Prática Pastoral

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PRÁTICA PASTORAL Programa de Pós-Graduação EAD UNIASSELVI-PÓS Autoria: Welder Lancieri Marchini

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PRÁTICA PASTORAL

Programa de Pós-Graduação EAD

UNIASSELVI-PÓS

Autoria: Welder Lancieri Marchini

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CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCIRodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito

Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SCFone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090

Reitor: Prof. Hermínio Kloch

Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol

Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Ivan Tesck

Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Prof.ª Bárbara Pricila Franz Prof.ª Tathyane Lucas Simão Prof. Ivan Tesck

Revisão de Conteúdo: Neivor SchuckRevisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais

Diagramação e Capa: UNIASSELVI

Copyright © UNIASSELVI 2018Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri

UNIASSELVI – Indaial.

250M315p Marchini, Welder Lancieri Prática pastoral / Welder Lancieri Marchini. Indaial: UNIAS-SELVI, 2018.

158 p. : il. ISBN 978-85-69910-96-1 1.Teologia Pastoral. I. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.

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Welder Lancieri Marchini

Doutorando em Ciência da Religião (PUC-SP) onde pesquisa a recepção do Concílio Vaticano II pela Igreja no Brasil, mestre pela mesma instituição, com pesquisa sobre os impactos da metrópole em ambiente urbano. Pós-graduado em teologia pastoral, com ênfase na teologia da missão (ITESP), bacharel em Filosofi a (PUC-Campinas) e em Teologia (ITESP).

É professor convidado na Graduação em Teologia do ITF (Petrópolis), na pós-graduação em Ciência da Religião da PUC (São Paulo) e na pós-graduação Religião

e Cultura na UNIFAI (São Paulo). Trabalha como editor teológico na Editora Vozes.

É autor do livro “Paróquias urbanas: entender para participar” pela Editora santuário (2017) e do

livro de catequese com adolescentes “Perseverando com Jesus” pela Editora Vozes (2015).

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Sumário

APRESENTAÇÃO ....................................................................01

CAPÍTULO 1Religião, Cultura e Sociedade ...............................................9

CAPÍTULO 2Teologia Pastoral: Conceitos e Métodos .........................39

CAPÍTULO 3

CAPÍTULO 4

CAPÍTULO 5

CAPÍTULO 6

Iniciação dos Sujeitos Eclesiais .........................................73

Gestão Pastoral e Evangelização ....................................105

Evangelização e Juventude ................................................121

Ecumenismo e Diálogo Inter-Religioso ............................145

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APRESENTAÇÃOA teologia é responsável por pensar a natureza e a razão de ser da Igreja de

Jesus. Se no início do cristianismo os discípulos e discípulas eram pessoas que tiveram experiência pessoal com Jesus, as outras gerações se distanciam historicamente dessa vivência. Surge então a preocupação para que não se perca a autenticidade do seguimento de Jesus e do evangelho em contextos culturais diferentes.

Quando uma cultura muda, mudam também as práticas religiosas, mesmo que não mude o referencial. A teologia nasce da experiência de fé do cristão que busca melhor entender os ensinamentos de Jesus para praticá-los. Somos cristãos. Mas cada realidade pede práticas diferentes, mesmo que o referencial seja único. Jesus não disse nada a respeito de ser cristão frente os desafios da internet. E simplesmente porque a internet não existia no seu tempo.

Ao pensar como deve ser o cristão estamos fazendo teologia. E se a intenção do teólogo é estabelecer um modo de ser consoante ao de Jesus, ele se ocupa de estabelecer critérios para a prática cristã. Como essa prática tem ressonância da vida comunitária, pois o cristão nunca é cristão sozinho, nos inspiramos no pastoreio de Jesus. Temos então, na teologia, uma área destinada à Pastoral.

Mas aqui iremos um pouco além. Mais que uma teologia, iramos pensar práticas

pastorais que dialoguem com o modo de agir e de ser da pessoa de Jesus de Nazaré.

Iniciamos uma caminhada que tem um percurso próprio. No Primeiro Capítulo buscaremos entender que toda religião está inserida em um contexto cultural e por isso dialoga diretamente com a cultura onde se estabelece. A prática pastoral busca dialogar com a sociedade e entende-la é necessário para termos práticas de evangelização que melhor dialoguem com o ser humano do mundo atual.

O diálogo com a sociedade gera métodos e perspectivas pastorais. No Segundo Capítulo traremos os modelos pastorais existentes bem como os vários cenários que compõe as comunidades cristãs. Saber quem somos é importante para sabermos aquilo que faremos para anunciar a Boa Notícia de Jesus.

Após ver o que é a pastoral e como a própria Igreja se entende, entraremos em alguns temas que são caros à pastoral cristã. No Terceiro Capítulo abordaremos a temática da prática catequética. Ela possibilita que a comunidade forme seus novos membros. No Quarto Capítulo veremos quais são os critérios para que a comunidade gerencie suas atividades pastorais e possibilite um trabalho mais eficiente. Pensar a gestão comunitária é imprescindível para que a comunidade utilize suas forças e empenho na evangelização.

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No Quinto e Sexto Capítulos nos dedicaremos, sucessivamente, à evangelização da juventude e ao diálogo inter-religioso e ecumênico. Se o trabalho com os jovens é desafiador por nos cobrar novos métodos e perspectivas pastorais, o ecumenismo nos faz sair o comodismo e das posições dogmáticas para nos lançarmos ao encontro com o outro, nosso irmão.

Aqui não traremos verdades quanto ao modo de agir. Buscaremos ser coerentes com a ideia de que o discernimento para uma ação coerente com a pessoa de Jesus é fruto do contato com a realidade concreta. Buscaremos antes trazer algumas inquietações e reflexões teológicas que iluminam o agir da comunidade cristã que busca a construção do reino.

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CAPÍTULO 1

Religião, Cultura e Sociedade

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem:

Identifi car a religião como construção cultural.

Enunciar as características do indivíduo da sociedade atual para um maior diálogo com as práticas pastorais.

Exercitar a capacidade hermenêutica na leitura da sociedade atual e estabelecer métodos de diálogo pastoral.

Estabelecer diálogo com a sociedade atual na intenção de construir métodos pastorais efi cientes e efi cazes.

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ConteXtualizaçãoA pastoral é entendida como a ação da Igreja. Você, aluno, pode estar sedento

por encontrar aqui técnicas e estratégias para melhor executar seu trabalho pastoral. Mas, antes precisamos entender o objetivo deste primeiro capítulo. Sempre que executamos um trabalho pastoral, estabelecemos um diálogo entre a Igreja e a sociedade ou a pessoa que recebe os serviços pastorais. Não podemos incorrer no erro de pensar os trabalhos pastorais sem antes pensar sobre os receptores desta mensagem. Por isso este capítulo funcionará como uma grande fotografi a que tiraremos da sociedade para melhor entendê-la. Somente depois disso seremos capazes de pensar em uma pastoral que melhor dialogue com a sociedade.

Neste primeiro capítulo vamos trazer alguns conceitos básicos para que nossa prática pastoral seja mais efi ciente. A ideia de efi ciência vem do mundo empresarial. Sabemos que as igrejas não são propriamente empresas, nem queremos que sejam. Mas algumas refl exões do universo empresarial podem auxiliar-nos. Uma dessas refl exões que encontramos no mundo empresarial se refere a duas palavras que são importantes para os planejamentos e estratégias de trabalho. A primeira delas é a ideia de que o trabalho empresarial precisa ter efi ciência, ou seja, é preciso saber fazer com competência aquilo a que se propõe. A segunda, efi cácia, ou seja, deve-se buscar alcançar resultados com seu trabalho. A prática pastoral de uma comunidade também deve buscar ter efi ciência e efi cácia, mas, para que isso aconteça, precisamos conhecer aqueles que receberão a mensagem do Evangelho e a sociedade onde essas pessoas vivem.

Neste primeiro capítulo vamos trazer alguns

conceitos básicos para que nossa

prática pastoral seja mais efi ciente.

Efi ciência é entendida como o saber fazer. Efi cácia está relacionada aos resultados alcançados.

Uma comunidade eclesial está longe de ser uma empresa, mas podemos estabelecer um diálogo, pois sempre encontramos nela um caráter empresarial. Nosso trabalho pastoral precisa ter efi cácia. Precisamos alcançar resultados. A refl exão teológico-pastoral que devemos fazer é sobre quais são esses resultados. Nem sempre uma igreja cheia é sinônimo de pessoas que realmente acolham a mensagem do Evangelho tornando-se discípulas e discípulos de Jesus.

Mas também precisamos buscar a efi ciência. É preciso saber fazer um trabalho de qualidade. Já não cabe mais uma catequese que ignora os processos

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pedagógicos, cultos ou missas mal preparados, atendimentos mal feitos ou qualquer outra atividade que beire o amadorismo.

Para alcançar efi ciência e efi cácia nos processos pastorais, é necessário conhecer bem o nosso público-alvo, entendido aqui como as pessoas que receberão a mensagem que traremos. A mensagem de Jesus não muda, mas, como a cultura muda, devemos conhecer a cultura em que vivemos para melhor estabelecer um diálogo entre ela e o Evangelho de Jesus.

Assim, buscaremos entender a cultura em que vivemos. Começaremos pelo próprio conceito de cultura e depois de religião. Depois adentraremos nas características da sociedade atual, fortemente marcada pela individualidade, pelo consumo e pela busca da satisfação. Essas informações serão importantes para, depois, pensar em práticas pastorais mais efi cientes e efi cazes.

Religião Como Produção CulturalIniciamos uma caminhada onde buscaremos construir conhecimentos sobre

a Prática Pastoral, que é a maneira como uma Igreja busca estabelecer sua pre-sença na sociedade. Mas essa prática, apesar de obedecer a critérios de nossa relação com Deus, acontece em uma sociedade concreta, com práticas específi -cas e culturas próprias.

As práticas pastorais de uma comunidade cristã no Japão serão diferentes das práticas de uma comunidade na África ou na Inglaterra. A religião assume características próprias da cultura onde está presente.

A religião assume características

próprias da cultura onde está presente.

Você sabia que no Japão as pessoas utilizam roupas pretas em dia de festa e roupas brancas para representar o luto?

Por mais que Deus seja um, as igrejas cristãs são múltiplas. Elas assumem características culturais do lugar onde estão. Deste modo, por mais que o preto seja a cor do luto na cultura de raiz europeia, é legítimo à prática pastoral no Japão utilizar o branco, que tem mais signifi cado naquela região.

Mas não precisamos sair do nosso país para perceber essa diversidade cultural. Uma pessoa que vive sua religião em um grande centro urbano, como

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São Paulo, traz uma cultura diferente daquela que vive num pequeno povoado no Amazonas ou mesmo no litoral do Nordeste. Também a religião será diferente em cada lugar onde ela se faz presente.

É importante entender que, mesmo quando falamos de comunidades católicas, elas não são todas iguais, por mais que as orientações da Igreja Católica sejam as mesmas. Também quando falamos de Igrejas Assembleia de Deus, por exemplo, do Ministério Madureira, elas também têm orientações, mas cada uma assume características próprias do pastor local.

Mas a Igreja não é sempre a mesma? Se a religião cristã é dada por Deus, até que ponto nós podemos mudá-la?

Não se trata de mudar a religião, nem de negar que ela seja dada por Deus. Mas, antes, de conseguir estabelecer contato entre aquilo que queremos anunciar com aqueles que receberão o anúncio. Se alguém pensa em vender roupas de frio num lugar onde a temperatura mínima é de 28º C ou 30º C, sua tentativa será frustrada.

Mas, antes de continuar nossa conversa, precisamos de duas informações

importantes. A primeira é sobre o conceito de cultura. A segunda, sobre o conceito de religião. Entendendo que a cultura infl uencia a religião e que a religião é também cultura, poderemos pensar práticas pastorais mais efi cazes.

1. Conceito de cultura

Pergunte para um grupo de crianças qual é a diferença entre o ser humano e os animais. Rapidamente alguém se levantará e dirá que o ser humano é racional e que o animal é irracional.

Mas os animais têm racionalidade. É isso mesmo. Eles pensam. Mas pensam diferente de nós, seres humanos. A diferença é que os animais têm uma inteligência concreta. Isso signifi ca que eles agem buscando resolver situações-problema que estão relacionadas à sua vida concreta (ARANHA; MARTINS, 2002).

Vamos ver um exemplo? Se o seu animal fi car muito tempo sem comida,

pode ser que ele vá até o saco de ração e rasgue-o para poder comer. Ele resolveu um problema: a fome. Esse problema é bem concreto. O animal não traçou um plano, não pensou nas possíveis punições, nem levou a sobra da ração para um

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esconderijo secreto pensando em se precaver caso essa situação se repetisse. Ele apenas resolveu, instintivamente, um problema. Segundo Mello (2015, p. 41),

É a cultura que distingue o homem dos outros animais. Por mais perfeito que seja um ninho de passarinho, pouco representa como realização comparado com qualquer objeto feito pelo homem, a diferença está, ao nosso ver, na inconsciência que domina a atividade animal e na consciência que está presente no ato humano.

Assista ao fi lme no YouTube “Como nascem os Paradigmas – Grupo Macacos Experiência Banana & Água”. Veja que os macacos buscam comer as bananas. E depois buscam evitar apanhar. Mas não conseguem fazer mais que isso.

O vídeo é baseado na ideia da construção de um paradigma, conceito do fi lósofo Thomas Kuhn. Mas a animação faz a refl exão de maneira alegórica, o que facilita seu entendimento. Acesse: <https://www.youtube.com/watch?v=_ZSSyI3my38>.

Os seres humanos, além da inteligência concreta, têm uma inteligência chamada abstrata. A partir de situações concretas, nós criamos planos, projetos, ideias, conceitos, teorias e tantas outras coisas que estão no campo da abstração. Somos capazes de resolver contas de matemática. Quando um professor ensina ao aluno que 1+1=2, o aluno não pergunta “um mais um o quê?” Isso é pura abstração. Mas mesmo não conseguindo abstrair ideias de suas experiências, os animais têm uma inteligência que defi nimos como concreta.

Mas então o que nos diferencia dos animais? Talvez o que nos diferencie é a capacidade que temos de produzir cultura. Para entender o ser humano como ser cultural, vamos ver dois termos, o de natureza e o de cultura.

Natureza: É aquilo que existe por si, que não precisa de outro ser para existir naquelas circunstâncias. Existe sem a interferência do ser humano. Que é inato.

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RELIGIÃO, CULTURA E SOCIEDADE Capítulo 1

É parte da natureza humana o comer, dormir, andar. As necessidades fi siológicas são parte de nossa natureza. O nascer do sol, a noite, as plantas, a água, a vida e a morte são exemplos de natureza. Para ser água, a água não precisa que alguém a beba. Para ser leão, este animal não precisa que a selva o reverencie como seu rei. Natureza é então aquilo que existe sem interferência humana.

Autores da antropologia também falam dos binômios inato/adquirido,

genética/epigenética, hereditário/meio (FERRY; VINCENT, 2011, p. 20). Aqui, buscaremos entender a relação entre a natureza e a cultura.

Cultura: a palavra vem do latim colere, que tem o sentido de cultivar, cuidar.

Já ouviram a expressão: cultivo de tomates? Geralmente se refere à plantação de tomates que depois será vendida. O tomate nasce na natureza. Um animal, inclusive o ser humano, pode comê-lo. Isso é natureza. Quando o ser humano toma para si as sementes do tomate e planta-as no quintal de sua casa, no vaso da varanda de seu apartamento ou cultiva uma plantação inteira de tomates, ele está produzindo cultura.

A cultura é fruto da interferência do ser humano na natureza. Não moramos nas cavernas. Fazemos casas. Não andamos descalços. Produzimos calçados. Não nos cobrimos com folhas de bananeira. Confeccionamos cobertores com as lãs de carneiro. Enquanto o animal usa a natureza, o ser humano a transforma. Podemos entender a cultura como o “conjunto das obras humanas” (MELLO, 2015, p. 41).

Quando uma pessoa está com sede, vai até a beira do rio e se agacha

para com sua boca beber água, ela faz uso da natureza. Esse é um movimento carregado de instintos. Mas quando ele percebe que pode utilizar suas mãos para fazer o movimento de cuia, ou utilizar uma folha de árvore enrolando-a como se fosse um copo, ou mesmo quando o ser humano fabrica uma taça de cristal para beber água, ele produz cultura.

A cultura é fruto da interferência

do ser humano na natureza.

Enquanto o animal usa a natureza, o ser humano a

transforma.

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Não existe cultura melhor ou cultura pior. Cultura é cultura.

Tudo aquilo que o ser humano faz e que transforma a natureza é cultura. Quando um grupo vê sua cultura como antropologicamente superior, temos aquilo que chamamos de etnocentrismo.

Dá-se o nome de Etnocentrismo à atitude dos grupos humanos de supervalorizar seus próprios valores, sua própria cultura. [...] O fenômeno do etnocentrismo manifesta-se de várias formas. Podemos senti-lo quando uma pessoa ridiculariza costumes e hábitos de povos alienígenas. O brasileiro comum censurará, por certo, a consagração da vaca na Índia e estranhará a indumentária escocesa masculina conhecida por saiote.

Fonte: Mello (2015, p. 90).

Quando o ser humano percebe que o bambu pode ser utilizado para produzir uma fl auta, quando percebe que a pedra pode ser uma arma ou o couro do animal pode ser uma roupa, produz cultura. Podemos cair no erro de achar que alguém que ouve música clássica tem mais cultura que aquele jovem que gosta de funk. Essa é uma ideia de cultura erudita. No sentido antropológico não há qualidade de cultura. Não há cultura melhor ou pior. Cultura é cultura e ponto.

Também a linguagem é uma forma de cultura. O ser humano usa os sons emitidos pelas cordas vocais e transforma-os em palavras. Assim, aqueles que falam a língua portuguesa têm uma cultura diferente daqueles que se comunicam em russo.

Mas a cultura também é a produção de ideias. Quando o ser

humano interpreta a natureza, ele produz cultura. Quando alguém diz que chove, pois Deus está triste, está produzindo cultura. A cultura nos ajuda a:

Mas a cultura também é a produção

de ideias.

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- interpretar; - dar signifi cado; - e dar sentido à natureza.

A área das Ciências Humanas que estuda a cultura ou o ser humano enquanto ser cultural é a antropologia. Vamos ver o conceito de cultura trazido pelo antropólogo Clifford Geertz.

De qualquer forma, o conceito de cultura ao qual eu me atenho não possui referentes múltiplos nem qualquer ambiguidade fora do comum, segundo me parece: ele denota um padrão de signifi cados transmitido historicamente, incorporado em símbolos, um sistema de concepções herdadas expressas em formas simbólicas por meio das quais os homens comunicam, perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e suas atividades em relação à vida.

Fonte: Geertz (1989, p. 103).

Também os hábitos religiosos são parte da cultura. Entendemos que a experiência que o ser humano estabelece com Deus se transforma em hábitos e costumes. Assim, as orações ou rezas, os cultos, as vestimentas e até os alimentos religiosos fazem parte da cultura de determinada religião.

Por que os judeus não comem carne de porco? Em Lv 11,7-8 encontramos uma orientação de Javé que diz para não comer a carne deste animal por ele ser impuro. Esta é a orientação religiosa. Neste período o povo vivia no deserto. O porco devia ser prejudicial à saúde das pessoas. Isso não signifi ca que hoje um judeu deva comer carne de porco. Essa é uma escolha que compete à própria religião. Mas é inegável que ela tem uma base cultural.

Há nos costumes religiosos também características culturais. Mas para entender melhor essa relação entre cultura e religião, vamos entender agora o que é religião.

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Atividade de Estudos:

1) Vamos fazer um exercício redacional. Escreva um pequeno texto que responda à seguinte questão: Quais são as infl uências culturais que nossa sociedade exerce sobre nós? Busque construir argumentos que embasem sua resposta.

Lembre-se: não há uma única resposta certa. Essa é uma questão ampla e que pode ser vista por diversos ângulos. Por isso é importante que você busque argumentos que justifi quem sua resposta._____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Você já parou para pensar que Deus e a religião são duas coisas distintas?

Logo que falamos de religião já nos atemos ao nosso contato com Deus. Mas Deus e religião são duas realidades distintas. Não estamos falando que são contraditórios, mas distintos, com certeza. Podemos entender Deus como um ser superior que, na tradição cristã, se revela como Trindade, criando, salvando e santifi cando a humanidade.

2. Conceito de religião

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A revelação faz parte da construção teológica. Para o cristão, a religião é fruto de revelação. Para um melhor entendimento da religião como revelação, você pode ler:

LIBÂNIO, João Batista. Crer num mundo de muitas crenças e pouca libertação. Paulinas.

Se o seu interesse é de um diálogo maior entre as culturas e a revelação:

QUEIRUGA, José Torres. Repensar a revelação. Paulinas.HAUGHT, John F. Mistério e promessa: teologia da revelação.

Paulus.

Mas a religião é um caminho humano para chegar até esse Deus, vivenciando-o na história. Por mais que entendamos que Deus se revela e oferece instrumentos para que o ser humano o conheça, a religião assume características culturais próprias de cada povo ou de determinado período histórico.

A teologia estuda a religião a partir da revelação. Deus se revela ao ser humano, na história. Aqui buscaremos conceituar a religião num diálogo com as ciências humanas. Não entendemos que as duas se negam. São apenas perspectivas diferentes de explicar uma mesma realidade: a religião.

O sociólogo Émile Durkheim (1996) entende que a religião surge a partir do momento em que as sociedades buscam se organizar. Seria a religião responsável por entender a realidade na perspectiva do sagrado. Sendo assim, é sagrado tudo aquilo que remete ao religioso. Aquilo que fi ca fora desta demarcação será entendido como profano.

Se no cotidiano relacionamos o profano com coisas demoníacas ou ruins, na perspectiva de Durkheim, profano é simplesmente aquilo que está fora da circunscrição do sagrado. Assim, a música dedicada a temas religiosos é sagrada e a MPB, o samba, o rock ou qualquer outro estilo musical é profano. Um templo religioso será considerado sagrado. As ruas da cidade, as casas, o ginásio de esportes ou a escola serão considerados profanos.

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O mais importante é entendermos que a religião organiza o mundo, classifi cando seus vários elementos como sagrados ou profanos.

Todas as crenças religiosas conhecidas, sejam simples e complexas, apresentam um mesmo caráter comum: supõem uma classifi cação das coisas, reais ou ideais, que os homens concebem, em duas classes, em dois gêneros opostos, designados geralmente por dois termos distintos que as palavras profano e sagrado traduzem bastante bem (DURKHEIM, 2003, p. 19).

A religião também classifi ca comportamentos, ideias e teorias. Haverá um comportamento que é sagrado, de onde se constitui a moral religiosa, ou ainda um pensamento sagrado que será chamado de teologia. Durkheim (1996) ainda defi ne a religião a partir de suas características sociológicas.

Uma religião é um sistema solidário de crenças e de práticas relativas a coisas sagradas, isto é, separadas, proibidas, crenças e práticas que reúnem numa mesma comunidade moral, chamada igreja, todos aqueles que a elas aderem (DURKHEIM, 2003, p. 32).

A partir da leitura do excerto da obre de Durkheim, algumas características são importantes:

- a religião é um sistema solidário, ou seja, acontece em um grupo;- é relativa a coisas sagradas, contribuindo para a classifi cação da

realidade vivida pelo ser humano;- a igreja é uma comunidade moral, o que signifi ca que ela instrui a um

comportamento e renega outros.

Outro conceito que nos ajuda a entender as características culturais da religião é o do antropólogo Cliford Geertz. Ele assim a defi ne:

Religião é: um sistema de símbolos que atua para estabelecer poderosas, penetrantes e duradouras disposições e motivações nos homens através da formulação de conceitos de uma ordem de existência geral e vestindo essas concepções com tal aura de fatualidade que as disposições e motivações parecem singularmente realistas (GEERTZ, 1989, p. 104-105).

Geertz (1989) entende a religião a partir de sua capacidade de produzir

sistemas simbólicos. Ela compõe um imaginário simbólico, um modo de ser e pensar que, por ser tão penetrante e poderoso, passa a guiar a vida de um grupo. Como antropólogo, Geertz (1989) entenderá a religião como constituição cultural.

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Uma religião que se organiza em um feudo medieval será culturalmente diferente daquela que sofre os impactos de um encontro com a cultura japonesa ou ainda diferente daquela que é sufocada pelo ritmo de vida de uma metrópole como Nova York. Entender a religião como constitutivo cultural nos auxilia no pensar uma pastoral que busque dialogar com as mais variadas culturas.

Também hoje vivemos em uma sociedade concreta, a Bíblia será lida a pessoas concretas com inquietações, alegrias, sofrimentos e anseios também concretos. Uma prática pastoral deve buscar dialogar com essas difi culdades. Se Jesus, em seu tempo, curou leprosos, é porque a doença era comum e o estigma social que circundava esta doença era desumano. A realidade cultural para a qual anunciamos o Evangelho de Jesus e onde estabelecemos nossas práticas pastorais é outra e é com a sociedade atual que queremos dialogar.

3. A sociedade atual

A sociedade atual passa por profundas transformações. Podemos dizer que ela é fruto da modernidade e que tem como sua principal característica a urbanização. Basicamente podemos dizer que a modernidade se constitui como uma mudança de pensamento da sociedade europeia, que não mais entende a si mesma e aos acontecimentos ou aos seus indivíduos unicamente ou predominantemente na perspectiva religiosa (MARCHINI, 2015b, p. 30).

É importante frisar que a modernidade não signifi ca a morte da religião. Ela

será entendida pelo processo de racionalização. Se antes o ano era contado a partir das festas religiosas, agora se constitui o ano civil. Se o rei era entendido como um escolhido por Deus, agora ele será visto na perspectiva de sua responsabilidade social (HERVIEU-LÉGER, 2008, p. 66).

E onde fi ca a religião? Com o tempo, ela foi delegada à vivência privada. Cada indivíduo escolhe e vive a sua religião. Desse movimento culmina a ideia de um Estado Laico, tão controversa quando falamos da realidade brasileira.

Entenderemos a sociedade atual primeiramente na perspectiva da urbanização. A religião no contexto urbano passa por grandes transformações que impactam a vida pastoral das comunidades eclesiais. A vida rural trazia uma segurança e uma autoridade aos trabalhos pastorais que não mais são presentes no contexto da vida urbana. Se na sociedade rural o líder religioso era autoridade notória, na vida urbana ele não exerce tal papel com a mesma intensidade, tornando-se, muitas vezes, um anônimo.

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Mas também buscaremos entender a sociedade atual partindo de três características em sua relação com a religião: a crise das instituições e dentre elas a Igreja, a individualização da vivência religiosa e o enfraquecimento dos vínculos comunitários, e da construção daquilo que chamaremos de uma moral do bem-estar. Se num primeiro olhar esse cenário é desolador, aqui queremos ir além e sermos propositivos.

Nesta parte fi nal do nosso primeiro capítulo buscaremos entender a sociedade como se estivéssemos tirando uma fotografi a. Queremos olhar seus elementos, as cores que aparecem e alguns de seus detalhes. Não estamos defendendo as características desta sociedade e tampouco estamos criticando-a dizendo que nela não há salvação. Queremos entendê-la por dentro, para saber como pensam seus habitantes e como ela se organiza e se dinamiza. Acreditamos que tais informações nos auxiliarão na construção de uma prática pastoral mais efi ciente e efi caz.

A crise das instituições, a

individualização da vivência religiosa, da construção daquilo

que chamaremos de uma moral do bem-

estar.

Entendamos o rural e o urbano como se fossem dois opostos de uma reta e que as cidades reais estão

entre estes dois extremos, ora mais perto do extremo

rural, ora mais perto do extremo urbano.

Mas, na prática, essas características

são sempre misturadas.

3.1 O espaço urbano

Vamos aqui buscar algumas características da cidade, seus elementos, cultura, pensamentos e comportamentos. Mas uma advertência é importante: não podemos caricaturar a cidade. Quando vemos a caricatura de algum famoso, geralmente o reconhecemos na ilustração. Mas o desenhista exagera em suas características. Então, se quem é desenhado tem o dente um pouco maior, na caricatura ele terá um dente enorme. Se sua orelha é um pouco grande, na caricatura ela será desproporcionalmente maior. A caricatura é legal. Mas aqui ela não nos serve. É melhor assumirmos a analogia da fotografi a. Queremos entender a cidade sem buscar aumentar suas principais características.

É comum contrapormos o espaço urbano ao rural, a cidade ao campo, a metrópole ao interiorano. E realmente existem muitas diferenças entre uma

pequena cidade no interior do Brasil e uma cidade como São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre ou Fortaleza. Mas desde já vamos deixar claro que também em uma cidade como São Paulo existem algumas características próprias do ambiente interiorano. E também na cidadezinha do interior existem elementos típicos de uma metrópole.

Entendamos o rural e o urbano como se fossem dois opostos de uma reta e que as cidades reais estão entre estes dois extremos, ora mais perto do extremo rural, ora mais perto do extremo urbano. Mas, na prática, essas características são sempre misturadas.

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RELIGIÃO, CULTURA E SOCIEDADE Capítulo 1

3.1.1 O mundo rural

O mundo rural traz a dinâmica da organização. Tudo nele é defi nido e obedece a um esquema muito bem ordenado. O ritmo de vida é rotineiro. Tudo é mais lento. O tempo parece render muito mais. Seus habitantes dormem cedo, mas também acordam cedo. Gasta-se o tempo com os afazeres domésticos ou do campo. Há pouca diversão ou distração com os meios de comunicação, com a TV ou internet.

O habitante rural acorda todos os dias no mesmo horário, ordenha as vacas, cuida do campo e isso acontece mesmo aos domingos. Não se aproveita o feriado para o lazer. Exceto quando o feriado é religioso. A religião auxilia muito na organização da vida rural. O domingo é marcado como o dia dedicado a Deus. O lazer acontece, ou nos momentos de reza do terço, ou nas festas religiosas. As fases da vida são, no mundo rural, ofi cializadas pela religião. O batizado celebra o nascimento. O casamento mostra à sociedade o início de uma nova família, a celebração das exéquias, o fi nal da vida.

Muitas vezes, as atividades religiosas se constituem como grandes

momentos de lazer. Ir à missa, à procissão, ao culto ou à catequese, mais que uma obrigação, é uma oportunidade de ver as pessoas, de colocar a conversa em dia e trocar informações.

As funções sociais são bem defi nidas. A mulher cuida da casa, e o homem, da roça. O feminino e o masculino são hermeticamente pensados, inclusive em suas funções sociais.

A família exerce grande autoridade. Os fi lhos chamam os pais e mães de senhor e senhora. Não questionam as decisões de uma autoridade. O líder religioso, geralmente padre, também é respeitado por toda a sociedade. A sociedade rural ou interiorana é extremamente hierarquizada. Cada função é bem defi nida e as pessoas obedecem às decisões de seus superiores.

Na sociedade rural há certa estabilidade. As amizades são duradouras, as famílias também. As pessoas se conhecem e, muitas vezes, se tratam pelo nome da família. É comum, quando chegamos a uma cidade do interior, as pessoas nos perguntarem “de que família você é?”

As igrejas ocupam lugares centrais na vida rural. Territorialmente, essa centralidade pode ser vista nas pequenas cidades, onde as igrejas são construídas no centro da cidade e são ladeadas por praças. No domingo as pessoas vão à missa e depois vão à praça para ver a banda. Lá as crianças brincam e os jovens arrumam seus namorados e namoradas.

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No ambiente rural, a vida é entendida na perspectiva religiosa. Os acontecimentos são vistos como vontade de Deus. Assim, quem morre, quem nasce, a chuva ou a seca, a lavoura que fl oresce ou míngua, tudo é visto como consequência da providência ou dos desígnios divinos.

3.1.2 O mundo urbano

A dinâmica do mundo urbano é bem diferente do mundo rural. Se no mundo rural a estabilidade reina, no mundo urbano tudo é acelerado. As pessoas vivem com pressa e correndo. Parece que sempre falta tempo para as pessoas que moram nas grandes cidades realizarem seus afazeres. Metaforicamente, podemos entender que a cidade assume o ritmo de vida de seu trânsito. Os transportes coletivos sofrem com os horários de pico e as pessoas ocupam grande parte de sua vida no trânsito entre o trabalho e suas casas. Se o interior é marcado pela ordem, a metrópole é marcada pelo ambiente caótico.

A cidade grande traz contradições. Ao mesmo tempo que ela oferece aos seus habitantes uma enorme opção de lazer, ela não oferece tempo para que desfrutem destas opções. Numa cidade como São Paulo, as pessoas chegam a ocupar até quatro horas diárias entre a ida e a volta do trabalho.

Enquanto nas pequenas cidades as pessoas conseguem ter suas casas como um ponto de referência, estando nela várias vezes por dia, nos centros urbanos a casa é o local do repouso noturno. Muitos habitantes vão para suas casas apenas para dormir. Se é preciso ir ao supermercado, geralmente isso é feito no caminho até sua casa. Mesmo o pão do café da manhã do dia seguinte é comprado entre as idas e vindas.

Também a participação religiosa ganha novos contornos. A organização pastoral das igrejas utiliza dos momentos de idas e vindas para a realização de suas atividades. Isso porque nem sempre as pessoas participam das comunidades onde residem. E se elas voltam para suas casas, não conseguem também participar de sua comunidade religiosa.

Mas existem outras mudanças da religião no contexto urbano. Se no mundo rural a religião auxilia na organização social, no ambiente urbano isso é diferente. Se nas cidades interioranas o domingo é o dia de ir à missa, nos centros urbanos o domingo é o dia de ir ao parque, ao shopping, ou mesmo dia de trabalhar. O grande templo das cidades são os shoppings. E neste templo o trabalho se transforma na grande liturgia. A cidade não só aprova o trabalho dominical como o incentiva.

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Também as festas religiosas perdem o poder de mobilizar a sociedade. Em grandes cidades ou nas capitais, se torna cada vez mais difícil avistarmos procissões que ocupam as ruas. Muitas paróquias aboliram esta prática. A religião urbana está cada vez mais se confi nando no interior dos templos.

Se o mundo rural nos remete à vivência da segurança e da estabilidade, o mundo urbano caminha na outra direção. Tudo é fl uido (BAUMAN, 2001). As famílias se desfazem com mais facilidade, as amizades são cada vez mais virtuais e sair de casa é muitas vezes evitado quando há medo da violência.

Por fi m, podemos identifi car que o espaço urbano leva as pessoas a individualizarem-se. O senso comunitário ou institucional dá lugar aos desejos do indivíduo. A pessoa busca uma igreja por ter um líder religioso simpático ou que atende às suas expectativas.

É importante lembrarmos novamente: As ideias que colocamos aqui representam os dois opostos de uma régua. Não existe uma cidade que seja inteiramente rural, nem existe a cidade que seja inteiramente urbana. Mas existem aqueles que trazem marcantes características de um dos dois lados desta régua.

Se você quer entender um pouco mais sobre as diferenças entre a religião em contexto interiorano ou em contexto de metrópole, pode ler o artigo:

MARCHINI, Welder L. Juntos e misturados: uma análise do hibridismo na religiosidade metropolitana. Último Andar (PUCSP. On-line), v. 26, p. 125-144, 2015a. Disponível em: <https://revistas.pucsp.br/index.php/ultimoandar/article/view/26126/18755>.

Vamos fazer um exercício de interpretação. Olhe para a sua cidade e veja se ela se aproxima mais do tipo rural ou do tipo urbano. Mas vamos fazer isso a partir das características elencadas nas páginas anteriores. Volte ao texto e veja como a cidade onde você mora ou trabalha pastoralmente se organiza. Qual é o papel na construção e na organização da sociedade? Busque escrever sua refl exão.

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3.2 A crise das instituições

Quanto você é infl uenciado por sua religião? Quando perguntamos isso estamos tentando entender quanto a sua religião tem de solidez e consegue inserir seus membros em sua dinâmica, regras e preceitos, ou o tanto que ela tem de ambiguidade, sendo uma religião mais fl uida onde os indivíduos a frequentam, mas não se percebem participantes ou membros (MARCHINI, 2015b, p. 150).

Quando falamos de instituição, estamos falando de toda forma de organização social que possa ser explicada dentro do conceito de Racionalização de Max Weber (apud COLLIOT-THÉLÈNE, 2016, p. 104), principalmente quando este sociólogo busca explicar as organizações religiosas. Weber fala que a religião surge da iniciativa de uma liderança fortemente marcada pelo carisma. Conforme o grupo de seus seguidores aumenta, é necessário que busquem formas de organização. Essa organização passa a ser cada vez mais racional e, consequentemente, menos carismática. O processo de racionalização fi ca mais evidente com a morte do líder.

Toda instituição traz fortes traços de uma organização racional. Ela cria

regras, leis e busca estabelecer uma ordem. A instituição religiosa tem estatutos, regulamentos e até legislação, o que fi ca evidente no Código de Direito Canônico, que é a lei que gerencia a Igreja Católica.

A organização pode também ter um grau menor de racionalização. Isso acontece, por exemplo, na família. Os pais e mães estão no limite entre o carisma e a racionalização. Por mais que não esteja escrito em lugar algum, a família tem suas regras. Assim, quando uma mãe combina com o fi lho que ele deve chegar às dez horas em casa ou quando diz que não deve deixar a toalha molhada sobre a cama, a família está fortalecendo suas regras.

Para entender aquilo que chamaremos de crise das instituições, nós precisamos fazer um recuo histórico. Na Idade Média, a Igreja Católica era soberana. Os reis e imperadores eram coroados por bispos e papas. O poder religioso estava acima do poder temporal. A sociedade medieval constituiu-se como uma sociedade organizada pela instituição religiosa.

A modernidade traz a valorização da razão e o consequente enfraquecimento da fé como tentativa de explicar a vida humana e a sociedade. Já não é o papa quem diz qual é o melhor governante para uma cidade. Não é o fato de acreditar em Deus que dá legitimidade a um imperador. Seria o fi m da instituição religiosa como forma de entender e organizar a vida humana? Provavelmente não.

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A modernidade traz quatro instituições que ainda continuarão organizando a vida humana e a sociedade. São elas: o Estado, a família, a escola e também a Igreja. É isso mesmo. A religião não deixa de existir nem de cumprir seu papel na sociedade e na vida das pessoas, mas agora ela dividirá sua função com as outras instituições modernas.

É comum nas sociedades, segundo os antropólogos, a necessidade de fazer parte de um grupo. O antropólogo Gennep estudou os ritos de iniciação e os ritos de passagem como situações presentes em várias sociedades que buscam introduzir seus membros em novos grupos ou em novas funções dentro desta mesma sociedade (GENNEP, 2013).

São exemplos de ritos de iniciação o batismo na tradição cristã ou a raspagem de cabeça no candomblé. Mas também temos os ritos de passagem como o casamento, que demonstra socialmente a criação de um novo núcleo familiar, ou mesmo a festa de debutante, que antropologicamente tem o sentido de demonstrar para a sociedade que a menina que completa 15 anos é uma moça e agora já pode ser cortejada pelos rapazes.

A modernidade não acabou com as instituições nem com seus ritos de iniciação. Ela apenas os modifi cou. Se antes o batizado era o reconhecimento de que a família tinha um novo integrante, agora tal reconhecimento vem pela certidão de batismo. Se a nova família era reconhecida pela Igreja ao ministrar o sacramento do matrimônio, agora, com a modernidade, será o Estado que fará o contrato de casamento.

Os ritos de iniciação também estão presentes nas escolas. O trote com os calouros que ingressam na faculdade é exemplo de que eles apenas deixaram de ser organizados unicamente pela religião. Também os ritos de passagem se fazem presentes na escola. São exemplos de ritos de passagem desde as provas trimestrais que marcam a passagem de um período a outro, até mesmo as formaturas que demonstram socialmente que aqueles estudantes estão aptos a viverem uma nova etapa.

Para a socióloga Hervieu-Léger, “a sociedade tem a necessidade de inserir seus jovens na vida dos adultos” (HERVIEU-LÉGER, 2008, p. 57). Ao celebrar seus ritos de passagem, ela está mostrando que eles podem assumir sua função social. Os ritos de iniciação ou passagem têm caráter pedagógico. Eles querem demonstrar aos jovens e crianças de uma sociedade como devem agir para serem aceitos pelos mais velhos.

Se a modernidade trazia a valorização da razão, passamos com o tempo a valorizar não o pensamento, mas o indivíduo. Tudo está voltado a ele e as

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instituições foram, aos poucos, perdendo seu valor. Fazer parte de um grupo não mais é sinônimo de condição à vida humana. Cada um passa a poder escolher aquilo que pode viver.

[...] o signifi cado atribuído a essas crenças e a essas práticas pelos interessados se afastam, geralmente, de sua defi nição doutrinal. Elas são triadas, remanejadas e, geralmente, livremente combinadas a temas emprestados de outras religiões ou de correntes de pensamento de caráter místico ou esotérico (HERVIEU-LÉGER, 2008, p. 31).

Alguns autores denominam esse período marcado pela valorização do indivíduo de pós-modernidade, outros ainda chamam de hipermodernidade ou de modernidade tardia. O importante é percebermos que o sujeito que na Idade Média tinha sua vida organizada por Deus e a religião, e que na modernidade terá sua vida organizada pela razão e pelas instituições modernas, agora estará diante de uma crise que o deixará como senhor de si mesmo.

Chamamos esse momento de grandes mudanças na organização da vida humana de um momento de profunda crise das instituições. É comum vermos sinais desta crise na sociedade atual. Vamos ver algumas de suas características.

• Escola: as crianças vão à escola para aprenderem, ou aquilo que devem saber (conteúdos), ou aquilo que devem viver e ter como valor (atitude). Então, se uma escola busca ensinar aquilo que cai no vestibular ou mes-mo ensinar uma profi ssão, ela está no campo do conteúdo. Se ela busca dizer que uma atitude como o bullying é errada, ela educa para a atitude. É comum vermos escolas que não conseguem fazer nem uma coisa nem outra. A violência toma conta das escolas e elas não conseguem educar os jovens para construírem projetos de vida.

• Estado: na sociedade brasileira a política vive um momento de muito de-scrédito. Ser político é visto popularmente como sinônimo de ser corrupto e chamar alguém de político provavelmente não seria visto como um elogio.

• Família: a família vive um momento de muitas transformações. Etimologi-camente, transformar signifi ca “mudar de forma”. A família nunca deixará de existir. As pessoas se relacionam e elas sempre se agruparão. Mas o modo como elas se organizam está mudando. A família nuclear (aquela que é formada por pai, mãe e fi lhos) começou a se transformar com a re-alidade do divórcio. Um segundo casamento forma uma família ampliada. Outra questão relevante é a união homoafetiva. Mas a família não vive uma crise apenas por seu formato. Talvez sua maior crise seja pela falta

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de credibilidade moral. Os pais deixaram de ser autoridade moral. Na so-ciedade tradicional a família é obedecida. Na sociedade pós-moderna os pais precisam construir relações de credibilidade com seus fi lhos.

• Igreja: primeiramente, a Igreja Católica deixa de ser a grande organiza-dora da vida social com a formação da mentalidade de modernidade. As pessoas passam a se guiar pela racionalidade e não mais se entendem dentro das normas e do pensamento religioso. Mas também há uma frag-mentação causada pelo pluralismo religioso. Se antes existia uma Igreja que era vista como única mediação com Deus, com a Reforma de Lutero, Calvino, Henrique VIII e outros, há uma descentralização do poder religio-so. Não estamos dizendo que isso é bom nem que é ruim, mas isso nos ajuda a entender que a religião passa, aos poucos, a ter menos poder sobre aquilo que a sociedade vive e decide.

Se geralmente relacionamos crise àquilo que é ruim, isso não é bem verdade. Crise é uma palavra que vem do grego e signifi ca mudança. Nem toda mudança é boa, nem toda mudança é ruim, mas as mudanças causam desconforto. E o maior medo da mudança é por não sabermos ao certo onde chegaremos. Com o enfraquecimento das instituições, chegamos a uma valorização do indivíduo como instância de escolhas e organização de sua própria vida (BENEDETTI, 1994).

Alguns fi lmes nos auxiliam a entender a crise das instituições, lembrando sempre que as crises são tempos de profundas mudanças institucionais.

- Escola: A onda (2008), Preciosa (2009) e Elefante (2003).- Estado: Adeus Lenin (2003), The Edukators (2004) e Tropa de

Elite (2007).- Família: Pequena Miss Sunshine (2006), Boyhood (2014) e

Amor (2013).- Igreja: Lutero (2004), A outra (2008) e As aventuras de Pi

(2012).

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3.3 A sociedade individualizada Outra característica predominantemente presente na sociedade atual e que

infl uencia diretamente na maneira como as igrejas organizam seu trabalho pastoral é a individualidade. Não podemos confundir individualidade com individualismo. Individualismo nos remete à ideia de uma sociedade onde as pessoas são egoístas e vivem à busca de sua satisfação. Isso até acontece, mas não é bem isso que explica a existência de uma sociedade individualizada.

Uma sociedade é individualizada quando sua organização e práticas são pensadas tendo o indivíduo como perspectiva. Essa tendência se acentua na Idade Moderna com sua fi losofi a, tanto a de Descartes como a do Iluminismo. Antes deles, as pessoas, é claro, existiam. Mas elas se submetiam às organizações sociais sem ao menos pensarem se isso era o certo ou não. Na prática, isso signifi ca que a sociedade se sobrepunha às pessoas.

Em uma sociedade individualizada, a característica que se sobressai é a do indivíduo exercendo seu poder de escolha. Vamos a um exemplo? Votar é um hábito da sociedade moderna. Na antiguidade, as pessoas não votavam. Mesmo na democracia grega, não era o voto que escolhia os governantes. Eles eram escolhidos por outros critérios, como o grupo ao qual pertenciam, seu poder de infl uência social ou outras características. Mas a vontade de cada indivíduo não era levada em conta.

Vamos agora a algumas refl exões que nos auxiliarão a entender a sociedade que vive a valorização do indivíduo.

O sociólogo francês Alain Touraine (2003) faz uso da palavra indivíduo como um instrumento metodológico. Isso signifi ca que nós podemos utilizar esse conceito para o estudo que fazemos. Podemos estudar um grupo em perspectiva social, ou seja, olhando sua organização, sua cultura ou ainda o conjunto de pessoas que nele vive. Mas podemos também estudar esta mesma sociedade na perspectiva do indivíduo. Assim, olharemos como essa sociedade se relaciona com seus indivíduos, se ela tem espaço para manifestações de pensamento e cultura no âmbito individual.

O fi lósofo Gilles Lipovetsky soma a essa refl exão a ideia de que, na sociedade

hipermoderna (conceito aqui equivalente ao período que entendemos como pós-modernidade), os indivíduos se sentem valorizados à medida que consomem (LIPOVETSKY, 2011). Consequentemente, aquele que não consome não existe para nossa sociedade.

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Você concorda com a ideia de que aquele que não consome não existe?

Nossa sociedade é pautada na ideia do consumo. Um celular que é comprado, praticamente se torna ultrapassado no momento da compra. A moda também é outro artifício que impulsiona as pessoas ao consumo. Não compramos uma nova roupa unicamente porque precisamos, mas compramos porque devemos manter uma imagem social. O mercado de trabalho não nos aceita se vestimos roupas antigas ou com um “ar de ultrapassadas”. Também as pessoas parecem não dar credibilidade àqueles que não se apresentam bem vestidos.

Mas há uma questão mais polêmica ainda: será que vivemos numa sociedade que consome tudo, inclusive religião? Há quem diga que sim. Não signifi ca que as pessoas comprem religião. Mas sim que estabeleçam com a religião uma relação parecida com aquela que elas têm com o supermercado.

Você é fi el ao seu supermercado? Por mais que muitos tenham planos de fi delidade, vamos ao supermercado que oferece os melhores produtos, mas sempre com os melhores preços. E vamos ao supermercado para comprar aquilo que estamos precisando.

Muitos estabelecem com a religião a mesma relação. Ela deixa de ser um projeto de vida e passa a ser uma prestação de serviço. Assim, cresce o número de pessoas que vão à igreja quando precisam de um sacramento como o batismo ou o matrimônio, ou ainda quando passam por uma enfermidade ou precisam de um aconselhamento de um líder religioso. As pessoas também estão mais exigentes. Buscam o líder religioso que tenha um discurso que as agrade ou a igreja que tenha mais conforto ou facilidade.

Você concorda com a ideia de uma paróquia que recebe o dízimo por cartão de crédito? Isso não é comum, mas é real. Leia a matéria lincada a seguir.

Disponível em: <http://www.em.com.br/app/noticia/economia/2010/10/10/internas_economia,184957/padre-de-bh-

aceita-pagamento-de-dizimo-com-cartao-de-credito.shtml>.

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Leia o livro: VILHENA, Maria Ângela. PASSOS, João Décio (Orgs.). Religião e consumo: relações e discernimentos. São Paulo: Paulinas, 2012. (Coleção religião e universidade). pp. 99-108.

Indicamos ler principalmente o texto de Edin Sued Abumanssur, “O desejo, a religião e a felicidade”.

Mas nem tudo é tão belo. Lipovetsky (2007) aponta dois problemas dessa relação entre o indivíduo e a sociedade. A primeira é que a sociedade moderna desvincula a felicidade e a satisfação da convivência com os outros. Assim, parece que a felicidade é um estado de espírito que se constrói no indivíduo e não depende da sua relação com as outras pessoas (LIPOVETSKY, 2007). Isso não é verdade. Se sou feliz com meu emprego, ele está diretamente relacionado às pessoas. Se uma pessoa arruma uma namorada ou namorado e se casa, se estabelece um vínculo, uma relação. Mesmo para os mais individualistas, vale a máxima da canção de Vinícius de Moraes: “é impossível ser feliz sozinho”.

A segunda ideia de Lipovetsky está relacionada à felicidade como algo efêmero (LIPOVETSKY, 2007). Efêmero se refere a algo que é passageiro de maneira extrema. Aquilo que dura um instante. Nesta lógica, acreditamos que seremos felizes quando tivermos aquele celular, aquele carro, aquela casa ou aquele relacionamento. Mas quando conseguimos isso, outras possibilidades aparecerão e estaremos sempre a buscar novos objetivos que nos tragam essa felicidade.

E a religião, como fi ca nessa sociedade? Além de ganhar traços de consumo, ela passa a ser também individualizada. Na prática, a religião deixa cada vez mais de ocupar os espaços públicos e fi ca delegada ao campo privado. Cada vez menos as igrejas falam de mudanças sociais. Isso signifi ca que elas não exercem infl uência social? Não. Mas o caminho que elas encontram para isso é o do indivíduo.

Se o indivíduo ganha força, consequentemente ele começa a tomar as rédeas de sua vivência religiosa. Para a socióloga Hervieu-Léger (2008), uma das maiores consequências do processo de individualização da religião é o que ela chama de bricolagem, defi nida como a apropriação, por parte do sujeito, “de elementos religiosos, daqui e dali, criando, a partir de suas experiências e expectativas pessoais, pequenos sistemas de signifi cações que dão um sentido à sua existência” (HERVIEU-LÉGER, 2008, p. 63).

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Na perspectiva da autora, o indivíduo participa das atividades religiosas, mas dá o signifi cado que quer a essas práticas. A palavra bricolagem vem do francês e quer dizer “faça você mesmo”. Ela aparece nas lojas que vendem material para que os consumidores confeccionem seus móveis e objetos de decoração. Mas a ideia é a de que o indivíduo “dê seu rosto”, personalize aquilo que faz.

Exemplo disso é o cristão que diz que ressurreição e reencarnação são a mesma coisa e que ele não vê problema em ir à igreja cristã no domingo e “tomar passe” no centro espírita na segunda. Mas você, estudante de Teologia, pode dizer: “Mas realmente, ele não é cristão!” Sinceramente, esse é um problema nosso. Para esse indivíduo, não há problema algum em sua atividade religiosa.

Todavia, há um campo onde a bricolagem se faz presente de maneira mais marcante: na moral. No mundo individualizado as pessoas montam suas próprias regras morais (LIPOVETSKY, 2007). Chegamos então a uma outra característica da sociedade atual, que é a busca de prazer e a moral do bem-estar.

3.4 A moral do bem-estar

A última característica que traremos com respeito à sociedade atual é a da construção de uma moral do bem-estar. Ela é uma consequência das características que elencamos anteriormente. Vivemos em uma sociedade onde as pessoas rejeitam a dor. A morte passa a ser, não um tabu, mas algo que merece ser evitado. Assim, a sociedade atual delegou a morte aos hospitais. Você costuma ter conhecimento de pessoas que morrem em suas casas? Isso é cada vez mais raro. As pessoas nem ao menos sabem como se portar diante da morte.

Não estudaremos aqui a temática da morte. Mas indicamos alguns títulos do monge beneditino Alselm Grün, que trabalham a temática em perspectiva teológico-pastoral.

- O que vem depois da morte, Ed. Vozes, com temática da morte.- Morte: a experiência da vida em plenitude, Ed. Vozes, com

temática de um novo entendimento sobre a experiência da morte.

- O que fi z para merecer isto? Ed. Vozes, com a temática do sofrimento.

Para quem quer um entendimento da morte em perspectiva escatológica, indicamos o livro de Leonardo Boff, Vida para além da morte, Ed. Vozes.

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A sociedade atual acolhe a máxima de que “Sofrer não é bom”. Mas o sofrimento é inevitável. Ele faz parte de nossa vida. Então, para negar esta realidade humana, as pessoas buscam o prazer, a qualquer custo. Cirurgias plásticas são comuns para evitar as imperfeições do corpo, a obesidade é grande, pois se come na busca de um prazer imediato, e o consumo de remédios para depressão é exorbitante, pois as pessoas não conseguem suportar este fardo.

É uma contradição: num mundo em que tanto se prega o prazer e a felicidade, as pessoas têm altos índices de depressão. É importante frisarmos que a depressão é uma doença e precisa ser tratada como tal. Mas a cultura do antidepressivo mostra que a sociedade em que vivemos não suporta a dor e o sofrimento.

Na busca pelo bem-estar e pelo prazer, a sociedade atual vive a consequência da personalização da moral. Vamos lembrar que moral se refere aos comportamentos que são aceitos ou não por determinada sociedade. Quando uma pessoa forma seu próprio critério moral, ela desvincula seus critérios daqueles que são formulados socialmente.

O fi lósofo que serve de base para nossa refl exão é novamente Gilles Lipovetsky. Segundo ele, a sociedade atual vive uma substituição da moral do dever pela moral do bem-estar (LIPOVETSKY, 2005). Nas sociedades tradicionais, as pessoas vivem um forte senso do dever. Elas obedecem às regras e cumprem as leis, mesmo sem concordarem com elas. Os membros das sociedades tradicionais fazem o que é bom e não necessariamente aquilo que traz bem-estar.

Pare um pouco para pensar: você conhece muitos casais que vivem seu casamento há 30 ou 40 anos? E com 50? Provavelmente a resposta é negativa. Existem alguns. Mas eles são cada vez mais raros. Isso porque as pessoas não suportam ser contrariadas. Nossa paciência tem um limite muito pequeno. Não é raro vermos casamentos que não duram sequer uma semana ou um mês. Será que antigamente os casais não discordavam? É claro que sim. Mas eles acreditavam que estar juntos era mais importante que garantir sua satisfação individual.

Quando essa vivência moral chega na religião, temos um entrave. As instituições religiosas ainda pensam a partir do dever. Elas formulam seus critérios morais tendo o dever como base. Um comportamento é aceito por ser bom e não porque traz satisfação. No entendimento das instituições, satisfação é diferente de felicidade. Se tenho diabetes e decido tomar um sorvete, posso ter um momento de satisfação, mas isso não me traz felicidade. A felicidade está relacionada à construção de um projeto de vida.

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Diferentemente das instituições religiosas, que têm bases medievais, os indivíduos da sociedade pós ou hipermoderna confundem satisfação com felicidade. Assim, o indivíduo se sente feliz à medida que consome, à medida que tem prazer, à medida que consegue vivenciar momentos de satisfação.

Assim, os indivíduos criam sua própria moral, tendo como base a satisfação e não o dever. É comum encontrarmos um jovem que vai todos os domingos à missa, mas, ao manter relações sexuais com sua namorada, utiliza preservativos. Vamos lembrar que, segundo a moral católica, o sexo deve ser reservado ao casamento e os métodos contraceptivos não são aceitos. Também podemos encontrar a mulher que toma anticoncepcional. A situação é semelhante à do jovem. Tempos atrás esta separação entre o que a religião ensinava e o seu membro praticava não existiria. As pessoas assumiriam as orientações de sua religião incondicionalmente.

Assim, os indivíduos criam sua própria

moral, tendo como base a satisfação e

não o dever.

Escolha um jovem ou adolescente de sua comunidade para conversar, de preferência que não seja uma liderança da comunidade. E isso por um motivo metodológico. As lideranças têm um discurso mais elaborado e teológico.

Escolhendo o jovem, converse com ele sobre a maneira como ele vive sua religião. Busque perceber se ele dá mais valor às suas aspirações ou ao envolvimento comunitário.

Também encontramos casos de cristãos que, mesmo assumindo o discurso do seguimento de Jesus, aceitam comportamentos corruptos. Eles vão desde ocupar a vaga de defi ciente no estacionamento, entrar na fi la para defi cientes, idosos e gestantes, até a prática de desvios de verbas daqueles que ocupam cargos públicos. Essas pessoas continuam se sentindo cristãs. E nosso objetivo, aqui, não é dizer se elas são ou não. Mas queremos identifi car tais comportamentos para, entendendo as motivações do indivíduo atual, estabelecer critérios e práticas pastorais que consigam dialogar com eles.

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Algumas ConsideraçÕesNeste primeiro capítulo trouxemos alguns elementos para melhor

entendermos a Igreja onde desenvolvemos nossa prática pastoral e a sociedade onde vivemos. Uma comunidade religiosa se constrói a partir da cultura onde está. Por isso, entender a cultura é um pré-requisito para pensar as práticas pastorais de nossa comunidade.

No mundo atual, podemos perceber que a religião se urbanizou. Com essa urbanização, três características a acompanham: a crise das instituições, a individualização da vivência religiosa e a construção de uma moral personalizada, que busca o bem-estar e nega a possibilidade de uma moral do dever.

É com esse sujeito que nossa prática pastoral irá dialogar, buscando ser efi ciente e efi caz. Se não entendermos nossos interlocutores, de pouco adiantará aquilo que pensamos na teologia pastoral. De que adiantam discursos belos se não dizem muito às pessoas? Entendendo a sociedade atual, podemos, agora, pensar práticas pastorais.

ReFerÊnciasARANHA, Maria; MARTINS, Maria. Filosofando: introdução à fi losofi a. São Pau-lo. Ed. Moderna, 2002.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

BENEDETTI, Luiz Roberto. A religião na cidade. In: ANTONIAZZI, Alberto; CALI-MAN, Cleto (Orgs.). A presença da igreja na cidade. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994, pp. 61-73.

BOFF, Leonardo. Vida para além da morte. 26. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.COLLIOT-THÉLÈNE, Catherine. A sociologia de Max Weber. Tradução de Cláudio José do Valle Miranda. Petrópolis, RJ: Vozes, 2016. (Coleção Sociologia: pontos de referência)

DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa. São Paulo: Mar-tins Fontes, 1996.

FERRY, Luc; VINCENT, Jean-Didier. O que é o ser humano? Sobre os princípios fundamentais da fi losofi a e da biologia. Tradução de Lúcia Mathilde Endlich Orth. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.

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RELIGIÃO, CULTURA E SOCIEDADE Capítulo 1

GENNEP, Arnold van. Os ritos de passagem: estudo sistemático dos ritos da porta e da soleira, da hospitalidade, da adoção, gravidez e parto, nascimento, infância, puberdade, iniciação, coroação, noivado, casamento, estações, etc. Tradução de Mariano Ferreira. 4. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013. (Coleção An-tropologia)

GEERTZ, Clifford. A religião como sistema cultural. In: A interpretação das cul-turas. Rio de Janeiro: LTC, 1989. pp. 101-142.

GRÜN, Anselm. O que vem depois da morte. Tradução de Bianca Wandt. 4. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.

_______. Morte: a experiência da vida em plenitude. Tradução de Markus A. He-diger. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.

_______. O que fi z para merecer isto? Tradução de Edgar Orth. 5. ed. Petrópo-lis, RJ: Vozes, 2011.

HAUGHT, John F. Mistério e promessa: teologia da revelação. Tradução de Ed-wino Royer. São Paulo: Paulus, 1998. (Teologia sistemática)

HERVIEU-LÉGER, Danièle. O peregrino e o convertido: a religião em movi-mento. Tradução de João Batista Kreuch. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.

LIBÂNIO, João B. Crer num mundo de muitas crenças e pouca libertação. São Paulo: Paulinas, Sequem, 2003.

LIPOVETSKY, Gilles. A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo. Tradução de Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

_______. A sociedade pós-moralista: o crepúsculo do dever e a ética indolor dos novos tempos democráticos. Tradução de Armando Braio Ara. Barueri, SP: Manole, 2005.LIPOVETSKY, Gilles; SERROY, Jean. A cultura-mundo: resposta a uma socie-dade desorientada. Tradução de Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

MARCHINI, Welder Lancieri. Juntos e misturados: uma análise do hibridismo na religiosidade metropolitana. Último andar (PUCSP. On-line), v. 26, p. 125-144, 2015a.

_______. Plantando a cruz em chão de concreto: o cristianismo católico em contexto de metrópole a partir da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Tat-uapé. PUC-SP: Dissertação de mestrado, 2015b.

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PRÁTICA PASTORAL

MELLO, Luiz Gonzaga de. Antropologia cultural: iniciação, teoria e temas. 20. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015.

QUEIRUGA, Andrés Torres. Repensar a revelação: a revelação divina na real-ização humana. Tradução de Afonso Maria Ligorio Soares. São Paulo: Paulinas, 2010. pp. 105-232. (Coleção repensar)

TOURAINE, Alain. Poderemos viver juntos? Iguais e diferentes. Tradução de Jaime A. Clasen e Ephraim F. Alves. 2. ed. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2003.

VILHENA, Maria Ângela; PASSOS, João Décio (Orgs.). Religião e consumo: relações e discernimentos. São Paulo: Paulinas, 2012. (Coleção Religião e uni-versidade).

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CAPÍTULO 2

Teologia Pastoral: Conceitos e Mé-todos

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem:

Entender o conceito de teologia pastoral.

Identifi car as principais características da teologia pastoral.

Produzir práticas pastorais embasadas nos fundamentos bíblicos e epistemológicos.

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ConteXtualizaçãoAo falarmos de pastoral, a primeira fi gura que nos vem à mente é a do pastor.

E então trago uma questão importante. Você, aluno, já viu um pastor, ou convive com ovelhas? Sabemos que a pastoral é a ação da Igreja que quer repetir, em sua prática, os gestos de Jesus, o pastor.

Jesus viveu em um contexto rural. Ele fala de sementes e semeadores, videira e agricultor, ovelhas e pastores. A estratégia de Jesus funciona, pois ele vive em uma sociedade rural. Como podemos criar estratégias que dialoguem com o mundo urbano em que vivemos?

Leonardo Boff, O Senhor é meu pastor. O autor faz uma refl exão a partir da hermenêutica do Salmo 23, trazendo a fi gura de Deus como pastor.

No primeiro capítulo de nosso material, você teve contato com aquilo que chamamos de uma “fotografi a” da sociedade atual. Ela é constituída de cidades cada vez maiores, mas que ao mesmo tempo oferece menos contato entre as pessoas. Ela também é caracterizada por instituições religiosas e sociais que infl uenciam menos a vida de seus indivíduos. Este indivíduo, por sua vez, é cada vez mais isolado e sente que pode construir sua própria vida, marcada por uma personalização das experiências religiosas.

O grande desafi o da teologia pastoral é pensar práticas que consigam dialogar com este indivíduo e com esta sociedade. Como dissemos no Capítulo 1, queremos uma pastoral que tenha efi ciência e efi cácia, que consiga estabelecer estratégias pastorais que sejam bem executadas e alcancem resultados.

Ao pensarmos na prática pastoral, vamos também fazer uma importante refl exão: que resultados podem ser considerados bons? Esse critério muda ao longo da história e depende do momento vivido por cada comunidade.

O grande desafi o da teologia pastoral é

pensar práticas que consigam dialogar

com este indivíduo e com esta sociedade.

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Fundamentos EPistemolÓgicosEpistemologia é a refl exão sobre a natureza de alguma coisa, sobre sua razão

de ser, mas também sobre a construção do próprio conhecimento. Ao falarmos de um fundamento epistemológico da prática pastoral, queremos entender o que ela é e, ao mesmo tempo, apontar métodos para a construção de uma teologia da ação pastoral.

Se você quiser entender melhor o que é epistemologia, fi ca a indicação:

CHAUÍ, Marilena. Convite à fi losofi a. Editora Ática.

Leia a “Unidade 3”, que fala sobre a razão e a construção do conhecimento.

1. Para falar de uma teologia pastoral

Primeiramente, para falar da epistemologia, vamos retomar rapidamente aquilo que é a teologia. Ela é muito mais que a experiência religiosa que temos na comunidade, de uma adesão de fé ou de práticas religiosas (LIBÂNIO; MURAD, 2007).

Ao escrever sobre o método teológico, Clodovis Boff defi ne a teologia como

algo que “nasce do coração da própria fé” (BOFF, 1997). Segundo o mesmo autor, a fé constitui-se de elementos cognitivo, afetivo e ativo (1997, p. 17). É então, a fé, um pressuposto básico para a produção teológica. A fé é entendida como mobilização afetiva e cognitiva do sujeito que, baseando-se em sua produção, terá uma diretriz e orientação, não somente para sua vida particular, mas para a comunidade de fé à qual pertence (BOFF, 1997, p. 17).

Fé é muito mais que sentimento. Quando temos um momento de contato com Deus, não temos necessariamente um momento de fé. A fé é consequência daquilo que vivemos. A fé, que vem do latim “fi des” ou do grego “pistia”, nos remete à ideia de fi delidade, que é muito mais uma atitude de compromisso que um sentimento.

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TEOLOGIA PASTORAL: CONCEITOS E MÉTODOS Capítulo 2

Quanto ao seu método, o da teologia diz que “ela trata todas as coisas à luz de Deus” (BOFF, 1997, p. 23). Na prática da produção teológica pode-se entender que o teólogo tem como princípio a experiência histórica da comunidade religiosa que está presente na Bíblia, mas também na tradição, entendida como a experiência constituída no período que sucede os escritos bíblicos.

Na ocupação de estabelecer um diálogo entre a produção teológica e a compreensão de Deus, o teólogo Andrés Torres Queiruga entende ser necessária a superação do entendimento da Revelação divina como movimento unilateral ocupando-se de uma hermenêutica da imagem de Deus (QUEIRUGA, 2010). A Revelação é o momento fundante do fazer teológico (LIBÂNIO, 2005). Deus se revela à humanidade. Mas Deus se revela na história. Nosso agir, o contexto onde vivemos, nossas experiências, angústias e alegrias nos mostram quem é Deus.

Hermenêutica é uma palavra que vem da fi losofi a. Ela está relacionada à capacidade que temos de interpretar textos. Biblicamente também desenvolvemos uma hermenêutica, os textos bíblicos devem ser interpretados (LIMA, 2014, p. 15). Para melhor interpretar os textos bíblicos, a teologia fará uso da exegese, que é o método de estudo das palavras dos textos em grego (Novo Testamento e os livros sapienciais do Antigo Testamento) ou hebraico (Antigo Testamento) no contexto bíblico, vendo naquele contexto como essas palavras eram utilizadas.

Não queremos dizer que o sentimento não seja bom. Ele pode ser. Mas não é fé. Um exemplo de fé é Abraão. E por quê? Ele assume um compromisso com Deus, que diz “Saia de sua terra, do meio de seus parentes e da casa de seu pai, e vá para a terra que eu lhe mostrarei” (Gn 12,1). A fé de Abraão não se mostra pelo contato que ele tem com Deus, mas com o compromisso assumido, com a fi delidade construída.

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Existem algumas cartilhas (livretos com instruções básicas) que em muito auxiliam em uma introdução aos métodos de leitura da Bíblia e na construção de uma hermenêutica bíblica.

- Introdução à leitura da Bíblia, Paulinas.- Beabá da Bíblia, Paulinas.- ABC da Bíblia, Paulus.

Todos eles se encontram em nossa bibliografi a.

É na leitura da obra conjunta dos teólogos brasileiros João Batista Libânio e Afonso Murad (2007) que encontraremos a perspectiva que mais nos interessa no entendimento do fazer teológico. A teologia é um saber que busca oferecer uma diretriz à comunidade cristã. No fundo, você, estudante, busca fazer teologia para melhor servir à sua comunidade, oferecendo a ela, mesmo que de maneira indireta, muito daquilo que aqui você aprendeu.

Isso não signifi ca que, depois de fazer teologia, você buscará explicar a todos de sua comunidade todas as coisas que aprendeu, dizendo a eles que estão equivocados e que você, sim, sabe ao certo os conteúdos da fé. A teologia deve mudar, sobretudo, seu modo de agir, suas concepções pastorais, e cultivar a humildade diante do relacionamento com as pessoas de sua comunidade.

Vamos recapitular...

Podemos entender, trazendo as informações que vimos até aqui, a teologia como produção de cunho epistemológico-acadêmico que, baseada na leitura da história cristã, busca oferecer diretrizes ao cristianismo, seja o vivido nas comunidades eclesiais, seja o pensado na doutrina, moral ou entendimento bíblico, que é responsabilidade da instituição.

No fundo, você, estudante, busca

fazer teologia para melhor servir à

sua comunidade, oferecendo a ela, mesmo que de

maneira indireta, muito daquilo que

aqui você aprendeu.

A teologia deve mudar, sobretudo, seu modo de agir, suas concepções

pastorais, e cultivar a humildade diante do relacionamento com as pessoas de sua

comunidade.

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Atividade de Estudos:

1) Escreva um pequeno texto que elenque as principais características do fazer teológico. Depois diga como o fazer teologia modifi ca a sua prática pastoral.

_________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

E a teologia pastoral? Vamos ver agora alguns autores que nos ajudam a entender aquilo que é a teologia pastoral, como ela se organiza e qual o método que ela utiliza para pensar a vida prática das comunidades eclesiais.

A teologia pastoral pode ser defi nida como refl exão teológica sobre o conjunto das atividades com as quais a Igreja se realiza, com a fi nalidade de defi nir como essas atividades devem ser desenvolvidas, levando em consideração a natureza da Igreja, sua situação atual e a do mundo (SZENTMÁRTONI, 2014, p. 11).

Se a teologia pensa a doutrina e o próprio ser da Igreja, sendo uma área prática do pensar teológico, a teologia pastoral nasce com o objetivo de pensar o ser da Igreja em seu contato com as pessoas. Ela não é somente um planejamento prático das atividades pastorais de uma comunidade. Antes, a teologia pastoral busca estabelecer critérios para fundamentar o modo de ser e agir da comunidade eclesial (LIBÂNIO; MURAD, 2007).

Esse modo de ser e agir gera um método, um modo próprio de se construir. Assim, a teologia pastoral se constitui uma área autônoma da teologia, nunca desvinculada, mas diferente. A maneira como fazemos teologia bíblica é diferente da maneira como pensamos os sacramentos ou a eucaristia. Também a teologia pastoral tem seus próprios parâmetros de conhecimento. Sobre a epistemologia própria da teologia pastoral, dizem os autores Benincá e Balbinot (2009, p. 6):

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Acreditamos que a prática pastoral pode ser o ponto de partida para a construção de conhecimentos específi cos da ação evangelizadora. Mais: este processo de construção de conhecimento, longe de contradizer a mística do discípulo missionário, é como que uma garantia de sua qualifi cação.

Não existe um único modo para pensarmos a teologia pastoral. Existem modelos. Iremos sistematizar os principais.

2. Os modelos de concepção pastoral ao longo da história

Ao tratar da teologia pastoral, o teólogo Agenor Brighenti (2006) aborda os modelos da trajetória eclesial. Eles trazem a maneira como o próprio cristianismo encontra para desenvolver seus trabalhos pastorais ao longo da história. Nesta seção de nosso material, vamos sintetizar os cinco modelos pastorais pensados por Brighenti (2006): o da pastoral profética, o da pastoral sacramental, o da pastoral coletiva, o da pastoral de conjunto e, por fi m, o da pastoral de comunhão e participação.

A cada modelo o autor soma um modelo de ação, ou seja, como este modelo entende que deve agir, e o modelo eclesial, ou seja, a autocompreensão da própria Igreja neste determinado período. Você pode se aprofundar no entendimento destes modelos na própria obra.

Agenor Brighenti, A pastoral dá o que pensar. Editora Paulinas.

2.1 Modelo pastoral profética

Historicamente é o modelo que compreende o período patrístico – período da teologia que sucede o período apostólico e se desenvolve até o século V d.C. – e tem seu fi m com a era constantiniana e o modelo de cristandade. O importante é entendermos que, quando a Igreja dá continuidade ao projeto de Jesus, ela primeiramente tem uma ação e desta ação surge o modelo eclesial (BRIGHENTI, 2006, p. 22).

• Modelo de ação: é baseado no testemunho dos primeiros cristãos (mar-tyría), no anúncio de Jesus, morto e ressuscitado (kerigma) e no ensina-mento da Palavra de Deus (didaskalia) (BRIGHENTI, 2006).

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• Modelo eclesial: em cada cidade havia uma única comunidade (ecclesia / assembleia). O modelo eclesial não está centrado no templo. Eles não eram a base da comunidade. A assembleia remete justamente ao grupo de pessoas. Após a escuta do kerigma, o neoconvertido participava do processo de catecumenato, era batizado e passava a fazer parte da co-munidade. A igreja funcionava nas casas que buscam viver a comunhão (koinonía) (BRIGHENTI, 2006).

2.2 Modelo pastoral sacramental

Com a decisão de Constantino (307-337 d.C.) de que o cristianismo teria liberdade de culto, preparando o terreno para a decisão de Teodósio (379-395 d.C.) de torná-lo a religião ofi cial do Império Romano, há um aumento exponencial no número de seus adeptos. A Igreja doméstica dá lugar à Igreja das Basílicas. A clandestinidade dá lugar à segurança da ofi cialidade. Os processos catecumenais dão lugar à sacramentalização (BRIGHENTI, 2006, p. 24).

• Modelo eclesial: O modelo esclesial deste período está relacionado à cri-standade, entendida como período em que o cristianismo se atrelou ao Império Romano. Os bispos passam a ser fi guras jurídicas mais que pas-tores do povo. A hierarquia assume, aos poucos, o modelo imperial que se estende pela Idade Média. A vivência comunitária das primeiras comuni-dades cede espaço à administração dos sacramentos (BRIGHENTI, 2006).

• Modelo de ação: A ecclesia, caracterizada pela vivência fraterna, dá lu-gar às paróquias, que têm caráter mais jurídico, visto que são lugares da administração clerical. E aqueles que continuam nas cidades deixam de viver os processos de catecumenato. Os monastérios e eremitérios vivem a espiritualidade de fuga mundi (fuga do mundo). A interação com o mun-do dá lugar à salvação da alma, característica comum da espiritualidade medieval (BRIGHENTI, 2006).

A Igreja medieval vive muitos confl itos entre hierarquia e grupos populares que buscavam resgatar a fé. São Francisco de Assis mostra alguns destes confl itos. Você pode assistir a dois fi lmes que retratam este período.

Irmão sol, irmã lua (1972) ressalta o lado poético da espiritualidade mendicante franciscana, sem deixar de lado seus confl itos institucionais. A cena fi nal é muito reveladora quando falamos da relação com a hierarquia católica medieval.

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Francesco (1989) ressalta o lado humano de Francisco, seus confl itos internos e também os problemas que teve com a institucionalização da Ordem dos Frades Menores.

2.3 Modelo pastoral coletiva

O modelo da pastoral coletiva será o da “sociedade perfeita”. Enfraquecem-se os processos individuais de iniciação e pensa-se a Igreja como corpo coletivo. Consequentemente, se fortalece a instituição.

O cristianismo, enquanto organização institucional, é fortemente abalado pelas tantas reformas que acontecem na Modernidade. A Reforma Luterana (1517), Calvinista (1549), Anglicana (1534) ou mesmo a Reforma Católica (1554-1563), chamada por muitos de Contrarreforma, tiram do cristianismo católico sua hegemonia. Num primeiro momento, a tendência será de fechamento. Este modelo é coletivo não por visar à coletividade da Igreja ou a comunhão fraterna, mas por buscar reafi rmar a identidade social da Igreja assegurando maior número de adeptos (BRIGHENTI, 2006). A seguir você verá alguns modelos de pastoral coletiva:

• Modelo eclesial: o modelo deste período será o da Igreja como “socie-dade perfeita”. Há um fechamento da Igreja Católica diante do Luteran-ismo que pregava que somente as Escrituras deveriam ser consideradas como fonte de Revelação, que o cristão se salva pela fé e pela graça de Deus. Contrapondo-se, a Igreja Católica reafi rma a importância dos sacra-mentos e da hierarquia (BRIGHENTI, 2006).

• Modelo de ação: fortalece-se a concepção de que há salvação somente dentro da Igreja Católica. Cresce a devoção eucarística e mariana, como também a visão da missa como sacrifício e, consequentemente, a valori-zação do sacerdócio (BRIGHENTI, 2006).

2.4 Modelo pastoral de conjunto

A pastoral de conjunto busca ser alternativa à pastoral coletiva. Ela não visa apenas abarcar adeptos, mas quer o envolvimento e a participação da comunidade cristã. Ela será ofi cializada pelo Concílio Vaticano II (1962-1965) como proposta de um aggiornamento da Igreja Católica (BRIGHENTI, 2006).

• Modelo de ação: há no modelo da pastoral de conjunto o ideal de diálogo, seja com a modernidade, seja com a ciência ou com a sociedade como um

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todo. O protagonismo dos leigos presente neste modelo é fruto da Ação Católica, iniciativa europeia que buscava responder às necessidades das sociedades locais. Busca-se mais a valorização da Igreja como Povo de Deus e menos das organizações hierárquicas (BRIGHENTI, 2006).

• Modelo eclesial: O Concílio Vaticano II quer ser um concílio essencial-mente pastoral. Para tanto, entende a Igreja como organismo de comun-hão, que o mundo deve buscar um diálogo que se concretiza, sobretudo, pela atitude de serviço (BRIGHENTI, 2006).

2.5 Pastoral de comunhão e participação

O Concílio Vaticano II conta com grande participação da Igreja latino-americana, e aqui, passará pelo que Agenor Brighenti chama de “recepção criativa”. Principalmente, a Conferência de Medellín (1968), organizada pela CELAM (Conferência Episcopal Latino-americana) que busca estabelecer um diálogo com a sociedade local (BRIGHENTI, 2006).

• Modelo de ação: Há na Igreja latino-americana um apelo por uma ação de cunho social, denominada de “opção preferencial pelos pobres”. Este ape-lo vem acompanhado por um protagonismo dos leigos que se envolvem no mundo da política e na organização de comunidades. Também neste momento surgem as CEBs (Comunidades Eclesiais de Base), que enten-dem em conjunto a consciência cristã e cidadã (BRIGHENTI, 2006).

• Modelo eclesial: A Conferência de Puebla (1979), também da CELAM, busca ver o rosto de Jesus nos pobres e também nos jovens. Há a busca de diálogo entre o Evangelho de Jesus e a realidade social latino-ameri-cana, neste período marcada por governos militares e confl itos de ordem social (BRIGHENTI, 2006).

Alguns fi lmes auxiliam no entendimento da ação da Igreja na realidade latino-americana:

Elefante Branco (2012).Batismo de Sangue (2006).Romero (1989).

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Os modelos de ação pastoral se desenvolveram ao longo da história. Mas eles perpetuam suas características no tempo. Sua comunidade pode, mesmo estando no século XXI, trazer características de um modelo sacramentalista, de conjunto, ou de comunhão e participação.

Atividade de Estudos:

1) Sua comunidade pode se aproximar de um dos modelos que vimos ou mesmo trazer uma mistura de vários modelos.

Faça o exercício de identifi car, partindo dos modelos que vimos, qual o modelo (ou os modelos) que estruturam a comunidade eclesial onde você participa. Escreva uma pequena redação, elencando. Escrever muito nos ajuda na sistematização de nosso pensamento.

É importante lembrarmos que o modelo revelará, posteriormente, quais as estratégias de trabalho pastoral que assumimos na comunidade eclesial._______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Se o modelo de uma comunidade é o sacramentalista, muito do agir comunitário estará voltado para que as pessoas tenham o acesso aos sacramentos. Se o modelo é o de participação, a comunidade buscará se organizar para um maior envolvimento das pessoas em suas estruturas.

Qual modelo é o melhor? Isso depende de cada comunidade. O importante é entendermos que, se não identifi camos o modelo que nos orienta, fi ca mais difícil pensar em estratégias pastorais efi cazes.

Qual modelo é o melhor? Isso

depende de cada comunidade.

O importante é entendermos que,

se não identifi camos o modelo que nos orienta, fi ca mais difícil pensar em

estratégias pastorais efi cazes.

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3. Os cenários de Igreja

O teólogo brasileiro João Batista Libânio fala de cenários. O cenário, diferente do modelo, é mais fl uido, pode ser modifi cado com mais facilidade. Também os vários cenários podem dialogar entre si. Utilizando a metáfora do teatro, um cenário pode contar com vários elementos, desde cenografi a até atores. Eles interagem entre si. Mas há sempre um cenário que predomina.

João Batista Libânio, Cenários da Igreja, Loyola. A obra servirá de base para as informações que traremos nos próximos parágrafos.

Mas uma refl exão do autor se faz necessária: “Um cenário não se escolhe. Impõe-se. Tem-se de viver dentro dele. As análises ajudam a elaborar as estratégias de resistência, caso triunfe um cenário adverso. Ou a organizar as próprias forças vitoriosas” (LIBÂNIO, 2001, p. 13).

O cenário se sobrepõe à pessoa. Quando entramos em uma comunidade, por mais que a infl uenciemos com nossas ideias e perspectivas evangélicas, somos quase que determinados por seus planos, modo de ser e perspectivas pastorais.

Uma comunidade pode “matar” o espírito do Evangelho trazido por um de seus membros? Muitas vezes podemos nos deparar com situações em que pessoas, com entusiasmo, são dominadas pelo espírito comodista da comunidade que se deixou dominar por uma pastoral de manutenção, perdendo seu caráter missionário.

Libânio (2001) traz quatro cenários que nos auxiliam na identifi cação das características pastorais de uma comunidade: o cenário de uma Igreja da instituição, o da Igreja carismática, o da Igreja da pregação e o da Igreja da práxis libertadora. Vamos trazer um breve resumo de cada cenário, para nos auxiliar na refl exão sobre o tema, nos baseando na obra de Libânio (2001).

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3.1 Cenário de uma Igreja da Instituição

Podemos entender por instituição uma organização de um grupo a partir da criação de estruturas de organização. A organização institucional é própria de grupos que crescem numericamente. Quanto mais uma comunidade eclesial cresce, mais ela precisa se organizar criando regras, diretrizes e estatutos (LIBÂNIO, 2001).

Em uma Igreja de cenário institucional há uma maior valorização das organizações institucionais, e uma menor valorização das vivências espontâneas. O centro são as organizações hierárquicas da instituição. Os ministérios, conselhos, cúria, diocese ou paróquia ganham maior relevância. O líder religioso local deve se submeter às orientações gerais.

Neste cenário são mais relevantes a lei e a norma. Se um participante da comunidade descumpre uma norma, ele deve ser advertido. As normas são vistas como boas, pois dão diretriz e orientação. Há uma rigidez moral. Por exemplo, se a comunidade eclesial não permite o divórcio ou um segundo casamento, a pessoa que se encontra nesta situação será orientada pela comunidade a deixar de viver na ilegalidade. Em ambientes evangélicos, haverá uma valorização dos usos e costumes.

O mesmo rigorismo se fará presente na liturgia. Também os ritos devem ser obedecidos. No caso católico há, neste cenário, uma valorização das rubricas que orientam a celebração da missa. A regra é vista como o grande instrumento para orientação da comunidade.

Os processos catequéticos são vistos na perspectiva do catecismo. Na tradição católica há uma diferença entre catequese e catecismo. Enquanto a catequese é o processo de preparação para o seguimento de Jesus, o catecismo é um livro que traz a doutrina católica. Neste cenário, as duas realidades se transformam em uma. Seguir Jesus signifi ca assumir a doutrina da Igreja. Mas na tradição evangélica ou protestante, este cenário indica uma valorização da doutrina. Seguir Jesus é sinônimo de obedecer a uma moral e conhecer a doutrina cristã.

A cada cenário veremos um ponto forte e um ponto fraco.

• Ponto forte: como vimos no Capítulo 1, o mundo atual traz muitas insegu-ranças e transformações, principalmente para as religiões. O cenário insti-tucional oferece segurança diante de um mundo tão incerto. Diante da fl exib-ilidade moral, as instituições transmitem regras e orientações bem defi nidas. A segurança vem também pela caracterização. No ambiente católico haverá sobretudo a valorização das vestes e dos objetos religiosos. No ambiente evangélico, de elementos midiáticos como a música gospel.

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• Ponto fraco: este cenário vai na contramão da pós-modernidade, podendo ocorrer no erro de “fechar-se num gueto”. A Igreja se transforma em um grupo de pessoas que falam uma mesma linguagem e assumem o mesmo comportamento, mas não conseguem dialogar com aqueles que pensam diferente.

3.2 Cenário de uma Igreja Carismática

Se a instituição se caracteriza pela criação de regras e orientações, a Igreja Carismática se constitui como um cenário que caminha para o oposto. Mas isso não signifi ca que a Igreja no cenário carismático segue um laxismo moral, onde tudo é permitido.

O carisma aqui segue a teoria do sociólogo Max Weber (apud PASSOS, 2006). Ao ser fundada, uma religião segue as orientações do seu líder, que geralmente é uma pessoa carismática. As pessoas não o seguem necessariamente por suas teorias e ideias, mas pelo poder de agregar seguidores, por sua simpatia e poder de sedução.

Este cenário caminha em sentido oposto ao da instituição, por colocar toda a responsabilidade não na regra, mas na fi gura do líder. As regras podem estar tão presentes quanto no cenário institucional. Mas quem decide é o líder. A institucionalização começa com a ausência da liderança carismática, geralmente por causa de sua morte.

No cenário da Igreja Carismática há uma valorização das experiências emotivas. As pessoas participam de determinada igreja ou seguem o líder por motivações da ordem pessoal, como difi culdades fi nanceiras ou ausência de um relacionamento amoroso. O líder carismático se torna um refúgio, um oásis que dá esperança para que as situações da vida sejam resolvidas.

O estilo ritual presente neste cenário é o do clima religioso e introspectivo. Quase não há teologia. Existe a experiência de cada um e a experiência individual. Mais importante que entender quem é Deus, é experimentá-lo. O discurso religioso e os cultos são voltados ao indivíduo e suas necessidades, sejam emocionais, existenciais ou fi nanceiras.

• Ponto forte: tem facilidade de dialogar com a pós-modernidade. Por ter um discurso personalizado, consegue dialogar com as necessidades concretas da vida das pessoas. Seu discurso sai do campo estritamente teológico e ganha praticidade. Isso faz com que este cenário se popularize, não somente no ambiente pentecostal, mas também evangélico e católico. Os líderes re-

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ligiosos midiáticos, que assumem um discurso que tem como interlocutor o indivíduo e suas necessidades, ganham cada vez mais espaço.

• Ponto fraco: não dialoga com a Igreja institucional e com os avanços científi cos. Por ser o seu discurso embasado no líder carismático, há uma rejeição de toda construção de conhecimento que pode ser entendida como uma ameaça ao seu carisma.

3.3 Cenário de uma Igreja da pregação

A Igreja da pregação se entende como a Igreja da Palavra. De certa forma, ela está relacionada ao espírito luterano, que entende a Palavra de Deus como a única forma de Revelação. Mas aqui a palavra não pode ser entendida unicamente como a Bíblia. Não é unicamente a Palavra, mas a palavra, ou seja, é a igreja da instrução. Liga-se ao aspecto doutrinal, ao ensinamento, ao conhecimento, à pregação.

No cenário da palavra a instrução tem relevância. Os processos catequéticos ganham importância. Há uma forte construção da doutrina, mas, diferente do cenário institucional, ela não é entendida como regra ou normatividade, mas como instrução, que leva em consideração a relação com o indivíduo que aprende (LIBÂNIO, 2001).

As práticas são catecumenais, ou seja, visam ao preparo dos sujeitos eclesiais, criando ambientes e possibilidades para que se instruem segundo os conteúdos da fé. Há, neste cenário, uma valorização do estudo pessoal e da busca do conhecimento por parte dos participantes.

Os rituais e liturgias serão bíblicos. No ambiente evangélico e protestante haverá a pregação da palavra e, por meio dela, o entendimento da vida humana e da comunidade. No ambiente católico, há a valorização dos métodos de leitura e oração a partir da palavra como a Lectio Divina.

• Ponto forte: busca o saber e o conhecimento. Diferente dos cenários insti-tucional e carismático, que colocam a responsabilidade sobre os líderes e a organização, o cenário da Igreja da Palavra cria sujeitos autônomos, que buscam conhecer os conteúdos e refl exões da fé. Os membros da Igreja da Palavra buscam instrução, participam de cursos e formação e têm hábito de leitura, principalmente de conteúdos relativos à fé.

• Ponto fraco: espera um grau de comprometimento com a Igreja e instrução de seus adeptos que fi ca difícil colocá-la em prática. Esse cenário tem pou-ca facilidade de dialogar com o ritmo de vida atual. Num mundo onde o

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ritmo de vida é intenso e as pessoas dedicam pouco tempo à participação religiosa, o cenário da palavra pede uma maior dedicação de seus mem-bros à instrução.

3.4 Cenário de uma Igreja de práxis libertadora

O Concílio Vaticano II (1962-1965) muda a prática pastoral e o próprio entendimento que a Igreja tem dela mesma, principalmente com a ideia do aggiornamento, conceito que sintetizava a intenção do Papa João XXIII de trazer novos ares à Igreja (LIBÂNIO, 2001). Na América Latina, o Concílio ganha contornos bem particulares, que fi cam mais evidentes com a Conferência de Medellín, organizada pelos bispos latino-americanos para pensar o Concílio em realidade local.

O cenário da práxis libertadora será fruto da Teologia da Libertação, método teológico que buscou interação da teologia com a realidade social latino-americana. Medellín será marcada sobretudo pela opção preferencial pelos pobres e todo o desmembramento desta opção na organização comunitária da Igreja. O catolicismo, além de muitas comunidades protestantes e evangélicas, fortalece seu trabalho nas periferias das cidades.

O cenário da práxis libertadora tem como instrumento a leitura popular da Bíblia, que se instrumentaliza principalmente em forma de círculos bíblicos. As comunidades passam a ler os acontecimentos históricos relacionando-os com a Palavra de Deus. A base para a leitura bíblica é o Método Histórico Crítico, que busca entender o texto bíblico a partir de seu contexto histórico.

A organização eclesial do cenário da práxis libertadora são as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Que são grupos de organização popular com forte apelo sociopolítico. O cenário da práxis libertadora entende que a ação do Evangelho deve gerar mudanças históricas.

Na liturgia, esse cenário traz o diálogo entre o rito e as necessidades e motivações concretas. Surgem as chamadas missas afro, indígena, sertaneja, do trabalhador, entre outras. A intenção é que a liturgia ilumine a vida concreta, principalmente quando aparecem as difi culdades de contexto cultural, político ou social.

• Ponto forte: presença signifi cativa no continente latino-americano. O cenário se mostra efi ciente ao estabelecer diálogo entre a teologia pensada e a prática vivida. Assim, estabelece aquilo que chamaríamos de práxis cristã. A teologia ilumina a vida concreta ao mesmo tempo em que a prática social serve de elemento para a produção teológica.

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• Ponto fraco: ligação com a esquerda e o sindicalismo. Esse cenário se mostrou frutuoso nas décadas de 1960 a 1970, quando os países lati-no-americanos viviam sob os regimes ditatoriais. Com o avanço das de-mocracias, o cenário da práxis libertadora mostrou pouca habilidade em estabelecer diálogo com os novos contextos eclesiais.

Vimos os quatro cenários explicitados pelo teólogo brasileiro João Batista Libânio (2001). Na atividade de estudo, a seguir, apresentaremos uma situação concreta. Convidamos você, aluno ou aluna, a identifi car qual cenário se faz mais presente.

Atividade de Estudos:

1) Vamos ler o relato de um pastor missionário no Nepal. Há em sua fala características com as quais podemos identifi car os cenários acima. Busque ler o relato e faça um exercício redacional apontando quais são as características de cada cenário.

26 nov. 2011, ÍNDIA

Meu nome é Sirjan Bhattarai. Sou pastor de uma igreja apoiada por Gospel for Asia (GFA), no Nepal, e também estou ministrando nos arredores dos vilarejos não alcançados.

Além de meu trabalho pastoral, Deus me deu o grande privilégio de produzir o programa de rádio na língua gurung para o GFA. Antes de lidar com a responsabilidade de produtor e locutor na língua gurung, eu pensava que transmitir um programa de rádio nessa língua era um esforço sem sentido, considerando o estado atual do Nepal.

Eu pensava: “A língua nepalesa é a língua comum com que todos se comunicam no Nepal. Transmitir um programa em gurung é um desperdício de tempo e dinheiro”. Mas, para honrar a Deus e ser obediente aos meus líderes que me pediram para transmitir nesta língua, comecei a trabalhar no programa.

No dia 1º de agosto, fui pregar o Evangelho em um vilarejo remoto com mais quatro pastores. O vilarejo não possui nenhuma das facilidades modernas, eletricidade, hospital ou estradas pavimentadas. Nenhum

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missionário havia estado lá antes. A população do local é de 289 e 90% do povo são gurungs.

Chegamos ao vilarejo à noite. Ao amanhecer, iniciamos nosso trabalho ministerial. Dividimo-nos em dois grupos para alcançar a maioria das pessoas. À tarde, meus dois amigos vieram me dizer que havia alguns gurungs que queriam conhecer alguém que falasse sua língua, pois só podiam se comunicar nela.

Eu fi quei realmente perplexo ao ouvir isso e fui conhecê-los. Encontrei uma mulher com cerca de 56 anos. Quando ela me viu, reuniu 12 pessoas em seu pátio para me ouvir. Comecei a falar em gurung e contar-lhes sobre Jesus Cristo, sua vida e seus ensinamentos. Falei a eles por 25 minutos e parei para ouvir suas reações.

A mulher nos disse algo tão maravilhoso! Ela disse que tinha ouvido um programa da Rádio GFA na língua gurung. Certa vez, ela estava sofrendo de dor de cabeça. Seu fi lho estava ouvindo a mensagem do Evangelho no rádio. Ao fi nal da pregação, o locutor disse aos ouvintes que iria orar a Deus por sua cura. Após a oração, ela não tinha mais dor.

Quando a mulher e os outros gurungs souberam que eu era a pessoa que havia entregue a mensagem de Deus, fi caram muito felizes. Imediatamente, duas mulheres receberam o Senhor Jesus Cristo como Salvador. Agora, há uma pequena comunidade cristã neste vilarejo.

Agradeci ao gracioso Senhor Jesus Cristo por Sua obra maravilhosa e também pedi perdão por minha falta de fé. Percebi porque Deus quisera me usar para falar em minha língua-mãe. Oro para que o Senhor me use como instrumento para compartilhar Sua Palavra através do programa da Rádio GFA.

Por favor, orem para que meu ministério seja efi caz e frutífero. Orem pelas pessoas desse vilarejo, para que o Senhor possa trazê-las para o Seu Reino.

Fonte: Disponível em: <https://www.portasabertas.org.br/noticias/2011/11/1260787/>. Acesso em: 30 ago. 2017.

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4. Características da Pastoral Cristã

Podemos falar que a Pastoral assume, na prática da Igreja, três características que se complementam. “Ela é profética” (BRIGHENTI, 2006, p. 87); “litúrgica” (BRIGHENTI, 2006, p. 107) e “sinal de comunhão” (BRIGHENTI, 2006, p. 129). Traremos aqui, mesmo que brevemente, cada uma dessas características que embasam o agir da Igreja. Buscaremos fazer uma refl exão com base nos passos propostos por Brighenti. Mas nossa refl exão é mais voltada à prática pastoral e menos à Teologia Pastoral.

4.1 Pastoral profética O profetismo é aqui entendido como testemunho, que no grego é descrito

como martyria. Pode ser que você, estudante de Teologia, em sua comunidade, já tenha ouvido alguém falar que vai dar um testemunho. Geralmente, essa pessoa traz algum acontecimento ou mesmo a história de sua vida, colocando-a como um exemplo. Aqui testemunho não é bem isso.

Se testemunho é martyria, são os mártires os exemplos de testemunho.

Martírio não é somente a atitude daquele que morre por causa da fé. Mártir é aquele que assume um modo de viver que dá testemunho. É aquele que assume em sua vida a proposta de Jesus e seu Evangelho (BRIGHENTI, 2006, p. 89).

Assumir a pastoral profética é, por parte da comunidade cristã, assumir o Evangelho de Jesus a tal ponto que transpareça seu modo de ser. Assim a Igreja se torna referência, não somente pelo que diz, mas pelo que é. Como diz Tertuliano, pensador dos primeiros séculos, os cristãos eram tão conhecidos pelo seu modo de viver que era comum ouvir dizendo “Olha como eles se amam!”

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A pastoral profética pode se espelhar na profecia bíblica. Se popularmente entendemos o profeta como aquele que prevê o futuro, biblicamente, o profetismo se constitui como uma denúncia de atitudes, seja do povo ou dos reis, que são contrárias à vontade de Deus (WILSON, 1993). Assim o profeta assume a postura de denunciar o que é errado e destruir a realidade do mal e, ao mesmo tempo, propor novos modelos de vida que aproximem o povo da vivência do amor de Deus (WILSON, 1993).

Talvez a ideia de profetismo bíblico como denúncia e proposta tenha deixado muitas dúvidas. Não vamos nos aprofundar, pois nossa disciplina não é sobre os profetas ou sobre Bíblia. Você pode ler o livro indicado a seguir que aprofundará essa ideia. SICRE, José Luís. Profetismo em Israel. Vozes.

4.2 Pastoral litúrgica e ministério da palavra

A palavra liturgia vem do grego e quer dizer “serviço prestado”. No caso da liturgia cristã, esse serviço é prestado ao povo. A pastoral cristã é litúrgica, pois é sempre uma prestação de serviço às pessoas, seja pela palavra anunciada, seja pela assistência dada, seja pela participação social.

Primeiramente, vamos ver a liturgia como palavra anunciada. As pessoas buscam a comunidade cristã para escutarem a palavra de Deus. A Igreja anuncia a palavra e quer que as pessoas a entendam, a celebrem e a vivenciem. Para isso se faz cada vez mais necessária uma formação teórica dos líderes religiosos. É preciso superar a leitura fundamentalista que, na prática, afasta as pessoas da vivência da palavra. Os líderes religiosos precisam se aprofundar em hermenêuticas bíblicas para melhor possibilitarem um conhecimento e uma vivência da Palavra de Deus.

A liturgia é também serviço prestado à comunidade em muitos outros aspectos. Os processos catequéticos também são litúrgicos, assim como também o atendimento ou aconselhamento dado pelos líderes religiosos ou uma visita aos enfermos. Todos esses trabalhos devem levar as pessoas a uma íntima relação com Deus e a uma vida de oração.

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4.3 Pastoral de comunhão

A prática pastoral é chamada a agregar a comunidade cristã. As primeiras comunidades cristãs, posteriores ao período apostólico, utilizavam de dois instrumentos para o cultivo da comunhão fraterna: a diakonía, característica da comunidade que se coloca a serviço, e a koinonía, vivência da comunhão.

“O termo diakonía se refere à prestação de serviço por parte de algumas lideranças da comunidade” (BRIGHENTI, 2006, p. 130). Historicamente, a palavra diakonía será empregada à função do diácono, seja nas comunidades protestantes, evangélicas ou católicas.

No Novo Testamento, a diakonía não será propriamente uma função de alguém específi co, o diácono. Ele existe. Mas toda a comunidade é chamada a assumir o serviço, principalmente aos mais necessitados, aos pobres, às viúvas e aos enfermos (Tg 1,27; 1Tm 5,16). A diakonía deve ser o ideal de serviço sempre presente na comunidade.

Ao assumir-se como serviço, a comunidade também se constrói como ambiente de comunhão (koinonía). A comunhão comunitária é expressão da comunhão trinitária. A Trindade revela um Deus que é relação e acredita que o amor é vivido somente na relação entre as pessoas, visto que o próprio Deus se faz relação. O Pai se relaciona com o Filho e o Espírito é o amor que une os dois ao mesmo tempo que os abre a toda a criação (LIBÂNIO, 2003).

Para pensarmos: quando uma comunidade, infl uenciada pelo ritmo de vida urbano, passa a assumir características de prestação de serviço, ela deixa de ter como critério a comunhão? Existe comunidade onde a vivência de Deus é vista apenas na perspectiva do indivíduo que busca sua satisfação?

5. Fundamentos bíblicos

De onde tiramos os fundamentos para o agir pastoral da Igreja? Acreditamos que as Escrituras se constituem como o modelo ideal para este agir. E falando das Escrituras, temos Jesus como nossa principal referência. Isso porque muitas das atividades que fazemos em nossas comunidades fazem parte mais dos hábitos e costumes históricos que assumimos, que do próprio modo de ser de Jesus.

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Será que nossas comunidades estão dispostas a assumir o espírito de Jesus, muito mais que a segurança das organizações históricas?

E é claro que uma situação não elimina a outra. Se Jesus nos ensina que nossa prática pastoral deve estar voltada à inclusão (Mc 10, 46-52) e ao crescimento e dignidade da pessoa (Jo 10,10), Paulo nos ensina que as comunidades devem se organizar para que nossos trabalhos não sejam em vão.

Esses serão os dois pilares de nossa refl exão: Jesus e Paulo. Muitos irão perceber que nossas comunidades têm um espírito, além de cristão, paulino. Nosso objetivo será identifi car quais são os critérios tanto de Jesus, como de Paulo, que embasam nosso agir pastoral.

5.1 A prática de Jesus

Você provavelmente já escutou falar das parábolas. Há a do semeador que saiu a semear (Mt 13, 1-9), ou a do joio e do trigo (Mt 13, 24-30), ou ainda a da ovelha perdida (Lc 15,3-7), do fi lho perdido (Lc 15,8-10) ou da moeda perdida (Lc 15,11-32). Muitos dizem que Jesus ensinava em parábolas para que as pessoas mais simples pudessem entender seus ensinamentos. Isso não é bem a verdade.

Já escutaram os evangelhos colocando na boca dos discípulos aquela expressão “Senhor, explica-nos a parábola” (Mt 13,36)? Se a parábola fosse de fácil entendimento, Jesus não precisaria explicá-la. A parábola faz parte da metodologia utilizada por Jesus para criar discípulos e apóstolos. Essa dinâmica de Jesus aparece, sobretudo, no Evangelho de Mateus.

Para Mateus existem três tipos de seguidores de Jesus: a multidão (Mt 9,8.23.25; 13,2.24; 14,5.14; 15,32.33.35), os discípulos (Mt 5,1; 8,23.25; 9-11.14; 13,10.36; 14,12.15.17.19.22.25.26) e Os Doze (Mt 10,2.5; 11,1; 20,17; 28,16). A multidão está sempre atrás de Jesus para escutar aquilo que ele tem a dizer, mas também para ser curada ou para ganhar pão. Jesus não expulsa a multidão e muitas vezes tem pena deles. Mas também não podemos dizer que Jesus se satisfaz com a postura, até certo ponto acomodada, que essa multidão apresenta.

Esses serão os dois pilares de nossa refl exão: Jesus e Paulo.

Muitos irão perceber que nossas

comunidades têm um espírito, além de

cristão, paulino.

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Como fazer para que essa multidão tome consciência e siga Jesus com mais intensidade? Para isso Jesus utiliza as parábolas. Jesus vive em uma sociedade rural e suas parábolas utilizam, sim, elementos da vida rural, como as ovelhas, a semente ou a videira, mas elas causam estranheza.

Vamos tomar como base a parábola do semeador (Mt 13,1-17). A terra onde Jesus vive é seca. As plantações são escassas e muitas vezes não há água o sufi ciente para regá-las. As sementes são produtos das plantações. Sem semente não há plantação, mas sem plantação também não há semente. A semente é valiosa.

Quem vive neste contexto escuta Jesus falando que o semeador saiu a semear... e lançou sementes à beira do caminho, depois sobre as pedras, sobre os espinhos e apenas uma parte sobre a terra boa. Como pode alguém fazer isso com as sementes que são tão valiosas? Então a pessoa pensa: Jesus não pode falar apenas de sementes. Ele está falando de outra coisa.

Essa estranheza aparece também quando Jesus diz que o pastor deixou as 99 ovelhas para buscar uma que estava perdida ou ainda que uma mulher faz uma festa por encontrar a moeda de ouro. Como pode um pastor, que se sustenta graças a seu pastoreio, comprometer-se ao ponto de deixar as 99 de lado? Como pode uma mulher dar uma festa, gastando uma quantia de dinheiro que não justifi que a moeda que encontrou?

Olhe bem, caro aluno! Não estamos aqui dizendo que Jesus estava errado ou não sabia daquilo que estava falando. Estamos dizendo que essas historietas contadas por Jesus tinham essa dinâmica confusa, de propósito. Jesus queria, com elas, gerar curiosidade na multidão.

Quando aquela pessoa que está na multidão escuta a parábola e percebe que ali há algum ensinamento, mesmo que não saiba qual, ou quando a pessoa se sente incomodada por não compreender as historietas contadas por Jesus, ela sai do anonimato da multidão. Começa aí o processo de discipulado. O discípulo é aquele que diz a Jesus: “Senhor, explica-nos a parábola?” (Mt 13,36).

A multidão é anônima. Na multidão, ninguém tem nome. Ao se tornar discípulo, o seguidor de Jesus passa a participar da pastoral criada por ele. Os discípulos são enviados, curam, anunciam a Boa Nova e até expulsam demônios. Um discípulo é alguém que participa da ação e não apenas a recebe. É aquele que se aprofunda na vivência da palavra e organiza a ação da comunidade.

Mas há ainda um terceiro grupo: o dos “Doze” (Mt 26,14; 26,47). É assim que Mateus os chama. “Os Doze” serão os continuadores da ação de Jesus. Eles

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também são chamados por algumas traduções bíblicas de apóstolos. Além de participarem do anúncio da Boa Nova, eles fundam e organizam comunidades. Eles têm autonomia para anunciarem.

Cuidado! Não confundamos autonomia com arbitrariedade. Autonomia não signifi ca fazer aquilo que queremos. Isso é arbitrariedade. Autonomia é a postura daquele que, por fazer uma experiência profunda de Jesus, internalizou seus ensinamentos. Por isso não precisa da regra, ele segue as leis do coração.

Nesse sentido, Agostinho diz: “Ama e faze o que queres”. Para Agostinho (354-430 d.C.), aquele que ama e é guiado pelo amor não pode fazer nada ruim. Ele pode até errar, mas não por maldade. Isso é autonomia.

Retomando. No Evangelho de Mateus encontramos a multidão. A multidão caracteriza-se pelo anonimato e pela relação de troca com Jesus. Se aproximam dele conforme sentem necessidade. Não há vínculos nem compromisso. Há a necessidade religiosa.

E quem é Jesus? O que ele anuncia?

Seguir Jesus é um processo que nos transforma pouco a pouco. Ao comentar o episódio em que Jesus dialoga com Pedro (Mt 16,21-25), o teólogo Pagola (2016) diz que Pedro se revela satânico e discípulo. É pedra de tropeço e pedra que edifi ca a Igreja. Tudo é processo. Mas processo que chega onde? Com certeza: até à cruz!

Mas a cruz é muito mais que um pedaço de madeira. Carregar a sua cruz e

seguir Jesus é assumir a mesma postura que Jesus assumiu em toda a sua vida pública.

Vamos ler um excerto do biblista Pagola (2016) que busca explicar a expressão “tomar a cruz e seguir”.

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[...] não devemos confundir a “cruz” com qualquer sofrimento, adversidade ou mal-estar que acontece em nossa vida. A “cruz cristã” consiste em seguir Jesus, aceitando as consequências dolorosas que isto nos pode trazer: insegurança, confl itos, rejeições, perseguições... Ou seja, aceitar o destino doloroso que precisamos compartilhar com Jesus se realmente seguimos seus passos.

Para dar mais força ao que está dizendo a seus discípulos, Jesus acrescenta uma frase paradoxal: “Se alguém quer salvar a sua vida, vai perdê-la; mas quem perder a vida por causa de mim, vai encontrá-la”. Jesus os está convidando a viver com Ele: agarrar-se cegamente à vida pode levar a perdê-la; arriscá-la de maneira generosa e audaz por causa dele e de seu projeto do reino leva a salvá-la.

Dito de maneira mais clara. Quem caminha atrás de Jesus, mas continua aferrado às seguranças, expectativas e interesses que a vida lhe oferece, pode terminar perdendo o maior de todos os bens: a vida vivida de acordo com o projeto salvador de Deus. Pelo contrário, quem arrisca o que a vida lhe oferece a fi m de seguir Jesus encontrará vida plena, entrando com Ele no reino defi nitivo do Pai.

Fonte: Pagola (2016, p. 266).

Seguir Jesus assumindo sua cruz implica tornar-se parte na construção de seu reino. Não há Jesus sem a cruz e, consequentemente, sem a cruz, não há o reino. Isso porque o reino é consequência de uma entrega total de amor, que se mostra plena na cruz de Jesus.

O reino anunciado e construído por Jesus revela a imagem e possibilita a experiência de Deus. Assim, este reino não seria um resultado, mas uma atitude. Não construímos o reino quando chegamos a um estado x ou y, mas quando nos construímos a nós mesmos assumindo uma atitude baseada na de Jesus de Nazaré, que revela o rosto amoroso de Deus (LUCIANE, 2017).

E qual a nossa parte na construção do reino de Deus? Ela acontece quando nos tornamos sujeitos. Na prática, é quando assumimos nossa função de continuadores da ação de Jesus, principalmente de seu reino (LUCIANE, 2017). O sujeito é aquele que assume seu discipulado, aquele que não mais se contenta em ir atrás de Jesus porque ele dá pão, cura ou ensina. O discípulo descobriu que Jesus pode lhe oferecer um projeto de vida.

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O discipulado se caracteriza pelo seguimento de Jesus. A necessidade dá lugar ao comprometimento e envolvimento. O discípulo escuta a Palavra (Mt 13,2), busca entendê-la (Mt 13,18.36) e posteriormente anunciá-la (Lc 10,1). Já os Doze são os continuadores do projeto de Jesus. São aqueles que formarão comunidades e continuarão a propagar o Evangelho.

5.2 A prática paulina

Se Jesus anunciou o reino, Paulo anuncia Jesus. Isso acontece porque Paulo entende que a fi gura de Jesus sintetiza toda a experiência do reino. Em Jesus o reino acontece e é pleno. Por isso mesmo Paulo já não mais identifi ca Jesus como o homem de Nazaré. A ação cotidiana de Jesus dá lugar à sua cruz e ressurreição. Ele é o Cristo (DUNN, 2017).

Mas somos muito mais paulinos que imaginamos. Nosso modo de organizar a Igreja, ao mesmo tempo em comunidades autônomas e que seguem uma hierarquia apostólica, vem de Paulo. Ele trabalha com lideranças comunitárias que dialogam com os apóstolos.

Também hoje nossas comunidades obedecem a esta dinâmica. Se um pastor assembleiano é liderança em sua comunidade, ele também dialoga com as diretrizes de seu Ministério. Um padre organiza sua paróquia, mas está submetido ao seu bispo. As igrejas têm organismos hierárquicos e as comunidades locais, entre tensões e confl itos, buscam dialogar com essa hierarquia, a exemplo do que acontecia com as comunidades paulinas.

Paulo era um judeu que prezava pela lei e pela tradição de sua cultura e religião. Ao se converter ao cristianismo, ele traz muito da cultura judaica. Esse diálogo com o tempo faz com que Paulo não mais se entenda dentro do judaísmo, mas ainda como hebreu (Gl 2). Mas o importante é entendermos que, dentro do judaísmo do período paulino, há uma valorização da comunidade. Os judeus se organizam em sinagogas. Se hoje elas são sinônimo de templos, na época não era assim. A sinagoga judaica é a comunidade judaica, criada no período do exílio quando o templo já não era acessível. Estando longe, o povo dá novo sentido à sua história fazendo com que a comunidade se torne sinal da pertença judaica.

Uma das características das comunidades paulinas é a abertura aos chamados pagãos. Assim, o evangelho de Jesus não mais será destinado à descendência judaica, mas se expandirá a vários povos que vivem fora da região da Palestina, onde Jesus viveu (DUNN, 2017).

Paulo tem uma visão de Igreja mais simbólica ou sistematizada que a de Jesus, que é mais relacionada com a prática dos fariseus de formar dupla de

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discípulos. Há em Paulo uma preocupação com a Igreja que não há em Jesus. Enquanto nos evangelhos não há a palavra ekklésia (igreja), Paulo a cita 114 vezes (DUNN, 2017). Mas não podemos entender a palavra igreja nos escritos paulinos como instituição. Ela vem do grego e quer dizer assembleia, reunião. E igreja, na perspectiva paulina, está relacionada à reunião de pessoas que vivem comunitariamente. A Igreja remete às pessoas e não ao lugar (DUNN, 2017).

Essa igreja toma corpo nas casas. Não há templos cristãos e os cristãos ainda

nem atendem por esse nome. Seremos chamados de cristãos posteriormente em Antioquia. Nas casas Paulo deixará lideranças. Um exemplo é Lídia, fi gura presente no livro de Atos (16,14), discípula de Jesus por meio de Paulo. É na casa dela que a comunidade se encontra (At 16,40).

Paulo identifi ca a Igreja como “Corpo de Cristo”. Muito da teologia cristã será pensada a partir deste simbolismo. O Cristo cabeça mostra a importância de Jesus na identifi cação de seu reino. Os vários membros remetem à diversidade de carismas, funções, ministérios e serviços prestados à comunidade.

Tanto em Jesus como em Paulo vemos uma preocupação com as lideranças comunitárias. Elas não são identifi cadas como mão de obra ou massa que forma o corpo da Igreja. Há uma preocupação com a fomentação de discípulos e discípulas que assumam o seu papel na comunidade.

6. A prática pastoral como construção do sujeito eclesial Ao pensar em como a fomentação de lideranças pode acontecer na

sociedade atual, nos deparamos com vários problemas trazidos no Capítulo 1. Nossas comunidades passam por processos de individualização, o desejo de envolvimento com os projetos comunitários é cada vez menor e a religião ganha traços de consumo. Como criar discipulado nesta realidade?

Nossa proposta é que a prática pastoral, em diálogo com a sociedade atual, deve buscar construir sujeitos; primeiramente, os sujeitos sociais e, depois, os sujeitos eclesiais. Mas o conceito de sujeito não tomamos da teologia e sim da sociologia de Alain Touraine. Ele servirá de base para a nossa refl exão.

Tanto em Jesus como em Paulo vemos uma preocupação com as lideranças comunitárias. Elas

não são identifi cadas como mão de obra

ou massa que forma o corpo da Igreja. Há

uma preocupação com a fomentação

de discípulos e discípulas que

assumam o seu papel na comunidade.

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6.1 O sujeito

Na defi nição de Alain Touraine (2009), o sujeito moderno é formado a partir de duas forças: a racionalização e a subjetivação. A racionalização é consequência da sociedade que cria meios de organização que vão para além da vontade de seus líderes ou de justifi cativas subjetivas ou religiosas. Exemplo disso são as leis. O que nos motiva a não matar alguém não é somente o receio de desagradarmos a Deus, mas também porque sabemos que seremos presos.

Mas há também, na modernidade, um processo de subjetivação. Nós nos entendemos como indivíduos, como sujeitos, como pessoas. Queremos ter nossa própria vida, construir nossa história, ser alguém no mundo. Isso é característica do sujeito moderno. Você pode pensar: e antes, as pessoas não construíam sua própria vida? Com certeza sim, mas elas não se angustiavam por não terem um projeto de vida. Elas se submetiam muito mais às estruturas sociais.

Segundo Touraine, o sujeito se caracteriza pelo “desejo do indivíduo de ser ator” (2003, p. 73). Sendo aquele que atua, o sujeito constituirá sua identidade na relação com a sociedade. Um sujeito é aquele que quer agir, assumindo seu papel.

Podemos fazer a seguinte relação.

Se o evangelho de Mateus fala de discípulo, Touraine fala de sujeito. Tanto o discípulo, quanto o sujeito, querem assumir seu papel, saindo da multidão. Então, enquanto Mateus fala de multidão, a sociologia nos fala de indivíduo. O indivíduo não tem nome, desejos, vontade nem autonomia. Ele apenas segue a multidão.

Mas tem também um outro grupo, o dos Doze, segundo Mateus, que podemos relacionar com os atores sociais de Touraine. Se o sujeito atua socialmente, ele transforma sua sociedade e contribui para sua formação. A prática pastoral deve visar à construção de sujeitos eclesiais, que não têm consciência de sua função como cristãos, aqueles que querem participar ativamente de suas comunidades, tornando-se atores eclesiais.

6.2 A identidade Ao falarmos da criação de sujeitos eclesiais, precisamos falar que ela está

relacionada à formação da identidade do cristão. Mas a identidade não pode ser vista como algo que precede o sujeito. Ela é construída na relação com a sociedade. Descobrimos o que é ser cristão a cada dia, conforme vivemos nossa vida de cristão.

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PRÁTICA PASTORAL

Muitos acham que ser cristão é cumprir um conjunto de regras ou receber um sacramento. Mais que isso, ser cristão é estabelecer uma relação com Jesus a cada momento, dialogando com nossa própria história. Mas vamos ver melhor esse assunto quando formos falar de catequese.

Vamos ver dois conceitos de identidade

A identidade, nessa concepção sociológica, preenche o espaço entre o “interior” e o “exterior” – entre o mundo pessoal e o mundo público. [...] A identidade, então, costura (ou, para usar uma metáfora médica, “sutura”) o sujeito à estrutura. Estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que eles habitam, tornando ambos reciprocamente mais unifi cados e predizíveis (HALL, 2014, p. 11).[...] a questão da identidade nunca é a afi rmação de uma identidade pré-dada, nunca uma profecia autocumpridora – é sempre a produção de uma imagem de identidade e a transformação do sujeito ao assumir aquela imagem. A demanda da identifi cação – isto é, ser para um Outro – implica a representação do sujeito ao assumir aquela imagem. A identifi cação [...] é sempre um retorno a uma imagem de identidade que traz a marca da fi ssura no lugar do Outro de onde ela vem. (BHABHA, 2013, p. 84).

Os dois autores falam da identidade em constante diálogo com as práticas concretas e com a história vivida pelo sujeito. Ser cristão no mundo de hoje é diferente de ser cristão na época de Paulo. As comunidades hoje são diferentes, a sociedade é diferente, como também as pessoas são diferentes.

Ao estabelecer um diálogo entre aquilo que queremos ser com aquilo que conseguimos ser no nosso cotidiano, nos construímos como cristãos, construindo nossa identidade. Uma prática pastoral, para buscar ser efi caz, precisa formar pessoas maduras e autônomas, pessoas que busquem estabelecer práticas que dialoguem com sua própria história e, consequentemente, com a história ao seu redor.

E agora, como fi ca?

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TEOLOGIA PASTORAL: CONCEITOS E MÉTODOS Capítulo 2

Vimos muitas coisas até aqui. Ao longo do tempo, a sociedade mudou, as pessoas mudaram e até as religiões mudaram. Também mudou a maneira como as pessoas se relacionam com a religião. Não podemos continuar com as mesmas práticas que deram certo, mas em contextos diferentes, e o pior, acreditando que elas darão certo. Uma pastoral, para ser efi caz, precisa estabelecer métodos que dialoguem com a sociedade atual.

Para o teólogo Agenor Brighenti (2006), o papel da pastoral está diretamente relacionado ao seu objetivo. A pastoral é reinocêntrica, isso signifi ca que ela não deve se ater apenas a anunciar Jesus, mas, com ele, anunciar seu projeto, que é projeto do reino de Deus, que acontece com a valorização da pessoa humana. Jesus cura, ensina e testemunha uma sociedade melhor e não uma Igreja. Assim, a Igreja, que se concretiza em sua ação pastoral, deve se voltar à ação reinocêntrica. Em outros termos, podemos falar de uma pastoral ad extra, contrapondo-se a uma pastoral ad intra. Enquanto a primeira busca dialogar com a sociedade que a cerca, a segunda se fecha a ela mesma, valorizando sua automanutenção.

O teólogo José Antonio Pagola nos dá uma preciosa pista. Segundo sua teoria, o projeto de Deus é um projeto de humanização (PAGOLA, 2015). Podemos entender que, se a pastoral de uma comunidade não leva as pessoas a serem melhores pessoas, ela é inefi caz e pouco consoante com o projeto de Jesus, que é o reino de Deus. O objetivo não é a sacramentalização, a frequência dos fi éis ou a adesão religiosa. Tudo isso é meio. Receber o sacramento, pertencer a uma Igreja ou ir a um culto religioso só serve se nos leva a ser uma pessoa melhor e a assumir nosso papel na comunidade e no mundo, como sujeitos. Encerramos nosso capítulo com um trecho do livro de Pagola.

Precisamos converter-nos a este Deus que está sempre chegando à nossa vida: mudar a maneira de pensar e de agir. Entrar na lógica e na dinâmica do reino de Deus. O Pai não pode mudar o mundo se nós não mudarmos. Sua vontade de fazer um mundo diferente vai se tornando realidade em nossa resposta. Precisamos despertar nossa responsabilidade. É possível dar uma nova direção à história, porque Deus está nos atraindo para um mundo mais humano. Precisamos levar a sério esta Boa Notícia de Deus. Crer no poder transformador do ser humano atraído por Deus para uma vida mais digna. Não estamos sós. Deus está apoiando também hoje o clamor dos que sofrem e a indignação dos que trabalham pela justiça.

Fonte: Pagola (2016, p. 68).

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Atividade de Estudos:

1) Muito falamos de reino de Deus neste capítulo, mas não o conceituamos. Isso porque não há um conceito de reino de Deus, mas uma aproximação.

Faça um exercício redacional buscando conceituar “reino de Deus”. Não há uma única resposta correta, mas um exercício hermenêutico do que seria este reino. Você pode buscar dialogar com os textos onde Jesus fala sobre o reino (13,24-33). ______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Algumas ConsideraçÕes Neste capítulo pudemos entender que a Igreja se pensa na teologia, mas

se concretiza na pastoral. Fazemos teologia pastoral à medida que pensamos as práticas das nossas comunidades, colocando-as em conformidade com a prática de Jesus e com seu Evangelho.

Há apenas um critério imprescindível para a teologia pastoral: o reino de Deus. Os cenários de Igreja e os modelos pastorais que vimos no Capítulo 2 nos ajudam a identifi car as características da Igreja onde desenvolvemos nossas atividades pastorais. Sabendo quem somos, nossos ideais de comunidade e os objetivos que temos, fi ca mais fácil estabelecer as práticas pastorais.

Vamos recapitular: no primeiro capítulo buscamos identifi car as características da sociedade atual. No segundo capítulo, conceituar pastoral e perceber suas tendências e principais características. A partir daqui trataremos de questões práticas relacionadas ao universo pastoral iniciando pelos processos catequéticos, entendido como o acompanhamento daqueles que querem se preparar para seguir Jesus e a comunidade cristã.

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TEOLOGIA PASTORAL: CONCEITOS E MÉTODOS Capítulo 2

ReFerÊnciasANTONIAZZI, Alberto; BROSHUIS, Inês; PULGA, Rosana. ABC da Bíblia. 30. ed. São Paulo: Paulus, 1982.

BALBINOT, Rodinei; BENINCÁ, Elli. Metodologia pastoral: mística do discípulo missionário. São Paulo: Paulinas, 2009.

BHABHA, Homi K. O local da cultura. Tradução de Myriam Ávila, Eliana Lourenço de Lima Reis, Gláucia Renate Gonçalves. 2. ed. Belo Horizonte: UFMG, 2013.

BOFF, Clodovis. Teoria do método teológico. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 1998.

BOFF, Leonardo. O senhor é meu pastor: consolo divino para o desamparo hu-mano. 3. ed. Rio de Janeiro: Sextante, 2004.

BRIGHENTI, Agenor. A pastoral dá o que pensar: a inteligência da práti-ca transformadora da fé. São Paulo: Paulinas: Valência, ESP: Siquem, 2006. (Coleção livros básicos de teologia; 15)

CELAM. Conclusões da Conferência de Medellín, 1968: Trinta anos depois, Medellín é ainda atual? São Paulo: Paulinas, 1998.

_______. Conferência Geral do Episcopado Latino-americano: a evangeli-zação no presente e no futuro da América Latina, Puebla: conclusões. 2. ed. São Paulo: Edições Loyola, 1979.

CHAUÍ, Marilena. Convite à fi losofi a. 13. ed. São Paulo: Ática, 2005.

DUNN, James D. G. Jesus, Paulo e os evangelhos. Tradução de Nélio Schnei-der. Petrópolis, RJ: Vozes, 2017.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. Rio de Janeiro: Lamparina, 2014.

LIBÂNIO, João Batista. Cenários da igreja. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2001.

_______. Teologia da revelação a partir da modernidade. 5. ed. São Paulo: Loyola, 2005. (Coleção fé e realidade, 31)

LIBÂNIO, João Batista; MURAD, Afonso. Introdução à teologia: perfi l, enfoques, tarefas. 6. ed. São Paulo: Loyola, 2007.

LIMA, Maria de Lourdes Corrêa. Exegese bíblica: teoria e prática. São Paulo: Paulinas, 2014. (Coleção exegese)

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PRÁTICA PASTORAL

LUCIANE, Rafael. Retornar a Jesus de Nazaré: conhecer Deus e o ser humano através da vida de Jesus. Tradução de Francisco Morás. Petrópolis, RJ: Vozes, 2017.

MARCHINI, Welder Lancieri. Plantando a cruz em chão de concreto: o cristian-ismo católico em contexto de metrópole. Saarbrücken, Alemanha: Novas Edições Acadêmicas, 2015.

PAGOLA, José Antonio. O caminho aberto por Jesus: Mateus. Tradução de Lúcia Mathilde Endlich Orth. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.

_______. Grupos de Jesus. Tradução de Gentil Avelino Titton. Petrópolis, RJ: Vozes, 2016.

_______. Voltar a Jesus: para a renovação das paróquias e comunidades. Tradução de Gentil Avelino Titton. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015.

PASSOS, João Décio. Como a religião se organiza: tipos e processos. São Paulo: Paulinas, 2006. (Coleção temas de ensino religioso)

PULGA, Rosana. Beabá da Bíblia: uma introdução à visão global. 5. ed. São Paulo: Paulinas, 1998.

QUEIRUGA, Andrés Torres. Repensar a revelação: a revelação divina na real-ização humana. Tradução de Afonso Maria Ligorio Soares, São Paulo: Paulinas, 2010.

SERVIÇO DE ANIMAÇÃO BÍBLICA. Iniciação à leitura da Bíblia. São Paulo: Paulinas, 2007.

SICRE, José Luís. Profetismo em Israel: o profeta: os profetas: a mensagem. Tradução de João Luís Baraúna. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.

SZENTMÁRTONI, Mihály. Introdução à teologia pastoral. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2014.

TOURAINE, Alain. Crítica da modernidade. Tradução de Elia Ferreira Edel. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 2009.

_______. Poderemos viver juntos? Iguais e diferentes. Tradução de Jaime A. Clasen e Ephraim F. Alves. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2003.

WILSON, Robert R. Profecia e sociedade no antigo Israel. Tradição de João Rezende Costa. São Paulo: Paulinas, 1993. (Bíblia e sociedade).

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CAPÍTULO 3

Iniciação dos Sujeitos Eclesiais

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem:

Entender a prática catequética como instrumento para a construção dos sujeitos eclesiais.

Identifi car as características do processo catequético.

Assimilar o conceito de iniciação à vida cristã.

Pensar práticas catequéticas que consigam estabelecer diálogo com os vários públicos.

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ConteXtualizaçãoÉ comum, em uma comunidade religiosa, a presença de novos membros. Há

uma preocupação da comunidade em preparar esses membros para que sejam inseridos na comunidade e conheçam a pessoa de Jesus e seu Evangelho. Cada comunidade tem um modo de preparar seus novos membros.

Neste processo é importante que eles conheçam a comunidade e tenham contato com os Evangelhos, que são textos privilegiados para saberem como foi a vida de Jesus.

Chamamos esse processo de inserção à vida comunitária de iniciação. Muitas comunidades identifi cam a formação de seus novos membros como catequese.

Você, aluno de Teologia, buscou esse curso certamente porque tem uma vivência cristã e quer aprofundar ainda mais o seguimento de Jesus. Talvez você o tenha buscado para qualifi car seus trabalhos na comunidade. Também há aqueles que são líderes religiosos e querem se preparar melhor para o anúncio da Palavra, qualifi car seus sermões e pregações e, assim, chegar mais ao coração de seus fi éis.

Já tivemos uma caminhada juntos, mesmo que esta caminhada seja virtual. Nesta caminhada, vimos que o mundo está mudando e é preciso entender esse mundo para conversarmos com ele, evangelizando. Vimos também que a pastoral é a ação da Igreja junto deste mundo. Não sei se vocês repararam, mas até agora não defendemos que a pastoral seja a ação de uma Igreja, em específi co. Acreditamos que você, que buscou fazer Teologia, encontrará aqui, no curso de Prática Pastoral, ferramentas para qualifi car o trabalho de sua comunidade cristã, seja de qual denominação ela for.

Neste capítulo falaremos de catequese. Esse é um termo e uma prática próprios da Igreja Católica. Talvez ela seja a igreja cristã que tem os processos catequéticos mais organizados e assim identifi cados. Outras igrejas cristãs não costumam utilizar a palavra catequese para identifi car seus processos de inserção de novos membros à vida comunitária.

Vamos aqui fazer uso de bibliografi as católicas e falar de sacramentos. Não há como falarmos de catequese sem tocarmos nesses pontos. Também queremos dialogar com todos aqueles que fazem parte de outras igrejas cristãs. E como faremos isso? Não falaremos de sacramentalização, mas de processos catequéticos ou processos de evangelização.

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Catequizar, sacramentalizar e evangelizar são a mesma coisa?

Não! Catequizar é o ato de inserir alguém na vivência do cristianismo.

Quando alguém é catequizado, recebe um sacramento, pode ser o batismo, a eucaristia ou a crisma, e se sente cristão. A preocupação é também legal e formal. Aquele que catequiza quer saber se o catequizado cumpriu todos os requisitos ou obedece às regras. É muito fácil identifi car o legalismo dentro das comunidades cristãs.

Evangelização se refere a outro aspecto catequético. O Evangelho é a Boa Notícia de Jesus, é seu projeto de vida. Quem é evangelizado busca se sintonizar com o Espírito de Jesus, estando em consonância com seus ensinamentos. E isso é um processo, muito mais que uma celebração. As celebrações marcam etapas da vida, mas a vida acontece é no cotidiano.

Desde já defenderemos que todo processo catequético deve levar à construção de sujeitos eclesiais, pessoas autônomas e maduras que buscam não apenas cumprir regras, preceitos ou mesmo os usos e costumes. A lógica é inversa. Aquele que é maduro acaba por obedecer à regra, mas sua motivação não é a lei e sim seu projeto de vida. Então você pode se perguntar: mas ele não vai acabar obedecendo à regra de qualquer jeito? Sinto muito dizer, mas pode ser que não. Afi nal, Jesus colheu espigas de milho aos sábados, o que era proibido pelos judeus (Mc 12,1-8). Mesmo que cumpra as leis, e não há mal nenhum nisso, ele o fará de uma maneira completamente diferente, não repleto do legalismo, mas pleno do espírito (Jo 4,24).

Propomos uma atividade prática. Em sua comunidade deve haver algum trabalho de cunho catequético: escolas bíblicas, escola dominical, grupo com crianças, adolescentes ou jovens, além da catequese convencional.

Escolha um desses grupos e assista ao encontro, mas assista de fora, como um pesquisador. Leve seu caderninho, observe e depois escreva um pequeno texto. A instrução dada às pessoas é sacramental ou evangelizadora?

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Provavelmente haverá dos dois. Anote quais discursos são entendidos por você como evangelizadores (relacionados à vivência do Evangelho) e quais são aqueles que têm caráter sacramental ou doutrinal (relacionado ao cumprimento de regras).

Vamos estabelecer um caminho. Primeiramente veremos o que é a catequese, como ela começou e se desenvolveu. Num segundo momento, conversaremos sobre o termo Iniciação à Vida Cristã. Na atualidade, se queremos pensar a catequese, precisamos falar sobre a iniciação. Depois vamos a questões mais práticas. Como trabalhar com as crianças? Como utilizar uma dinâmica? Como fazer para que a catequese seja mais atraente e divertida? Essas questões serão abordadas. Por fi m, traremos uma refl exão sobre a catequese permanente. Todos somos parte deste processo até o fi nal da vida e é preciso estar sempre se atualizando no espírito que nos leva ao seguimento de Jesus de Nazaré.

Pastoral CateQuéticaInspirada nas palavras de Jesus, “ide, portanto, e fazei que todas as nações

se tornem discípulos, batizando-as [...] e ensinando-as a observar tudo quanto vos ordenei” (Mt 28,19), a comunidade cristã tem a missão de anunciar os gestos e ensinamentos de Jesus de Nazaré. Todos os trabalhos da Igreja fazem parte de sua missão evangelizadora, e a catequese é espaço fundamental e privilegiado para que isso aconteça. Assim, a catequese se faz espaço de evangelização, iniciação na fé e inserção na vida comunitária.

Quando assumimos a fé e o seguimento de Jesus Cristo, temos nossa vida transformada sob três aspectos. Segundo Marchini (2015, p. 9):

- A experiência com Jesus transforma nossa vida pessoal; nossos sentimentos, afetos e emoções ganham nova vivência; passamos a nos conhecer e nos valorizar como criaturas amadas por Deus.

- Conhecendo-nos melhor, mudamos o nosso modo de nos relacionar com as pessoas e com a sociedade; nossas amizades ganham nova dimensão; a família passa a ser lugar privilegiado da vivência do amor; a sociedade é vista como local onde o Reino de Deus acontece.

- Sentimos que a comunidade cristã pode ser lugar de aprendizado e cultivo da fé e por isso somos cativados a participar cada vez mais da vida eclesial.

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Para pensarmos um pouco: quando a instrução religiosa oferecida à comunidade, seja a pregação, o sermão, a homilia ou mesmo aquilo que falamos na catequese, é muito teológico e pouco vivencial, atingimos a vida das pessoas? No fundo, as pessoas esperam menos teologia e mais instruções de como deixar que Jesus transforme suas vidas! A teologia qualifi ca nossa instrução, mas nosso objetivo deve ser contemplar a vida cotidiana.

Todo processo catequético tem por objetivo levar os catequizandos a perceberem que o Cristo que receberam quer fazer parte de suas vidas afetiva e efetivamente. O encontro com Jesus transforma os afetos e também a mentalidade (vivência subjetiva), mas transforma também a situação concreta na qual vivemos (vivência objetiva).

De onde vem a catequese?

A Igreja, desde os primeiros discípulos e o trabalho apostólico, sempre anunciou a pessoa de Jesus. Chamamos esse anúncio de querigma (do grego kerigma). Esse é o anúncio do Cristo, morto e ressuscitado, presente muitas vezes no livro dos Atos dos Apóstolos (At 2,22-24).

Em At 2,22-24 vemos Pedro, logo após o Pentecostes, anunciar os feitos de Jesus, suas curas, prodígios e sinais. Depois, o apóstolo fala da morte e da ressurreição. No anúncio querigmático não pode faltar a entrega total de Jesus, que é a cruz, nem a ressurreição, que mostra que o desejo do Pai é a vida e não a morte. Para a fé apostólica não existe ressurreição sem a cruz, pois toda ressurreição é consequência da entrega plena. Também não existe cruz sem ressurreição, pois aquele que se entrega plenamente vive a plenitude do amor de Deus, que é vida.

Todo processo catequético tem por objetivo levar

os catequizandos a perceberem que o

Cristo que receberam quer fazer parte de suas vidas afetiva e

efetivamente.

Esse é o anúncio do Cristo, morto e ressuscitado, presente muitas

vezes no livro dos Atos dos Apóstolos.

O querigma é o primeiro anúncio, geralmente feito aos chamados pagãos, que eram aqueles que não conheciam a fé cristã. É a primeira imagem dada pelos apóstolos sobre a pessoa de Jesus. A palavra querigma leva justamente à ideia de que aquilo que é anunciado é o núcleo central da vivência cristã (LIMA, 2016, p. 24).

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Vamos ler um pequeno texto que descreve a pregação querigmática dos apóstolos:

A pregação apostólica e das primeiras gerações cristãs tinha muito presente o mandato missionário de Jesus Cristo (Mc 16,20; Mt 28,20). Seu núcleo central é o Reino de Deus pregado por Jesus, que se confunde com sua própria pessoa; a proximidade desse Reino, a conversão a ele para dar início aos últimos tempos: em Cristo Jesus Deus se manifestou plenamente, sobretudo em sua paixão, morte e ressurreição, e nada mais devemos esperar: chegaram os últimos tempos (era escatológica). Entretanto, a demora da segunda vinda de Jesus levou os cristãos a compreender que sua missão seria renovar a história e a humanidade através do discípulo de Jesus.

Fonte: Lima (2016, p. 24)

Tudo aquilo que Jesus anunciou é o próprio Reino acontecendo, e a comunidade cristã percebe isso e quer levar esse Jesus a ser conhecido pelas pessoas, mas para a comunidade apostólica, uma informação era importante: não havia tempo a perder. E isso tinha um fundamento muito concreto. No primeiro século, a região da Palestina vivia forte tensão com o Império Romano. Tal tensão culminou na tomada de Jerusalém e a destruição do Templo em 70 d.C. (CHARPENTIER, 1992). Como os cristãos viviam essa tensão, não havia tempo a perder. Era necessário levar as pessoas a vivenciarem essa realidade histórica de uma maneira diferente.

Tem muita gente que fala que religião não tem nada a ver com política, mas todo dia diz que Jesus é rei. Se Jesus é rei, ele assume uma função política. Qual a sua função: construir seu reino.

Essas palavras nos levam a entender que a religião tem a ver com a pólis (em grego, cidade) e sua organização. Talvez as pessoas queiram dizer que a religião não deve se envolver com os partidos políticos. Mesmo que as escolhas partidárias sejam delegadas a cada indivíduo, não deixa a religião de se envolver com a política, pois ela se envolve com pessoas que vivem em sociedade.

Devemos pensar no assunto!

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No período pós-bíblico, as comunidades começam a se organizar e a produzir seu próprio material sobre os processos de iniciação ao cristianismo. O escrito mais antigo, atribuído aos apóstolos, é chamado de Didaqué, datado do século I d.C. O texto é exortativo, ou seja, instrui seus leitores a uma prática cristã. No meio dos escritos há uma alusão à comunidade como local de inserção ao cristianismo e, por fi m, instrui ao batismo.

A Didaqué (Did) fala de perseverança e escolhas (Did, 1). Como vimos, os tempos eram difíceis. Fala de dois caminhos e da luta do bem contra o mal. Isso é comum em situações de muita incerteza social, como era a vivida pelas primeiras comunidades, às vésperas de uma invasão romana.

Didaqué: o catecismo dos primeiros cristãos para a comunidade de hoje.

Didaqué: catecismo dos primeiros cristãos.

Atividade de Estudos:

1) Primeiro faça uma síntese das principais ideias acerca da catequese presente na Didaqué. Depois, faça uma leitura dos processos catequéticos de sua comunidade eclesial, à luz da catequese apostólica, presente na Didaqué.

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A Iniciação À Vida Cristã e o Catecumenato

Quando falamos de processos catequéticos, principalmente daqueles primários, querigmáticos, que apresentam Jesus às pessoas, estamos falando de um convite não apenas a um sacramento, à participação a uma comunidade ou a uma religião. Os processos catequéticos devem levar as pessoas a um projeto de vida. Sendo assim, os processos catequéticos vêm se reformulando e, cada vez mais, assumem a característica de se tornarem processos de iniciação à vida cristã.

Viver uma vida cristã é muito mais que ir ao culto ou à missa a cada domingo, é muito mais que receber um sacramento, é muito mais que orar a cada dia ou se reunir com as pessoas para rezar o terço. Viver a vida cristã é assumir uma vida que tenha sentido (NENTWIG, 2013).

Ao falar da fi nalidade dos processos de iniciação, assim afi rma o Núcleo de Catequese Paulinas (NUCAP, 2013, p. 13):

O processo de iniciação cristã tem a fi nalidade de produzir a confi guração do catequizando em Cristo: “Eu vivo, mas não eu: é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20). Coloca-se como um caminho a ser percorrido quando tal identidade vai sendo alcançada paulatinamente.

Os processos catequéticos devem levar as pessoas a um projeto de vida.

Vou partilhar com vocês um acontecimento de quando eu era criança e morava em uma cidade do interior. Certo dia estava na cidade um bispo diferente, um senhor, já velhinho. Os idosos são cheios de sabedoria. Neles a sabedoria é tanta, que falam muito, às vezes até demais. Mas naquele dia não me cansei. Vou transcrever como guardei as palavras do bispo. Assim ele disse:

- Sabem o que Jesus vai dizer quando a gente chegar no céu? Ele não vai perguntar quantos terços você rezou, nem quantas vezes você comungou ou confessou. Primeiro ele vai abrir os braços, dar um sorriso, dar-lhe um abraço e dizer, meu irmão, que bom que você está aqui. Depois ele vai perguntar: meu irmão, quanto você amou? Não seremos julgados pelas vezes que confessamos, comungamos ou rezamos o terço, mas pela intensidade de nosso amor”.

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E o bispo velhinho continuou:

- Mas então para que serve rezar ou comungar? Eu digo: isso só serve se nos leva a amar mais. Quando comungamos, vivenciamos o amor de Deus que se dá a nós, e somos chamados a amar os irmãos. Quando rezamos o terço, contemplamos os mistérios da vida de Jesus, e somos convidados a amar mais. Quando confessamos, olhamos para as nossas limitações, somos chamados a superá-las e amar mais”.

Eu acredito que esse bispo entendeu o que é ser cristão. Ser cristão é muito mais que ser católico, evangélico, luterano, presbiteriano, metodista ou anglicano. Ser cristão é assumir o projeto de vida de Jesus.

Se você quer se aprofundar sobre esse tema, pode ler alguns livros da área da espiritualidade, que nos ajudam muito no fazer teológico.

- Leonardo Boff. Cristianismo, o mínimo do mínimo.

Na catequese, esse processo de perceber que o essencial é o seguimento de Jesus ganhou um nome específi co: Iniciação à Vida Cristã. As outras situações não deixaram de ser importantes. A moral religiosa, a doutrina, os ensinamentos bíblicos, tudo isso será ensinado, mas o essencial é o seguimento de Jesus (ALMEIDA, 2010).

É importante nos atermos à ideia de que a teologia entenderá que essa Iniciação à Vida Cristã tem a celebração do batismo como momento forte e paradigmático, isso porque o batismo marca o compromisso assumido com Jesus, diante da comunidade de fé. Outros autores, que citaremos em seguida, entenderão não unicamente o batismo como momento paradigmático da caminhada de iniciação, mas os chamados sacramentos de iniciação, a saber: o batismo, a eucaristia e a crisma (ou confi rmação). Todos coincidem no entendimento de que o centro da Iniciação à Vida Cristã é o seguimento de Jesus e de seu Evangelho.

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Em um primeiro momento vamos trazer esses vários conceitos e ver o que os autores entendem por Iniciação à Vida Cristã, para depois estabelecermos um diálogo com a prática pastoral.

Na introdução do Ritual da Iniciação Cristã e Adultos (RICA) da Igreja Católica encontramos o entendimento da Iniciação Cristã como processo que perpassa pelos chamados sacramentos de iniciação. Assim, o RICA estabelece a relação entre os sacramentos e o sujeito cristão:

O Batismo os incorpora a Cristo, tornando-os membros do povo de Deus [...], transformando-nos em nova criatura pela água e pelo Espírito Santo; por isso são chamados fi lhos de Deus e realmente o são. Assinalados na Crisma pela doação do mesmo Espírito, são confi gurados ao Senhor e cheios do Espírito Santo, a fi m de levarem o Corpo de Cristo o quanto antes à plenitude. Finalmente, participando do sacrifício eucarístico, comem da carne e bebem do sangue do Filho do homem, e assim recebem a vida eterna e experimentam a unidade do povo de Deus [...] (RICA, 2013, p. 13).

Ao comentar o RICA, Quezini (2013, p. 10) diz que:

O Ritual não se limita à iniciação sacramental, mas oferece um caminho progressivo segundo as fontes essenciais do catecumenato antigo e com as adaptações condizentes em nossos dias. Esse Ritual, na verdade, é uma proposta de evangelização por meio de um processo envolvente pelo qual o adulto é chamado ao encontro com Jesus Cristo na comunidade. Este irá amadurecer a opção de ser cristão através das progressivas catequeses e das diversas celebrações que marcam a caminhada e conduzem a pessoa à vivência plena e consciente do compromisso cristão.

A pessoa que busca fazer parte da comunidade cristã se prepara para o batismo. Essa caminhada batismal é chamada de catecumenato, mas o catecúmeno é chamado a perceber, nesta caminhada, que o sacramento marca a entrada não somente na comunidade, mas na vida cristã. Por isso que tanto o RICA (2013), como Quezini (2013), trazem três partes importantes na vivência catecumenal: o catecúmeno, o encontro com Jesus e o encontro com a comunidade.

A CNBB traz, no Diretório Geral de catequese, outra dimensão na leitura da IVC. Ela não acontece apenas no batismo, mas nos chamados sacramentos de iniciação. Assim diz o Diretório de Catequese (DNC): “Um processo de iniciação unitária e coerente, para crianças, adolescentes e jovens, em íntima conexão com os sacramentos da iniciação, já recebidos ou a receber” (DNC, 174).

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São três os sacramentos de iniciação: batismo, eucaristia e confi rmação (ou crisma). São assim chamados pois iniciam a uma vivência específi ca da comunidade cristã. O batismo inicia à vivência comunitária, a eucaristia inicia à mesa da comunhão e a crisma à vida de discipulado. A crisma é chamada também de confi rmação, pois “confi rma” o compromisso batismal, que agora é assumido como consequência da maturidade. É um sacramento ministrado a jovens, mas estes sacramentos devem formar um conjunto.

A catequese de Iniciação à Vida Cristã busca superar uma visão mágica de sacramento, em que se batiza para livrar a criança de doenças, ou ainda de uma visão meramente social, em que se batiza a criança para cumprir uma formalidade. “Visa transformar a fé inicial em uma fé adulta, madura, cada vez mais consciente, comprometida e consequente” (ALMEIDA, 2010, p. 25).

Ao tratar da iniciação cristã, Lelo identifi ca o encontro do sujeito consigo próprio, ao mesmo tempo que dá novo sentido a sua relação com os outros e com a natureza:

A iniciação faz presente um mundo novo, desconhecido, agora revelado por uma ação ritual que lhe permite o acesso. Implica que o iniciado viva uma forte experiência do sagrado, da vida humana e da natureza. No fundo, essa experiência nodal conduz-nos ao seio da própria vida, que reclama sentido e forças para alcançar sua plenitude; põe-nos diante do destino humano que se apresenta inédito e pessoal (LELO, 2005, p. 25).

Há uma relação dialógica entre o sacramento do batismo e a iniciação. Se o batismo continua sendo momento paradigmático, agora ele é paradigma de um novo modelo de vida assumido, que busca confi gurar-se a Jesus e seu Evangelho.

1. Metodologia catecumenal

Junto com a Iniciação à Vida Cristã, a catequese busca retomar a preparação catecumenal. Lembramos que o catecúmeno é aquele que está sendo acompanhado e receberá o sacramento do batismo. A metodologia catecumenal apresenta etapas que podem ser observadas para que esse processo seja efi ciente.

Para falar de catequese catecumenal assumiremos a proposta da CNBB, mas sugerimos algumas leituras para você se aprofundar no assunto:

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NENTWIG, Roberto. Iniciação à comunidade cristã. Paulus.LELO, Antonio Francisco. Catequese com estilo catecumenal.

Paulinas.PAGNUSSAT, L. F; BORGES, M. A. Iniciação à vivência cristã.

Vozes (coleção com cinco volumes).

A catequese de estilo catecumenal busca preparar o catecúmeno para a celebração e vivência do batismo. O momento paradigmático é a celebração, mas toda a ação catequética é voltada para o modo como o cristão viverá o batismo após a celebração. Esse processo é demarcado em quatro momentos: pré-catecumenato, catecumenato, iluminação (também chamado de purifi cação) e mistagogia.

1.1 Pré-catecumenato

O pré-catecumenato é o primeiro tempo, o tempo do querigma. Nele, o iniciante é convidado a despertar para uma primeira aproximação e encantamento com a pessoa de Jesus Cristo. É tempo que precede o processo catequético propriamente dito (CNBB, 2015, p. 68).

No pré-catecumenato não há encontros nem protocolos a se cumprir. Não se trata de um tempo cronometrado. Este tempo deve ser entendido na perspectiva do kayrós (em grego, tempo oportuno). O pré-catecumenato é o tempo de encantamento com a pessoa de Jesus. Ele pode ser consequência de algum acontecimento da vida que leva ao sofrimento, pode ser consequência do incentivo ou testemunho de alguém ou mesmo inspirado por alguma leitura.

1.2 Catecumenato

O catecumenato é o segundo tempo. É o tempo mais longo, pois é dedicado ao ensino bíblico-doutrinal e ao aprofundamento. Está estruturado em fases, celebrações e eixos temáticos. Nele, o catecúmeno ou o catequizando é convidado a conhecer e a experimentar os principais aspectos da experiência cristã (CNBB, 2015, p. 68).

No tempo do catecumenato, o catecúmeno aprofundará os conhecimentos relacionados à comunidade cristã. Não signifi ca ter aulas, no padrão de uma escola. Desde o documento Catequese Renovada (CR), de 1984, a CNBB afi rma que a catequese deve ser permeada da integração fé e vida (CR, 246). Isso signifi ca que a doutrina ilumina a vida cotidiana, ao mesmo tempo em que o cotidiano serve de motivação para se buscar a doutrina.

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Existem diversas formas de organizar o catecumenato, mas há um problema próprio do catolicismo. As pessoas são, geralmente, batizadas quando crianças. Não se trata, no entanto, de um problema teológico, mas de uma questão pastoral. Se os pais e padrinhos assumem a fé, pela criança, como ela será inserida no processo catecumenal? Lembramos aqui que o RICA fala de iniciação de adultos.

É constante a difi culdade de levar pais e padrinhos a uma refl exão sobre o compromisso batismal. O material indicado auxilia no entendimento da fi gura do padrinho ou da madrinha, sua função e características.

FERREIRA, Paulo Fernando Racy. Refl exões por ocasião do batismo. Vozes.

1.3 Iluminação

A iluminação e purifi cação é o terceiro tempo. Nesse, o catecúmeno ou o catequizando, já introduzido na experiência cristã e desejando tornar-se discípulo, é eleito pela comunidade eclesial para a iniciação sacramental. O eleito fará uma experiência de amadurecimento espiritual cuja fi nalidade é iluminar e purifi car a mente e o coração para uma experiência do Mistério pascal através dos sacramentos (terceira etapa do RICA) (CNBB, 2015, p. 68).

Se o catecumenato leva à experiência doutrinal, a iluminação leva à experiência espiritual. Mesmo que na prática não seja fácil separar as duas situações, há de se fazer uma distinção. A doutrina é fruto da racionalidade humana e pode ser entendida como um entendimento da fé na perspectiva intelectual. A espiritualidade é fruto da oração. Na fase da iluminação, o catecúmeno é chamado a fazer experiência de retiros espirituais, e fortalecer o hábito da leitura orante da Bíblia. Se no tempo do catecumenato o catequizando é chamado a entender as escrituras, aqui ele será chamado a rezá-las, identifi cando-se com elas.

1.4 Mistagogia

A mistagogia é o quarto tempo. É o tempo litúrgico por excelência. Recomenda-se que seja vivenciado ao longo do Tempo Pascal. Iluminados pelos sacramentos recebidos, os iniciados (neófi tos) são chamados a vivenciar a salvação oferecida por Deus na liturgia comunitária, fonte para a missão na Igreja e na sociedade (CNBB, 2015, p. 68).

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A iluminação é um movimento pessoal. A mistagogia acontece no ambiente comunitário. Se o catecúmeno conheceu Deus nas Escrituras, agora ele será vivenciado no ambiente comunitário. Mais especifi camente, o catecúmeno é chamado a vivenciar a liturgia, principalmente a dominical, que, segundo a tradição católica, é memória da Páscoa de Jesus. Segundo a CNBB (2015), a liturgia impulsiona o cristão a assumir seu compromisso junto à sociedade. O Evangelho será, então, vivenciado no cotidiano do catecúmeno.

O tempo mistagógico é o tempo de vivência do mistério pascal de Cristo (NENTWIG, 2013). O mistério pascal, mais que explicado, deve ser vivenciado. Na vivência do mistério da morte e ressurreição de Jesus, o catecúmeno vive sua própria morte, e participa da ressurreição de Cristo. Sua vida passa a ser confi gurada a Cristo, que lhe atribui novo e pleno sentido (LELO, 2014).

A teologia catecumenal é repleta de sentido, mas ao conformar nossa prática catequética a essa teologia, as difi culdades começam a aparecer. Por isso, abordaremos questões referentes à prática catequética e seu caráter didático e pedagógico. A catequese não é escola, contudo, ao assumirmos metodologias adequadas, podemos alcançar melhores resultados.

Atividade de Estudos:

1) Vamos analisar uma situação a partir dos elementos de uma catequese de iniciação e de inspiração catecumenal. Convido você a ler o excerto tirado da obra do teólogo José Maria Castillo, em que ele relata a diferença entre saber sobre Jesus e crer em Jesus. Depois, relacione o conteúdo com as características de uma catequese de iniciação cristã.

Texto:

É comum os estudos de cristologia começarem analisando o que cada autor pensa poder apontar para a investigação acerca do “Jesus histórico”. E, como sabemos bem, a primeira coisa que costuma perguntar quem se põe a estudar a fi gura de Cristo e sua profunda e misteriosa mensagem é, antes de mais nada, o que podemos saber com sufi ciente segurança sobre o homem de Jesus de Nazaré [...].

Os evangelhos foram escritos por pessoas que acreditaram em Jesus e para pessoas que acreditaram em Jesus. A origem dos evangelhos e a intenção daqueles que os redigiram determinaram

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PRÁTICA PASTORAL

seu conteúdo. Ademais, essa origem e essa intenção nos indicam a chave de leitura que, ao que me parece, é a mais conveniente para compreender o que se diz nos evangelhos. E também o que, nesses escritos, não se pretende dizer.

É necessário ter isso presente desde o primeiro momento. Porque os evangelistas não foram primordialmente cronistas, que nos relataram uma história. Os evangelistas foram, antes de tudo, crentes que nos transmitiram uma fé. Por isso, quando nós, cristãos, temos os evangelhos em nossas mãos, não estamos simplesmente diante de uma série de dados que ilustram nosso conhecimento. Os evangelhos nos apresentam uma série de convicções que determinam (ou deveriam determinar) nossa vida. Portanto, o que interessa ao crente, quando lê os evangelhos, não é, primeiramente, o dado histórico, que neles se apresenta, mas a mensagem de vida que deve marcar nosso destino.

Fonte: Castillo (2015, p. 23-24).________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

QuestÕes Didático-PedagÓgicas e MetodolÓgicas Para a CateQuese

Não queremos equiparar a catequese aos processos escolares e muito menos dizer como se deve ensinar, mas é importante termos uma breve noção de elementos e instrumentos que nos levam a criar um melhor ambiente e estabelecer um diálogo entre nós e os catequizandos, ou seja, aqueles que querem conhecer Jesus.

Primeiramente, temos que ter consciência de que nenhum catequizando está fora de seu tempo e de sua realidade. Também o catequista é fruto de seu tempo. Por isso, é imprescindível conhecermos bem o momento histórico que vivemos para podermos estabelecer um bom relacionamento com os catequizandos. Nossos tempos são de profundas transformações (DGAE, 2015-2019, 20-21).

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A vontade de Jesus é que estabeleçamos um profundo diálogo com as necessidades de nosso tempo com a ousadia e o entusiasmo próprios dos discípulos que “avançam para águas mais profundas” (cf. Lc 5,4) sendo “sal e luz” (cf. Mt 5,13-16) na vida da sociedade e da comunidade de fé. Uma catequese que busque ser efi ciente e efi caz deve dialogar com as situações vividas pelos catequizandos.

Se olharmos para os Evangelhos, Jesus sempre educou seus discípulos para a participação, impulsionando-os para que eles fi zessem parte de seu projeto de evangelização. Vemos isso quando Jesus pede que eles organizem a distribuição dos pães no episódio da multiplicação (cf. Mc 6,30-44), ou quando Jesus cura o cego Bartimeu e pede que os discípulos o chamem (cf. Mc 10,49). Como iniciação ao discipulado de Jesus, a catequese é chamada a trabalhar nos catequizandos a atitude de iniciativa daqueles que, a partir de sua experiência de fé, cultivam a participação no projeto de Jesus e na construção de seu Reino (cf. Mc 16,15-18).

O Reino de Deus se tornou a grande motivação dos discípulos que passaram a seguir a Jesus de Nazaré. Seguindo a mesma lógica, o catequista pode ser esse contato do catequizando com a pessoa de Jesus, tendo como resposta a atitude de comprometimento com o Reino.

Uma postura coerente com a postura de Jesus é a da compreensão e acolhida próprias de quem tem compaixão. Devemos ser acolhedores com nossos catequizandos, entender seus anseios e angústias, seus dilemas e valores. Será que a comunidade cristã, com seus ensinamentos, tem algo a dizer a esses catequizandos sobre tudo o que eles vivem? Será que os textos bíblicos podem iluminar a vida desses nossos adolescentes? É claro que sim!

1. Orientações metodológicas

São muitos os métodos utilizados na catequese. Segundo o documento dos bispos católicos do Brasil Catequese Renovada (CR, 111), cabe a cada comunidade escolher qual é o método que melhor responde a sua realidade pastoral, mas o que é método? Sempre que temos um objetivo a ser alcançado, traçamos um caminho, fazemos um projeto que facilite alcançarmos esse objetivo. O método é justamente esse caminho que traçamos para sermos efi cazes no trabalho catequético.

Longe de querer estabelecer princípios metodológicos e aprofundamento dos métodos catequéticos, queremos, neste espaço, trazer algumas refl exões sobre princípios catequéticos e orientações bem práticas que ajudem a dinamizar o trabalho do catequista com os catequizandos.

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2. Interação fé e vida

A catequese precisa estar em profundo diálogo com a vida do catequizando. Essa relação, chamada de interação fé e vida, é trazida pelo Diretório Nacional de Catequese (DGC, 13,i) como uma das perspectivas da catequese renovada. Mais que apreender conteúdos, a catequese quer que nos encantemos pela pessoa de Jesus e livremente O sigamos. Esse ideal de catequese ganhou força no documento Catequese Renovada. Esse documento, que estuda os processos catequéticos, cita o Papa Paulo VI, que nos diz que a catequese deve prezar pela interação entre o Evangelho anunciado e a vida do discípulo (CR, 114).

Interação fé e vida é entendida a partir de um processo catequético que se articula a partir de duas perspectivas: a experiência vivida no cotidiano da vida e os conteúdos da fé cristã. Queremos um catequizando que consiga dar sentido a sua vida cotidiana, que se enxergue discípulo e faça a experiência do seguimento de Jesus em sua vida familiar, na comunidade de fé e sobretudo nas interações sociais.

É na vida concreta que o seguimento de Jesus e a concretização do Reino de Deus acontece. Toda a intenção evangelizadora de Jesus se resume em sua fala “eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10). Se Jesus tinha a intenção de fazer mais digna a vida das pessoas, com o trabalho da Igreja não deve ser diferente. Toda a ação evangelizadora deve estar voltada para a construção da dignidade humana.

Jesus foi uma pessoa que vivia intensa compaixão pelas pessoas que o cercavam. Ao mesmo tempo, sua fé apontava para o Pai e seu Reino. Jesus prega insistentemente o Reino. No Evangelho de Marcos, vemos que o Reino é a proposta de Jesus para ser assumida por todos. Quando alguém se encanta pelo Reino, é preciso aderir a sua construção “imediatamente”. Por isso mesmo Marcos nos diz que os discípulos “imediatamente” deixaram as redes e seguiram Jesus (cf. Mc 1,18), “imediatamente” chamam Jesus e logo ele cura a sogra de Pedro (cf. Mc 1,29-31), como também é “instantânea” a cura do leproso (cf. Mc 1,40-45); nos diz também que a fama de Jesus se espalhava “rapidamente” (cf. Mc 1,28). Marcos não queria dizer, com tantas palavras que nos lembram a pressa do mundo atual, que Jesus era uma pessoa agitada. Ele quer demonstrar que aquele que faz a experiência de Jesus tem pressa de que o Reino aconteça. O Reino, na pregação de Jesus, não era apenas uma teoria. Era uma prática. Assumir uma catequese que busque a interação fé e vida é assumir a Jesus como proposta concreta que transforma nossa vida cotidiana, dando a ela valor e sentido.

Como parte central da ação evangelizadora da Igreja, a catequese quer anunciar a Boa Nova de Jesus, para que a vida concreta do cristão se torne

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mais plena. Se pensarmos bem, é fácil ser cristão dentro da comunidade. Nela todos pensam de forma muito parecida, estão no mesmo ambiente e, mesmo que discordem em alguma coisa, a fé é a mesma. Difícil é ser cristão fora da comunidade eclesial. É lá que concretizamos e plenifi camos nosso discipulado assumindo nossa atitude de cristão e concretizando a prática cristã nas relações que estabelecemos. Uma catequese que tenha como perspectiva a relação fé e vida preza por uma ação evangelizadora que se torne atitude cristã na vida cotidiana, ou seja, no mundo do trabalho, da escola, da família... à luz da fé e dos ensinamentos cristãos (cf. DGAE, 2011-2015, 71).

Nos temas trabalhados na catequese, essa interação fé e vida deve aparecer constantemente. É a vida cotidiana do catequizando o espaço concreto onde Deus se revela e o Reino se concretiza. Os relacionamentos humanos, seja na família, na comunidade eclesial ou na sociedade como um todo, farão parte da abordagem dos temas trabalhados na catequese, que deve tomar a atitude de Jesus como o modelo de atitude a ser assumido pelo catequizando. Sempre que possível, o catequista pode contar com exemplos e situações trazidos pelos catequizandos. Eles serão os maiores responsáveis pelo encontro entre a fé professada pela comunidade e a vida cotidiana.

3. Método ver, julgar, agir e celebrar

Um bom referencial para abordarmos a realidade vivida pelos catequizandos é o método VER, JULGAR, AGIR E CELEBRAR (MARCHINI, 2015). Isso porque ele leva em conta a realidade vivida pelos catequizandos, abordando assuntos e situações que eles vivam em seu cotidiano. Esse método também nos permite iluminar essas situações com as Escrituras e os ensinamentos da Igreja e nos leva a percebermos como podemos transformar nossa realidade para sermos verdadeiros discípulos de Jesus Cristo.

Vamos entender melhor esse método dentro da realidade do encontro de catequese. Ele nos traz a possibilidade de discutirmos as mais variadas realidades vividas pelos catequizandos, tendo como motivação primeira suas experiências e não as teorias e doutrinas. Propomos o assunto (VER), mas descrevê-lo compete aos próprios catequizandos. São eles que vivem as situações, e ninguém melhor do que eles para trazer suas angústias, alegrias, tristezas e expectativas. O momento de VER a realidade é o momento de mostrarmos que queremos discutir as situações vividas por eles. Esse deve ser um momento de profunda acolhida de tudo o que é trazido pelos catequizandos.

Quais são os parâmetros para sabermos se aquilo que eles vivem e trazem para o momento do encontro de catequese é coerente com os princípios da fé cristã? Esse é o momento do JULGAR.

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Talvez a palavra julgar traga a ideia de um tribunal que nos falará aquilo que é certo ou errado. Não seria bem isso que essa etapa quer propor. Aqui, JULGAR está mais no sentido de iluminar a realidade vivida à luz da Palavra de Deus e dos ensinamentos da Igreja.

O catequista pode trazer instrumentos que ajudem a iluminar a realidade vivida pelo catequizando. O tempo de discernimento é do catequizando e deve ser respeitado, mas e se o que eles pensam é errado? Mais que dizer o que é certo ou errado, devemos levar os catequizandos a refl etir para discernir sobre suas vidas. Se discutimos, por exemplo, os vícios e seus malefícios, e um catequizando partilha que na sua família há pessoas que fumam, o catequista precisa ter a sensibilidade de não criar um confl ito entre o catequizando e seus familiares. Isso seria um processo anticatequético.

Aqui é preciso ter a sensibilidade e a razão de Jesus, que buscava nunca afastar ninguém e, mais que emitir juízos, buscava participar da vida das pessoas (cf. Mc 2,13-17). Ele come com os cobradores de impostos mesmo sendo socialmente grave o pecado cometido por eles. O juízo e a mudança de vida cabem aos cobradores. Jesus quer apenas conviver com eles, trazendo a possibilidade de uma nova atitude de vida. Os catequizandos chegam ao discernimento por si mesmos. Ao catequista cabe apresentar Jesus como proposta atitudinal. O JULGAR também está diretamente relacionado com a formação do catequizando como cristão-cidadão.

Mapeamos a realidade e a iluminamos com a Palavra de Deus e nossos princípios evangélicos. Agora é a hora de possibilitar ao catequizando que repense sua prática de vida. É a etapa do AGIR. As situações trazidas pelos catequizandos, após iluminadas, serão as mesmas ou novas possibilidades se apresentarão? O adolescente é chamado a agir de acordo com aquilo em que acredita. Também é a etapa de conhecer a ação da Igreja. Um bom exemplo do AGIR é perceber se a comunidade onde vivemos tem trabalhos que são direcionados às situações que presenciamos no desenvolver de cada tema. Se num determinado encontro surgiu o assunto drogas e entorpecentes, não poderíamos conhecer, ou pelo menos citar, o trabalho da Pastoral da Sobriedade? O contato com os agentes de pastoral ou com as pessoas assistidas por eles pode ser um momento privilegiado de inserção à vida eclesial.

Agora, vamos CELEBRAR. Celebrar é tornar célebre, dar importância. Quando celebramos, damos importância ao assunto que foi discutido. Juntos, ofereceremos a Deus todo o processo catequético trazido para esse encontro. Momentos de oração tornam o encontro mais celebrativo, mas é importante frisar que mais importante que um encontro com orações, é um encontro que seja orante. Tudo nos leva ao encontro com Deus: aquilo que vemos, ouvimos

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ou falamos. Sempre que possível, o catequista pode transformar aquilo que for conversado em uma prece ou oração. Usar símbolos pode tornar o momento celebrativo mais dinâmico. Também materiais para desenhos, colagens e recortes de jornais e revistas podem ser usados para os momentos de oração e celebração.

E a ordem, deve ser essa? É importante dizer que esse método é cíclico e um momento sempre traz consigo os outros três, VER, JULGAR, AGIR e CELEBRAR não podem ser separados. Quando o catequizando traz uma situação para o encontro, ele já buscou entender essa situação. Ao mesmo tempo, quando o catequista traz a ação de Jesus para iluminar a realidade, já transformamos em prece nosso momento de encontro com Ele, mas na hora de prepararmos o encontro de catequese, a ordem apresentada pelo próprio tema pode ser outra. Essa parte é de autonomia do catequista, que conhece melhor seus catequizandos e a realidade que eles vivem.

4. O uso de textos bíblicos

A catequese de Iniciação à Vida Cristã assume Jesus como referência e ponto de partida. Por isso, é necessário ir à fonte da experiência de Jesus: os Evangelhos. A utilização da Bíblia é imprescindível para uma catequese que estabeleça uma relação entre a fé celebrada e a vida cotidiana.

O Itinerário Catequético da CNBB assume a catequese de Iniciação à Vida Cristã como catequese bíblica, ao dizer que:

Todo processo catequético terá a sua iluminação a partir das Escrituras. Aproveitando as riquezas presentes nas sagradas Escrituras para inspirar ações e novos modelos de vida cristã para o hoje de nossa história. A catequese a serviço da Iniciação à Vida Cristã insistirá em propor os encontros salvífi cos de Jesus, como promotores de uma fé madura (CNBB, 2015, p. 38).

Apesar de tratarmos de assuntos que nos remetem ao ser humano em suas mais variadas dimensões, a nossa base é a dimensão religiosa da pessoa. Podemos fazer uso da psicologia, da sociologia, da fi losofi a e da antropologia para entendermos melhor o ser humano, mas nosso objetivo, no ambiente catequético, é entender o ser humano como lugar privilegiado da ação de Deus. Por mais que tratemos de assuntos variados na catequese, sempre os iluminaremos com textos bíblicos que tragam situações, geralmente vividas por Jesus.

Para percebermos que Deus age, é preciso conhecê-lo. Quanto mais conhecemos alguém, melhor percebemos suas motivações, projetos e realizações. Assim também é com Deus. E o melhor lugar para conhecê-lo são as Escrituras. Lá, encontramos experiências de pessoas que tiveram momentos fortes e intensos

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de contato com Deus. A Bíblia será sempre utilizada em nossos trabalhos, e assim não poderia deixar de ser. Ela é o livro de catequese por excelência, pois nos aproxima mais de Deus. Para bem utilizar a Bíblia é necessário que o catequista procure pela formação bíblica. Quanto mais conhecermos do universo bíblico, melhor trabalharemos com os catequizandos. Sempre traremos explicações sobre os textos bíblicos usados, mas elas estão mais sintonizadas ao tema trabalhado. Qualquer método de leitura bíblica utilizado pelo catequista pode ser de muita utilidade.

O papel do catequista é o de facilitar a leitura bíblica, oferecendo ferramentas para que os catequizandos leiam os textos e interpretações que sejam coerentes com a exegese bíblica. Também é função do catequista facilitar a relação entre o texto bíblico e os temas, bem como com as situações trazidas pelos catequizandos.

O maior desafi o é deixar de ser uma catequese que utilize a Bíblia para ser uma catequese bíblica. Isso signifi ca ter a Escritura como base para entendermos a ação de Deus e a realidade humana. Por isso mesmo, o catequista deve sempre utilizar a Bíblia nos encontros. Cada tema do nosso livro tem, pelo menos, dois textos bíblicos que devem ser muito bem explorados, inclusive com leitura orante.

A leitura orante é uma prática de leitura bíblica com infl uência inaciana. Com o incentivo dos exercícios espirituais elaborados por Santo Inácio de Loyola (1491-1556) também aos leigos, esta prática se popularizou. Lembramos que antes, os exercícios espirituais formulados por Santo Inácio de Loyola eram limitados aos religiosos jesuítas, não por proibição, mas por difi culdade de acesso e compreensão. Você pode encontrar muitas variações da leitura orante, mas basicamente podemos resumir a prática de leitura orante em quatro passos:

1. O que o texto bíblico diz em si.2. O que o texto bíblico diz para mim.3. O que o texto me leva a dizer a Deus.4. O que ele me faz contemplar e modifi car na vida cotidiana.

Os passos podem ser melhor entendidos acessando o link:<http://www.nospassosdepaulo.com.br/2013/09/metodo-da-

leitura-orante-da-biblia.html>.

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Não existe muita bibliografi a sobre o assunto. Fica como sugestão o livro:

RAY. Leitura orante: caminho de espiritualidade para jovens. Paulinas.

CNBB, Leitura orante nos seminários e nas casas de formação. Edições CNBB.

5. Dinamizando a catequese

Dedicaremos esta seção a dicas práticas para que você possa dinamizar os encontros de catequese em sua comunidade. A palavra dinamizar vem do grego dynamis, que quer dizer movimento. Ao dinamizar os encontros de catequese, queremos que eles se tornem mais agradáveis aos catequizandos.

Assista no Youtube ao vídeo do canal Hora da Pastoral - Dinâmicas na catequese. Você pode encontrá-lo no endereço <https://www.youtube.com/watch?v=uIP_-IzuNSk>.

É importante lembrarmos que a dinâmica nunca é o centro da catequese. Antes, ela está a serviço do tema que será trabalhado. Não começamos a preparar um encontro de catequese pela dinâmica, mas pela temática. Por isso as dicas que daremos aqui devem dialogar com o tema trabalhado e nunca se sobrepor a ele.

Consideramos algumas situações que podem auxiliar na dinamicidade do encontro de catequese: canções, poemas, fi lmes, as dinâmicas propriamente ditas e as brincadeiras.

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Sobre a relação com os catequizandos:GIL, Paulo Cesar. Quem é o catequizando? Vozes.

Sobre as dinâmicas do processo catequético, que servem de base para as dicas que trazemos a seguir:

MARCHINI, Welder Lancieri. Perseverando com Jesus: catequese com adolescentes. Vozes. (livro do catequista).

5.1 Canções

• Devem sempre ajudar a entender melhor o tema e nunca atrapalhar. Se pegamos uma letra muito complicada de se entender, podemos criar um problema. Ela precisa falar claramente sobre aquele assunto.

• Pode ser uma canção de fora do universo religioso. A mensagem de Deus também faz uso de instrumentos utilizados por Ele fora do ambiente religioso. É sempre legal quando usamos uma canção que faça parte do gosto musical de nossos catequizandos.

• É muito importante que todos os catequizandos tenham a letra da canção em mãos. Se não for possível, que a letra esteja visível em um cartaz ou na lousa. Isso porque apenas ouvindo a canção, alguma palavra pode não ser bem entendida. Ter a letra visivelmente acessível auxilia depois nas discussões sobre a canção.

• Se alguém souber tocar violão e a canção for conhecida, é interessante cantá-la.

• Às vezes, também é legal levar uma canção que os catequizandos não conheçam; afi nal, é sempre bom ter contatos com novas informações. O importante é que se valorize o que é próprio deles e, ao mesmo tempo, abram-se novos horizontes, trazendo aquilo que ainda não é de conhecimento dos catequizandos. O segredo está no equilíbrio entre o novo e o já conhecido.

• E, no que se refere ao trabalho com canções, o mais importante: o catequista não deve interpretar a canção pelos catequizandos. A opinião do catequista deve ser sempre a última a ser expressada. Uma dica é escutar a música sem fazer nenhum comentário prévio. Talvez o único seja quanto ao título da canção. Uma proposta pode ser colocar visível a todos apenas o título da canção. Depois, pergunte se alguém a conhece. Se não, perguntar sobre o que eles acham que a canção vai dizer. Se sim, deixe que o catequizando partilhe um pouco de seu conhecimento sobre a canção. Depois de escutar a canção, dar um espaço para que digam

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qual a frase que mais chamou a atenção e qual a relação da frase com o tema trabalhado. Muitas mensagens interessantes saem dessa dinâmica. Frequentemente os catequizandos tiram mensagens da canção que nós não havíamos percebido.

• As canções podem ser usadas tanto para mapearmos uma realidade (VER), como também para analisarmos (JULGAR) essa mesma realidade.

• Outro instrumento interessante são os clipes das canções. Alguns trazem histórias e imagens bem interessantes, que ajudam na abordagem dos temas.

5.2 Poemas

• Os poemas conseguem trabalhar as questões mais profundas do ser humano com muita intensidade e simbolismo.

• Os poemas têm linguagem e vocabulário próprios. Muitas vezes, seu vocabulário não é usual e precisamos recorrer ao dicionário.

• Sentimentos são sempre muito bem trabalhados pelos poemas, mas também há poemas sobre problemas sociais, principalmente os que são produzidos pelo hip-hop. Muitos também são canções.

• O poema precisa ser recitado e não apenas lido. O modo como o recitamos muda seu entendimento.

• Uma música instrumental sempre pode acompanhar o poema, mas ela precisa estar em sintonia com a sua mensagem. Se o poema é mais triste, a música precisa ser mais lenta; se o poema é mais contagiante, a música também precisa ser.

• Também é importante procurar saber se os adolescentes gostam de poemas. Partir do que eles gostam sempre é uma proposta interessante.

5.3 Filmes

• Os fi lmes são instrumentos interessantes, mas que também requerem certo cuidado. Eles também, assim como as canções, devem sempre ajudar e não criar um problema.

• Mais importante que o fi lme é o tema trabalhado. Por isso, geralmente não é interessante passarmos um fi lme inteiro. Ele traz muitas informações que não estão diretamente relacionadas ao encontro de catequese, o que pode criar dispersão na discussão do tema.

• Pode ser interessante escolhermos uma parte de no máximo sete a 10 minutos que tenha relação direta com o tema trabalhado, mas isso requer que o catequista assista ao fi lme anteriormente e escolha com cuidado a parte que será usada.

• O que pode ajudar é o catequista transmitir as informações necessárias para que todos entendam o fi lme, contextualizando seu enredo, personagens, cenários etc.

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• Uma sugestão é, se for da vontade da turma, fazer em alguma oportunidade uma sessão de cinema. Nessa oportunidade os catequizandos apenas assistem ao fi lme e, se for possível, fazem um breve bate-papo sobre suas opiniões e sua relação com o tema. É sempre gostoso, na medida do possível, que essa sessão seja acompanhada de pipoca e suco. Os catequizandos geralmente gostam e se entusiasmam.

5.4 Dinâmicas

• As dinâmicas são importantes para dar movimento aos encontros de catequese.

• Devem ser escolhidas a partir do tema do encontro. Muitas vezes, porém, comete-se o erro de achar que a dinâmica é o centro do encontro de catequese. Um encontro nunca deve ser preparado tendo como base uma dinâmica.

• Tudo aquilo que utilizarmos, seja a canção, o fi lme, a poesia, o artigo de jornal e, é claro, o texto bíblico, deve nos ajudar a abordar melhor o tema proposto, dinamizando o encontro.

• A dinâmica é uma forma de abordar um tema de modo diferente. Ela deve estar diretamente conectada com o assunto que vem antes ou depois dela.

• Podemos usar a dinâmica como introdução a um tema. Nesse caso, pode ser usada uma canção, poesia ou fi lme. Eles trazem assuntos que podem ser relacionados com o tema proposto.

• Todo o material utilizado na dinâmica precisa ser previamente separado. • A dinâmica precisa ser bem pensada e ter conexão direta com o tema

abordado. Uma dinâmica que não dá certo cria uma desconexão que atrapalha o andamento do encontro.

5.5 Brincadeiras

• As brincadeiras trabalham a dimensão lúdica do ser humano.• Elas podem ser usadas para entrosar o grupo quando eles ainda não se

conhecem.• Uma brincadeira também pode ajudar a trabalhar questões como

companheirismo, trabalho em equipe e colaboração.• Os jogos podem também ser trabalhados como brincadeiras. Podemos

trabalhar jogos esportivos ou gincanas.• Do mesmo modo que as dinâmicas, as brincadeiras precisam estar

diretamente relacionadas com o tema trabalhado. Tudo no encontro confl ui para que os catequizandos tenham um melhor conhecimento do tema.

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Atividade de Estudos:

1) Faça um relato de como os conteúdos estudados neste capítulo contribuíram para seu entendimento catequético. Uma sugestão: busque relacionar os conteúdos com as práticas de sua comunidade eclesial.

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CateQuese PermanenteAlguns pontos relacionados à catequese merecem ser retomados. Vimos que

o centro do processo catequético é a pessoa de Jesus e seu Evangelho. Vimos também que os processos catequéticos assumem, cada vez mais, características catecumenais. Essas ideias se concatenam na Iniciação à Vida Cristã. Na prática, construímos uma catequese que continua acompanhando a vida do catecúmeno, mesmo depois da celebração do sacramento. Na prática pastoral catequética chamamos esse processo de catequese permanente. Ao falar da conformidade daquele que é iniciado à pessoa de Jesus, Lelo (2014, p. 13) diz:

A iniciação cristã tem como objetivo ajudar a pessoa a tornar-se cristã, participante consciente do mistério pascal e da comunidade eclesial; viver a dinâmica da união com Cristo, buscando assemelhar-se a ele; e levar a uma experiência de fé ligada à vida, num processo contínuo de conversão.

Ser cristão não está relacionado unicamente a um conteúdo. Existem inúmeros historiadores que conhecem os acontecimentos relacionados ao cristianismo, e isso não os identifi ca como cristãos. É cristão aquele que toma parte, ou segundo Lelo, “participa” do mistério pascal” (LELO, 2014, p. 13). O cristão busca conformar-se à vida de Jesus. Os textos bíblicos, celebrados nas liturgias, passam a ter novo sentido, iluminando a vida cotidiana.

É a vida concreta que motiva o processo catequético. Nas Escrituras e ensinamentos da Igreja (que chamamos de doutrina), o catequizando buscará

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respostas para suas indagações. A CNBB chama essa motivação do catequizando de “desejo de permanecer seguindo a Jesus Cristo” (CNBB, 2015, p. 38). Assim diz o Itinerário catequético:

A preparação e celebração dos Sacramentos de Iniciação à Vida Cristã estarão marcadas por este desejo de permanecer seguindo a Jesus Cristo e continuar a experiência de fé na qual foi iniciada. Por isso, a ação catequética não poderá polarizar-se num único dos três sacramentos de iniciação, tampouco ignorar a recepção dos sacramentos (CNBB, 2015, p. 38).

O Itinerário catequético, formulado originalmente em 2014, é produto de uma caminhada que se inicia com o Concílio Vaticano II (1962-1965). O Concílio traz o desejo de uma religião que dialogue com a vida cotidiana e com a sociedade. Essa ideia é mais facilmente identifi cada na produção conciliar Gaudium et Spes (GS).

Na América Latina será realizada a Conferência do CELAM (Conselho do Episcopado Latino-americano), na cidade de Medellín (1968). Os bispos latino-americanos se reuniram para buscar identifi car um modo de ação da Igreja latino-americana, tendo como base o Concílio Vaticano II. A catequese – entendida dentro do universo da educação – será referência de diálogo com a realidade concreta.

No Brasil essa história culminará no Documento 26 da CNBB, intitulado “Catequese Renovada”. Uma das bases da catequese pensada pelo documento será a articulação fé e vida. Inicia-se uma superação da visão sacramentalista da catequese. Os sacramentos continuam sendo importantes e serão celebrados dentro do catolicismo, mas eles não são o fi m da catequese. São meios de celebrar e vivenciar o seguimento de Jesus (CR, 10-11).

Na Conferência de Aparecida (2007) o CELAM reafi rmou a importância do processo catequético para além dos sacramentos. Sua função é a de criar discípulos-missionários. O discípulo é aquele que adere ao seguimento de Jesus. Ele é missionário, pois esse encontro o leva a viver de maneira diferente, se conformando com a pessoa de Jesus e seu Evangelho e indo ao encontro dos irmãos (DA, p. 28-29).

A ideia de formar discípulos missionários, que transcende a atitude catequética sacramental, reverbera por autores e pela própria CNBB, que instrui as comunidades:

Objetivo hoje da catequese é formar cristãos adultos, discípulos missionários, maduros na fé, inseridos numa comunidade adulta, na comunhão e participação. Uma catequese na qual são valorizados os diferentes ministérios, aberta às diferentes realidades humanas, em constante diálogo intraeclesial, ecumênico e inter-religioso, a serviço das culturas e da sociedade, no testemunho concreto do dia a dia (CNBB, 2015, p. 39).

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Também na intenção de enfatizar a fi nalidade vivencial de catequese, escreve Lelo:

As orientações atuais sobre a catequese requerem a integração da dimensão catecumenal em todo processo catequético como suporte indispensável para uma celebração que resulte em profunda transformação interior e leve ao compromisso de vivência do sacramento, sem reduzi-lo apenas ao momento ritual-social. Essas expressões signifi cam que vamos dar mais um passo na catequese para responder ao desafi o de formar discípulos e missionários para a sociedade de hoje, sem nos fi armos comodamente na tradição herdada de famílias pretensamente cristãs (LELO, 2014, p. 9).

É claro o movimento catequético de retorno à catequese apostólica, presente na Didaqué, de seguimento de Jesus, assumindo o compromisso querigmático (Did, 1).

Nos últimos tempos, a CNBB trouxe um novo elemento que auxilia no entendimento da catequese como ação permanente, que não se limita à celebração ritual do sacramento. A ação catequética deve estar voltada à formação de sujeitos eclesiais (CNBB, Doc 105, 119).

No fi nal do Capítulo 2 vimos, em um diálogo entre as ideias do sociólogo Alain Touraine (2003; 2009) e o Evangelho de Mateus, que o sujeito e o discípulo são fi guras análogas. Se o sujeito é aquele que traz o desejo de atuar socialmente, o discípulo é aquele que entendeu a proposta de Jesus e quer colocá-la em prática.

Uma catequese que busca ser permanente quer, além de levar o catecúmeno à experiência batismal, iniciá-lo no seguimento de Jesus, possibilitando a formação de um sujeito eclesial ou, em outras palavras, de um discípulo missionário.

A catequese permanente faz a Igreja pensar em novas comunidades, que sejam menos seduzidas às celebrações de massa e mais inclinadas às relações pessoais; comunidades que retomem a vivência doméstica das comunidades apostólicas e que sejam local da experiência do discipulado.

Ao tratar das novas perspectivas do trabalho catequético, Villepelet (2007, p. 57) escreve:

Jesus foi crucifi cado, ele morreu, mas Deus o ressuscitou e por ele traz a vida aos seres humanos. A ideia cristã de Deus está ligada à fé na ressurreição. A ressurreição não é um detalhe que se acrescentaria ao resto da fé, é a sua própria essência. [...] A catequese não pode passar isso em silêncio.

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O autor escreve este excerto em item intitulado “A volta ao centro da fé cristã”. Falar de catequese permanente vai muito além de falar de encontros de catequese. Trata-se de entender o processo catequético como algo permanente. Entender que a relação com Jesus e seu Evangelho deve ser uma constante na vida do cristão, durante toda a sua caminhada de vida.

Algumas ConsideraçÕesA comunidade cristã tem como característica estar aberta a novas adesões.

Se no período apostólico cada novo discípulo era acompanhado, com o aumento dos participantes das comunidades e as características de celebrações com maior número de adeptos, isso não foi mais possível.

Hoje buscamos estabelecer um diálogo entre a demanda numérica de nossas comunidades com a qualidade dos processos de iniciação. De que adianta ter muita gente nos cultos, missas e celebrações, se elas não percebem a preciosidade que encontram em suas mãos?

Os catecúmenos – ou iniciados no cristianismo – anseiam por qualidade nos processos catequéticos. Os catequistas também querem oferecer um trabalho de qualidade. Ao qualifi carmos os trabalhos catequéticos em nossas comunidades, qualifi caremos também a comunidade como um todo, pois teremos cristãos mais autônomos ou, como conceitualmente trabalhamos, verdadeiros sujeitos eclesiais.

ReFerÊnciasALMEIDA, Antonio José de. ABC da iniciação cristã. São Paulo: Paulinas, 2010. (Coleção Jesus mestre)

BOFF, Leonardo. Cristianismo: o mínimo do mínimo. 2. ed. Petrópolis, RJ: Voz-es, 2013.

CASTILLO, José Maria. Jesus, a humanização de Deus: ensaio de Cristologia. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015.

CELAM. Conclusões da Conferência de Medellín, 1968: Trinta anos depois, Medellín é ainda atual? São Paulo: Paulinas, 1998.

_______. Documento de Aparecida: texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe. Brasília, DF: Edições CNBB; São Paulo: Paulinas: Paulus, 2007.

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INICIAÇÃO DOS SUJEITOS ECLESIAIS Capítulo 3

CHARPENTIER, Etienne. Para ler o Novo Testamento. São Paulo: Loyola, 1992.

CNBB. Catequese renovada: orientações e conteúdo. São Paulo: Paulinas, 1984. (Documentos da CNBB, 26).

_______. Cristãos leigos e leigas na igreja e na sociedade: Sal da terra e luz do mundo (Mt 5,13-14). São Paulo: Paulinas, 2016. (Documentos da CNBB, 105).

_______. Diretório nacional de catequese. 5. ed. São Paulo: Paulinas, 2007. (Documentos da CNBB, 84).

_______. Diretrizes gerais da ação evangelizadora da Igreja no Brasil 2011-2015. São Paulo: Paulinas, 2011. (Documentos da CNBB, 94).

_______. Diretrizes gerais da ação evangelizadora da Igreja no Brasil 2015-2019. São Paulo: Paulinas, 2015a. (Documentos da CNBB, 102)

_______. Itinerário catequético: iniciação à vida cristã - um processo de inspi-ração catecumenal. 3. ed. Edições CNBB: Brasília, DF, 2015b.

_______. Leitura orante nos seminários e nas casas de formação. Brasília, DF: Edições CNBB, 2010.

DIDAQUÉ. Catecismo dos primeiros cristãos. 10. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.

DIDAQUÉ. O catecismo dos primeiros cristãos para a comunidade de hoje. 8. ed. São Paulo: Paulus, 1989.

FERREIRA, Paulo Fernando Racy. Refl exão por ocasião do batismo: fui chamado a ser pai, mãe, padrinho ou madrinha. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.

GAUDIUM ET SPES. In: COMPÊNDIO DO VATICANO II: constituições, decretos, declarações. 30. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1968.

GIL, Paulo Cesar. Quem é o catequizando? 5. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2016.

LELO, Antonio Francisco. A iniciação cristã: catecumenato, dinâmica sacramen-tal e testemunho. São Paulo: Paulinas, 2005. (Coleção água e espírito).

_______. Catequese com estilo catecumenal. São Paulo: Paulinas, 2014. (Coleção água e espírito).

LIMA, Luiz Alves de. A catequese do Vaticano II aos nossos dias: a caminho de uma catequese a serviço da iniciação à vida cristã. São Paulo: Paulus, 2016. (Coleção Marco Conciliar).

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PRÁTICA PASTORAL

MARCHINI, Welder Lancieri. Perseverando com Jesus: catequese com adoles-centes. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015. (Livro do catequista).

NENTWIG, Roberto. Iniciação à comunidade cristã: a relação entre a comuni-dade evangelizadora e o catecumenato de adultos. São Paulo: Paulinas, 2013. (Coleção catequética).

NUCAP. Núcleo de Catequese Paulinas. Iniciação à vida cristã: eucaristia: livro do catequista. 8. ed. São Paulo: Paulinas, 2013. (Coleção água e espírito).

PAGNUSSAT, Leandro Francisco; BORGES, Maria Augusta. Iniciação à vida cristã I: formando equipes de iniciação à vida cristã. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013. (Iniciação à vivência cristã).

_______. Iniciação à vida cristã I: formando equipes de iniciação à vida cristã. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013. (Iniciação à vivência cristã).

_______. Iniciação à vida cristã II: pré-catecumenato. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013. (Iniciação à vivência cristã).

_______. Iniciação à vida cristã III: catecumenato. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013. (Iniciação à vivência cristã).

_______. Iniciação à vida cristã IV: iluminação e purifi cação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013. (Iniciação à vivência cristã).

PAGNUSSAT, Leandro Francisco; BORGES, Maria Augusta. Iniciação à vida cristã I: mistagogia. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013. (Iniciação à vivência cristã).

QUEZINI, Renato. A pedagogia da iniciação cristã. São Paulo: Paulinas, 2013. (Coleção catequética).

RAY. Leitura orante: caminho de espiritualidade para jovens. São Paulo: Pauli-nas, 2001.

RICA. Ritual da Iniciação Cristã de Adultos. 5. ed. São Paulo: Paulinas, 2013.

TOURAINE, Alain. Crítica da modernidade. 9. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2009.

_______. Poderemos viver juntos? Iguais e diferentes. 2. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2003.

VILLEPELET, Denis. O futuro da catequese. São Paulo: Paulinas, 2007. (Coleção pedagogia e fé).

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CAPÍTULO 4

Gestão Pastoral e Evangelização

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem:

Conhecer ferramentas de gestão e planejamento pastoral.

Identifi car os fundamentos e critérios para uma administração que aconteça a exemplo da pessoa de Jesus.

Pensar práticas de organização e gestão comunitárias que levem à maior efi cá-cia no processo de evangelização.

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GESTÃO PASTORAL E EVANGELIZAÇÃO Capítulo 4

ConteXtualizaçãoSe pensamos em um líder de uma comunidade eclesial, pensamos em

alguém que teve uma profunda experiência com Deus e busca possibilitar a outras pessoas que também tenham essa mesma experiência.

Esse pode ser o seu caso, caro estudante de Teologia. Você tem, em algum momento de sua vida, uma experiência profunda e existencial. Ela te leva a assumir um novo comportamento, com novos projetos e perspectivas. Talvez você se torne um agente de pastoral, um servo de uma igreja. Talvez a experiência o leve a ser uma liderança ministerial, seja um padre ou um pastor.

Quando então, você decide que é hora de assumir um trabalho em sua comunidade, sua intenção é evangelizar, mas na prática os trabalhos pastorais de uma comunidade assumem uma gama de tarefas administrativas. Administrar a comunidade também faz parte do projeto de evangelização.

Podemos administrar uma comunidade a partir de duas perspectivas: a primeira é a pastoral. Administramos o material humano da comunidade, gerenciamos pessoas. A segunda é a econômica. O líder comunitário também gerencia as economias de uma comunidade, captando recursos, seja através de dízimo, doações ou festas, mas também pagando as contas de água e luz da comunidade, organizando a folha de funcionários ou mesmo o patrimônio da comunidade eclesial.

Nossa ocupação será, neste material, com a primeira característica: a pastoral. É preciso organizar o grupo de colaboradores (servos e agentes de pastoral) para que os trabalhos pastorais aconteçam com maior fl uidez e organicidade.

Administrar a comunidade também faz parte do projeto de

evangelização.

Nossa ocupação será, neste material, com a primeira característica:

a pastoral.

Administração ComunitáriaAdministrar a pastoral de uma comunidade signifi ca, na prática, organizar as

estruturas e o material humano que forma a comunidade, para que o trabalho de evangelização aconteça. Para facilitar o entendimento daquilo que é a administração pastoral de uma comunidade, iniciaremos com uma defi nição de administração eclesial:

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PRÁTICA PASTORAL

A administração eclesial é, especifi camente, exercida pelos gestores eclesiais, no âmbito de sua jurisdição, e sistematiza as ações eclesiásticas, pastorais e administrativas, procurando o alcance de metas organizacionais desejadas de maneira efi ciente e efi caz por meio de quatro funções administrativas: planejamento, organização, liderança e controle dos recursos organizacionais. Basicamente, as duas primeiras se constituem em ações fi nalísticas, e a terceira é, essencialmente, um apoio, possibilitando o alcance da evangelização, que é razão maior da sua existência (HENRIQUE; PAIVA, 2012, p. 15).

Partiremos de um pressuposto: a administração de uma comunidade não é responsabilidade de seu líder ou da fi gura do clero ou ainda do pastor. Assumiremos a proposta de uma administração participativa, em que cada membro da comunidade é efetivamente parte da comunidade, pensando-a e executando aquilo que é pensado.

O professor de direito canônico, Ivo Müller, retoma o Concílio Vaticano II (1962-1965) para falar do ideal de participação:

Uma nova luz brilhou no horizonte eclesiológico dos anos sessenta, com o concílio ecumênico Vaticano II. Este concílio ressuscitou dentro da Igreja valores cristãos, um tanto empoeirados pela sua inadequada aplicação aos seus membros, incorporados pelo batismo ao sacerdócio comum de Cristo. Nesta panorâmica, a dignidade dos fi éis cristãos foi recuperada, sobretudo dos fi éis leigos, numa nova mentalidade de Igreja, concebida como Povo de Deus. A partir deste momento, todos formam a inteira família deste Povo, edifi cando conjuntamente a Igreja de Cristo, cada um dentro do seu estado próprio de pessoas ao tríplice múnus de Cristo, ou seja, ao múnus sacerdotal, profético e régio de Cristo (MÜLLER, 2004, p. 15).

Alguns pontos tratados por Müller são importantes para a sistematização que aqui fazemos. A administração não é comunitária por uma decisão de seus líderes. A participação dos membros da comunidade em sua gestão e administração é cristológica, ou seja, todo cristão, ao ser batizado, passa a participar do tríplice múnus de Cristo, que é profeta, sacerdote e rei. Principalmente ao participar do múnus régio, o cristão torna-se coorganizador da comunidade cristã (MÜLLER, 2004).

Quanto maior a participação dos membros de uma comunidade nos processos de decisão das prioridades pastorais, maior será o envolvimento da comunidade como um todo em tais processos. Brighenti (2000) identifi ca a participação como o método mais adequado a uma pastoral que busca envolver os membros da comunidade nos processos assumidos.

A participação dos membros

da comunidade em sua gestão e administração é

cristológica.

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GESTÃO PASTORAL E EVANGELIZAÇÃO Capítulo 4

A administração de uma comunidade eclesial deve ser consequência dos valores evangélicos assumidos por esta comunidade. Deve haver uma coerência entre aquilo que a comunidade prega e o modo como ela se organiza. Na obra conjunta entre o monge Anselm Grün e o diretor da empresa Puma, Jochen Zeitz, eles analisam que uma empresa não pode prescindir de seus valores éticos. O mesmo vale para a religião.

Muitos dos que assumem responsabilidade na economia sentem que, a longo prazo, não podemos exercer a atividade econômica sem valores. Ao ignorarem valores, as empresas, a longo prazo, perdem o valor, pois quem ignora os valores, no fundo despreza o ser humano e, por consequência, também a si mesmo. Um clima de desprezo pelas pessoas e de desprezo próprio logo desvaloriza uma empresa. O capital desaparece. As pessoas que foram desprezadas e desprezam a si mesmas perderam qualquer sentimento de identidade. Desse modo, uma empresa desaba em si mesma (GRÜN; ZEITZ, 2012, p. 133).

Os autores falam do mundo empresarial, mas a refl exão é ainda mais útil ao mundo eclesial. Uma comunidade que prescinde de seus valores evangélicos acaba por perder o foco e passa a trabalhar por sua manutenção, mais que pela evangelização.

E qual é o foco da comunidade cristã? As pessoas. É para o crescimento das pessoas que a comunidade cristã deve se organizar e existir, mas onde encontraremos as bases para essa refl exão? A base é a pessoa de Jesus. Ao falarmos de administração, adentramos em um campo que muitas vezes parece distante do universo eclesial. Por isso, primeiramente, tomaremos como exemplo alguns textos bíblicos que nos dão pistas dos referenciais que devem ser assumidos na administração da comunidade eclesial.

1. Critérios bíblicos

Jesus não fala de administração de comunidades, isso por dois motivos bem aparentes. Primeiro porque as comunidades eclesiais, nos moldes que existem hoje, não existiam na época de Jesus. Elas são uma construção histórica dos cristãos que buscaram atender às necessidades de seu tempo. Depois, podemos perceber que Jesus tinha uma relação diferente com a religião. Ele vai ao Templo, mas sua participação é limitada a algumas festas. A religiosidade de Jesus, como era comum em sua época, acontece sobretudo fora do Templo.

Como poderíamos nos inspirar na Bíblia para falar de gestão pastoral? Isso só é possível se assumirmos alguns critérios oferecidos pelo próprio Jesus. Estes critérios não falam de gestão ou administração, mas nos mostram um horizonte a ser seguido.

É para o crescimento das pessoas que a comunidade cristã

deve se organizar e existir.

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PRÁTICA PASTORAL

Em Jo 2,13-25 encontramos a passagem onde Jesus vai a Jerusalém por ocasião da festa da Páscoa. No Templo, ele encontra vendedores que ofereciam animais a serem sacrifi cados. Em nenhum momento do texto Jesus se opõe ao sacrifício, mas ele se opõe à venda de animais, espalhando as bancas com moedas e dizendo: “Tirem isto daqui! Vocês estão transformando a casa do meu Pai em mercado” (Jo 2,16).

Os animais vendidos afastavam as pessoas mais pobres do culto do Templo, pois elas não tinham dinheiro para comprar os animais e, consequentemente, não poderiam oferecer sacrifícios. Mesmo que as pessoas mais pobres criassem os animais, eles não poderiam ser utilizados. Criados pelo Templo, os animais estavam livres de alguma impureza. Ao questionar as práticas do Templo, Jesus questiona um culto e uma religião que perde a perspectiva de aproximar as pessoas de Deus.

Em Mt 7, 24-27 encontramos Jesus ensinando aos discípulos na passagem que fala da casa construída sobre a rocha. Ela é a metáfora para o discípulo que escuta a Palavra e a internaliza. O discípulo que escuta a Palavra traz a solidez da casa sobre a rocha. A Palavra lhe traz os critérios necessários para exercer seu discipulado.

2. Critérios para um planejamento pastoral

As comunidades eclesiais se encontram em um período de grandes mudanças, como vimos no Capítulo 1. Uma gestão pastoral deve dialogar com esta realidade, fortemente marcada pela individualidade e pela desinstitucionalização das vivências religiosas. Uma pastoral efi ciente busca perceber quais são os mecanismos que levam a uma evangelização da sociedade atual. Para que isso aconteça é necessário um planejamento.

O teólogo pastoralista Agenor Brighenti traz algumas características de um planejamento pastoral que leve a um efetivo diálogo com a sociedade atual. Ele deve “ser técnico, sem ser tecnicista” (BRIGHENTI, 2000, p. 25). Isso porque a técnica e a tecnologia fazem parte do mundo atual. Não podemos pensar em templos sem uma estrutura mínima ou

que se organizem sem considerar as tecnologias como a informática, a internet ou equipamentos eletrônicos. Como uma pastoral deve se organizar em relação às tecnologias? Isso depende da realidade social de cada comunidade. O importante é não perder o foco no ideal: a evangelização e não a técnica.

A pastoral também deve “ser comunitária, sem ser massifi cante” (BRIGHENTI, 2000, p. 26). O comunitário é caracterizado pelos

O teólogo pastoralista“ser técnico, sem ser

tecnicista”.

A pastoral deve “ser comunitária, sem ser

massifi cante”

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GESTÃO PASTORAL E EVANGELIZAÇÃO Capítulo 4

vínculos estabelecidos, enquanto o massifi cante visa ao número de participantes. O número de participantes pode ser interessante quando pensamos em uma pastoral de eventos, mas esse modelo de pastoral não se torna efi caz, pois não gera vínculos dos participantes com a comunidade nem dos participantes entre si.

Uma comunidade também deve ser “comprometida sem ser politizante” (BRIGHENTI, 2000, p. 27-28). Um planejamento pastoral deve considerar a experiência concreta da vida de seus membros. Assim, se a comunidade está situada em um bairro que apresenta problemas estruturais, ele deve se comprometer. O planejamento comunitário não deve dizer para seus membros em qual partido eles devem votar e sim com quais critérios eles devem se comprometer.

Por fi m, uma comunidade deve ter um planejamento “aberto ao universal, sem ser universalizante” (BRIGHENTI, 2000, p. 29). Estar aberto ao universal signifi ca perceber os acontecimentos, sejam em nível eclesial ou social, que infl uenciam a comunidade, abrindo-se a novas experiências e dialogando com novas expectativas.

Uma comunidade deve ser

“comprometida sem ser politizante”.

Uma comunidade deve ter um

planejamento “aberto ao universal, sem ser

universalizante”.

ConselHos e GestãoOs conselhos comunitários são a própria administração da comunidade. Ao

descrever as funções do conselho comunitário, Altoé descreve que ele “integra e anima as pastorais, os trabalhos de evangelização e a vida da comunidade, seguindo as orientações da Igreja. Em outras palavras, o conselho COORDENA A COMUNIDADE” (ALTOÉ, 2008, p. 13). Ao descrever a realidade católica dos conselhos comunitários, Pereira aponta que:

Seu principal papel e função é planejar, organizar, liderar, coordenar e avaliar a Pastoral Orgânica da paróquia, exprimindo a unidade e corresponsabilidade, na comunhão eclesial dos seus agentes de pastoral, sejam eles ordinários ou extraordinários, ou seja, clérigos, religiosos e leigos, sempre sob a jurisdição do pároco, conforme pede o Código de Direito Canônico (cf. cân. 536, § 2º), seguindo as normas estatuídas pelo bispo diocesano. Embora o pároco seja o presidente do Conselho Paroquial de Pastoral, não é ele quem inventa as normas, os artigos e cláusulas do regimento desse conselho [...]. O pároco preside um conselho regido pelas normas da diocese, contidas no Regimento do Conselho Diocesano de Pastoral (PEREIRA, 2011, p. 56).

Se o conselho pastoral pensa o agir da comunidade, ele também está em sintonia com o planejamento de sua diocese. Na prática, devemos pensar que

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o planejamento da ação de uma comunidade eclesial está sempre inserido no contexto da igreja à qual a comunidade pertence, seja ela católica ou evangélica. Uma comunidade não é um gueto no qual os cristãos se reúnem para realizar atividades tendo unicamente seus critérios. Eles estão inseridos dentro do cristianismo e, mais especifi camente, em suas igrejas.

Neste sentido, o líder comunitário exerce importante papel. Ele é esse vínculo entre a comunidade local e a instituição (PEREIRA, 2011). Ao coordenar os trabalhos do conselho, o líder comunitário, seja ele o padre ou o pastor, não deve ser instância de decisão, mas sim orquestrar os trabalhos do conselho para que não percam o referencial. Ao descrever a função do coordenador, assinala Altoé (2008, p. 13):

Quem coordena a comunidade é o conselho e não o coordenador do mesmo. Isto despersonaliza a fi gura do coordenador e evita tantos confl itos como temos visto por esse Brasil afora, favorecendo a tomada de posição mais profética e a sustentação das decisões em equipe, em grupo.

Henrique e Paiva (2012, p. 29) também descrevem a função da liderança:

O gestor eclesial é referência de liderança no sistema eclesial, ou seja, ele é gestor e líder, e isso é muito importante para as organizações religiosas. A diferenciação entre a qualidade do gestor e do líder está relacionada à fonte de poder em nível de aquiescência que ela cria entre os colaboradores.

É importante que o conselho comunitário se reúna periodicamente, sendo as reuniões mensais uma boa medida de tempo para cada reunião (ALTOÉ, 2008). Isso porque o conselho pensa a vida da própria comunidade, por isso devem participar do conselho as lideranças da comunidade. Em muitas comunidades essas lideranças são entendidas como os coordenadores de pastoral (ALTOÉ, 2008).

O conselho comunitário, ao se constituir como organismo responsável pela administração pastoral da comunidade, exerce sua responsabilidade em direcionar os trabalhos pastorais. Segundo Henrique e Paiva (2012, p. 15), tal “responsabilidade tem seu fundamento na dignidade da pessoa humana caminhando até a responsabilidade social”. Se a comunidade eclesial é responsável por acompanhar seus membros, visando ao crescimento pessoal, a mesma comunidade também é responsável por interagir com a sociedade na qual está inserida.

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GESTÃO PASTORAL E EVANGELIZAÇÃO Capítulo 4

Quando falamos de uma pastoral de participação, assumimos a gestão coletiva como critério para as decisões pastorais de uma comunidade eclesial. Por muito tempo as assembleias comunitárias foram comuns. Elas acompanhavam um ideal de participação social, presente na sociedade brasileira do período do fi nal da ditadura militar e início da redemocratização (décadas de 1970 e 1980). Muitas comunidades ainda realizam assembleias.

Sobre organização de assembleias, ler:PEREIRA, José Carlos. Assembleia paroquial: roteiro de

preparação e realização. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. (Coleção gestão paroquial)

O livro traz instruções práticas de como organizar uma assembleia, desde seus trabalhos prévios, como escolha de temas e preparo dos membros, até organização do próprio evento e encaminhamentos posteriores à reunião comunitária.

Recapitulando

Até aqui vimos que a administração pastoral da comunidade eclesial é de responsabilidade de seus membros. A fi gura do coordenador ou líder comunitário serve de referência institucional, o que garante que a comunidade não perca sua unidade com a instituição religiosa.

Atividade de Estudos:

1) Leia o excerto da obra do fi lósofo Mário Sérgio Cortella:

Ultimamente tem-se falado em empresa espiritualizada, líder espiritualizado. A crescente frequência com que esses termos têm adentrado no universo corporativo pode ser interpretada como um indício de que uma busca por um novo modo de vida e convivência está em curso?

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PRÁTICA PASTORAL

É um sinal, que às vezes é positivo, outras vezes não, porque se pode cair numa dimensão esotérica, que é perigosa. Mas a espiritualidade no mundo do trabalho é necessária. O que é espiritualidade? É a sua capacidade de olhar que as coisas não são um fi m em si mesmas, que existem razões mais importantes do que o imediato. Que aquilo que você faz, por exemplo, tem um sentido, um signifi cado. Que a noção de humanidade é uma coisa mais coletiva, na qual se tem a ideia de pertencimento e que, portanto, o líder espiritualizado – mais do que aquele que fi ca fazendo meditações e orações – é aquele capaz de olhar o outro como o outro, de inspirar, de elevar a obra, em vez de simplesmente rebaixar as pessoas. Então, nossa espiritualidade é a capacidade de respeitar o outro como outro e não como um estranho e edifi car, em conjunto, um sentido (como signifi cado e direção) que honre nossa vida.

O líder espiritualizado, com alguma frequência e especialmente em alguns livros, aparece como alguém próximo a um místico. Isso é muito negativo, porque a mística, vez ou outra, deriva para o campo do fanatismo e deixa de ser radical (isto é, de ir até as raízes, saindo da superfície), passando a ser sectária, desagregadora, o que é uma coisa deletéria.

Fonte: Cortella (2015, p. 13-14).

Com base no texto e nos conteúdos estudados até o momento, escreva o papel do líder religioso na gestão da comunidade eclesial.________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

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GESTÃO PASTORAL E EVANGELIZAÇÃO Capítulo 4

Gestão e ParticiPaçãoUm monge da igreja medieval, chamado São Bento, tinha no slogan Ora et

Labora a representação do carisma de sua Ordem. As palavras Ora et Labora vêm do latim e signifi cam Ora e trabalha. Bento defendia a ideia de que a oração, sem o trabalho, era pura teoria, mas também o trabalho, sem a oração, perdia seus fundamentos (GRÜN; ASSLÄNDER, 2014). Ora et Labora são duas fases de um trabalho que deve buscar a harmonia.

A fase ora, do rezar ou do deter-se, é um grande desafi o para nossa consciência, um exercício mental. Nas tradições religiosas tanto do Oriente quanto do Ocidente, ela corresponde às diversas formas de meditação e de exercícios de oração que, no fundo, são todos semelhantes. A meditação apoia o “cessar”, o “auscultar”; ela nos ajuda a desvencilhar-nos do que nos ocupa na fase do labora (GRÜN; ASSLÄNDER, 2014, p. 131).

Para os autores, a oração nos coloca em contato com Deus, colocando-nos em sintonia com Ele. Na prática podemos dizer que uma administração sem a fase Ora é uma administração que, aos poucos, perde o critério divino, passando a se organizar apenas pelos interesses daquele que está à frente da comunidade. Podemos dizer que a oração, ou o espírito evangélico, nos oferece os critérios éticos de uma administração eclesial.

O esquema ora et labora corresponde às polaridades que vivemos por toda parte, no mundo, e experimentamos também em nós mesmos: homem–mulher, dia–noite, inspirar–expirar, quente–frio, grande–pequeno, consciente–inconsciente. Essa polaridade e dualidade pervagam todos os âmbitos da vida. Em relação a nossa consciência, experimentamos a polaridade como rumo de orientação para dentro e para fora: estar consigo ou ocupar-se com o mundo, servir a Deus e ao mundo (GRÜN; ASSLÄNDER, 2014, p. 139).

Orar e trabalhar são duas dimensões que aparecem constantemente na comunidade cristã. Uma comunidade sem administração de seu patrimônio, ou mesmo que não pensa sua ação pastoral, não consegue se organizar, mas também uma comunidade que perde sua dimensão evangelizadora vai, aos poucos, se transformando em um organismo burocrático. Para que estas duas dimensões dialoguem, é necessário que os membros da comunidade eclesial participem ativamente das escolhas e planejamentos.

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PRÁTICA PASTORAL

Técnicas de PlanejamentoO planejamento pastoral de uma comunidade é importante para que ela

otimize seu trabalho, no sentido de aproveitar melhor o material humano que tem, pensando prioridades e estratégias de evangelização. Os autores Henrique e Paiva defi nem planejamento como:

[...] o ato de determinar as metas da organização e os meios para alcançá-las. A meta é um estado futuro desejado que a organização tenta imaginar, e o plano é um esboço especifi cando as alocações de recursos, programações e outras ações necessárias para alcançar as metas (HENRIQUE; PAIVA, 2012, p. 17).

A organização pastoral, para ser mais efi ciente, deve buscar ser orgânica. Isso signifi ca que as pastorais, serviços e ministérios presentes em uma comunidade eclesial devem trabalhar em conjunto e não de maneira como se fossem departamentos separados (ALTOÉ, 2011). Na prática podemos entender que, quando uma criança participa, por exemplo, dos processos catequéticos, ela também pode participar dos trabalhos da Pastoral da Criança, sua família pode ser atendida pelos vicentinos, e a família, como um todo, participa das celebrações litúrgicas. Como nos planejar? Henrique e Paiva nos dão o seguinte caminho:

a) analisar oportunidades, ameaças ou limitações que existem no ambiente externo;b) analisar pontos fortes e fracos de seu ambiente interno;c) estabelecer a missão organizacional e os objetivos gerais;d) formular estratégias que permitam à organização combinar os pontos fortes e fracos da organização com as oportunidades e ameaças do ambiente;e) implementar estratégias;f) realizar atividades de controle estratégico para assegurar que os objetivos gerais da organização sejam atingidos (HENRIQUE; PAIVA, 2012, p. 18).

Aqui não priorizamos técnicas de planejamento pastoral como se fossem receitas que podem ser implementadas “tal e qual” em qualquer comunidade. Trouxemos perspectivas que devem dialogar com a comunidade local para alcançar alguma efi cácia (BRIGHENTI, 2000). Algumas questões fazem-se de fundamental relevância no diálogo com a sociedade atual.

A pastoral, para ser efi caz, “precisa superar o amadorismo” (BRIGHENTI, 2000, p. 103). Para isso, a formação dos leigos é imprescindível. A pastoral não pode cobrar dos leigos aquilo que não foi ensinado a eles. As lideranças da comunidade precisam, periodicamente, passar por cursos de formação que visem qualifi car o trabalho que é oferecido na comunidade.

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GESTÃO PASTORAL E EVANGELIZAÇÃO Capítulo 4

Outra característica de uma pastoral que busca ser efi caz é a de “privilegiar os processos mais que os resultados” (BRIGHENTI, 2000, p. 105-106). Uma comunidade eclesial se constrói a partir da participação e do envolvimento de seus membros. As metas são horizontes, mas elas não são mais importantes.

No método participativo, privilegiar o processo, basicamente, signifi ca privilegiar a participação. Quanto mais participação, melhor, ainda que seja muito mais difícil trabalhar com muita gente. [...] Nesse sentido, um processo participativo é altamente evangelizador, pois leva as pessoas a se confrontarem consigo mesmas, com os outros, com a realidade e, sobretudo, com Deus e com a mensagem evangélica (BRIGHENTI, 2000, p. 106).

Por fi m, uma pastoral “não deve copiar, mas ser original” (BRIGHENTI, 2000, p. 107). Uma comunidade pode se inspirar em práticas pastorais executadas em outras comunidades, e não há mal algum nisso. As práticas pastorais devem dialogar com a realidade de cada comunidade. Uma missa celebrada no horário de almoço em um centro comercial pode surtir efeito, visto que as pessoas aproveitam o horário de almoço para participar das celebrações. Ser original está em ter estratégias pastorais que facilitem o acesso a Jesus e seu Evangelho. Ser original signifi ca voltar à origem. A origem da prática pastoral deve ser Jesus e seu evangelho.

Atividade de Estudos:

1) Vamos ler outro excerto de obra do autor Mario Sergio Cortella. Nele o fi lósofo nos fala de nossa relação com o dinheiro, elencando o que seria essencial e o que seria fundamental.

“Por que eu preciso morar em grandes cidades, viver desesperado dentro de um carro para lá e para cá, restringir imensamente meu tempo de convivência com as pessoas de que eu gosto, reduzir o meu ócio criativo para fi car num lugar onde vão me oferecer apenas e tão-somente dinheiro?” Essa é uma dúvida que provavelmente atravessou muitas pessoas no trajeto de ida ou de volta do trabalho.

Para alguns, a resposta a esse questionamento poderia vir de pronto: “Porque sem dinheiro não se vive”. Sim, sem dinheiro não se vive, mas só com dinheiro não se vive. Há uma mudança em curso no mundo do trabalho. As pessoas estão começando a fazer uma distinção necessária entre o que é essencial e o que é fundamental. Essencial é tudo aquilo que você não pode deixar de ter: felicidade,

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amorosidade, lealdade, amizade, sexualidade, religiosidade. Fundamental é tudo aquilo que o ajuda a chegar ao essencial. Fundamental é o que lhe permite conquistar algo. Por exemplo, trabalho não é essencial, é fundamental. Você não trabalha para trabalhar, você trabalha porque o trabalho lhe permite atingir a amizade, a felicidade, a solidariedade. Dinheiro não é essencial, é fundamental. Sem ele, você passa difi culdade, mas ele, em si, não é essencial. No mundo da empresa, salário não é essencial, é fundamental. O que eu quero no meu trabalho é ter a minha obra reconhecida, me sentir importante no conjunto daquela obra.

Fonte: Cortella (2015, p. 63-64).

Neste capítulo vimos que o essencial é Jesus e seu evangelho. Sem isso a comunidade se descaracteriza. Busque, olhando para a sua comunidade eclesial, elencar aquilo que é fundamental para que a pastoral aconteça.________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Algumas ConsideraçÕesExiste uma cantiga que fala: “Caminheiro, você sabe, não existe caminho.

Passo a passo, pouco a pouco, o caminho se faz”. A cantiga quer dizer que cada um deve encontrar o caminho, dialogando com a realidade concreta da vida. E isso é bem verdade.

Na pastoral não podemos prescindir das práticas de planejamento. Se não organizamos a vida pastoral de nossa comunidade eclesial, perdemos muito tempo, caímos no tarefi smo, ou ainda, criamos uma comunidade em que poucas pessoas vivem imensamente atarefadas, pois fazem todos os trabalhos pastorais.

Planejar signifi ca trabalhar melhor e ganhar mais tempo e efi ciência no trabalho.

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GESTÃO PASTORAL E EVANGELIZAÇÃO Capítulo 4

ReFerÊnciasALTOÉ, Adailton. Organização paroquial: conselhos, equipes e serviços pasto-rais. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. (Coleção gestão paroquial).

_______. Construção da cidadania e gestão eclesial: relato de uma experiên-cia que deu certo. São Paulo: Paulus, 2011. (Coleção pastoral e comunidade).

BRIGHENTI, Agenor. Reconstruindo a esperança: como planejar a ação da Igreja em tempos de mudança. 3. ed. São Paulo: Paulus, 2000.

CORTELLA, Mario Sergio. Qual é a tua obra: inquietações propositivas sobre gestão, liderança e ética. 24. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015.

GRÜN, Anselm; ZEITZ, Jochen. Deus, dinheiro e consciência. Diálogo entre um monge e um executivo. Tradução de Vilmar Schneider. Petrópolis, RJ: Voz-es, 2012.

GRÜN, Anselm; ASSLÄNDER, Friedrich. Administração espiritual do tempo. Tradução de Paulo F. Valério. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.

HENRIQUE, Nereudo Freire; PAIVA, Edivaldo Cardoso de. Fundamentos da gestão eclesial: Manual para a área administrativa das paróquias. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012. (Coleção gestão paroquial).

MÜLLER, Ivo. Direitos e deveres do Povo de Deus. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004. (Coleção introdução à teologia).

PEREIRA, José Carlos. Assembleia paroquial: roteiro de preparação e real-ização. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. (Coleção gestão paroquial).

_______. Conselhos paroquiais: instrumentos de gestão participativa na vida da paróquia. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011. (Coleção gestão paroquial).

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CAPÍTULO 5

Evangelização e Juventude

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem:

Identifi car traços da juventude atual.

Pensar estratégias para uma pastoral juvenil.

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EVANGELIZAÇÃO E JUVENTUDE Capítulo 5

Muitas comunidades eclesiais encontram difi culdade em evangelizar a juventude. É comum delegarmos a “culpa” desta difi culdade aos jovens, dizendo que “não querem nada com nada” ou que vivem em crise. Então, o que podemos fazer para que os jovens tenham contato com Jesus e seu evangelho e para que encontrem nas comunidades eclesiais um ambiente onde possam se construir como cristãos? Daremos algumas pistas e ofereceremos refl exões que ajudem a entender melhor a juventude.

ConteXtualização

A Sociedade HodiernaEm nosso primeiro capítulo buscamos trazer elementos que nos ajudaram

a montar o cenário do mundo atual. Este cenário tem como elemento os jovens e as comunidades eclesiais. A interação com as mídias faz com que os jovens vivam com maior latência as consequências da globalização. Eles interagem com modelos globais, tanto no que diz respeito à cultura, como os modelos religiosos.

A globalização faz com que as iniciativas culturais locais de vivência religiosa ou cultural se enfraqueçam (SANTOS, 2013). Tendências globais, inclusive na religião, ganham força. A globalização evidencia o enfraquecimento das instituições que são mais próximas da vida cotidiana do sujeito, criando a – muitas vezes equivocada – sensação de que somos autônomos (TOURAINE, 2003). Assim, a família, os organismos estatais como a escola ou a política e até mesmo a religião parecem exercer menor poder sobre os indivíduos.

O enfraquecimento das instituições locais acontece pelo fato de o cenário globalizado trazer consigo a cultura do mercado. Este cenário global padroniza a cultura para que não seja necessária uma gama de produtos que atenda às necessidades específi cas de cada população. O global não dá espaço para a valorização do que é local ou nacional. Valorizam-se os grandes astros e produtos do mercado global, em detrimento do idioma, da cultura, da memória e da educação local.

Milton Santos enfatizará que a relação entre os indivíduos – entendido como local – e o global é desigual (SANTOS, 2013). O indivíduo não participa da construção das esferas globais na mesma proporção em que é infl uenciado por elas. Numa relação de produção, temos um território – ou local – esquizofrênico, que deixa de atender as suas próprias necessidades para atender às demandas produtivas globais (SANTOS, 2013).

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Seja qual for a postura que assume o indivíduo hodierno, ela é motivada pela busca de bem-estar e pelos critérios aparentemente estabelecidos por este próprio indivíduo. Não há princípios institucionais que sejam assumidos sem que antes sejam debatidos, pensados, assimilados, ou simplesmente, sejam do gosto ou gerem bem-estar para o indivíduo (LIPOVETSKY; CHARLES, 2004). O indivíduo e sua satisfação passam a ser o critério, em detrimento do interesse das instituições ou da ideia de social e coletivo. Se o indivíduo apresenta interesses coletivos, ele geralmente é expressão de seu grupo de convivência e não da sociedade como um todo.

Sendo a juventude um momento de transição da infância para a vida adulta e da vivência do lúdico para as responsabilidades com a manutenção da própria vida e da sociedade, ela sempre se pautou nas instituições estabelecidas pela sociedade como parâmetro para sua vida. Outra questão enfatizada pela situação moderna e que traz uma espécie de contraponto é que a juventude se constitui modelo de vigor e beleza (LEFEBVRE, 2015). Inverte-se o modelo: não são os jovens que se espelham nos adultos buscando constituir sua vida tendo-os como modelo. Eles se colocam como modelo de virilidade, vitalidade e beleza. A idade da juventude busca ser perpetuada. Já não são os adultos que ditam a regra aos jovens. Inverte-se a lógica.

Considerando o cenário juvenil, nos parece que os jovens que não se identifi cam com as instituições – inclusive com as instituições religiosas – são considerável parcela da sociedade. Outros jovens se identifi cam com as instituições e as assumem como parâmetro. Temos também aqueles que se identifi cam a ponto de assumirem a postura de apartar-se da sociedade chamada “profana”, refl exo de uma concepção conservadora (LIBÂNIO, 201).

Mais que as referências religiosas institucionais, a juventude valoriza a vivência da liberdade diante das instituições, seja a família, a escola ou mesmo a Igreja. Entenda-se liberdade aqui como a ausência da intervenção institucional na vida privada. O jovem sente-se inteiramente responsável por decidir seu próprio destino. Para este jovem, nenhuma instituição se apresenta com capacidade para tanto (LIBÂNIO, 2011). Como explicar o crescimento de tantos movimentos

de cunho fundamentalista, como os Arautos do Evangelho ou as comunidades de vida consagrada, que conseguem agrupar uma parcela considerável da juventude? Os jovens procuram essa religiosidade como expressão de seus anseios e não como concretização de uma adesão institucional. A adesão existe, o restauracionismo também, mas a motivação não é a instituição e sim o próprio indivíduo que se satisfaz seguindo as regras colocadas pelo grupo religioso (LIPOVETSKY, 2007).

A juventude valoriza a vivência da

liberdade diante das instituições, seja a família, a escola ou

mesmo a Igreja.

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EVANGELIZAÇÃO E JUVENTUDE Capítulo 5

Para entender melhor a relação dos jovens com as instituições religiosas, vamos dividi-los em três grupos: aqueles que são totalmente alheios à realidade institucional religiosa, aqueles que participam de alguns eventos religiosos, mas não querem a intervenção da Igreja em sua vida privada e, por último, aqueles que aderem à vivência eclesial. Todos esses três tipos – que poderiam ser subdivididos em tantos outros mais – trazem os traços elencados anteriormente, seja em maior ou menor intensidade.

1. A juventude inatingida

Essa é a parcela da juventude – provavelmente a maior parcela dentre os jovens – que já nasceu e cresceu no processo de desinstitucionalização. Alguns desses jovens podem até enxergar na Igreja alguns traços de valor cultural, mas a maioria deles não a considera nem como tradição cultural e muito menos moral. Para eles, a religião é vista como algo folclórico e seus seguidores tornam-se sinônimo de pessoa ultrapassada. Eles se apresentam alheios à instituição religiosa. As diretrizes e ensinamentos da Igreja não são de conhecimento desses jovens (LIBÂNIO, 2004).

2. A juventude de adesão a eventos

Se por um lado cresce a busca por experiências religiosas, por outro diminui o sentimento de pertencimento a uma religião em específi co. Há envolvimento com a prática religiosa, mas não com as estruturas de uma igreja. Esses mesmos jovens não querem envolvimento com suas comunidades eclesiais, esse envolvimento exigiria um comprometimento maior do que aquele que eles se propõem a oferecer, seja com as estruturas institucionais ou com o código de conduta moral apresentado pela religião. O jovem cria uma distinção bem clara entre a vivência religiosa na esfera pública (aqui quase identifi cada como a participação em um evento) e a intervenção dos ensinamentos religiosos na esfera privada do jovem, principalmente no campo da sexualidade (TOURAINE, 2003).

A religião do evento não é a religião de adesão a uma comunidade de fé. É, antes, a religião que se identifi ca como prestadora de serviço. Não há projeto de vida. Há uma necessidade iminente apresentada pelo jovem fi el que é atendida – ou comumente não – pela comunidade eclesial. Geralmente estas necessidades estão relacionadas a afetos ou desafetos, como o fi m de um relacionamento, como uma doença, a morte de um familiar ou até mesmo a necessidade de passar no vestibular ou ser selecionado numa vaga de emprego.

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3. A juventude religiosa

Essa faixa da juventude se identifi ca com a instituição eclesiástica. Provavelmente exista em menor quantidade que as juventudes citadas anteriormente e poderia ser subdividida em vários grupos. São os jovens que aderem afetiva e efetivamente às práticas religiosas e ensinamentos morais da Igreja a que pertencem. Encontramos nesse grupo desde os jovens que participam das pastorais paroquiais de maneira mais profunda, como também das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) ou dos grupos de orientação carismática. A juventude religiosa também é identifi cada com facilidade nas comunidades evangélicas, onde uma camada de jovens adere às organizações eclesiais. É importante entendermos que a juventude religiosa católica não adere à Igreja como um todo.

Segundo o teólogo Libânio, essa parcela da juventude facilmente se apresenta com traços fundamentalistas de comportamento e até mesmo restauracionistas, como os monfortinos ou os Arautos do Evangelho. O indivíduo se anula e assume o comportamento e os princípios sugeridos pela instituição e seu líder (LIBÂNIO, 2004).

4. Individualismo

Em nenhum outro momento histórico se valorizou tanto os desejos do indivíduo como nos tempos hodiernos, mas essa característica não germina do acaso, ela é fruto de um processo que começa com a modernidade. Com a fi losofi a cartesiana, os contratualistas (Hobbes, Locke e Rousseau) e o Iluminismo, temos o fi m de uma fi losofi a que se ocupa extensivamente da religião e dos interesses que a cercam. Nasce uma subjetividade centrada nela mesma e não de um ser humano voltado para Deus, como acontece com a construção da subjetividade agostiniana (COSTA, 2015). Valoriza-se a razão como paradigma e horizonte para entender o ser humano. Cria-se o ideal do sujeito livre, autônomo e racional.

A passagem da modernidade para a pós-modernidade não se dá necessariamente com grande ruptura. Sua maior característica está nos “freios institucionais que se opunham à emancipação individual (que) se esboroam e desaparecem” (LIPOVETSKY; CHARLES, 2004, p. 23). Um dos grandes responsáveis para que isso aconteça é a instauração do mercado como orientador das relações sociais, como já dissemos anteriormente. Não há mais controle algum sobre o sujeito. Sua subjetividade não mais se caracteriza pela liberdade, autonomia e racionalidade. Na pós-modernidade a liberdade e autonomia se voltam para o poder de consumo, enquanto que a racionalidade dá lugar ao desejo. Não temos mais o sujeito, mas o indivíduo. Ele não tem a autonomia que é própria do sujeito e, consequentemente, não se constitui pela razão, mas pela capacidade de consumo (LIPOVETSKY, 2007).

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EVANGELIZAÇÃO E JUVENTUDE Capítulo 5

A hipermodernidade é a modernidade em seu maior superlativo. Os ideais de autonomia e liberdade ganham muita fl uidez, efemeridade e poder de mercado. As situações não são combatidas, mas integradas. Morrem as utopias e ganha força a sensação de que toda a eternidade se esgota no tempo presente. O sujeito, que na pós-modernidade se tornou indivíduo, agora se caracteriza pelo hiperindividualismo (LIPOVETSKY; CHARLES, 2004). A vida humana passa a se constituir a partir de seu potencial de consumo e isso chega também à religião.

Uma das grandes mudanças de paradigma da sociedade pós-moderna foi a do êxodo rural. As famílias e as sociedades eram predominantemente rurais. Isso constituía um modelo de relacionamentos que se pautava principalmente na valorização do seio familiar. A afetividade era voltada para a família, onde aconteciam as refeições, os momentos celebrativos e também as tomadas de decisões. Ela exercia forte papel agregador de seus membros, muitas vezes, se sobrepondo a vontades individuais. O modelo urbano de família pauta sua afetividade na satisfação do indivíduo. Ela não mais exerce forte papel agregador e seus membros se sobrepõem ao conjunto familiar. As celebrações são terceirizadas. Os fi lhos saem para celebrar com os amigos e raramente este momento acontece no ambiente doméstico. As decisões são do âmbito do indivíduo. A família se adapta à dinâmica de vida e decisões de seus membros. Enquanto organismo, ela perdeu sua força. Não há mais membros, mas indivíduos autônomos que buscam satisfazer-se de maneira individualista e, em certo grau, narcisista (LIBÂNIO). Quando a família não está de acordo com a decisão de um de seus membros, a dissidência do seio familiar acontece com mais facilidade que no ambiente rural.

No campo da afetividade e sexualidade não cabem as tradições. Superou-se o modelo rural da tradição familiar, sobrepondo-se o modelo do carpe diem. A referência moral é a satisfação imediata. Na pós-modernidade os critérios éticos dão lugar a critérios estéticos (LIBÂNIO, 2004). Na hipermodernidade o critério estético dá lugar a critérios esteticistas. Mais importante do que o indivíduo é o modo como ele se apresenta à sociedade. Assume-se a máxima: “parecer é mais importante que ser”. As redes sociais passam a ser o grande meio de relacionamento, e quando a imagem de alguém é transgredida, esse indivíduo passa a viver as consequências desta transgressão em sua vida cotidiana.

O sujeito moderno, que assumia como parâmetro moral o dever e a racionalidade, deu lugar ao indivíduo guiado pelo desejo. Por um lado, superou-se a vivência moral do puro dever, muitas vezes desprovida de sentido, embora a concepção e o ideal moral ainda estejam aquém dessa realidade. Por outro, o jovem se tornou refém do consumo. Na sociedade do desejo, tudo vira mercadoria. Roupas, alimentação, diversão, sexo e amizades, tudo pode ser consumido em vista de um prazer imediato. Haja vista a grande quantidade de raves e baladas

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frequentadas pelos jovens e da quantidade de drogas e a facilidade de sexo casual consequentes desses eventos. O paradoxo está nos indivíduos viverem a liberdade sexual, mas a limitarem ao espaço privado. Tudo é permitido, desde que não transpareça publicamente. Na realidade metropolitana essa característica ganha maior expressão. As pessoas têm certo anonimato. Desvincula-se a vida no trabalho da vida privada. Isso pode levar, por exemplo, um homossexual a frequentar as festas de seu meio, mas esconder sua orientação sexual no ambiente de trabalho.

Outra característica da hipermodernidade é que ela agrupa os indivíduos, em massa, transformando-os. Diferente de uma sociedade que é formada por sujeitos que carregam junto de si autonomia e corresponsabilidade, a massa é agregação de indivíduos. O indivíduo é passivo. Fazendo parte da massa, ele unicamente segue a tendência. Um grupo étnico ou uma tribo urbana pode ser o exemplo de um agrupamento de indivíduos. Na juventude os indivíduos são mais suscetíveis às determinações de seu grupo de convívio. Assim, um jovem que se caracteriza por pertencer a determinado grupo ou tribo, facilmente segue as orientações estabelecidas.

A supervalorização do individualismo acarreta grandes mudanças no envolvimento do jovem com as realidades sociais. Não há envolvimento com causas de transformações sociopolíticas. Isso porque os processos de transformações sociais são longos e seus frutos não podem ser colhidos em curto prazo. Ganham força os grandes eventos lúdicos. Quem os procura não tem consciência sociopolítica. Seus adeptos

procuram diversão. Os eventos virtuais se intensifi cam e as redes sociais passam a fazer parte da vida humana com mais intensidade.

A supervalorização do individualismo acarreta grandes

mudanças no envolvimento do jovem com as

realidades sociais.

Estamos falando do jovem que participa esporadicamente e não sistemática e estruturalmente de

atividades.

Juventude e a IgrejaFalar de Igreja e juventude se torna um grande desafi o se

antes não identifi carmos de que aspecto eclesial e de que juventude estamos falando. Não ignoramos que as várias igrejas buscam abarcar a juventude em seus trabalhos, mas nesta seção nos ocuparemos sobretudo dos jovens que buscam uma participação religiosa eventual. Aqui não estamos falando unicamente de eventos grandiosos, como a

Jornada Mundial da Juventude (JMJ) ou Marcha para Jesus. Estamos falando do jovem que participa esporadicamente e não sistemática e estruturalmente de atividades, sejam elas em uma comunidade paroquial, um culto evangélico ou em um evento organizado por um movimento cristão.

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1. Alguns fundamentos bíblicos

O cristianismo se caracteriza pela organização eclesial. A vivência da fé é sempre um ato pessoal, mas que desemboca numa adesão comunitária (LIBÂNIO, 2000). A comunidade é importante para o cristianismo, pois a própria ação de Jesus nasceu comunitária. No Evangelho de Marcos, o início da vida pública de Jesus é marcado pelo chamado dos primeiros discípulos (Mc 1,16-18). Simão e André, que eram pescadores, largam as redes e seguem a Jesus. Dentro da cultura judaica, Jesus forma uma pequena comunidade de seguidores, que já nos versículos seguintes da mesma perícope irá contar com a presença de Tiago e João (Mc 1,19-20). Durante todo o Evangelho de Marcos a presença dos discípulos de Jesus será signifi cativa. Numa leitura catequética do evangelho, eles serão os discípulos que descobrirão quem é Jesus no decorrer do caminho percorrido com ele.

No diálogo em ambiente pastoral com a realidade juvenil não cabe uma teologia dedutiva, de normas e regras. É preciso uma teologia dialógica, que não se construa no embate com os jovens, mas com um diálogo franco. Jesus de Nazaré é o nosso exemplo para construirmos essa refl exão acerca da vivência da juventude.

Contudo é preciso, ao ler as atitudes de Jesus de Nazaré, superar uma visão literal dos textos bíblicos. Eles pouco falam da sexualidade humana e, por isso mesmo, a leitura hermenêutica – visto que aqui não faremos propriamente uma exegese – se faz importante instrumento que nos possibilita um diálogo com o autor bíblico e suas intenções. Mais que entender a literalidade do texto, queremos contextualizar alguns personagens de perícopes em suas circunstâncias históricas (SALZMAN; LAWLER, 2012).

Mais que criar regras sobre o que devemos ou não fazer, Jesus nos chama a acolhermos as realidades que nos assolam. Exemplo disso é a perícope que retrata o encontro de Jesus com Jairo e com a mulher que sofria de hemorragia (Mc 5,21-43). Jairo pede que Jesus cure sua fi lha, uma menina de 12 anos (Mc 5,42). Essa é a fase do início da menstruação. A partir desse momento a menina entrava no grupo daqueles que eram vítimas da lógica do puro-impuro. A mulher com hemorragias já era vítima dessa lógica há longos 12 anos (Mc 5,25), a mesma idade da menina. Ao tocar em Jesus, a mulher faz com que ele participe dessa cruel lógica: estaria Jesus impuro? Jesus se volta à multidão (Mc 5,30) e, não por acaso, Ele quer que todos percebam que foi tocado. A comunidade é chamada a participar dessa cura. Também nós somos chamados a participar deste assunto, discuti-lo, acolhê-lo.

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A evangelização e a pastoral devem se inclinar à juventude com o sentimento de compaixão próprio de Jesus. Por fi m, ao curar a fi lha de Jairo, Jesus pede que deem de comer à menina (Mc 5,43). Jesus cura, mas é a comunidade que deve acolher e cuidar de seus jovens.

A parábola do samaritano (Lc 10,29-37) nos traz o critério da misericórdia. O centro da perícope é o versículo 36, em que Jesus diz quem é o próximo, dizendo que é “aquele que usou de misericórdia para com Ele”. Depois diz “vai, e também tu, faze o mesmo” (Lc 10,37). Misericórdia é aqui entendida pelo evangelista como acolhida e envolvimento.

Atividade de Estudos:

1) Leia o texto de Mc 5,21-43. Escreva numa folha à parte os verbos utilizados, principalmente quando Jesus está se relacionando com a menina. Veja que os verbos nos remetem às atitudes dos personagens bíblicos. Quais são as atitudes de Jesus? Como elas apontam para uma concepção de pastoral juvenil?________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

2. A fé que passa pelo indivíduo

A fé é uma adesão do indivíduo a um projeto de vida. O indivíduo escolhe seguir a pessoa de Jesus por ver sentido em seu projeto. O Catecismo da Igreja Católica

(CIC) defi ne a fé como “primeiramente uma adesão pessoal do homem a Deus [...]” (CIC 150). Assim entendemos a fé como adesão humana ao projeto de Deus.

Até a modernidade, a vivência da fé estava vinculada à adesão e à tradição (LIBÂNIO, 2000). As questões relacionadas à fé estão vinculadas às questões doutrinárias. Com a modernidade e a emergência da subjetividade, a fé passa a ser vista em sua relação com as experiências humanas e com as questões do próprio indivíduo. O sujeito moderno

Com a modernidade e a emergência da subjetividade, a fé passa a ser vista

em sua relação com as experiências

humanas e com as questões do próprio

indivíduo.

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EVANGELIZAÇÃO E JUVENTUDE Capítulo 5

se coloca como o centro da questão da fé. Não mais se assume uma doutrina como o parâmetro. A fé é assumida como meio de satisfação do indivíduo, mas a modernidade, principalmente a brasileira, da qual estamos falando, não deixou de ser religiosa. Ela vive essa religiosidade tendo o próprio indivíduo e a satisfação de suas necessidades como parâmetro (MARCHINI, 2015).

3. Uma nova eclesialidade juvenil

Ocupando-nos da juventude que vive uma religiosidade eventual, percebemos que sua participação deixa de ser sacramental. Esse jovem não está preocupado em participar de catequeses e processos de preparação para receber os sacramentos. Sua preocupação está em participar de momentos (eventos) que satisfaçam suas necessidades mais iminentes, geralmente relacionadas a questões práticas do cotidiano ou às questões afetivas.

Mas se a pertença eclesial e a fé são transmitidas pelo sacramento do batismo (LIBÂNIO, 2000), teríamos na participação eventual da juventude uma nova concepção eclesial? A fé, adesão a um projeto eclesial, se subjetivou transformando-se em adesão pessoal a Deus (LIBÂNIO, 2000). Não há uma mudança substancial, visto que a fé sempre foi consequência da relação entre o indivíduo e Deus. A mudança está na perspectiva de que a comunidade deixou de ser o local da concretização desta adesão, passando a ser apenas o locus do encontro entre o indivíduo e Deus.

Nesta perspectiva, temos jovens que tendem mais para uma vivência da religiosidade que da religião propriamente dita. A vivência da religiosidade acontece à medida que se valoriza a ideia de “experiência religiosa” e não adesão institucional (RIBEIRO, 2009). Se alguém diz que estes jovens deixaram de ser religiosos se engana, eles mudam o modo como vivem sua fé ou sua religiosidade, mas continuam buscando uma vivência religiosa.

Uma mudança é a da bricolagem (HERVIEU-LÉGER, 2008) ou customização das vivências religiosas (RIBEIRO, 2009). O jovem de participação eventual passa a viver sua religiosidade, dando signifi cado a ela a partir de suas necessidades. O signifi cado das experiências religiosas não é dado nem pela instituição, nem por herança familiar (HERVIEU-LÉGER, 2008). Para este jovem, o peso da tradição é diminuído e passam a valer suas próprias interpretações.

Ao relatar esta transição do jovem, da participação institucional para a participação eventual, Libânio usa a terminologia de jovem tradicional e jovem secularizado. Entendemos que secularizado talvez não seja o melhor termo para descrever a participação religiosa destes jovens, visto que se constitui como um

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termo fortemente marcado pela relação da sociedade europeia com a religião e de uma tentativa de separação total entre religião e Estado, o que, em nosso entendimento, não acontece nos mesmos moldes em situação latino-americana. Os jovens são religiosos, mas sua participação é eventual ou até mesmo desinstitucionalizada. Libânio (2011, p. 183) descreve a participação do jovem tradicional como aquela que

[...] vinha de família e cultura religiosa, mantinha facilmente práticas piedosas. A religião se constituía horizonte e segurança e dava-lhe paz interior. Motivava-lhe a viver de acordo com a fé que trazia de casa. Ela servia-lhe de referência principal de valores, de ação, de comportamentos.

O contraponto desta herança familiar não pode ser entendido como secularização. O mesmo, poucos parágrafos depois, Libânio diz que “pesquisas a respeito da espiritualidade dos jovens brasileiros constatam que 65% deles continuam profundamente religiosos, 30% religiosos e somente 4% se dizem sem religião” (LIBÂNIO, 2011, p. 185).

Libânio não cita o 1% da pesquisa, mas isso não tira o mérito de sua análise.

Se 95% desta juventude se diz religiosa, seja essa religiosidade em maior ou menor grau, não podemos entender que ela se secularizou. A religião desta juventude apenas não é mais vista como uma tradição a ser assumida, mas como uma experiência que deve ser sempre agradável e pode dar sentido à vida.

Enquanto mapeamento desta nova religiosidade juvenil, podemos dizer que ela se caracteriza como um novo modo de experiência religiosa. Ela não é menos válida que a anterior, que chamamos de institucional e que Libânio chamou de tradicional (LIBÂNIO, 2011). Ela é refl exo de um indivíduo que busca satisfazer suas necessidades mais iminentes. Se olharmos pela ótica deste indivíduo, suas necessidades são legítimas, mas como essas necessidades são dinâmicas, também sua participação será dinâmica, esporádica e, como denominamos, eventual.

Se olharmos para esta participação com os olhos de uma eclesiologia institucionalizada, a enxergaremos como uma participação efêmera e incompleta. A instituição religiosa tem como um de seus objetivos a sua própria manutenção e ela só será possível com a captação constante de novos adeptos. Numa religião

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marcada pela participação eventual, a instituição se enfraquece. A participação religiosa ganha traços de prestação de serviço (ABUMANSSUR, 2012). Por consequência, o poder que a instituição religiosa exerce sobre o indivíduo é menor, o que leva o jovem a viver uma moral também relativizada ou personalizada, o que trataremos no próximo item.

InQuietaçÕes PastoraisNa Encíclica Evangelii Gaudium, o Papa Francisco identifi ca a evangelização

com a atitude de alegria (EG 1). Uma evangelização da juventude – ou melhor ainda, com a juventude – não deve prescindir da intenção de construir uma atitude de alegria. O jovem é costumeiramente identifi cado como aquele que traz consigo a capacidade de viver e irradiar a alegria do Evangelho. Uma pastoral que tenha esta perspectiva é chamada a assumir novos métodos e perspectivas pastorais.

A pastoral enquanto prática da Igreja é inerente ao seu surgimento. A ação eclesial, por concepção, visa ao serviço prestado aos seus fi éis e à sociedade. Essa ação pastoral pode ser iluminada por uma teologia pastoral ou mesmo pelos organismos pastorais, se transformando em uma práxis cristã (BRIGHENTI, 2006). Há organismos – sejam eles paroquiais, diocesanos ou nacionais – que pensam o trabalho com a juventude. Teoricamente eles são impulsionados por trabalhos já existentes e querem oferecer diretrizes para que os trabalhos com a juventude tenham efi cácia.

A ação pastoral está relacionada à tentativa constante da Igreja de assumir sua missão que implica numa atitude de saída de si mesma, que a leva em direção ao outro. Retomando a história da salvação, que é repleta de personagens que se colocam “em saída”, o Papa Francisco diz que esta postura se identifi ca com a missão da Igreja (EG 20). O encontro com Jesus faz do cristão alguém repleto de alegria. Levar essa alegria aos outros ou construir relações de alegria é missão do discípulo que é impulsionado a ser missionário (EG 21).

A juventude que participa dos movimentos e pastorais juvenis se sente contemplada – mesmo que insufi cientemente – pelos organismos e ação da Igreja. A juventude inatingida não se preocupa com aquilo que a Igreja tem a oferecer e a própria Igreja não apresenta ter condições de pensar, de maneira efi caz, um trabalho que a atinja. Temos a juventude de participação eventual. Como a prática pastoral da Igreja consegue atingir a esses jovens? Essa participação se caracterizaria como uma prestação de serviço que acontece sobretudo pelas celebrações litúrgicas? Querer que esses jovens convertam sua participação em adesão institucional pode ser um método de pouca efi cácia ou durabilidade. Insistir na participação eventual como parâmetro de eclesialidade pode parecer,

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aos olhos dos teólogos tradicionais, fruto de um laxismo eclesiológico e pastoral. Pensar nestes desafi os com realismo é necessário para uma pastoral que queira estabelecer um diálogo com esta parcela da juventude moderna.

A Conferência do CELAM em Puebla (1979) traz grandes contribuições referentes ao trabalho com a juventude. Dentro de uma discussão sobre a opção preferencial pelos pobres, o episcopado latino-americano afi rma que a Igreja faz também opção pelos jovens. Ao apontar as opções pastorais em contexto latino-americano, o texto das conclusões diz:

[...] queremos oferecer uma linha pastoral global: desenvolver, de acordo com a pastoral diferencial e orgânica, uma pastoral da juventude que leve em conta a realidade social dos jovens de nosso continente; atenda ao aprofundamento e crescimento da fé para a comunhão com Deus e os homens; oriente a opção vocacional dos jovens; lhes ofereça elementos para se converterem em fatores de transformação e lhes proporcione canais efi cazes para a participação ativa na Igreja e na transformação da sociedade (CELAM, 1979, p. 354).

A vivência religiosa na atualidade e, sobretudo, na vida da juventude ganha contornos de uma praticidade e de uma vivência cada vez mais espelhada no cotidiano. Assim, a ação pastoral juvenil deve, ao mesmo tempo em que busca superar a superfi cialidade das emergências da vida cotidiana, traçar junto do jovem um projeto que

contemple sua vida concreta. O jovem quer ter sua vida transformada ou no mínimo contemplada. Os movimentos juvenis e os grupos de jovens são espaços privilegiados para que este processo de identifi cação entre a proposta de Jesus e a vida destes jovens aconteça. No anonimato dos eventos religiosos de massa essa identifi cação é difi cultada, mas ao mesmo tempo, tais grupos trazem consigo a difi culdade de uma exigência de participação minimamente regular.

Assim, a evangelização dos jovens deve ter o objetivo de criar uma identidade juvenil que seja espelho da identidade cristã. Entendemos como identidade, numa concepção sociológica, aquilo que

[...] preenche o espaço entre o “interior” e o “exterior” – entre o mundo pessoal e o mundo público. O fato de que projetamos a “nós mesmos” nessas identidades culturais, ao mesmo tempo que internalizamos seus signifi cados e valores, tornando-os “parte de nós”, contribui para alinhar nossos sentimentos subjetivos com os lugares objetivos que ocupamos no mundo social e cultural. Estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que eles habitam, tornando ambos reciprocamente mais unifi cados e predizíveis (HALL, 2014, p. 11).

O jovem quer ter sua vida transformada

ou no mínimo contemplada.

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Sendo a identidade construída a partir das relações do sujeito com suas circunstâncias e infl uenciando-as, não podemos concebê-la como algo estanque ou mesmo predeterminado. Assim, ela “nunca é uma afi rmação de uma identidade pré-dada, nunca uma profecia autocumpridora – é sempre a produção de uma imagem de identidade e a transformação do sujeito ao assumir aquela identidade” (BHABHA, 2013, p. 84).

Uma pastoral juvenil que busca efi cácia diante de um contexto de modernidade deve se ocupar da construção identitária dos jovens. Uma pastoral juvenil é chamada a construir, junto com os jovens e seus contextos, sejam psíquicos, sociais ou mesmo existenciais, um jovem cristão, ao mesmo tempo que constrói um ser social e humano.

Nas Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora (DGAE) para os anos 2015-2019, a CNBB coloca como perspectiva para a ação evangelizadora uma Igreja a serviço da vida plena para todos. A juventude é contemplada nas perspectivas eclesiais destes anos (DGAE 113). Primeiramente as diretrizes apontam para a necessidade de uma maior atenção da comunidade eclesial, principalmente aos jovens que correm situação de risco sendo vítimas das drogas, abuso sexual ou mesmo da exploração do mundo do trabalho, mas também fala que é preciso uma atenção aos trabalhos de pastoral juvenil. Não há maiores instruções, cabendo estas às instâncias eclesiais que abordam o trabalho com a juventude, a saber: o Setor Juventude da CNBB, dos Regionais e Sub-regiões da CNBB e das organizações diocesanas e paroquiais.

Não podemos pensar o indivíduo isoladamente. A organização básica do cristianismo é comunitária e, ao nos depararmos com a relação do indivíduo com o ambiente eclesial, nos deparamos com um comportamento que é sintomático. Há muito não se fala, se canta ou se prega à comunidade. O centro de grande parcela da religiosidade está no eu. Basta ver a quantidade de canções com mensagens intimistas que buscam falar da ação de Deus que transforma a vida da pessoa. Bíblica e teologicamente, toda a prática evangelizadora está centrada na pessoa humana e assim deve ser; ou o Evangelho transforma a vida da pessoa ou não houve experiência evangélica, mas ter a pessoa como centro não deve ser confundido com o egocentrismo de uma ação evangelizadora que nada mais faz que satisfazer os desejos imaturos daqueles que querem que Deus faça – continuamente – suas vontades. Essas pessoas não conseguem, em nenhum momento, se voltar ao outro. Não conseguem perceber que a experiência evangelizadora acontece no encontro entre os irmãos.

Essa realidade eclesiológica é fruto do momento histórico em que vivemos e de suas necessidades. Desde sempre foi assim: as pessoas apresentam suas

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necessidades. Jesus só curou os doentes e acolheu os excluídos porque vivia numa sociedade que não cuidava de seus cegos e excluía pessoas que viviam em determinadas situações. Como vimos nos capítulos anteriores, a realidade que se apresenta à Igreja hodierna é a da desinstitucionalização, do hiperindividualismo e a vivência da sexualidade de maneira personalizada. O jovem é sua própria instância de decisão no que diz respeito ao modo de vida. Seria a Igreja, enquanto instituição, capaz de mediar a relação entre o jovem e o mundo que o cerca? Como resgatar essa credibilidade perdida?

1. Postura de acolhida

Muito se fala de acolhida, mas poucas são as iniciativas de instrumentalização efi caz das ideias produzidas. A acolhida deve ser entendida como uma postura de integração do jovem à comunidade. Ninguém se sente acolhido se não for levado em conta. Também podemos entender a acolhida como uma consequência da empatia para com os jovens. É essa empatia que cria na juventude uma disposição à vida eclesial.

A maior difi culdade para que aconteça a acolhida dos jovens é a falta de espaços de integração. O jovem não quer apenas ser doutrinado. Ele não é contra a doutrina. Pode ser cativado por ela e acolhê-la. Critérios doutrinais são importantes, mas o jovem quer ser

parte de um processo de evangelização. Sua realidade não pode simplesmente ser julgada, ela deve ser compartilhada.

A ação evangelizadora que busca acolher o jovem deve ter em vista sua construção como sujeito. Nesta concepção pastoral encontramos certa mudança paradigmática. Mais que constituir uma Igreja com seus organismos e estruturas, a pastoral voltada à juventude quer se tornar espaço propício para que o jovem se constitua como sujeito. Superando a postura de indivíduo, caracterizado por Blank pela fi gura da ovelha, passiva diante das instruções do pastor, o jovem será atendido pelos planejamentos e atividades pastorais da Igreja quando assumir-se como sujeito ativo do processo de evangelização (BLANK, 2006).

A evangelização juvenil, para atingir efi cácia, pode lançar mão de um trabalho que busque constituir o jovem em sua autonomia. Isso requer um trabalho quase que personalizado, que busque acompanhar cada indivíduo entendendo suas aspirações e necessidades, buscando orientá-lo e constituí-lo enquanto sujeito. Contrapondo à analogia da ovelha, Blank compara a constituição do sujeito à do protagonista (BLANK, 2006). Isso só é possível se a pastoral for capaz de criar espaços onde o jovem possa se construir enquanto sujeito, se identifi cando assim com o ambiente eclesial.

Mas o jovem quer ser parte de um processo

de evangelização.

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Se pensarmos tendo como referência as estruturas eclesiais, ou a refl exão teológico-pastoral, a ação evangelizadora da juventude deve estar voltada para a construção do Reino. Resgatando a Lumen Gentium, Brighenti denomina essa orientação pastoral como reinocentrismo (BRIGHENTI, 2006), iniciativa que busca a salvação do sujeito e não a manutenção institucional e eclesial.

A juventude se caracteriza como momento em que o sujeito busca constituir-se como pessoa. A salvação e a ação reinocêntrica se concretizarão como auxílio para que o jovem descubra o sentido para sua existência (GS 41). Os trabalhos de grupo de jovens se tornam espaço privilegiado para que essa ação aconteça. Espaços de acolhida e orientação, que têm como método uma construção dialógica onde os jovens podem partilhar suas angústias, anseios e realizações (GS 1), são de grande valia para a construção de cristãos autônomos e sujeitos de sua própria história (PASSOS, 2014, p. 119-120).

2. Frente à pastoral da massifi cação

A massifi cação é característica predominante quando falamos do trabalho evangelizador com a juventude. Isso é facilmente percebido quando nos deparamos com atividades como a Jornada Mundial da Juventude ou mesmo com os trabalhos religiosos midiáticos que acabam servindo de parâmetro para o trabalho juvenil das comunidades paroquiais. A prática religiosa tem, no evento, sua base de ação. No evento o envolvimento dá lugar à diversão.

O evento, como proposta única de evangelização, cria cristãos consumidores de religião e não sujeitos religiosos. O consumidor não quer um compromisso com os trabalhos religiosos ou os organismos comunitários. Seu compromisso está com a sua satisfação. Sua relação com a religião se estabelece nas mesmas bases do consumo. A comunidade passa a ser uma prestadora de serviços (BLANK, 2006).

Como prestadora de serviços, a comunidade eclesial assume a característica institucional que possibilita ao consumidor o contato com o produto oferecido, no caso da religião, rezar. Além de ser a religião direcionada à esfera do privado, percebemos uma sociedade fragmentada onde cada instituição se torna responsável por uma dimensão do ser humano. O indivíduo, agora fragmentado, vai à escola para estudar, ao emprego para trabalhar e à igreja para rezar (BENEDETTI, 1994).

Se pensarmos numa Igreja que assuma a postura de abolir os eventos, criaremos trabalhos estressantes que lutam contra a maré de maneira pouco inteligente. Isso porque, independentemente do tamanho do evento (seja ele de

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nível mundial ou nacional, como a JMJ, seja ele iniciativa de um pequeno grupo de jovens, como a reza de um terço), se tornou o modus operandi do trabalho juvenil católico, talvez infl uenciado pelos modelos evangélicos que não obedecem à lógica sacramental.

É preciso encontrar nessas estruturas as brechas necessárias para trabalhar a identidade do jovem como sujeito. Para isso não há uma fórmula, o caminho se faz caminhando. Cada comunidade deve encontrar seu modo de agir e deve ter consciência de que qualquer projeto de ação pastoral juvenil é transitório e vulnerável. Os jovens se transformam rapidamente e qualquer prática que se cristalize se torna rapidamente ultrapassada.

Em contraponto à pastoral da massifi cação temos a pastoral comunitária. A juventude gosta de se reunir em grupos. A busca na constituição de sua identidade faz com que ela forme pequenas comunidades ou tribos (LEFEBVRE, 2015). Muitas vezes esta comunidade pode acontecer ou se estender ao ambiente cibernético. É muito comum os jovens se relacionarem por redes sociais. Uma pastoral juvenil pode fazer uso das redes de contato ou dos grupos sociais como espaço privilegiado para a evangelização. Neles os jovens podem se expressar e ouvir experiências que auxiliam na constituição da identidade juvenil.

Os pequenos grupos de redes de contato e relações se constituem como mediadores entre uma juventude que se tornou extremamente politizada, e uma juventude que busca anular qualquer forma de participação social e política, culminando numa juventude seduzida pelos eventos e pelo anonimato. Diz Lefebvre:

Somos talvez, na Igreja, dependentes demais da refl exão moderna sobre a juventude que fez dela um personagem político. Um dos grandes mitos da juventude foi o de opor, já nos inícios da modernidade, as fi guras do jovem rebelde e do jovem conformista, fazendo da juventude um personagem político e coletivo. De modo que hoje os queremos ou politizados ou conformistas (LEFEBVRE, 2015, p. 18).

Ao elucidar a função do leigo na Igreja e no mundo, o Concílio Vaticano II diz que cada leigo deve ser, individualmente, uma testemunha perante o mundo (LG 38). O jovem – como leigo – é também chamado a ser essa testemunha (ALMEIDA, 2006). Ora, se essa é uma ação individual, os mecanismos de evangelização da juventude devem se ocupar de tirar este jovem do lugar comum, da pastoral da massifi cação e torná-lo sujeito social e eclesial. Uma pastoral de massifi cação não consegue senão indivíduos que sigam normas. Como é inviável a instrução individual, a construção de um sujeito religioso, autônomo e capaz de enxergar sua vida à luz dos ensinamentos cristãos é caminho imprescindível.

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A autonomia é própria do discípulo, mas não há autonomia na pastoral de massifi cação. Busque participar de um culto ou celebração religiosa que atenda a um número grande de pessoas. Busque o maior de sua cidade. Veja se os discursos religiosos constroem sujeitos capazes de agir ou se constituem seguidores heterônomos. Lembramos que estudamos esta temática no Capítulo 3, em que tratamos da iniciação de novos sujeitos cristãos.

3. Por uma evangelização com a juventude

A juventude talvez seja o grupo social que mais vivencia as mudanças e o choque entre as gerações. Diferentes dos adultos, eles não têm como base as experiências passadas e por isso precisam dos adultos como referência e amparo para a transição da infância à vida adulta. Contudo, de forma alguma devem ser infantilizados. Segundo o documento do Vaticano II, Apostolicam Actuositatem, devem ser respeitados em suas faculdades e competências e instruídos, mas não coagidos às escolhas e condutas (AA 12).

O Documento de Aparecida (DAp 30-32) traz a defi nição da evangelização como a ação da Igreja que leva à presença do próprio Jesus, que por sua vez não pode ser entendido senão no contexto de seu Reino. A Igreja e suas estruturas têm características que se adaptam mais ao mundo pré-moderno e rural. Diante da desinstitucionalização da religião, da valorização do indivíduo e da mudança do dever para o bem-estar como critério de escolha, mudanças estas trazidas pela modernidade e que elencamos no primeiro capítulo, a Igreja se vê sem saber como estabelecer novos métodos efi cazes de trabalho pastoral, principalmente no que diz respeito à evangelização da juventude de participação eventual.

Os tempos hodiernos trazem, na concepção do teólogo Antoniazzi, a necessidade de uma personalização dos trabalhos pastorais, que levem em consideração o momento histórico e a dinâmica vivida por cada cidade (ANTONIAZZI, 1997). Uma característica que se torna cada vez mais constante é da presença da Igreja que se estabelece de maneira difusa (CALIMAN, 1994) e não mais central. A antiga praça da matriz dá lugar a templos que são construídos cada vez com menor visibilidade.

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Como capacitar os grupos juvenis para que se constituam espaços coerentes com as práticas e ensinamentos cristãos? As lideranças devem ser formadas. O protagonismo juvenil não acontece sem uma sólida e sistemática formação, seja ela humana, social ou teológica. As iniciativas de capacitação da juventude católica devem deixar de se limitar a iniciativas locais para ganhar estruturas pastorais, e muitas vezes esta formação vem também de movimentos sociais extraeclesiais. Movimentos ecumênicos como a comunidade de Taizé e sociais como ONGs de cunho ecológico ou sociopolítico se mostram cada vez mais propícios para a criação da identidade juvenil, inclusive do jovem católico (AHERN, 2015, p. 24-25).

Se o jovem se sentir obrigado a optar entre a comunidade cristã e outro grupo social, provavelmente a comunidade cristã sairá em desvantagem, por ter métodos pouco atrativos aos olhos dos jovens. Além disso, uma pastoral que assuma a postura de fechamento diante da sociedade se mostra pouco efi caz. A comunidade cristã é chamada a responder aos anseios e questões relativas ao ser humano atual e não a incentivá-lo a se fechar como se a Igreja fosse um oásis ou um gueto. A vida plena – horizonte do trabalho pastoral – está na realização do ser humano que vive no mundo concreto. Assim, o ser cristão se caracteriza muito mais como uma dimensão antropológica que como uma adesão institucional (BRITO, 1980).

Diante da sociedade que se organiza em grupos comunitários e de jovens que se reúnem em esquemas tribais, um trabalho pastoral efi ciente e efi caz deve ter clareza acerca do perfi l do jovem a quem está falando. Esse caminho se dá pela prática pastoral. É preciso perceber quais são os anseios e as questões colocadas pelo jovem concreto e buscar dialogar com ele. A doutrinação deve dar lugar ao trabalho dialógico com o jovem. A doutrinação é unilateral e assume características de colonização. A Igreja ensina para o jovem. Acolher os anseios e questões juvenis só é possível com uma postura de diálogo, de trabalhar com e não para os jovens. Não há como estabelecer esse diálogo com os jovens sem considerar as questões de cunho emocional. Os movimentos de cunho carismático e eventos promovidos pela Igreja levam em conta o forte apelo emotivo para atrair os jovens (LIBÂNIO, 2011). Como percepção de uma realidade pastoral, vemos um forte apelo às necessidades subjetivas. Desconsiderá-las seria não dialogar com o sujeito moderno.

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Uma pastoral que queira atingir os jovens e dialogar com eles deve levar em conta a emergência da subjetividade e o anseio de participação da pessoa (LIBÂNIO, 2011). O jovem quer, antes de tudo, fazer parte. Antes de ser parte da instituição e participar de suas estruturas, ele anseia fazer parte para que possa ser contemplado. Alguém que não se sente parte não se enxergará nos processos pastorais e estará sempre na zona da prestação de serviço. Além disso, é imprescindível estabelecer um diálogo entre a fé professada e a vida cotidiana (LIBÂNIO, 2011). Os conteúdos doutrinários são por demais teóricos e sem sentido para o jovem do mundo moderno. Se esses conteúdos não inferem em sua vida prática, ele os descarta.

Faz-se necessário assumir novos métodos e novas linguagens na evangelização da juventude. No contato com os jovens, a pastoral é chamada a adentrar na perspectiva de uma evangelização que consiga dialogar com as diferentes circunstâncias culturais que se fazem presentes na vida dos jovens (DAp 100, d).

Em nível comunitário, é necessário que as organizações saibam estabelecer um diálogo entre as estruturas eclesiais e os indivíduos que delas participam. A instituição deve buscar se sustentar, mas seus membros não podem ser anulados em função disso. Uma instituição voltada para seus membros só é possível quando seu serviço preza pela construção da autonomia e da experiência subjetiva (CALIMAN, 1994).

Algumas ConsideraçÕesÉ comum escutarmos que o jovem é o futuro da Igreja. Enquanto as

comunidades eclesiais pensarem assim, elas não conseguirão dialogar com a juventude, isso porque o jovem é também o presente da Igreja. A juventude é contemplada na evangelização conforme a comunidade eclesial constrói espaços de interação, primeiramente dos jovens entre si, mas também dos jovens com a comunidade. Ao contemplar os jovens em seus trabalhos pastorais, a comunidade se torna mais arejada, com uma jovialidade e entusiasmo que são próprios do Evangelho de Jesus.

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PRÁTICA PASTORAL

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ReFerÊncias

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EVANGELIZAÇÃO E JUVENTUDE Capítulo 5

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CAPÍTULO 6

Ecumenismo e Diálogo Inter-Religioso

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem:

Compreender o conceito de ecumenismo.

Identifi car características do cenário plural atual.

Pensar a pastoral a partir da relação com as demais religiões, cultivando empatia e respeito.

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ECUMENISMO E DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO Capítulo 6

É muito comum as pessoas, diante da possibilidade de estudar o ecumenismo, fi carem com receio, pensando que serão incentivadas a abrir mão de sua fé. Será que ecumenismo signifi ca fusão de igrejas ou aceitar aquilo que o outro pensa, desvalorizando nossas crenças e costumes? Mais que isso, temos pontos comuns que nos unem. O ecumenismo buscará encontrar e valorizar tais pontos para que as igrejas e religiões se aproximem, sendo mais coerentes com aquilo que pregam e anunciam.

É importante ressaltarmos que não estamos aqui tratando da disciplina Ecumenismo. Se assim fosse, trataríamos do assunto em todas as suas dimensões, desde históricas, conceituais, passando pelas questões teológicas e pastorais. Trataremos, antes, das questões pastorais relacionadas ao ecumenismo, passando por uma teologia da pluralidade que aponta para uma prática pastoral ecumênica.

ConteXtualização

Etimologia e ConceitoAo trazer a etimologia da palavra ecumenismo, Navarro (1995, p. 9-10)

descreve:

A palavra oikoumene pertence a uma família de palavras, do grego clássico, relacionadas a termos referentes à morada, ao assentamento, à permanência. Eis alguns termos-raiz dessa família linguística: - Oikos: casa, vivenda, aposento, povo.- Oikeiotês: relação, aparentado, amizade.- Oikoeiow: habitar, coabitar, reconciliar-se, estar familiarizado. - Oikonomeô: administração, encargo, responsabilidade da casa.

Ao comentar a refl exão etimológica de Navarro, Teixeira e Dias (2008, p. 24) escrevem:

[...] a raiz original de onde procedem todos os demais vocábulos é a palavra oikos, casa, lugar habitável, lugar onde se mora. Outros estudiosos acrescentam ainda a expressão oikodemeo, um verbo que designa a ação de construção da oikia (espaço onde se desenvolve a vida familiar, comunitária) para ali se ter a casa (oikos). [...] Oikoumene refere-se, pois, ao mundo habitado.

Se o ecumenismo trata do diálogo entre os cristãos, ou seja, aqueles que em sentido metafórico vivem dentro da mesma casa, o diálogo inter-religioso se refere à relação com todas as religiões (TEIXEIRA; DIAS, 2008).

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PRÁTICA PASTORAL

O diálogo inter-religioso instaura uma comunicação e um relacionamento entre fi éis de tradições religiosas diferentes, envolvendo partilha de vida, experiência e conhecimento. Essa comunicação propicia um clima de abertura, empatia, simpatia e acolhimento, removendo preconceitos e suscitando compreensão, enriquecimento e comprometimento mútuos e partilha da experiência religiosa (TEIXEIRA; DIAS, 2008, p. 126).

Para um autêntico diálogo inter-religioso faz-se necessária a postura de envolvimento e empatia. Segundo Teixeira:

Um autêntico diálogo inter-religioso requer esse exercício positivo de envolver-se, o quanto possível, na experiência religiosa do outro, de deixar-se habitar pelo seu enigma e enriquecer-se com sua novidade. Não há como escapar desse intercâmbio criativo num tempo marcado pela mundialização. Há que levar a sério o pluralismo religioso. Se existem difi culdades de encontro no âmbito da “religião como sistema”, aberturas são favorecidas no âmbito da “experiência interior”. É nesse âmbito de maior profundidade, das experiências religiosas, que ocorre o clima mais propício para o diálogo inter-religioso (TEIXEIRA, 2012, p. 21).

Segundo os conceitos e etimologias vistos anteriormente, podemos distinguir o ecumenismo do diálogo inter-religioso no sentido de que o primeiro acontece no âmbito cristão, enquanto que o inter-religioso acontece no diálogo com os não cristãos. Se teologicamente os dois acontecem com argumentos e caminhos diferentes, pastoralmente não diferem, entretanto, em seu pressuposto: a convivência no oikos, na casa.

As práticas ecumênicas podem acontecer, segundo Navarro, em níveis institucional, espiritual e local (NAVARRO, 1995).

1. Ecumenismo institucional

Não se deve pensar o ecumenismo sem levar em conta o diálogo institucional. As Igrejas conversam entre si. Os representantes eclesiásticos são responsáveis pela organização das relações ecumênicas, conselhos, hierarquia. Exemplo de ecumenismo institucional é o CONIC (Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil). Também no ecumenismo institucional se encontra o ecumenismo doutrinal, responsável por uma aproximação das crenças e moral (NAVARRO, 1995).

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2. Ecumenismo espiritual

É tradição as igrejas cristãs se reunirem para momentos de oração ofi cial pela unidade. Isso acontece tanto em nível mundial como nacional ou local (NAVARRO, 1995). Exemplo do ecumenismo espiritual é a Semana de Oração pela unidade dos cristãos, que acontece sempre na semana que antecede a festa de Pentecostes.

3. Ecumenismo local

Signifi ca a entrada, no espaço ecumênico, dos leigos, das paróquias, das pessoas que constituem “a base” e que na terminologia eclesial formam os grandes espaços do povo de Deus (NAVARRO, 1995). Segundo a Unitates Redintegratio (UR), escrito do Concílio Vaticano II que trata do ecumenismo, é a prática vivida que conduz à plena e perfeita unidade (UR 5).

Em nosso material nos ocuparemos principalmente desse ecumenismo, isso porque ele é um ecumenismo menos abstrato e conceitual. Sendo mais vivencial, aponta mais pistas para a ação pastoral.

Pluralismo ReligiosoVivemos um tempo em que o pluralismo já não pode ser visto como uma

ameaça, mas como uma característica cultural. Se até a modernidade o catolicismo era, além de predominante, politicamente superior, hoje caminhamos para a legitimação do pluralismo.

O pluralismo existente tanto na cultura quanto na religiosidade. São inúmeras as igrejas cristãs existentes, como também são muitas as religiões. E se há tempos a noção era de universalização da vivência religiosa, hoje a diversidade modifi ca o próprio modo de produzirmos teologia.

A perspectiva ecumênica, tanto na dimensão intracristã como na inter-religiosa, ganhou nas últimas décadas forte destaque nos ambientes teológicos. A pressuposição é que ela é fundamental para toda e qualquer experiência religiosa ou esforço teológico ou hermenêutico. Esta visão, quando vivenciada existencialmente e/ou assumida como elemento básico entre os objetivos, altera profundamente o desenvolvimento de qualquer projeto, iniciativa ou movimento religioso. Daí o interesse pelos estudos ecumênicos. No tocante à teologia, em todos os seus campos, o dado ecumênico suscita novas e desafi antes questões (RIBEIRO, 2012, p. 212).

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Vamos fazer uma pesquisa de campo. Saia pelos arredores de sua residência e liste as igrejas ou religiões existentes. Busque aproximadamente as 10 mais próximas para que você possa perceber o pluralismo existente.

Se o pluralismo transforma a produção teológica, também os processos de encontro entre as culturas transformam a forma como estudamos o fenômeno religioso.

HiBridismo Cultural e Sincretismo Religioso

O conceito de hibridismo é próprio da antropologia, e nos auxiliará no entendimento do contato entre as várias culturas. O de sincretismo é um conceito da família do hibridismo (BURKE, 2003) que nos auxilia no entendimento do encontro cultural no âmbito religioso.

Esse conceito nos possibilitará uma refl exão que considere a dinamicidade da vivência religiosa que faz com que as fronteiras culturais se intensifi quem. O hibridismo, como conceito metodológico para entender os processos de contato cultural (CANCLINI, 2006), nos possibilitará superar uma leitura essencialista (BURKE, 2003), e por isso equivocada, do cenário religioso plural.

Canclini entende “por hibridação processos socioculturais nos quais estruturas ou práticas discretas, que existiam de forma separada, se combinam para gerar novas estruturas, objetos, práticas” (CANCLINI, 2006, p. 19).

Se na concepção dos líderes religiosos existe uma religião pura ou uma essência religiosa a ser implementada, na prática as vivências religiosas se misturam – ou hibridizam – com a realidade local na qual são implementadas, ou mesmo com as outras religiões. Exemplo de hibridismo é como o cristianismo nascente, nos primeiros séculos hibridiza as vivências judaicas com a fi losofi a grega, ou mesmo como o cristianismo, ao chegar na América Latina, se hibridizará com a religião dos nativos que habitavam estas terras.

E se a realidade cultural é uma constante mistura, onde fi ca a fronteira entre uma cultura e outra?

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Não existe uma fronteira cultural nítida ou fi rme entre grupos, e sim, pelo contrário, um continuum cultural. Os linguistas há muito vêm defendendo o mesmo ponto de vista a respeito de línguas vizinhas, como o holandês e o alemão. Na fronteira, é impossível dizer quando ou onde termina o holandês e começa o alemão (BURKE, 2003, p. 13).

O termo ‘zona de contato’ busca ser uma alternativa à ideia de fronteira, que muitas vezes pode ser utilizado na ótica do território (PRATT, 1999). As zonas de contato entre as culturas constituem fronteiras porosas de trocas culturais.

Quando identifi camos os processos híbridos no cenário religioso, costumeiramente encontramos o conceito de sincretismo. Ele descreve os encontros de práticas religiosas de uma determinada religião, que no encontro cultural são assimiladas por outras, que dão a essas práticas um novo sentido.

Ao descrever o sincretismo, Afonso Soares, um dos maiores estudiosos do sincretismo religioso no Brasil, descreve que:

[...] insistir que tais releituras não são simples justaposições aleatórias. O sincretismo realiza-se, afi rma R. Ortiz, quando duas tradições são colocadas em contato, de tal forma que a tradição dominante fornece o sistema de signifi cação, escolhe e ordena os elementos da tradição subdominante (SOARES, 2002, s.p.).

Exemplo costumeiramente dado para designar o sincretismo é a assimilação das imagens católicas para denominar os Orixás do candomblé. Para burlar a supervisão do clero católico, os ialorixás e babalorixás utilizavam imagens católicas, mas prestavam culto a seus orixás. Contudo, mesmo com a liberdade religiosa, a prática se manteve, pois se sincretizou, passando a fazer parte do Candomblé.

O pluralismo, hibridismos e sincretismos são vividos, muito mais que assumidos como ideal de conduta. Não há como negar o plural como característica cultural do ser humano.

Falar em pluralismo religioso, hoje, é o mesmo que falar num modo de compreensão da religião que ultrapassa os limites da tradição. As diversas expressões religiosas, cada vez mais centradas no sujeito, acabam se traduzindo numa série de recortes no universo dos símbolos e das práticas. Esses recortes, muitas vezes, não se vinculam à tradição. E, quando isso acontece, a tradição é entendida como algo a ser recriado, dando origem a uma “nova tradição”, que incorpora elementos de diversas experiências daqueles que estão inseridos no campo religioso (SANCHES, 2005, p. 37).

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As práticas híbridas e sincréticas superam nossas opções, se colocando antes como uma realidade antropológica (SOARES, 2008). Diante do cenário plural é preciso pensar conceitos que dialoguem (QUEIRUGA, 2007). Uma teologia pastoral, para ser efi caz, precisa dialogar com a realidade histórica na qual vivemos. O ecumenismo não é somente uma opção pastoral, mas é também fruto de um diálogo teológico sincero com a realidade religiosa, que é plural.

Ecumenismo, Conceito e PráticasHistoricamente temos alguns conceitos que nos ajudam a entender o

ecumenismo e o diálogo inter-religioso. Aqui traremos dois deles: a ideia de unidade e comunhão presente na expressão de Cipriano “Fora da Igreja não há salvação”, e o conceito de cristãos anônimos de Karl Rahner.

1. Fora da Igreja há salvação?

Quando falamos de ecumenismo, é muito comum ouvirmos o axioma ‘Fora da Igreja não há salvação’, atribuído a São Cipriano (século III), bispo de Cartago. Ao formular tal expressão, Cipriano se encontra em meio às discussões cismáticas (DUPUIS, 1999). Existem duas formas de lermos a afi rmação no contexto de Cipriano: a primeira é na perspectiva de crítica aos cismáticos e, a segunda, na perspectiva da ortodoxia.

Não pensem que terão a possibilidade de viver de modo cristão e de se salvar, se não quiserem obedecer aos bispos e aos sacerdotes [...]. Os soberbos e os rebeldes são mortos pela espada espiritual, quando se afastam da Igreja. Fora desta, não podem, realmente, viver de maneira cristã, pois a casa de Deus é uma só e ninguém pode se salvar a não ser na Igreja (DUPUIS, 1999, p. 128).

Cipriano afi rma que fora da Igreja não há salvação, pois entende a heresia ou o cismático como um atentado à comunhão. Segundo Cipriano, “a culpa da discórdia é grave e inapagável” (DUPUIS, 1999, p. 128). Sua intenção é assegurar a integridade e a unidade da Igreja. É importante termos clareza de que Cipriano não fala de catolicismo, mas de cristianismo. A Igreja de Cristo é a Igreja Cristã. O autoentendimento dos católicos romanos virá apenas com o Cisma da Igreja Ortodoxa (1054).

Cipriano teria a mesma ideia em relação àqueles que não eram cristãos? No raciocínio de Dupuis (1999), Cipriano não tinha a mesma ideia em relação aos chamados pagãos. Nos primeiros séculos da Era Cristã, a população pagã era maior que a cristã. Mesmo assim, Cipriano não se dirigiu a esta parcela.

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Outro teólogo cristão, Eugênio de Ruspas (468-533), será responsável pelo entendimento literal da expressão pensada por Cipriano. Assim ele escreve em sua obra Sobre a verdade da predestinação:

Se fosse verdade que Deus quer universalmente que todos sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade, como é que a própria Verdade oculta a alguns o mistério do seu conhecimento? Certamente àqueles aos quais negou este conhecimento, ele também nega a salvação [...]. Ele quis, então, salvar aqueles aos quais negou o conhecimento do mistério da salvação, e não quis salvar aqueles aos quais negou o conhecimento do mistério salvífi co. Se tivesse desejado salvar uns e outros, a todos teria dado o conhecimento da verdade (DUPUIS, 1999, p. 133).

Posteriormente Fulgêncio entenderá que a chancela da salvação será o sacramento do batismo (DUPUIS, 1999). Será essa a interpretação mais tarde assumida pelos documentos ofi ciais da Igreja que entenderá, no período medieval, ser ela própria a chancela da salvação (DUPUIS, 1999).

2. Cristãos anônimos

Este conceito é elaborado por Karl Rahner (1904-1984), que buscou estabelecer diálogo entre o cristianismo e a modernidade. Basicamente a teoria do cristianismo anônimo busca perceber que mesmo nas outras religiões há lampejos do cristianismo (DUPUIS, 1999). Isso porque, para Rahner, há no ser humano uma inclinação para Deus, denominada “existencial sobrenatural”, que podemos defi nir como a “estrutura fundamental, inscrita em nós pela livre iniciativa da Graça de Deus, que estimula nossa atividade intencional em direção a ele” (DUPUIS, 1999, p. 202).

Visto que todo ser humano nasce com a inclinação para Deus, Rahner fala de um cristianismo que é comum em todos, presente não pela doutrina ou crença, mas por uma atitude existencial. Tal atitude é entendida como o cristianismo anônimo. O cristianismo anônimo seria, então, um cristianismo implícito,

[...] anônimo, mas real, de cada homem com a concretude da história salvífi ca – e, portanto, também com Jesus Cristo – existe e deve existir naquele que ainda não fez, na fé e no sacramento, toda a experiência histórica concreta (e expressamente refl exa) dessa realidade histórico-salvífi ca e que, entretanto, possui simplesmente de modo implícito (na obediência a sua orientação da graça) a relação existencial real para com o Deus da autocomunicação absoluta historicamente presente, enquanto esse homem aceita sem reservas a própria existência (DUPUIS, 1999, p. 204).

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Se hoje o conceito de “existencial sobrenatural” conota uma soberba do cristianismo em relação às outras religiões, no início do século XX aproxima o cristianismo do diálogo inter-religioso, percebendo o valor existente nas outras religiões, mesmo que em perspectiva cristã.

Formulados pelo teólogo Jacques Dupuis, os conceitos de exclusivismo, inclusivismo e pluralismo religioso falam de posturas que determinada religião pode ter em relação à pluralidade religiosa. Em cenário brasileiro estes conceitos são organizados por Faustino Teixeira (2012) e frequentemente estudados na teologia do ecumenismo.

3. Postura exclusivista

Vincula a impossibilidade da salvação quando o indivíduo se encontra fora de um conhecimento explícito de Jesus Cristo e da pertença à Igreja (TEIXEIRA, 2012).

Nessa postura, o cristianismo é a única religião verdadeira. Se baseia na interpretação do adágio que “Fora da Igreja não há salvação”, ideia iniciada por Orígenes e Cipriano (século III), mas que se complementa com Fulgêncio de Ruspe (século VI) e se ofi cializa no Concílio de Florença (século XV).

4. Postura inclusivista

Dentro da teologia das religiões, a posição inclusivista tem como característica a tentativa de procurar atribuir valor positivo e divinatório em outras religiões, mas as interpreta como sendo a concretização do cristianismo (TEIXEIRA, 2012). Crê que as outras religiões têm valor e são meios salvífi cos, mas a salvação depende do Espírito de Cristo. Enquanto o exclusivismo é eclesiocêntrico (a salvação vem da adesão à Igreja), o inclusivismo é cristocêntrico (a salvação vem da adesão a Cristo).

5. Pluralismo religioso

A posição chamada pluralista percebe a diversidade religiosa como característica cultural e defende e reconhece as outras religiões como caminhos autênticos de salvação (TEIXEIRA, 2012).

Há um pluralismo de fato, que é a constatação da diversidade religiosa, e o pluralismo de princípio, que diz que a pluralidade vem do próprio Deus. Ela está no projeto de Deus e Ele é plural em si mesmo, pois é Trino.

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Busque exemplos concretos que possam ilustrar as posturas que vimos anteriormente. Eles existem em vídeos do youtube, nas pregações e homilias das igrejas e na postura pastoral de cada comunidade. Faça esse exercício interpretativo que o ajudará no melhor entendimento dos conceitos trabalhados.

6. Por uma teologia ecumênica

O teólogo Elias Wolff fala de uma hermenêutica da comunhão, entendida como um movimento que visa, mais que uma padronização doutrinal, a uma ação conjunta, entendida como koinonia (WOLFF, 2002). O caminho da hermenêutica da comunhão tem algumas características fundamentais:

6.1 Bíblia

A leitura bíblica é o principal campo da hermenêutica da comunhão. O trabalho exegético feito por biblistas das mais variadas igrejas cristãs se mostra um importante instrumento para entender os textos bíblicos e, consequentemente, superar as controversas a respeito do entendimento de vários textos das Escrituras. Segundo Wolff, “a convicção é que a Bíblia fornece as bases indispensáveis da unidade, como a revelação de Deus a um povo e a resposta deste à proposta de Deus faz de reuni-lo em comunidade” (WOLFF, 2002, p. 181).

6.2 Eclesiologia

A comunhão do cristianismo é entendida na relação interna entre as igrejas como expressão da Trindade e externamente como na relação com o mundo (WOLFF, 2002). Assim, seriam os projetos sociais e a ação no mundo as melhores formas de se relacionar ecumênica e internamente, e das igrejas com o mundo. Diz Wolff (2002, p. 183):

Deus revela-se dando a graça da unidade, revela-se tal como é em si mesmo. E a Igreja que se funda nessa revelação é chamada a ser como Ele é, uno. A Igreja do Deus Uno e Trino deve assumir as características da unidade e unicidade do Deus que a sustenta. Assim, é na comunidade eclesial que melhor se manifesta a comunhão que Deus é em si mesmo e quer para o seu povo, motivada pela utopia do Reino como sua plenitude escatológica.

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Wolff não fala de igrejas, mas da Igreja de Cristo. A unidade não estaria na institucionalização de uma única Igreja, mas de estarem as igrejas unidas na Igreja de Cristo.

6.3 Unidade na diversidade

A unidade não deve ser entendida como uniformidade. Estarem as igrejas unidas não elimina as diferenças entre elas (WOLFF, 2002). Segundo Wolff, “trata-se de uma unidade no único Espírito, o de Jesus Cristo, descobrindo o signifi cado profundo da particularidade das diferenças” (WOLFF, 2002, p. 183). Assim é a pluralidade, expressão do Espírito que une, sem padronizar (WOLFF, 2007). Esta unidade à qual as igrejas são convidadas a viver deve servir de referência de unidade a toda a humanidade (NAVARRO, 1995).

6.4 Hierarquia das verdades

O ecumenismo deve se ocupar de questões fundamentais da fé cristã e não de hábitos, costumes e crenças que são próprios de cada igreja. Assim afi rma Wolff (2002, p. 184):

A ideia da existência de uma “hierarquia” nas verdades da fé implica na hermenêutica de uma teologia ecumênica por considerar a doutrina como um complexo estruturado, de cujo centro alguns artigos estão mais próximos do que outros.

Uma teologia do ecumenismo não implica em uma “nivelação teológica”. Cada teologia é reconhecida como um sistema complexo próprio. Estabelecer uma hierarquia de verdades signifi ca perceber que existem verdades fundamentais, ou seja, verdades que apontam para a centralidade do credo cristão (WOLFF, 2002).

Uma verdade se faz presente na estrutura da ação pastoral ecumênica: toda a ação da Igreja deve visar à dignidade e a promoção humana (WOLFF, 2002) e na “defesa dos direitos humanos” (TEIXEIRA; DIAS, 2008, p. 79). Portanto, a prática e a ação ecumênica devem se voltar à prática e ação do próprio Evangelho, não visando única e primeiramente às questões doutrinárias, que devem estar a cargo das instituições religiosas e não da pastoral.

Ao desenvolver os campos de atuação ecumênica, com ênfase nos Direitos Humanos, Teixeira e Dias (2008, p. 87-88) elencam:

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- Direito às garantias básicas de vida.- Direito à autodeterminação e à identidade cultural.- Direito das minorias.- Direito de participação nos processos de decisão dentro de cada país.- Direito à dissensão.- Direito à dignidade pessoal.

Assim, os autores identifi cam a prática como sendo o campo de atuação mais profícuo, tanto para uma teologia ecumênica como para uma prática pastoral coerente com valores como comunhão e unidade.

Algumas ConsideraçÕesAo tratarmos do ecumenismo e do diálogo inter-religioso na perspectiva pastoral,

nos colocamos primeiramente diante de uma realidade que se coloca diante de toda comunidade eclesial: o cenário religioso atual é diverso. Se entendemos que nossa Igreja é a única tábua de salvação, nos fecharemos como num gueto e pouco conseguiremos avançar no diálogo com a sociedade como um todo.

Ser plural é inerente à cultura humana. As igrejas e as religiões se desenvolvem a partir das características culturais do local onde elas se estabelecem. Quando nossas comunidades percebem a pluralidade como um dom, e não como uma ameaça, elas ganham na empatia com que enxergam os outros grupos religiosos.

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