Propriedade Intelectual
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Propriedade Intelectual no Direito Comparado
Bernardo Menicucci Grossi
Fevereiro de 2011
Objetivos
Compreender criticamente
a orientação legislativa em um aspecto comparado
Propriedade Intelectual
• Tema que já abordamos, mas com infinitas ramificações na era digital
• Analisar o “futuro” da PI é um exercício de adivinhação
• Vamos utilizar o passado para compreender o presente e, quiçá, melhorar nossa perspectiva futura
Contexto histórico da PI
Statute of Anne, 1790: Reino Unido
Reprodução mecânica de livros (TECNOLOGIA)
Controle de conteúdo
Licenças locais para vender e imprimir livros
Licenças de direitos exclusivos para imprimir livros, por um tempo limitado
Monopólio
Copyright como uma licença prévia
1731
Fim do prazo de proteção autoral
Pressão política para prorrogação
Mudança de paradigma?
Statute of Anne:
Da proteção ao mercado editorial para a manutenção do próprio mercado
Tradição incorporada no direito norte-americano
Direito Autoral como elemento econômico
Constituição dos EUA: 1787
“O Congresso deve ter o poder de promover o progresso das ciências e das artes úteis
assegurando aos autores e inventores, por um período limitado, o direito exclusivo aos seus
escritos e descobertas”.
“O Congresso deve ter o poder de promover o progresso das ciências e das artes úteis
assegurando aos autores e inventores, por um período limitado, o direito exclusivo aos seus
escritos e descobertas”.
1789
Perspectiva da Revolução Francesa
Liberdade, Igualdade e Fraternidade
Durante a Revolução Francesa
Abolição do Direito Autoral
Universalizar o acesso à cultura, eliminando o interesse particular das editoras
Efeitos no mercado francês:
01 ano: 20% das editoras haviam “falido”
03 anos: restabelecimento do direito autoral
Necessidade de estabelecer outra equação
Direito de Autor x Copyright
Recebemos influências de ambos
Voltando ao passado…
Nos Estados Unidos, 1790: Copyright Act
Direito de exclusividade: 14 anos
Renováveis! +14 anos
Direito exclusivo: explorar comercialmente as idéias
Ser recompensado pelo esforço e talento
Recompensa: estímulo para nova produção
• Ciclo virtuoso?
Diferença radical:
Exigência de interesse expresso do autor (vivo)
Regulamentava apenas o direito de cópia
Em omissão: ao domínio público
Na prática:
1831: 28 + 14 (=42)1909: 28 + 28 (=56)
1962: prorrogação para 1965Até que…
• 1965 -> 1967
• 1967 -> 1968
• 1968 -> 1969
• 1969 -> 1970
• 1970 -> 1971
• 1971 -> 1972
• 1972 -> 1974
• 1974 -> 1976
1976
“Moderna” Copyright Act
Segundo a Convenção de Berna (1886)
Proteção por toda a vida + 50 anos
Obras encomendadas por empresas?
75 anos após a publicaçãoou
100 anos após a criação(o que fosse menor)
1976 + 50 = 2026
Domínio público? Finalmente…
Mickey Mouse (2003?)Pluto (2005?)
Pateta (2007?)Pato Donald (2009?)
E o Vento Levou (2014?)Perna Longa (2015?)
Em 1998… nova prorrogação(Sony Bono Copyright Term Extension)
Vida do autor + 70 anos
75 para 95 anos em caso de empresas
+20 anos de sobrevida
Curiosos movimentos nos EUA
Orientações adotadas pelo Brasil
Lei 9.610/98Lei 9.609/08
> Convenção de Berna (vida do autor + 50 anos)
Lei 9.609/98
Direito patrimonial: ano da criação + 50 anos
Direito moral: inalienável, imprescritível e irrenunciável
Lei 9.610/98
Direito patrimonial: vida do autor + 70 anos
Direito moral: idem
A noção do direito autoral é vaga…
Analisemos o caso de softwares
A vigência dos direitos patrimoniais
Criação + 50 anos é razoável? Há função social neste contexto? Qual?
O cuidado com as palavras
Qual a relação disso com propriedade?
Direito de reprodução? Exclusividade?
= Propriedade Privada?= Propriedade Intelectual?
• O cuidado com as palavras
Qual a relação disso com propriedade?
Propriedade Intelectual ≅ commodity?
Aproximação de um conceito diverso do vínculo perene que une o autor indissoluvelmente à obra
(Bittar)
As palavras são cuidadosamente selecionadasInclusive a classificação de piratas
Piratas?
Atos criminosos de violência, estupro ou depredação de patrimônio por um grupo de pessoas em um navio ou aeronave (Convenção das Nações Unidas sobre Direito Marítimo – 1982)
É a tradição norte-americana
Se o direito autoral é visto como commodity, fica cada vez mais claro o exercício de direitos sobre
as obras por terceiros
Terceiros titulares de direitos patrimoniais (empresas, etc)
O termo “propriedade intelectual” tende a afastar o vínculo da pessoa natural (autor) com
sua obra
Evoca inconscientemente a idéia de “proteção”
Propriedade privada (não tem limitação temporal)
#1
Tendência histórica de aumentar a abrangência dos direitos autorais
Aumento do prazo de vigência, possibilitando ampla exploração econômica
#1
Ok, agora vamos a um segundo exemplo
Internet: sistema global de computadores em rede que usa o protocolo TCP/IP para conectar
usuários
Mudança na forma de distribuição de conteúdo
Qualquer um é autor (basta ter um computador e acesso à internet)
Qualquer um distribui mundialmente
Há uma enorme diferença na distribuição de conteúdo
Na forma como as informações são distribuídas
Até uma mudança cultural…
Para melhor entender, vamos analisar:
Infra-estrutura de comunicação por telefone (STFC)
“The Bell System”
1877: American Bell Telephone Company (… Alexandre Graham Bell…)
Proprietária das patentes relativas ao sistema de telefonia nos EUA
Mas as patentes duram por tempo limitado…
Após as patentes do sistema de telefonia terem expirado
Houve maior competição no mercado americano, com a seguinte predominância:
AT&T = mercado corporativoNovos players = mercado residencial
Entre 1900 e 1915, 45% das cidades com mais de 5mil habitantes tinham redes de telefonia
concorrentes e não inter-conectadas
Em 1920, 38,7% das fazendas e 30% das residências americanas tinham um telefone
As redes concorrentes não se comunicavam
A decisão em adquirir o serviço de telefonia dependia, parcialmente, “para quem” você iria ligar
Sistema de telefonia funcionava (na época) como os (atuais) instant messengers (Gtalk, MSN, iChat,
ICQ, etc)
Também como os atuais computadores (Microsoft/Intel x Apple/Mac x IBM/OS2)
Por decisão do governo, foi incentivada a criação de um monopólio no setor de telecom dos EUA
Em busca de
Um sistema de telefonia universal – no qual um telefone poderia se conectar a qualquer outro
A manutenção deste monopólio refletiu na produção de leis
Era ilegal fazer experiências com o sistema de telefonia
Permitia-se apenas experiências feitas pela AT&T ou autorizadas por ela
Exemplo:
1956: Hush-a-phone
Peça de plástico a ser acoplada no gancho do aparelho para eliminar ruídos do ambiente
Havia fundamento para isso?
Sim
Evitar que computadores conectados à rede pudessem danificá-la ou deixá-la sem
funcionamento
Havia consequências inesperadas?
Sim
Inovações no sistema de telecom viriam apenas dos laboratóris da AT&T
Qual é o ponto?
A internet é uma enorme rede diferente da estrutura de telefonia
End-to-end (e2e)
A rede não distingue conteúdo, apenas as aplicações dos usuários
A relação entre a arquitetura da rede e a inovação (comercial, cultural, etc) depende da
manutenção de seu design
E essa manutenção tem relação direta com a legislação da propriedade intelectual
A arquitetura da rede tem efeitos importantes para o processo de inovação:
(não vai demorar)
1) Como aplicações funcionam em computadores na extremidade da rede, inovações podem ser
implementadas e testadas por todos
2) A rede não discrimina conteúdo ou privilegia certas inovações ou usuários
3) A rede continua neutra independentemente do aplicativo
Exemplos:
WWWHTML (hyperlink)
FTPHTTP
#2
A arquitetura da rede importa
É influente e decisiva no processo de inovação
Vamos a um terceiro contexto
A indústria do entretenimento é originada na pirataria…
A indústria cinematográfica de Hollywood
Instalou-se na Califórnia (Costa Leste) para fugir do controle de patentes exercido por Thomas
Edison
Produtores independentes resistiram às práticas comerciais da Motion Picture Patents Company
Mudança para um local inóspito
Longe da eficácia do Poder Judiciário
Na época as patentes eram protegidas por 17 anos
A indústria se estabeleceu e se desenvolveu violando patentes das câmeras pertencentes a
Thomas Edison
Até que o prazo das patentes expirasse…
A indústria do rádio…
A Lei norte-americana não reconhecia o direito à remuneração do intérprete
Apenas o compositor era remunerado pela exibição pública de músicas em rádios
O intérprete, não… a despeito de sua ação criativa
A indústria da TV a Cabo…
Teleprompter Corp. vs. Columbia Broadcasting System Inc. (1974)
U.S. Supreme Court
Titulares do direito autoral dos programas de TV não deveriam ser recompensados novamente
pela transmissão na TV a Cabo.
Já haviam sido remunerados satisfatoriamente pela exibição primitiva
Só a Lei é que modificou a situação após 30 anos
Recapitulando…
#1
Tendência de consolidação e aumento gradativo da proteção autoral
Recapitulando…
#2
Historicamente, a tecnologia revolucionou os meios de comunicação
Inovações nasceram em ambientes piratas
Recapitulando…
#3
A internet é uma rede aberta a inovaçõesDifícil controle judiciário e contratual
Iniciativas isoladas e sem efeito prático
Na internet, cada utilização da obra é uma cópia
Falta de permissão = ilegalidade…
Segundo nossa tradição autoralista
Por discordar
Da eficácia das medidas judiciais na internet
Ou do modelo adotado por nossas leis
Cresce o debate sobre o assunto
Inclusive no Brasil
Recente Consulta Pública sobre a revisão da Lei de Direitos Autorais (Ministério da Cultura)
Uma série de modificações propostas…
Identificamos três tendências:
1) Tornar mais rigorosa a proteção autoral2) Criminalizar novas condutas
x3) Equilibrar a proteção autoral com os novos
modelos de distribuição de conteúdo
Vamos analisar alguns exemplos
1) Adequação de antigos institutos jurídicos à internet
Mas como?
#1Contratos
Transações online regulamentadas por contratos cada vez mais complexos
Ex: proibição de engenharia reversa em contratos de licenciamento de software
#1Contratos
Utilização de contratos click-wrap
Já falamos deste assunto, correto?
Ex: AA.com user agreement
#2
Aproximação da tutela possessória (Trespass to Chattles)
≅ Turbação da posse
#2
Essa vamos explicar com maiores detalhes
eBay vs. Bidder’s Edge
Bidder’s Edge: website que relacionava as ofertas de leilão em curso pela internet
Webcrawling para manter uma base de dados atualizada
Não agradou ao eBay…
“If the electronic impulses can do damage to the computer or to its function in a comparable way to
taking a hammer to a piece of machinery, then it is no stretch to recognize that damage as trespass to
chattles” (…)
Resultado:
Impedir a utilização de bots para a extração de informações do eBay pelo BE.
#3Concorrência desleal
Shetland news vs. Shetland times (Escócia)
Deeplinking como concorrência parasitária ou desvio de clientela
Vamos analisar alguns exemplos
2) Iniciativas legislativas
2.1) Proteção de bases de dados
Lei 9.610/98, artigo 87:
“O titular do direito patrimonial sobre uma base de dados terá o direito exclusivo (…) de autorizar
ou proibir”
“tradução, adaptação, reprodução total ou parcial, distribuição, etc”
Base de dados = Lei 9.610/98
Está sujeita a fixação e originalidade (ação minimamente criativa)
Ação minimamente criativa ≠ mera compilação
Se está sujeita aos requisitos autoralistas
Muitas compilações não são protegidas
Ex: Listagem alfabética da lista telefônica
≠ proteção autoral
A criação de bases de dados onlines é temerária
Sua utilização não constitui violação de direitos autorais
Diretiva da União Européia: proibição da extração e re-utilização de parte substancial de
bases de dados
Vamos analisar alguns exemplos
2) Iniciativas legislativas
2.2) Ilegalidade da engenharia reversa
Engenharia reversa?!
“É o processo de análise de um aparelho, componente elétrico ou software e dos detalhes
de seu funcionamento geralmente com a intenção de construir um novo aparelho ou
programa que faça a mesma coisa, sem realmente copiar alguma coisa do original”
(obrigado, Wikipedia).
Um DVD pode ser seguro (prevenir cópia) se utilizado no aparelho adequado.
Mas não ter segurança alguma em um computador pessoal…
A segurança depende da plafatorma, do sistema, do hardware, etc
Muitas são as iniciativas legislativas
DMCA
Digital Millenium Copyright Act (EUA)
DMCA
“VIOLATIONS REGARDING CIRCUMVENTION OF TECHNOLOGICAL MEASURES.—(1)(A) No person
shall circumvent a technological measure that effectively controls access to a work protected
under this title”
Críticas
Fundadas no efeito que a proibição causa
Na liberdade de expressão/informação, ação jornalística, ensino, pesquisa e no mercado
Caso mais conhecido
Dmitry Sklyarov
Preso nos EUA ao chegar para uma palestra por violar sistema de segurança do Adobe eBook
Reader(Hoje já está solto)
No Brasil não estamos muito longe
Art. 107 da Lei 9.610/98
Vejamos…
Art. 107. Independentemente da perda dos equipamentos utilizados, responderá por perdas e danos nunca inferiores ao valor que resultaria
da aplicação do disposto no art. 103 e seu parágrafo único, quem:
(Art. 103, par. único: 3.000 x valor da obra)
(Art. 107)
I – alterar, suprimir, modificar ou inutilizar, de qualquer maneira, dispositivos técnicos introduzidos nos exemplares das obras e
produções protegidas para evitar ou restringir sua cópia
(Art. 107)
II – alterar, suprimir ou inutilizar, de qualquer maneira, os sinais codificados destinados a
restringir a comunicação ao público de obras, produções ou emissões protegidas ou a evitar a
sua cópia
(Art. 107)
III – suprimir ou alterar, sem autorização, qualquer informação sobre a gestão de direitos
(Art. 107)
IV – distribuir, importar para distribuição, emitir, comunicar ou puser à disposição do público, sem autorização, obras, interpretações ou execuções,
exemplares de interpretações fixadas em fonogramas e emissões, sabendo que a informação sobre a
gestão de direitos, sinais codificados e dispositivos técnicos foram suprimidos ou alterados em
autorização
Qual é o significado do artigo 107 da Lei 9.610/98?
Fortalecimento da tutela privada (através de contratos)
Possibilidade do particular regulamentar hipóteses excepcionais de acordo com sua
conveniência
E na internet, todo uso é uma cópia!
Tais iniciativas levaram ao surgimento de um (vários) movimento contrário
Creative Commons
Há um conflito natural entre o Direito e a Tecnologia
Precisamos encontrar o equilíbrio
Assim como no passado
Lei tende a classificar como crime ou ilegal
Utilização de tecnologia e inovação
Nossa realidade é completamente diferente
Da realidade pós-internet
Existem usos “não regulados” pela Lei
Mas na Internet, toda utilização é uma cópia
Vejamos esta mudança de paradigma
Vamos trabalhar com o exemplo de um livro
Exceções ao direito autoral (fair use)
Artigo 46 da Lei 9.610/98
(…)
“Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais”
(Art. 46)
III – a citação em livros, jornais, revistas ou qualquer outro meio de comunicação, de passagens de qualquer obra, para fins de estudo, crítica ou polêmica, na medida
justificada para o fim de atingir, indicando-se o nome do autor e a origem dos dados
Voltando ao exemplo do livro
Ler um livro não é uma “exceção”, mas uma utilização livre
Presentear alguém com um livro, idemVender um livro usado, ibidem
A Lei nunca foi capaz de regular este tipo de utilização (e nem deveria)
Voltando ao contexto da internet
A plataforma pela qual a informação é recebida
MUDOU
Porém, a regra geral é que qualquer utilização da obra intelectual exige uma autorização prévia
Aquela utilização livre das obras intelectuais deixa de existir no meio eletrônico
E a tendência é aumentar, cada vez mais, os direitos autorais sobre tais obras
Porém, a utilização livre sempre coexistiu com a exploração econômica
A situação torna-se ainda mais complicada
Quando consideramos novas formas de criação, criação colaborativa, remix…
Todas estas circunstâncias
Evocam
(no mínimo)
Identificar o prazo razoável de duração dos direitos patrimoniais
Outra questão naturalmente questionada
A diferença na produção cultural contemporânea
Entre profissionais x amadores
Embora ainda não seja claro o ponto de equilíbrio
Não há dúvida que é um campo a ser explorado
Explorado através de licenciamento alternativo (Creative Commons)
Recapitulando…
#1Contexto histórico
Fundamento – Criação – Equilíbrio – Incentivo – Autores – Domínio Público – Econômico – Prazo
Limitado – Direito Exclusivo
Recapitulando…
#1Contexto histórico
Debate – Revolução Francesa – Busca por Equilíbrio – Retorno – Visão Ortodoxa
Recapitulando…
#2Contexto histórico
Telecom – Controle – Inovação – Lei – Efeitos Inesperados - Design da rede - Importância
Recapitulando…
#2Contexto histórico
Indústria cinematográfica – TV a Cabo – Pirataria – Evolução Histórica – Patentes – Limitação
Temporal
Recapitulando…
#3Contexto jurídico
Iniciativas – Tendências – Leading Cases
Recapitulando…
#4Contexto atual
Diferenças – Internet vs. antiga realidade – Equilíbrio – Revisão – Licenciamento – Novas
Propostas
Embora não tenhamos uma proposta claramente definida
Não há dúvida da necessidade de mudança
E de inserção de novos pensamentos a respeito
E por esta mudança
Espero que todos tenhamos pensado um pouco mais no assunto
E questionado a adequação das leis de propriedade intelectual a uma realidade
baseada na internet
Bernardo Menicucci [email protected]
OBRIGADO