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PROPOSTA DE MÉTODO DE ANÁLISE SISTÊMICA DE PROCESSOS PARA APOIO À GESTÃO DAS OPERAÇÕES DE UMA ORGANIZAÇÃO Guilherme Gomes Salles (UFRJ) [email protected] Mariana Costa Mattos Soares (UFRJ) [email protected] Heitor Mansur Caulliraux (UFRJ) [email protected] Angello Vitoriano do Vale (UFRJ) [email protected] O presente artigo tem como objetivo apresentar uma proposta de método de análise organizacional capaz de aliar os pontos fortes de duas abordagens que julgamos complementares, ainda que hoje não articuladas. São elas: a visão de processos dde negócio e o pensamento sistêmico. Após justificarmos as escolhas em design feitas na construção do método, o aplicamos em um conjunto de operações comum às organizações: suas atividades de manutenção. A partir dessa aplicação, esclarecemos a capacidade do método em responder questões pertinentes à gestão das operações que antes se mostravam de difícil resolução. O artigo se encerra, enfim, discutindo o potencial de generalização do método para outras questões das organizações. Palavras-chaves: Pensamento Sistêmico, Visão por Processos, Gestão de Operações XXXI ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Inovação Tecnológica e Propriedade Intelectual: Desafios da Engenharia de Produção na Consolidação do Brasil no Cenário Econômico Mundial Belo Horizonte, MG, Brasil, 04 a 07 de outubro de 2011.

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PROPOSTA DE MÉTODO DE ANÁLISE

SISTÊMICA DE PROCESSOS PARA

APOIO À GESTÃO DAS OPERAÇÕES DE

UMA ORGANIZAÇÃO

Guilherme Gomes Salles (UFRJ)

[email protected]

Mariana Costa Mattos Soares (UFRJ)

[email protected]

Heitor Mansur Caulliraux (UFRJ)

[email protected]

Angello Vitoriano do Vale (UFRJ)

[email protected]

O presente artigo tem como objetivo apresentar uma proposta de

método de análise organizacional capaz de aliar os pontos fortes de

duas abordagens que julgamos complementares, ainda que hoje não

articuladas. São elas: a visão de processos dde negócio e o

pensamento sistêmico. Após justificarmos as escolhas em design feitas

na construção do método, o aplicamos em um conjunto de operações

comum às organizações: suas atividades de manutenção. A partir

dessa aplicação, esclarecemos a capacidade do método em responder

questões pertinentes à gestão das operações que antes se mostravam de

difícil resolução. O artigo se encerra, enfim, discutindo o potencial de

generalização do método para outras questões das organizações.

Palavras-chaves: Pensamento Sistêmico, Visão por Processos, Gestão

de Operações

XXXI ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Inovação Tecnológica e Propriedade Intelectual: Desafios da Engenharia de Produção na Consolidação do Brasil no

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1. Introdução

A melhoria operacional é hoje uma reconhecida fonte de vantagem competitiva (HAMEL &

PRAHALAD, 1996). Ainda que inúmeras organizações procurem soluções para seus

problemas relacionados a decisões de custos, de flexibilidade, de qualidade, de definir as

fronteiras organizacionais, etc., essas organizações não tentam entender como funcionam as

relações de causa e efeito entre essas variáveis. É correto afirmar que o aumento da

complexidade do ambiente reflete na sofisticação e na complexidade das atividades internas

organizações? Se sim, então se deve esperar que, na falta de ferramentas à altura para lidar

com esse novo arranjo, a capacidade de gerir e competir das empresas seja progressivamente

anulada.

Isto significa reconhecer que atualmente organizações têm prejuízos ou até mesmo chegam à

falência por conta de sua pouca habilidade na análise crítica e sistêmica de seus processos.

Muitas vezes, se veem comprometidas em soluções inexplicavelmente mais caras que não irão

produzir a melhoria esperada. Nesses casos, é comum a identificação a posteriori de relações

entre variáveis da solução e o resto da organização, ignoradas no momento em que se

anunciava a “tábua de salvação”. Diante desse cenário, surge a necessidade de métodos

capazes de fazer as organizações “compreender[em] como todas as decisões numa empresa

dizem respeito ao negócio em sua globalidade” (DRUCKER, 1990).

Com esse intuito nascem, em situações distintas, duas fortes abordagens de análise

organizacional: o Pensamento Sistêmico (PS) e a Gestão de Processos (GP). O PS tem como

objetivo “buscar um entendimento integral da realidade por meio de fluxos circulares, em vez

de apenas por meio de relações lineares de causa e efeito” (ANDRADE et al, 2006, p. 45). Já

a GP consiste em “um conjunto articulado de tarefas permanentes para projetar e promover o

funcionamento e o aprendizado sobre os processos.” (PAIM, 2007). Portanto, pretende–se

apresentar um método que adota uma combinação destas duas práticas, com o intuito de

definir os passos necessários para a análise sistêmica de modelos de processos.

2. Perspectiva metodológica adotada

O presente artigo, ao propor o método anteriormente descrito, se valeu metodologicamente da

perspectiva da Pesquisa de Designs (Design Research). Primeiramente, o conjunto esperado

pelas pesquisas tradicionais em gestão é de uma maior compreensão teórica do problema (por

exemplo, “quais são as zonas de articulação entre Pensamento Sistêmico e Gestão de

Processos?”). Mas ao se colocar na posição de observador, o pesquisador deixa as implicações

gerenciais apenas como alusões sugestivas. A segunda etapa, aquela com real valor para as

organizações envolvidas com problemas do mundo real, é desenvolver e testar soluções

alternativas (no exemplo dado, “como desenvolver um método para trabalhar as vantagens

proporcionadas pelas duas abordagens?”) (VAN AKEN, 2004). As pesquisas prescritivas são

o complemento natural das pesquisas descritivas (VAN AKEN, 2004). Não obstante, qualquer

prescrição da pesquisa em Design deve se constituir de “conhecimento abstrato” (VAN

AKEN, 2004), capaz de ser aplicado a uma classe de problemas sem que seja necessário

seguir um roteiro hermético de atividades/ações.

Tal como em outras ciências solucionais, na Teoria Organizacional, o ciclo reflexivo feito

recorrentemente em diversos casos é a estratégia para a geração de conhecimento de Design.

Reproduzir a preocupação do pesquisador passaria pela seguinte indagação: “se essa regra

produziu esse resultado nesse caso–problema, nesse outro caso–problema, a regra deve ser

adaptada da seguinte forma para produzir o mesmo efeito”. Mas no caso específico da Teoria

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Organizacional, a pesquisa orientada para o Design é, em muitos aspectos, mais complexa do

que as pesquisas em Engenharia ou Medicina. Van Aken (2005) associa essa maior

complexidade aos seguintes fatos: a gestão tende a ser mais atrelada ao contexto; há menor

disponibilidade de casos para os quais se basear as reflexões e conclusões; e o vínculo entre

intervenção e resultado possui uma natureza imaterial.

Logo, deduz–se que não existe a pretensão no presente trabalho de, com um único caso,

assegurar a eficácia e a eficiência do método proposto. A Pesquisa de Designs escora–se na

expansão recursiva das regras até a saturação satisfatória por exemplos equivalentes de

sucesso. Para contornar essa deficiência, os autores se valeram de seguidos testes mentais a

partir de experiências acumuladas.

3. Referencial conceitual

3.1 Pensamento Sistêmico – principais conceitos

De acordo com Haines (2002), o Pensamento Sistêmico surgiu na Teoria Geral dos Sistemas,

desenvolvida a partir do estudo da Biologia na década de 20. Essa teoria tinha como objeto de

estudo o mundo natural, os sistemas vivos e as leis gerais que os regem. Sua premissa

consistia na ideia de que, a partir do conhecimento dessas leis, seria possível obter um quadro

conceitual para a compreensão dos relacionamentos existentes em quaisquer sistemas,

podendo, assim, analisar e tratar todos os problemas ou pontos críticos.

Portanto, sob a ótica da evolução histórica:

“(...) é amplamente reconhecido na literatura sistêmica (CHECKLAND, 1981; FLOOD e

CARLSON, 1988) que foram as abordagens cibernéticas e a formulação da Teoria Geral dos

Sistemas que estabeleceram as bases iniciais do pensamento sistêmico. Foi acrescentada uma

terceira tendência, a Dinâmica de Sistemas, por representar uma abordagem cibernética

diferenciada, relevante para o estudo das características dinâmicas de sistemas complexos

(Richardson, 1991).” (KASPER, 2000, p. 13).

Frente a essa tendência de analisar um sistema como um todo, Senge (2009) constata que

desde nossa infância nos ensinam a decompor problemas com o intuito de facilitar o estudo

nas matérias escolares e a análise de tarefas complexas. No entanto, o autor afirma que isto

cria outra grande dificuldade: perde–se a capacidade de enxergar as consequências de nossos

atos e o senso de ligação com um todo maior.

Segundo Kasper apud Andrade et al. (2006), o PS tem por objetivo lidar com fenômenos e

situações que demandam uma explicação centrada na inter–relação de múltiplas forças ou

fatores.

“Pensamento Sistêmico como meio de estruturação de conhecimentos acerca da realidade é

uma das formas de aplicação que vem despontando, especialmente, em aplicações a

organizações. (...) O foco é ampliar ou melhorar a capacidade de aprendizagem.”

(ANDRADE et al, 2006, p. 53)

Assim, nas organizações, o PS, ao prover os conceitos para compreender a importância do

gerenciamento das interconexões, permite a quebra de barreiras funcionais e de visões

compartimentadas (KIM, 1997). Essa também é, como se mostrará adiante, a aspiração da

Gestão de Processos.

Além disso, segundo Gharajedaghi (1999), o PS busca facilitar a compreensão em torno das

consequências não intencionais da complexidade dinâmica, que aumenta na medida em que a

distância entre causa e efeito também cresce no tempo e espaço. Enxergar o óbvio pode ser

uma tarefa bastante complicada em sistemas complexos com trabalhos particionados e pouca

articulação entre eles. Outro grande fator crítico está na dificuldade de enxergar as

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consequências não intencionais resultantes de ações aparentemente intuitivas, que não

levaram em consideração uma análise do todo.

A suposição básica de Senge (2009) consiste na ideia de que o Pensamento Sistêmico é um

quadro de referência para construir entendimentos sobre as estruturas profundas da realidade.

Diante de tal hipótese, acredita–se que, através do PS, seja possível desencadear mudanças na

maneira como os indivíduos e seus grupos raciocinam e interagem dentro das organizações,

contribuindo para o avanço do processo de aprendizagem e mudança. De acordo com Senge

(1999) as situações ou fenômenos da realidade podem ser explicados em termos de quatro

níveis distintos: eventos, padrões de comportamento, estrutura sistêmica e modelos mentais.

“Mudar a maneira como nós pensamos não resolve automaticamente os vários problemas,

questões ou crises que enfrentamos. Entretanto, [o PS] reformula o nosso modo de pensar

com relação ao que enxergamos como um problema à primeira vista, e quais soluções

aparentam ser boas. Mesmo depois que o pensamento de uma pessoa, grupo ou organização é

mudado, há muito trabalho pela frente para resolver seus problemas” (CABRERA, COLOSI,

e LOBDELL, 2008, p. 300).

Fernandes (2001) defende que o comportamento da dinâmica de um sistema é determinado

pela sua “estrutura”, composta de circuitos de feedback e delays (GOODMAN, 1989, apud

FERNANDES, 2001). Modelar essa estrutura instrumentaliza a análise sistêmica. Quando

duas ou mais variáveis formam um circuito fechado de relações, forma-se um loop de

feedback. São eles os responsáveis pelos mecanismos de reforço (positivo) e equilíbrio

(negativo) que fazem com que um sistema evolua, desintegre-se ou se mantenha estagnado. É

oportuno frisar que uma estrutura de feedback nada mais é do que a representação de um

conjunto circular de causas interconectadas que, em decorrência da sua estrutura e atividades,

produzem certos comportamentos como resposta. As análises se concentrarão em arquétipos,

representações típicas como as exemplificadas pelas figuras abaixo. Os delays são atrasos ou

esperas que fazem com que uma ação possa produzir efeitos diferentes no tempo e no espaço.

Figura 1 - Arquétipos de sistema. Fonte: Fernandes, 2001

3.2 Processos de Negócio e a Visão por Processos – principais conceitos

Considerando que processos são a representação do trabalho de transformação estruturados

com começo, meio e fim (DAVENPORT, 2000), então são seus elementos básicos, quando

analisados no nível da cadeia dos processos:

− Seus inputs – As entradas de um processo contemplam os produtos de outros processos.

Existem aqueles inputs diretos – os que são efetivamente transformados –, e os inputs

indiretos, organizados e agrupados em um instante anterior e que servem como

transformador dos demais inputs. Slack et al. (1999) enumeram que tanto materiais, quanto

informações e pessoas podem ser transformados através do fluxo de processos. Na segunda

categoria se encontram as máquinas, equipamentos, ferramentas e as pessoas. Enquanto os

processos de entrada cuidam dos primeiros, os processos de suporte ficam encarregados de

suprir o segundo conjunto de inputs. Como entregam um resultado específico a um cliente

específico, a ocorrência de um processo é discriminável da de outra. Dessa forma, mesmo

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sendo contínuos ou interativos, podem ser rastreados a determinado evento–disparador e

contados.

− Seu fluxo de atividades – Sob o ponto de vista sistêmico, o encadeamento “eventos–

atividade–eventos” também pode ser encarado como um subsistema, ou seja, toda

atividade pode ser encarada pela perspectiva de seus inputs, outputs e suas subatividades

que realizam o trabalho de transformação de fato. Decifrar o processo de transformação

significa detalhá–lo no próximo nível de input–trabalho–output. A decodificação pode ser

desdobrada ad infinitum até uma análise essencial do movimento das mãos, membros, etc.

Quando mais a frente nos referirmos ao “mapa de processos”, far-se-á referência ao nível

de detalhamento proposto por Scheer & Brabänder (2010) no que chamam de “último nível

de macroprocesso”. Nesse nível, as atividades são vistas por seus produtos agregados,

como , por exemplo: Geração de Ordens de Produção, Preparação de Recursos de

Treinamento, Abertura de Pedido de Compra, etc.

− Seus outputs – Aqui não se trata apenas da imagem espelhada do input (os outputs de um

processo são os inputs do processo subsequente). Atrelado ao output existe uma

constelação de informações que diz respeito ao seu desempenho, como tempo e custo de

execução, variabilidades de tempos, resultados, compartilhamento de recursos, capacidade

de processamento, back–log, índice de reprovação e esforços de retrabalho, etc.

(PROENÇA, 2003; IQBAL & NIEVES, 2007). Não apenas isso, mas como são

mensuráveis de forma relevante (custo, qualidade, duração, etc.), os processos tornam–se

direcionadores de desempenho. Em um ambiente burocrático, o desempenho do processo

será avaliado por sua capacidade de produzir os mesmos resultados a despeito de variações

nos inputs. Deve-se considerar, ainda, a transformação inversa: aquela proporcionada pelo

processo sobre os recursos (desgaste, motivação, aprendizado, etc.), ainda que essa

transformação não seja um “processo de negócio” e, portanto, não seja modelável.

− Seus juízos de valor – Segundo Simon (1997), a intencionalidade – dotar um indivíduo ou

um grupo de indivíduos de objetivos – acarreta em uma integração no padrão

comportamental, no padrão de atividades recorrentes, nos processos da organização. “Cada

decisão envolve a seleção de um objetivo e de um comportamento relevante a ele; este

objetivo pode, por sua vez, ser imediato, ou relacionado a um objetivo maior e mais

distante; e assim sucessivamente até que um intuito final é alcançado” (SIMON, 1997, p.

4). Se as decisões conduzem à seleção de intuitos finais, serão chamados de “juízo de

valor”; enquanto envolverem a implementação destes intuitos, serão chamados de “juízos

factuais”. Os primeiros não podem ser julgados como certos ou errados, apenas como bons

ou ruins. Uma vez delimitados, os juízos factuais serão analisados sob sua capacidade em

entregar os juízos factuais (são certos ou errados).

Figura 2 – Os componentes básicos de um processo. Fonte: os autores

Sendo esses seus elementos constituintes, a Gestão de Processos, como pode ser deduzido, é

resultado de um processo histórico de disciplinas afetas ao trabalho, como a Administração

Científica, o Sistema Toyota de Produção, os Sistemas de Controle da Qualidade Total, a

Reengenharia de Processos e a Teoria das Restrições (PAIM et al, 2009, p.43).

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Após décadas analisando problemas organizacionais funcionalmente, foi iniciado um

movimento voltado para a obtenção de uma “Visão por Processos”, capaz de orientar para

seus resultados as respectivas atividades e fluxos de informações. Caulliraux e Cameira

(2000a, p.1) descrevem a visão por processos “como uma orientação metodológico/conceitual

dentro da engenharia de produção que prioriza a análise das funções de uma organização

desde uma ótica de atividades sequenciadas lógico/temporalmente”.

“O levantamento e modelagem de processos podem subsidiar a construção de uma nova

forma de operação, a revisão ou melhoria de processos, buscando, sempre, maior eficiência e

eficácia, apoiando, por exemplo, processos de qualificação para certificação da qualidade,

seleção de plataforma tecnológica, simulações, construção de sistemas de gestão baseados

em indicadores de desempenho, etc.” (CAULLIRAUX e CAMEIRA, 2000b, p.2).

Empresas que ainda não exercem práticas de gestão de seus processos e proposição de

melhorias a partir de suas análises correm o risco de terem que lidar com problemas cujas

causas raiz dificilmente serão identificadas. Isso porque, somente com a abordagem funcional,

não é possível compreender o fluxo dos processos, nem visualizar as interfaces entre as áreas,

o que acarreta no surgimento de lacunas e na diminuição da visão dos gestores.

“A Organização funcional contribui para formação de feudos, desequilibra fluxo entre

atividades, contribui para uma qualidade de informação inadequada, dificultando a

comunicação na empresa.” (MOREIRA, 2007, p.1)

Portanto, pode–se perceber uma tendência de maior atenção a processos por parte das

empresas, com o intuito de obterem ganhos em suas operações, visto que a GP pode alavancar

o funcionamento das atividades.

3.3 Articulação entre Pensamento Sistêmico e Gestão de Processos

Pela exposição relativa ao PS e à GP, pode–se notar uma complementaridade considerável

entre as duas abordagens. Ambas buscam principalmente obter uma visão completa das

organizações de modo a propor melhorias de maior eficácia. Apesar de utilizarem diferentes

técnicas e ferramentas, procuram entender o real funcionamento das atividades.

Na GP existe uma preocupação considerável com a modelagem/registro dos processos. A

modelagem contribui para a explicitação dos processos organizacionais, permitindo que todos

os colaboradores enxerguem o fluxo de transformação dos recursos através de uma visão

uniformizada. Após o levantamento dos processos, em geral, é feita uma análise dos

problemas identificados. Em seguida, os processos (mas não o sistema, a princípio) são

redesenhados, com o intuito de mitigar os pontos críticos encontrados anteriormente (PAIM et

al., 2009).

Já o PS tem como maior foco a identificação de uma situação complexa presente na

organização, que constitua um desafio, um problema cuja solução seja difícil de imaginar

(ANDRADE et al., 2006). A partir dessa situação, são levantadas as variáveis envolvidas e

são feitas análises através de mapas sistêmicos. Dessa forma, é possível encontrar modelos

mentais e construir cenários. São construídos modelos computacionais com base no

levantamento realizado. Por último, são elaboradas diretrizes de melhoria, que levam em

consideração as análises realizadas anteriormente.

Conclui-se que o PS tem como foco principal as relações entre os elementos contidos no

sistema que sejam um “problema percebido”, enquanto o GP ocupa-se na representação do

trabalho contido em um sistema. A preocupação de ambas é a superação de análises locais

(funcionais). Além disso, ao estudar uma organização somente pelo ponto de vista do PS, não

é possível ver a ordem lógico-temporal das atividades. Da mesma forma, na GP os processos

são explicitados, sem, entretanto, apontar as relações de causalidade entre as variáveis que

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nele estão contidas. Enxerga–se apenas um fluxo linear, ou seja, uma representação estática,

sem mencionar nenhum tipo de influência ou causalidade (HOYLE, 2009). Isto posto, fica

clara a possibilidade de utilização casada dos dois conjuntos de práticas.

Em suma, o PS permite uma análise mais profunda no que concerne à observação das relações

causais dos elementos de um sistema, mas é deficiente em associar estes elementos ao arranjo

das organizações e suas operações. A representação dos elementos, por outro lado,

corresponde ao ponto forte da GP. Logo, durante as atividades de projeto e reprojeto

organizacional é mais provável que o analista pense em termos de processos e se encontre em

uma posição de dificuldade de sintetizar suas conclusões de análise sistêmica. Este poderia se

perguntar: “onde estão as causas e seus respectivos efeitos na organização?”; “Se alterar as

atividades X quais outras serão impactadas?”. Com esse intuito, ferramentas de PS podem ser

aplicadas para analisar um problema complexo de uma organização. A partir do

relacionamento entre as variáveis encontradas e das conclusões obtidas, poderia se utilizar GP

para mapear os processos relacionados aos pontos críticos – encontrados através das técnicas

de PS – e redesenhá–los, com o intuito de promover melhorias.

O contrário também pode ser adotado, ou seja: pode se partir da GP para mapear os processos

e localizar variáveis chaves que estejam relacionadas aos principais problemas permeados nos

processos, para posteriormente realizar uma análise desses. O PS embasaria as propostas de

melhorias e soluções à organização. O presente trabalho optou pelo desenvolvimento dessa

segunda opção, considerando motivos que expomos no próximo parágrafo. A construção do

primeiro método é uma proposta futura de desenvolvimento.

4. Descrição do método

A construção do método levou em conta o valor da praticidade, de modo que este seja capaz

de se afirmar como ferramental de apropriado uso para as organizações. Sua maior pretensão

é a capacidade, portanto, de se fazer compreender e de se comunicar, para em um segundo

momento habilitar insights gerenciais. Embora não apontado anteriormente, acredita-se que

seja uma importante vantagem o fato do método se valer da popularidade do tema e das

ferramentas da Engenharia de Processos não na academia, mas nas organizações (vide JESUS

& AMARAL, 2008).

Do ponto de vista de metodologia ontológica, adota–se a abordagem mista de Miles &

Huberman (1994, apud. LAPERRIÈRE, 2008). Esses autores, ao compararem o paradigma da

teorização fundamentada e a etnografia descritiva, buscam promover um “meio–termo”. Se

aquela tenta elaborar uma teoria a partir da observação sistemática de situações exemplares, e

esta produz um modelo descritivo exaustivo de uma situação bem delimitada, a Abordagem

Mista proposta pelos autores parte de um contexto empiricamente delimitado para verificar

uma teoria e elaborar uma descrição sistemática. Contudo, esse paradigma de pesquisa não se

preocupa em garantir a exaustividade da descrição.

O método proposto, descrito nos seguintes subtópicos, compõem–se de três etapas: a

delimitação do sistema de trabalho; a identificação das inter-relações entre os elementos deste

sistema; e a efetiva utilização deste mapa para a tomada de decisão mais qualificada.

4.1. Etapa 1 – Delimitando o sistema

A primeira demarcação a ser feita é em relação a qual sistema será analisado. Partir de uma

boa identificação dos subsistemas e seus respectivos objetivos é, provavelmente, a tarefa mais

importante do método, e, de forma geral, da atividade de um gestor ou engenheiro (SILVA,

2011).

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No limite, toda a organização pode ser encarada como objeto de análise. Mas nesses casos, o

nível de detalhamento certamente só irá permitir analisar a rede de operações da empresa

(SLACK et al., 2008). Isso significa dizer que o objeto de análise dispensará micro e meso–

análises: basta entender quais são os impactos entre a função de TI, a função de RH ou a

função Logística. Para que o nível de análise seja relevante e, por outro lado, a quantidade de

variáveis permaneça tratável, a literatura então aponta para a quebra do sistema em

subsistemas. Essa decisão, contudo, deve ser feita com cuidado, questão que se explora a

seguir.

Os pontos de partida, portanto, podem ser dois: do processo (tal como delimitado por

SCHEER et al., 2010) para os juízos de valor perseguidos pelo conjunto de processos; ou,

inversamente, de certo juízo de valor para o conjunto de processos e, consequentemente, para

cada processo que o entrega.

Antes de caracterizar as abordagens a fundo e concluir sobre qual das duas parece ser mais

profícua, vale notar que as duas direções não são mutuamente excludentes. Na realidade se

complementam e devem ser utilizadas recorrentemente durante a aplicação da ferramenta.

− Do processo para o resultado de um conjunto de processos: essa abordagem reproduz o

método de pensamento indutivo: sai do particular para o geral. A vantagem dessa análise é

permitir maior exaustividade. Para cada novo processo em que se identifica uma relação

com determinado objetivo de valor, é necessário conferir outros processos que podem

impactar nesse novo objetivo de valor. A tendência na aplicação desse método é terminar a

representação de subsistemas com toda a organização modelada (ou talvez, quem sabe,

para além dela).

− Do resultado para o processo: se assemelha ao processo de pensamento dedutivo: sai do

geral e busca o particular. Como está centrado em um final bem delimitado, existirá a

tendência de apenas focar nos elementos relacionados àquele resultado. Há, portanto, o

risco de subavaliar processos que influenciam indiretamente o objetivo em questão.

Identificar, contudo, a coincidência entre grandes blocos de processos que confluem para dois

ou mais resultados de valores diferentes pode ser importante. Afinal, a análise deve ser capaz

de identificar trade–offs e apresentá–los aos tomadores de decisão. Se existem objetivos

conflitantes sendo perseguidos pela mesma operação, é esperável que em algum momento

haja uma priorização de um objetivo sobre os demais.

4.2. Etapa 2 – Identificar as interrelações entre elementos do sistema

Tal como colocado anteriormente, a ideia do método proposto é apontar relações de causa e

efeito em modelos de processos. Se considerarmos, agora, a classificação de natureza de

subsistemas proposta por Katz & Kahn (1978) (subsistemas de produção, adaptativo, de

suporte, de manutenção e administrativo), termos a situação ilustrada na figura.

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Figura 3 – Articulando processos e relações causais. Fonte: os autores

As relações causais que investigaremos se manifestam em diversas situações–arquétipos. Uma

listagem a princípio exaustiva (a partir de SENGE, 2009) contabiliza:

− Relações causais na interface: Por ser a relação mais direta, é a mais visível. A interface se

preocupará em estabelecer padrões mínimos de output–input. Mas além de todos os

problemas possíveis nos tópicos a seguir, aqui entra em jogo análises finas de

sincronização. Se a estocagem for impossível (ou se a percepção de fila tiver um custo

muito alto), a sincronização é especialmente sensível. Como existe maior visibilidade na

conexão causal, as atenções gerenciais tendem a se focar no ajuste destas relações;

− Relações causais retardadas à jusante: ilustrado por A. Consideremos, por exemplo, que a

falta de qualidade de um processo só vai ser percebida inúmeras atividades à frente. Ainda

que a sincronização não seja um problema imediato, o fator tempo não é menos

importante, pois existe uma defasagem entre o momento que alterações são feitas no

processo 1 e seus efeitos são percebidos no processo 4;

− Relações causais retardadas à montante: ilustrado por B. É semelhante ao tópico anterior,

mas, possivelmente, ainda mais contraintuitivo. Consideremos, por exemplo, o caso em

que o processo 4 está com sua capacidade de atendimento estourada. Em alguns ciclos,

essa situação irá refletir nos processos à montante e significará problemas;

− Relações causais ad hoc por processos de suporte ou de gestão: Nesses casos, a interface

não está clara, a conexão é feita e desfeita de forma etérea e momentânea. A única medida

de desempenho que se pode exigir, muitas vezes, é que o suporte exista (para o caso, por

exemplo, de um processo de infraestrutura de TI), que a gestão consiga prevenir a

incidência de ocorrências indesejáveis, ou diante de sua ocorrência, que as solucione no

menor tempo possível.

De posse do conjunto de atributos de um processo (tópico 3.2), a organização seria capaz de

identificar quais seriam os processos relevantes para a análise e possíveis casos modelos de

causa-efeito. Uma estrutura para análise do tipo “cheque se o problema x, existe. Se sim,

busque por y nos processos à jusante”. A tipificação tem como vantagem facilitar a

compreensão da sistemática de problemas existentes na organização. Assim, o analista poderá

propor soluções de forma mais consistente e consciente de seus possíveis efeitos. No entanto,

os métodos de pesquisa etnográficos apontam ressalvas que devem ser consideradas

(LAPERRIÈRE, 2008): a tipificação vai induzir – e, portanto, enviesar e limitar – a

observação da realidade. É sintomático, mas não obra do acaso, que a literatura de PS tenha

evitado caminhar por essa vereda.

4.3. Etapa 3: Utilizando o mapa

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A seguir são listadas as decisões que se mostram viáveis a partir do método:

− Avaliação de impactos e mudanças nos processos redesenhados. Checkland (1993) define

três tipos de mudanças em uma organização: estruturais, de procedimentos e de atitudes.

As de estrutura acontecem no longo prazo e podem se concretizar de diferentes formas. Por

exemplo, através da mudança da estrutura organizacional, informacional ou funcional. As

de procedimentos, por abrangerem elementos dinâmicos, tendem a ser colocadas em

prática mais facilmente e em menor prazo. Já as de atitudes, são consideradas as de

resultado mais imprevisíveis, por estarem relacionadas aos modelos comportamentais de

indivíduos que se relacionam em um sistema. Com a estrutura de processos não-linear seria

possível compreender melhor quais contingências deverão ser projetadas;

− Verificação da divisão de responsabilidade dos processos, pensando em termos dos

subsistemas. Se existe um conjunto de processos que entrega um conjunto coerente de

desempenho, então dividir autoridade acarretará apenas em processos decisórios lentos e

conflituosos (SIMON, 1997). O avanço nessa identificação se dá principalmente em

relação aos processos de suporte. Essa não é a forma usual de estrutura nas organizações,

que contam com assessorias funcionais, mas, com o mapa de processos e subsistemas em

mãos, faria sentido criar uma estrutura de responsabilidade dedicada a cada subsistema

crítico da organização? O próximo tópico informa esta questão.

− Revisão dos juízos éticos de cada processo, permitindo distanciar o discurso de uma

discussão centrada nos outputs e centrá-lo em uma discussão de efetividade (SALLES,

2010). Logo, o conjunto de responsabilidades poderá ser definido perguntando: “vale

dedicar papéis nos processos de apoio para garantir tal nível de desempenho?”. Mais do

que isso, é possível enxergar com maior clareza possíveis trade-offs entre partes da

operação (HAYES et al., 2007): “ao aumentar a variabilidade que este processo é capaz de

atender, haverá em um aumento de custos em quais outros processos? Podemos aceitá-

los?”. É possível responder com maior clareza, por exemplo, qual a folga de capacidade e

de redundância que determinado processo precisa possuir para que o subsistema seja capaz

de manter determinado nível de confiabilidade de entrega. Finalmente, esse arranjo de

desempenhos pode ser conflituoso com o de outros subsistemas. As organizações têm

organizado acordos internos entre áreas com o intuito de resolver essa questão (SANTOS,

2009, conceitua esses acordos como SLAs reversos: a contrapartida com a qual outras

áreas devem se comprometer para que o prestador consiga realizar o serviço dentro dos

padrões pré–estabelecidos).

5. Aplicação do método em uma organização

O método apresentado neste trabalho foi aplicado em uma empresa industrial de grande porte.

O primeiro passo realizado foi a delimitação do sistema, partindo de seus processos de

manutenção: corretivos, preditivos e preventivos. A delimitação resultou no recorte

apresentado na figura 4. Para realizar o recorte proposto foi necessário entender as relações de

interface entre os diferentes departamentos e seus processos. O entendimento das relações

pode apresentar um grau elevado de complexidade, o que se mostrou durante o caso.

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Figura 4 Macroprocesso do subsistema analisado no estudo de caso. Fonte: os autores

Ao definirmos o juízo de valor da manutenção, o subsistema passou a incluir como processos

diretos: a programação da produção, a produção propriamente dita e o controle de seus

resultados; os processos indiretos do subsistema são: manutenção e provimento de utilidades

industriais (eletricidade, ar comprimido, etc.); e por fim, tem-se os processos de apoio

representados por: provimento da tecnologia da informação (especialmente o suporte do

sistema de informações da produção e da manutenção), treinamento dos operadores e

manutendores, a gestão de materiais (não apenas os produtivos, mas o estoque de segurança

de sobressalentes) e finanças. O objetivo primário do sistema é o aumento de produtividade

(aumento da relação output/input). Para atingir esse objetivo, ações são orientadas para

diminuir a variabilidade do sistema, o que se traduz na garantia de sua disponibilidade,

diminuição da variabilidade das entradas e diminuição da variabilidade dos processos. A

partir do recorte foram identificadas as relações causais descritas no item 4.2 deste trabalho.

Como primeiro resultado, pôde-se entender que o valor da manutenção não é apenas

downtime (mentalidade do gerente de manutenção), mas garantir o desempenho desejado pela

produção. Declarar o valor nesses termos obriga aqueles envolvidos nos processos a

compartilhar a responsabilidade pelo resultado final e não pelas subpartes que lhes cabem (no

caso do gerente de produção, produzir o máximo quando a máquina estiver disponível).

Essa situação leva ao questionamento da estrutura de responsabilidades. Na organização em

questão, a manutenção era problema do diretor administrativo, enquanto a produção era

responsabilidade do diretor de produção. A identificação do subsistema trouxe argumentos

para a unificação da linha de autoridade. Além disso, passou-se a discutir a dedicação de

funcionários de TI, treinamentos e finanças para atender essa estrutura.

Em seguida, a lógica sistêmica de um backlog de chamados de manutenção infinito foi

identificada. Esse backlog resultava em uma programação da produção de má-qualidade. A

causa-raiz inicial apontou para um sistema de registros mal elaborado, passando pelas áreas

de tecnologia da informação e treinamento. A solução apontada pela empresa foi investir em

sistema informatizado de registro de chamados de manutenção. O problema persistiu, pois,

como se identificou à frente, a verdadeira causa–raiz se encontrava no sistema de incentivos e

recompensas. Afinal, nenhum solicitante era estimulado a realizar um preenchimento correto

ou mesmo dar o retorno no fechamento do chamado.

A priorização de cada linha passou a ser possível, estendendo o conceito de Pulmão-Tambor-

Corda para outros processos (PAIM et al., 2009). Com essa identificação, puderam-se

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estabelecer níveis de serviços de disponibilidade diferentes para cada linha e equipamentos.

Por sua vez, tais SLAs passaram a informar a criticidade da falta de material necessário às

diferentes manutenções. Diminuíram os casos em que a programação era descumprida por

falta de material.

6. Considerações finais

A partir do referencial conceitual utilizado como base, foi possível observar que a visão por

processos traz consigo a desvantagem de não permitir o entendimento das relações de

causalidades circulares entre as variáveis dos sistemas em que os processos se encontram,

dada sua forma linear de representação. Essa limitação motivou a construção do presente

método, capaz de encadear as etapas e facilitar o domínio do analista sobre o funcionamento

sistêmico da organização.

No que concerne diretamente o método proposto, acredita-se que seja capaz de apoiar as

organizações a tomarem decisões relacionadas aos seus processos de forma sistêmica. Essas

decisões são pertinentes tanto no projeto de novos processos quanto na análise necessária ao

reprojeto de processos existentes.

Cabe ressaltar que o método sugerido tem limitações. Para aplicá–lo, é preciso conhecer

previamente os principais inputs e outputs de cada processo no nível do macroprocesso. O

método, portanto, é dependente do conhecimento e da capacidade analítica do indivíduo que

for aplicá–lo em uma organização. Como está assentado nos modelos de processo, o método

está limitado à porção do trabalho que pode ser modelado. Como Davenport (2010) coloca,

trabalhos que requerem alta interpretação (como os trabalhos colaborativos e de alto

profissionalismo) são, por natureza, de difícil representação. Outro ponto importante a

destacar é que o método apresentado não induz a soluções prontas e imediatas, e sim apoia o

analista de melhorias organizacionais.

Como desdobramento de futuros trabalhos em torno do tema, recomenda-se a aplicação do

método em outras organizações, com características diferentes, para testar a generalização e

resultados do mesmo. Outro desdobramento possível seria o desenvolvimento de um padrão

de modelagem de processos que leve em consideração a representação de objetos „sistêmicos‟

nos modelos de processo; ou seja, que busquem alertar eventuais relacionamentos de causa e

efeito entre as atividades ou até mesmo apontar possíveis efeitos colaterais, desejados ou

indesejados. A proposição de uma taxonomia – elaboração de uma lista de relações causais e

de arquétipos sistêmicos em processos – também constitui um relevante estudo a ser

desenvolvido.

Com relação à aplicação do método na organização, os participantes relataram um ganho de

aprendizagem considerável sobre o funcionamento da organização. Também comentaram que

se sentiram mais confiantes ao sugerirem melhorias, por estarem mais conscientes da situação

corrente das operações da organização. Além disso, no decorrer das etapas executadas, o

analista que as aplicou relatou uma indução à reflexão significativa sobre sua organização,

contribuindo para o aumento da aprendizagem organizacional.

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