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PROPOSTA METODOLÓGICA PARA AVALIAÇÃO DO GRAU DE SUCESSO DOS
MUNICÍPIOS BRASILEIROS RECÉM-EMANCIPADOS COMO SUBSÍDIO AOS
OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL PROPOSTOS PELA ONU
Marcos Antônio Nunes1
Ricardo Alexandrino Garcia2
Resumo
A Constituição Federal de 1988, ao conceder mais autonomia às unidades federativas sobre a temática
das emancipações, contribuiu para que ressurgisse no país um novo surto emancipacionista. Em
consequência, no decorrer da década de 1990 foram criados mais de mil municípios, a maioria sem
condições financeiras para se sustentar. A questão central é: pode-se mensurar o grau de sucesso
auferido pelas emancipações utilizando indicadores socioeconômicos que permita inferir sobre a
sustentabilidade desses novos municípios? Nesta pesquisa foram utilizados o Índice de
Desenvolvimento Humano Municipal e o Coeficiente de Gini, e assim subsidiar a proposta da ONU
para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. A proposta da ONU constitui importante
instrumento metodológico de avaliação de fontes de dados que permite monitorar aqueles objetivos.
Desta forma, os resultados da pesquisa permitiram congregar os municípios em classes distintas que,
por sua vez, possibilitaram avaliar a dinâmica dos municípios recém-criados frente às demais
categorias municipais.
Palavras-chave: Emancipações. Municípios brasileiros. IDH. Coeficiente de Gini, Sustentabilidade.
Tópico: Indicadores para avaliar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS): seu efeito
sobre as instituições estatísticas nacionais, factibilidade da medição e análise da informação.
1 Pesquisador do Instituto de Geoinformação e Tecnologia (IGTEC/SECTES); doutorando do Programa de Pós-graduação
em Geografia do Instituto de Geociências (IGC/UFMG). Este autor agradece à FAPEMIG pelo apoio financeiro para
participar de mais um congresso. 2 Professor adjunto do Departamento de Geografia do Instituto de Geociências (UFMG); coordenador do Programa de Pós-
graduação em Geografia do Instituto de Geociências (UFMG); doutor em demografia pelo CEDEPLAR/UFMG.
1- INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 transferiu aos municípios brasileiros a mais ampla autonomia
política de sua história ao lhes conceder o status de ente federativo, além de assegurá-los a transferência
de outros impostos e reconhecer o poder de auto-organização e a reafirmação de um governo próprio,
mediante o voto popular. Não apenas esta unidade nuclear da hierarquia político-administrativa
brasileira que obteve privilégios, mas também as unidades federativas do país às quais a Carta Magna
deliberou, entre outros, o poder de legislar sobre o tema das emancipações distritais.
Raras exceções, as assembleias estaduais de todo o país flexibilizaram o processo
emancipatório, à medida que elaboraram regras facilitadoras para a criação de municípios em seus
respectivos estados. Estados que já apresentavam uma geografia bem fragmentada territorialmente,
como é o caso de Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo, ostentaram um grande número
de emancipações no período pós-1988. Isso demonstra que muitas dessas emancipações foram de
caráter estritamente político-eleitoral; forjadas, portanto, pelas elites políticas que emergiram das
localidades pleiteantes.
Assim teve início a corrida rumo às emancipações de inúmeros distritos em diversas regiões do
Brasil, o que sucedeu no grande surto emancipacionista dos anos 1990. O resultado foi a criação de
mais de mil municípios. Entre o período censitário de 1991 e 2000, o número de municípios no Brasil
saltou de 4.491 para 5.507, conforme mostra a Tabela 1.
TABELA 1- Evolução do número de municípios no Brasil (1940-2013)
Ano Número de
municípios
Taxa de crescimento
entre períodos (%)
1940 1.574 -
1950 1.889 20,0
1960 2.766 46,4
1970 3.952 42,9
1980 3.991 1,0
1991 4.491 12,5
2000 5.507 22,6
2010 5.565 1,1
2013* 5.570 0,1
Fonte: Adaptado de Bremaeker (1991); dados de 2000 e 2010 são do
IBGE.
Nota: Em 2013, mediante processos judiciais pendentes, foram
instalados mais cinco municípios no Brasil.
Observa-se que este ritmo não se manteve robusto nos períodos subsequentes, porque o governo
federal colocou um freio às emancipações, através da aprovação da Emenda Constitucional nº 15 de
1996, que aniquilou qualquer possibilidade de novos surtos emancipacionistas no Brasil3.
A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios, far-se-ão por lei
estadual, dentro do período determinado por lei complementar federal, e dependerão de
consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após
divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei
(BRASIL, 1996).
A partir de então, a criação de municípios ficou restrita às decisões do Judiciário que ainda julgava
causas pendentes sobre o tema. Até dezembro de 2012 o país contava com 5.565 municípios4, contudo,
após recorrências judiciais remanescentes, o Brasil passou a contar com mais cinco novos municípios a
partir de 1º de janeiro de 2013. Pescaria Brava, Balneário Rincão, ambos em Santa Catarina, Mojuí dos
Campos (PA), Pinto Bandeira (RS) e Paraíso das Águas (MS) tornaram-se municípios, não obstante a
consulta às respectivas populações envolvidas ter ocorrido há duas décadas.
Siqueira (2003) apresenta dois aspectos político-institucionais que estimularam o processo de
criação de municípios: 1) o novo status conquistado pelos municípios, acompanhado de uma
transferência significativa de recursos; 2) a elaboração de uma legislação, em nível estadual, que criou
regras facilitadoras para as emancipações distritais. Esta combinação foi perfeita para que ocorresse o
surto emancipacionista dos anos 1990 em todo o país, processo que estaria em curso caso não fosse
contido pelo governo federal em mais de uma ocasião, o que gerou insatisfação política no Legislativo
federal. Enquanto isso, se acumulam os pedidos de emancipações nas assembleias estaduais (NUNES;
GARCIA; OLIVEIRA, 2015).
Por isso que os municípios que surgiram após a Constituição Federal de 1988 detêm uma
peculiaridade que os distingue daqueles instalados em décadas anteriores. Esta característica foi
fundamental para que eles apresentassem relativo sucesso em seus indicadores socioeconômicos. A
questão é que esses municípios foram criados sem dívidas, ou seja, quando instalados não herdaram
nenhum ônus dos municípios que lhes deram origem; portanto, sem a obrigação legal de ressarci-los
pelos gastos que, porventura, foram realizados em obras de infraestrutura urbana, serviços, entre
outros, enquanto eram distritos. Assim, eles estavam aptos a se endividarem mediante a garantia das
receitas provenientes dos governos federal e estadual, notadamente do primeiro, já que parcela
expressiva delas é oriunda do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).
3 Desde quando tramitava no Congresso Nacional o projeto da Emenda nº 15, as autoridades do Executivo federal já
conheciam os motivos das emancipações. As principais razões para a criação de municípios eram: o descaso da
administração do município de origem (54,2% dos casos); a existência de uma forte atividade econômica local (23,6%);
a grande extensão territorial do município de origem (20,8%); e o grande aumento da população local, apontado por
1,4% dos municípios emancipados (BREMAEKER, 1996). 4 Nesta pesquisa utilizou-se o número total de 5.565 municípios, idêntico ao do ano censitário de 2010.
Com receita em caixa, os gestores dos novos municípios se habilitaram na realização de obras
de infraestrutura e na oferta e melhoria dos serviços públicos municipais, que foram as pré-condições
de mobilização das lideranças políticas locais para as emancipações. Exemplo de melhoria foi a área
social, notadamente os setores da saúde e da educação, sobretudo para os municípios localizados em
regiões mais pobres e distantes das sedes dos municípios de origem.
Desse modo é plausível admitir que os novos municípios adquiriram, inicialmente, relativa
dinamicidade econômica ao atrair investimentos e também contingentes humanos, na proporção de seu
tamanho demográfico, uma vez que a maior parte das novas municipalidades é constituída de
população inferior a 10 mil habitantes (NUNES; GARCIA, 2014).
Destarte, os municípios recém-criados podem servir de parâmetro para uma análise da validade
dessas emancipações, e que, simultaneamente, possibilite testar alguns indicadores de
sustentabilidade? Esta pesquisa, então, visa mensurar o grau de sustentabilidade dos municípios
brasileiros recém-emancipados, e analisar se houve melhoria nas condições de vida dessa população
em relação às demais categorias municipais, a partir de dois indicadores: o Índice de Desenvolvimento
Humano Municipal (IDH-M) e o Coeficiente de Gini, dos anos de 2000 e 2010. Embora o período de
análise seja de apenas uma década, em função da indisponibilidade de dados para os anos mais
recentes, a hipótese aqui enunciada é de que os municípios recém-criados lograram êxito neste
processo, especialmente no desenvolvimento humano e social.
Assim, os resultados permitiram congregar os municípios em quatro classes, segundo o grau
de desenvolvimento humano e equidade distributiva, que, por sua vez, possibilitaram avaliar a
dinâmica desses municípios em relação às demais categorias.
Por fim, a pesquisa também objetiva subsidiar a proposta da Organização das Nações Unidas
(ONU) que definiu os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) – daí o apelo ao conceito
“sustentabilidade”. Antes, no entanto, de elucidar sobre as etapas percorridas nesta pesquisa e avaliar
os seus resultados, a próxima seção discorre sobre importantes aspectos históricos e conceituais
relacionados ao tema desenvolvimento sustentável.
2- FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1- A emergência da questão ambiental: o Clube de Roma e a Conferência de Estocolmo
No pós-guerra verificou-se uma forte expansão econômica e industrial que tornou férteis as
discussões de caráter político, econômico e também ambiental. Neste período floresceram nos países
centrais importantes movimentos ambientalistas que passaram a questionar a qualidade de vida da
população, especialmente a dos grandes centros urbanos devido à acelerada urbanização. Surgiram
também organizações e programas direcionados a assuntos sobre segurança internacional,
desenvolvimento econômico, progresso social e direitos humanos.
De imediato, foram criados a Organização das Nações Unidas (ONU), em 1945, e do Programa
de Recuperação Europeia ou Plano Marshall, em 1947, pelos Estados Unidos. Como se sabe, a ajuda
financeira norte-americana visava mais que a recuperação dos países europeus aliados, mas, sobretudo,
ampliar a sua área de influência na Europa devastada pela guerra e restringir o avanço do socialismo
soviético no continente. Na ocasião, foi injetado na economia europeia mais de US$ 10 bilhões, o que
contribuiu para o crescimento da produção industrial naquele continente.
O capitalismo industrial, notadamente através da expansão das multinacionais que contava
ainda com o desenvolvimento do setor de transportes e comunicações, se expandiria para os países da
periferia, principalmente os da Ásia e América Latina. Destarte, nos anos 1960, alguns países do
Terceiro Mundo iniciaram um processo de industrialização denominado “fordismo periférico”, que foi
financiado por transferências de créditos e de tecnologia provenientes do “fordismo central” (LIPIETZ,
1989). A legislação ambiental nos Novos Países Industrializados (NPIs) era inexistente ou muito
permissiva, o que agravou principalmente a poluição atmosférica nessas cidades. Não é por acaso que
as cidades mais poluídas do planeta hoje estão localizadas nos países em desenvolvimento.
A sociedade industrial estava, pois, diante de um grande desafio: o debate sobre “o limite entre
crescimento econômico e exploração dos recursos naturais”. Em 1966, um grupo de empresários
europeus fundou o chamado Clube de Roma, através do qual debateram um conjunto de assuntos
relacionados à economia mundial, política, meio ambiente, entre outros. O Clube de Roma ganhou
notoriedade no ano de 1972, quando a ONU patrocinou a Primeira Conferência Mundial sobre o
Homem e o Meio Ambiente, ou simplesmente Conferência de Estocolmo5.
O maior objetivo da Conferência de Estocolmo era conter a poluição nas suas várias formas
(RIBEIRO, 1991). Porém, duas teses foram discutidas durante a reunião. À medida que os debates se
acirravam, observou-se a formação de dois grupos antagônicos. De um lado, os países industrializados
propondo a linha do “desenvolvimento zero”, e de outro, os países em desenvolvimento que
propunham o “crescimento a qualquer custo”. Tais impasses inviabilizariam o acordo entre as partes.
Em um mundo polarizado entre os blocos capitalista e socialista, ou pelo conflito Leste/Oeste, o que
se verificou na Conferência foi a divisão do tipo Norte/Sul6.
Para essa Conferência, o Clube de Roma patrocinou o relatório Os Limites do Crescimento,
publicado pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), que tratou de temas relacionados ao
desenvolvimento econômico da humanidade: tecnologia, geração e consumo de energia, saneamento
básico, poluição, saúde, crescimento populacional, etc. A publicação também ficou conhecida como
5 Antes da Conferência de Estocolmo foram realizadas reuniões preparatórias na cidade de Founex, na Suíça. O Relatório
Founex estabeleceu um caminho intermediário entre o pessimismo a respeito do esgotamento dos recursos e o otimismo
dos cornucopianos a respeito dos “remédios da tecnologia” (SACHS, 1993). 6 Termo cunhado em 1955, durante a Conferência de Bandung, na Indonésia, que designava um mundo dividido entre
países ricos industrializados e países pobres exportadores de produtos primários.
Relatório Meadows7, pois deriva de pesquisa conduzida pela cientista Donella Meadows que simulou,
através de um modelo matemático, as interações entre população, crescimento industrial, produção de
alimentos e os limites dos ecossistemas terrestres em suprir a crescente demanda mundial – assim
estava formulado o primeiro modelo econométrico para o ambientalismo emergente.
Embora o documento servisse de alerta à comunidade internacional, ele não apresentava uma
saída conciliadora entre o crescimento econômico e a exploração dos recursos naturais. Antes mesmo
de se definir o conceito de desenvolvimento sustentável, concebido na década de 1980, já havia uma
noção de seus fundamentos estabelecida durante a Conferência de Estocolmo a partir do conceito de
ecodesenvolvimento. Assim, através de um conceito novo (desenvolvimento sustentável) procurava-se
tratar as questões ambientais a partir de novas abordagens.
2.2- Gênese e consolidação do conceito
O debate que permeia o conceito desenvolvimento sustentável emergiu quando as questões
ambientais passaram a fazer parte da agenda do meio técnico e científico, a partir da segunda metade
do s. XX, graças ao agravamento dos diversos tipos de poluição e dos acidentes ambientais em
consequência da expansão urbano-industrial e também do comércio mundial.
O termo desenvolvimento sustentável tem sido utilizado pelos mais diversos segmentos da
sociedade civil internacional. Ao observar políticos, empresários, ambientalistas e trabalhadores
empregando o termo se questiona o quanto um conceito pode servir a grupos tão antagônicos, ou a
quem serve o discurso em torno do conceito (EVASO et. al., 1992/93).
Bellen (2006) apresenta algumas abordagens conceituais de alguns autores: Goldsmith e
coautores (1972) afirmam que uma sociedade é considerada sustentável quando todos os seus
propósitos e intenções podem ser atendidos indefinidamente, fornecendo satisfação ótima para seus
membros. De acordo com Pronk e ul Haq (1992), o desenvolvimento é sustentável quando o
crescimento econômico traz justiça e oportunidades para todos os seres humanos, sem privilégio de
algumas espécies, sem destruir os recursos naturais finitos e sem ultrapassar a capacidade de carga do
sistema. Costanza (1991), por seu turno, considera que o conceito deve ser inserido na relação dinâmica
entre o sistema econômico humano e um sistema maior, o ecológico. Para ser sustentável essa relação
deve assegurar que a vida humana continue indefinitivamente, com crescimento e desenvolvimento da
sua cultura, cujas atividades não destruam a diversidade, a complexidade e as funções do sistema
ecológico de suporte à vida (apud BELLEN, 2006, p. 23-24).
7 A solução defendida no Relatório Meadows não implicava, evidentemente, em distribuir a riqueza já produzida, mas
congelar o crescimento para que as nações periféricas não atingissem o mesmo grau de desenvolvimento dos países ricos,
e, por conseguinte, aumentassem a pressão sobre os recursos naturais (OLIVEIRA, 2012). Apesar de sua orientação
neomalthusiana, ao propor limites ao crescimento, o relatório reacendeu as discussões sobre o crescimento demográfico
mundial e serviu de alerta para a comunidade internacional. O documento assinalava, inclusive, o tempo necessário para
o esgotamento dos recursos naturais, caso mantidas as tendências de crescimento até então prevalecentes (PORTO-
GONÇALVES, 2012).
Foi a partir da década de 1970 que se teve conscientização progressiva dos limites e da
vulnerabilidade da base dos recursos naturais. Em 1973, Maurice Strong introduziu o conceito de
ecodesenvolvimento, inicialmente utilizado para caracterizar uma concepção alternativa de
desenvolvimento em áreas rurais dos países subdesenvolvidos, sensível à problemática ambiental. Em
1974, Ignacy Sachs reelabora o conceito, estendendo-o às áreas urbanas (EVASO et. al, 1992/93).
Ignacy Sachs aborda a questão da educação, da participação, da preservação dos recursos
naturais, juntamente com a satisfação das necessidades básicas. Foi um avanço na percepção do
problema ambiental global na medida em que se começa a verificar a interdependência entre
desenvolvimento (modelo dominante) e meio ambiente (BELLEN, 2006).
Outra contribuição importante foi a Declaração de Cocoyok (México) em 1974. A Declaração
lança algumas hipóteses sobre a relação entre “desenvolvimento” e “meio ambiente”, entre elas a de
que a explosão populacional é decorrente da absoluta falta de recursos em alguns países; e que a
destruição ambiental é decorrente da pobreza, e por isso os países desenvolvidos têm uma parcela de
culpa nos problemas globais, dado ao elevado nível de consumo. Junta-se àquela Declaração o
Relatório Que Faire, de 1975, que atualizaram os princípios dessa abordagem ecodesenvolvimentista
(BELLEN, 2006). Essa discussão ganhou contornos mais nítidos na década seguinte.
Em 1975, o relatório da Fundação Dag-Hammarskjöld aprofundou as conclusões da
Declaração de Cocoyok. O relatório contou com a colaboração de 48 países e outras 13 organizações
da ONU, e se concentrou na questão do poder e sua relação com a degradação ambiental. O texto apela
à mudança das estruturas dos sistemas vigentes (BELLEN, 2006).
No início da década de 1980, a ONU retomou os debates sobre as questões ambientais
discutidas na Conferência de Estocolmo, e em 1983 indicou a então primeira-ministra da Noruega,
Gro Harlem Brundtland, para chefiar a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento
(CMMAD). Brundtland deveria aprofundar as propostas mundiais na área ambiental e apresentar um
relatório final. Essas contribuições influenciariam os trabalhos da CMMAD na década seguinte, o que
consolidaria o conceito de Desenvolvimento Sustentável na comunidade internacional.
O relatório foi apresentado em 1987 e foi denominado Nosso Futuro Comum, ou Relatório
Brundtland. Ele traz uma das definições mais conhecidas que afirma que o desenvolvimento
sustentável é “uma abordagem que visa a satisfazer as necessidades e aspirações das gerações atuais e
futuras, sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras satisfazerem suas necessidades” (SIMON;
DEFRIES, 1992, p. 137). Em síntese, “aquele que atende às necessidades do presente sem
comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades”
(CMMAD, 1987, p. 46, apud EVASO et. al., 1992/93, p. 95).
O Relatório Brundtland já apontava que as possibilidades de materialização de um estilo de
desenvolvimento sustentável se encontram diretamente relacionadas com a superação da pobreza, com
a satisfação das necessidades básicas de alimentação, saúde e habitação. Além disso, uma matriz
energética que privilegie as fontes renováveis de energia, em que o processo de inovação tecnológica
gere benefícios a serem compartilhados por países ricos e pobres (GUIMARÃES, 1997).
Desenvolvimento Sustentável se tornou um conceito que teve grande impacto, pois combinava
duas abordagens presentes no pensamento ocidental acerca da ordem social: a ideia de que o
crescimento material é a base do desenvolvimento social, e a ideia de que existe um procedimento
normativo aceitável na relação homem-meio ambiente físico. Na escala global, os programas para o
desenvolvimento socioeconômico e para o meio ambiente estão incorporados pela ONU (WÜSTEN,
2006).
Por fim, o desafio ainda reside em algumas questões pertinentes: como alcançar um processo
contínuo e global de desenvolvimento sustentável que não esgote os recursos naturais e ao mesmo
tempo satisfaça às atuais demandas do processo produtivo? Como desenvolver práticas sociais
orientadas para uma maior sustentabilidade do desenvolvimento, se por trás está um regime de
acumulação baseado na centralização do poder econômico e no crescimento da participação do capital
privado através de organizações empresariais globais?
Nas condições que estabelece este novo regime de acumulação que se terá de avançar para um
desenvolvimento sustentável, o qual, sem dúvida, envolve dificuldades e desafios de grande
envergadura. Os caminhos alternativos até agora esboçados estão delineados no mundo da utopia e,
como tal, têm um limitado porvir em termos de prática concreta (MATTOS, 1997).
2.3- Dimensões da sustentabilidade e os objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU
Dado à complexidade não apenas conceitual do termo desenvolvimento sustentável, que
ultrapassa a dicotomia crescimento/desenvolvimento econômico, verifica-se que o conceito adquiriu
fundamentalmente uma perspectiva multidimensional e também interdisciplinar, à medida que abrange
as áreas social, econômica, ambiental, cultural, político-institucional, etc., além de englobar várias
escalas espaciais.
Ignacy Sachs (1993) propôs cinco dimensões da sustentabilidade: social, econômica, ecológica,
espacial e cultural. Embora o autor considere a natureza política e institucional dos obstáculos à
preservação “da base de recursos”, ele não inclui a “sustentabilidade político-institucional” entre
aquelas dimensões. A dimensão “político-institucional” pode ser considerada a partir de indicadores
que avaliam a gestão pública, neste particular, a administração municipal.
O esforço metodológico de Sachs, em fundamentar as dimensões da sustentabilidade, parece
pairar o mundo da utopia, ao parafrasear Mattos (1997). Não obstante, são as utopias que movem as
pessoas, o mundo e as organizações. Neste caso, é imprescindível que uma organização supranacional
tome a iniciativa para definir metas para se alcançar os objetivos de desenvolvimento sustentável.
A ONU tomou esta importante decisão, quando em 2000 convidou a sociedade civil e aos
estados-membros a se dedicarem com atenção aos grandes desafios que o planeta enfrentava, através
dos “objetivos de desenvolvimento do milênio e as metas a serem atingidas até o ano de 2015”. Agora,
através da Agenda pós-2015. Globalmente, muitas dessas metas foram alcançadas até 2015 pelos
estados-membros, e outras não. No caso brasileiro, algumas delas, notadamente as da área social,
foram atingidas antes mesmo de 2015 (IPEA, SPI/MP, 2007).
O Secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, convidou novamente a sociedade a se
mobilizar em prol dos novos desafios a serem acompanhados nos próximos 15 anos, que incluem os
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Constituem-se oito os objetivos do milênio; são
eles: 1) Erradicar a extrema pobreza e a fome; 2) universalizar a educação primária; 3) promover a
igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres; 4) reduzir a mortalidade na infância; 5) melhorar
a saúde materna; 6) combater o HIV/aids, a malária e outras doenças; 7) garantir a sustentabilidade
ambiental; 8) estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento (IPEA, SPI/MP, 2007). Esses
objetivos são constituídos de metas, cada uma com indicadores propostos pela ONU e, no caso
brasileiro, pelo Instituto de Pesquisas Aplicadas (IPEA).
A perspectiva de analisar o desenvolvimento sustentável de municípios a partir de dois
indicadores (IDH e Coeficiente de Gini), conforme descrito na próxima seção, servirá para validar a
sua utilização para o estudo do desenvolvimento humano e distribuição de renda para os 5.565
municípios brasileiros, em particular, para os recém-criados.
3- METODOLOGIA
O primeiro aspecto a ser considerado é de natureza terminológica, pois há dois agrupamentos
distintos de municípios. O primeiro agrupamento é de caráter “fixo”, determinado pela Constituição
Federal de 1988, conforme o “status” do município em relação ao processo emancipatório, e foi
denominado “categoria municipal”. Assim, inicialmente, foi preciso congregá-los em três categorias:
municípios recém-emancipados ou “filhos”, municípios remanescentes ou “mães”, e municípios que
não sofreram fracionamento territorial ou “neutros”. Há casos em que o “município-mãe” gerou mais
de um “município-filho” – o que explica o número da primeira categoria ser inferior ao da segunda.
A Figura 1 apresenta as 5.565 sedes dos municípios brasileiros representados por pontos,
conforme a sua categoria. Os pontos destacados em tom mais escuro representam os municípios
criados após a Constituição de 1988.
O segundo agrupamento de municípios foi denominado de “classes” ou “tipos municipais”.
Essas classes são o produto da análise dos níveis de sustentabilidade dos municípios brasileiros,
alcançado no período entre 2000 e 2010. Assim, para analisar e comparar o grau de sustentabilidade
dos municípios, segundo as suas categorias, foram adotados dois indicadores que mensuram,
respectivamente, o desenvolvimento humano e a desigualdade socioeconômica: o Índice de
Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M), por ser um indicador sintético que congrega as
dimensões “educação”, “longevidade” e “renda”; e o Coeficiente de Gini, para mensurar o grau de
desigualdade na distribuição da renda entre a população municipal.
FIGURA 1- Distribuição espacial das sedes dos municípios brasileiros, segundo a categoria municipal: “neutros”, “mães” e “filhos” (2010).
Fonte: IBGE.
O IDH é uma medida sintética que possibilita classificar e comparar, a longo prazo, o progresso
alcançado pelo conjunto populacional dos países, estados, municípios, etc. Foi formulado por Mahbub
ul Haq com a colaboração do economista indiano Amartya Sen. A formulação deste indicador teve
como principal objetivo oferecer uma alternativa a outro, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita8,
enquanto medida sumária que considera apenas a dimensão econômica do desenvolvimento. O
enfoque nas liberdades humanas contrasta com visões mais restritas de desenvolvimento, como as que
identificam desenvolvimento com crescimento das rendas pessoais, industrialização, etc. (SEN, 2010).
8 O PIB per capita tem a vantagem de ponderar sobre as variações do tamanho populacional e representar a renda média da
população. Aí reside uma limitação do indicador, justamente por não revelar o nível de desigualdade de renda de uma
sociedade, ou seja, ele oculta a divergência de renda entre pobres e ricos, o que reflete no desvio padrão. Ainda assim, ele
é considerado importante indicador de qualidade de vida, uma vez que o seu crescimento reflete diretamente na geração
de riqueza.
Embora seja um indicador sintético, O IDH não abrange nem esgota todos os aspectos do
desenvolvimento. Contudo, pelo fato de congregar três dimensões e haver disponibilidade desses dados
para todos os municípios brasileiros, ele foi selecionado para compor esta análise.
Por seu turno, o Coeficiente de Gini é uma medida geralmente utilizada para mensurar o grau
de desigualdade social. Os resultados da medida situam-se no intervalo entre 0 e 1; em que 0
corresponde à completa igualdade, e 1 à completa desigualdade. Portanto, quanto mais próximo da
unidade, maior o grau de desigualdade, e mais próximo de 0, maior o grau de equidade entre as
variáveis utilizadas. Nesta pesquisa, o Coeficiente de Gini foi utilizado para mensurar o grau de
desigualdade na distribuição da renda entre os habitantes de cada município brasileiro.
Ao considerar que as emancipações distritais ocorreram em sua maior parte na primeira metade
dos anos 1990, foram selecionados os anos de 2000 e 2010 como referência para analisar a dinâmica
do desenvolvimento municipal no período, segundo as categorias municipais aqui estabelecidas. Ao
serem confrontados os dados com os valores referentes à totalidade dos municípios brasileiros, os
resultados permitiram agrupar o conjunto dos municípios em quatro classes, em relação aos níveis de
desenvolvimento humano e de desigualdade:
Município Tipo 1: alta desigualdade e baixo desenvolvimento;
Município Tipo 2: baixa desigualdade e baixo desenvolvimento;
Município Tipo 3: alta desigualdade e alto desenvolvimento;
Município Tipo 4: baixa desigualdade e alto desenvolvimento.
O Município Tipo 1, por ser muito desigual na distribuição da renda municipal e apresentar
baixo desenvolvimento humano, refere-se à pior condição socioeconômica que se pode encontrar em
uma determinada sociedade. O Tipo 2, não obstante apresentar baixa desigualdade, possui, entretanto,
baixo grau de desenvolvimento humano. Por sua vez, o Tipo 3, embora detenha um alto
desenvolvimento humano, apresenta alta desigualdade na distribuição da renda. Portanto, os tipos 2 e
3 são modelos mais satisfatórios que o Tipo 1, porém não devem ser almejados pelos planejadores
municipais. Por fim, o Tipo 4, que detém baixa desigualdade e alto desenvolvimento humano,
representa o “melhor dos mundos”, o modelo a ser seguido pelos gestores públicos municipais.
Em seguida, os municípios foram categorizados segundo seu “status” em relação às
emancipações: “filhos”, “mães” e “neutros”, que são condições fixas e estabelecidas de acordo com o
próprio processo emancipatório; e foram, em seguida, congregados em 4 classes, em conformidade
com o grau de sustentabilidade alcançado entre 2000 e 2010.
E, por último, foi analisada a dinâmica de transição municipal entre essas classes no período,
cujos resultados redundaram na formação de dez subdivisões (Figura 2), ou níveis de sustentabilidade
socioeconômica, conforme se segue:
Município Tipo 2-1: alta desigualdade e baixo desenvolvimento - sustentabilidade crítica
com viés de baixa;
Município Tipo 1-1: alta desigualdade e baixo desenvolvimento consistentes -
sustentabilidade crítica;
Município Tipo 3-2 e 4-2: baixa desigualdade e baixo desenvolvimento - sustentabilidade
baixa com viés de baixa;
Município Tipo 2-2: baixa desigualdade e baixo desenvolvimento consistentes -
sustentabilidade baixa;
Município Tipo 1-2: baixa desigualdade e baixo desenvolvimento - sustentabilidade baixa
com viés de alta;
Município Tipo 4-3: alta desigualdade e alto desenvolvimento - sustentabilidade média com
viés de baixa;
Município Tipo 3-3: alta desigualdade e alto desenvolvimento consistentes - sustentabilidade
média;
Município Tipo 1-3 e 2-3: alta desigualdade e alto desenvolvimento - sustentabilidade média
com viés de alta;
Município Tipo 1-4, 2-4 e 3-4: baixa desigualdade e alto desenvolvimento - sustentabilidade
alta com viés de alta;
Município Tipo 4-4: baixa desigualdade e alto desenvolvimento consistentes -
sustentabilidade alta.
FIGURA 2- Níveis de sustentabilidade socioeconômica dos municípios brasileiros, segundo a dinâmica do desenvolvimento humano (IDH) e da desigualdade de renda (Coeficiente de Gini) – 2000-2010
Fonte: IBGE.
Por fim, ao analisar os resultados para o conjunto dos municípios brasileiros, estabeleceu-se
esta nova tipologia, que levou em conta a variação entre as classes, revelando uma tendência nada
animadora, conforme será avaliado na próxima seção.
4- RESULTADOS E DISCUSSÃO
Dos 5.565 municípios brasileiros, foram identificados 3.582 pertencentes à categoria “neutros”,
ou que após a Constituição de 1988 não sofreram nenhum fracionamento municipal; 906 pertencentes
à categoria “mães”, e 1.077 que compõem a categoria “filhos”. Por seu turno, estes municípios,
conforme descrito na seção anterior, foram organizados em 4 classes que, no período de análise, se
deslocaram de uma para outra, conforme mostra a Tabela 2.
TABELA 2- Evolução da participação dos municípios brasileiros, segundo as classes e categorias municipais, no período de 2000-2010
Fonte: PNUD/Brasil (2000 e 2010).
No período entre 2000 e 2010 foram verificadas algumas mudanças na composição dessas
classes municipais. O Município Tipo 2 (baixa desigualdade e baixo desenvolvimento) é a classe que
predomina no Brasil e que apresentou a maior frequência absoluta, com 3.855 e 4.205 municípios,
respectivamente. O incremento de 350 municípios para a classe Tipo 2, neste interstício, demonstra
que uma parcela de municípios das demais classes se deslocou para ela – isso revela que há uma
tendência dos municípios brasileiros a se deslocarem para a condição de “baixa desigualdade e baixo
desenvolvimento”. As figuras 3 e 4 mostram a distribuição dessas classes nos anos de 2000 e 2010,
respectivamente.
O Município Tipo 1 (alta desigualdade e baixo desenvolvimento), pertencente à classe mais
desfavorável, apresentou no período redução de 353 para 228 municípios. Esta queda foi generalizada
e se verificou em todas as categorias municipais, principalmente entre os “municípios-filhos”, que
apresentou queda relativa de 50%, bem superior à de outras categorias. Isto sugere que as
emancipações podem ter contribuído, em certa medida, para a melhoria das condições de vida da
população desses novos municípios.
Classe Municipal
Categoria municipal Total
Neutros Mães Filhos
2000 2010 2000 2010 2000 2010 2000 2010
1- Alta desigualdade e baixo desenvolvimento 183 128 59 44 111 56 353 228
2- Baixa desigualdade e baixo desenvolvimento 2.466 2.702 557 613 832 890 3.855 4.205
3- Alta desigualdade e alto desenvolvimento 36 25 8 5 6 4 50 34
4- Baixa desigualdade e alto desenvolvimento 897 727 282 244 128 127 1.307 1.098
TOTAL 3.582 906 1.077 5.565
Fonte: IBGE. Fonte: IBGE.
O Município Tipo 3 (alta desigualdade e alto desenvolvimento) constitui a classe menos
expressiva por congregar poucas dezenas de municípios em cada um dos anos analisados.
O Município Tipo 4, classe considerada o “melhor dos mundos”, representou queda em
números absolutos no período, passando de 1.307 para 1.098 municípios. Ou seja, 209 municípios
deixaram o Tipo 4 e se deslocaram para as classes de viés inferior. A queda foi mais acentuada na
categoria dos municípios “neutros”, com redução de 170 municípios. A categoria “filhos” apresentou
redução de apenas um município no período. Isso indica, em termos médios, que os municípios
brasileiros estão se transferindo para as classes intermediárias (tipos 2 e 3), o que representa um
posicionamento mediano em termos de desenvolvimento humano e equidade distributiva.
Os gráficos 1 e 2 expressam o cruzamento dos respectivos índices municipais que reúnem o
IDH-M e o Coeficiente de Gini municipal, segundo as categorias de municípios. O resultado é a
dispersão dos municípios em forma de nuvem de pontos, e a posição que eles ocupam nos quadrantes.
Estes quadrantes foram determinados pelo cruzamento das linhas que representam o IDH do Brasil,
bem como o seu Coeficiente de Gini para os anos de 2000 e 2010, ou seja, a média para a população
brasileira. Em 2000, o Brasil detinha um IDH de 0,61 e um Coeficiente de Gini de 0,64; em 2010 estes
valores foram, respectivamente, de 0,73 e 0,60, o que elevou a média do primeiro indicador e reduziu
a do segundo – uma boa perspectiva para o conjunto populacional brasileiro.
FIGURA 3- Níveis de desigualdade de renda e
de desenvolvimento humano dos municípios
brasileiros – 2000
FIGURA 4- Níveis de desigualdade de renda
e de desenvolvimento humano dos municípios
brasileiros – 2010
GRÁFICO 1- Distribuição das categorias dos municípios brasileiros conforme os processos emancipatórios, e tipos municipais segundo o nível de desigualdade de renda e de desenvolvimento humano – 2000
Fonte: PNUD/Brasil (2000) GRÁFICO 2- Distribuição das categorias dos municípios brasileiros conforme os processos emancipatórios, e tipos municipais segundo o nível de desigualdade de renda e de desenvolvimento humano – 2010
Fonte: PNUD/Brasil (2010)
Desse modo, na parte superior dos gráficos estão os quadrantes Tipo 1 (alta desigualdade e
baixo desenvolvimento) e Tipo 3 (alta desigualdade e alto desenvolvimento). Por seu turno, na parte
0,20
0,30
0,40
0,50
0,60
0,70
0,80
0,90
0,300 0,400 0,500 0,600 0,700 0,800 0,900
ìnd
ice
de
Gin
i (d
esi
guld
ade
)
IDH-M (desenvolvimento)
NEUTRO
MAE
FILHO
Tipo 1: alta desigualdade e baixo desenvolvimento
Tipo 2: baixa desigualdade e baixo desenvolvimento Tipo 4: baixa desigualdade e alto desenvolvimento
Tipo 3: alta desigualdade ealto desenvolvimento
0,20
0,30
0,40
0,50
0,60
0,70
0,80
0,90
0,5 0,55 0,6 0,65 0,7 0,75 0,8 0,85 0,9
ìnd
ice
de
Gin
i (d
esi
guld
ade
)
IDH-M (desenvolvimento)
NEUTRO
MAE
FILHO
Tipo 1: alta desigualdade e baixo desenvolvimento Tipo 3: alta desigualdade ealto desenvolvimento
Tipo 2: baixa desigualdade e baixo desenvolvimentoTipo 4: baixa desigualdade e alto desenvolvimento
inferior do gráfico estão os quadrantes Tipo 2 (baixa desigualdade e baixo desenvolvimento) e o Tipo
4 (baixa desigualdade e alto desenvolvimento).
O Gráfico 1, que representa o ano de 2000, revela maior dispersão dos municípios, com maior
frequência absoluta, pela ordem, nos quadrantes Tipo 2, 4, 1 e 3. Curiosamente, os municípios-filhos
estão distribuídos em todos eles, com maior concentração no Tipo 2, seguindo o padrão das demais
categorias. Por sua vez, o Gráfico 2 revela que, em 2010, a redistribuição dos municípios corroborou
para menor dispersão dos pontos, com nítida tendência à concentração dos municípios brasileiros no
quadrante Tipo 2 (baixa desigualdade e baixo desenvolvimento), conforme abordado.
Também se observou que apenas 17% dos municípios brasileiros se deslocaram entre as classes
no período 2000-2010. Não houve, portanto, grandes mudanças na estrutura dos tipos municipais,
mesmo porque o intervalo de uma década não seria suficiente para revelar mudanças estruturais
acentuadas, exceto por externalidades que, porventura, afetariam duramente a economia do país.
Portanto, dos 5.565 municípios, 4.619 deles mantiveram-se nas mesmas classes: 64 deles
permaneceram na classe Tipo 1, 3.582 no Tipo 2, 9 no Tipo 3, e 964 no Tipo 4, considerando o total
das categorias “neutros”, “mães” e “filhos”, conforme pode-se verificar na Tabela 3.
TABELA 3- Reordenamento dos municípios brasileiros entre as classes municipais, segundo suas categorias, no período 2000-2010
Fonte: PNUD/Brasil (2000 e 2010).
Desse modo, 946 municípios brasileiros se deslocaram de classe no período, sendo que 524
deles regrediram sua posição nos quadrantes. Esse deslocamento de viés negativo foi mais intenso
entre os municípios do Tipo 4 para o Tipo 2, com 323 municípios. Ou seja, não obstante apresentarem
Classes Municipais (2000-2010)
Categorias Municipais
Total 1- Neutros 2- Mães 3- Filhos
1-1 37 11 16 64
1-2 144 45 94 283
1-3 1 0 0 1
1-4 1 3 1 5
2-1 91 33 40 164
2-2 2.315 504 763 3.582
2-3 2 1 1 4
2-4 58 19 28 105
3-2 12 4 1 17
3-3 5 2 2 9
3-4 19 2 3 24
4-2 231 60 32 323
4-3 17 2 1 20
4-4 649 220 95 964
TOTAL 3.582 906 1.077 5.565
uma baixa desigualdade socioeconômica, esses municípios, todavia, saíram da condição de alto para
baixo desenvolvimento humano.
Expressivo também foi o retrocesso verificado entre os municípios do Tipo 2 para o Tipo 1;
164 municípios ampliaram a desigualdade socioeconômica ao mesmo tempo em que permaneceram
consistentemente com baixo desenvolvimento humano, em relação à média brasileira. Outros
retrocessos se verificaram com menor frequência entre os Tipos 4 para 3, com apenas 20 municípios,
e de 3 para 2, com 17 municípios brasileiros.
No entanto, simultaneamente, ocorreram deslocamentos com viés de alta muito importantes no
período de análise. Apesar de permanecerem com o “status” de baixo desenvolvimento, 283
municípios do Tipo 1 se ascenderam ao Tipo 2, reduzindo, pois, a desigualdade socioeconômica.
Embora este processo não represente, em princípio, melhoria no desenvolvimento humano, ao menos
a desigualdade social vem demonstrando estar em queda nos municípios brasileiros, a julgar pelo
incremento da classe Tipo 2.
Outros 105 municípios tiveram melhor sorte, pois se deslocaram da classe Tipo 2 para a 4.
Apesar de figurarem no quadrante de baixa desigualdade, saíram, contudo, do “status” de baixo
desenvolvimento humano para alto.
Outras melhorias no “status” ocorreram em menor grau, entre os tipos 3 para 4, 2 para 3, 1 para
3 e 1 para 4. A mudança do Tipo 1 para 4 é considerada a mais efetiva, e apenas 5 municípios
conseguiram esta proeza em todo o Brasil, sendo um da categoria “filhos”. Trata-se de Santa Rita do
Trivelato, localizado no estado de Mato Grosso. A principal atividade deste município é a agricultura,
com destaque para a produção de soja, milho e algodão. Este caso corrobora para afirmar uma das
principais razões para a criação de municípios, conforme estudo realizado por Bremaeker (1996) – a
existência de uma importante atividade econômica local que contribua para impulsionar o
desenvolvimento municipal.
Este reordenamento dos municípios entre as classes permitiu classificá-los em 10 subdivisões
segundo o grau de sustentabilidade, conforme mostra a Tabela 4.
Como se verifica, estas subdivisões foram definidas a partir dos graus de sustentabilidade
(crítica, baixa, média e alta), com seus respectivos vieses (de alta ou de baixa). A classe
“sustentabilidade baixa” é a predominante no Brasil, em 2010 detinha 3.582 municípios, seguida pela
classe “sustentabilidade alta”, com 964. São duas classes antagônicas que, sequer, são seguidas de
perto pela classe “sustentabilidade média”, o que revela a ambiguidade do desenvolvimento humano e
socioeconômico no Brasil quando se analisa a população brasileira pela composição municipal.
TABELA 4- Níveis de sustentabilidade socioeconômica dos municípios brasileiros, segundo a dinâmica do desenvolvimento humano (IDH) e da desigualdade de renda (Coeficiente de Gini) – 2010
Fonte: PNUD/Brasil (2000 e 2010).
Ao serem agregadas as classes que compõem os quatro graus de sustentabilidade,
desconsiderando-se o viés, tinha-se, em 2010: 228 municípios que apresentaram sustentabilidade
crítica, ou 4,1% do total; 4.205 municípios com sustentabilidade baixa, ou 75,6% (maioria absoluta);
34 municípios com “sustentabilidade média”, menos de 1%; e, por último, 1.098 municípios de
“sustentabilidade alta” – quase um quinto do total.
Quanto à distribuição por categorias, observa-se que, em geral, ela segue a proporção entre
“municípios neutros”, seguida pela categoria “filhos” e depois “mães”. Quatro subclasses, no entanto,
destoaram desta ordem, sendo que duas delas foram bastante díspares: 1º) “Sustentabilidade baixa com
viés de baixa”, representada por 64 municípios da categoria “mães” e 33 da categoria “filhos”; e 2º)
“Sustentabilidade alta” representada por 220 municípios “mães” e 95 da categoria “filhos”.
No primeiro caso, demonstra que um número maior de municípios “mães”, além de deterem
uma “sustentabilidade baixa com viés de baixa”, está com ritmo de queda na qualidade de vida superior
à da categoria “filhos”. No segundo caso, os municípios progenitores apresentam resultado muito mais
satisfatório em relação à categoria “filhos”.
Assim, nestes extremos, observa-se que os “municípios-filhos” predominam nas classes de
sustentabilidade “crítica” e “baixa”, com 946 municípios contra 657 dos “municípios-mãe”. Nas
classes intermediárias esses números praticamente se equivalem. Na outra ponta estão os municípios
de “sustentabilidade alta”; aí predominam os municípios da categoria “mães” que participam com 244,
contra 127 da dos “municípios-filhos”.
Esses dois casos remetem à seguinte análise: é fato que os municípios recém-emancipados vêm
apresentando, em geral, melhoria em sua qualidade de vida, mas também é plausível admitir que os
“municípios-mãe” obtiveram, da mesma forma, resultados qualitativos positivos, tendo em vista a
Níveis de Sustentabilidade Categorias Municipais
Total 1- Neutros 2- Mães 3- Filhos
1- Sustentabilidade crítica com viés de baixa 91 33 40 164
2- Sustentabilidade crítica 37 11 16 64
3- Sustentabilidade baixa com viés de baixa 243 64 33 340
4- Sustentabilidade baixa 2.315 504 763 3.582
5- Sustentabilidade baixa com viés de alta 144 45 94 283
6- Sustentabilidade média com viés de baixa 17 2 1 20
7- Sustentabilidade média 5 2 2 9
8- Sustentabilidade média com viés de alta 3 1 1 5
9- Sustentabilidade alta 649 220 95 964
10- Sustentabilidade alta com viés de alta 78 24 32 134
TOTAL 3.582 906 1.077 5.565
redução dos custos na manutenção de serviços em seus ex-distritos. Evidentemente, esta é apenas uma
das hipóteses, não se pode descartar, contudo, aspectos relacionados à própria eficiência administrativa
e captação de receitas por parte dos “municípios-mãe”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No último surto emancipacionista, o Brasil registrou a criação de mais de mil novos municípios.
Foram identificados 3.582 pertencentes à categoria “neutros”, e 906 à categoria “mães”, o que
totalizava 5.565 municípios em 2010. Estes municípios foram organizados em 4 tipos de classes,
segundo o grau de sustentabilidade socioeconômica. No período 2000-2010, apenas 17% deles se
deslocaram entre as classes, o que representa uma mobilidade relativamente baixa.
Dos 946 municípios que se deslocaram de classe, 524 deles regrediram sua posição nos
quadrantes, e 283 deles deixaram a classe Tipo 1, ou a condição de “alta desigualdade e baixo
desenvolvimento” para a classe Tipo 2, de “baixa desigualdade e baixo desenvolvimento”. Apesar
deste processo não representar, em princípio, melhoria no desenvolvimento humano, ao menos
demonstra que a condição crítica de desigualdade social está em queda nos municípios brasileiros.
A classe Tipo 2 é a que predomina no país. Verificou-se que os municípios brasileiros tendem
a se concentrarem nela, tendo em vista que foi incrementada tanto por municípios das classes
superiores quanto dos da classe Tipo 1. O deslocamento de alguns municípios desta classe,
principalmente da categoria “filhos” para o Tipo 2, verificado no período, denota mudanças
qualitativas importantes, e as emancipações distritais podem ter contribuído, em certa medida, para a
melhoria das condições de vida da população desses novos municípios.
Mudança representativa ocorreu também com o deslocamento de 323 municípios do Tipo 4
(baixa desigualdade e alto desenvolvimento) para o Tipo 2. Outras regressões verificadas se deram em
menor número no período, e indicam que estes municípios deixaram a melhor condição
socioeconômica para se ingressarem em condições inferiores.
Em termos médios, os municípios brasileiros estão se destinando para as classes intermediárias
(tipos 2 e 3), o que representa, por um lado, melhoria das condições de vida para uma parcela deles, e,
por outro, uma queda em seu desenvolvimento humano e equidade distributiva para outra parcela deles.
Não obstante alguns municípios recém-emancipados terem melhorado suas condições de vida,
notou-se que a maioria deles integra as classes de sustentabilidade “crítica” e “baixa”, com maior
participação que a categoria dos “municípios-mãe”. Na outra ponta estão os municípios de
“sustentabilidade alta”, aí predominam os “municípios-mãe” em relação aos “filhos”. O que merece
uma análise à parte.
Em suma, a presente proposta se apresenta como possibilidade metodológica para contribuir
na análise dos diferentes níveis do desenvolvimento humano e social dos municípios brasileiros, como
também subsidiar às administrações públicas municipais e às pesquisas relacionadas ao
desenvolvimento municipal.
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