PROVA ESCRITA DE DIREITO E PROCESSO TRIBUTÁRIO Via ... · M. Em 14/04/2013, a ora Impugnante...

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Prova escrita de direito tributário via profissional | 1.ª chamada | 7.º TAF 1 PROVA ESCRITA DE DIREITO E PROCESSO TRIBUTÁRIO Via Profissional 7.º CURSO DE FORMAÇÃO PARA JUÍZES DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS AVISO DE ABERTURA: AVISO N.º 20808/2019, PUBLICADO NO DIÁRIO DA REPÚBLICA N.º 251/2019, 2.ª SÉRIE, DE 31 DE DEZEMBRO DE 2019 DATA: 15 DE FEVEREIRO DE 2020 1.ª CHAMADA – GRELHA DE CORREÇÃO

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PROVA ESCRITA

DE

DIREITO E PROCESSO TRIBUTÁRIO

Via Profissional

7.º CURSO DE FORMAÇÃO PARA JUÍZES DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E

FISCAIS

AVISO DE ABERTURA: AVISO N.º 20808/2019, PUBLICADO NO DIÁRIO DA

REPÚBLICA N.º 251/2019, 2.ª SÉRIE, DE 31 DE DEZEMBRO DE 2019

DATA: 15 DE FEVEREIRO DE 2020

1.ª CHAMADA – GRELHA DE CORREÇÃO

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PROPOSTA DE GRELHA DE CORREÇÃO

Cotação: 20 valores

- Fundamentação de Facto – 2 valores

- Fundamentação de Direito – 16,5 valores

- Demais componentes estruturais da Sentença – 1,5 valores

A atribuição da cotação máxima nesta prova pressupõe um tratamento

completo das várias questões suscitadas, que deverá ser coerente e

corretamente fundamentado, com indicação dos preceitos legais aplicáveis.

Na cotação atribuída serão tidos em consideração a pertinência do

conteúdo, a qualidade da informação transmitida em relação à questão

colocada, a organização da exposição, a capacidade de argumentação e de

síntese e o domínio da língua portuguesa.

Os erros ortográficos serão valorados negativamente: 0,25 cada um, até

um máximo de 3 valores, para o total da prova (Ponto 6.3.1 do Aviso n.º

20808/2019, publicado no Diário da República, 2ª série, n.º 251, de 31 de

dezembro).

A incorreção linguística (sintaxe e pontuação) do texto redigido pelo/a

candidato/a será penalizada com uma redução da nota atribuída até um

máximo de 3 valores, para o total da prova (Ponto 6.3.3 do Aviso n.º

20808/2019, publicado no Diário da República, 2ª série, n.º 251, de 31 de

dezembro).

As indicações constantes da grelha refletem as que se afiguram ser as

soluções mais corretas para as situações em abordagem.

Porém, não deixarão de ser valorizadas outras opções, desde que

plausíveis e alicerçadas em fundamentos consistentes.

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GRELHA DE CORREÇÃO

RELATÓRIO

DETALHESEFÉMEROS, S.A., com os demais sinais nos autos, vem interpor

impugnação judicial do indeferimento da Reclamação Graciosa com o n.º

2720201304001184 e da liquidação adicional de IRC de 2008 e acrescido “a tal

procedimento subjacentes”.

Pede a declaração da nulidade da liquidação do IRC do exercício de 2008,

no que se refere à tributação autónoma aplicada; a anulação da referida

liquidação, em consequência dos demais vícios invocados; a condenação da AT

ao reembolso do imposto indevidamente pago e ao pagamento de juros

indemnizatórios e moratórios, nos termos nos n.ºs 1 e 5 do art. 43.º da LGT, e

ainda ao pagamento de indemnização pelos danos que entende que lhe foram

causados pelos serviços de inspeção tributária, durante o procedimento de

inspeção a que foi sujeita.

Para o efeito alega, em síntese, …

Junta 5 documentos, procuração e comprovativo de autoliquidação e

pagamento da taxa de justiça.

Regularmente notificada para contestar, vem a Exma. Representante da

Fazenda Pública invocar as exceções de caducidade do direito de ação e de

incompetência deste Tribunal para a apreciação do pedido de indemnização

por responsabilidade civil extracontratual formulado pela Impugnante,

questionar a possibilidade de a Impugnante suscitar a caducidade do direito à

liquidação, não o tendo feito previamente em sede de reclamação graciosa, e

argumentar no sentido da improcedência dos vícios assacados à decisão de

indeferimento da reclamação graciosa e à liquidação de IRC de 2008,

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defendendo que não se verifica o erro de direito nos pressupostos, por errada

interpretação do art. 42.º, n.º 1, alínea e) do CIRC, e que não cabe à

Administração tributária afastar a aplicação da lei com fundamento na sua

eventual inconstitucionalidade, no caso, por violação da proibição

constitucional de aplicação retroativa da lei fiscal, constante no art. 103.º, n.º 3

da CRP. Contesta ainda a possibilidade de ser condenada ao pagamento

cumulativo de juros indemnizatórios e moratórios.

A Impugnante apresentou alegações escritas pronunciando-se sobre as

questões prévias suscitadas pela Fazenda Pública, e no demais, mantendo a

posição já defendida na PI.

A Representante da Fazenda Pública apresentou alegações escritas

mantendo a posição já defendida na Contestação.

A Digna Magistrada do M.º Público teve vista no processo, tendo emitido

parecer no sentido da improcedência da presente impugnação.

*

As questões que ao Tribunal cumpre decidir são as questões prévias

invocadas pela Fazenda Pública, da (i) caducidade do direito de ação, da (ii)

(in)competência do Tribunal para a apreciação do pedido de condenação da

Administração tributária no pagamento de indemnização por responsabilidade

civil extracontratual, e da (iii) preclusão do direito de a Impugnante questionar

a caducidade do direito à liquidação, e, na medida em que estas sejam julgadas

improcedentes, decidir as questões de fundo da (iv) caducidade do direito à

liquidação, (v) do erro de direito nos pressupostos, por errada interpretação do

art. 42.º, n.º 1 alínea e) do CIRC, (vi) da ilegalidade por aplicação retroativa da

taxa de tributação autónoma (que a Impugnante qualifica como conformando

uma nulidade), (vii) do pedido de devolução do imposto pago e da (viii)

condenação da FP ao pagamento de juros indemnizatórios e moratórios.

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SANEAMENTO

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias.

Tendo em conta que para a apreciação matéria de exceção suscitada

pela Fazenda Pública na sua contestação há que proceder à fixação da matéria

de facto pertinente, o seu conhecimento é relegado para momento posterior

ao julgamento da matéria de facto.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Factos provados

Com interesse para a decisão a proferir, o Tribunal considera provados os

seguintes factos:

A. A ora Impugnante desenvolve, na cidade de Viseu, a atividade de

prestamista (cf. extrato do RIT, anexo à PI como doc. 2, e art. 1.º da PI).

B. A Impugnante foi vítima de dois furtos, respetivamente em

25/05/2008 e em 23/11/2008 (cf. extrato do RIT, anexo à PI como doc. 2,

e art. 5.º da PI).

C. Dos furtos ocorridos em 2008 resultou para a Impugnante o valor a

pagar aos mutuários de EUR 23.128.302,52 (cf. extrato do RIT, anexo à

PI como doc. 2, e art. 6.º da PI).

D. O valor de EUR 23.128.302,52 referido no ponto anterior foi coberto

por seguro de EUR 16.959.105,66 (cf. extrato do RIT, anexo à PI como

doc. 2, e art. 6.º da PI).

E. A seguradora pagou o valor de EUR 15.011.244,64 (cf. extrato do RIT,

anexo à PI como doc. 2, e art. 8.º da PI).

F. A Impugnante pagou o valor seguro a título de franquia no

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montante de EUR 1.947.861,02, assim como o valor, não coberto

pelo seguro, de EUR 6.169.196,86 (cf. extrato do RIT, anexo à PI como

doc. 2, e art. 7.º da PI).

G. Entre os meses de janeiro e dezembro de 2008, a Impugnante

expendeu o montante total de EUR 170.000,00 com “despesas de

representação” e veículos (cf. extrato do RIT, anexo à PI como doc. 2, e art.

11.º da PI).

H. A ora Impugnante foi sujeita a uma inspeção tributária ao exercício

de 2008, levada a cabo pelos serviços de inspeção tributária (cf.

extrato do RIT, anexo à PI como doc. 2, e art. 2.º da PI).

I. Em 16/09/2010 o representante da Impugnante assinou a ordem de

serviço OI201004545, referente à inspeção tributária a que foi

sujeita (cf. extrato do RIT, anexo à PI como doc. 2).

J. Em 16/12/2010 a Impugnante recebeu o Relatório Final da inspeção

tributária a que foi sujeita, no qual se lê o seguinte (facto dado,

extrato do RIT, anexo à PI como doc. 2):

(…)

III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES À MATÉRIA TRIBUTÁVEL E

AO IMPOSTO ENCONTRADO DIRECTAMENTE EM FALTA

III.1. Correções ao nível do Resultado Tributável

III.1.1. Custos não aceites como dedutíveis, decorrentes do pagamento de indemnizações

No ano de 2008, a DETALHESEFÉMEROS, S.A. foi vítima de dois furtos - factos que a

Administração fiscal aceita e dá por provados no processo administrativo -, respetivamente em

25/5/2008 e em 23/11/2008.

O que resultou no valor total de indemnizações a pagar aos mutuários de EUR 23.128.302,52,

sendo o valor coberto pelo seguro de EUR 16.959.105,66.

Tendo ainda a DETALHESEFÉMEROS, S.A. assumido parte do valor seguro a título de franquia,

no total de EUR 1.947.861,02.

A seguradora pagou a indemnização no valor de EUR 15.011.244,64.

Tendo a DETALHESEFÉMEROS, S.A. pago a diferença em falta, ou seja, EUR 6.169.196,86

acrescido da franquia, o que resultou num encargo total de EUR 8.117.057,88.

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Embora a franquia assumida pela DETALHESEFÉMEROS, S.A. deva ser considerada como custo

dedutível, o restante montante da indemnização por ela assumida não pode ser aceite como

tal, uma vez que nos termos do disposto no art. 42.º, n.º 1, alínea e) do CIRC, não são

dedutíveis as indemnizações pela verificação de eventos cujo risco seja segurável.

Com efeito, o risco em causa era segurável, tendo sido opção sua não o abranger no seguro

efetuado.

III.1.2. Tributação Autónoma

Ainda no exercício de 2008, a DETALHESEFÉMEROS, S.A. teve gastos com despesas de

representação e veículos necessários à sua atividade, - que envolve deslocações a clientes e às

suas filias espalhadas pelo país –, que foram objeto de tributação autónoma.

Gastos esses que ascenderam ao valor total de EUR 170.000,00, e que se repartiram pelos

vários meses daquele exercício fiscal, do seguinte modo:

Valores em € Jan Fev Mar Abr maio Jun Jul Ago Set Out Nov Dez

Despesas representaçã

o

6.000,00 5.800,00 5.350,00 6.150,00 7.000,00 6.200,00 5.700,00 6.300,00 5.400,00 5.800,00 5.700,00 5.000,00

Despesas veículos

8.300,00

8.300,00

8.300,00

8.300,00

8.300,00

8.300,00

8.300,00

8.300,00

8.300,00

8.300,00

8.300,00

8.300,00

A estes gastos será aplicada a taxa de tributação autónoma prevista na lei, ou seja, a taxa de

10% resultante da alínea a), n.º 3 do art. 81.º do CIRC, na redação que lhe foi conferida pelo art.

1.º-A da Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro, em face no disposto no n.º 1 do respetivo art. 5.º,

que determina que a alteração em questão produza “efeitos desde 1 de janeiro de 2008”.

(…)

K. Em 15/03/2013 foi emitida a liquidação de IRC referente ao

exercício de 2008, da qual resultou o montante a pagar de EUR

58.000, com data limite de pagamento em 15/04/2013 (cf. extrato da

liquidação, anexo à PI como doc. 3, e art. 2.º da PI).

L. Em 20/03/2013 a ora Impugnante recebeu a liquidação de IRC

referida no ponto anterior (facto dado).

M. Em 14/04/2013, a ora Impugnante procedeu ao pagamento do IRC,

no montante de EUR 58.000,00 (facto dado).

N. Em 16/04/2013 a Impugnante interpôs reclamação graciosa (facto

dado).

O. Em 16/08/2013, a reclamação graciosa, que foi autuada com o n.º

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2720201304001184, foi objeto de despacho de indeferimento (cf.

RG, anexa à PI como doc. 1).

P. Em 22/08/2013, a Impugnante recebeu a decisão de indeferimento

da Reclamação Graciosa, da qual consta o seguinte (facto dado e RG,

anexa à PI como doc. 1):

(…)

APRECIAÇÃO DO PEDIDO

4. A liquidação em causa resulta das conclusões alcançadas no procedimento externo de

inspeção tributária, credenciado pela Ordem de Serviço nº OI201004545, dos Serviços de

Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Viseu

5. A atividade da Requerente é particularmente regulada pelo Decreto-Lei n.º 365/99, de 17

de setembro que, relativamente a seguros, dispõe de um capítulo exclusivo (Capitulo IV — Dos

seguros) respeitante à obrigação específica do prestamista indemnizar os mutuários em “caso

de perda, extravio, furto, roubo ou incêndio das coisas dadas em penhor”.

6. Esta responsabilidade é, obrigatoriamente, transferida para uma seguradora conforme o

disposto pelo n.º 1 do art. 33.º do referido diploma, mediante a celebração de contratos de

seguro obrigatórios.

7. Tal como a Requerente refere decorre do referido Regime Jurídico da Atividade de

Prestamista (RJAP) que o valor seguro “é no mínimo o que resultar da média das avaliações

efetuadas no ano anterior” (n.º 2 do art. 33.º do RJAP). E ainda, as condições gerais uniformes

deste seguro obrigatório de responsabilidade civil do prestamista, aprovadas pelo Instituto de

Seguros de Portugal, previstas na Norma Regulamentar n.º 005/2000 de 24/05, são de

aplicação obrigatória pelas seguradoras e preveem este valor mínimo.

8. Assim, nos termos do n.º 1 do art. 11.º da Apólice Uniforme do Seguro Obrigatório de

Responsabilidade Civil do Prestamista, a responsabilidade da seguradora “é, no mínimo, seja

qual for o número de lesados por um sinistro, igual ao valor que resultar da média das

avaliações efetuadas no ano anterior.”

9. No entanto, e tal como a requerente reconhece, este é o valor mínimo seguro sendo

sempre possível aumentar este valor ajustando-o ao risco incorrido e atendendo às

responsabilidades assumidas pelo prestamista.

10. Ou seja, contrariamente ao defendido pela requerente, não existem dúvidas quanto ao

facto de estarmos perante “eventos cujo risco seja segurável” dependendo da requerente a

atualização do valor seguro junto da empresa de seguros e consequentemente, contabilizar

como custo, aceite fiscalmente, os respetivos prémios de seguro.

11. O custo relativo a indemnizações a cargo da requerente resultante de eventos cujo risco

era segurável, além de não cumprir com os requisitos que o art. 23.º do CIRC - porquanto tal

custo não foi indispensável para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou sequer

para a manutenção da fonte produtora, pois a atividade da requerente manteve-se nos

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mesmos moldes, - à luz da letra e do espírito da lei nomeadamente do disposto pela alínea e)

do n.º 1 do art. 42.º do CIRC, os encargos mesmo quando contabilizados como custos ou perdas

do exercício relativas a indemnizações pela verificação de eventos cujo risco seja segurável não

são dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável.

12. E este risco era segurável bastando para tanto que, face ao incremento ocorrido no

volume de negócios e consequentemente do valor das coisas dadas em penhor pelos

mutuários, a requerente tivesse procedido à atualização da apólice de seguros nomeadamente

do valor a segurar junto da seguradora.

13. Afigura-se estar suficientemente demonstrada a possibilidade, inclusivamente decorrente

de exigência legal (artigos 32.º e 33.º do Regime Jurídico da Atividade de Prestamista) de

segurar o risco de furto das coisas dadas em penhor pelos mutuários pelo que o montante das

indemnizações a cargo da requerente na qualidade de prestamista por falta de seguro

relativamente a uma parte substancial desses bens não é dedutível para efeitos de

determinação do lucro tributável nos termos da al. e) do n.º 1 do art. 42.º do CIRC.

14. Em suma, contrariamente ao defendido pela Reclamante, não existem dúvidas quanto ao

facto de estarmos perante “eventos cujo risco seja segurável”, dependendo da requerente a

atualização do valor seguro junto da empresa de seguros e consequentemente, contabilizar

como custo, aceite fiscalmente, os respetivos prémios de seguro.

15. Quanto à taxa de tributação autónoma aplicada, resulta do artigo 1.º-A da Lei 64/2008, de

5 de dezembro, que produz alterações ao disposto nos n.ºs 3 e 4, do artigo 81.º do CIRC (art.

88.º, após renumeração pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho), com efeitos a partir de

1 de janeiro de 2008.

16. As Leis dimanam do Órgão de Soberania Assembleia da República, sendo promulgadas por

um outro Órgão de Soberania, o Presidente da Republica, o qual, poderá, caso ache necessário,

requerer a aferição da sua constitucionalidade, junto da Entidade competente para o efeito, ou

seja, o Tribunal Constitucional.

17. Estes Serviços não têm, como resulta evidente, claro e incontestável, poder ou vocação

para colocar em questão, quaisquer Normas que procedam dos Órgãos do Poder, no caso em

apreço, do Poder Legislativo.

18. Pelo contrário, estão obrigados a cumpri-las na, íntegra, sem suscitar dúvidas, reparos ou

interrogações, quanto ao seu conteúdo e aplicabilidade.

19. O Obrigado Tributário suscita a possível inconstitucionalidade da retroatividade da Lei.

20. Não compete a estes Serviços pronunciarem-se sobre tal tema, dado que, para o efeito,

existe o Órgão próprio e competente, o Tribunal Constitucional, que de resto, se pronunciou no

sentido da constitucionalidade desta alteração no seu Acórdão n.º 18/2011, processo n.º

204/2010, proferido em 12 de janeiro.

21. Nestes termos, constata-se que a liquidação não padece nem enferma de qualquer

ilegalidade, sendo realizada de acordo com o texto da Lei, aprovada em sede própria, ou seja,

na Assembleia da República.

22. Face ao exposto, o ato de liquidação adicional, em crise nestes autos, não enferma de

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qualquer vício que ponha em causa a sua legalidade e validade.

(…)

Q. Em 2/09/2013 a PI da presente ação foi remetida para o Serviço de

Finanças de Viseu, através de correio postal registado (cf. vinheta

correio postal registado, aposta sobre o sobrescrito de remessa).

*

Factos não provados

Não existem factos a dar como não provados com interesse para a

decisão em causa, atenta a causa de pedir.

*

A convicção do Tribunal assenta no exame dos documentos e

informações oficiais constantes dos autos, conforme é especificado nos vários

pontos da matéria de facto provada.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Antes de mais, cumpre conhecer da exceção de caducidade do direito de

ação.

Com efeito, vem a Fazenda Pública questionar a tempestividade da ação,

argumentado que em 10 de janeiro de 2014, data que atribui à respetiva

entrada em Tribunal, se encontrava já ultrapassado o prazo de que a

Impugnante dispunha para a respetiva interposição.

Em sede de alegações escritas, a Impugnante contra argumenta que a

ação foi interposta em tempo, tendo a respetiva PI sido expedida dentro do

prazo legal.

A presente ação de impugnação foi interposta tendo por objeto

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(imediato) o ato de indeferimento da reclamação graciosa que a Impugnante

interpôs da liquidação adicional de IRC de 2008, pelo que dispunha do prazo de

15 dias para impugnar, atento o disposto no art. 102.º, n.º 2 do CPPT, sendo o

termo inicial de contagem o da data de notificação do indeferimento da

reclamação.

Resultando provado nos autos que a Impugnante foi notificada do ato de

indeferimento da reclamação no dia 22 de agosto de 2013 e expediu a PI

através de correio postal registado para o Serviço de Finanças de Viseu no dia 2

de setembro do mesmo ano, há que concluir pela tempestividade da ação, pois

o referido prazo de 15 dias apenas terminava em 6 de setembro, por aplicação

do disposto no art. 279.º, alínea b) do CC, ex vi art. 20.º, n.º 1 do CPPT.

É um facto que o dia 10 de janeiro de 2014, a que alude a Representante

da Fazenda na sua contestação, corresponde à data em que a PI deu entrada

no TAF de Viseu. No entanto, atendendo ao disposto no art. 26.º, n.º 2 do

CPPT, tendo a PI sido remetida à administração tributária através de correio

postal registado (o que era possível atento o disposto no art. 103.º, n.º 1 do

CPPT), vale a data do respetivo registo, ou seja, no dia 2 de setembro, como

resulta provado nos autos (cf. ponto Q, da fundamentação de facto).

Donde é julgada improcedente a questão da caducidade do direito de

ação.

Importa ainda apurar da competência deste Tribunal para conhecer o

pedido de condenação da Administração tributária ao pagamento de

indemnização pelos danos alegadamente causados pelos serviços da

Administração fiscal durante o procedimento de inspeção, questionada pela

Fazenda Pública na respetiva contestação.

Nas suas alegações escritas, a Impugnante insiste que tem o direito de

fazer valer a sua pretensão sem qualquer limitação, cabendo-lhe, além do mais,

o direito de ser ressarcida pelos danos que alega ter sofrido durante a inspeção

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tributária.

Quanto a esta questão, tem a Fazenda Pública razão, pois de facto, a

competência para a apreciação da matéria cabe aos tribunais administrativos,

como de resto tem vindo a ser consistentemente afirmado pelo Plenário do

Supremo Tribunal Administrativo nos acórdãos proferidos em 9/05/2012, no

proc. n.º 0862/11, em 29/01/2014, no proc. n.º 01771/13, em 10/09/2014, no

proc. n.º 0621/14, em 15/10/2014, no proc. n.º 0873/14, em 25/11/2015, no

proc. n.º 01346/15, de 3/06/2015, no proc.º n.º 0520/15 e no proc. n.º

0172/15, em 14/05/2015, no proc. nº 01152/14, em 25/06/2015 no proc. nº

0664/15, em 01/06/2016, no proc. nº 79/16, proc. nº 0417/16 e proc. nº

0416/16, em 13/07/2016, no proc. nº 0619/16, em 29-09-2016, no proc. nº

01574/15 e no proc. nº 0290/16, e em 18-04-2018, no proc. 01274/17,

jurisprudência à qual aqui se adere e subscreve sem reservas.

Este entendimento é propugnado pelo STA com fundamento na

interpretação do disposto nos arts. 44º e 49º do ETAF, na medida em que a

previsão detalhada neste último dos assuntos cujo conhecimento incumbe aos

Tribunais Tributários oferece um forte indício de que no recorte de

competências entre tribunais administrativos e fiscais foi atribuída a estes uma

competência residual ou por exclusão, assim resultando que “a apreciação das

ações de responsabilidade civil propostas na jurisdição administrativa e fiscal

compete ordinariamente aos tribunais administrativos – conclusão que

negativamente se extrai do pormenor de elas não estarem diretamente

previstas no art. 49º do ETAF” (cf. Ac. STA proferido em 15-10-2014, no proc.

0873/14), entendimento que é “confirmado pelo CPTA, cujos destinatários

imediatos são os tribunais administrativos (cf. art. 1º),” aplicando-se aos

tribunais tributários “de um modo apenas subsidiário [cf. art. 2º, al. c), do

CPPT]”, resultando explicitamente do (então) art. 37º, n.º 2, al. f), do CPTA

[atualmente, da alínea k) do respetivo n.º 1] “que a responsabilidade do Estado

deve ser pedida através uma ação administrativa comum [atualmente, ação

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Prova escrita de direito tributário via profissional | 1.ª chamada | 7.º TAF 13

administrativa] – a interpor nos tribunais que o diploma tem em vista e que são

os administrativos” (idem).

Ademais, “a determinação da competência material para conhecer

dessas ações de responsabilidade costuma abstrair da natureza do assunto em

que se inscreveu a conduta ilícita e danosa imputada ao Estado – como mostra

o facto de ele responder nos tribunais administrativos por atos relacionados

com o exercício das funções jurisdicional e legislativa (art. 4º, n.º 1, al. g), do

ETAF). E, se o Estado responde nos tribunais administrativos em tais casos,

nada, a fortiori, obsta a que possa civilmente responder na mesma sede por

condutas ligadas a questões jurídico-fiscais.” (idem).

Não sendo o Tribunal competente para conhecer do pedido de

“condenação da AT ao pagamento à Impugnante de indemnização pelos danos

que lhe foram causados pelos serviços de inspeção tributária”, deverá, nos

termos do disposto no 5.º, n.º 2 (renumerado 4.º, n.º 8, após a alteração

introduzida pelo DL 214-G/2015, de 02/10) do CPTA, absolver-se a Fazenda

Pública da instância relativamente ao mesmo.

Por último, vem a Fazenda Pública argumentar que por não ter suscitado

a questão da caducidade do direito à liquidação na reclamação graciosa, não

pode a Impugnante vir fazê-lo agora.

Não tem, no entanto, razão, não resultando do facto de não ter suscitado

a questão em sede de reclamação graciosa qualquer preclusão do seu direito

de o fazer em sede da presente impugnação judicial, pois não existe na lei

processual qualquer obrigação de a invocar em sede de reclamação de que

pudesse resultar uma qualquer preclusão do seu direito de colocar a questão

em sede contenciosa.

***

Apreciadas as questões prévias suscitadas pela Fazenda Pública, importa

apreciar os vícios que a Impugnante assaca ao ato impugnado.

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Prova escrita de direito tributário via profissional | 1.ª chamada | 7.º TAF 14

Assim sendo, e antes de mais, quanto à alegada caducidade do direito à

liquidação, alega a Impugnante o direito de liquidação caducou no dia 31 de

dezembro de 2012, pelo que a liquidação, tendo sido emitida no dia 15 de

março de 2013, ultrapassou esse prazo.

Vejamos.

É um facto que o prazo de caducidade do direito à liquidação é no caso

de 4 anos, e que por estar em causa um imposto periódico, o termo inicial da

respetiva contagem ocorre a partir do termo do ano em que se verificou o

facto tributário – no caso, o ano de 2008 -, tal como resulta do disposto nos

n.ºs 1 e 4 do art. 45.º da LGT.

Sucede no entanto que, apesar de a liquidação ter sido efetivamente

emitida no dia 15/03/2013 (cf. ponto K, da fundamentação de facto), resulta

provado nos autos que foi antecedida de um procedimento de inspeção

tributária externo [cf. art. 13.º/b) RCPITA] que teve início em 16/09/2010 - data

em que o representante da Impugnante assinou a ordem de serviço

OI201004545 (cf. ponto I, da fundamentação de facto) -, e termo em

16/12/2010, com a notificação do Relatório Final de Inspeção (cf. ponto J, da

fundamentação de facto), pelo que, nos termos do disposto no n.º 1 do art.

46.º da LGT, terá de se concluir que o prazo de caducidade esteve suspenso

durante 3 meses.

Com efeito, o procedimento de inspeção tem início com a assinatura da

nota de diligência (cf. art. 51.º/2, do Regime Complementar do Procedimento

de Inspeção Tributária e Aduaneira, doravante, RCPITA) e termina com a

notificação do Relatório de Inspeção (cf. art. 62.º/2 RCPITA). Estando em causa,

como é o caso, uma inspeção externa que não ultrapassou o período de 6

meses, a mesma suspende o prazo de caducidade, nos termos do disposto no

art. 46.º, n.º 1 da LGT.

Assim sendo, o prazo de caducidade do direito à liquidação apenas

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Prova escrita de direito tributário via profissional | 1.ª chamada | 7.º TAF 15

terminou em 31 de março de 2013, devendo considerar-se os 3 meses de

suspensão.

Tendo a liquidação sido efetuada dentro do referido prazo de

caducidade, como foi demonstrado, improcede a argumentação da

Impugnante relativamente a esta questão.

Suscita ainda a Impugnante a verificação de um erro de direito nos

pressupostos do ato de liquidação e da decisão impugnada, por errada

interpretação do art. 42.º, n.º 1 alínea e) do CIRC, na redação então em vigor.

A Impugnante argumenta que os valores que pagou aos mutuários

lesados a título de “reposição” dos objetos roubados por eles dados em penhor

são contabilisticamente “custos/gastos”, como tal devendo ser aceites

Defende que dada a natureza da atividade prestamista, que implica

grande dinamismo na movimentação dos bens, não é possível determinar com

exatidão o valor dos montantes a segurar, pelo que a cada momento o valor

dos bens segurados pode ser superior ou inferior ao valor dos bens na posse do

prestamista a título de garantia dos mútuos concedidos, motivo pelo qual

resulta do art. 33.º, n.º 2, do DL 365/99, a obrigatoriedade de um valor mínimo

de seguro, cujo critério é o que resultar da média das avaliações feitas no ano

anterior, critério que resulta também estabelecido na Apólice Uniforme do

Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil do Prestamista.

Considera que na determinação do lucro tributável devem ser levados

em conta os gastos “que comprovadamente sejam indispensáveis para a

realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte

produtora”, designadamente os elencados no n.º 1 do art. 23.º do CIRC, não

podendo deixar de se considerar que o valor do furto de mercadorias, e no

caso, o valor do furto de bens dados em penhor como garantia do mútuo, não

pode deixar de ser entendido como perda imputável ao exercício respetivo.

Entende por isso que a Administração fiscal faz uma interpretação literal

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Prova escrita de direito tributário via profissional | 1.ª chamada | 7.º TAF 16

do deste preceito, recusando-se a aceitar a dedutibilidade dos custos com

indemnizações pagas por verificação de eventos cujo risco seja segurável, e que

nada diz ou explica sobre o que entende por “riscos não seguráveis”

Considera a Impugnante que se fosse de aceitar como decisivo o critério

que se prende com saber se certo risco é ou não segurável, teria de se

esclarecer se esse risco é apenas segurável em abstrato ou se é segurável em

concreto, pois um risco pode, em abstrato, ser suscetível de ser segurado e, no

entanto, não o ser em concreto. Por outro lado, entende que o critério do risco

segurável por oposição ao risco não segurável, para além de não se revelar

decisivo, atendendo à ratio legis do art. 42.º, n.º 1, alínea e) do CIRC, não é

apto a garantir o respeito pelos princípios constitucionais fundamentais,

designadamente pelos princípios da tributação do rendimento real, da

capacidade contributiva, da igualdade, da justiça fiscal e da proporcionalidade;

Conclui que a posição da AT acaba por revestir de uma natureza

sancionatória, pois tendo a Impugnante cumprido com ordenamento seguros

acima do exigível, sofreu a perda do furto com grande perda de rendimentos e

vem depois a AT aplicar como “sanção” a de tributar um rendimento que não

existe, porque, comprovadamente, foi objeto de furto (na parte não coberta

pelo seguro).

Vejamos.

Constata-se desde logo que da contraposição do disposto no art. 23.º,

n.º 1, alínea j), do IRC – são custos as “indemnizações resultantes de eventos

cujo risco não seja segurável” – com o disposto no art. 42.º, n.º 1, alínea e), do

mesmo Código – não são dedutíveis “as indemnizações pela verificação de

eventos cujo risco seja segurável” –, resulta não existir qualquer elemento

literal que sustentar a posição da Impugnante.

De facto, da conjugação dos preceitos em nada resulta que se possa

sustentar que o que se pretendeu foi permitir a dedução de riscos seguráveis

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Prova escrita de direito tributário via profissional | 1.ª chamada | 7.º TAF 17

para além do mínimo obrigatório, como parece defender a Impugnante.

Pretendeu-se, sim, claramente, excluir da possibilidade de dedução qualquer

risco que, sendo segurável, não tenha sido coberto pelo seguro, resultando

claro da conjugação dos preceitos que qualquer risco não constitui custo

dedutível, apenas o sendo os riscos não seguráveis.

Não é, também, defensável, que a distinção entre risco segurável e risco

não segurável –, se possa entender como uma mera suscetibilidade de o risco

ser alvo de contrato de seguro, com o argumento de em abstrato todos os

riscos são seguráveis, pois existem riscos normalmente não seguráveis, por

exemplo, no que se refere aos seguros de responsabilidade civil, os danos

resultantes de atos de terrorismo, guerra, guerra civil, invasão, hostilidades,

insurreição ou distúrbios laborais (greves, tumultos, etc.).

Assim sendo, por risco segurável deverá entender-se não apenas os

seguros obrigatórios mas também aqueles que, numa ótica normal de gestão

diligente, e tendo em conta a natureza da atividade, a empresa deveria

providenciar, por forma a acautelar o risco normal da sua atividade.

O motivo pelo qual o legislador optou pela exclusão da dedutibilidade

dos encargos com as indemnizações quando o risco seja segurável é

certamente a de zelar pelo interesse de terceiros, os eventuais lesados, cujo

ressarcimento ficará melhor garantido existindo seguro.

Por outro lado, da escolha do legislador não resulta qualquer violação do

princípio da proporcionalidade, pois ainda que possa não corresponder à que

melhor assegura a tributação pelo rendimento real é uma opção legítima, de

proteger os terceiros, mediante a consagração de estímulos para que o sujeito

passivo acautele o risco normal da sua atividade, transferindo totalmente a sua

responsabilidade para uma seguradora - e não apenas a que resulta do seguro

obrigatório –, com a possibilidade de deduzir integralmente as despesas com o

pagamento dos prémios de seguro.

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Prova escrita de direito tributário via profissional | 1.ª chamada | 7.º TAF 18

Desta opção legislativa não resulta, pois, uma qualquer sanção para o

sujeito passivo, que poderá conformar a sua atuação de modo a que o seguro

cubra a todo o tempo o risco de furto dos bens móveis que lhe são dados em

penhor como garantia dos mútuos. Para tanto, basta-lhe ou contratar um

seguro que cubra a totalidade do risco, ainda que, para isso, tenha de exceder

os limites do seguro obrigatório, ou manter a sua atividade dentro dos limites

da cobertura conferida pelo seguro obrigatório.

Neste mesmo sentido, e com a argumentação que vimos descrevendo,

decidiu já o STA, no acórdão proferido em 29-05-2019 no proc.

01064/14.5BEPRT, numa situação em tudo similar à situação em apreço,

jurisprudência à qual aqui se adere sem qualquer reserva.

Não existe, pois, qualquer erro de direito nos pressupostos do ato

impugnado, que foi corretamente interpretado, improcedendo também quanto

a esta questão a argumentação da Impugnante.

Defende ainda a Impugnante que a Administração tributária fez uma

aplicação retroativa, violadora do comando contido no art. 103.º, n.º 3 da CRP,

da alteração introduzida pelo art. 1.º-A da Lei n.º 64/2008, de 5/12 na alínea a)

do n.º 3 do art. 81.º do CIRC, ao determinar, por força do disposto no seu art.

5.º n.º 1, que esta alteração, de que resultou um aumento de 5% para 10% das

taxas de tributação autónoma aplicáveis ao caso, produzisse efeitos desde 1 de

janeiro de 2008, apesar da Lei n.º 64/2008, de 5/12, por força do seu artigo 6.º,

apenas ter entrado em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, ou seja, no

dia 6 de dezembro de 2008.

Quanto a esta questão, há que dar razão à Impugnante.

Com efeito, e ainda que num primeiro momento, através do Acórdão

proferido Acórdão n.º 18/2011, processo n.º 204/2010, proferido em 12 de

janeiro, o Tribunal Constitucional tenha decidido não existir motivo para

sustentar a inconstitucionalidade material da norma do artigo 5.º da Lei n.º

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Prova escrita de direito tributário via profissional | 1.ª chamada | 7.º TAF 19

68/2008, de 5/12, essa jurisprudência foi superada, encontra-se atualmente

pacificado o entendimento jurisprudencial no sentido da inconstitucionalidade,

por violação do n.º 3, do artigo 103.º, da Constituição, da norma do artigo 5.º,

n.º 1, da Lei n.º 64/2008, de 5/12, na parte em que faz retroagir a 1 de janeiro

de 2008 a alteração do artigo 81.º, n.º 3, alínea a), do CIRC, consagrada no

artigo 1.º-A, uma vez que na tributação autónoma em sede de IRC, o facto

gerador do imposto é a própria realização da despesa, não se estando perante

um facto complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano, mas perante

um facto tributário instantâneo, donde ocorre no caso a aplicação de lei nova a

factos tributários de natureza instantânea, já completamente formados,

anteriores à data da sua entrada em vigor, pelo que a aplicação da nova lei a

este facto ocorrido anteriormente à sua aprovação envolve uma retroatividade

autêntica, violadora da proibição imposta no artigo 103.º, n.º 3, da

Constituição.

Com efeito, neste sentido decidiu já aquele Tribunal Constitucional nos

Acórdãos n.ºs 310/2012, de 20/06 e 382/2012, de 12/07, e no Acórdão do

Plenário n.º 617/2012, de 19/12, jurisprudência que foi posteriormente

consolidada nos Acórdãos n.º 85/2013, de 05/02, também do Plenário, e

171/2017, de 05/04 de 2017.

Também a jurisprudência do STA se encontra pacificada neste sentido,

de propugnar o entendimento de que nas tributações autónomas não está em

causa a tributação de um rendimento no final do período tributário, mas antes

um determinado tipo de despesas, que constituem o facto gerador de imposto,

constituindo cada despesa um facto tributário autónomo a que o contribuinte

fica sujeito independentemente de vir a ter um rendimento tributável em sede

de IRC no final do período, devendo a taxa a aplicar a cada despesa ser a que

vigorar à data da sua realização, uma vez que o facto tributário se verifica no

momento em que se incorre nas despesas sujeitas a tributação autónoma, não

se estando perante um facto complexo, de formação sucessiva ao longo do

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Prova escrita de direito tributário via profissional | 1.ª chamada | 7.º TAF 20

ano, mas perante um facto tributário instantâneo. Assim sendo, não pode a lei

agravar o valor da taxa de tributação autónoma, relativamente a despesas já

efetuadas aquando da sua entrada em vigor, pelo que também este Tribunal

tem entendido consistentemente que a norma do artigo 5.º, n.º 1, da Lei nº

64/2008, de 5/12, ao determinar a retroação de efeitos a 01/01 de 2008 da

alteração do artigo 81.º, n.º 3, do CIRC, padece de inconstitucionalidade por

violação da proibição imposta no artigo 103.º, nº 3, da Constituição.

Neste mesmo sentido decidiram já os Acórdãos proferidos em

06/07/2011 no proc. 0281/11, em 14/06/2012, no proc. 0757/11, em

14/02/2013, no proc. 01375/12, em 17/04/2013, no proc. 0166/13, em

22/01/2014, no proc. 01714/13, em 21/01/2015, no proc. 0470/14, e em

23/10/2019 no proc. 02651/10.6BELRS 0903/16.

É a esta jurisprudência que aqui se adere, sem qualquer reserva, pelo

que nesta matéria será julgada procedente a alegação da Impugnante,

anulando-se a liquidação de IRC impugnada na parte em que a mesma

corresponde à aplicação retroativa da alteração da taxa de tributação

autónoma.

Com efeito, e embora a Impugnante qualifique o vício em questão como

sendo gerador de nulidade, não é esse o caso, não sendo o mesmo abrangido

no elenco de atos previstos no art. 133.º do Código de Procedimento

Administrativo (CPA) aprovado pelo DL n.º 442/91, de 15/11, ou pelo art. 161.º

do CPA na redação atualmente em vigor, pois não está em causa uma ofensa

do conteúdo essencial de um direito fundamental, como, aliás, tem vindo a ser

sublinhado pela jurisprudência (cf., designadamente, os Acórdãos do STA

proferido em 25-05-2004, no proc. 01708/03, em 10-01-2007, no proc.

0459/06, e em 16-12-2010, no proc. 0396/10, neste caso pelo Pleno da Secção

de Contencioso Tributário).

Por último, importa apurar se a Impugnante tem direito à devolução do

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Prova escrita de direito tributário via profissional | 1.ª chamada | 7.º TAF 21

imposto pago e à condenação da FP ao pagamento de juros indemnizatórios e

moratórios.

Neste sentido, alega a Impugnante que sendo manifesta a existência de

erro imputável aos serviços, a AT deve ser condenada a pagar-lhe juros

indemnizatórios, desde a data do pagamento indevido do imposto até à data

do processamento da respetiva nota de crédito, nos termos do disposto no art.

61.º, n.º 5 (anterior n.º 3) do CPPT, e juros moratórios, devidos entre a data do

termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em

julgado e a data da emissão da nota de crédito, tal como resulta do disposto no

n.º 5 do supracitado art. 43.º da LGT, na redação que lhe foi conferida pela Lei

n.º 64-B/2011, de 30/12 (LOE 2012).

Com relevância para a apreciação desta questão, resulta desde logo

provado nos autos que em 14/04/2013, a Impugnante procedeu ao pagamento

integral do IRC liquidado, no montante de EUR 58.000,00 (cf. ponto M, da

fundamentação de facto).

Por outro lado, embora a pretensão da Impugnante se revele

improcedente no que se refere à alegada errada interpretação do disposto no

42.º, n.º 1, alínea e) do CIRC, a questão que invoca relativamente à aplicação

retroativa da taxa de tributação autónoma foi decidida a seu favor.

Ora, no que se refere ao direito a juros indemnizatórios em caso de

pagamento indevido de prestações tributárias fundado em normas

inconstitucionais ou ilegais, como é o caso, a Lei n.º 9/2019, de 1 de fevereiro

veio aditar ao n.º 3 do art. 43.º da LGT a sua atual alínea d), na qual se consagra

agora expressamente o direito a juros indemnizatórios “Em caso de decisão

judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou

ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a

liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução”,

dispondo-se no art. 3.º da referida Lei n.º 9/2009, no que à aplicação no tempo

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Prova escrita de direito tributário via profissional | 1.ª chamada | 7.º TAF 22

se refere, que a redação da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, introduzida

pela mesma, aplica-se também a decisões judiciais de inconstitucionalidade ou

ilegalidade anteriores à sua entrada em vigor, sendo devidos juros relativos a

prestações tributárias que tenham sido liquidadas após 1 de janeiro de 2011.

Donde, tendo a liquidação em causa sido emitida em 15/03/2013 (cf.

ponto K, da fundamentação de facto), é-lhe aplicável a redação da alínea d) do

n.º 3 do artigo 43.º da LGT, introduzida pela Lei 9/2019.

Por outro lado, e no que diz respeito à cumulação de juros

indemnizatórios e moratórios, não tem a Fazenda Pública razão, pois não só o

n.º 5 do art. 43.º da LGT é posterior à jurisprudência a que alude na sua

contestação, como a mesma não lhe é aplicável. Com efeito, o STA veio já

esclarecer amplamente que o n.º 5 do art. 43.º da LGT, introduzido pela Lei n.º

64-B/2011, de 30/12, assume um caráter claramente sancionatório, e não

meramente indemnizatório/reparatório, nada impedindo por isso a sua

cumulação com os juros indemnizatórios, calculados nos termos deste preceito

legal, sobre a mesma quantia e relativamente ao mesmo período de tempo. É

essa a posição assumida nos Acórdãos proferidos pelo STA em 01/02/2017, no

proc. 0285/16, e pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário em

07/06/2017, no proc. 0279/17, jurisprudência à qual aqui se adere, sem

qualquer reserva.

Assim sendo, e uma vez que o tributo em questão foi liquidado em

15/03/2013 (cf. ponto K, da fundamentação de facto), tem a Impugnante

direito não só à devolução do imposto na parte referente à aplicação retroativa

da taxa de tributação autónoma de 10% (cf. art. 100.º, da LGT), como a juros

indemnizatórios, desde a data do pagamento indevido do imposto em questão,

até à data do processamento da respetiva nota de crédito, nos termos do

disposto no art. 61.º, n.º 5 (anterior n.º 3) do CPPT, e a juros moratórios,

devidos entre a data do termo do prazo de execução espontânea da presente

decisão judicial, logo que transitada em julgado e a data da emissão da nota de

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Prova escrita de direito tributário via profissional | 1.ª chamada | 7.º TAF 23

crédito, tal como resulta do disposto no n.º 5 do supracitado art. 43.º da LGT,

na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30/12 (LOE 2012),

também ela entrada em vigor em momento anterior à liquidação sub judice,

uma vez que nos termos do disposto no n.º 2, do art. 151.º da referida Lei n.º

64-B/2011 se determinou que a nova redação do n.º 5 do artigo 43.º da LGT

pela mesma conferida, teria aplicação imediata às decisões judiciais transitadas

em julgado, cuja execução se encontrasse pendente à data da entrada em vigor

da presente lei.

Sendo a presente sentença julgada parcialmente procedente,

Impugnante e Representação da Fazenda devem ser condenadas em custas, na

proporção do correspondente decaimento, que aqui se fixa em 81% para a

Impugnante e em 19% para a Fazenda, nos termos e para os efeitos do

disposto nos arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º e 607.º, n.º 6, todos do CPC, aplicáveis

ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT.

Por outro lado, e no que diz respeito ao valor da causa, tendo a

Impugnante cumulado vários pedidos, nos termos do disposto no art. 32.º, n.º

1 e n.º 7, primeira parte, do CPTA, aplicável ex vi art. 2.º, alínea d), o valor da

causa deve corresponder à soma dos seus valores, pelo que, nos termos do

preceito citado, conjugado com o disposto no art. 97.º-A, n.º 1, alínea a) do

CPPT, o valor da ação deverá ser fixado no montante de EUR 158.000,00.

*

DISPOSITIVO

Pelo exposto,

- Absolvo a Fazenda Pública da instância relativamente ao pedido de

condenação ao pagamento de indemnização à Impugnante, por

Page 24: PROVA ESCRITA DE DIREITO E PROCESSO TRIBUTÁRIO Via ... · M. Em 14/04/2013, a ora Impugnante procedeu ao pagamento do IRC, no montante de EUR 58.000,00 (facto dado). N. Em 16/04/2013

Prova escrita de direito tributário via profissional | 1.ª chamada | 7.º TAF 24

danos alegadamente causados durante o procedimento de inspeção

tributária;

- Julgo a presente Impugnação parcialmente procedente, pelo que

anulo a liquidação na parte relativa à aplicação da taxa de tributação

autónoma de 10% e, nesta medida, condeno a Fazenda Pública à

devolução do correspondente imposto pago e ao pagamento de juros

indemnizatórios e moratórios;

- No mais, julgo a Impugnação improcedente.

Condeno a Impugnante e a Fazenda Pública em custas, na proporção do

decaimento, que fixo em 81% para a Impugnante e 19% para a Fazenda

Pública.

Fixo o valor da presente ação em EUR 158.000.

*

Registe e notifique.

Lisboa, 15 de fevereiro de 2020