Projeto Xavante Um Estudo de Caso Sobre Seus Impactos

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Estudo sobre o Projeto Xavante de agricultura convencional

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  • PROJETO XAVANTE: UM ESTUDO DE CASO SOBRE SEUS IMPACTOS

    Rafael Jos Navas da Silva

    Maria Elisa de Paula Eduardo Garavello

    Engenheiro agrnomo - Mestre em Ecologia Aplicada - Escola Superior de Agricultura

    Luiz de Queiroz /ESALQ/USP Programa de Ps-Graduao Interunidades Ecologia

    Aplicada

    E-mail: [email protected]

    Doutora em Antropologia Social

    GT 03 - Povos e Comunidades Tradicionais: identidades culturais e tnicas e a

    percepo das polticas pblicas

    INTRODUO

    No incio do sculo XVIII os xavantes junto com os xerentes habitavam a bacia do

    Rio Tocantins e formavam um s povo, pertencente ao grupo etnolingustico Acuen, da

    famlia J. Nessa regio ocupavam um amplo territrio. Com a descoberta de ouro na regio

    ocupada por este povo, atuais Estados de Gois e Tocantins e a chegada de mineradores,

    bandeirantes, colonos e missionrios houve presso sobre estes povos, o que ocasionou

    diversos conflitos. A reao dos xavantes ao contato permanente se deu de diferentes modos.

    Alguns fizeram uso de ataques e guerras, outros aceitaram a aproximao ou migraram em

    busca de novos territrios. Durante a segunda metade do sculo XVIII, em busca de refgio,

    alguns grupos xavantes estiveram assentados em aldeamentos do governo, onde tiveram os

    efeitos de epidemias. Diante dos problemas de sade nestes locais, os indgenas optaram pela

    sada dos aldeamentos e no final do sculo XVIII e incio do XIX, os xavantes cruzaram o Rio

    Araguaia. Esse deslocamento separou definitivamente os xavantes dos xerentes, onde os

    ltimos no realizaram a travessia.

    Realizada a travessia, os xavantes se estabeleceram na regio da Serra do Roncador,

    atual estado de Mato Grosso. Durante o sculo XIX e a primeira metade do XX, o grupo

    sofreu divises e realizou novas migraes para oeste, nas margens dos Rios Sui-Missu,

    Mortes e Kuluene. At a terceira dcada do sculo XX, todos eles viveram relativamente

    livres das perturbaes provocadas pela sociedade nacional. Aps este perodo, a poltica

    adotada pelo governo federal, atravs da chamada Marcha para o Oeste, empreendeu os

    primeiros esforos para colonizar a regio central do Brasil, incentivado em promover seu

    4 ENCONTRO DA REDE DE ESTUDOS RURAIS Mundo Rural, Polticas Pblicas, Instituies e Atores em Reconhecimento Poltico

    06 a 09 de julho de 2010, UFPR, Curitiba (PR)

    GT3 - POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS: IDENTIDADES CULTURAIS E TNICAS E A PERCEPO DAS POLTICAS PBLICAS

  • povoamento e pela crescente preocupao com a ocupao das fronteiras do pas. Nessa

    poca, a maior parte dos grupos xavantes estabeleceu contato pacfico com representantes da

    sociedade nacional, esgotados pelas doenas, fome e conflitos. Alguns grupos dirigiam-se a

    postos do Servio de Proteo ao ndio (S.P.I.)1, outros buscaram refgio em misses

    religiosas. O ltimo grupo a aceitar o contato foi o de Pimentel Barbosa, ocorrido em 1946.

    medida que os xavantes cederam presso da expanso nacional, o territrio que

    ocupavam, pela vida com mobilidade que possuam, realizando excurses de caa e coleta,

    tornavam-se acessveis aos propsitos do governo. Assim, conseguiu-se implantar o modelo

    econmico capitalista no setor rural, atravs da poltica adotada no perodo ps-64, ao mesmo

    tempo em que se realizaram projetos fundirios, alguns em reas tradicionalmente ocupadas

    pelos indgenas (MENEZES, 1982).

    Com o novo modelo agropecurio, extensas reas de cerrado foram desmatadas,

    principalmente para o cultivo de arroz e criao de gado.

    No final da dcada de 70 e incio de 80, os xavantes procederam a intensas lutas,

    visando recuperao de terras que tradicionalmente ocupavam, principalmente pelos grupos

    que haviam deixado estas reas para refugiarem-se em misses ou postos do S.P.I. Diante

    destes conflitos, os xavantes pressionavam o rgo tutelar e com os problemas alimentares

    nas aldeias, principalmente com escassez de caa, devido a reduo da rea disponvel para a

    atividade e a mudana da paisagem do entorno, o governo reconheceu a necessidade de

    promover um projeto para os xavantes. Este projeto, na perspectiva governamental, deveria

    estar alinhado ao modelo de modernizao que estava sendo implantado na regio. Alm

    disso, o projeto amenizaria a presso que o rgo tutelar estava sendo alvo. Na poltica do

    governo, esta modernizao deveria ocorrer tambm s reas indgenas, atrelando os ndios ao

    sistema econmico capitalista, transformando os mesmos em produtores comerciais. Esta era

    a poltica de integrao definida pelo governo, em que o ndio era reconhecido como sujeito

    transitrio, ou seja, estava sendo preparado para ingressar na "civilizao". Essa poltica

    apontava para o fim da diversidade tnica e cultural, pois reconhecia esta diversidade apenas

    como um estgio de desenvolvimento, que se concluiria com a incorporao do ndio

    sociedade nacional. A poltica de integrao fundava-se na crena de que a civilizao

    ocidental representava o estgio mais avanado, alm do que, no se reconhecia o carter

    coletivo destas populaes. Por isso, o S.P.I. desenvolvia uma poltica que propunha dar aos

    ndios condies de evoluir lentamente, at integrarem-se totalmente sociedade (FUNAI,

    2007). Desta forma, o rgo tutelar demarcava as terras indgenas e evitava que fossem

    1 O S.P.I. foi criado em 1910 e substitudo pela FUNAI em 1967.

  • invadidas, prestava atendimento de sade, ensinava tcnicas de cultivo e proporcionava

    educao formal. No final de 1981, seis Terras xavantes haviam sido demarcadas: Arees,

    Pimentel Barbosa, So Marcos, Sangradouro, Marechal Rondon e Parabubure.

    Com a submisso dos xavantes ao rgo tutelar, este tentou incentiv-los prtica

    da agricultura2, pois para este, os xavantes possuam um vasto territrio, que economicamente

    estava sendo pouco utilizado com o modo de vida tradicional. Na viso capitalista que estava

    sendo introduzida na regio, esta mesma rea poderia sustentar um nmero bem maior de

    agricultores, principalmente em funo de estar sendo aberta colonizao. Para a FUNAI,

    incorporando a agricultura como fonte importante de obteno de alimentos, os xavantes

    poderiam se adaptar reduo de seu territrio. Alm disso, os funcionrios do rgo teriam

    facilidade para administrar os indgenas (MAYBURY-LEWIS, 1984). Mesmo com este

    incentivo, os xavantes de Pimentel Barbosa realizaram as excurses de caa e coleta at incio

    da dcada de 80 (SILVA, 1992). Porm, com o contato permanente e a fragmentao dos

    territrios, a realizao das excurses tornou-se cada vez mais difcil. Com a modernizao da

    agropecuria, a paisagem do entorno de suas Terras foi alterada e as fontes de alimentos

    tradicionais reduzidas, principalmente a caa.

    O PROJETO XAVANTE

    Diante da nova situao de vida atravs do contato permanente, as comunidades

    apresentavam problemas graves de alimentao e a FUNAI na poca, tentando resolver estes

    problemas e atrelando ao seu objetivo de integrar os ndios sociedade e buscar uma forma de

    sedentariz-los, desenvolveu um projeto de cultivo mecanizado de arroz em larga escala.

    Atravs deste projeto, para a FUNAI, as comunidades se tornariam auto-suficientes,

    superariam as desigualdades entre as aldeias e teriam meios para competir economicamente.

    Alm disto, solucionaria os problemas causados pela reduo dos territrios, que acarretou no

    abandono das excurses de caa e coleta e reduo das fontes tradicionais de alimentos

    (MAYBURY-LEWIS, 1984; MENEZES, 1982). Tambm, traria retorno econmico

    FUNAI, restituindo o investimento realizado, principalmente com a compra de maquinas e

    implementos.

    O processo de sedentarizao do grupo era importante para a elaborao de polticas

    e para a administrao da FUNAI e seria facilitado com a introduo da agricultura

    (MAYBURY-LEWIS, 1984).2 A subsistncia xavante baseava-se na caa e coleta, realizada atravs de excurses, onde percorriam o territrio por meses. A agricultura possua importncia secundria para a alimentao, em funo de ser realizada apenas na estao chuvosa (outubro a maro), caracterstico de regies de cerrado.

  • O Projeto xavante, como ficou conhecido foi realizado nas dcadas de 70 e 80 e o

    arroz foi escolhido por ser o principal produto de mercado na poca e a regio era uma das

    maiores produtoras, o que facilitava sua comercializao.

    Em funo dos recursos necessrios para a produo, com compra de mquinas,

    implementos e insumos, muitos xavantes iam em busca de recursos financeiros aos escritrios

    da FUNAI, criando uma situao que os administradores do rgo no tinham como manejar.

    Com os recursos disponveis, houve ciso de aldeias, necessitando cada uma dos meios e

    materiais para produo. Em funo deste projeto, os xavantes concentraram a maior

    quantidade dos recursos financeiros do rgo, bem como a ateno administrativa por ele

    prestada. Por fim, em lugar de atenuar as demandas dos xavantes, o projeto intensificou a

    presena dos mesmos nos escritrios da FUNAI e no fim dos anos 1980, o rgo j no

    conseguia controlar a situao e o projeto foi suspenso (MENEZES, 1982).

    Mesmo tendo se encerrado, o projeto provocou alteraes nos padres de

    subsistncia desta populao, principalmente pela introduo do arroz, que tornou-se base

    alimentar.

    Deste modo, este trabalho teve como objetivo analisar os impactos da introduo da

    mecanizao agrcola e suas implicaes na produo e consumo de alimentos em uma aldeia

    xavante.

    O trabalho foi realizado na aldeia Weder, localizada na Terra Indgena Pimentel

    Barbosa, municpios de Canarana e Ribeiro Cascalheira/Mato Grosso. A rea do territrio

    de 328.966 hectares. A populao atual de aproximadamente 1.700 pessoas, distribuda em

    seis aldeias, incluindo a deste estudo (ISA, 2009). A aldeia Weder foi criada em 1997 e a

    populao de 57 pessoas. Nesta vivem trs homens e uma mulher da gerao anterior ao

    contato com o no-ndio, ocorrido em 1946.

    Foram realizadas quatro viagens a campo entre 2006 e 2008, sendo usadas tcnicas

    qualitativas, como observao participante; entrevistas parcialmente estruturadas e no

    estruturadas (VIERTLER, 1988). Tambm foram realizadas entrevistas com representantes da

    Prefeitura Municipal de Canarana, referente alimentao escolar e com a Associao Cana

    Rica, que desenvolve projeto de produo mecanizada de arroz nas aldeias da Terra Indgena.

    RESULTADOS E DISCUSSO

    Com a introduo do arroz na alimentao xavante, o arroz substituiu os demais

    produtos em importncia, tornando-se o principal alimento vegetal, ocorrendo perda das

  • variedades de milho que eram cultivadas. Esta provavelmente se deu em funo dos

    investimentos para o cultivo de arroz, no valorizando as variedades tradicionais existentes na

    comunidade, acarretando na reduo de seu plantio. Mesmo com o fim do Projeto xavante, no

    final da dcada de 80, o arroz continuou a ser cultivado pela comunidade nas roas

    tradicionais, como pode ser observado na Tabela 1. Antes do contato permanente, os produtos

    cultivados entre o grupo eram de ciclo curto, o que favorecia seu cultivo espordico. Tratava-

    se de espcies apropriadas, pois dedicavam pouco tempo para esta atividade (MAYBURY-

    LEWIS, 1984).

    Observamos entre os xavantes, que os cultivos podem ocorrer nas roas, que so comunitrias

    (buru), onde toda comunidade participa do trabalho, desde a derrubada da mata, limpeza,

    plantio e colheita; podem ser familiares (buru wauen), em que apenas o grupo domstico

    realiza o trabalho; ou ocorrer nos quintais (rimnana rmhur), que so as reas no entorno

    das casas, sendo que o uso destes tiveram incio aps o fim da mobilidade pelo territrio e

    tambm pertencem ao grupo domstico. Nas roas familiares normalmente so cultivadas as

    mesmas espcies das roas comunitrias. Entre os Bororos as culturas mais importantes

    cultivadas foram introduzidas aps o contato com o no-ndio (PINTO e GARAVELLO,

    2002).

    O cultivo de arroz, que era realizado com maquinas, contribuiu para a sedentarizao

    dos xavantes, pois podia ser armazenado, em razo das alta produo. Desta forma, os

    quintais passaram a contribuir para a subsistncia da comunidade, como pode ser observado

    na Tabela 2. Este incremento de espcies cultivadas nos quintais se deu principalmente pelo

    plantio de frutferas perenes e exticas, tornando-se importantes para a subsistncia. Assim, o

    uso dos quintais, pode ser considerado uma interferncia positiva, sendo uma possibilidade de

    fonte complementar de alimentos, do ponto de vista nutricional. Os indgenas consideram que

    estas reas no so boas para os principais cultivos, como milho e feijo. As frutferas no

    exigem muitos cuidados e tratos culturais, sendo compatvel com o pouco tempo dedicado

    para essa atividade, mesmo a comunidade atualmente dependendo mais dos produtos da

    agricultura para sua subsistncia.

    Aps a sedentarizao, novas espcies de plantas comearam a ser cultivadas nas

    roas, diversificando a alimentao. Estas, inicialmente foram introduzidas por agentes da

    S.P.I. e posteriormente pelos prprios indgenas em trocas com as outras aldeias e com a

    sociedade do entorno. Em trabalho com os bororos, Pinto e Garavello (2002) e Serpa (2001)

    identificaram que, aps o contato a atividade agrcola foi intensificada com a introduo de

  • novas tcnicas e espcies, principalmente o arroz, acarretando tambm na substituio do

    milho tradicional, com perda destas variedades.

    Com relao ao milho tradicional xavante, observamos em Weder, na primeira

    viagem campo, trs variedades de milho sendo cultivadas, das sete existentes. Na segunda

    viagem, observamos o cultivo de cinco variedades. Este aumento foi devido trocas

    realizadas entre parentes que residem em outras aldeias, evidenciando a importncia desta

    prtica, tanto do ponto de vista agrcola, aumentando a variabilidade gentica dos cultivos,

    como do ponto de vista cultural, mantendo as relaes entre familiares.

    As alteraes ocorridas entre os xavantes se deram, principalmente em funo do

    projeto mecanizado de arroz, que buscava a insero dos indgenas sociedade,

    caracterizando a poltica indigenista adotada no pas nas dcadas de 70 e 80. Os projetos

    desenvolvidos eram baseados na utilizao de insumos sintticos, sementes melhoradas e uso

    intenso de mquinas agrcolas, condies que os indgenas no poderiam manter, devido aos

    altos custos necessrios para a produo, acarretando na dependncia das comunidades ao

    rgo tutelar.

    Tabela 1. Espcies cultivadas nas roas na aldeia Weder entre 1998 e 2008.

    Roas coletivas em pousio Roas familiares Roa coletiva atualAbacaxi Abacaxi AbboraAbbora Abbora ArrozAlgodo xavante Araticum Batata-doceArroz Arroz BananaBanana Algodo Car nativoBatata-doce Banana Cana-de-acarCana-de-acar Batata-doce Feijo xavanteCar nativo Caju MelanciaErva-cidreira-de-folha Cana-de-acar Milho xavanteFeijo Feijo xavanteMelancia Feijo-guanduMilho xavante JatobMilho Mandioca bravaMamo Mamo

    MelanciaMilhoMilho xavanteUrucum

    Tabela 2. Espcies cultivadas nos quintais da aldeia Weder entre 2005 e 2008.

  • Casa 1 Casa 2 Casa 3 Casa 4 Casa 5 Casa 6 Casa 7Abacaxi Abacaxi Abacaxi Abacaxi Abbora Abacaxi AbacaxiAbbora Abbora Abbora Abbora Abareture Abareture AbboraCaju Abareture Abareture Abaretur

    eLaranja Abbora

    sp.1Abaretur

    eCoco Algodo Algodo

    xavanteBaru Melancia Abbora

    sp.2Algodo

    xavanteJatob Baru Caju Babau Mandioca

    bravaAmendoim Caju

    Laranja Banana Coco Caju Tomonti Algodo xavante

    Laranja

    Mandioca brava

    Batata-doce

    Buriti

    Erva-cidreira

    Car Zoroinr Baru Mandioca

    doce

    Mandioca doce

    Caju Jatob Erva-cidreira

    Caju Mandioca

    bravaMamo Cana Laranja Jatob Car MangaManga Car Macaba Laranja Coco MacabaMacaba Cabaa Mandioca

    bravaLimo Erva-

    cidreiraMelancia

    Melancia Coco Melancia Macaba Feijo xavante

    Pequi

    Milho xavante

    Erva-cidreira

    Pequi Manga Feijo

    Pequi Gengibre Urucum Mandioca brava

    Laranja

    Urucum Laranja Melancia MacabaZoroinr Limo Pequi Manga

    Mamo Timb Mandioca brava

    Macaba MelanciaManga Milho

    xavanteMandioca doce

    Moonihir

    Mandioca brava

    Zoroinr

    MelanciaMedicinal*PequiTomonti

    * Espcie no identificada.

    Recentemente, entre os anos 2003 e 2006, houve outra interferncia no modo de

    produo xavante, atravs do Projeto da Associao Cana Rica3, que desenvolveu o cultivo de

    arroz para as aldeias da T.I. Pimentel Barbosa, adotando o mesmo modelo de produo do

    3 A Associao Cana Rica formada por agricultores do entorno da T.I. Pimentel Barbosa e localiza-se no municpio de Ribeiro Cascalheira/MT.

  • Projeto xavante da dcada de 70. A maior parte das etapas agrcolas foram realizadas por no-

    ndios, com mquinas agrcolas. Este projeto surgiu atravs de um acordo entre indgenas e

    produtores, para que os primeiros no manifestassem interesse em aumentar a rea da T.I., o

    que poderia provocar desapropriaes. Os indgenas participaram apenas nas etapas da capina

    e colheita. Em 2006, com a realizao deste projeto, verificamos que a comunidade de Wede

    r no realizou o plantio em roas. O arroz foi o principal alimento, sendo cultivado seis

    hectares, com produo de 280 sacos de 50 kg para a aldeia. A produo da comunidade

    ocorreu nos quintais, que pertencem ao grupo familiar, em detrimento das roas coletivas

    tradicionais. Estas reas ganharam importncia para produo de alimentos, sendo observado

    aumento de 16 para 28 espcies cultivadas, entre 2005 e 2007. Tambm, os cultivos mais

    importantes, como milho e feijo ocorreram nestas reas. O trabalho nas roas coletivas um

    momento em que toda comunidade trabalha e os produtos colhidos so divididos. Esta uma

    caracterstica da aldeia por ser pequena e h parentesco entre todas as casas.

    Em 2007, a Associao Cana Rica no realizou o plantio, justificando os altos custos

    dos insumos agrcolas. Neste ano, a comunidade voltou a fazer roa coletiva, principalmente

    com produtos tradicionais da alimentao xavante. Neste momento as mulheres da aldeia se

    juntaram para selecionar as sementes e realizaram o plantio. Alm disso, sendo o trabalho nas

    roas coletivo, um momento em que toda comunidade trabalha e os produtos colhidos so

    divididos, caracterstica destas comunidades. Tambm, observou-se a coleta de frutos nativos,

    quando as mulheres foram s roas, havendo relao entre as atividades.

    Por ser o arroz a base da alimentao e produzido em grande quantidade, atendendo a

    necessidade de todo o ano, a coleta est sendo reduzida pelas mulheres. As jovens esto

    deixando de conhecer os locais com frutos nativos e h consequente reduo no consumo

    destes produtos. Uma das consequncias foi constatada pela ONG Nossa Tribo (2007), que

    verificou taxa de anemia na aldeia Weder de 56,3%. Este fato deve-se principalmente

    mudana nos hbitos alimentares, em que o arroz a base e s vezes o nico alimento

    consumido durante o dia, como observado durante o trabalho.

    Com o incremento de produtos da agricultura, principalmente o arroz, o equilbrio

    alimentar no alcanado, considerando-se a homogeneizao e reduo da variabilidade da

    dieta. Como os cultivos ocorrem nas pocas chuvosas, no h disponibilidade de produtos ao

    longo do ano todo e no se aproveita a sazonalidade de produtos do cerrado, devido reduo

    da atividade de coleta pelas mulheres, mesmo havendo disponibilidade destes produtos no

    territrio, conforme relato da mulher mais idosa da aldeia. Por estarem em uma rea nova,

    pois a aldeia Weder possui nove anos, no se conhece totalmente os locais com os recursos

  • naturais disponveis, fato agravado pela pouca realizao da atividade. Alm disso, a

    delimitao do territrio e o desmatamento do entorno, tem aumentado a dificuldade da caa,

    que a principal fonte de protena. Vieira Filho (1981) em pesquisa realizada entre os

    xavantes aponta para uma dieta baseada no arroz e no aumento do consumo de produtos

    industrializados, como pes, biscoitos, acar e leo. Tambm, entre os ndios Suru, as

    mudanas alimentares, principalmente a maior dependncia de produtos industrializados, em

    especial o arroz e pouca presena de carnes e frutas, tm provocado alteraes na sade da

    populao, com elevada taxa de anemia, principalmente em crianas (ORELLANA et al,

    2006).

    Em razo dos projetos desenvolvidos nas aldeias xavantes, buscando solucionar os

    problemas decorrentes do contato, a situao alimentar deste povo apresenta-se de forma

    preocupante. Dados indicam que 14% das crianas xavantes no sobrevivem at os dez anos

    de idade (ISA, 2009); de acordo com Feitas & Freitas (2004) a diabetes atinge nveis

    preocupantes entre o grupo, principalmente em funo da mudana nos hbitos alimentares,

    do sedentarismo e do maior contato com a cidade.

    As tcnicas de cultivo mecanizado, mesmo apresentando diversos impactos

    nutricionais e scio-culturais entre os xavantes, muitas vezes no percebidos por eles, foram

    aceitas pela comunidade, j que a produo atende demanda do ano inteiro e o arroz faz

    parte da alimentao xavante. Isto comprovado ao observarmos os itens consumidos, em

    que o arroz base, com consequente reduo no consumo de frutos e tubrculos. Outra

    evidncia que o arroz foi comprado em algumas casas e cultivado nas roas tradicionais.

    REFERENCIAS BIBLIOGRFICAS

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