PROPICIAÇÃO

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Propiciação John M. Riddle Leia Lc 18:9-14; Rm 3:9-26; Hb 2:17-18; I Jo 2:1-2; 4:9-10. Na Sua parábola sobre os dois homens orando no templo (Lc 18:9-14) o Senhor Jesus falou o seguinte: “O publicano, porém, estando em pé, de longe, nem ainda queria levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: Ó Deus tem misericórdia de mim, pecador!” Ao contrário do fariseu, que pertencia a uma classe “que confiava em si mesmo que era justo”, o publicano “desceu justificado para sua casa”. Embora a grande doutrina bíblica da justificação pela fé tenha sido tratada no cap. 4 deste livro, e nenhum comentário detalhado seja necessário, a parábola do Senhor enfatiza a base da justificação. O publicano, que ultrapassou muito o fariseu em inteligência espiritual, estava convencido que a bênção que ele procurava, e que encontrou, dependia de sangue derramado. Vemos isto nas suas palavras: “Ó Deus, tem misericórdia de mim pecador”, onde a palavra traduzida “misericórdia” ( hilaskomai) significa “ser propício” (W. E. Vine), e ocorre também em Hebreus 2:17: “para expiar os pecados do povo”. O fato do Senhor Jesus Cristo, como “misericordioso e fiel sacerdote naquilo que é de Deus”, incumbir -Se deste trabalho, claramente se refere ao Dia de Expiação, quando o sangue “do bode da expiação, que será pelo povo”, era aspergido “sobre o propiciatório, e perante a face do propiciatório” (Lv 16:15). Como C. I. Scofield comenta: “o publicano, como um judeu instruído, está pensando, não meramente na misericórdia, mas no sangue aspergido sobre o propiciatório … Sua oração poderia ser parafraseada: „Seja para comigo como Tu és quando olhas para o sangue expiador‟. A Bíblia não conhece perdão Divino sem um sacrifício”. Como o publicano, nós compreendemos que nunca poderíamos esperar gozar de uma sequer das bênçãos de Deus a menos que as exigências da Sua justiça fossem plenamente satisfeitas. Assim cantamos: O sangue de Cristo, Teu Cordeiro imaculado, É, ó Deus, minha única confiança; Nada mais meu pecado poderia expiar; Em mim nenhuma virtude consigo achar Que poderia trazer à Tua presença. W. S. W. Pond (tradução literal) O Oxford Pocket Dictionary (“Dicionário de Bolso Oxford”) define “propiciação” como: “aplacar; um presente ou ato feito para ganhar o favor ou a tolerância de outro”. Conforme esta definição, o favor ou a tolerância tinha de ser conquistada. No Velho Testamento, Jacó disse: “Eu o [Esaú] aplacarei com o presente” (Gn 32:20). A idéia de aplacar é ilustrada também em Provérbios 21:14: “O presente dado em segredo aplaca a ira, e a dádiva no regaço põe fim à maior indignação”. Mas, embora o uso normal da palavra “propiciar”, no grego, significa conciliar ou aplacar, este não é seu uso no Novo Testamento. A idéia pagã de propiciação era que os deuses irados precisavam ser aplacados antes de concederem algum favor aos seus devotos. O ensino da Bíblia é diferente: o amor de Deus para com os homens pecadores providencia o próprio sacrifício, por meio do qual seus pecados podem ser removidos com justiça: “Nisto está o amor, não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou a nós, e enviou seu Filho para propiciação pelos nossos pecados” (I Jo 4:10). Propiciação não significa que a ira de Deus foi trocada por uma disposição favorável para conosco, por causa da morte de Seu Filho no Calvário, mas significa que Seu amor por nós providenciou o sacrifício sobre o qual a nossa maior bênção pudesse ser assegurada.

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A GLÓRIA DA SUA GRAÇA

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  • Propiciao

    John M. Riddle

    Leia Lc 18:9-14; Rm 3:9-26; Hb 2:17-18; I Jo 2:1-2; 4:9-10.

    Na Sua parbola sobre os dois homens orando no templo (Lc 18:9-14) o Senhor Jesus

    falou o seguinte: O publicano, porm, estando em p, de longe, nem ainda queria levantar os olhos ao cu, mas batia no peito, dizendo: Deus tem misericrdia de mim,

    pecador! Ao contrrio do fariseu, que pertencia a uma classe que confiava em si mesmo que era justo, o publicano desceu justificado para sua casa.

    Embora a grande doutrina bblica da justificao pela f tenha sido tratada no cap. 4

    deste livro, e nenhum comentrio detalhado seja necessrio, a parbola do Senhor

    enfatiza a base da justificao. O publicano, que ultrapassou muito o fariseu em

    inteligncia espiritual, estava convencido que a bno que ele procurava, e que

    encontrou, dependia de sangue derramado. Vemos isto nas suas palavras: Deus, tem misericrdia de mim pecador, onde a palavra traduzida misericrdia (hilaskomai) significa ser propcio (W. E. Vine), e ocorre tambm em Hebreus 2:17: para expiar os pecados do povo. O fato do Senhor Jesus Cristo, como misericordioso e fiel sacerdote naquilo que de Deus, incumbir-Se deste trabalho, claramente se refere ao Dia de Expiao, quando o sangue do bode da expiao, que ser pelo povo, era aspergido sobre o propiciatrio, e perante a face do propiciatrio (Lv 16:15). Como C. I. Scofield comenta: o publicano, como um judeu instrudo, est pensando, no meramente na misericrdia, mas no sangue aspergido sobre o

    propiciatrio Sua orao poderia ser parafraseada: Seja para comigo como Tu s quando olhas para o sangue expiador. A Bblia no conhece perdo Divino sem um sacrifcio.

    Como o publicano, ns compreendemos que nunca poderamos esperar gozar de uma

    sequer das bnos de Deus a menos que as exigncias da Sua justia fossem

    plenamente satisfeitas. Assim cantamos:

    O sangue de Cristo, Teu Cordeiro imaculado,

    , Deus, minha nica confiana;

    Nada mais meu pecado poderia expiar;

    Em mim nenhuma virtude consigo achar

    Que poderia trazer Tua presena.

    W. S. W. Pond (traduo literal)

    O Oxford Pocket Dictionary (Dicionrio de Bolso Oxford) define propiciao como: aplacar; um presente ou ato feito para ganhar o favor ou a tolerncia de outro. Conforme esta definio, o favor ou a tolerncia tinha de ser conquistada. No Velho

    Testamento, Jac disse: Eu o [Esa] aplacarei com o presente (Gn 32:20). A idia de aplacar ilustrada tambm em Provrbios 21:14: O presente dado em segredo aplaca a ira, e a ddiva no regao pe fim maior indignao. Mas, embora o uso normal da palavra propiciar, no grego, significa conciliar ou aplacar, este no seu uso no Novo Testamento. A idia pag de propiciao era que os deuses irados precisavam ser

    aplacados antes de concederem algum favor aos seus devotos. O ensino da Bblia

    diferente: o amor de Deus para com os homens pecadores providencia o prprio

    sacrifcio, por meio do qual seus pecados podem ser removidos com justia: Nisto est o amor, no em que ns tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou a ns, e

    enviou seu Filho para propiciao pelos nossos pecados (I Jo 4:10). Propiciao no significa que a ira de Deus foi trocada por uma disposio favorvel para conosco, por

    causa da morte de Seu Filho no Calvrio, mas significa que Seu amor por ns

    providenciou o sacrifcio sobre o qual a nossa maior bno pudesse ser assegurada.

  • A morte do Senhor Jesus Cristo como a propiciao pelo nosso pecado o alicerce da nossa salvao. O Salmista disse: Se forem destrudos os fundamentos, que poder fazer o justo? (Sl 11:3), e os justos podem responder: Eu sei que tudo quanto Deus faz durar eternamente; nada se lhe deve acrescentar e nada se lhe deve tirar (Ec 3:14).

    Com isto em mente, muito importante observar que as passagens do Novo

    Testamento que falam de propiciao, fazem referncia ao Dia de Expiao, mas h

    uma grande diferena entre expiao e propiciao. Expiao no uma palavra do Novo Testamento, e no um assunto do Novo Testamento. essencialmente uma

    palavra do Velho Testamento, pois:

    i) significa cobrir, e

    ii) exigia repetio.

    i) Pensando no significado de cobrir, devemos lembrar que em vista da morte de Cristo, Deus passou por cima dos pecados do perodo do Velho Testamento: Ao qual Deus props para propiciao pela f no seu sangue, para demonstrar a sua

    justia pela remisso dos pecados dantes cometidos, sob a pacincia de Deus (Rm 3:25). O comentrio de J. N. Darby aqui nos ajuda: Deus passou por cima e no julgou os pecados dos crentes do Velho Testamento. Contudo, aqueles pecados precisam ser julgados, e por isto o valor da morte de Cristo abrangeu tanto o passado

    como o futuro. No Velho Testamento, Deus passou pelo pecado, tendo em vista a morte futura do Seu Filho. Ele agora julgou aqueles pecados exatamente da mesma

    maneira como julgou os pecados de cada crente, hoje. Portanto, estritamente falando,

    no apropriado falar da morte expiatria de Cristo. As palavras usadas em alguns hinos podem nos levar a pensar de maneira errada neste ponto, mas, em sua defesa,

    temos de reconhecer que muitos dos escritores destes hinos usam expresses como a nica expiao e a completa expiao.

    ii) Pensando agora na repetio da expiao, necessria no Velho Testamento, o

    Novo Testamento nos lembra que, nesses sacrifcios, porm, cada ano se faz comemorao dos pecados (Hb 10:3), mas agora uma s oblao aperfeioou para sempre os que so santificados (Hb 10:14). Deus pode declarar: jamais me lembrarei de seus pecados e de suas iniquidades (Hb 10:17). Falando da morte de Cristo, lemos: nem tambm para a si mesmo se oferecer muitas vezes, como o sumo sacerdote cada ano [no Dia da Expiao] entra no santurio com sangue alheio;

    de outra maneira, necessrio lhe fora padecer muitas vezes desde a fundao do

    mundo. Mas agora na consumao dos sculos uma vez se manifestou,

    para aniquilar o pecado pelo sacrifcio de si mesmo (Hb 9:25-26).

    No Novo Testamento, o assunto da propiciao apresentado de vrias maneiras

    complementares. A palavra ocorre seis vezes no texto grego original (Lc 18:13; Rm

    3:25; Hb 2:17; Hb 9:5; I Jo 2:2; I Jo 4:10) e seria til considerar estas passagens na

    seguinte ordem cronolgica, comeando com a fonte da propiciao e concluindo com

    as bnos conseguidas por meio da propiciao:

    i) propiciao e o amor de Deus em Cristo;

    ii) propiciao e o sangue de Cristo;

    iii) propiciao e f em Cristo;

    iv) propiciao e o sacerdcio de Cristo;

    v) propiciao e a advocacia de Cristo.

    Robert McClurkin chama nossa ateno ao pano de fundo nas trs epstolas onde a palavra propiciao encontrada Romanos, Hebreus e I Joo. Trs grandes verdades so expostas nestes livros: justificao, santificao e o relacionamento

  • espiritual na famlia de Deus. Em Romanos a propiciao possibilita a Deus justificar, e

    a Cristo Se tornar Salvador. Em Hebreus, a propiciao possibilita a Deus santificar, e a

    Cristo Se tornar Sacerdote. Em I Joo, a propiciao possibilita a Deus se tornar Pai, e a

    Cristo Se tornar Advogado para manter o prazer e a alegria daquele relacionamento. Em

    Romanos, o aspecto da oferta pelo pecado que destacado na propiciao. Em

    Hebreus, o aspecto da oferta queimada, e em I Joo o aspecto da oferta pacfica,

    reconciliando Deus num relacionamento familiar, com toda a inimizade destruda.

    A propiciao e o amor de Deus em Cristo

    Nisto se manifesta o amor de Deus para conosco; que Deus enviou seu Filho unignito ao mundo, para que por ele vivamos. Nisto est o amor, no em que ns

    tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou a ns, e enviou seu Filho para

    propiciao pelos nossos pecados (I Jo 4:9-10).

    O Senhor Jesus Se manifestou para tirar os nossos pecados (3:5); se manifestou; para desfazer as obras do diabo (3:8); e se manifesta para que por ele vivamos (4:9). Porque o amor de Deus (4:7), e Deus amor (4:8), cada bno que gozamos tem sua fonte no amor de Deus para conosco. Nunca cansamos de repetir as

    palavras preciosas: Porque Deus amou o mundo de tal maneira, que deu o seu Filho unignito (Jo 3:16). O amor divino tomou a iniciativa ao realizar a nossa salvao, e vale a pena destacar que isto se torna claro bem no incio da Bblia: E chamou o Senhor Deus a Ado, e disse-lhe: Onde ests? (Gn 3:9). Deus no estava procurando informaes, mas queria ensinar a Ado que o pecado tinha destrudo a sua comunho e

    aberto um grande abismo entre eles. A lio clara: o reconhecimento da alienao de

    Deus o primeiro passo na salvao. O amor que buscou Ado, cado no den,

    finalmente trouxe o Salvador do Cu. Ele veio para buscar e salvar o perdido (Lc 19:10), e para que Ele pudesse efetuar a salvao dos perdidos Ele Se tornou a propiciao pelos nossos pecados.

    Neste contexto, devemos notar trs assuntos importantes. Em primeiro lugar, o amor

    de Deus foi manifestado. Seu amor no somente terico, no uma teologia abstrata, no somente uma idia emocional. O Seu amor foi demonstrado atravs da

    histria. um fato: Cristo morreu pelos nossos pecados segundo as Escrituras; e foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia segundo as Escrituras; e foi visto (I Co 15:3-5). A salvao baseada em fatos bem confirmados e autenticados. Em segundo

    lugar, o amor de Deus foi manifestado no Seu Filho unignito. Esta uma expresso da mais profunda afeio, como podemos provar de Hebreus 11:17: aquele que recebera as promessas ofereceu o seu unignito. Abrao tinha outros filhos, mas somente Isaque chamado seu filho unignito, e foi dele que Deus disse: Toma agora o teu filho, o teu nico filho, Isaque, a quem amas (Gn 22:2). O amor de Deus foi demonstrado na morte do prprio Filho a quem Ele amava infinita e eternamente.

    Em terceiro lugar, o Senhor Jesus no Se tornou o Filho de Deus pela encarnao, Ele

    foi enviado como Filho.

    S pensar que Deus nos teria amado muito maravilhoso. Mas pensar que Seu amor

    para conosco foi manifestado na morte do Seu Amado Filho, nos faz exclamar: Tal conhecimento maravilhoso demais para mim; elevado , no o posso atingir (Sl 139:6, VB). At mesmo isto excedido quando lemos: Ele nos amou a ns, e enviou seu Filho para propiciao pelos nossos pecados. A palavra propiciao, aqui, um substantivo (hilasmos) e se refere ao sacrifcio do Senhor Jesus. Ele a propiciao,

    significando que Ele Mesmo, atravs do sacrifcio expiatrio da Sua morte, a maneira pessoal pela qual Deus mostra misericrdia ao pecador que cr em Cristo como Aquele

    assim providenciado (W. E. Vine). Como a propiciao, Ele enfrentou toda a ira de

  • Deus contra o nosso pecado. Tudo isto, por causa do amor de Deus para conosco, e isso

    nos faz cantar:

    To perdidos e sem esperana ns, pecadores, teramos ficado,

    Se Ele no nos tivesse amado at nos purificar do nosso pecado!

    A. T. Pierson

    No podemos deixar este aspecto da propiciao sem destacar que a morte do Senhor

    Jesus desta maneira no foi somente a grande expresso do amor de Deus para com o homem; mas tambm a razo pela qual os salvos devem amar uns aos outros (W. E. Vine). Vemos isso como uma exortao: amemo-nos uns aos outros (I Jo 4:7); como uma obrigao: ns devemos amar uns aos outros (I Jo 4:11), e como um mandamento: E dele temos este mandamento: que quem ama a Deus, ame tambm a seu irmo (I Jo 4:21). Visto que o amor de Deus real e tangvel, nosso amor uns para com os outros deve ser por obra e em verdade (I Jo 3:18).

    A propiciao e o sangue de Cristo

    Mas agora se manifestou sem a lei a justia de Deus, tendo o testemunho da lei e dos profetas; isto , a justia de Deus pela f em Jesus Cristo para todos e sobre todos os

    que crem sendo justificados gratuitamente pela sua graa, pela redeno que h em Cristo Jesus. Ao qual Deus props para propiciao pela f no seu sangue, para

    demonstrar a sua justia pela remisso dos pecados dantes cometidos, sob a pacincia de

    Deus; para demonstrao da sua justia neste tempo presente, para que ele seja justo e

    justificador daquele que tem f em Jesus (Rm 3:21-26).

    Se em I Joo 4 aprendemos que a propiciao tem sua origem no amor de Deus, aqui

    em Romanos 3 aprendemos que a propiciao demonstrada na presena de Deus, pelo

    sangue de Cristo. Isso evidente pelo fato que neste caso a palavra propiciao (hilasterion) fala do propiciatrio que cobria a arca da aliana. A mesma palavra ocorre

    em Hebreus 9:5: E sobre a arca os querubins da glria, que faziam sombra no propiciatrio, e, segundo W. E. Vine, tambm usada frequentemente do propiciatrio na Verso Septuaginta do Velho Testamento. Devemos lembrar que o propiciatrio no

    era o lugar exato onde a expiao de pecado era feita. Isso era feito no altar de bronze

    (Lv 16:9), mas o sangue da vitima era aspergido sobre, e perante, o propiciatrio para

    demonstrar que a propiciao fora completa, assim prefigurando a apresentao da Obra

    completa de Cristo na presena de Deus, pois nem por sangue de bodes e bezerros, mas por seu prprio sangue, entrou uma vez no santurio, havendo efetuado uma eterna

    redeno (Hb 9:12).

    No apenas no sentido literal e fsico que encontramos referncias ao sangue. O

    sangue representa a vida da vtima. O sangue de Cristo foi derramado por causa do juzo

    Divino. Como W. E. Vine destaca, por metonmia, o sangue s vezes usado significando morte; visto que a vida est no sangue (Lv 17:11), quando o sangue derramado, a vida termina. O princpio fundamental pelo qual Deus trata os pecadores expresso nas palavras: sem o derramamento de sangue [isto , sem morte] no h remisso (Hb 9:22).

    Trs grandes palavras bblicas aparecem em Romanos 3:24-25: sendo justificado gratuitamente, pela sua graa, pela redeno que h em Cristo Jesus, ao qual Deus

    props para propiciao. Se a redeno enfatiza o efeito da obra de Cristo para com pecadores, ento a propiciao enfatiza o efeito da obra de Cristo para com um Deus

    justo e santo. O pecado tem um efeito duplo; em primeiro lugar desonra a Deus. O pecado afrontou a Sua santidade, insultou a Sua majestade, e desafiou o Seu governo

    justo (W. R. Newell). Em segundo lugar, destri o pecador. As exigncias de Deus precisam ser satisfeitas antes que pecadores possam ser libertos da culpa, e a morte do

  • Senhor Jesus tornou isto possvel. Como W. R. Newell observa: Devemos aprender que a cruz no somente traz bnos eternas a ns, mas em primeiro lugar glorifica a

    Deus! Somos redimidos somente porque Deus foi propiciado e, como notamos acima, Romanos 3 enfatiza o lugar onde a propiciao manifestada.

    de suma importncia lembrar que no Dia da Expiao, foi o sangue do bode sobre o qual cair a sorte pelo Senhor (Lv 16:9) que tornou o propiciatrio eficaz. O sangue no foi aspergido sobre o povo, foi todo aspergido na presena de Deus. Diferentemente

    dos outros sacrifcios pelo pecado, neste sacrifcio o pecado pessoal do ofertante no era

    imputado vtima. por isto que chamado o bode sobre o qual cair a sorte pelo Senhor. Este sacrifcio no exigia f para torn-lo eficaz. No era aplicado sobre qualquer homem, nem mesmo o sumo sacerdote. O sangue do bode morto testificava

    que a morte tinha acontecido e que as exigncias de Deus contra o pecado tinham sido

    plenamente satisfeitas. Deus e o homem s podiam se encontrar no propiciatrio quando

    este tivesse sido aspergido com sangue derramado. Caso contrrio, significava morte

    instantnea a quem quer que se atrevesse a aproximar. Contudo, Deus tinha dito:

    E ali virei a ti, e falarei contigo de cima do propiciatrio (x 25:22), fazendo-nos lembrar que Deus, e somente Ele, que conhecia as exigncias da Sua prpria justia, as

    tinha satisfeito atravs da morte do Seu Filho.

    O Senhor Jesus se tornou o verdadeiro propiciatrio, no somente pela Sua encarnao, nem somente pela Sua vida, mas pela Sua morte. Assim lemos: Ao qual Deus props para [ser] propiciao no seu sangue (Rm 3:25). Pelo Seu sangue derramado Ele Se tornou o lugar de encontro entre Deus e o homem. Esta proviso

    ilimitada. Ningum excludo do benefcio. Ele Se deu a si mesmo em preo de redeno por todos quer aproveitem disto, quer no. Deus est numa posio para salvar todos os homens. E Ele a propiciao [hilasmos] pelos nossos pecados, e no somente pelos nossos, mas tambm pelos de todo o mundo (I Jo 2:2).

    Temos que enfatizar novamente que a morte do Senhor Jesus Cristo a nica base

    sobre a qual Deus sempre tratou com o pecado humano. Em Romanos 3:25 Paulo

    apresenta a posio dos homens e mulheres antes da Sua morte, e no v. 26 ele apresenta

    a posio dos homens e mulheres depois da Sua morte.

    i) A morte do Senhor Jesus declara a Sua justia pela remisso [passar por cima] dos pecados dantes cometidos, sob a pacincia de Deus (Rm 3:25). Mas isto no significou que Deus tenha esquecido ou diminudo a Sua ira contra aquele pecado (W. R. Newell). Aqueles pecados precisam ser castigados, mas Deus reteve o castigo

    naquele tempo, e este foi plenamente satisfeito pelo Senhor Jesus. Deus agora

    demonstra (esclarece) a base sobre a qual Ele tinha retido o juzo, e demonstra que Ele foi perfeitamente justo em deixar impunes os pecados anteriormente cometidos (ARA). Obviamente, o perdo gozado nos tempos do Velho Testamento no era

    baseado nos sacrifcios de animais: Porque impossvel que o sangue dos touros e dos bodes tire os pecados sacrifcio e ofertas no quiseste, nem te agradaram (Hb 10:4-8). Os sacrifcios do Velho Testamento, incluindo os sacrifcios do Dia de

    Expiao, no tinham valor intrnseco, mas tiveram um valor exterior, em que pelo

    sacrifcio exigido por Deus, as pessoas se colocavam numa posio onde poderiam

    ser beneficiadas pela obra futura do Senhor Jesus Cristo.

    ii) A morte do Senhor Jesus Cristo declara a Sua justia, neste tempo presente, para que ele seja justo e justificador daquele que tem f em Jesus (Rm 3:26). Claramente, ento, os pecados cometidos antes da cruz, e os pecados

    cometidos depois da cruz, foram tratados na mesmssima base: a morte do Senhor

    Jesus no Calvrio. A Sua morte permite a Deus tratar a questo do pecado com

  • justia. Sem a morte de Cristo, a justificao teria sido injusta e impossvel. Mas, por

    intermdio da morte do Senhor Jesus, Deus [a] justo, e [b] o justificador daquele que tem f em Jesus. A f no Senhor Jesus permite que Deus, por causa do sangue derramado do Seu amado Filho, declare justo o pecador culpado. Diferente dos

    tribunais humanos de hoje, onde s vezes h falhas e alteraes, esta declarao

    nunca pode ser desfeita. Deus o Juiz de toda a terra e Ele Se assenta no mais elevado e justo Tribunal do universo.

    A propiciao e a f em Cristo

    importante compreender corretamente as palavras: Ao qual Deus props para propiciao pela f no seu sangue, para demonstrar a sua justia pela remisso dos

    pecados dantes cometidos (Rm 3:25). O significado se torna mais claro quando colocamos vrgulas antes e depois de pela f: Ao qual Deus props para propiciao, pela f, no seu sangue Na verso ARA lemos: A quem Deus props, no seu sangue, como propiciao, mediante a f, para manifestar sua justia, por ter Deus, na

    sua tolerncia, deixado impunes os pecados anteriormente cometidos. W. E. Vine explica que a traduo f no seu sangue incorreta, pois a f sempre descansa numa Pessoa viva, nunca no sangue. A f a maneira de tomar posse do perdo; o sangue o

    meio pelo qual o perdo efetuado.

    Todavia, importante lembrar que a f no Senhor Jesus Cristo que nos introduz s

    bnos da Sua obra no Calvrio. As palavras pela f ocorrem aqui como parte da nfase na passagem sobre o meio da justificao. J foi enfatizado que as palavras a propiciao pelos nossos pecados a linguagem da f, e que todos podem clamar: Deus, tem misericrdia de mim, pecador!

    A propiciao e o sacerdcio de Cristo

    Por isso convinha que em tudo fosse semelhante aos irmos, para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote naquilo que de Deus, para expiar os pecados [fazer propiciao pelos pecados, ARA] do povo. Porque naquilo que ele mesmo, sendo tentado, padeceu, pode socorrer aos que so tentados (Hb 2:17-18). A palavra aqui traduzida expiao na AT hilaskomai, propiciao. A diferena entre reconciliao e propiciao que pessoas so reconciliadas e pecados so propiciados.

    Se em Romanos 3 a propiciao a base da nossa justificao, e em I Joo 2 ela a

    base da advocacia de Cristo, ento em Hebreus 2 a propiciao a base do Seu

    sacerdcio. importante lembrar que Hebreus apresenta dois aspectos da obra de Cristo

    como sumo sacerdote, e ambos so mencionados aqui. O Senhor Jesus um misericordioso e fiel sumo sacerdote naquilo que de Deus, em primeiro lugar para fazer propiciao pelos pecados do povo, e, em segundo lugar para socorrer aos que so tentados. O primeiro completo: a obra nunca ser repetida. O segundo contnuo: a obra continua dia a dia. O significado da palavra socorrer pode ser ilustrado na referncia ao ministrio de Melquisedeque para com Abrao. Ele reanimou

    e fortaleceu o guerreiro cansado e o ajudou a resistir o rei de Sodoma (Gn 14). No

    Velho Testamento, o sumo sacerdote aspergia o sangue no Dia de Expiao, lanando

    assim a base de aproximao a Deus, e com esta base, ele podia represent-los perante

    Deus. A obra propiciatria do Senhor Jesus a base do Seu ministrio como sumo

    sacerdote em nosso favor. Ele j tratou da questo do nosso pecado e injustia, e por

    isto, com razo, podemos cantar:

    Jesus, Grande Sumo Sacerdote meu,

    Ofereceu Seu sangue e morreu;

    Minha conscincia culpada nenhum outro sacrifcio quer;

    Seu sangue uma vez propiciou, e agora, ante o trono, vem interceder.

  • I. Watts (traduo literal)

    A propiciao e a advocacia de Cristo

    Meus filhinhos, estas coisas vos escrevo, para que no pequeis; e, se algum pecar, temos um Advogado para com o Pai, Jesus Cristo, o justo. E ele a propiciao pelos

    nossos pecados, e no somente pelos nossos, mas tambm pelos de todo o mundo (I Jo 2:1-2).

    Em I Joo, a palavra pecado usada para traduzir, no duas palavras diferentes, mas dois tempos diferentes. Por exemplo, em 3:9, as palavras qualquer que nascido de Deus no comete pecado, significam que salvos no vivem na prtica do pecado. Mas, aqui, em 2:1, as palavras se algum pecar significam pecado num momento de tempo. No uma questo da prtica do pecado, mas de uma falha especfica (H. A. Ironside). importante entender a diferena entre estes dois exemplos. Pessoas salvas

    andam na luz. Elas aborrecem o pecado, e amam a santidade. O pecado as entristece quando aparece nas suas vidas: eles certamente no vivem na prtica do pecado. Pessoas

    que dizem ser salvas, mas que continuam sem mudana nas suas vidas, no so salvas.

    Elas andam nas trevas.

    Quando um salvo peca, a confisso necessria: Se confessarmos os nossos pecados, ele fiel e justo para nos perdoar os pecados, e nos purificar de toda a

    injustia (I Jo 1:9). Mas o Senhor Jesus est envolvido na nossa restaurao. Se algum pecar, temos um Advogado para com o Pai, Jesus Cristo, o justo (I Jo 2:1). A palavra Advogado traduzida Consolador em Joo 14:26; 15:26; 16:7. Segundo W. E. Vine, a palavra era usada no tribunal de justia para descrever um assistente legal, um conselheiro para a defesa, e um advogado; assim significa, de um modo geral,

    algum que intercede em favor de outro, intercessor, defensor, como em I Joo 2:1.

    Embora o sentido mais amplo da palavra algum chamado ao lado para ajudar seja bem aplicado s referncias citadas no evangelho de Joo caps. 14 a 16, onde o Senhor Jesus Se refere ao trabalho do Esprito Santo, importante lembrar que as

    palavras da Bblia devem sempre ser entendidas no seu contexto. Em I Joo, o contexto

    certamente legal pecado foi cometido e assim as implicaes legais de um advogado so aplicveis. A passagem no diz: Se confessarmos nosso pecado, temos Advogado para com o Pai, mas: Se algum pecar, temos Advogado para com o Pai. O Senhor Jesus age em nosso favor imediatamente que pecamos; Ele trata o caso no

    exato momento da falha. Ele age, no perante Deus, mas perante o Pai. Temos Advogado para com o Pai, Jesus Cristo, o justo. Esta diferena muito importante. Quando pecamos, nossa posio perante Deus no alterada, e, portanto, no

    precisamos de um Advogado para com Deus. Se o versculo dissesse: temos Advogado para com Deus implicaria que a questo do pecado no fora resolvida. Mas, graas a Deus, est resolvida. O sangue de Jesus Cristo, Seu Filho, nos purifica de todo o pecado (I Jo 1:7). A questo do pecado para com Deus foi tratada justamente e judicialmente. Se ainda precisssemos de um Advogado para com Deus no poderamos mais falar da salvao mediante a obra consumada de Cristo. No nvel humano, um pai pode ter filhos errantes, mas continuam sendo seus filhos e, citando W.

    Lincoln: H toda diferena no mundo entre nosso Pai vendo nosso pecado e Deus vendo nosso pecado. O pecado entristece o Pai, mas j est resolvido eternamente perante Deus. Quando salvos pecam, seu relacionamento com Deus no

    mudado, mas seu relacionamento com o Pai foi mudado. Em outras palavras,

    nossa unio com Deus no pode ser quebrada, mas nossa comunho com o

    Pai pode ser quebrada. Algum expressou isto de maneira encantadora: o propsito da

    advocacia de Cristo no colocar filhos na famlia de Deus, mas mant-los na famlia!

  • O Senhor Jesus pode agir como nosso Advogado para com o Pai porque, em primeiro lugar, Ele Jesus Cristo, o Justo e, em segundo lugar, porque Ele a propiciao pelos nossos pecados. Nosso Advogado j esteve aqui, Sua justia perfeita j foi demonstrada num mundo pecaminoso, portanto Ele perfeitamente qualificado

    para agir em nosso favor. Ele faz isto, no apresentando circunstncias atenuantes ou

    desculpas vs, mas como a propiciao pelos nossos pecados. Quem melhor para interceder nossa causa perante o Pai do que Aquele que enfrentou a ira de Deus contra o

    pecado? Ele apresenta a Sua prpria morte como a base sobre a qual o Pai pode mostrar

    misericrdia ao Seu filho errante. muito importante notar que Joo no diz: Ele era o propiciao pelo nosso pecado, mas Ele a propiciao pelo nosso pecado. Isso enfatiza a eficcia permanente da Sua Obra no Calvrio. Como em 4:10, Joo usa a

    palavra hilasmos, enfatizando que Cristo , Ele mesmo, o sacrifcio pelo qual Deus pode

    mostrar misericrdia. Quando ns pecamos, o Senhor Jesus apresenta a Sua morte em

    nosso favor como a base da restaurao da nossa comunho com o Pai.

    Resumindo, podemos dizer que enquanto o sacerdcio do Senhor depende, entre

    outras coisas, da Sua semelhana conosco, Sua advocacia depende da Sua falta de

    semelhana conosco. Seu sacerdcio tem o propsito de nos fortalecer; o propsito da

    Sua advocacia nos restaurar.

    Precisamos considerar mais um assunto de grande importncia. Lemos em I Joo 2:2:

    Ele a propiciao pelos nossos pecados, e no somente pelos nossos, mas tambm pelos de todo o mundo; mas a traduo de J.N.D contm uma alterao importante: Ele a propiciao pelos nossos pecados, e no somente pelos nossos, mas tambm por todo o mundo; somente o salvo pode dizer, Ele a propiciao pelos meus pecados. Se Cristo a propiciao pelos pecados de todo o mundo, ento todo o mundo salvo e est caminhando para o cu. Mas no isso que afirmado aqui.

    Antes, Ele a propiciao por todo o mundo. Isso ilustrado com clareza quando consideramos novamente o que acontecia no Dia da Expiao, relatado em Levtico 16.

    Como j observamos, o primeiro dos dois bodes era do Senhor; era o bode sobre o qual caiu a sorte pelo Senhor (vs. 8-9). Seu sangue era aspergido sobre o propiciatrio, e perante a face do propiciatrio (v. 15). Nenhum pecado era confessado sobre este bode; o sangue satisfez as exigncias de Deus contra o pecado. Nenhum

    pecado podia ser remido at que aquele sangue estivesse na presena de Deus

    vindicando e honrando Seu nome. O sangue do Senhor Jesus satisfez perfeitamente as

    exigncias de Deus, e o servo de Deus pode rogar e suplicar, at aos Seus inimigos, que se reconciliem com Deus (W. Kelly). A propiciao a base do Evangelho; mostra-nos como Deus est numa posio para salvar todo aquele que invocar o nome do Senhor. Ningum excludo do alcance desta mensagem. Ningum , por predeterminao divina, excludo do alcance da misericrdia de Deus (W. E. Vine). A doutrina da expiao limitada totalmente estranha s Escrituras.

    O Senhor Jesus no morreu somente em favor dos eleitos. Mas somente aqueles que

    vem a Cristo, confessando os seus pecados, confiando nEle, pela f, para a salvao,

    podem dizer: Ele a propiciao pelos meus pecados. Assim eles tomam a posio descrita em relao ao segundo bode (o bode expiatrio) em Levtico 16:21: E Aro por ambas as mos sobre a cabea do bode vivo, e sobre ele confessar todas as

    iniquidades dos filhos de Israel, e todas as suas transgresses, e todos os seus pecados; e

    os por sobre a cabea do bode.

    Nas palavras do Conde N. L. Von Zinzendorf:

    Senhor, creio que Teu sangue expiatrio,

    Que diante do Divino propiciatrio

  • Pelos pecadores para sempre apresentado,

    Por mim, por minha alma, foi derramado.

    Senhor creio que se houvesse mais pecadores

    Que toda a areia nas praias dos mares,

    Tu pagaste para todos o resgate to grande,

    E a todos a expiao completa abrange.

    Podemos proclamar a todos, confiantes, a grande mensagem do Evangelho, que

    Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unignito, para que todo aquele que nele cr, no perea, mas tenha a vida eterna (Jo 3:16).