos pelos alunos.

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A N E X O S

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Formação, tempo d e magistério e vivência em alfabetização como aluna e

experiências de leitura

- Qual é a sua formação? Fale um pouco sobre seu histórico escolar,

desde o ensino fundamental até à universidade.

- Escola pública ou privada?

- Qual a escolaridade de seus pais?

- E profissão?

- Quantos anos de experiência você tem no exercício do magistério na

rede pública?

- E no ensino de alfabetização?

- Você ensina em uma outra rede?

- Em caso afirmativo, qual e há quanto tempo?

- Você lia na infância/adolescência/fase adulta? O quê?

- O que você lia na infância na escola e em casa?

- E na adolescência?

- E fase adulta até hoje?

- O que você tem lido atualmente e por quê?

- Para você, o que é ser um “bom leitor?” Você se considera boa leitora?

Por quê?

- Como foi sua experiência como aluna de alfabetização?

- Como foi seu processo de alfabetização?

- Fale um pouco sobre os materiais didáticos e atividades que você

vivenciou neste período.

Práticas de leitura na alfabetização

- Como você desenvolve sua prática de alfabetização? Como você faz

para alfabetizar? Que atividades você desenvolve?

- Qual seu objetivo na alfabetização?

- Por quê?

- O que é primordial ensinar/aprender no que se refere à leitura?

- O que seus alunos lêem?

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- Você costuma ler para seus alunos? E em caso afirmativo, com qual

freqüência você lê para eles?

- O que você lê?

- Quem escolhe os materiais a serem lidos?

- Onde você se apóia para realizar estas atividades?

- Você já ouviu falar do termo “letramento”? Se sim, em que lugar?

- Para você, o que é letramento?

Livro Didático, outros materiais utili zados e atividades que considera

relevantes para o ensino da leitura

- Qual o livro didático adotado este ano?

- O que você acha deste livro?

- Você sabe como se dá o processo de escolha do livro didático?

- Você participou do processo de escolha? Em caso negativo, quem

escolheu?

- Você acha que ele pode lhe ajudar na organização de seu trabalho?

- Em caso afirmativo, como ele pode fazer isso e em caso negativo, por

que você acha que ele não a ajuda?

- O que você acha das atividades de leitura propostas no livro didático?

- Você as utiliza? Como? Descreva um pouco.

- Em caso negativo, por que não?

- Dê exemplos de atividades de leitura presentes no livro didático que

você considera interessante e explicite o porquê.

- Você trabalhou com cartilha? E percebe diferenças entre as cartilhas e

este livro que você utiliza agora?

- Cite as principais diferenças.

- Você participou do processo de escolha do livro didático este ano?

- Qual o livro escolhido?