PROJETOS ARTÍSTICOS ELABORADOS A PARTIR DAS CIDADES...

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ARTES THIAGO BORTOLOZZO DA SILVA PROJETOS ARTÍSTICOS ELABORADOS A PARTIR DAS CIDADES DE: CAMPINAS, SÃO PAULO E BERLIM ARTISTIC PROJECTS ELABORATED FROM THE CITIES OF: CAMPINAS, SÃO PAULO AND BERLIN CAMPINAS 2018

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!!UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ARTES !!!!THIAGO BORTOLOZZO DA SILVA !!!

!!!!PROJETOS ARTÍSTICOS ELABORADOS A PARTIR DAS CIDADES DE:

CAMPINAS, SÃO PAULO E BERLIM !!!ARTISTIC PROJECTS ELABORATED FROM THE CITIES OF:

CAMPINAS, SÃO PAULO AND BERLIN !!!!!!!!! !!!!!!!!

CAMPINAS 2018 !

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THIAGO BORTOLOZZO DA SILVA

!!!

PROJETOS ARTÍSTICOS ELABORADOS A PARTIR DAS CIDADES DE: CAMPINAS, SÃO PAULO E BERLIM !!

ARTISTIC PROJECTS ELABORATED FROM THE CITIES OF: CAMPINAS, SÃO PAULO AND BERLIN !!!!Dissertação apresentada ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestre em Artes Visuais.

Dissertation presented to the Institute of Arts of the State University of Campinas as part of the requirements required to obtain the Master's Degree in Visual Arts.

!!!!ORIENTADOR: PROF. DRA. SYLVIA HELENA FUREGATTI

!!!!ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃOFINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELOALUNO THIAGO BORTOLOZZO DA SILVA ORIENTADO PELA PROFA. DRA. SYLVIA HELENA FUREGATTI !!!!

CAMPINAS 2018 !

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Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): CAPES !!Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas Biblioteca do Instituto de Artes

Silvia Regina Shiroma - CRB 8/8180 !!Bortolozzo, Thiago, 1976-

B648p Projetos artísticos elaborados a partir das cidades de : campinas, são paulo e berlim / Thiago Bortolozzo da Silva. – Campinas, SP : [s.n.], 2018. !

Orientador: Sylvia Helena Furegatti. Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de

Artes. !1. Arte contemporânea. 2. Intervenção (Artes). 3. Arte urbana. I. Furegatti,

Sylvia Helena, 1968-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Artes. III. Título. !!!

Informações para Biblioteca Digital !Título em outro idioma: Artistic project elaborated from the cities of : campinas, são paulo e berlin Palavras-chave em inglês: Contemporary art Intervention (Arts) Urban art Área de concentração: Artes Visuais Titulação: Mestre em Artes Visuais Banca examinadora: Sylvia Helena Furegatti [Orientador] Edson do Prado Pfutzenreuter Ruy Sardinha Lopes Data de defesa: 29-01-2018 Programa de Pós-Graduação: Artes Visuais

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Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais

do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas. !!!

THIAGO BORTOLOZZO DA SILVA

!!!!

!!BANCA EXAMINADORA DA DEFESA DE MESTRADO !

MEMBROS

1. PROFA. DRA. SYLVIA HELENA FUREGATTI2. PROF. DR. EDSON DO PRADO PFUTZENREUTER 3. PROF. DR. RUY SARDINHA LOPES

!ORIENTADORA: PROFA. DRA. SYLVIA HELENA FUREGATTI

!!

A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros da banca

examinadora encontra-se no processo de vida acadêmica do aluno. !!!!

DATA DA DEFESA: 29.01.2018

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AGRADECIMENTOS !

! Meu especial agradecimento a minha querida esposa e parceira Arianne

Vitale Cardoso pela paciência no acompanhamento em meu processo de trabalho.

Agradeço a minha orientadora Profa. Sylvia Helena Furegatti por ter me

orientado com extrema seriedade, empenho e compromisso para com a educação e

o conhecimento.

Agradeço aos meus pais, que me apresentaram a arte, agradeço minha irmã

e sobrinha por terem me apoiado e incentivado no desenvolvimento deste mestrado.

E, ao final, agradeço ao corpo docente, funcionários e colegas da pós-

graduação do Instituto de Artes da Unicamp, em especial ao Prof. Marco Do Valle

pelas contribuições e aconselhamentos.

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RESUMO !

Este trabalho apresenta os processos e a constituição própria de projetos artísticos elaborados a partir da vivência no contexto urbano das cidades contemporâneas de Campinas, São Paulo e Berlim. Sob a luz de conceitos que surgem nas artes visuais, no final dos anos 1960, tratando da ampliação do campo da escultura, a instituição da ação do artista que se desloca para tensionar o lugar e demais condições conceituais nas quais os trabalhos se realizam. A partir deste escopo, destacam-se o uso de estratégias de apagamentos, deslocamentos, apropriação e registros presentes nesta produção. As atualizações conceituais, trazidas por este novo século, evidenciam-se, principalmente, por meio de certa condição de precariedade, reverberada também pela e na sociedade contemporânea. Desse modo, esta dissertação apresenta e analisa projetos que transitam entre meios diversos da visualidade, tanto quanto busca averiguar as relações e gradações por eles estabelecidas ante ao constante fluxo indicativo da cidade contemporânea. !Palavras-chave: arte contemporânea; intervenções (arte); arte urbana.

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ABSTRACT !This work presents the processes and the proper constitution of artistic projects elaborated from the experience in the urban context of the contemporary cities of Campinas, São Paulo and Berlin. In the light of concepts that emerge in the visual arts in the late 1960s, and which deal with the expansion of the field of sculpture, the institution of the artist's action that moves to stress the place and other conceptual conditions in which the works are performed. From this scope, we highlight the use of deletion, displacement, appropriation and records present in this production. The conceptual updates brought by this new century are evidenced, mainly, by a certain precarious condition, reverberated also by and in contemporary society. Therefore, this dissertation presents and analyzes projects that transit between different means of visually, as much as it seeks to ascertain the relations and gradations established by them before the constant flow indicative of the contemporary city. !Keywords: contemporary art; intervention (arts); urban art. !!!!!! !!!!!!!!!!!!!!!!!!

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LISTA DE FIGURAS !Figura 1: Jd. Carlos Lourenço. Fotografia 75x50 (2000) 15 .......................................

Figura 2: Av. Saudade. Fotografia 75x50 (2001) 16 ...................................................

Figura 3: Base. 150x 50x 35cm (2000) 18 ..................................................................

Figura 4: Escora. 180x 30x 15cm (2001) 18 ...............................................................

Figura 5: L. 250x170x40 (2002) 20 .............................................................................

Figura 6: Esboços feitos em computador das estrutruras e formas de concreto 23 ...

Figura 7: Desenho Vital Brasil para o Salão de Arte Contemporânea de

Piracicaba (2003) 24 ....................................................................................................

Figura 8: Vital Brasil, Salão de Arte Contemporânea de Piracicaba espaço

externo Engenho Central (2003) 25 .............................................................................

Figura 9: Desenho para intervenção Vital Brasil, 24ª Bienal de Artes São Paulo

(2004) 26 ......................................................................................................................

Figura 10: Desenho técnico para intervenção Vital Brasil, 24ª Bienal de Artes

São Paulo 2004 27 ......................................................................................................

Figura 11: Fotografia Vital Brasil, 24ª Bienal de Artes São Paulo 2004 vista da

marquise do piso térreo 27 ..........................................................................................

Figura 12: Fotografia Vital Brasil, 24ª Bienal de Artes São Paulo 2004 vista do

piso térreo 28 ...............................................................................................................

Figura 13: Fotografia Vital Brasil, 24ª Bienal de Artes São Paulo 2004 vista do

espaço externo 28 .......................................................................................................

Figura 14: Thomas Hirschhorn, Musée Précaire Albinet, 2004 34 ..............................

Figura 15: Construção jardim do piso Caio Graco Centro Cultural São Paulo

1982 39 ........................................................................................................................

Figura 16: Construção Centro Cultural São Paulo 1982 39 ........................................

Figura 17: Maquete e desenhos de projetos. 40 .........................................................

Figura 18: Montagem fotográfica do piso Caio Graco 41 ...........................................

Figura 19: Esboços para projeto exposição individual 41 ...........................................

Figura 20: Vital Brasil, I Mostra do Programa de Exposição 2002

Coletiva 42 ...................................................................................................................

Figura 21: Vital Brasil, I Mostra do Programa de Exposicão 2002 coletiva 43 ...........

Figura 22: Esboços para projeto exposição individual 43 ...........................................

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Figura 23: Processo de construção de Vital Brasil (2002), I Mostra do Programa

de Exposição 2002 individual 45 .................................................................................

Figura 24: Vital Brasil (2002), I Mostra do Programa de Exposição 2002 individual

45 ................................................................................................................................

Figura 25: Vital Brasil, intervenção na arquitetura do Instituto Cultural Tomie

Ohtake 7 out. 26 nov. 2006. 245 x 320 x 15cm 49 ......................................................

Figura 26: Construção do Museu de Arte São Paulo 54 .............................................

Figura 27: Foto Galeria Magnus Muller e complexo de arquitetônico de Hans

Poelzig e praça Rosa Luxemburg, Berlim, set. 2009. 57 .............................................

Figuras 28 e 29: Intervenção Club (2009) vista espaço externo. 63 ..........................

Figura 30: Vista do espaço interno da Galeria 65 .......................................................

Figura 31: Vista do espaço interno da Galeria com visitantes 65 ...............................

Figura 32: Performance PLAY 66 ...............................................................................

Figura 33: Toboágua vermelho, óleo sobre tela (2001/2007) 67 ................................

Figura 34: Vista do espaço interno da Galeria com as pinturas na parede 69 ...........

Figura 35: Fotografias dos trailers em funcionamento e vendendo seus

produtos durante a feira livre na praça Merhringplatz Halleschtor, Berlim 2011 71 .....

Figura 36: Mapa do bairro de Kreuzberg e Neukölln os pontos azuis

representam os trailers estacionados e os pontos vermelhos nas feiras onde

alguns destes trailers são encontrados vendendo seus produtos. 74 .........................

Figura 37: Pôster Trailer (2007-2017), 66 x 114 Ed.2 76 ............................................

Figura 38: Anhänger Eier (2017) Fotografia, Ed. 1/7. 36 x 56 78 ...............................

Figura 39: Anhänger Nüsse (2017) Fotografia, Ed. 1/7.36 x 56 80 .............................

Figura 40: Grupo 3nós3, Intervenção Ensacamento, 27/04/1979 85 .........................

Figura 41: Renata Lucas. The Residence, 2007. Tijolos, radiador e sistema de

aquecimento. Intervenção na fachada da Galeria Gasworks, Londres Dimensão:

2,8 x 15 x 1,7m (aprox.) De 15 de novembro de 2007 a 13 de janeiro de 2008 87 ....

Figura 42: Foto da serie 30. April - 03. Mai.(2013) 90 ................................................

Figura 43: Foto da serie 30. April- 03. Mai. (2013) 91 ................................................

Figura 44: Intervenção Empena Cega, Centro Cultural São Paulo (2015) 93 ............

Figura 45: Intervenção Empena Cega, Centro Cultural São Paulo (2015) 94 ............

Figura 46: Intervenção Empena Cega, Centro Cultural São Paulo (2015) …….…95

Figura 47: Intervenção Empena Cega, Centro Cultural São Paulo (2015) …….…95

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SUMÁRIO !

INTRODUÇÃO 11 ........................................................................................................

CAPÍTULO 1: JD. CARLOS LOURENÇO, AV. DA SAUDADE, BASE,

ESCORA E L – A CONSTRUÇÃO E A SIGNIFICAÇÃO DAS CIDADES POR MEIO DA FOTOGRAFIA, ESCULTURA E INSTALAÇÃO 13 ............................1.1 A precariedade na arte contemporânea e as intervenções Vital Brasil 21 .............

1.2 Vital Brasil (2002) na exposição coletiva no Centro Cultural São Paulo 37 ..........

1.3 O dentro e o fora no projeto Vital Brasil (2002) exposição individual

no Centro Cultural São Paulo 44 .................................................................................

1.4 O arquiteto e o pedreiro no projeto Vital Brasil (2005) exposição coletiva

no Instituto Tomie Ohtake 48 .......................................................................................

!CAPÍTULO 2: BERLIM E OS ENGRENTAMENTOS DO ARTISTA NA CIDADE CONTEMPORÂNEA. EXPOSIÇÃO TRANSITION ZONE E A SÉRIE FOTOGRÁFICA ANHÄNGER 56 ................................................................................2.1 As relações travadas pelo projeto expositivo entre a vitrine e o transeunte 59 .....

2.2 A intervenção Club (2009) e a paisagem 62 ..........................................................

2.3 Os Toboáguas, deck e piscina na exposição Transition Zone 66 ..........................

2.4 A série fotográfica Anhänger e sua proposta de mapeamento para um

trecho da cidade de Berlim 69 .....................................................................................

2.5 Os trailers como comentário dos espaços privados na cidade contemporânea 72

!CAPÍTULO 3: A CIDADE CONTEMPORÂNEA E SEUS TERRITÓRIOS 81 .............3.1 O contexto urbano das cidades de São Paulo e Berlim como

geradores da intervenção artística Empena Cega (2015) 81 ......................................

3.2 A galeria e o espaço da rua no contexto da arte contemporâneo 83 ....................

3.3 Dos fluxos entre Berlim e São Paulo: da fotografia à instalação 88 ......................

3.4 O espaço social do Centro Cultural São Paulo e Empena Cega (2015) 91 ..........

!CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES 96 ..................................................................REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 98 ......................................................................APÊNDICE 103.............................................................................................................

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INTRODUÇÃO !! A pesquisa sobre a cidade contemporânea e suas paisagens foi determinante

no desenvolvimento de minha produção artística e para a constituição dos projetos

reunidos neste estudo. Ao todo, 10 trabalhos realizados e analisados, entre pinturas,

fotografias, esculturas, instalações e intervenções que proporcionaram disrupturas e

dissonâncias conceituais por sobre os lugares onde foram instaurados.

Pautado, principalmente, por trabalhos interventivos, o objeto desta

dissertação de mestrado contempla projetos em diversas linguagens, realizados em

espaços urbanos, tanto quanto institucionais, nas cidades de Campinas, São Paulo

e Berlim, entre os anos de 2000 e 2017. A reflexão teórica estabelecida desenvolve-

se a partir de um tipo de análise crítica posterior a esta produção artística, no intuito

de ocupar o locus e a plataforma para o apontamento de conceitos, processos de

criação e métodos de trabalho eleitos principalmente pela práxis.

Permeando os capítulos, pretende-se entender, por meio de um estudo do

processo de constituição dos trabalhos, como o contexto urbano influencia na

concepção e constituição de estratégias para a realização das propostas artísticas:

De que forma a arte pode ativar uma reflexão crítica no contexto institucional, urbano

e social? Quais estratégias e dispositivos são utilizados por esses projetos para

alterar o lugar por um determinado período de tempo?

A partir do estudo de alguns trabalhos realizados em diferentes contextos e

instituições, primeiramente entre Campinas e São Paulo entre os anos de 2001 e

2007, e depois em Berlim entre 2007 e 2014, expõem-se os processos criativos

destas produções que buscam vislumbrar a importância de ações artísticas que

colaborem para o debate sobre o capital humano e reflexões transversais sobre a

cidade e a vida em comunidade na sociedade contemporânea.

No processo e desenvolvimento da pesquisa teórica, busco compreender o

espaço urbano, o espaço social e o espaço arquitetônico do museu e suas

fronteiras, questões que se fazem necessárias para entender os procedimentos

utilizados para a produção artística em consonância com textos de teóricos e de

outros artistas, de modo a integrar as discussões sobre a produção de arte na

contemporaneidade.

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De modo mais preciso, pretende-se compreender, à luz dos trabalhos

realizados, como os variados equipamentos urbanos e sua relação construtiva, são

impulsos potentes para criação de projetos artísticos.

Diante deste processo de estudo, procura-se igualmente estudar as razões

pelas quais o trabalho nasce de uma situação de latência trazida pelo espaço e,

assim, insere-se naquele determinado contexto e lugar, que oscila dentre as

ordenações dos contextos social, histórico e estético conectados aos interesses

pessoais do artista propositor.

Para melhor investigação dos conceitos ativados pelos pensadores deste

campo, tanto quanto dos demais campos da atualidade que lhe emprestam sentido,

a dissertação divide os trabalhos artísticos analisados em três capítulos. O primeiro

capítulo concentra-se nos trabalhos da série Vital Brasil (2002/06), que discute a

arquitetura e processos de construção onde se instaurara e explora o conceito de

precariedade presentes em sua construção material e simbólica. Os trabalhos deste

período iniciam-se em fotografias realizadas entre as cidades de Campinas e São

Paulo, derivando para escultura, instalação e intervenção.

No segundo capítulo, analiso a cidade de Berlim, seus fenômenos urbanos, a

paisagem urbana e os enfrentamentos do artista com a cidade com foco nas

exposições Transition Zone (2009) e na série fotográfica Anhänger (2007/2017).

No terceiro capítulo, serão estudados os trabalhos fotográficos de

equipamentos de proteção urbana por meio da publicação 30. April - 3. Mai (2013)

realizada em Berlim e a intervenção Empena Cega (2014/2015) no Centro Cultural

São Paulo, trabalhos que versam sobre o contexto político e social do espaço

urbano e seus tensionamentos dos limites entre o espaço público e privado.

Tal análise se faz relevante por contribuir para a ampliação da reflexão a

respeito da criação de intervenções e expor as estratégias e dispositivos que atuam

na concretização de um trabalho artístico de caráter efêmero, precário e transitório.

Sobre estes conceitos experienciados pela arte, principalmente a partir do

início deste século, pretende-se revelar pontos de convergência para se construir

uma poética que conecte a natureza dos meus trabalhos, nas diversas situações,

para que a dissertação de mestrado possa servir para ampliar a discussão do artista

como pesquisador e propositor de revisões dentro do contexto interrogativo da arte

contemporânea.

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CAPÍTULO 1: JD. CARLOS LOURENÇO, AV. DA SAUDADE, BASE, ESCORA E L. – A CONSTRUÇÃO E A SIGNIFICAÇÃO DAS CIDADES NA FOTOGRAFIA, ESCULTURA E INSTALAÇÃO. !! Em constante transformação, a metrópole redesenha, projeta e cria espaços

por meio de suas construções e demolições, sendo que o construído que vemos,

hoje, poderá ser somente resíduo, vestígio ou ruína amanhã. As mudanças e

transformações vivenciadas em nossa paisagem cotidiana nos centros urbanos,

fazem parte do dia a dia dos transeuntes e passantes e constituem-se como

especificidades que caráterizam a transitoriedade e precariedade nas cidades

contemporâneas atuais. Assim sendo, a construção da cidade atual é aquela que se

refaz sobre as camadas do tecido urbano e nessa dinâmica experienciamos a

cidade de taipa para cidade de alvenaria cerâmica, cidade-concreto, cidade-aço-

vidro, cidade-imagem, cidade-cinema de modo a atuar sobre o comportamento do

homem metropolitano e nas suas formas de vida social. Essas camadas,

constituídas de tecituras graduais de varias épocas, estão fragmentadas e

submersas no tecido urbano da metrópole, num palimpsesto para serem revisadas,

tensionadas e subvertidas por artistas, principalmente aqueles interessados nesta

questão, a partir dos anos de 1960.

Toda esta atmosfera de mudanças e transformações podem ser consideradas

como influências no processo de criação de meus trabalhos, já que por meio deles

procuro captar especificamente estes processos urbanos de construção em

constante transformação, nas cidades de Campinas e São Paulo. E a justificativa

para este processo artístico advém justamente da percepção de que vivemos um

período de incerteza e instabilidade social, política e humana. Portanto, os trabalhos

desta série de intervenções, Vital Brasil, revelam a busca por meios, discursos e

linguagens que manifestem aspectos da transitoriedade e incertezas do espaço

urbano. Tais questionamentos a respeito das transformações urbanísticas nas

cidades contemporâneas estão presentes na argumentação que Vera Pallamin

apresenta sobre este tema. “Em meio à atmosfera de mutação e flexibilidade

caráterísticas da paisagem pública atual, a presença de objetos duráveis

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expressando permanência/perpetuidade tem dado lugar a manifestações do efêmero

e do surpreendente”. (PALLAMIN, 2000, p. 10) 1

No início dos anos 2000, os processos construtivos da arquitetura vivenciados

no trânsito entre as cidades de Campinas e São Paulo, manifestavam o transitório

na cidade, seus materiais de construção e situações de restauros, impulsionaram-

me a direcionamentos em estratégias e decisões sobre a escolha de meios,

linguagens e temas de minha produção artística.

O envolvimento com o tema das construções surge na série de fotografias

denominadas Assolamentos (1999-2000) na qual figuram processos de construção 2

de casas que revelam seus espaços em obras em eterno processo de acabamento.

As imagens apresentam a realidade bruta dos matérias sem acabamentos que

revelam o caráter construtivo das casas populares da periferia das cidades, neste

constante estado provisório e de precariedade num suposto acabamento final que

um dia acontecerá. As fotografias tentam captar esta situação transitória das

construções, o que foi fotografado hoje pode estar reformado e diferente amanhã. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! PALLAMIN, Vera. Arte urbana. São Paulo: Região Central (1945-1998) Obras de caráter temporário e 1

permanente. São Paulo: Annablume: Fafesp, 2000. p.10.

A série Assolamentos (1999-2001) parte da ideia de rua assolada por crateras, infiltrações e rachaduras, que 2

geram imensos buracos no espaço coberto pelo asfalto. O título da série é uma metáfora de assolamento no intuito das imagens criarem uma cratera simbólica que abra um espaço diferenciado à percepção do espectador. RIBEIRO, Daniela Maura; Frederico Dalton e Thiago Bortolozzo. folder Temporada de Projetos 2001-2002, Paço das Artes, 2002.

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Figura 1: Jd. Carlos Lourenço, fotografia 75x50, 2000.

Fonte: Acervo pessoal. ! A fotografia Jd. Carlos Lourenço (2000) da série fotográfica Assolamentos,

mostra-nos a empena cega de uma residência no bairro de Campinas, decorrente da

divisão de lote ainda vazio. A casa de dois andares sem rebocos e acabamentos

finos, pela indicação das vigas e colunas feitas em concreto nos sugere ambientes

compartimentados, revelando a arquitetura interna da casa, por meio de seus

materiais de construção e os diferentes tipos e modos de usos dos tijolos.

O céu azul contrasta sem grandes variações ou dramaticidade com o

vermelho dos tijolos, criando um plano bidimensional onde fundo e figura ganham

valores equivalentes na composição conectando a imagem a uma dimensão

vinculada a aspectos da linguagem da pintura.

!!!!!!

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Figura 2: Av. Saudade, fotografia 75x50, 2001 Fonte: Acervo pessoal !

Em Av. Saudade (2001), outra fotografia da série Assomamentos, vemos

outra empena de uma construção comercial protegida pelo seu sistema de

segurança, que engole uma antiga casa estilo portuguesa, deixando-se mostrar

apenas por uma silhueta de seu passado, agora concretado na empena cega de um

novo prédio na Av. da Saudade, em Campinas, avenida esta, atualmente, constituída

por grandes prédios comerciais, estacionamentos e apenas algumas casas antigas.

O processo de construção das imagens fotográficas visavam a criação de um

plano bidimensional, através de contrastes e elementos chapados que contrariavam

a dinâmica visual da perspectiva dada pelo funcionamento da câmera fotográfica.

A busca tinha como foco a justaposição entre o meio ambiente, a paisagem e

as condições do espaço e tempo em relação aos objetos construídos, seus modos e

materiais de construção. Para tal conformidade de fatores foram necessárias

diversas visitas e sessões fotográficas em diferentes dias e horários por este mesmo

lugar e sua paisagem, na busca de uma luminosidade e condições para que se

gerasse tal bidimensionalidade pretendida nas fotografias. Este processo de

pesquisa constituía-se em um dado plástico do trabalho, que valorizava as luzes,

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formas, contrastes e cores da imagem e, conceitualmente, o projeto procura criar um

assolamento, uma cratera na percepção do observador, e apresentar, por meio da

fotografia, um momento sublime entre construções e meio ambiente, numa

paisagem simples e corriqueira, geralmente desapercebida em nosso dia a dia.

Mas são alguns trabalhos tridimensionais do início dos anos 2000 que vão

contaminar-me de modo mais decisivo com a ideia de uma arte ligada aos

processos construtivos da construção civil e da arquitetura.

Aliado ao trabalho prático, o contato com a teoria e ensaio de Rosalind

Krauss sobre os conceitos que ampliam o campo da escultura, oferece ao artista

contemporâneo novas diretrizes na forma de atuar: o modelar, construir e desbastar

da escultura dão lugar a outros procedimentos como deslocamentos, demarcações,

locais de construção que derivam nas instalações e intervenções.

As minhas primeiras obras tridimensionais versam sobre a relação da

escultura e a construção. Em Base (2000), proponho uma revisão da perda do lugar

da escultura, quando este elemento de caráter expositivo e ou de anteparo para

escultura clássica se integra à escultura e a transforma, base e escultura se tornam

um único objeto. 3

A escultura propõe uma estrutura nas dimensões e formatos aproximados de

uma base para escultura, mas feita em madeira encontrada por caçambas de

entulho, seguindo os processos construtivos de fôrmas para concreto armado,

problematizando questões sobre eternidade e apresentação da escultura

contemporânea.

O trabalho Escora (2001) dialoga com a parede dos espaços onde se

instaura, escorando pequenos painéis de madeira que remetem a formatos de

quadros ou caixas. Nota-se nestes dois trabalhos que as relações ainda eram

acanhadas e tímidas com a arquitetura, pois representam elementos pertencentes

ao universo da expografia e das artes plásticas. Porém, o que podemos antever

nestes trabalhos é como o tema da construção assume diversas formas nas

linguagens artísticas.

!!

Os trabalhos Base (2000) e Escora (2001) foram produzidos a partir da análise do texto de Rosalind Krauss A 3

escultura no Campo Ampliado, tanto no período de produção das esculturas como posteriormente no desenvolvimento desta dissertação.

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!!!!!!!

!! !Figuras 3 e 4: Base, 2000 e Escora 2001 1,50x 50 x 35cm e 1.80x 0.30 x 0.15cm

Fonte: Acervo pessoal ! No processo de pesquisa, através das linguagens artísticas, procurei

representar aspectos da paisagem das cidades por meio de fotos, trabalhos

tridimensionais, mas é importante atentar neste período uma primeira ação que foi

além da instalação e se coloca como uma intervenção no espaço urbano.

O trabalho L (2002) apresenta uma outra situação, um salto para o espaço

externo e instaura FUREGATTI (2013) uma situação onde a escultura, diretamente

na rua, invade o espaço público e cria uma relação mais direta com o entorno e os

elementos urbanos, propondo uma disruptura na compressão deste um pedaço

deslocado de uma construção civil para o espaço da rua.

!Instaurar ao invés de apresentar nos traz pelo menos dois direcionamentos para esse estudo: o primeiro deles indica a necessidade de observação consistente das especificidades do local, do tempo pretendido para a permanência do trabalho, dos possíveis desdobramentos que essa ação pode causar no grupo de espectadores com quem dialoga a proposta artística, o segundo ponto nos chama a atenção para ao fluxo gerado pelo trabalho instaurado, ou seja, como o seu estabelecimento em determinado espaço adota um sentido de corte temporal que considera como artístico as alterações propostas a partir de sua presença e ação. (FUREGATTI, 2013, p. 381) !

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A estrutura em formato de L foi abandonada na esquina do bairro Jd. das

Andorinhas em Campinas próximo ao final de ruas pavimentadas e início de ruas

sem pavimentação, em um comentário dissonante sobre a construção e evolução

das cidades, que se legitimam pela pavimentação e asfaltamento das ruas das

periferias. O que nos resta do trabalho é o registro fotográfico, como sendo o

documento desta primeira intervenção que realizo na paisagem urbana.

Interessante notar, no processo de criação que derivou na série de

instalações e intervenções Vital Brasil, que as descobertas e experimentações que

se iniciaram na fotografia de construções, na imagem que se realiza no tempo e

espaço da cidade em fluxo e criam composições geométricas estáticas com os

materiais que dão forma às casas e moradias, seus chãos de terra vermelha ou

matos de lotes de terrenos baldios, desenvolveram-se com a produção das obras

tridimensionais, em que os materiais da construção civil surgem por apropriação e o

deslocamento da técnica construtiva das fôrmas de secagem de concreto para

trabalhos que remetem a problematizações da pintura e da escultura, concluindo

esse processo de ida para rua, até a proposta L (2002) inserida diretamente no

espaço público, em que o trabalho ativa uma nova relação com o espaço público,

requalificando e o ressignificando. !!!!!!!!!!!!!! !!!!!!!!!!!!!!!

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Figura 5: L (2002), 250x170x40 cm Fonte: Acervo pessoal. !!!!!

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1.1 A precariedade na arte contemporânea e as intervenções Vital Brasil !! À essa altura de minha produção artística, ao analisar aspectos e questões

que envolviam o desenvolvimento e criação de um trabalho bimensional ou

tridimensional de sua concepção até sua aparição em uma exposição, percebi que a

arquitetura atuava como elemento definidor de espaços e, portanto, sobre o

comportamento dos espectadores, seus modos de ver e de se aproximarem do

trabalho apresentado e exposto. A partir deste descontentamento e na ânsia de criar

uma relação estreita entre a obra, público e espaço, passo a acreditar que a ação

artística mais relevante é aquela que propõe questionar os modos de percepção de

um espaço dado a priori, propondo questionamentos sobre este poder da arquitetura

por intermédio de suas construções e edifícios, ambientes habitados e ocupados

pelas pessoas. Desse modo, as intervenções realizadas no período entre 2002 e

2006 surgem a partir deste entendimento, ou seja, de uma relação de subserviência

de trabalhos de pintura, fotografia e escultura, à arquitetura, considerando que ela é,

por fim, aquela que define o espaço e a recepção desses trabalhos bidimensionais. 4

!Cada obra de arte é em si mesma um sinal de descontentamento. Todo artista, diversamente do comportamento padrão, em vez de simplesmente satisfazer-se com as obras já existentes, de ficar extasiado pela leitura de um livro, pela contemplação de uma pintura ou pela audição de uma musica, prefere ir além: prefere produzir mais um livro ou uma pintura ou obra musical. Sintoma de uma insatisfação, cada obra de arte traz embutida uma crítica própria à noção de arte e pode mesmo modificar aquilo que entendemos por arte. (FARIAS, 2005, p.14) ! !

O autor aponta ainda para um desejo dos artistas em ampliar as linguagens

artísticas, e este desejo da produção artística em alterar e propor novos modos de

sentir e relacionar-se com o mundo. Desenhos, fotografias, pinturas, intervenções e

o trânsito e hibridismo que compõem a minha poética surgem entre as linguagens

como meios diferentes de perceber as diversas camadas da realidade.

Nesse sentido, as instalações Vital Brasil apropriam-se de elementos

retirados da realidade do mundo comum, propondo uma relação mais direta com o

espaço e o espectador. Portanto, seguindo esta linha de pensamento, a instalação

Tal descontentamento também se relacionava com um ambiente de produção artística na cidade de São Paulo, 4

neste período ainda pautado em modalidades artísticas convencionais, sendo estas modalidades submetidas às regras impostas pelo espaço onde os trabalhos bidimensionais são expostos.

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seria o melhor meio para atingir o público, pois aproxima-se de modo direto na

relação entre o espectador, trabalho artístico e espaço.

Ao analisar meus projetos iniciais, pensados como estudos tridimensionais, o

trabalho Escora (2002) (Fig.4) apontava para esta tensão entre espaço e

espectador. O trabalho embaralha as convenções e lugares destinados à pintura e

escultura e criava um híbrido, pois a parede exerce força sobre a ação gravitacional

que deriva tradicionalmente da escultura. Além de ocupar parte do solo avançando 5

no espaço do espectador com a haste que sustenta a caixa de madeira em tensão.

Neste momento inquieto de minha carreira, dou início a uma produção

preocupada com o exame dos espaços que contém os trabalhos, uma preocupação

tanto com a expografia de exposições, como com a própria arquitetura e seus

elementos.

Paredes, vigas, colunas e pilares passam as ser percebidos como elementos

que recebem e transferem esforços físicos das edificações, e tais esforços e pesos,

podem ser revelados por meio das instalações e intervenções. Desta forma, o

espaço expositivo passa a ser entendido no seu todo e como parte fundamental do

trabalho. Brian Odoherty foi o autor que problematiza em seu livro No interior do

cubo branco diversos aspectos da percepção do espaço no momento em que o

espaço institucional de uma galeria ou museu passam a ser examinados pelos

artistas “como um fiscal da saúde, levando em conta a estética da parede, que vai

inevitavelmente ‚‘artistificar‘ a obra de um modo que quase sempre dispersa suas

intenções“. (ODOHERTY, 2002, p. 23)

A arquitetura deste ponto vista pode interferir na visibilidade do trabalho,

alterando as intenções do artista, portanto a intenção era problematizar aspectos

dados pelos espaços e suas arquiteturas com instalações e intervenções.

Concomitante a este contexto da produção prática, desenvolvi um

pensamento de compreensão do espaço tridimensional em forma da representação

visual em duas dimensões, por meio da projeções de sólidos, vistas e desenhos

perspectivos de propostas de trabalhos de instalação, além de por em prática o

conceito e uso de escalas.

Estas ferramentas de representação visual foram determinantes no

desenvolvimentos das instalações que dialogavam com a arquitetura, pois tal

Sobre o TUCKER, D. Willian. A linguagem da escultura. São Paulo: Cosac & Naif 1999 p.145.5

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compreensão fez possível visualizar e dimensionar o espaço real. Estas

visualizações auxiliavam em um estudo preciso de variantes e possibilidades de

realização antes de se dar início ao trabalho de execução.

Alguns trabalhos surgem de pequenos desenhos, esboços, rascunhos soltos,

como no caso do projeto Vital Brasil Salão de Arte Contemporânea de Piracicaba

(2003). ! !

!Figura 6: Esboços feitos em computador das estruturas e formas de concreto.

Fonte: Acervo pessoal. !!!!!!!!!!!!

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!!!!!!! !!

!!!!!!!!Figura 7: Desenho Vital Brasil Salão de Arte Contemporânea de Piracicaba (2003).

Fonte: Acervo pessoal. !!!

!!!!

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!Figura 8: Foto Vital Brasil Salão de Arte Contemporânea de Piracicaba espaço externo

Engenho Central (2003). Fonte: Acervo pessoal. !A compreensão mais precisa do espaço possibilitou projetos que se

aproximam do campo de ação do arquiteto e engenheiro, como o desenho de

projeções, escalas e cotagem, no caso do trabalho desenvolvido para 24ª Bienal de

Artes de São Paulo (2004) , que demandava uma escala de produção típica de um 6

Ver apêndice do Capítulo 1 no final do trabalho p.103.6

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canteiro de obras, com engenheiro responsável, equipe de marceneiros e

mondadores da Bienal, além das negociações para o desenvolvimento do projeto

com curadores e equipe de Produção.

!!

!Figura 9: Desenho para intervenção Vital Brasil, 24ª Bienal de Artes São Paulo 2004.

Fonte: Acervo pessoal. !

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!Figura 10: Desenho técnico para intervenção Vital Brasil, 24ª Bienal de Artes São Paulo 2004.

Fonte: Acervo pessoal.

Figura 11: Fotografia Vital Brasil, 24ª Bienal de Artes São Paulo 2004 vista da marquise do piso térreo. Fonte: Acervo pessoal. !

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Figura 12: Fotografia Vital Brasil, 24ª Bienal de Artes São Paulo 2004 vista do piso térreo. Fonte: Acervo pessoal.

Figura 13: Fotografia Vital Brasil, 24ª Bienal de Artes São Paulo 2004 vista do espaço externo. Fonte: Acervo pessoal.

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O tensionamento dos limites da arquitetura aparece na reflexão de outros

agentes do circuito artístico paulista. Vemos tais preocupações em artistas como

Renata Lucas que desenvolve sua produção colocando em dúvida e amplia os

limites dos espaços onde suas intervenções acontecem. Assim, esta artista

questiona e subverte as barreiras impostas pela arquitetura e torna fluídas as

relações entre propriedades e seus espaços público e privado. !

Ainda, a arquitetura é o limite em que todo trabalho de arte esbarra quando é instalado, ele sempre estabelece uma relação com o local onde é exposto ou com o que está além dele, de sua “moldura” . Tra ta-se um campo de contenção, um campo delimitado por aspas. E o desafio é o quão longe você pode lançar estas aspas, a ponto de perdê-las de vista…A arquitetura é o corpo do lugar, ela orienta o uso, os percursos possíveis, os fluxos por onde a informação, a luz, o ar e a comunicação vão passar; ela “metaboliza” (a arquitetura) o que acontece no interior. (LUCAS, 2007, p. 127) 7

!Como conseguir sobrepor-se a esta moldura no qual os trabalhos de

intervenção esbarram-se, a arquitetura? Vista deste modo, as paredes e elementos

da arquitetura seriam este campo de contenção pelo qual os artistas tentam saltar e

apresentar novas possibilidades de percepção para este território. Desta forma,

artistas como Renata Lucas subvertem elementos da arquitetura com alterações nos

possíveis usos e fluxos desses espaços destinados a exposições artísticas ou não.

A instalação e intervenção seriam, portanto, as linguagens das artes visuais 8

que se aproximam de forma mais direta do espectador, alterando-lhe o

comportamento e a percepção para além da mera visualidade e plasticidade dos

trabalhos.

Podemos refletir sobre esta escolha da intervenção a partir da contribuição

bastante relevante de Daniel Buren que argumenta em seu texto “Limites Críticos” 9

A artista Renata Lucas aponta para estas questões da arquitetura em entrevista para Adriano Pedrosa que foi 7

realizada em abril de 2007 e é parte integrante do catálogo produzido para acompanhar a mostra Falha, organizada por Clara Kim e apresentada no Redcat, Los Angeles, em junho de 2007. LUCAS, A. Renata. Visto de dentro Visto de fora. Tese de Doutorado USP, ECA, p.127.

Entendo a instalação como o uso do espaço ampliado para criações que envolvam o espaço, obra e corpo do 8

espectador. e intervenção se define quando uma situação no espaço ou não, apresenta uma ruptura, uma provocação, perturbação ou desequilíbrio na experiência do espectador, no curso normal de uma experiência estética.

BUREN, Daniel. Daniel Buren textos escolhidos 1967 2000. org. Paulo Sergio Duarte; trad, A. M. Castro 9

Santos, Andrés Sena, Lúcia Maria. Rio de Janeiro: Centro de Arte Hélio Oiticica, 2001.

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como as formas de discursos e a maneira como diversas modalidades artísticas são

percebidas dentro do contexto do Museu em que “a obra de arte só existe (…) , com

a ajuda dos esquemas, que este mesmo objeto não existe, não pode ser visto senão

em função do Museu Galeria que o circunscreve e para o qual foi produzido(…)”.

(BUREN, 2001, p. 22)

Em seu texto de 1970, Buren demonstra como trabalhos que pensam o

espaço e revelam os seus modos de fazer e seus materiais, no qual o objeto

apresentado aproximam-se dos espectadores mais fielmente, isto é, sem camadas

de apresentação, representação e significação que obliterem sua percepção.

Além disso, a partir do texto de Buren, Mauricio Fleury (2004) estabelece

como caráterísticas da instalação e sua complicação, levando em consideração não

somente o objeto pelo qual a obra de arte se apresenta mas, também, como o

trabalho que reflete caráterísticas na relação do espaço para o qual foi pensado, a

priori. Nesta direção, Fleury nos indica:

!(…) isto é, passa a revelar o seu processo e seus limites. Depois de tal operação, e recolocada em seu contexto, percebemos que a obra não é um fim em si, pois ela ainda seria determinada pelo espaço onde é percebida. Entretanto ao revelar (problematizar) o espaço que a circunscreve, a obra passaria a ter uma mobilidade que poderia romper os limites do museu/galeria, uma vez que o espaço (dentro e fora) existe a priori. A obra se expandiria de maneira a anular as limitações do espaço, possibilitando, assim vários ponto de vista.(FLEURY, 2004, p. 99) !!

Portanto, a relação que a obra estabelece entre o espaço e o espectador

altera-se e alarga-se de acordo com o percurso realizado, por meio do contato com

o trabalho em diferentes pontos de vistas e circunstâncias físicas. A experiência

estética, desse modo, atua sobre os limites do conhecimento e contexto sócio

cultural, sendo o mais amplo quadro de percepção proposto para a experiência do

espectador.

As intervenções e instalações da série Vital Brasil (2000-2007) dependem do

espaço onde os trabalhos são apresentados, pois intervêm diretamente nos

elementos arquitetônicos. Os trabalhos levantam questões sobre a condição do

espaço em “estar em obras”, camuflando-se nos sistemas de construção civil,

propondo um momento de reflexão sobre o caráter político e das materialidades que

constituem o lugar onde os trabalhos se inserem.

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Frente às intervenções, que se apropriam de um processo e meios de

construção do concreto armado, vemos a suposta solidez do edifício revelar seu

caráter temporário e efêmero do seu canteiro de obras. !

Esta correlação de forças sugere um espaço em obras, como o da construção civil. Nada está pronto. O local parece incompleto, prestes a desabar ou a se refazer. Tanto que a marquise sai de fora e vem para dentro, e o que é instável parece desmentido.Tal indeterminação tem algo do território arriscado derivado da critica moderna ao espaço perspectivo. (MESQUITA, 2002)

O conjunto de trabalhos da série Vital Brasil propõe este estado de constante

“vir a ser” das arquiteturas dos prédios, supostamente alterando a estabilidade real

do lugar, intervindo naquilo que o material possui de mais caráterístico que é a sua

durabilidade, firmeza e certeza.

O intuito dos trabalhos é criar uma fissura na percepção do espectador e

visitante do museu e gerar um estado de suspensão de suas noções estabelecidas,

friccionar a percepção com a inserção desses equipamentos urbanos oriundos da

construção civil e comumente vistos pelas cidades de São Paulo e seus canteiro de

obras.

Neste momento, a apropriação e deslocamentos de elementos da construção

civil, no caso as formas para o concreto, feitas em madeira e utilizadas na secagem

de concreto, são os materiais da serie Vital Brasil que fornecem o discurso

necessário para o questionamento do caráter de permanência das construções

modernas, remetendo ao ininterrupto processo de deconstruir e construir da

metrópole. Como comenta ARAUJO (2004) no jornal Estado de São Paulo sobre a

intervenção Vital Brasil elaborada para 24ª Bienal de Artes de São Paulo, o trabalho:

“(…) propõe uma arquitetura tosca, precária e temporária, que remete à paisagem

fragmentada da metrópole”. 10

Desse modo, o uso de elementos da construção civil funciona como um

dispositivo facilitador da leitura do trabalho pelo grande público e com isso aproxima

ainda mais as instalações da relação obra-espaço-expectador, colocando em

questionamento as noções do público e o do senso comum. Jacopo Crivelli,

Texto sobre trabalho Vital Brasil realizado na 24ª Bienal de São Paulo. ARAUJO, Filipe, M.H. Na Bienal e fora 10

dela. Caderno 2, Estado de São Paulo, 20 set. 2004.

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assistente de curadoria da 24ª Bienal de São Paulo, partilha da mesma

argumentação, ao comentar alguns trabalhos que participavam da exposição:

!Depois de ter sido contemplado de uma perspectiva artística num contexto privilegiado, o material pobre é lido e entendido de maneira inerente também no ambiente de onde fora extraído, e não só pelo artista mas -e é o que importa - pelo observador. É exatamente nisso que reside um dos méritos da arte geral: apropriando-se de materiais comuns, ela age sobre nossa percepção da realidade, amplia os horizontes e, de fato, melhora nossa qualidade de vida, enquanto possibilita uma reavaliação pu ramen te i n t e l ec tua l do mundo , i r r edu t í ve l a qua lque r consideração económica. (VISCONTI, 2004, p. 46) !

A escolha deste elemento da construção civil aponta a intenção, como artista,

em propor relações diretas com o entorno, utilizando materiais do próprio canteiro de

obras e da cidade. Com esta apropriação, propõe-se um deslocamento dos aspectos

socioeconômicos e da realidade do mundo comum de onde o material advém,

ressignificando assim o contexto do material. A escolha de um material comum, em

detrimento aos matérias nobres da escultura tradicional, aproxima-se da condição

política e social como colocada por Artur Barrio em seu Manifesto:

!Contra as categorias de artes contra os salões contra as premiações contra os júris contra a crítica de arte Fevereiro de 1970 - Rio de janeiro Devido a uma serie de situações no setor das artes plásticas, no sentido de uso cada vez maior de materiais considerados caros, para nossa, minha realidade, num aspecto sócio-economico do 3º mundo (Amér i ca La t i na i nc l us i ve ) , dev ido aos p rodu tos industrializados não estarem ao nosso, meu, alcance, mas sob o poder de uma elite que contesto, pois a criação não pode estar condicionada, tem de ser livre. Portanto, partindo desse aspecto sócio-econômico, faço uso de materiais perecíveis, baratos, em meu trabalho, tais como: lixo, papel higiênico e urina, etc. É claro que a simples participação dos trabalhos fei tos com mater iais precár ios nos círculos fechados de arte provoca a contestação desse sistema em função de sua realidade estética atual. (…) (CANONGIA, 2002, p. 145)

Barrio trabalha com materiais efêmeros na criação de situações que fogem

das linguagens artísticas tradicionais. Rompe com convenções modernistas, e nos

apresenta uma produção com processos que evidenciam situações efêmeras e

precárias, criticando a noção da obra de arte moderna como objeto finalizado.

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O uso de materiais descartados pela sociedade de consumo e estruturas

arquitetônicas temporárias, que tangencia o conceito da precariedade, são aparatos

para os trabalhos de Thomas Hirschhorn. O artista suíço se apropria de estruturas e

materiais do mundo comum, em conexão com os valores de consumo, de modo

intervencionista. O artista também possui vasta produção escrita com textos e

manifestos, pelos quais acrescenta novas camadas de discussão à questão da

tênue relação entre o efêmero e precário em uma outra abordagem “my work isn´t

ephemeral, it´s precarious. It´s humans who decide and determine how long the work

lasts. The term “ephemeral” comes from the nature, but nature does'n´t make

decisions.“ 11

Thomas Hirschhorn entende que o precário é condição dada pelo ser

humano, pois ele que decide quanto tempo de duração aquela situação ou proposta

vai ter, diferente do efêmero que seria condição dada pela natureza. “O artista opõe

o termo precário ao efêmero, pois este último está associado a ordem da natureza,

comparável a vida de uma borboleta, enquanto seu projeto, está ligado a vida

humana e sua precariedade” 12

Hirschhorn tem uma vasta produção e análise da condição do precário em

suas proposições artísticas, instalações, museus e monumentos. Seus projetos 13

frequentemente ocupam espaços de praças públicas ou espaços de vazios urbanos,

com equipamentos arquitetônicos que estabelecem relações com os freqüentadores

ou moradores da região onde o trabalho acontece.

!!!!!

“Meu trabalho não é efêmero, é precário. São humanos que decidem e determinam quanto tempo dura o 11

trabalho. O termo "efêmero" deriva da natureza, mas a natureza não toma decisões“. FOSTER, Hal. Crossing over. The Berliner Journal number 20. Spring 2011, p. 28 tradução livre do autor desta dissertação

Comentário de Yvane Chapuis, em 27 de maio 2003 no Musée Précaire Albinet in MELO, Berta Oliveira. Arte 12

Museu Precário Albinet Thomas Hirschhorn - cidade Jamac parecer pinturas Monica Nador. p.37 Disponível em: http://issuu.com/bertaoliveira6/docs/museu_prec__rio_albinet_thomas_hirs Acesso em: 05/12/2107

Neste artigo a autora Marcia Ferran apresenta alguns projetos do artista Thomas Hirschhorn e o Museu 13

Precário Albinet: postura etnográfica e crítica urbana Disponível em .http://www.forumpermanente.org/event_pres/simp_sem/simposio/documentacao/comunicacoes-i/thomas-hirschhorn-e-o-museu-precario-albinet-postura-etnografica-e-critica-urbana. Acesso em: 03/12/2017

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Figura 14: Thomas Hirschhorn, Musée Précaire Albinet, 2004. Fonte: Les Laboratoires d’Aubervilliers.

Em Musée Precaire Albinet (2004), o artista construiu estruturas

arquitetônicas temporárias e com materiais comuns e baratos, na periferia da cidade

de Paris, em Landy, bairro de conjuntos habitacionais populares. Neste espaço de

ação, discussão e uso, realizaram-se debates, conversas, seminários, palestras,

oficinas e refeições. Além de uma mostra no museu temporário por oito semanas,

com trabalhos de Marcel Duchamp, Kasimir Malevich, Piet Mondrian, Salvador Dalí,

Joseph Buys, Andy Warhol, Le Corbusier e Fernand Léger. Hirschhorn atua nesta

relação com o outro, onde estabelece como material de seu trabalho este espaço de

pesquisa e reflexão. Neste caso importa-nos lembrar a contribuição de Foster (2009)

que também argumenta sobre a condição de precariedade do trabalho de Thomas

Hirschhorn no texto para Artforum:

!!!!!!!

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I came to the term precarious via Thomas Hirschhorn, and many of his projects, such as Musée Précaire Albinet, staged in the Aubervill iers banlieue of Paris in 2004, are very much to the point here; his sometime collaborator the French poet Manuel Joseph has also used the term, in a short text on la précarité "as a political and aesthetic apparatus." … ”Precarious: from the Latin precarius, obtained by entreaty, depending on the favor of another, hence uncertain, precarious, from precem, prayer." This implies that this state of insecurity is not natural but constructed - a political condition produced by a power on whose favor we depend and which we can only petition. 14!

Thomas Hischorn e Barrio são artistas contemporâneos que possuem

aproximações em suas propostas artísticas, ambos travam questionamentos sobre a

precariedade e contexto da periferias e espaços alternativos das cidades. Artistas

que se apresentaram como impulsionadores de problemáticas e situações que

adensaram minha poética e pensamento sobre arte contemporânea.

Uma outra abordagem da precariedade passa a ganhar espaço e ser

apontada como conceito que pode reunir parte da produção na primeira década do

século XXI. A precariedade encontra eco na produção artística atual, pois as

certezas, verdades que marcaram a modernidade se tornaram ultrapassadas, de

acordo com este enfoque Poltronieiri (2017) ressalta:

!Não é meu objetivo tratar especificamente da herança deixada pela modernidade, mas, sim, da ascensão em nossa época, de estruturas de pensamento que encontram na precariedade sua mobil idade conceitual, visto que me parece absolutamente deslocado fa lar em permanência em anos marcados pela efemêridade. 15!

De acordo com este enfoque, podemos verificar que alguns artistas

contemporâneos refletem em suas obras situações sociais e políticas, sofridas pelo

mundo, de catastróficos desastres ecológicos, a grandes acontecimentos políticos

“Cheguei ao termo precário através de Thomas Hirschhorn, e muitos de seus projetos, como o Musée Précaire 14

Albinet, encenado no Aubervilliers banlieue de Paris em 2004, que é bastante direto. Seu colaborador, o poeta francês Manuel Joseph, também usou o termo, em um breve texto no La précarité "como aparelho político e estético". ... "Precário: do Latim precarious, obtido por súplica, dependendo do favor de outro, portanto incerto, precarious, de precem, oração". Isso implica que esse estado de insegurança não é natural, mas construído - uma condição política produzida por um Poder em cujo favor dependemos e que só podemos pedir.” FOSTER, Hal. Precarious On the Art of the Decade. Artforum. Dec 2009, p. 209, (tradução livre do autor desta dissertação).

POLTRONIERI, Fabrizio Augusto. Precariedade como a base conceitual para o entendimento da arte como 15

jogo ininterrupto. Disponível em: http://periodicos.ufc.br/vazantes/article/view/20464/30901 Acesso em: 05/12/2017

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que transformaram a sociedade. Em texto publicado pela Revista Artforum,

Precarious On the Art of the Decade, Foster (2009) evoca um estado de incerteza no

meio social, como possíveis transformações que afetam o artista, alterando meios,

linguagens e estratégias na recepção e criação das suas propostas artísticas.

(FOSTER, 2009, p. 207)

A precariedade no circuito da arte internacional pode ser aferida através das

propostas de artistas como Marjetica Potrc, artista ganhadora do prêmio Hugo Boss

em 2000 e, Francis Alys, nomeado ao mesmo prêmio dois anos depois, como

ressalta a critica Anna Dezeuze (2006) . Em síntese, a autora lança um cuidadoso 16

olhar sobre a estética das favelas no ambiente das artes visuais. Surgida da

necessidade de sobrevivência e das adversidades da vida nas periferias das

metrópoles, pautando-se pelo texto de Hélio Oiticica “Da Adversidade

vivemos” (1968) e também pela curadoria de Carlos Basualdo que desenvolve esta

aproximação em sua proposta curatorial, The Structure of Survival, para 50ª Bienal

de Veneza de 2003, Anna Dezeuze questiona o uso do efeito estético do material

usado e roto, não nobre, e aponta para o perigo desses materiais serem utilizados

em função de uma estética da precariedade ou para uma tendência da fetichização

da pobreza, tirando proveito somente das qualidades e efeitos estéticos que esses

elementos apresentam. Desta maneira, o trabalho não apresenta um objetivo maior

de entendimento em busca de um significado além, e passa a ser visto somente

pelos efeitos plástico-estéticos que estes objetos e propostas artísticas

proporcionam, gerando desse modo um fetiche sobre o material pobre.

Portanto é necessário, para análise de trabalhos, dissecarmos os elementos

constituintes da obra e com isso rompermos sua unidade formadora para se chegar

às camadas de significação inesperadas. Importante notar que este estado de

incertezas e problemas políticos e naturais geram reações em muitos artistas que se

voltam para problemas sociais como objeto de seus trabalhos. Jacopo Criveli em

texto para 24ª Bienal de São Paulo em 2004 aponta como artistas transformam as

situações e estados de instabilidade em proposições artísticas.

DEZEUZE, Anna. Thriving on Adversity: the art of Precariousness. www.metamute.org 5 September 2006. 16

Além desse panorama, o programa Rumos Itaú Cultural de Artes Visuais 2001/03 contemplava como um dos seus segmentos de curadoria as Poéticas da Atitude: o transitório e o precário, com artistas que questionavam técnicas convencionais e interrogavam o valor de perenidade e utilizavam métodos não convencionais de ocupação espacial.

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!!Os artistas desta nova corrente, que poderíamos definir como a r t e g e r a l , u t i l i z a m e x c l u s i v a m e n t e m a t e r i a i s s i m p l e s , frequentemente retirados de outros contextos. Os resultados são em pr imeiro lugar insta lações e escul turas, mas também composições pictóricas e até vídeos, em que a precariedade dos suportes ou dos motivos representados se traduz em manifesto poético estético. Com freqüência aparecem madeiras usadas, queimadas ou em avançado estado de decomposição, ferros oxidados, cimento, arame e até mecanismos precariamente adaptados a novos usos. (VISCONTI, 2004, p. 45)

Deste modo podemos entender que algumas chaves de interpretação do

precário podem ser dadas a partir de um contexto artístico como, neste caso, a

corrente de artistas que trabalham com este conceito, que rondava o circuito das

artes da primeira década de XXI.

Com o uso das madeiras velhas e gastas já utilizadas para fôrmas de

concreto ou de tapumes de obras, revelam-se aspectos da feitura do espaço onde o

trabalho Vital Brasil se insere. Ele representa a construção do espaço e os conflitos

sociais que envolvem o complexo contexto da produção de cultura em um país como

Brasil. Revelando a construção no seu fazer e apresentando aspectos do espaço

transitório, efêmero e precário dos canteiros de obras que deveriam estar fora dali,

assim provoca tensionamentos, dissonâncias na relação entre a arquitetura do

prédio pronto e a percepção dos observadores e usuários do espaço. !1.2 Vital Brasil (2002) na exposição coletiva no Centro Cultural São Paulo ! Em frequentes visitas à biblioteca e discoteca do Centro Cultural São Paulo

gostava de ouvir discos LPs enquanto apreciava os amplos espaços proporcionados

pelos ousados vãos livres do projeto de Eurico Lopes. Posso dizer que desfrutava

das possibilidades que o local oferecia, eventos musicais, teatro, dança, cursos,

palestras e encontros de literatura e como ponto de encontro e reunião na cidade.

Estranhamente, a impressão do piso Caio Graco, destinado à área de artes

plásticas, no início dos anos 2000, não era animadora em comparação ao esperado

cubo branco. O piso das artes plásticas vazio, meio abandonado, estranho, uma

arquitetura ainda a se fazer e com detalhes ainda em acabamentos com fios e

estruturas do teto ainda a serem finalizadas. Caráterística esta que pode ser

observada em muitos dos prédios do poder público e ou privado no Brasil,

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construídos precariamente, com materiais baratos, à sombra de outras mazelas

estruturais.

Neste período enviei proposta para Edital Programa de Exposições 2002 que

contemplava a realização de uma exposição coletiva e outra individual, sendo aceito

pelo Júri composto por Carlos Augusto Calil, Ivo Mesquita, Paulo Venâncio Filho,

Sergio Sister e Stella Teixeira de Barros.

Após ser selecionado, realizei as visitas técnicas ao espaço, além do

determinante contato com o acervo histórico do CCSP e seus arquivos, onde

encontrei imagens da construção do prédio que alimentaram minhas pesquisas

sobre elementos da construção civil e as técnicas construtivas utilizadas na

construção do prédio.

Tratando-se de uma de minhas primeiras instalações em circuito institucional,

vislumbrei a necessidade de usar a oportunidade para criar algo em grande escala,

queria construir algo que gerasse realmente um ruído naquele espaço destinado às

artes visuais, presos aos convencionais módulos brancos e engessados para

exposições, utilizados até os dias de atuais para as exposições.

A partir dos estudos em maquetes e esboços que desenvolvia nesse período,

estabeleciam-se relações e prolongamentos de elementos da arquitetura, suas

quinas, colunas, pilares, vigas, paredes prolongamentos das construções, partes

que sustentam uma construção. Perfis que não são mostrados, escondidos pelos

tapumes, cortinados, máscaras para o efêmero, não se mostra o que sustenta o

concreto, a precariedade das construções, a provisoriedade não se apresenta, só se

tira a máscara quando tudo está pronto novinho e então aquele material se vai, tão

importante para a obra, vai para outra obra onde voltará a ter sua função de

sustentar outras construções, assim até o desgaste total de sua matéria. 17

!!!!!!!!!

O texto em itálico se refere a textos escritos durante o processo e anotações pessoais.17

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Figura 15: Construção jardim do piso Caio Graco Centro Cultural São Paulo 1982. Fonte: Acervo Centro Cultural São Paulo.

Figura 16: Construção Centro Cultural São Paulo 1982. Fonte: Acervo Centro Cultural São Paulo. !!

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Figura 17: Maquete e desenhos de projetos. Fonte: Acervo pessoal. ! Para o projeto, percebi que o uso de uma estética bruta e crua no uso dos

materiais eram aspectos da obra dos arquitetos Eurico Prado Lopes e Luiz Telles,

que me remetiam a este estado simples de acabamento final do edifício. E foi esta a

caráterística de materialidade do prédio que me chamou atenção e a qual me

apeguei para pensar a intervenção.

O concreto aparente das vigas que formam o grande esqueleto estrutural do

teto do CCSP e que convergem para grande pilar central na altura dos três andares

é o grande centro que concentra as tensões e pesos estruturais da arquitetura.

Sendo o elemento mais imponente e marcante desta parte do prédio, foi um dos

primeiros lugares onde pensei em realizar a intervenção querendo interagir com o

elemento principal do prédio. Mas devido à grandiosidade de suas dimensões em

contraste com a falta de qualquer pro labore para o projeto, além do curto espaço de

tempo de realização, busquei escolher um outro elemento arquitetônico mais

acessível.

Primeiramente, a viga na qual pensei em intervir seria na biblioteca, no intuito

de mostrar que o processo de construção civil se relaciona com o processo de

construção de conhecimento e que nos dois casos é o trabalho, é a construção, seja

ele conceitual ou manual, que une as atividades do intelectual e do pedreiro, por

meio do conceito de labor.

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!!

Figura 18: Montagem fotográfica do piso Caio Graco. Fonte: Acervo pessoal.

!Figura 19: Esboços para projeto exposição individual. Fonte: Acervo pessoal.

Devido às dificuldades de permissão envolvendo outros setores do Centro

Cultural São Paulo e o desejo de manter a relação visual mais direta com a cidade, o

Piso Caio Graco oferecia esta melhor relação entre cidade e o espaço expositivo.

Portanto, a intervenção Vital Brasil, realizada para a I Mostra do Programa de

Exposição 2002 de 1 a 25 Ago coletiva, foi construída em uma viga sobre a área

onde se situam os sanitários daquele andar. A escolha da viga se deu pela

proximidade da parede de tijolos, o que fortaleceria a relação da construção e tijolo à

vista, com as madeiras e madeirites utilizados pelo projeto.

!

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!!Figura 20: Vital Brasil, I Mostra do Programa de Exposição 2002 coletiva.

Fonte: Acervo pessoal ! Com o isso, o trabalho camuflava-se interagindo com outros elementos e

desenhos da arquitetura, insinuando um prolongamento da curva da viga, que se

descolava do concreto e tendia à queda, apoiando-se desajeitadamente na parede e

caindo sobre o espaço, problematizando o comportamento e a circulação do público.

Este processo de escolha do lugar para a intervenção pode ser entendido como nos

propõe Krauss (1979, p. 136) em seu artigo: “arquitetura mais não arquitetura (…)

estruturas axiomáticas existe uma espécie de intervenção no espaço real da

arquitetura, (…) um mapeamento das caráterísticas axiomáticas da experiência

arquitetural - as condições abstratas de abertura e closura- na realidade do espaço

dado“.

Neste caso, a realidade do espaço, dados suas tensões, formas e desenhos,

é ativada pela intervenção e estrutura do trabalho, alterando a experiência

arquitetural daquele que visitava o prédio.

A técnica construtiva se dava por meio dos amarramentos dos madeirites nos

sarrafos, sendo os sarrafos presos às estruturas metálicas destinadas à iluminação

do teto. Não havia um projeto executivo ou projeto detalhado anterior, o recolhimento

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e as ajudas dos amigos, além do prazo construtivo, regiam todo o processo de

acúmulo de material, um processo realizado no ritmo do calor do momento.

O trabalho equilibrava-se nos possíveis pontos de fixação encontrados na

própria viga, pois não era permitido realizar furos no concreto armado devido ao

tombamento do prédio. Portanto, o mapeamento para a realização da intervenção se

dava de modo espontâneo no encontro com o as diversas proximidades materiais.

!Figura 21: Vital Brasil, I Mostra do Programa de Exposição 2002 coletiva. Fonte: Acervo pessoal. !!

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!Figura 22: Esboços para projeto exposição individual.

Fonte: Acervo pessoal. !!1.3 O dentro e o fora no projeto Vital Brasil (2002) exposição individual no Centro Cultural São Paulo

A intervenção para exposição individual pretendia relacionar-se de modo

formal e comentar aspectos do prédio que vinham ao encontro às vontades

conceituais do próprios arquitetos, que prezavam por um prédio transparente e

transpassável e voltado à heterogeneidade da população de São Paulo. Portanto,

esta relação entre o espaço externo e interno era um dos desejos que moviam o

trabalho Vital Brasil para I Mostra do Programa de Exposição 2002 individual.

A intervenção seguia a viga da marquise externa sobre o jardim e prolongava-

se pendendo para o chão, ao lado da porta de entrada do espaço expositivo interno

até próximo do ponto onde se localiza a escultura Eva (1920) de Victor Brecheret.

!!!

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Figura 23: Processo de construção de Vital Brasil, I Mostra do Programa de Exposição 2002 individual. Fonte: Acervo pessoal

Figura 24: Vital Brasil (2002), I Mostra do Programa de Exposição 2002 individual. Fonte: Acervo pessoal

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A partir da experiência do espaço, o concreto da viga obliterado por madeiras

da estrutura da intervenção chamava a atenção para seu espaço interno oco à

desabar sobre chão, próximo à passagem de entrada do visitante da exposição,

alterando a experiência e percepção da entrada do local. Sua forma sugeria a esse

usuário comum do lugar que o prédio poderia ter sido ocupado ou ainda estar em

processo de construção ou mesmo reforma.

Deste organismo estrutural em ferro e concreto, desta ossatura surgem as

estruturas precárias de Vital Brasil que se grudam à arquitetura de Eurico Lopes em

uma simbiose benigna. As madeiras traziam à tona toda uma carga de

fragmentação, que o prédio e o projeto arquitetônico evita. Mas era nesta relação de

fraturar a certeza do visitante, onde se gerava e se dá o conhecimento, que precisa

ser provocado atiçado e desconstruído. O que aquilo fazia ali? Para que servia? O

projeto desta maneira ativava a percepção do espaço e adentrava com esta camada

social, do pedreiro, do trabalhador, do construtor popular, pessoas que ainda hoje

são mal vistas pelas equipes de segurança da instituição pública e artística do

Centro Cultural São Paulo.

A intenção de envolver o visitante no espaço e desviá-lo de seu curso

propondo um novo ambiente e significados agregados ao trabalho contaminavam o

espaço do entorno onde a intervenção se encontrava.

A seriação das vigas e estruturas metálicas do teto do CCSP se relacionava

com o desenho seriado dos sarrafos de madeira que se prendia ao teto e aos

madeirites. O trabalho perturbava o trajeto projetado para o devaneio e

contemplação artísticos.

O ruído causado pelo trabalho e seus materiais estremece certezas e

convicções. Quem teria feito? Sabiam que alguém, mas com certeza não aquele

mestre de obras instruído, ou seria uma reforma no prédio? Não havia tapumes ou

sistemas de segurança. O trabalho remete a uma arquitetura e construção popular,

de periferia, construída com aquilo que é encontrado pelas ruas para dar origem a

uma arquitetura popular. “(...) arquitetura brasileira não é somente a de Niemeyer ou

a de Artigas. Também é a dos bairros periféricos, com suas casinhas auto

construídas (…)” (LEMOS, 2010)

O sistema construtivo precário e temporário que intervém na materialidade do

projeto de Eurico Lopes foi o mesmo sistema de construção das casas que se

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apresentam sem o reboco, onde as vigas, colunas e pilares das construções se

mostram aparentes e sem acabamento final, a deixar sempre na laje a ponta de

vergalhão para uma construção futura.

Este processo de construção utilizado na instalação Vital Brasil para Mostra

Individual (2002) faz referência a uma construção fragmentada e com materiais

achados e recolhidos pelo próprio construtor na sua escala de um pedestre,

encontrados aqui e ali e transportados de modo precário, reafirmando a

fragmentação de seu aspecto formal. (JACQUES, 2003, p. 23)

Pode-se então estabelecer também, a partir deste modo de construção,

analogia entre a construção do barraco e a construção de Vital Brasil (2003). A esta

prática construtiva podemos relacionar também a ideia de bricolagem, que tem a ver

com o acaso e a incompletude. Ao bricolar da prática construtiva do morador de

favelas, onde a arquitetura se dá pelo acaso, com os materiais encontrados pelas

ruas das cidades, materiais gastos, já utilizados, todos de segunda mão e que se

adequam ao espaço sem um projeto detalhado, Berestein (2003, p. 25) desenvolve

um aprofundado estudo a partir da análise dos processos constitutivos da favela no

trabalho de Helio Oiticica:

!(…) uma reciclagem arquitetural sobretudo aleatória, que nasce da fragmentação de antigas arquiteturas (…). A incessante recons t rução com f ragmentos de mater ia is já u t i l i zados , detentores de uma história construt iva própria, consti tui a temporalidade dessa outra maneira de construir. Sua “poesia” reside justamente na dimensão aleatória de resultado, sempre inesperado e intermediário.(JACQUES, 2003, p. 25)

Neste caso, a bricolagem como técnica construtiva geradora do abrigo serviu

como aproximação do caráter provisório e temporário que a intervenção Vital Brasil

pretendia ativar no espaço e seu entorno para problematizar as noções da

arquitetura daquele espaço, como algo sólido e eterno.

Com o trabalho, propõem-se novos fluxos de movimentação e uso do espaço

dado. A construção gera novos vetores de direções, alterando a praticidade e

propondo novas espacialidades geradas pela presença física do trabalho e suas

caráterísticas.

!!!

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1.4 O arquiteto e o pedreiro no projeto Vital Brasil (2005) exposição coletiva no Instituto Tomie Ohtake. !

Com arquitetura de formas marcantes que compõem espaços e volumes escultóricos, o Complexo Aché Cultural – composto por dois prédios de escritórios, centro de convenções, teatro e o Instituto Tomie Ohtake - já se tornou referência na paisagem da cidade de São Paulo. A criação de um espaço urbano inédito, onde as pessoas podem conviver com cultura, trabalho e lazer naturalmente integrados, rendeu ao autor do projeto, Ruy Ohtake, mais um prêmio em seu currículo, o da 9ª Bienal de Arquitetura de Buenos Aires, em 2001. Ocupando dois pisos, o Instituto é distribuído em 7.500m2, com 7 salas de exposição, um setor educativo com ateliês, salas para palestras e setor de documentação. O piso térreo é integrado a um grande hall onde funcionam restaurante, l ivraria e loja de objetos. 18!!

Convidado por Agnaldo Farias para participar da exposição Geração da

Virada 10+1: os anos recentes na arte brasileira (2005), logo nas primeiras visitas ao

Instituto Cultural Tomie Ohtake, chamaram-me a atenção os guarda-corpos em

concreto aparente na entrada do centro cultural, algumas da paredes logo na

entrada do espaço estão soltas e fazem pouco sentido em relação ao seu uso, no

entanto, tal recurso plástico e a mistura de linhas e formas em curvas em diferentes

sentidos, construídas com fôrmas de madeira, faz o concreto dançar. O mesmo

efeito das curvas está nas paredes do espaço interno e na escada de acesso e

guarda-corpos. O uso das curvas faz parte do repertório arquitetônico de Ruy

Ohatke como ele mesmo salienta:

!Na arquitetura, a curva estabelece uma relação muito rica de espaço e de volume. Proporciona, para quem está vendo, um exercício de prolongamento visual e, para quem está dentro, um espaço mais generoso, que não se deixa limitar pela rigidez geométrica… A curva foi a primeira ousadia da arquitetura contemporânea brasileira. Essa ousadia da forma precisava se sustentar numa ousadia estrutural, e provocou signif icativo avanço nos cálculos estruturais. A meu ver, as curvas de nossa arquitetura são as mais belas do movimento contemporâneo mund ia l . Por que se rá? Ta lvez porque não possam ser integralmente previstas pela alta tecnologia. Eu diria que são essencialmente gestuais. São criadoras. São bonitas. 19!

Espaço. Disponível em: http://www.institutotomieohtake.org.br/conheca/espaco material institucional do 18

Instituto Tomie Ohkate Acesso em: 05/12/2017

O processo de criação do Arquiteto Ruy Ohtake. Disponvel em: http://pt.slideshare.net/CristianeLarsen/19

apresentao-finalcompactadaruyothake Acesso em: 05/12/2017

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! Foi seguindo este movimento das formas curvas que se iniciam no espaço

externo, tanto no piso como nas fachadas, que projetei o prolongamento da parede

interna com a instalação Vital Brasil, na intenção de dar movimento ao concreto que

se mantinha acabado àquela altura da parede, a ideia era alterar a percepção da

entrada da primeira sala do primeiro piso do instituto cultural.

As marcas das faixas horizontais das tábuas de madeiras deixadas sobre a

parede principal de concreto foram medidas, refeitas e re-conectadas com a

instalação que se prende à arquitetura e projeta-se prolongando a parede para uma

nova possibilidade arquitetônica. Tal ação gerava a sensação de encontrar o prédio

em um tempo/espaço, em que o mesmo se encontrava em obras, por onde

andavam pedreiros por aqueles corredores ainda em fase de construção.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! !!!Figura 25:Vital Brasil, intervenção na arquitetura do instituto Cultural Tomie Ohtake 7 out. 26 nov. 2006 dimensão: 245 x 320 x 15cm Fonte: Livro Geração da Virada 10+1 anos recentes da arte brasileira. ! Com a ação de reproduzir as mesmas medidas do concreto armado, com as

madeiras, o madeirite rosa, mais barato e mais acessível remete às fôrmas

utilizadas em construções mais populares, o trabalho também se refere aos

aspectos sociais que envolvem a arte produzida no Brasil e que se reflete em uma

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sociedade de luta e conflito entre classes, onde as desigualdades sociais são

observadas a poucos metros das portas do próprio Instituto Centro Cultural, onde se

encontra grande concentração de população de baixa renda, que ali tem saída de

seus ônibus e o comércio bastante peculiar do Largo da Batata.

O choque entre a arquitetura de Ruy Ohtake e a técnica de construção que

apresenta, somente os vestígios das madeiras gravados no concreto, são afirmadas

na instalação com as mesmas faixas de madeira que deram origem à parede e à

textura presente nas paredes.

A instalação Vital Brasil (2005) no Instituto Tomie Ohtake aponta para a

relação entre o saber do engenheiro e o fazer do pedreiro em nossa sociedade

capitalista, trazendo as técnicas construtivas do pedreiro para junto do desenho

proposto pelo arquiteto e engenheiro Ruy Ohtake.

Com a técnica construtiva do concreto armado detalhadamente exposta pela

conexão direta com o concreto aparente, flexibiliza-se a forma final do projeto

acabado do engenheiro, ou seja, o retorno destas formas instaura o trabalho

provisório e temporário do pedreiro, revelando questões sociais de prestigio e

valoração de trabalhos. “Há um enorme desnível de prestigio e de poder entre essas

profissões, decorrente da concepção generalizada em nossa sociedade de que o

trabalho intelectual é superior ao manual.” (ARANTES, 1982, p. 13)

A instalação gera questionamentos sobre as técnicas de trabalho, bem como

de prestígios profissionais envolvidos na área da construção civil, que se

transmutam nos conflitos sociais da sociedade brasileira, esta que ainda distingue, e

muito, o saber do pedreiro, como popular, do saber do engenheiro, como intelectual

“…essa dissociação entre “fazer" e “saber”, embora a rigor falsa, é básica para a

manutenção das classes sociais pois ela justifica que uns tenham poder sobre o

labor dos outros.” (ARANTES, 1982, p. 13)

Nesta condição, o fazer do pedreiro e o canteiro de obras devem desaparecer

quando o prédio estiver acabado e qualquer marca do trabalho manual deve ser

escondidp nos aspectos formais do edifício pronto.

No entanto, alguns arquitetos tomaram partido desta qualidade bruta do

material para a execução de seus projetos, valorizando efeitos de madeiras como

qualidade estética da superfície do concreto aparente.

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O uso de materiais da arquitetura costumam advir do contexto de onde

surgem as edificações, desta forma, a carência ou abundância de recursos naturais

e ou industriais podem definir o processo e técnica construtiva de determinada

região ou lugar. Em São Paulo nota-se a predominância nas construções

modernistas, onde se privilegia o uso estrutural do concreto armado, em detrimento

de materiais como o ferro, pois o uso daquele material encontra facilidades no

contexto paulistano e brasileiro. 20

O concreto armado possui uma técnica construtiva que vai ao encontro de

outro material em abundância no Brasil, a madeira. A técnica construtiva que utiliza a

fôrma de madeira para modelar o concreto armado é frequentemente utilizada em

importantes projetos de arquitetura em São Paulo e no Brasil. Apesar de muitas

empreiteiras utilizarem a fôrma para concreto em ferro, ainda é vigente o uso de

diferentes tipos de madeira nas construções em São Paulo, pois tal técnica

construtiva encontra facilidades no contexto da cidade, pelo baixo custo do material

madeira e fácil acesso ao cimento , simples manuseio na tecnologia empregada, 21

além da fácil manutenção do concreto.

Esta técnica construtiva que modela e dá forma ao concreto faz parte do

vocabulário de muitos arquitetos e da vida dos paulistanos. No Brasil, vários 22

arquitetos investigaram e desenvolveram grandes estudos sobre o concreto armado,

interessados na relação entre disponibilidade, potencialidade e adequação,

É claro que o êxito do concreto armado no Brasil não pode ser explicado unicamente por razões econômicas, 20

mas não ha dúvida de que estas tiveram um papel decisivo, pois seus componentes básicos, areia e cascalho, eram encontrados em qualquer lugar, a preços muito baixos. Além disso, a preparação do concreto no próprio canteiro de obras não exigia operários qualificados, fato importante num pais onde eles são escassos, mas que, em compensação, conta com uma abundante mão de obra não qualificada. Portanto independentemente se suas qualidades técnicas e plásticas, o concreto armado apresentava a vantagem de ser, de longe, o material mais barato para toda estrutura de maior porte. O mesmo não ocorria com produtos metalúrgicos, cuja fabricação dependia da existência de uma poderosa industria. BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. Trad. Ana M. Goldberger. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1981 p.36

“(...) em 1924, com a implantação pela Companhia Brasileira de Cimento Portland de uma fábrica em Perus, 21

Estado de São Paulo, cuja construção pode ser considerada como o marco da implantação da indústria brasileira de cimento. As primeiras toneladas foram produzidas e colocadas no mercado em 1926. Até então, o consumo de cimento no país dependia exclusivamente do produto importado. A produção nacional foi gradativamente elevada com a implantação de novas fábricas e a participação de produtos importados oscilou durante as décadas seguintes, até praticamente desaparecer nos dias de hoje“. BATTAGIN, Arnaldo Forti Battagin. Uma breve história do cimento Portland. Disponível em: http://www.abcp.org.br/cms/basico-sobre-cimento/historia/uma-breve-historia-do-cimento-portland/ Acesso em: 05/12/2017

O Metrô é um exemplo marcante do uso do concreto aparente tanto estético como funcional, sendo que todas 22

as estações possuem este mesmo acabamento. Vale notar, que no caso do Metrô são usados as fôrmas de ferro, opção para quem procura um aspecto extremamente liso e possibilidade de re-uso da mesma fôrma, sem deterioração e desperdício de material.

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exemplos podem ser vistos em arquitetos como Vilanova Artigas e Lina Bo Bardi

como nos apresenta os comentários de (GIANNECCHINI) sobre o uso do concreto: !Artigas tornou-se após meados da década de 1950 um dos arqui te tos bras i le i ros mais preocupados em invest igar as potencialidades do concreto armado. Não pelo material em si, mas por crer ter ele o sentido, no Brasil, de um material disponível e econômico. Embora a pesquisa de Lina não fosse estrutural, ela buscou na técnica do concreto armado o mesmo sentido que Artigas: adequação aos meios disponíveis no país.(GIANNECCHINNI, 2010, p. 42) !!

O concreto armado e aparente sugere uma relação direta com a arquitetura,

por ser um material bruto, eficiente e eficaz, referência às qualidades do estilo e

arquitetura moderna. Os arquitetos assumem o material que dispensa elaborados

acabamentos finais, portanto é de simples confecção e sem necessidade de

cobertura por camadas, como reboque, bastando usar somente impermeabilizante

ou tinta para sua proteção e ou manutenção.

Lina Bo Bardi em seus projetos mantém uma relação franca no uso de

materiais, visível tanto na sua estética quanto no seu pensamento político.

Preocupada na repercussão e franqueza de seu projeto do MASP, Lina já previa um

certo estranhamento das pessoas da época em relação a simplicidade e no uso dos

materiais.

!S e i q u e m u i t a s p e s s o a s f i c a r ã o e s c a n d a l i z a d a s c o m a ‘brutalidade’ do acabamento, que não esconde os elementos da construção, mas põe à mostra o concreto, as instalações de e le t r i c i dade , de a r cond ic ionado , os encanamentos e a maquinaria do elevador. Não aceitei mármores, lustres, rodapés, lambris, nada. Recusei as soluções formalistas. Assim o fiz porque não compreendo de outra maneira a arquitetura dos dias presentes. Ela deve ser baseada numa técnica reduzida ao essencial. Em outras palavras, é necessário descobrir uma ‘poética’ da técnica, uma técnica humanizada, bem diferente do romantismo técnico. (GIANNECCHINI, 2009, p. 41)

! A arquiteta defende uma arquitetura simples e utilizou o concreto armado

como material por excelência em muitos de seus projetos na cidade de São Paulo.

Podemos compreender o uso do material bruto dentro da chave do movimento

Brutalismo. Estilo que predomina em muitas construções pela cidade de São Paulo e

na arquitetura dos arquitetos citados.

!

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Brutal ismo: arquitetura que faz uso extensivo do concreto aparente, dos volumes puros e geralmente maciços, e não oculta a função das estruturas e dos serviços. Brutalismo, sob influxo do inglês brutalism. – Bruto: do latim brutus, originariamente pesado no sentido físico. 23!!

Lina Bo bardi é uma das arquitetas que em muitos de seus projetos fez uso

desta estética, deixando aparente os vestígios do madeiramento no concreto com o

uso das fôrmas com tábuas de madeira bruta.

No projeto do MASP, o uso do concreto aparente é visível nos espaços

externos e paredes internas do prédio e em grande parte das fachadas do Sesc

Pompéia a arquiteta se apropria dos vestígios e veios de madeira sobre o concreto

armado, deixando-o aparente, desse modo nos apresenta a qualidade e

materialidade do cimento, onde ressalta-se o lado humano do mestre de obras, do

trabalhador. “O Concreto como sai das formas e o não acabamento podem chocar

toda uma categoria de pessoas.” (FERRAZ, 2015, p. 08)

Interessante notar como a arquiteta valorizava todas as etapas e os

processos de construção nas suas obras, construindo muitas vezes o seu escritório

no canteiro de obras de onde poderia acompanhar de perto as etapas da construção

e com isso tirar proveito de seus efeitos e qualidades simples.

!Lina parecia não fazer questão de um detalhamento executivo do projeto. Não tinha um escritório fixo: montava um escritório na obra e, com poucos desenhos, gostava de acompanhar a execução diariamente, resolvendo problemas no momento. A ela interessava não apenas o projeto e a obra construída, mas também o processo, o contato com os operários, com os engenheiros e fornecedores. Enfim, estava interessada nas relações estabelecidas no canteiro.(BARDI, 1992, p. 105) !!

A proximidade da arquiteta com o trabalhador no labor do canteiro de obras

gera troca de conhecimentos. Em muitas de seus projetos, os pedreiros e

trabalhadores sentem-se não somente mão de obra alienada, mas se convertem

também em criadores do projeto.

Portanto, a partir da análise do projeto artístico Vital Brasil (2005) no Instituto

Tomie Ohtake, nota-se a pertinência no uso da madeira em contraste com a

arquitetura acabada, pois verifica-se o recorrente uso da fôrma de madeira para a

FUENTES, Maribel A. Lina Bo Bardi: concreta poesia Disponível em: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/23

arquitextos/04.040/653 Acesso em 05/12/2017

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secagem do concreto ou para construção de andaimes nos canteiros de obra

brasileiros.

Esta vontade de trazer parte do canteiro de obras, esta qualidade

arquitetônica negativa do espaço urbano da cidade para as instituições artísticas,

gera uma alteração dos sistemas e regras onde este se insere. As estruturas que

derivam da construção civil e da arquitetura passam a se constituir como elementos

para criação de instalações e intervenções que dialogam e comentam arquiteturas

de edificações acabadas.

Figura 26: Construção do Museu de Arte São Paulo Fonte: Arquivo Instituto Lina Bo Bardi

No caso dos trabalhos da série Vital Brasil, ao retornar as formas aos seus

elementos arquitetônicos que a madeira modelou, evidencio um processo vital para

a arquitetura brasiliera.

O título da série, Vital Brasil, remete a esta técnica de construção

determinante e fundamental para o desenvolvimento moderno das construções e da

paisagem das cidades brasileiras, além de possuir uma tecnologia básica e

essencial. De outro modo, o título se constitui um comentário ao próprio processo de

consolidação da instituições artísticas brasileiras, que ainda nos apresenta uma

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panorama precário, em estado de construção e consolidação, processo esse vital

para o Brasil e para o desenvolvimento de uma sociedade.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

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CAPÍTULO 2: B E R L I M E O S E N F R E N TA M E N T O S D O A R T I S TA N A C I D A D E CONTEMPORÂNEA. EXPOSIÇÃO TRANSITION ZONE E A SÉRIE FOTOGRÁFICA ANHÄNGER.

!! A vida na cidade contemporânea é cheia de fraturas e disrupturas,

provocadas por quebras perceptivas no fluxo cotidiano da metrópole. Regulada por

aspectos econômicos, o movimento nas cidades é condicionado por funcionalidades

e automatismos, que se reflete em comportamentos do corpo ao olhar, ou seja,

movimentos e trajetos que valorizem a velocidade e produtividade. Porém, algumas

frestas, cuja percepção nos possibilita uma desacelaração promovida por

estranhamentos oriundos desta experiência do dia a dia, geram intensas vontades,

que se transformam em ações, pensamentos e comentários sobre os aspectos deste

viver no espaço urbano. Apesar de Berlim ser considerada um grande canteiro de

obras e estar em constante construção e vir a ser, a preocupação com a 24

arquitetura e seus modos construtivos, que foram norteadores de meu processo de

trabalho na série de intervenções Vital Brasil em São Paulo, amplia-se para outras

relações com a cidade.

O espaço urbano passa a ser compreendido pelo artista contemporâneo não

mais como um campo de ação direta no intuito de romper as fronteiras entre museu

e público com as intervenções. No caso de Berlim, as proposições eram uma

maneira de aproximação do espaço urbano, pensando este como uma plataforma de

pesquisa e lugar que impulsiona a minha reflexão sobre os modos de como

apresentar um recorte do contexto urbano, um fragmento da cidade contemporânea

deslocado para o contexto da arte e suas instituições.

Tendo em vista tais motivações, minha produção direcionou-se para outras

modalidades da visualidade, essas relacionadas à construção de imagens.

Este capítulo desenvolve-se a partir da exposição Transition Zone (2009) na

galeria Magnus Mülller, para qual foram realizados os projetos: a intervenção Club

(2009), algumas pinturas de toboáguas, além da fotografia Anhänger Transition Zone

(2009). Os trabalhos aqui analisados remetem a este desejo mais introspectivo de

JÜRGENS, Isabell. So läuft es auf Berlins Großbaustellen. Disponível em: https://www.morgenpost.de/berlin/24

article207042689/So-laeuft-es-auf-Berlins-Grossbaustellen.html Acesso em:05/12/2017

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processo de análise visual, com demandas estéticas voltadas para processos

pictóricos.

!!Figura 27: Foto Galeria Magnus Muller e complexo de arquitetônico de Hans Poelzig e praça Rosa

Luxemburg, Berlim Mitte set. 2009. Fonte: Acervo pessoal. !! A galeria Magnus Müller ficava situada em uma das quadras das esquinas 25

que configuram a forma triangular da praça Rosa Luxemburgo em frente ao teatro

Volksbünhe em Berlim . O espaço da galeria, com as amplas vitrines e janelas, 26

oferecia uma forte relação com a paisagem do espaço externo.

O conjunto habitacional onde a galeria se encontrava foi criado pelo arquiteto

Hans Poelzig . Os andares inferiores do conjunto, que ocupa uma quadra inteira, 27

abrigam espaços destinados ao comércio e, na esquina oposta à galeria, encontra-

se o Cinema Babylon. A região é frequentada pelo público do teatro, cinema e

A galeria Magnus Muller mudou de endereço no final de 2010, e atualmente possui um escritório temporário 25

de arte em Husum. Disponível em: http://www.magnusmuller.com/index.php Acesso em:05/12/2017

O diretor do teatro Volksbuhne Franz Castorf foi um dos responsáveis por minha ida à Berlim, convidado como 26

cenógrafo da peça teatral A Missão de Heiner Muller e Anjo Negro de Nelson Rodrigues durante 2007 em turnê por Hannover e Berlim e depois desta produção Castor convidou-me para o desenvolvimento de outro cenário junto ao teatro Volksbünhe para criação de uma nova intervenção cenográfica, a Opera Die Maßnahme - Mauser, depois desse período de trabalho com teatro permaneci na cidade onde iniciei meus estudos de mestrado e realizava exposições e trabalhos esporádicos.

Hans Poelzig (1869-1936) arquiteto alemão nascido em Berlim, trabalhou em diversos projetos para cidade de 27

Berlim, exemplos em 1919 o teatro Grosses Schauspielhaus, importante projeto de arquitetura interna expressionista, a Haus des Rundfunks central de transmissão e desenhou de 1927 a 1929 o conjunto comercial e residencial com oito blocos para na Bülowplatz, hoje Rosa-Luxemburg-Platz. Os blocos concluídos incluíram 170 apartamentos e 80 lojas, além do cinema Babylon, que está localizado em uma das vértices do triângulo equilátero formado de pela desenho dos blocos.O arquiteto também possui obras de envergadura na Polônia.

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galerias de arte, e possui movimento intenso de passantes no verão, onde se pode

tomar cafés da manhã em bares ou cafeterias em mesas colocadas ao lado da

praça.

O convite para realizar uma exposição somente com minhas pinturas da série

de Toboáguas na galeria Magnus Müller me impulsionava a pensar em algo a mais,

talvez um trabalho que pudesse criar um diálogo com o entorno. Sendo minha

primeira exposição individual na Alemanha, a intenção foi apresentar uma

intervenção concomitante às pinturas, pois acreditava ser a modalidade artística que

alcança o público pelo contato direto, além da vontade de estabelecer uma relação

de ironia e imagética da intervenção com as pinturas.

Analisando a situação dada pelo contexto social do entorno da Galeria,

podemos dizer que estamos em um dos lugares de grande importância cultural e

histórica de Berlim, em frente ao principal teatro da Alemanha Oriental o Volksbhüne

(Palco do Povo) e sobre as calçadas da praça e rua, podemos ver poemas de Rosa

Luxemburgo no chão, inscritos em placas de mármore preto que foram incrustadas 28

no chão da praça pelo artista Hans Haacke em projeto realizado em 2006 , nesta 29

região estamos a poucas quadras do antigo centro de Berlim pertencente à

República Democrática Alemã (RDA- DDR Deutsch Democratische Republic)

próximo a Karl-Liebknecht-House, antiga sede do Partido Comunista Alemão (KPD).

Apesar do contexto político do lugar, hoje os arredores da praça e o bairro de

Mitte vem sendo assolado pelo markentig das cidades culturais e pelo turismo

global. Desde os anos 90, a cidade adentra na busca pela titulação de cidade

cultural e a região enfrenta a ocupação de grandes marcas e investimentos que

podem vir a eclipsar a história cultural e memória daquele lugar. Andreas Huyssen 30

analisa pontualmente esta situação quando argumenta, “O objetivo é nada menos do

Rosa Luxemburgo (1871-1919) fascinante como mulher emancipada, versátil e artisticamente ativa, atuou na 28

esquerda política de sua época e seus pontos de vista estavam no movimento socialista e de trabalhadores. Disponível em: http://www.rosalux.de/geschichte/thema/rosa-luxemburg/2369/283.html Acesso em: 07/12/2017

Projeto de intervenção pública de Hans Haacke criado em 2006 Disponível em: https://www.berlin.de/ba-mitte/29

politik-und-verwaltung/aemter/amt-fuer-weiterbildung-und-kultur/geschichte/gedenkorte/artikel.501077.php Acesso em: 07/12/2017

Durante o processo de desenvolvimento do mestrado, o logotipo do teatro do Volksbuhne que ocupava o 30

centro da praça foi retirado, com esta remoção do logotipo, faz-se pertinente as colocações de Andreas Huyssen sobre os apagamentos, como processo de esquecimento de qualquer equipamento ou elemento do espaço urbano, que possam remeter ao passado da Alemanha Oriental. Sobre a retirada do monumento, Volksbuehne das rad ist weg.(Palco do Povo, a rodo se foi). Disponível em: dhttp://www.berliner-zeitung.de/kultur/volksbuehne-das-rad-ist-weg-27890442 Acesso em: 07/12/2017

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que criar a capital do século XXI, mas essa visão se vê persistentemente

assombrada pelo passado.“ (HUYSSEN, 2000, p. 93)

No centro da praça, ao redor do monumento com o logotipo do Teatro

Volksbhune , encontram-se todas as possibilidades de cultura de uma grande 31

cidade, ótimas livrarias de arte com publicações independentes e livros de design,

literatura especializada e arquitetura, diversas galerias de arte contemporânea com

obras de artistas relevantes no cenário mundial. A sala de espetáculos Rote Salon

no interior do teatro Volksbühne, é outro chamativo que oferece música e shows de

diversos artistas e músicos. Portanto, podemos vislumbrar neste roteiro, como

Berlim tem investido fortemente em políticas culturais urbanas para tornar-se a 32

capital da cultura.

A partir da análise do espaço social e toda a agitação cultural que vivenciei

como artista pesquisador, levei em conta estas informações para a criação de uma

intervenção que pudesse dialogar com os aspectos sociais e públicos que envolvem

a cultura daquela região. Portanto a premissa do trabalho era potencializar estas

caráterísticas culturais e de entretenimento da praça, somada às caráterísticas da

arquitetura da galeria, seus usos e funções, além de estabelecer um diálogo e

ambiência que acolhessem as pinturas e suas representações.

Defini, portanto, como foco para esta intervenção, o espaço da galeria

comercial de arte e sua relação com a praça, com a intenção de chamar o visitante

para usufruir da praça como local de contemplação e contato com a natureza.

2.1 As relações travadas pelo projeto expositivo entre a vitrine e o transeunte ! A configuração urbana onde se encontra a praça Rosa Luxemburgo oferece

um lugar com grande fluxo de visitantes. A fachada do conjunto habitacional onde se

encontrava a galeria, com suas grandes janelas totalmente envidraçadas

Durante o período de escrita desta dissertação, o monumento foi retirado pela nova equipe que passa 31

administrar o Teatro com novas diretrizes, gerando a critica da sociedade artística berlinense que ocupou o prédio em Setembro de 2017.

“Políticas culturais diz respeito àquelas políticas relacionadas com a cultura, seja em nível, local, regional, 32

nacional ou internacional, que são, ou focados na cultura como tal, ou designadas para ter efeito direto em manifestações culturais de individuais, comunidades ou sociedades, incluindo a criação, produção, disseminação, distribuição e acesso a atividades, bens e serviços culturais” HEINRICH, Bettina. Mudando Cidades: Um novo papel para a política cultural urbana. In: A Cultura pela cidade. São Paulo: Iluminuras & Observatório Itaú Cultural, 2008, p.87-102.

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estabeleciam relação direta com os passantes em trânsito pela calçada, e assim

sendo, convidavam à contemplação do espaço interno.

As paredes de vidro serviam como o anúncio de seu próprio espaço e à

venda dos produtos que ali estão expostos, podendo ser admirados a todo momento

sem fechamento durante todo o dia e a noite.

Esta configuração das ruas com as fachadas da arquitetura como vitrines,

acabam por estabelecer uma maior aproximação com o transeunte, e com isso,

foquei minhas ideias em um projeto que estabelecesse um diálogo com o espaço

interno da galeria e a transparência do vidro, de modo a ampliar a relação com o

espaço interno e externo do entorno.

As vitrines são elementos da arquitetura usados como ferramenta de

publicidade e propaganda . São equipamentos que criam o fetiche do consumo, 33

revelar sem poder tocar, olhar sem poder alcançar, estabelecendo desejos e

vontades naqueles que passam por sua frente. Vale notar que as vitrines desta

região em Berlim ainda mantém esta relação direta com a cidade 24h por dia, sendo

que muitas outras vitrines, normalmente em bairros, já possuem as portas de correr

de ferro, que protegem o vidro e produtos durante a noite. Mas no caso das lojas da

praça em questão, nenhuma delas possui este tipo de proteção, estabelecendo a

todo momento uma relação direta com os transeuntes da rua. Apesar de indicar um

sentido amistoso, este não se completa em plenitude, pois o vidro, como nos lembra

Baudrillard:

!(…) o vidro principalmente materializa de forma extrema a ambiguidade fundamental da ambiência: a de ser a um tempo proximidade e distância, intimidade e recusa da intimidade, comunicação e não comunicação. Embalagem, janela ou parede, o vidro funciona funda uma transparência sem transição: vê-se, mas não se pode tocar. A comunicação é universal e abstrata. Uma vitrina é encantamento e frustração, a própria estratégia da publicidade.(BAUDRILLARD, 2004, p. 48) !

Tais ferramentas de apresentação de produtos com as grandes fachadas de

vidro tem sua origem com o surgimento dos grandes magazines e lojas de

Este conceito como conhecemos surgiu no final do século XIX “Em virtude do novo modo de organizar a 33

relação produção/consumo, a partir do século XVII as lojas se multiplicam por toda a Europa e, gradualmente, vão ocupando todo o mundo ocidental sob a égide de uma economia em expansão e de um progresso ilimitado. As vitrinas, então, se materializam como um dos ingredientes fundamentais das novas necessidades.” pg. 11.http://repositorio.uniceub.br/bitstream/123456789/1615/2/20427472.pdf Acesso em: 14/12/17

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departamentos que utilizavam da mesma estratégia para apresentarem seus

produtos sendo o vidro este delimitador entre o espaço privado da loja e espaço

público da calçada. Assim o passante vai ter acesso através da vitrine somente a

contemplar o espaço interior, pois o material vidro, nesta condição de vitrine ou

mesmo embalagem, como nos apresenta (BAUDRILLARD, 2004, p. 49):

!(…) deixa transparecer somente o signo de seu conteúdo e interpõe-se, na sua transparência, (…) Sem contar a sua virtude essencial que vem a ser moral: sua pureza, sua lealdade, sua objetividade, a imensa conotação higiênica e profilática que faz dele verdadeiramente o material do porvir, um porvir de recusa do corpo e das suas funções primarias e orgânicas em beneficio de uma objetividade radiosa e funcional de que a higiene é, para o corpo a versão moral. ! !

Deste modo o espaço da galeria Magnus Muller oferecia uma estrutura

arquitetônica ligada ao comércio e às lojas de departamentos, portanto considerei a

fachada como uma vitrine para a apresentação de minha proposta de exposição,

desse modo busquei entender este espaço como um sistema de apresentação de

produtos. O que percebemos atualmente é que a vitrine é explorada por diversas

estratégias de apresentação de produtos de marcas e estilos de vida.

A vitrine, neste contexto histórico, mostra este lugar de encenações e

criações de ilusões e desejos, portanto a ideia era criar uma situação de

proximidade com os passantes e que, por meio da intervenção, pudesse vir a se

tornar visitantes e, deste modo, preparados para entrar no espaço da galeria e

contemplar outros trabalhos que compõem a mostra. Portanto, o trabalho de

instalação teria de ativar estes desejos. Dentro desta mesma chave de pensamento

Demetresco (2005, p. 25) afirma que ”A vitrine é uma montagem que concentra

inúmeras áreas que se fundem para criar uma imagem cujo propósito é gerar prazer

por alguns segundos”.

Nesta situação o transeunte do espaço público, ao parar e dar-se tempo para

admirar a vitrine, passa da condição de observador a contemplador daquilo que está

sendo apresentado. Talvez não consuma os produtos que ali estão sendo

oferecidos, comprando-os, mas de qualquer modo consuma os desejos que estes

representam.

!!

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2.2 A intervenção Club (2009) e a paisagem

Dadas as caráterísticas do espaço e lugar da galeria conectados aos seus

usos e funções , pensei na apropriação de um equipamento urbano que pudesse 34

aproximar o público transeunte da praça e possibilitar um tempo maior de

contemplação para se apreciar as pinturas de paisagens, onde figuram os

Toboaguás em diversas configurações e cores. Com essas premissas ligadas à

paisagem e à vista da galeria, vislumbrei a construção de um deck de madeira que

interligasse os espaços externo ao interno da galeria no intuito de oferecer um

elemento de acolhimento para a galeria melhor acomodar o visitante, isto é, este

poderia sentar e contemplar do lado de fora a movimentação circundante ou,

estando do lado de dentro, as imagens de toboáguas pintadas a óleo. Portanto, a

exposição oferecia dois modos de apropriação de camadas da paisagem, a

paisagem real oferecida por meio do deck de madeira e a piscina, bem como as

paisagens que remetem a um suposto clube.

A escolha do deck de madeira, realizou-se devido a seu uso frequente em

ambientes externos no intuito de gerar uma maior proximidade com a paisagem

circundante. Usado normalmente como plataforma de descanso e repouso, os decks

adequam-se a variações de topografias e, como no caso da galeria, servem de piso

para entrada de piscina. Além disso, o material do deck, a madeira, considerada um

material quente e aconchegante, nos remete à natureza domesticada, à natureza no

espaço urbano. O elemento natural madeira carrega esta nostalgia do natural como

Baudrillard (2002, p. 44) comenta “A madeira (…) tem uma nostalgia afetiva uma vez

que tira sua substancia da terra, vive e respira ‘trabalha‘ (…) A madeira tem seu odor

envelhece tem mesmo seus parasitas etc. Enfim, este material é um ser”.

A madeira com tais caráterísticas e qualidades vai em encontro ao vidro, que

é impessoal e quase imaterial, a transparência que faz deste um material uma

“espécie de grau zero da matéria“ (BAUDRILLARD, 2002, p. 48). Assim temos o

contraste destes materiais que são propostos a partir da instalação de um deck na

galeria. Ampliando desta forma, as camadas simbólicas envolvidas no deck, que

pode ser entendido como um elemento urbano destinado ao descanso, ou pode ser

Definições de espaço e lugar podem ser encontradas a partir da análise de Michael Certeau que define o 34

espaço, como suas dimensões e direções, enquanto lugar é o modo como nosso corpo se relaciona com este espaço, político social.

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!Figuras 28 e 29: Intervenção Club (2009) vista espaço externo. Fonte: Ludger Paffrath.

compreendido como originalmente advindos de ambientes de piscina e praia e

mesmo no campo. Portanto, a intervenção intitulada Club se constituiu em um deck

construído entre o espaço interno e externo transpassando visualmente e

materialmente o vidro, construído da porta de entrada, percorrendo cerca de 10

metros até o início da esquina, onde termina em uma piscina de plástico popular,

instalada dentro do espaço expositivo.

Desta maneira, a instalação possibilitava este lugar e ponto de observação

para a paisagem e criava o diálogo e acolhimento pretendido com as pinturas da

série Toboáguas, estas que representam toboáguas de parques de diversão ou

mesmo de clubes e casas particulares.

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O titulo da instalação Club (2009) lança luz sobre a noção clube que une

pessoas ao redor de um interesse comun, que podem ser recreativos ou de lazer.

Por outro lado, o título ativa o conceito de clube popular, aquele aberto a toda

população, interagindo com os dois públicos, o de especialistas e o de pessoas

comuns. Nesta situação, a intervenção Club estabelece uma relação de harmonia

com o espaço, que pode ser compreendida dentro da chave instalação site specific

assimilativa, distinção apresentada por Rosalind Deutsch a partir de:

modelo assimilativo de site-specific no qual o trabalho de arte é articulado na direção de uma integração ao ambiente existente, produzindo espaço unif icado, “harmonioso” de total idade e coesão… – e modelo intervencionista, em que o trabalho de arte funciona como intervenção crítica na ordem existente do local . (DEUTSCH apud KWON, 1997) !

Outra contribuição bastante relevante para este estudo na escolha do deck e

piscina como equipamentos retirados do contexto externo para intervenção está na

chave do conceito desenvolvido por Ana Maria Tavares em suas esculturas para o

olhar e para o corpo, o conceito de armadilhas para o sentido. Como a artista

Tavares enfatiza “…o trabalho poderia ser entendido como um mirante, lugar que

propicia a experiência distanciada da realidade ou mesmo um aparelho de

transporte para outro espaço-tempo.” (TAVARES, 2000, p. 22)

O deck de madeira é este elemento que gera uma suspensão do espaço e

tempo da galeria. Serve tanto para um descanso no espaço em trânsito da cidade,

como para deslocar o transeunte para um lugar e tempo de contemplação. Os decks

são realmente este porto seguro não natural de onde posso apreciar a paisagem,

daí serem instalados em fazendas, clubes e lugares próximo a belas paisagens

naturais.

A instalação Club (2009) reconstitui o desenho da fachada da galeria e define

um posicionamento do observador frente as pinturas do lado interno ou frente à

praça do lado externo. Relativizando com a inserção do deck o espaço de fora e de

dentro, público e privado, propõe-se um momento de contemplação em que o

espectador pode sentar e apreciar as diferentes visões, estando nesta zona de

transição entre o dentro e fora. !!

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Figura 30: Vista do espaço interno da Galeria Fonte: Ludger Paffrath

!!

!!!!!!

Figura 31: Vista do espaço interno da Galeria comvisitantes Fonte: Acervo Pessoal

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Figura 32: Performance PLAY realizada por Thiago Bortolozzo e Nathalie Fari no evento de Finissage da Exposição Fonte: Zé de Paiva !

2.3 Os toboáguas, deck e piscina na exposição Transition Zone.

Em meados de 2002, dei início ao projeto de pintura a óleo a partir da

fotografia de um toboágua, tal projeto acontece concomitante a projetos espaciais de

instalação e intervenção, neste período ainda compreendendo a linguagem da

pintura como uma possibilidade de reflexão sobre o trabalho artístico, individualizado

do pintor. A primeira pintura que da início à série é Toboágua vermelho (2002-06) foi

realizada em 4 anos na busca de uma perfeição fotográfica e sem preocupação ou

demandas exteriores oriundas de mercado.

A escolha dos toboáguas, como elementos para serem representados nas

pinturas, se deu por este ser um momento em meus trabalhos remetiam a idéia de

entretenimento, refere-se de modo irônico e critico ao surgimento de grandes

exposições que clamavam por um grande público, tal fenômeno começa a surgir no

final dos anos 1990 com as exposições blockbuster portanto o toboágua

apresentava-se como um comentário da busca de entretenimento, prazer e diversão

táctil, corporal.

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Figura 33: Toboágua vermelho, óleo sobre tela 2001/2007. Fonte: Acervo pessoal.

!As imagens das quais derivam as pinturas, são fotografias encontradas em

aparelhos de busca na internet, sites de venda de toboáguas, ou mesmo de

apresentação de clubes. A feitura sendo metodicamente realizadas por um processo

totalmente manual.

A oportunidade da exposição individual em Berlim possibilitou pensar o todo

da exposição, a partir das pinturas. Propondo com a instalação do deck um duplo

conforto para a contemplação da realidade da imagem representada, como salienta

Martin Seel :“La pintura no sólo abre um espacio en el espacio -, un espacio del

quadro en el espacio en que el cuadro se encuentra - sino que la vez dispone con

sus configuraciones internas de l tiempo de su contemplation”. (SEEL, 2007)

Ao sentar-se no deck e dar-se tempo, ao contemplar as pinturas, o visitante

da exposição depara-se com as figuram toboáguas, pintados em estilo hiperrealista

em grandes e pequenos formatos, gerando incertezas no público em relação à sua

feitura, questionando a linguagem da pintura que se camufla, se posicionando em

uma zona de transição entre a pintura e fotografia.

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Temos então duas interrogações propostas. O que faz o Deck na galeria?

Este que problematiza o espaço institucional e comercial da galeria. E as pinturas,

estas que questionam o seu próprio meio, a tela e as tintas revelando-se bem mais

próximas da fotografia, que da própria pintura.

Assim, quando o visitante adentra o espaço expositivo encontra-se com

elementos que se relacionam e se constituem em diferentes camadas de

apropriação de aspectos de um clube, com os seus equipamentos de diversão, os

toboáguas. Simbolicamente e em diferentes materialidades, os diversos signos de

um clube estão postos sob o espaço da galeria, definindo uma paisagem marcada

por este equipamento de parques diversão, que carrega esta qualidade de espaço

de lazer, paisagens, sem pessoas, que criam certa sensação de abandono,

definindo-se como um não-lugar , pois os toboáguas existem em toda a parte e 35

determinam um comportamento, sentimento diante da piscina, que incita ao

mergulho, mas que poucos teriam a coragem.

Os equipamentos chamam à participação, proporcionada pela diversão de

escorregar, mas esta ação não se completa em plenitude tanto no caso da pintura

quanto no caso da piscina, o que nos resta é o deck, como consolo para um

descanso e acolhimento para apreciação estética. Um pouco como a pintura que

nos coloca nesta situação de ver, perceber, contemplar sem poder participar

ativamente do que a pintura nos propõe.

Ao apropriar-se destes elementos do mundo comum, do deck e da piscina

para compor a ambiência do espaço, o espectador é estimulado a se relacionar com

a obra por meio do ambiente, sentar, andar ou se quiser ainda se aventurar na

piscina, que serve ao mergulho do corpo do visitante. O trabalho também sugere um

percurso das pinturas expostas nas paredes da galeria até chegar ao final do espaço

com a piscina real cheia com água, que cria um espelho de água que reflete o

próprio espaço da galeria. A exposição Transition Zone pretendeu interrogar e

questionar as funções deste espaço comercial pelo período da exposição 18

setembro a 14 novembro 2009, transformado-o em um pequeno ambiente de

descontração e relaxamento, um pequeno Clube, com suas diversões, paisagens e

naturezas domesticadas.

“O espaço do não-lugar não cria identidade singular nem relação, mas solidão e similitude” AUGÉ, Marc. Não-35

lugares. Introdução a uma antropologia da supermodernidade. Trad. MariaLúcia Pereira. Campinas: Papirus, 1994. p.95

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Figura 34: Vista do espaço interno da Galeria com as pinturas na parede. Fonte: Ludger Paffrath. !!

2.4 A série fotográfica Anhänger e sua proposta de mapeamento para um trecho da cidade de Berlim !! A série Anhänger realizada durante todo o período de vivência na cidade,

entre 2007 e 2014 foi determinante na experiência com a paisagem urbana naquele

lugar. E essa série de trabalhos fotográficos organizou-se em diversos formatos

apresentados em diferentes exposições . 36

Anhänger, palavra alemã, que traduzida denomina reboque, trailer ou os

atuais food truck, que são modelos de equipamentos urbanos móveis que vendem

alimentos e outros produtos em festas, eventos e feiras no espaço externo. A palavra

anhänger tem outro significado, o de seguidor ou de pingente. Usarei no decorrer do

texto a palavra trailer para definir o veículo e Anhänger quando discorrer sobre

títulos de imagens da série fotográfica em questão.

Transition zone, exposição individual na galeria magnusmuller 2009, The Law of the market, coletiva no Freies 36

Museum, 2012 e La Belle Alliance, coletiva na Mehringplatz 11, 2011 todas em Berlim e Pedestre exposição individual Galeria de Arte do Instituto de Artes da Unicamp de 21 Nov. a 15 Dez. 2017.

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Os trailers de comércio no Brasil ocupam pontos comerciais em locais fixos.

Este modelo de veículo, encontra-se muitas vezes sem rodas ou pneus,

irremovíveis, acorrentado e muitas vezes conectados a um outro edifício. No

contexto urbano da cidade de Berlim, estes mesmos modelos de trailers comerciais

ocupam ruas e praças da cidade em momentos distintos e se utilizam do espaço

público em dois movimentos: em funcionamento, quando os trailers de comércio

oferecem seus produtos em ruas movimentadas ou parques, gerando alterações e

fluxos no seu entorno e, outro, quando estão fechados, fora de seu uso comum,

colocados às margens das principais vias de acesso, este espaço cúbico privado,

que contém algo que não sabemos e que não se revela ou nem mesmo pelos

desenhos sobre suas superfícies. Esta foi a primeira característica que me ressoou,

observando este veículo na paisagem urbana. No processo de desenvolvimento das

fotografias dos trailers, este equipamento urbano , foi eleito por mim como o 37

protagonista na constituição de minhas paisagens da cidade de Berlim.

A partir deste momento, em 2007, ele passa a ser um objeto de busca pelos

meus trajetos e caminhadas fotográficas pela cidade, assim, tornei-me um seguidor

de trailers.

A experiência de viver em Berlim impulsionou-me a refletir sobre as formas,

uso e apropriação de elementos que compõe a paisagem do espaço urbano. Desse

contato, surge uma nova escala de enfrentamento com as caráterísticas desta

cidade, que alteraram o meu modo de ação, produção artística e novos processos

de trabalhos, sendo menos intervencionistas, no sentido aberto e expansivo do

termo, dentro das artes visuais, e mais introspectivos, nesse mesmo sentido e

abrangência.

Berlim ofereceu a possibilidade de relacionar-me com o contexto e

fenômenos urbanos da cidade, fazendo-me sentir mais conectado às ruas, aos seus

!!!!

Os equipamentos urbanos são definidos pela associação de normas técnicas - ABNT, no documento 37

NBR9284, como “todos bens públicos ou privados, de utilidade pública, destinados à prestação de serviços necessários ao funcionamento da cidade, implantados mediante autorização do poder público, em espaços públicos e privados.” A norma define como categorias: circulação e transporte, cultura e religião, esporte e lazer, infra-estrutura (…)”. Portanto o trailer pode ser considerado dentro da categoria de cultura, lazer, sendo parte integrante de feiras livres na cidade.

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Figura 35: Fotografias dos trailers em funcionamento e vendendo seus produtos durante a feira livre na praça Merhringplatz Halleschtor, Berlim 2011. Fonte: Acervo pessoal. !

trajetos e seus percursos, sempre em trânsito, seja por bicicleta, metrôs, bondes ou barcos . 38

A cidade possui uma ampla rede de transporte público, o que possibilita uma

maior autonomia no deslocamento dos usuários, ao mesmo tempo em que 39

Durante os verões de 2012 a 2014 participei do projeto Weißensee, do artista alemão Felix Strumpf, o projeto 38

consistia na construção de uma balsa que circulava no verão no Spree (rio) e diversos canais do bairro de Kreuzberg, Landwerkanal servindo como plataforma para ações artísticas de todas as áreas da visualidade. Colaborei em diversas etapas do projeto como: construtor, fotografo, performer ou marinheiro. Disponível em: http://www.felixstumpf.de/Auf-der-Weisensee-1. Acesso em: 05/12/2017

No sistema de transporte público em Berlim, é quase nulo o uso de catracas, o usuário desta forma tem total 39

autonomia em entrar e sair seja dos meios de transporte, com ou sem o ticktes, pois a cobrança deste é feita esporadicamente pelos guardas das BVG a paisana, que circulam pelo sistema de transporte.

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proporciona um certo estado de desatenção, durante o trajeto, ampliando a

possibilidade de contemplação da cidade em seus detalhes, por meio de paradas

facilmente acessíveis ao usuário do transporte publico. O mesmo se dá com o uso

constante da bicicleta, este que, mesmo sendo em Berlim um tipo de transporte

privado, exige pausas a todo o momento, opondo-se à velocidade e aceleração

desenfreada para qual a cidade contemporânea vem sendo construída. Outras

velocidades e espessuras da paisagem urbana; sob esses aspectos disserta Nelson

Brissac Peixoto: A velocidade provoca, para aquele que avança num veículo, um achatamento da paisagem. Quanto mais rápido o movimento, menos profundidade as coisas têm, mais chapadas ficam, como se estivessem contra um muro, contra uma tela. A cidade contemporânea corresponderia a este novo olhar. Os seus prédios e seus habitantes passariam pelo mesmo processo de superf ic ia l ização, a paisagem urbana se confundindo com outdoors. O mundo se converte num cenário, os indivíduos em personagens. Cidade-cinema. Tudo é imagem. (PEIXOTO, 2000 p.361) !

Assim, comecei o registro fotográfico dos trailers de comércio em seu

momento de desaceleração, estacionados em um outro fluxo da cidade

contemporânea. As imagens fotográficas revelam a busca de uma paisagem

transversal a esta movimentação que transforma a cidade em cinema.

2.5 Os trailers como comentário dos espaços privados na cidade contemporânea. ! As necessidades e demandas da sociedade pós-moderna geram dinâmicas e

fluxos que transformam as cidades em lugares flexíveis e super adaptáveis.

Da habitação em casas, para apartamentos, kitnets, trailers e containers,

ocupamos espaços cada vez menores e alternativos e que apresentam-se como

soluções para as nossas moradias ou negócios. Nesse horizonte, passamos a

habitar abrigos.

Esse processo nos permite compreender a arquitetura da cidade

contemporânea partilhando da mesma argumentação de Nelson Brissac :

!A cidade contemporânea deixou de ser um testemunho cultural, a arquitetura deixou de ser pensada como criação de um espaço de habitação. Perdeu-se a relação entre construir e morar. Quando se muda sempre de lugar, cr iam-se abrigos, não testemunhos culturais.(PEIXOTO,1996 p. 301). !

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Pensando sobre esse processo de vida onde habitações dão lugar a

ocupações e abrigos, iniciei a série de fotografias de trailers entendendo este

elemento como um equipamento que dialoga com os nômades, que se deslocam

sem morada ou ponto fixo ocupando os espaços de acordo com as necessidades.

Como expõe Deleuze e Guattari (1997, p. 53) “O nômade tem um território, segue

seus trajetos costumeiros, vai de um ponto a outro, não ignora os pontos (…). O

ponto de água só existe para ser abandonado, e todo ponto é uma alternância e só

existe como alternância.”

O uso do trailer nasce de uma necessidade de espaço. Pode ser um

prolongamento do carro para transporte ou, no caso do trailer de comércio, é um

local de armazenamento e, quando em funcionamento comercial aberto, é um

espaço de trocas e negócios sempre em adaptação às condições do lugar e seu

contexto.

O trailer de comércio é este espaço ampliado destinado ao alojamento de

mercadorias de algum tipo de comercio ambulante. Os modelos Verkaufanhänger

(trailers de comércio) eram os mais frequentes nas ruas de Berlim, naquele

momento em que os presenciei.

As situações transitórias e provisórias pelas quais este dispositivo do

comércio ambulante se encontrava constituíam um modelo de comércio informal que

subverte o uso de ruas e movimenta a ressignificação de não-lugares.

Os trailers de comércio, por meio desta dupla condição de uso do espaço

urbano e público, ativavam-me sensações de aproximação deste equipamento pela

condição de nomadismo que ele possui. Esta vivência estabelecia paralelos com a

minha vida pessoal, também um nômade na cidade de Berlim adequando-me às

novas condições e contextos da cidade. Deleuze nos possibilita entender as

diferenças entre a condição ambulante do nômade e do migrante:

!O nômade não é de modo algum um migrante, pois o migrante vai principalmente de um ponto a outro, ainda que este outro ponto seja incerto, imprevisto ou mal localizado. Mas o nômade só vai de um ponto a outro por consequência e necessidade de fato; em princípio os pontos são para ele alternâncias num trajeto.(DELEUZE e GUATTARI, 1997, p. 54) !

Na busca de uma imagem que representasse esse trânsito nômade pela

cidade a partir da fotografia, criei um inventário destes veículos, por meio do

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mapeamento dos trailers nos bairros de Kreuzberg e Neukölln, pois essa região os

abriga em grande número devido a proximidade dos mercados de pulgas, feiras

livres de comercio de frutas, feiras essas que fayem parte da cultura do bairro.

Notei que, após as feiras livres, os trailers estacionavam em grupos, em ruas

próximas a seu ponto comercial e local de venda usual. Esses pontos são ruas e

avenidas onde frequentemente poucos carros estacionavam. Assim, a descoberta

desses lugares passou a ser parte de meus percursos e caminhadas fotográficas.

Passei a construir esses percursos e a demarcá-los por pontos de referência da

paisagem, pelas praças, ruas e pelos próprios trailers. Esses percursos

condicionaram o meu olhar para cidade, onde cada local se constituía parte de um

grande mapa pessoal. Michel Certeau de forma poética analisa esta arte de moldar

os percursos comentando que: “A arte de moldar frases tem como equivalente a arte

de moldar percursos. Tal como a linguagem ordinária, esta arte implica e combina

estilos e usos.” (CERTEAU, 2012, p. 179)

As principais ruas onde estacionavam os trailers nos bairro de Kreuzberg e

Neukölln eram próximas a praças como Wassertourplatz, Volkspark Hasenheide e

na avenida Columbia Damm onde se encontra o antigo aeroporto Flughafen

Tempelhof e ao longo do Landwehrkanal o rio que corta o bairro de Kreuzberg.

Figura 36: Mapa do bairro de Kreuzberg e Neukölln os pontos azuis representam os trailers estacionados e os pontos vermelhos nas feiras onde alguns destes trailers são encontrados

vendendo seus produtos. Fonte: Acervo pessoal!

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! Condicionei os meus caminhos para regressar constantemente à estes

lugares, na busca de acompanhar e registrar as alteração situações do tempo

destes trailers nos fluxos da paisagem urbana, como argumenta Duarte Belo sobre o

processo “(…) na verdade nunca se regressa, nunca se volta a um lugar, a vida só

se faz para frente e todo o mundo, em toda a sua Extensão, é um devir: cada

regresso é sempre uma primeira vez.” 40

Em minhas caminhadas fotográficas, o foco eram os espaços abandonados,

espaços que não se veem (CERTEAU, 2012, p. 171), registrar as alterações sofridas

e vestígios deixados nos trailers ou na paisagem urbana onde estes frequentemente

estacionavam.

Depois passei a notar e interessar-me na forma como os trailers estabeleciam

certa interlocução com o contexto das ruas onde estacionam, e o modo como as

pessoas se apropriavam deste como lugar, transformando esse elemento em um

muro de graffitis, pixações ou painel para colagem de cartazes, apropriações que

estabelecem um forte diálogo deste equipamento urbano com os passantes e

transeuntes destes não-lugares onde estes estacionam.

Essas constantes caminhadas e retornos podem ser consideradas operações

em busca de uma experiência poética de apropriação de camadas da paisagem no

fluxo das cidades. Como resultado deste processo de registro dos trailers em

desacelaração realizado por anos pela ruas de Berlim, foram organizado dois

trabalhos: o pôster Trailer (2014) e a série de fotografias Anhänger (2017) que

integra exposição individual Pesdestre na GAIA.

O formato de pôster para o trabalho Trailer (2017) foi escolhido, pois os

trailers se relacionam com o caráter público deste meio de comunicação. Estão por

toda a parte, diferente do caráter de exclusividade dos objetos de arte, este meio de

comunicação visual tem com essência a sua reprodução, como nos apresenta em

um comentário Susan Sontag: “Portanto a reprodução de um pôster não cria um

objeto de segunda geração, esteticamente inferior ao original ou diminuído em valor

social, monetário ou simbólico. Desde sua concepção, o destino do pôster é ser

reproduzido“. (SONTAG, 1970, p. 213)

DUARTE, Belo apud CAMBRAIA Duração da Paisagem construções de luz nas margens do tempo. in 40

Filosofia e Arquitetura da paisagem. Rui Cambraia. pg. 268 centro de Filosofia da Universidade de Lisboa.lisboa, 2013.

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Figura 37: Pôster Trailer (2007-2017), dimen.66 x 114 Ed.2. Fonte: Acervo pessoal.

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A justaposição das imagens de cerca de 80 trailers, geram o pôster de

66x102 que apresentam diferentes lugares da cidade e possibilita desse modo

colocar o espectador dentro deste processo de pesquisa e de busca do artista, onde

cada imagem apresenta alguma facetas das infinitas facetas da cidade de Berlim.

Outro formato no qual os trailers se organizaram foram em 6 imagens em 41

formato 36x56cm que compõe a exposição individual Pedestre concebida e

realizada em paralelo ao desenvolvimento desta dissertação de mestrado.

As fotografias da exposição nos colocam na condição de pedestre, pelas ruas

da cidade. As imagens apresentam com fidelidade o contexto e elementos

fotografados. Ruas que não possuem comércios ou residências, estas que se

localizam entre centro e periferia, espaços de ruas sem movimentos onde os trailers

denotam a existência de um espaço individual de comércio familiar e ou pessoal.

Sem a utilização de recursos pictóricos exagerados ou dramaticidades

através de efeitos fotográficos, as imagens da serie Anhänger (2017) nos mostra os

elementos básicos que constituem a paisagem, sob seus aspectos clássicos e

modernistas, o enquadramento, o ponto de vista e o horizonte, no ambiente e

natureza das cidades.

O trailer sem volume ou profundidade é apresentado pelo enquadramento

frontal, somente de lado, pela sua lateral do ponto de vista do pedestre, este

espectador ativo do entorno. A composição da imagens alimentam a ambiguidade

existente entre o as imagens graffitadas sobre os trailers, que os transformam em

uma tela de paisagem, ou um muro, visto como representação, em meio a meio a

real paisagem circundante, ao final temos dois momentos de desfrute como nos

apresenta Maderuelo (2007, p. 14): “el paisaje nos es algo que está en el territorio o

en la naturaleza, que en sí mismos no son ni bellos ni feos, sino que se encontra en

la mirada de quien contempla con ánimo de disfrutar de la contemplación”.

A fotografia da série Anhänger Eier 2017 (Trailer ovos) conecta as

ambiguidades existentes nas diferentes camadas de percepção da paisagem no

espaço urbano. A pequena imagem grafitada sobre o trailer, apresenta uma

paisagem campestre e idílica utilizada no marketing visual para apresentar Eier e

Geflugel (ovos e aves) e funde-se aos elementos da paisagem circundante, desse

modo os ovos encontram-se apoiados sobre a rua, ao mesmo tempo que no campo

Consultar apêndice p.107 para ver imagens que compõe a série.41

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Figura 38: Anhänger Eier (2017) Fotografia, Ed. 1/7 36 x 56cm. Fonte: Acervo pessoal.

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com montanhas em um céu azul coberto por nuvens, em um dia frio totalmente

nublado e com as calçadas cobertas por neve.

A outra fotografia da série Anhänger Nüsse (Trailer nozes) nos apresenta o

trailer como um outdoor, como um anúncio de suas mercadorias (Nozes e frutas

secas - grande variedade) e logo abaixo apresenta os dias da semana e as feiras

livres com os nomes das ruas onde vende seus produtos. !Como fenômeno da cu l tura , a pa isagem produz-se tanto f i s i camente_ um entorno rea l tan to quanto é também a representação deste entorno, quando assume a forma de uma imagem. Está na ambiguidade e na fluidez da ideia de Paisagem a força motr iz que at iva, em nosso tempo, na produção contemporânea, a elaboração de trabalhos artísticos dotados de diferentes camadas de apropriação da Paisagem, seja ela dentro, fora, além dos espaços designados para a Arte.(FUREGATTI, 2017) !

Como elemento que estrutura a ideia de paisagem, os trailers se apresentam

camuflados como vestígios de permanências nas ruas das cidades, com suas cores

e inscrições, que ganham visibilidade nessa série fotográfica. Um recorte que

registra o meu caminhar nos meandros do espaço urbano, em direção contrária às

conhecidas e fáceis vistas e as visões panorâmicas e perspectivas da paisagem de

Berlim.

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!Figura 39: Anhänger Nüsse (2017) Fotografia, Ed. 1/7 36 x 56cm. Fonte: Acervo pessoal. !!!!!!!

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CAPÍTULO 3: A CIDADE CONTEMPORÂNEA E SEUS TERRITÓRIOS !!3.1 O contexto urbano das cidades de São Paulo e Berlim como geradores da intervenção artística Empena Cega (2015) ! Nas cidades contemporâneas, podemos encontrar interesses heterogêneos

convivendo lado a lado, justapondo-se e sobrepondo-se ao seu desenho. Neste

panorama percebe-se, a cada dia, o meio urbano transformar-se num lugar

fragmentado que se manifesta por meio de um patchwork de interesses de

comunidades sociais, moradores, empresas, políticos, instituições e comércios,

formando limites e territórios que muitas vezes se revelam por meio de barreiras e

confrontos. Na cidade de São Paulo estes confrontos revelam-se por meio de um

tipo de urbanismo e arquitetura excludentes, higienistas que potencializam as

diferenças sociais e de classe. Neste contexto temos no tecido urbano dessa cidade

aquilo que expõe Henri Léfèbvre:

!Os violentos contrastes entre riqueza e pobreza, o conflitos entre os poderosos e os oprimidos não impedem nem o apego à Cidade nem a contribuição ativa para a beleza da obra. No contexto urbano as lutas de facções, de grupos, de classe. reforçam o sentido de pertencer. Os confrontos políticos entre […] a aristocracia e a oligarquia, tem a cidade por local, por arena . (LEFEBVRE, 1991, p. 06)

Com tantas tensões e confrontos é contundente notar o fato deste lugar ser

escolhido como propulsor de trabalhos e morada de muitos artistas, sendo a cidade

o lugar de onde predominantemente surgem suas ideias e criações artísticas, desde

final do Século XIX, tal qual comenta Lefebvre sobre a cidade de Paris, quando “a

vida urbana da capital. Entra então para literatura e poesia […] ” (LEFEBVRE, 1991,

p. 15)

Os centros urbanos das cidades modernas, dentro de seu processo de

modernização bem como, um lugar de desenvolvimento e de reprodução de capital,

teve sua ascensão e auge, e hoje vivenciamos uma crise do espaço urbano e

espaço público. O que nos restou atualmente do espaço urbano de convivência e

trocas? O que temos é o acirramento das noções de realidades fragmentadas,

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cortadas por muros e barreiras que revelam os conflitos da sociedade. E como

salienta José Resende a cerca da ação do artista por sobre a cidade :

!Ora a cidade contemporânea não tem mais a escala humana e os e s p a ç o s p ú b l i c o s d e c o n v í c i o p e r d e r a m s i g n i f i c a ç ã o . A reconquista da praça medieval é uma utopia passadista. A cidade é espelho das contradições que a sociedade de c lasses estabelece. Tentar interferir nela é acirrar essas contradições.(RESENDE, 2006, p. 359) !

O quadro que se molda nas cidades atuais, nos apresenta um domínio de

cooperações do sistema imobiliário e bancário sobre a administração do solo

urbano. Além disso, a especulação imobiliária trabalha em comunhão com o turismo

para criação de uma imagem e marketing para cidades e de tal situação resultam

dois grupos que usam as cidades e assim podem ser definidos: aqueles que

entendem a cidade como espaço de convivência e uso, como espaço social que

possibilita uma prática urbana de interação com diferentes grupos de utilizadores; e

o outro grupo que compreende o espaço como espaço abstrato, isto é, como um

espaço instrumental que funciona como lugar de controle e lucro dos capitalistas.

Assim sendo, os centros urbanos concentram interesses, conflitos e protestos

de grupos sociais que apresentam seus diferentes protocolos na rua, o espaço de

ação e das reivindicações populares e sociais, como insiste acertadamente Henri

Lefebvre . Compartilhando desse mesmo pensamento Roberto Lobato Corrêa 42

salienta:

!O espaço urbano assume assim uma dimensão simbólica que entretanto, é variável segundo os diferentes grupos sociais e e t á r i o s e t c . M a s o c o t i d i a n o f u t u r o p r ó x i m o a c h a m - s e enquadrados num contexto de fragmentação e desigual de espaços, levando a conflito sociais, como greves operarias, as barricadas e os movimentos urbanos. O espaço da cidade é assim, e também, o cenário e o objeto das lutas sociais, pois estas visam, afinal de contas, o direito à cidade, à cidadania plena igual para todos 43!

Neste contexto, da cidade metrópole contemporânea e da busca de outras

maneiras de ver a cidade, talvez como palco de situações de conflitos, vemos surgir

Entre a ordem próxima e a ordem distante: contribuições a partir do pensamento de Henri Lefebvre. GECEL, 42

Grupo de Estudos de Cidade, Espaço e Lugar UFF, Universidad Federal Fluminense RJ 2003 Disponível em: http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/Brasil/ppgeo-uff/20121204012940/uno.pdf Acesso em: 05/12/2017.

CORRÊA, L. Roberto.O espaço urbano, 4ed. Ed. Ática São Paulo, 1999 p 943

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estratégias de preservação do patrimônio privado nas cidades. É a partir da análise

deste processo de fechamentos, acobertamentos, ocultamentos que pretende-se

compreender como os conflitos da cidade e o espaço social do Centro Cultural São

Paulo se relacionam, na criação da intervenção artística Empena Cega 44

apresentada na III Mostra do programa de exposições 2014.

!3.2 A galeria e o espaço da rua no contexto da arte contemporânea ! A partir dos anos 1960, quando o espaço e o campo das artes amplia-se e

desloca-se para o espaço da paisagem urbana e ambientes naturais e passam a

compor novos territórios de ação para artistas, nota-se, com tal deslocamento, o uso

de estratégias e procedimentos para além de processos construtivos provenientes

das linguagens artísticas como escultura, pintura e fotografia. A instalação e a

intervenção passam a envolver outras escalas e contratos artísticos para se

concretizarem em sua plenitude.

É particularmente importante ressaltar que mesmo agindo fora ou nos limites

do espaço idealizado da galeria modernista, tensionando suas fronteiras ou

criticando suas funções, a relações entre artista e instituição artística ainda mantém-

se alinhadas, pois são estas as mesmas galerias e instituições que apoiam e

subvencionam muitas destas ações artísticas externas.

Muitos destes artistas que agiram nos anos 1960 e outros até os dias atuais,

aventura-se em propostas de fechamentos, empacotamentos, ocultamentos, isto é,

apagamentos de espaços sejam este museus, galerias, instituições artísticas, 45

monumentos históricos e equipamentos urbanos.

A estratégia de tapar, acobertar e ocultar, para assim revelar outros aspectos

daquilo que sofre tal ação, frequentemente foi empregada na criação de uma outra

imagem. No entanto, os modos, as formas e métodos de fechamentos, são

Por empena, entende-se a parede lateral de um edifício, sem aberturas (janelas ou portas), estas paredes 44

estão preparadas a receber outro edifício encostado. Parede cega de um edifício que habitualmente é de encosto para outro edifício. Disponível em: http://www.engenhariacivil.com/dicionario/search/empena Acesso em: 05/12/2017

Segundo Marco do Valle, os processos de apagamentos, proporcionam o questionamento especifico sobre a 45

visão, desconstruindo aquilo que vemos e instaurando uma reflexão sobre conceitos de arte que põe em duvida o próprio objeto de arte. “ O processo de apagamento consegue diluir e desmaterializar o objeto de arte, ocorre um apagamento deste enquanto matéria que perde sua significação passando a escultura a ser simplesmente uma imagem” DOVALLE, M. A. A.; Processos de apagamento em Escultura Moderna e contemporânea. São Paulo Mestrado ECA USP 1999, p. 166.

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compreendidos, conectados aos contextos históricos e sociais onde os trabalhos são

apresentados e contribuem para o entendimento dos projetos e sua pertinência.

Nesta ótica, os artistas utilizam-se destas estratégias, tal como Brian O‘Doherty

argumenta: “cada qual utiliza uma única obra a fim de chamar a atenção para os

limites da galeria, ou a abrange com uma única ideia”. (ODOHERTY, 2002, p. 106)

Muitos artistas tensionaram a galeria em seu espaço idealizado, levando aos

limites o que este espaço poderia não conter, como o vazio de Ives Klein, ou conter,

sejam cavalos, toneladas de terra ou entulhos entre muitos outros materiais. Neste

contexto os artistas questionam a condição sacralizada do espaço da arte, sendo

que tudo que se encontra dentro deste espaço se torna obra de arte. Disto

decorrem ações que ocupam este espaço em suas barreiras, fachadas e vitrines, e

tensionam os limites deste espaço, bem como o seu poder de Midas. A caixa da

galeria e museus gradativamente abrem-se para trabalhos que envolvam escalas

urbanas e questões da rua, da cidade e do espaço urbano e público, retirando o

espectador de seu lugar de conforto. Pela primeira vez na breve historia das

intervenções em galeria, o visitante fica fora dela. 46

Um do pioneiros, em ocultar e empacotar elementos urbanos e nos colocar

diante de uma nova relação com espaços da cidade foi a dupla francesa Christo e

Jean Claude, conhecidos por realizarem, a partir dos anos 1980, empacotamentos

na escala da cidade, gerando grandes ocultamentos de equipamentos urbanos e

monumentos históricos. As proposições da dupla geravam imagens de esculturas

monumentais (DOVALLE, 1990, p. 172) de pontes, edifícios, até mesmo de encostas

e falésias ao longo do Mar, propondo novas percepções do elemento empacotado

bem como da paisagem do entorno. As estratégias de Christo e Jean Claude

envolvem extenso período de pré-produção, que podem chegar a décadas, e se

concretizam em apenas 14 dias, como salienta Sylvia Furegatti:

!Suas intervenções propõem, num curto espaço de tempo, uma possibilidade de renovação do olhar e entendimento sobre aquele espaço. É dessa forma que o artista trabalha com a mobilidade do espaço urbano, da memória e da própria arte. O trabalho de Christo tem um apelo às formas geradas por seus pacotes em lona que valorizam tanto o caráter de volumes e formas, como o caráter de reversibilidade efêmeridade e nomadismo de sua instalações e intervenções urbanas.(FUREGATTI, 2007, p. 101)

Sobre o trabalho Le Plein de Arman ver Odoherty, Brian. Op citt. p.10846

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Os conceitos de temporalidade de seus trabalhos adequam-se perfeitamente

ao uso da lona, material que é encontrado em muitas de situações urbanas para a

cobertura. No entanto, o trabalho dessa dupla mantém ainda uma apelo à forma

dada pelos modos que realizam o empacotamento, pensando nos efeitos das dobras

e volumes que venham surgir do ato de empacotar.

Figura 40: Grupo 3nós3, Intervenção Ensacamento, 27/04/1979. Fonte: Coleção dos artistas Hudinilson Jr. e Mario Ramiro !

Neste caminho para o espaço exterior e urbano, a análise do funcionamento e

das condições sociais e políticas começam a ser explorados para engendrar novas

camadas de significação às intervenções artísticas. Ordens de caráter político e o

uso dos meios de comunicação e imprensa parecem se sobressair, quando tratamos

de artistas brasileiros, no caso as intervenções urbanas do grupo 3nós3. No

contexto da arte e com uma forte relação com a imprensa o grupo paulista realiza

duas ações: Ensacamentos (1979) e Operação X-Galeria (1979) que tangenciam os

conceitos de apagamentos e fechamentos de elementos do espaço urbano.

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Na ação/intervenção Ensacamento (1979) o grupo realiza um mapeamento

dos monumentos, estátuas e bustos históricos da cidade e sua relação com o fluxo

na cidade, para realizar a ação de ensacar a cabeças de 60 esculturas no centro da

cidade entre eles: o da Independência, Anhanguera e dos Bandeirantes. A

intervenção criava uma situação de forte apelo político em momento em que o Brasil

ainda estava sobre o domínio de um governo e sociedade ditatorial, bem como um

questionamento dos padrões de estética formalista ainda reinante na produção

paulistana do período como argumenta.

Em sua essência o trabalho era uma atitude contra o formalismo acadêmico e até mesmo moderno, representado por aqueles monumentos, além de uma atitude contra a figura do herói (o representante dos valores designados pela sociedade).(PONTES, 2016) !

Com a Operação X Galeria (1979), novamente os artistas questionam os

valores das instituições artísticas da cidade com o lacramento das portas de

galerias. Com uma ação de requintes estratégicos e de materiais precários, diante

da força institucional e comercial do espaço da galeria, sua edificação e visibilidade,

o grupo formado por Rafael França, Mario Ramiro, Hudinilson Jr promoveu o

fechamento de um total de 29 Galerias de São Paulo. Mario Ramiro assim sintetiza:

Operação X Galeria, a ação consistiu no fechamento das portas de várias galerias de arte com um adesivo/lacre em forma de “X” e com folhas de papel mimeografadas afixadas com a frase: “o que está dentro fica, o que está fora se expande”. OperaçãoX Galeria, São Paulo, 1979. Noticiado pelos jornais impressos Folha de São Paulo (7 de abril de 1979) e Jornal da Tarde (7 de abril de 1979) 47!

Com o lacramento das galerias comerciais os artistas questionavam um

circuito ainda fechado aos jovens e estudantes de artes, com poucas ou nenhuma

galeria ou mesmo centro cultural que acolha tal produção neste período.

Além do fechamento das galerias, o grupo desenvolve, no mesmo ano de

1979, intervenções urbanas monumentais que desenham em grande escala sobre o

mapa da cidade de São Paulo.

Interessante notar como o grupo utilizava a estratégia de apropriar-se de

elementos de divulgação da impressa e jornais, como material de registro das ações

Conhecendo: 3nós3. Disponível em: http://jornadadeintervencoes.blogspot.com.br/2013/01/47

conhecendo-3nos3.html Acesso em: 05/12/2017

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considerando estes como objetos e documentação das intervenções que geravam

múltiplos e edições de arte para comercialização.

Figura 41: Renata Lucas, The Residence, 2007, Tijolos, radiador e sistema de aquecimento. Intervenção na fachada da Galeria Gasworks, Londres. Dimensão: 2,8 x 15 x 1,7m (aprox.) De 15 de

novembro de 2007 a 13 de janeiro de 2008. Fonte: Renata Lucas. !Outra artista brasileira que dialoga diretamente com a arquitetura e meio

urbano em seus trabalhos e utiliza frequentemente materiais permanentes em suas

intervenções é Renata Lucas. A intervenção artística The Residence (2007),

constitui-se no fechamento com tijolos estilo inglês da fachada de entrada principal

da residência Gasworks em Londres, e do lado de fora, a artista instalou um

aquecedor, ressignificando o uso desse eletrodoméstico, com funções de caráter

interno. A proposta da artista reconfigura o acesso de entrada, e para isso faz uso de

material tijolo que dialoga com o entorno da edificação. O prolongamento do muro

fecha a entrada da galeria, criando uma barreira real, uma parede que impossibilitou

a entrada por aquela porta de 9 de abril à 23 de junho 2011. Luciana Valio, em sua

tese de doutorado, analisa o trabalho e acrescenta:

!A relação entre interior e exterior é confundida na fachada do prédio. A entrada principal da galeria não é mais a passagem para se adentrar, há apenas um recuo, como um nicho, onde ficam aparentes a luminária do interior do edifício e o aquecedor. A fachada, elemento externo ao prédio, entra (invade) o interior, como se o edifício vizinho quisesse fazer parte do espaço da instituição. Afinal, a instituição chama-se Gasworks por ter como vizinho a companhia de abastecimento de gás de Londres. Enfim, o “gesto resul tante [da pesquisa para o desenvolv imento trabalho] tende desfazer. (VALIO, 2014) !

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O trabalho de Renata apropria se dos tijolos da parede da edificação ao lado,

para criar um deslocamento da parede para a frente da fachada da residência

Gasworks e com isso promove o apagamento da mesma, criando um efeito de

espelhamento e confusão com a nova configuração arquitetônica da fachada do

prédio proposta por Renata Lucas.

Aferimos com os trabalhos anteriores como fachada e os limites da galeria

são espaços comuns onde os artistas agem frequentemente tensionando suas

barreiras e fronteiras, e propondo novas dinâmicas e fluxos para estes espaços.

!3.3 Dos fluxos entre Berlim e São Paulo: da fotografia à instalação

! Durante as manifestações e passeatas de 2013 no Brasil, quando a

população tomou as ruas para lutar por seus direitos e interesses, vimos o

surgimento de novas formas de proteção do patrimônio de estabelecimentos

comerciais e agências bancárias. Além das conhecidas câmeras de segurança,

policiamento e barreiras de contenção, podíamos encontrar o uso de tapumes na

função de barricadas de proteção das fachadas de vidro de edificações públicas e

privadas.

A intervenção Empena Cega (2015) apropria-se dos tapumes contra

depredações em passeatas, para fechar a fachada de vidro da entrada do espaço

Caio Graco do Centro Cultural São Paulo CCSP e revelar, através deste

encobrimento, o medo e angústias que vivemos em nossa sociedade, provocando

com esta ação uma reflexão sobre a acessibilidade e abertura do espaço público

cultural, destinado à população heterogênea como a da cidade de São Paulo.

A intenção é a de contrapor a transparência democrática do vidro com

materialidade e plasticidade precária e provisória dos compensados, demarcando e

propondo uma reverberação em todo o entorno e marquise da entrada do piso Caio

Graco.

O projeto também potencializa as curvas da arquitetura do CCSP em

contraste com a linearidade plana e sutil da construção do prédio como um todo e

nos propõe a refletir sobre idéias e soluções para os problemas sociais e políticas

culturais em nosso país, mesmo quando tudo esta fechado.

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O fechamento do Piso apropria-se da estrutura dos sistemas de proteção

feitos com tapumes. Com isso desloca-se um dispositivo de proteção usualmente

utilizado para proteger edifícios e ou instituições privadas, para uma situação de

proteção da cultura ou como fechamento da cultura. O equipamento de proteção e

segurança, no espaço do Centro Cultural São Paulo, ganha outras cargas de

significado, gerando tensões ligadas à cultura e universo das artes.

As alterações provisórias nos espaços urbanos através destes novos

sistemas de proteção provisórios são os elementos propulsores para o

desenvolvimento da intervenção Empena Cega (2015) para I Edital do Programa de

Exposições Centro Cultural São Paulo, do qual participo como artista convidado. O

contexto social e político ligado ao sistema de segurança de estabelecimentos

privados foi tema da série de fotografias denominada 30. April - 03. Mai (2013) que

direcionou os conceitos que atuaram sobre criação da intervenção artística.

Iniciei a série de fotografias registrando tipologias de tapumes provisórios e os

sistemas utilizados para o fechamento dos estabelecimentos temporariamente. Na

série figuram as fachadas de lojas e estabelecimentos comerciais em duas

situações, durante as festas e manifestações do 1°Maio em Berlim e após este

evento, em seu modo tradicional. Os registros foram realizados marcados sempre

pelo mesmo enquadramento e distância e as imagens são colocadas lado a lado,

com local rua do registro e data e hora, resultando em edição de 50 exemplares em

forma de livro A5.

O registro fotográfico tem como foco os materiais, tecnologias e métodos de

construção, dos tapumes e superfícies que protegem as lojas durante dois dias de

festas e passeatas no bairro de Kreuzberg. No total, foram registradas 19 lojas ao

longo da rota da manifestação 1° de Maio Passeata Revolucionária em torno de

Kottbusser e Kreuzberg na rota da festa MYFEST.

!!!!!!!

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Figura 42: Foto da série 30. April - 03. Mai.(2013)

Fonte: Acervo pessoal ! A necessidade de uma nova camada de proteção cria uma arquitetura cega,

em que a transparência do vidro é neutralizada com a superfície das placas de

protecção de diferentes qualidade e materiais. Por medida de segurança a fachada e

vitrine apresentam novas camadas incomuns às suas funções. A vitrine

convencional, que normalmente convida ao olhar e à entrada de pessoas, não se

mostra e nem indica nada.

A série de fotografias expõe a divergência, já que no dia do trabalho o

trabalhador perde o direito ao consumo. E a vitrine que comumente incentiva à

compra e ao desejo se transforma em algo neutro, e gera, pela sua presença, um

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distanciamento entre a sua janela, vitrine, que se transforma em muro para os

transeuntes da rua.

Figura 43: Foto da serie 30. April- 03. Mai. (2013). Fonte: Acervo pessoal. !!

3.4 O espaço social do Centro Cultural São Paulo e Empena Cega (2015)

A partir do convite do curador para pensar sobre uma intervenção no Centro

Cultural São Paulo iniciei uma seqüência de visitas às diversas dependências do

espaço, do porão às salas de exposições. Em conversas com ele, durantes as

visitas promovidas, o mesmo sugeria-me pensar a intervenção em qualquer

dependência do 3 mil metros quadrados construídos do espaço do CCSP.

Após pensamentos e reflexões sobre o espaços possíveis para realização da

intervenção no CCSP, proponho-me a ficar no espaço de entrada principal para o

piso Caio Graco, que normalmente é o piso de acesso às exposições e à área

destinada ao setor de Artes Visuais. Para chegar a essa decisão levei em conta ser

esta a entrada principal para as exposições temporárias do setor de Artes Visuais e

ter em mente a intenção de tensionar os limites e fronteiras deste espaço, com um

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público passante de carro e mesmo nas calçadas na entrada do piso, além de

querer dar materialidade a uma intervenção nos mesmos moldes das estruturas

fotografadas na série citada anteriormente 30. April - 03. Mai. (2014), que serviu

como direcionamento na construção da intervenção.

Analisando aspectos formais da fachada, a marca arquitetônica que chama

atenção neste espaço da entrada do piso Caio Graco é relação e sua abertura para

com o exterior. O jardim externo e sua marquise com cobertura que acolhe a entrada

dos visitantes. A marquise emoldura a transparência da fachada de vidro e suas

estruturas industriais construída com vidro do piso ao teto. O vidro e o ferro fecham

toda a extensão de 80 metros da fachada. Valorizando a entrada pelo piso Caio

Graco: O desenho resultante da implantação da Avenida 23 de Maio e da Rua Vergueiro conferem expressão signif icativa ao sentido longi tudinal da paisagem, pela noção de cont inuidade da paisagem urbana, em referência ao pensamento desenvolvido por Aldo Rossi (2001), com foco principalmente no conceito de fatos urbanos. 48!

A característica do projeto arquitetônico dos arquitetos Eurico Lopes e Luiz

Telles no piso Caio Graco é sua permeabilidade; logo na entrada é possível ver todo

o espaço em um só olhar e chegando ao centro do prédio é possível ver todos os

departamentos, a biblioteca, a área central, o café, jardim externo, jardim suspenso

e as áreas externa que conectam o prédio a seu entorno urbano, com as Av. 23 Maio

e Rua Pinheiros. Toda esta fluidez do espaço é gerada devido à ausência de

paredes fixas.

Portanto, a ideia inicial do projeto era intervir neste aspecto de

permeabilidade da arquitetura do espaço. Deste modo, tal proposta altera o

funcionamento e uso dos espaços e cria situações em que o espaço deixa de ser

praticado pelo espectador ou usuário do espaço expositivo e outros serviços.

Atuando nas bordas e barreiras e limites das galerias os artistas transbordam

suas obras para fora do espaço expositivo e com isso propõe novos significações as

edificações e equipamentos urbanos onde as intervenções se instauram. E para

compreender a definição de espaço Certeau conceitua:

! NASCIMENTO, G.M e Teixeira, K.A.T. Paisagem urbana, arquitetura e representação. arq.urb. número 12 48

segundo semestre de 2014. Disponível em: http://www.usjt.br/arq.urb/numero-12/9-gislaine-moura.pdf Acesso em:05/12/2017

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(...) existe espaço sempre que se tomam em conta vetores de direção, quantidade de velocidade e a variável tempo. O espaço é um cruzamento de móveis. É de certo modo animado pelo conjunto dos movimentos que ai se desdobram. (…) Em suma, o espaço é um lugar praticado. Assim a rua geometricamente definida por um urbanismo é transformada em espaço pelos pedestres. Do mesmo modo, a leitura é o espaço produzido pela prática do lugar constituído por um sistema de signos-um escrito. Merleau Ponty o espaço antropológico.(CERTEAU, 2002, p. 212)

O trabalho se constrói em uma zona que envolve diversas forças e poderes

para se concretizar. Portanto, as negociações com equipe de curadoria, de

arquitetura, de acessibilidade de deficientes visuais, a equipe de segurança, a

equipe de bombeiros foram consideradas como partes determinantes para a

realização desta proposta de intervenção e foram primordiais para o êxito da

intervenção.

Figura 44: Intervenção Empena Cega Centro Cultural São Paulo 2014/15 Fonte: Acervo pessoal. l

Com a intervenção Empena Cega (2015), o espaço do piso Caio Graco deixa

de ser praticado “usado” e utilizado do mesmo modo como era usualmente. Do lado

de fora a antiga fachada de vidro que chamava a entrar no espaço expositivo torna-

se uma Empena, como as fachadas cegas de muitos prédios de São Paulo, que te

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Figura 45: Intervenção Empena Cega Centro Cultural São Paulo (2015) Fonte: Acervo pessoal. !

impossibilitam de entrar, seja pelo olhar ou com o corpo. Com a ação, o

espaço interior do piso e da entrada nos é primeiramente negado. Reafirmando as

lógicas excludentes atuais do próprio Centro Cultural. ”Tudo se passa como se duas

lógicas opostas estivessem em confronto: de um lado, a lógica da democracia, dos

direitos civis e de suas instituições; do outro, a lógica da violência e da

segregação.“ (CALDEIRA, 2000)

Com o fechamento da entrada, as funções e usos do espaço são

supostamente colocadas em dúvida e atuam diretamente no corpo físico, no

caminhar do visitante, que precisa andar, perguntar, se questionar para ter acesso

ao espaço e a exposição. Além do fluxo de entrada, altera-se também a visão do

espaço, a função dos seguranças internos, é neutralizada, a luminosidade interna

escure-se, a relação do espaço com a cidade é negada. ficando o espaço, refém

desta situação proposta pelo artista. Tal Situacao também remete ao uso dos

tapumes nas manifestações que ocorrem pelo Brasil desde o os anos 2013. Quando

a estratégia de esconder possíveis alvos de depredação como fachadas de bancos

concessionárias de carros e edifícios públicos durante manifestações e passeatas. 49

A nova espacialidade gerada pelo trabalho, a sua presença física altera o

ambiente por quatro meses: de 16 Novembro de 2014 a 22 Fevereiro 2015. Neste

período, o piso Caio Graco transformou-se, perdeu a transparência de sua fachada,

coberta por uma grande superfície de compensados de madeiras. Do ponto de vista

interno, dentro do espaço expositivo tínhamos o reflexo do vidros que são

potencializados pela madeira que funcionava como um efeito de espelhamento. E de

fora temos a superfície de madeira que cobria toda a extensão de vidro da fachada e

entrada do Centro Cultural São Paulo. Transformando os fluxos do espaço

expositivo, Empena cega (2015) coloca em questão as forças de agentes do poder

que atuam no ambiente das instituições culturais e sócias brasileiras.

CASTILLO, del Miguel. A Privada dos tapumes. Disponível em: http://migueldelcastillo.tumblr.com/post/49

55275093542/a-vida-privada-dos-tapumes. Acesso em:05/12/2017

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Figura 46: Intervenção Empena Cega Centro Cultural São Paulo (2015) Fonte: Acervo pessoal.

Figura 47: Intervenção Empena Cega Centro Cultural São Paulo (2015) vista interna do espaço. Fonte: Acervo pessoal.

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CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES !

Ao final desta etapa de trabalho, concluo que, ao invés de chegar a um

fechamento, a dissertação abre novos caminhos. A precariedade que se apresenta

no corpo e conjunto dos trabalhos em termos materiais e simbólicos, passam a ser

compreendidos como um elemento chave e central de toda uma produção que

relacionava a tríade espaço trabalho e espectador. Após este período, percebo como

a interrelação entre as linguagens possibilitam quebras com as tradicionais formas

de recepção de uma proposta artística, acrescentando outras camadas significativas

a prática.

Outro aspecto determinante neste trabalho foi a análise do contato e

vivências na cidade de Berlim, como artista, esta experiência foi um fator para me

posicionar, com distanciamento da cultura onde passei toda parte de minha vida.

Nesse processo, surgiu um novo olhar crítico sobre a minha própria produção,

endossando e embassando a prática artística.

Ao colocar-me como o escritor e crítico do meu próprio trabalho para o

desenvolvimento da pesquisa da dissertação de Mestrado, foram sendo superados

desafios e foi-se engendrado conceitos à pesquisa. Por distanciamento e alteridade,

atuei sobre as possibilidades de aprofundamento teórico para criar um conhecimento

sistematizado, que foi realizado a partir de uma vontade mais visceral, no entanto,

se transformou em material textual e crítico sobre a produção de arte nos dias

atuais.

Dessa forma, a produção e a pesquisa afinam-se, aquecem o pensamento e

diminuem arestas a serem polidas no desenvolvimento de uma produção futura. A

partir da análise da produção, fez-se possível a compreensão de conceitos, que

atravessam períodos de trabalhos tendo a vivência da cidade contemporânea como

cerne central que mobiliza essa produção. Mesmo se tratando de linguagens

artísticas distintas, optei por um recorte de trabalhos que foram paradigmáticos em

alterações de conceitos e decisivos na minha poética.

Como resultado da interseção entre o trabalho acadêmico e suas

desdobramentos no processo de trabalho prático, realizei, concomitantemente ao

final desta dissertação, a exposição individual Pedestre, como artista selecionado

para edital de exposições no GAIA - Galeria de Artes do Instituto de Arte na

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Unicamp. Nesta mostra individual foi possível um retorno a projetos por meio da

dissertação, revisitando os trabalhos e fortificando a prática artística e suas

implicações na contemporaniedade.

!!!!!!!!!! !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

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!!- Anhänger Flying Fisch Fotografia, impressão sobre papel Canson Ed. 1/7, 2017 36 x 56 - Anhänger Falafel Fotografia, impressão sobre papel Canson Ed. 1/7, 2017 36 x 56 - Anhänger ACAB Fotografia, impressão sobre papel Canson Ed. 1/7, 2017 36 x 56 - Anhänger T Fotografia, impressão sobre papel Canson Ed. 1/7, 2017 36 x 56 !

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