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Propriedades dos Números Reais: um caminho para entender e representar desigualdades Gerson Geraldo Chaves 1 GD3 - Educação Matemática no Ensino Médio Resumo: Esta proposta de trabalho baseia-se na preocupação com a compreensão, a interpretação e a representação de intervalos reais. Entende-se que na aprendizagem deste conceito devem-se considerar algumas propriedades dos números reais, como ordem e completude e que a construção do conceito de intervalos em IR deve-se dar a partir de situações contextualizadas. Esta pesquisa será desenvolvida com uma turma de alunos da primeira série do Ensino Médio, tendo como fio condutor um conjunto de atividades com enfoque na diferença entre conjuntos discretos e contínuos e na completude dos números reais, bem como uma abordagem para ensino de intervalos reais em um ambiente de Modelagem Matemática. A análise dos dados obtidos serão realizadas à luz de teorias que enfocam as imagens conceituais manifestadas durante a realização de atividades matemáticas e no comportamento matemático dos estudantes levando-se em consideração os aspectos formais, algorítmicos e intuitivos e suas inter-relações. Palavras-chave: Números reais. Intervalos reais. Educação Matemática. Introdução Este trabalho é, antes de mais nada, fruto de nossa experiência pessoal com o ensino de Matemática no Ensino Médio, área em que atuamos desde a formatura, em 1993. Apesar de já ter trabalhado com o Ensino Fundamental e lecionado para o Ensino Superior, nossa experiência maior é com o Ensino Médio e é aí que nos colocamos, nos identificamos e nos reconhecemos. O panorama do Ensino Médio no Brasil vem mudando nas últimas décadas, principalmente após a implantação dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM, 1 Universidade Anhanguera de São Paulo, e-mail: [email protected], orientadora:Vera Helena Giusti de Souza.

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Propriedades dos Números Reais: um caminho para entender e

representar desigualdades

Gerson Geraldo Chaves1

GD3 - Educação Matemática no Ensino Médio

Resumo: Esta proposta de trabalho baseia-se na preocupação com a compreensão, a interpretação e a

representação de intervalos reais. Entende-se que na aprendizagem deste conceito devem-se considerar algumas

propriedades dos números reais, como ordem e completude e que a construção do conceito de intervalos em IR

deve-se dar a partir de situações contextualizadas. Esta pesquisa será desenvolvida com uma turma de alunos

da primeira série do Ensino Médio, tendo como fio condutor um conjunto de atividades com enfoque na

diferença entre conjuntos discretos e contínuos e na completude dos números reais, bem como uma abordagem

para ensino de intervalos reais em um ambiente de Modelagem Matemática. A análise dos dados obtidos serão

realizadas à luz de teorias que enfocam as imagens conceituais manifestadas durante a realização de atividades

matemáticas e no comportamento matemático dos estudantes levando-se em consideração os aspectos formais,

algorítmicos e intuitivos e suas inter-relações.

Palavras-chave: Números reais. Intervalos reais. Educação Matemática.

Introdução

Este trabalho é, antes de mais nada, fruto de nossa experiência pessoal com o ensino de

Matemática no Ensino Médio, área em que atuamos desde a formatura, em 1993. Apesar de

já ter trabalhado com o Ensino Fundamental e lecionado para o Ensino Superior, nossa

experiência maior é com o Ensino Médio e é aí que nos colocamos, nos identificamos e nos

reconhecemos.

O panorama do Ensino Médio no Brasil vem mudando nas últimas décadas, principalmente

após a implantação dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM,

1 Universidade Anhanguera de São Paulo, e-mail: [email protected], orientadora:Vera Helena

Giusti de Souza.

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1999), que coloca como proposta, para esse nível de ensino, uma formação voltada para o

"desenvolvimento de capacidades de pesquisar, buscar informações, analisá-las e selecioná-

las; a capacidade de aprender, criar, formular, ao invés do simples exercício da

memorização" (BRASIL, 1999, p. 16). Sendo assim, entendemos que novas abordagens de

ensino devem ser implementadas, de modo a contribuir para uma aprendizagem

significativa2, o que aumenta nossas preocupações com um ensino significativo e essas

inquietações perpassam o modo como a Matemática vem sendo por nós ensinada.

Se fôssemos colocar aqui todos os temas que mereceriam nossa atenção para essa

aprendizagem e esse ensino, poderíamos expor uma enorme lista; mas, um assunto nos

desperta especial interesse: o entendimento de intervalos reais.

A compreensão de intervalos sobre IR é importante, pois é fato a necessidade e a dependência

dessa noção matemática para abordar vários problemas e assuntos tanto da matemática

elementar quanto da matemática avançada. Podemos citar a interpretação e a representação

de domínios e imagens de funções. Também está presente em diversos problemas

contextualizados em que as soluções só podem assumir certos valores dentro de um intervalo

específico, tais como problemas envolvendo áreas e volumes como exemplificado a seguir.

Os intervalos reais são usados, ainda, para representar soluções de inequações, indicar

imagens de funções como seno, cosseno e exponencial, calcular limites, estabelecer

condições para a existência de um triângulo. Sua utilização também é necessária em outras

disciplinas como na Física, em que as funções que representam determinada situação não

podem assumir qualquer valor como, por exemplo, as funções que representam movimentos.

A não compreensão de intervalos reais pode ser constatada em inúmeras situações no

decorrer do Ensino Médio.Um exemplo disso pode ser observado quando o aluno precisa

representar o domínio de uma função do tipo . Em alguns casos ele até

constata que o domínio da função é o conjunto de todos os números reais maiores ou iguais

a 2, justificado pela propriedade da não existência de raízes reais de ordem par de números

reais negativos, mas ao representar a solução, principalmente na forma algébrica, muitas

vezes escreve {x IR/ 2 ≥ x} ou {x IR/ x ≤ 2}, mas parece não atribuir significado a essa

resposta, quando acha que existe um maior valor real à esquerda.de 2, do tipo 1,99. Em

2 Usaremos neste trabalho aprendizagem significativa no sentido colocado por MOREIRA (2013, p.6): "é

aquela em que ideias expressas simbolicamente interagem de maneira substantiva e não-arbitrária com aquilo

que o aprendiz já sabe. Substantiva quer dizer não-literal, não ao pé-da-letra, e não-arbitrária significa que a interação não é com qualquer idéia prévia, mas sim com algum conhecimento especificamente relevante já

existente na estrutura cognitiva do sujeito que aprende".

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outros casos, o aluno acredita que apenas os números inteiros fazem parte desse intervalo e

responde que o menor valor à esquerda é o 1.

Um outro exemplo pode ser observado quando se tem uma função que representa a área de

um retângulo de perímetro 20, a saber, . Podemos calculá-la para todos os

números reais, mas na prática o domínio dessa função fica restrito ao intervalo e

sua área ao intervalo 0 < y ≤ 25. Geralmente o aluno não percebe essas imposições de

validade para a função e, quando percebe, na maioria das vezes, comete "erros" na

representação desses intervalos, tais como: 0 < x > 10, x < 0 > 10 e 0 > x > 10. Nesse caso,

o aluno parece não perceber que a variável x representa uma medida, que x não tem um

menor ou um maior valor nesse intervalo e que x representa todos os números reais "entre"

0 e 10. Parece, ainda, que eles não percebem a relação de ordem que existe entre os números

que representam a medida.

A constatação desses erros, que nos parecem remeter à não compreensão de intervalos sobre

IR e a recorrência de dificuldades na representação desses intervalos, por parte de nossos

alunos, fizeram-nos perceber que vale a pena investigar uma forma de contribuir para o

ensino e a aprendizagem desse tema, intervalos de números reais.Inferimos também que

algumas propriedades de números reais, necessárias para a interpretação, entendimento e

representação de intervalos reais parecem não estar sendo consideradas quando se aborda

esse assunto em sala de aula, uma vez que "números reais [é] base necessária para a

abordagem da noção de intervalo sobre IR" (GOUVEIA, 2007, p.53).

A importância do tema e a dificuldade dos alunos em compreendê-lo motivou-nos a iniciar

uma pesquisa sobre o assunto, o que suscitou algumas perguntas: a origem dessas

incompreensões e "erros" estariam relacionadas à não compreensão de propriedades de

números reais como ordem e completude? O estudo de intervalos reais a partir de situações

contextualizadas e em um ambiente de Modelagem Matemática em que o aluno deve

procurar o intervalo que satisfaz a solução de um problema contribuiriam para a

compreensão de intervalos em IR?

Com estas questões em mente, colocamos esta proposta de pesquisa, a ser desenvolvida no

Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da Universidade Anhanguera de São

Paulo, junto à linha Ensino e Aprendizagem de Matemática e suas Inovações. A escolha pelo

Doutorado em Educação Matemática se deu por se tratar de uma área de pesquisa em que a

busca de respostas se dá não apenas de maneira quantitativa mas, para além disso, por meio

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de uma análise qualitativa dos dados, o que, no nosso entender, pode trazer à tona

contribuições importantes para a área de Educação Matemática.

I. Justificativa

Números é um conceito estruturante de toda a Matemática, assunto de muita importância

tratado em todos os níveis de ensino. Os conjuntos numéricos são estudados desde os anos

iniciais do Ensino Fundamental e ao final desta etapa amplia-se o conjunto dos números

racionais para o conjunto dos números reais. No início do Ensino Médio, retoma-se o estudo

dos conjuntos numéricos dando-se ênfase ao conjunto dos números reais.Quando se

consultam documentos oficiais como os PCNEM (Brasil, 1999) ou as Diretrizes

Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica (Brasil, 2010), não se observam

orientações específicas sobre os conteúdos matemáticos. Os PCN+ do Ensino Médio (Brasil,

2002) colocam, em linhas gerais, que o ensino do bloco números e operações deve ser

aprofundado em conexão com outros conceitos e não observamos nenhuma referência aos

intervalos reais. Sobre números reais se coloca que:

[...] é possível alargar e aprofundar o conhecimento dos alunos sobre números e

operações, mas não isoladamente dos outros conceitos, isto é, pode-se tratar os

números decimais e fracionários, mas mantendo de perto a relação estreita com

problemas que envolvem medições, cálculos aproximados, porcentagens, assim

como os números irracionais devem se ligar ao trabalho com geometria e medidas.

É ainda importante para o aluno, nessa etapa de sua formação, o desenvolvimento

da capacidade de estimativa da ordem de grandeza de resultados de cálculo ou

medições e da capacidade de tratar com valores numéricos exatos ou aproximados

de acordo com a situação e o instrumental disponível (BRASIL, 2002, p. 122).

Apesar de não ter uma orientação específica, os documentos oficiais apontam para a

importância da aprendizagem dos números reais, mas não constatamos uma sugestão do que

seria um tratamento adequado, quando se trabalha com eles no Ensino Médio. Nesse sentido,

Moutinho (2014) relata que:

Falar sobre números reais na escola ainda é um desafio. Encontramos livros

didáticos que ignoram o assunto ou que o abordam com grandes deficiências. Mas,

por outro lado, o tema está presente em boa parte do programa de ensino da

Matemática para a escola básica. A questão não é simples, pois podemos constatar

em diversas pesquisas em Educação Matemática a existência de vários obstáculos

cognitivos relacionados ao aprendizado dos números reais, que inclusive persistem

entre discentes de licenciatura em Matemática e de cursos de especialização

(MOUTINHO, 2014, p.1)

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Baldino(1997) ressalta que a maioria dos livros didáticos apresentam uma "circularidade"3

ao definirem os números irracionais como aqueles que não são racionais e os reais como a

união do conjunto dos números racionais com o conjunto dos números irracionais, o que

também é observado por Silva (2011), quando coloca que a "questão da circularidade

utilizada para definir os números reais nos livros de Ensino Médio ainda permanece na

maioria das coleções de Matemática" (SILVA, 2011, p.120). Cobianchi (2001) e Dias (2002)

constatam em suas pesquisas que a maioria dos professores pesquisados também introduzem

o conceito de número real da maneira apontada acima. Com isso, acreditamos, que

propriedades importantes para a construção da ideia de número real, como relação de ordem

e completude, e que poderiam constituir um caminho importante para a compreensão de

intervalos reais, não estão sendo consideradas ao se trabalhar com o assunto. Silva (2011)

declara que:

[...] os livros didáticos ainda não contribuem para esse movimento4, pois as noções

matemáticas relacionadas ao conceito de número real são ainda pouco exploradas.

Além disso, os professores não trazem para a sala de aula abordagens didáticas

adequadas, pois a sua formação acadêmica não valoriza aspectos didáticos da

matemática escolar (SILVA, 2011, p.70)

A preocupação com o ensino e a aprendizagem de números reais, que serão colocadas em

nossa futura revisão de literatura, é apontada em várias pesquisas que detectam dificuldades,

tanto de natureza epistemológica quanto cognitiva, quando se trabalha com esse tema;

porém, o estudo dos números reais, tendo como foco o aluno do Ensino Médio, é um assunto

ainda pouco explorado no Brasil e em outros países.

Após uma vasta revisão de literatura, Silva (2011) observa a recorrência desse tema em

pesquisas realizadas com professores e futuros professores, mas destaca que apenas uma das

pesquisas tem como principais sujeitos alunos do Ensino Médio, o que aponta para a escassez

de estudos sobre o tema, direcionados para esse segmento de ensino.

Apesar das noções matemáticas que envolvem o conceito de número real não ser o foco

principal desta pesquisa, entendemos que ela poderá trazer contribuições para a

3 "A definição circular é dada por um enunciado no qual se define um conceito usando o próprio conceito na

tentativa de definir. Em outras palavras, ele assume um entendimento prévio de termo que está sendo definido.

Neste tipo de definição, o termo a ser definido é incluído como parte da definição e, por isso, a definição

circular é caracterizada como um caso especial de falta de clareza no qual não fornece informação nova ou

útil" (CARNEIRO, 2010). 4 O movimento a que Silva (2011) se refere trata do trabalho docente da Matemática no Ensino Médio como

forma de resgate de noções iniciadas no Ensino Fundamental a fim de possibilitar um processo de transição

entre a matemática elementar e avançada.

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aprendizagem das propriedades dos números reais, uma vez que as propriedades que serão

exploradas fazem parte da construção das noções sobre o conjunto IR.

No que se refere a pesquisas sobre intervalos reais, também notamos uma escassez de estudos

nessa área. Em nossa revisão de literatura sobre o assunto, até o momento, encontramos

apenas a pesquisa de Gouveia (2007), que pretendeu mostrar que "o estudo de intervalo a

partir de situações contextualizadas pode favorecer a aprendizagem, pois coloca o

estudante frente a uma situação-problema para a qual ele mesmo deve procurar o

intervalo que satisfaz a situação" (GOUVEIA, 2007, p.17) 5.

Concordamos com Gouveia (2007), que acredita na pertinência e na necessidade do estudo

da noção de intervalo sobre IR a partir de suas definições e representações, mas que apenas

isso não é suficiente.

Ao fazer uma análise de como o assunto é abordado em livros didáticos, Gouveia (2007, p.

149).verifica que "fica evidente a necessidade da utilização de intervalos sobre IR em suas

diferentes formas de representação, mas não é dada toda a atenção necessária para o trabalho

com essa noção" e que "a noção de intervalo é tratada apenas como uma representação para

a qual não existe nenhuma noção matemática associada e muito menos situações de

referência onde esta noção pode estabelecer os limites para que um determinado fenômeno

possa ocorrer" (GOUVEIA, 2007, p.223).

Outro fato apontado por Gouveia (2007) é que as representações dos intervalos que são

soluções do problema proposto em sua pesquisa quase sempre foram registradas

incorretamente pelos alunos e, de acordo com o pesquisador, isso pode ser interpretado como

a necessidade de um trabalho específico sobre essas representações. Essas incompreensões

são justamente uma das preocupações que permearão a nossa pesquisa. Nossa proposta de

estudo vai de encontro à pesquisa realizada por Gouveia (2007), uma vez que temos o intuito

de verificar a contribuição, ou não, de uma abordagem com enfoque em problemas

contextualizados, explorados em um ambiente de Modelagem Matemática, para a

compreensão de intervalos sobre IR. Ainda tendo em vista a contribuição, ou não, das

propriedades de ordem e completude dos números reais como fator de compreensão dos

números que figuram na resposta, o que entendemos poder contribuir para a representação

desses objetos matemáticos na forma algébrica.

5 Grifos do autor.

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Inferimos que as razões apresentadas ratificam nossa escolha e nos motivam a investigar o

assunto. Para isso, colocamos como objetivos de nossa pesquisa: identificar dificuldades que

alunos evidenciam para compreender um intervalo real e apontar caminhos que contribuam

para a aprendizagem desse tema.

Para atingir tais objetivos buscaremos, mais especificamente, respostas a algumas questões

de pesquisa:

• Qual a Imagem de Conceito da completude de números reais de um grupo de alunos

do Ensino Médio?

• Qual a Definição de Conceito da completude de números reais desse grupo de

alunos?

• Um conjunto de atividades, com enfoque na diferença entre conjuntos numéricos

discretos e contínuos, contribui para o entendimento da completude dos números

reais?

• Qual a Imagem de Conceito de intervalos reais desse grupo de alunos?

• Qual a Definição de Conceito de intervalos reais desse grupo de alunos?

• Que dificuldades evidenciam no trabalho com intervalos reais?

• Uma abordagem para o ensino de intervalos reais, com enfoque em problemas

contextualizados, em um ambiente de Modelagem Matemática, contribui para que o

aluno supere essas dificuldades?

Para responder tais questões, buscamos nossa fundamentação teórica nas ideias de Imagem

de Conceito e Definição de Conceito de Tall e Vinner (1981) e na inter-relação entre aspectos

algoritmos, intuitivos e formais de Fischbein (1993), que descrevemos com mais detalhes

em nossas considerações teóricas.

II. Considerações Teóricas

Neste capítulo, apresentamos as ideias teóricas que pretendemos utilizar para embasamento

das questões a serem elaboradas para nossas atividades. Ressaltamos que aqui serão

colocadas ideias que já se encontram na literatura e pretendemos expor, particularmente,

aquelas que interessam para nossa pesquisa.

II.1. Imagem de Conceito e Definição de Conceito

A teoria de imagens de conceito e definição de conceito, proposta inicialmente por David

Tall e Sholmo Vinner no artigo Concept image and concept definition in mathematics, with

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special reference to limits and continuity (TALL & VINNER, 1981), sugere que o processo

cognitivo da formação dos conceitos matemáticos tem como referencial uma gama de

impressões mentais adquiridas ou experiências vividas pelo indivíduo ao longo da vida e que

pode ser mudada à medida que o sujeito amadurece.

As diferentes maneiras de expor, verificar e observar um conceito são constituídas por um

repertório de imagens, ideias e procedimentos que os autores denominam imagem de

conceito, assim definida:

Usamos o termo imagem conceitual para descrever a estrutura cognitiva total

associada ao conceito, que inclui todas as figuras mentais e propriedades e

processos associados. São construídas ao longo dos anos por meio de experiências

de todo tipo, mudando enquanto o indivíduo encontra novos estímulos e

amadurece ( Tall & Vinner, 1981, p. 152).

A imagem de conceito é individual, varia de indivíduo para indivíduo e não é uma estrutura

estática, podendo ter atributos incluídos, excluídos ou modificados, de acordo com a

experiência escolar e/ou cotidiana, não necessariamente associada ao que está sendo

estudado, que pode acrescentar novas características a uma imagem de conceito já existente.

A imagem de conceito de um indivíduo pode ser formada por representações verbais e não

verbais de todos os tipos, que se associam ao conceito. No caso dos intervalos reais, podemos

imaginar, por exemplo, um segmento de reta, uma semireta, o domínio de uma função, um

intervalo de tempo, dois números entre colchetes ou mesmo um intervalo na forma algébrica,

representações essas que podem ou não ser coerentes com a definição formal6.

Ao conjunto de palavras que um indivíduo pode ou não utilizar para definir um conceito é

denominado por Tall e Vinner (1981) de definição de conceito. Uma simples memorização

ou, uma compreensão do significado matemático do conceito ou ainda uma reconstrução da

definição formal podem ser consideradas como uma definição de conceito de um sujeito.

Como acontece com a imagem de conceito, a definição de conceito pode ser enriquecida ou

mesmo mudar ao longo do tempo.

É importante salientar que o enriquecimento do repertório de imagens de conceito de um

indivíduo pode favorecer a aprendizagem de determinado conceito matemático. Nesse

sentido, Giraldo(2004) coloca que:

6 Usamos o termo definição formal no mesmo sentido utilizado por Giraldo (2004): " aquela consensualmente

aceita pela comunidade matemática dentro de um dado contexto social, histórico e teórico" (GIRALDO,2004,

p.9).

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a teoria de imagens de conceito7 sugere que o desenvolvimento cognitivo de um

conceito matemático se dá através do enriquecimento de uma diversidade de ideias

associadas ao conceito, e que a compreensão da própria definição do conceito só

é possível quando a gama de ideias associadas é rica o suficiente. Sendo assim, a

aprendizagem da matemática é favorecida pela multiplicidade de representações

presentes na abordagem pedagógica (GIRALDO, 2004, p.3). De acordo com

essa teoria, as imagens de conceitos podem ser enriquecidas e/ou até

mudadas e, sendo assim, uma abordagem pedagógica que possa

ampliar o repertório de imagens é importante para a aprendizagem

de determinado conceito matemático. Nesta direção, este trabalho se

propõe não só em permitir o enriquecimento das imagens de um

conceito mas, acreditamos, contribuir para a imagem de conceito de

intervalos reais.

II.2. Ideias de Fishbein

A principal ideia defendida por Fishbein (1994), em seu artigo The Interaction betwen the

formal, the algorithmic and the intuitive components in a mathematical activity, é de que

três aspectos básicos devem ser considerados ao se analisar o comportamento matemático

dos estudantes: os aspectos formais, os algorítmicos e os intuitivos.

Os aspectos formais relacionam-se aos axiomas, definições, teoremas, provas e

demonstrações. Em uma atividade matemática, tais aspectos precisam estar bem entendidos,

para que o indivíduo possa desenvolver e, de certa forma, generalizar, seu raciocínio.pois

essa ciência tem sua estrutura e suas especificidades. Não significa que o indivíduo deve

decorar demonstrações e teoremas, mas preocupar-se com o rigor, com o sentido lógico e

com o desencadeamento coerente e consistente das ideias matemáticas.

As técnicas de resolução e estratégias do tipo padrão estão relacionadas aos aspectos

algorítmicos. Na resolução de problemas matemáticos, não é suficiente lidar bem com os

aspectos formais mas, baseado nestes, é possível e necessário estabelecer estratégias e

técnicas para resolver uma atividade matemática.

Um exemplo dessa situação pode ser dado quando dada uma função f(x) = 3x - 1, pede-se ao

aluno para calcular o valor de f(2u + 1). Ele pode conhecer as definições de função e de

função composta em seu aspecto formal, mas se não souber técnicas ou estratégias de

resolução pode não ter sucesso na atividade proposta.

Os aspectos intuitivos caracterizam-se por um raciocínio intuitivo, ou seja, um entendimento

ou solução intuitiva. Ficshbein e Gazit (1984, p.2, apud Alves e Borges Neto, 2011, p.42)

7 Grifos do autor

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esclarecem que "o termo 'intuição'8 significa, basicamente, uma avaliação global, sintética,

não explicitamente justificada [ ]. Tal cognição global é sentida por um sujeito auto-

evidente, auto-consciente, e duramente questionável".

Em certos casos, os aspectos intuitivos poderão se tornar uma dificuldade ou até mesmo um

obstáculo. Podemos citar como exemplo o aluno que usa um esquema de resolução de

equações no caso das inequações "quando 'multiplicamos em cruz' para deixar a incógnita

no numerador, por exemplo, estamos deixando que o aspecto intuitivo se sobreponha aos

formais e algorítmicos: é preciso 'isolar'9 a incógnita, para chegar à solução"(SOUZA, 2008,

p.50-51).

Os aspectos formais precisam ser aprendidos ou inventados e usados ativamente, os aspectos

algorítmicos precisam ser praticados e sistematizados de forma que a interação entre os três

aspectos se torne um todo coerente.

De acordo com Souza (2008, p.48) "parece que muitos dos problemas dos aprendizes reside

na falta de leitura correta das notações científicas, já aceitas pela comunidade" o que a levou

a acrescentar, com vistas às representações, as notações10 . Não significa que esta seja

essencial para a aprendizagem inicial dos aspectos formais, pois os alunos poderiam usar de

outras formas para explicitá-lo. No entanto, parece que tanto professores quanto livros

didáticos dão especial ênfase ao seu uso "correto"11 e imediato, sem se preocupar com o

possível não entendimento por parte dos alunos dessas notações.

Como trabalharemos nessa pesquisa com representações e notações de intervalos reais,

achamos pertinente incluir esse aspecto aos elaborados por Fischbein.

III. Revisão de Literatura

Para situar nossa pesquisa na área da Educação Matemática, pretendemos ler e apresentar

pesquisas na área, realizadas por Fischbein, Jehian & Cohen (1995), Igliori & Silva (2001),

Cobianchi (2001), Dias (2002, 2007), Moutinho (2013, 2014), dentre outros.

IV. Procedimentos Metodológicos

Neste trabalho de investigação, optamos por uma pesquisa com análise qualitativa dos dados.

Para responder nossas questões de pesquisa, pretendemos desenvolver os procedimentos

8 Grifo do autor. 9 Grifos da autora. 10 Grifo nosso. 11 Grifo da autora.

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metodológicos que descrevemos no que segue, junto a uma turma de até 40 alunos da

primeira série do Ensino Médio.

• Elaboração e aplicação de um questionário para determinar a Definição de Conceito

e a Imagem de Conceito da completude dos números reais desse grupo

• Elaboração e aplicação de um conjunto de atividades que enfocam a diferença entre

conjuntos discretos e contínuos.

• Análise dos protocolos, à luz das ideias de Fishbein.

• Elaboração e aplicação de um questionário para determinar a Definição de Conceito

e a Imagem de Conceito de intervalos reais desse grupo.

• Análise dos protocolos obtidos com o questionário, para determinar as dificuldades

que evidenciam no trabalho com intervalos reais.

• Elaboração e aplicação de uma atividade para o ensino de intervalos reais, em um

ambiente de Modelagem Matemática.

• Análise dos dados à luz do referencial teórico adotado.

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