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Projeto: “O Policiamento que a Sociedade Deseja” Análise das Discussões em Grupo com representantes da Sociedade Civil da Zona Oeste de São Paulo Viviane Cubas Foram realizados três grupos focais com moradores da região Oeste da cidade de São Paulo: o primeiro, com nove participantes, cinco homens e quatro mulheres, contou com a participação de moradores de bairros de classe média da região do Butantã e Lapa e de moradores de bairros populares também do Butantã como Jardim D’Abril, João XXIII e Raposo Tavares. O segundo grupo, com sete participantes, quatro homens e três mulheres, quase todos moradores de bairros populares da região do Butantã como Raposo Tavares e Rio Pequeno, região do Jaraguá e Jaguaré. Já o terceiro grupo reuniu seis moradores, entre eles cinco mulheres, de bairros nobres de São Paulo como Cidade Jardim, Morumbi e Alto de Pinheiros. Essas diferenças entre os participantes refletiram-se nas opiniões apresentadas na discussão de alguns temas colocados. Nas discussões percebeu-se que, para alguns casos, havia uma concordância quase geral, enquanto que, em outros, as diferenças entre bairros e condições econômicas pareciam influenciar algumas opiniões. A região Oeste tem como uma de suas características a proximidade entre bairros nobres, de classe média, populares e favelas. Por isso, tentou-se obter uma participação que, sendo a mais abrangente possível, garantisse uma boa representatividade dos moradores dessa região. Os contatos com os participantes foram conseguidos através das associações de moradores, e os participantes pertenciam a estas associações. Para que as a associações indicassem as pessoas que participariam desta discussão, alguns dos critérios obedecidos foram: enviar pessoas que tivessem alguma participação nos Conselhos Comunitários de Segurança (Consegs) ou em qualquer trabalho relacionado à segurança no bairro; ou pessoas que estavam em atividade há mais tempo nas respectivas associações. Dessa forma, o perfil dos participantes era o de pessoas que, de alguma maneira, atuavam no bairro; conheciam e debatiam os problemas locais com outros moradores; e, em alguns casos, participavam dos Consegs de suas regiões.

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Projeto: “O Policiamento que a Sociedade Deseja”

Análise das Discussões em Grupo com representantesda Sociedade Civil da Zona Oeste de São Paulo

Viviane Cubas

Foram realizados três grupos focais com moradores da região Oeste da cidade de

São Paulo: o primeiro, com nove participantes, cinco homens e quatro mulheres, contou

com a participação de moradores de bairros de classe média da região do Butantã e Lapa

e de moradores de bairros populares também do Butantã como Jardim D’Abril, João XXIII

e Raposo Tavares. O segundo grupo, com sete participantes, quatro homens e três

mulheres, quase todos moradores de bairros populares da região do Butantã como

Raposo Tavares e Rio Pequeno, região do Jaraguá e Jaguaré. Já o terceiro grupo reuniu

seis moradores, entre eles cinco mulheres, de bairros nobres de São Paulo como Cidade

Jardim, Morumbi e Alto de Pinheiros. Essas diferenças entre os participantes refletiram-se

nas opiniões apresentadas na discussão de alguns temas colocados.

Nas discussões percebeu-se que, para alguns casos, havia uma concordância

quase geral, enquanto que, em outros, as diferenças entre bairros e condições

econômicas pareciam influenciar algumas opiniões.

A região Oeste tem como uma de suas características a proximidade entre bairros

nobres, de classe média, populares e favelas. Por isso, tentou-se obter uma participação

que, sendo a mais abrangente possível, garantisse uma boa representatividade dos

moradores dessa região. Os contatos com os participantes foram conseguidos através

das associações de moradores, e os participantes pertenciam a estas associações.

Para que as a associações indicassem as pessoas que participariam desta

discussão, alguns dos critérios obedecidos foram: enviar pessoas que tivessem alguma

participação nos Conselhos Comunitários de Segurança (Consegs) ou em qualquer

trabalho relacionado à segurança no bairro; ou pessoas que estavam em atividade há

mais tempo nas respectivas associações.

Dessa forma, o perfil dos participantes era o de pessoas que, de alguma maneira,

atuavam no bairro; conheciam e debatiam os problemas locais com outros moradores; e,

em alguns casos, participavam dos Consegs de suas regiões.

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Durante o período de contato com as associações existentes na Zona Oeste,

muitas não puderam ser localizadas por causa das alterações dos números de telefones,

e, algumas das associações contatadas disseram que não dispunham de representantes

para participarem destas discussões.

Os grupos reuniram interesses e perspectivas diversas e, deste modo,

apresentaram contribuições que expressam tanto esta diversidade como aquilo que é

compartilhado em relação aos temas tratados.

De maneira geral, pode-se dizer que o problema da insegurança é um dos

incômodos que atingiu a todos, independente do bairro onde vivem. Neste ponto, existiu

unanimidade em relação ao medo da criminalidade e ao trabalho ineficiente prestado

pelas forças policiais. A única diferença que apareceu foi a maneira como cada um

desses moradores, de acordo com seu perfil sócio-econômico, era atingido por essa

violência. Enquanto entre os moradores de bairros populares e de classe média os

principais problemas colocados como causas de insegurança eram consumo e tráfico de

drogas, pequenos delitos, roubos e furtos, os moradores de bairros nobres apontaram

roubos às residências e os seqüestros (relâmpagos ou não) como as principais ameaças.

As preocupações em relação à polícia também foram diferenciadas para estes

dois grupos. Para moradores de bairros populares e de classe média a polícia, quando

percebida como parceira de criminosos locais, representava ameaça. Para moradores de

bairros nobres, a privatização da polícia e a perda do caráter público da segurança eram

as principais fontes de preocupações.

As discussões em grupo demonstraram também que não era a primeira vez que

esses participantes discutiam questões relacionadas à segurança e insegurança. Chamou

atenção a maneira elaborada como a discussão foi desenvolvida o que nos fez pensar

que este tema estava muito presente no dia a dia destes participantes e que, portanto, já

haviam realizado algumas reflexões. Isso ficou particularmente evidente quando foram

apontados os problemas da segurança pública e a discussão sobre a necessidade de

haver um trabalho preventivo efetivo relacionado à violência.

De modo geral, as discussões despertaram grande interesse, principalmente por

ser uma forma pela qual os participantes podiam expor as suas percepções sobre os

problemas relacionados à segurança e propor algumas alternativas. Dos temas, um dos

mais discutidos foi a pouca atenção dada pela polícia aos problemas classificados como

banais. Para vários participantes, os crimes considerados banais, muitas vezes, não eram

coibidos pela polícia. Na opinião destes participantes, era necessário que mesmo os

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pequenos delitos fossem coibidos, pois, na maioria das vezes, eram estes delitos quem

contribuíam, com grande força, para o sentimento de insegurança vivido como também

estimulavam a prática de outros crimes.

Para se iniciar a discussão, foi feito um levantamento de como estes participantes

avaliavam a situação de segurança e insegurança em seus bairros. Nesta discussão, os

participantes relacionaram espontaneamente tanto a questão da segurança com o

policiamento, como também com aspectos que não estavam diretamente ligadas às

questões criminais como, por exemplo, a deterioração do espaço público e a carência de

políticas públicas voltadas para jovens. Ou seja, aspectos relacionados à qualidade de

vida da população que estão intrinsecamente relacionados à segurança.

Relatos de experiências que os participantes ou seus conhecidos tiveram com a

polícia também foram mencionados espontaneamente, adiantando o que seria a segunda

etapa de nossa discussão.

O DIAGNÓSTICO: A REGIÃO OESTE SEGUNDO OS SEUS MORADORES

Quando questionados sobre como era a segurança do bairro em que viviam, os

participantes abordaram vários tipos de delitos, concentrando-se naqueles que mais os

incomodam e que eram os principais geradores de insegurança.

Questões relacionadas ao tráfico, ao consumo de drogas e a sua estreita relação com

os jovens foram apontadas como um dos principais motivos de insegurança pelos

participantes moradores dos bairros populares. Este problema também esteve presente

nos bairros mais recentes e ainda pouco habitados.

Para alguns participantes, o uso de drogas contribuía para que os jovens se

tornassem mais agressivos, aumentando, assim, a insegurança. O participante 10,

morador do Rio Pequeno, relatou que o problema das drogas na região o preocupa muito,

pois, por ter filhas adolescentes, temia que alguma delas acabasse se envolvendo com

drogas. Para ele, aqueles que consomem drogas correm mais riscos que aqueles que as

vendem, pois, estes apenas passam pelo local para deixarem as drogas, enquanto que os

usuários eram moradores do bairro e, na sua opinião, eram estes usuários quem

causavam conflitos.

Além dos problemas causados pela presença do comércio e consumo de drogas,

os participantes afirmavam que a inexistência de canais alternativos que pudessem ser

acessados pela população os obrigava a conviver com este problema.

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Participante 11 - “Porque o adolescente hoje vive junto. Vocêcoloca os seus filhos para brincar hoje e infelizmente o traficante eo usuário estão ali passando, entendeu? Então, você tem queestar sempre passando para a cabeça dos seus filhos que não éassim, que não é assim, que aquilo é errado. Você tem queprocurar passar enquanto eles são pequenos, porque depois quepassa dos 12 é meio complicado. E hoje também tem aquelenegócio de amigo, né? Amigo leva você para lá e para cá equando você vê... A gente já conheceu bastante gente que hojejá... pessoas que já morreram, que estão presas e que erampessoas de famílias decentes, mas que entraram nesse mundo enão teve volta mais. Então, hoje a gente vive com essa violênciaconstante. A gente que mora lá em 23 blocos e eu, como vice-presidente da Associação, a gente sabe dos problemas. A gentesabe tudo. Então, você não pode fazer nada, entendeu? Porquehoje em dia se falar, você é obrigado a deixar tudo para trás e sairrapidamente de onde você mora. Então, hoje em dia, você éobrigada a conviver.” (Rio Pequeno)

Como neste caso, é enorme o impacto que o consumo de drogas causa entre aqueles

que têm filhos. Quando falam de consumo, os participantes não excluem o tráfico e todas

as implicações que isso traz às famílias a ao bairro onde vivem. Salvo pequenas

exceções, tanto o usuário quanto o traficante representavam ameaça e insegurança aos

pais que se preocupam com os filhos. A drogas representavam duas fontes de

insegurança aos moradores desses bairros: a do tráfico que ameaçava segurança das

pessoas que viviam nessas áreas; e o medo de que seus filhos viessem a se envolver

tanto com a venda quanto com o consumo de drogas.

Entre os participantes moradores de bairros de classe média, o consumo e o

tráfico de drogas apareceu relacionado à prostituição, principalmente nas regiões entre o

Jóquei Clube e Cidade Universitária, nos bairros de Cidade Jardim e Butantã. Segundo

algumas participantes, há 14 anos os moradores da região tentam tirar os travestis da

área, mas não conseguiram e isso causou a desvalorização de imóveis daquela região.

Para os participantes, além dos casos de atentado ao pudor, a prostituição também atraia

o comércio de drogas, existindo inclusive uma estrutura de segurança montada pelos

travestis, com rapazes de moto e que perseguem os clientes que tentam fugir sem pagar

pelos serviços.

A participante 9, que colaborou ativamente do movimento de moradores para a

retirada dos travestis de sua região, disse já ter recebido ameaças de traficantes que

atuam na região. Além disso, disse que os moradores tinham que ficar trancados em casa

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por causa dos roubos e assaltos realizados por pessoas que compravam drogas na

avenida. Esta participante relatou que já houve vários pedidos à polícia para que os

travestis fossem retirados de lá, mas, legalmente, não havia nada que permitisse esse

tipo de ação. Para ela, estas condições deixavam a polícia de “mãos atadas” por não

poder fazer nada. Suspeitava ainda que os policiais tinham medo e por isso não agiam

contra os travestis. Ao mesmo tempo uma das participantes afirmou que o problema não

dizia respeito apenas à polícia, mas que era muito difícil envolver outras pessoas na

busca de uma solução.

Além das drogas, outros crimes como roubo, assaltos e seqüestros apareceram

nas falas dos participantes como causadores de sentimento de insegurança. Os

seqüestros estiveram mais presentes, principalmente, nas falas dos moradores de bairros

de classe média e alta.

Para uma das participantes, moradora do Morumbi, os principais problemas que

geravam insegurança no bairro eram os seqüestros e o trânsito de veículos na região, que

foi visto também como um empecilho ao trabalho policial.

Entre os participantes da região do Alto de Pinheiros, o participante 21 afirmou que

a ocorrência de crimes era pequena, mas que alguns casos isolados, de homicídio,

seqüestro e roubos que aconteceram nos últimos tempos foram suficientes para que o

sentimento de insegurança se instalasse. Por isso, a associação a qual pertence está

estudando a proposta de contratar uma empresa de segurança privada para o bairro. A

participante 20, da mesma associação, afirmou que os casos de seqüestro, relâmpagos

ou não, se tornaram mais freqüentes sendo, ela própria, uma das vítimas e citou outros

casos envolvendo pessoas de sua região. A mesma queixa apareceu na fala da

participante 17, moradora do bairro vizinho, Vila Madalena, que também teve a filha vítima

de seqüestro relâmpago.

Entretanto, casos de roubo e de crimes mais graves também apareceram no relato

dos moradores de bairros populares. O participante 3, morador do Jardim D’Abril, afirmou

que na sua região aconteciam vários tipos de crime, inclusive com envolvimento de

policiais. Ainda segundo esse participante, os problemas que aconteciam no seu bairro

eram causados por um grupo pequeno e conhecido de moradores. Mais uma vez, neste

caso, ter de ficar calado para não se envolver em situações ainda mais perigosas foi a

saída encontrada:

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Participante 3 - “No meu bairro, nós tivemos problemas de estuproe problemas de homicídio, que agora é moda. No meu bairro,latrocínio é moda e roubo de carro é moda. (...) A políciaarrecadando dinheiro é moda. A gente não tem confiança napolícia... Eu, por exemplo, são poucos os policiais honradosmesmos... aqueles que a gente vê que tem postura mesmo depolícia, entendeu? Então, a gente convive com muitas coisas quea gente, às vezes, tem que até ficar calado, porque se você abre aboca... Você tá ali, convivendo com o pessoal. Sobra pra vocêporque a polícia vai embora e o bandido está ali. Então, nós temosessa dificuldade aí.”

Segundo esta participante, a população deste bairro não só tinha conhecimento

sobre os delitos que aconteciam como não tinha a quem recorrer já que mesmo a polícia

era percebida como conivente com alguns desses delitos.

Espontaneamente, a questão de problemas urbanos associados à violência e

insegurança apareceu nas falas dos participantes. Entre aqueles que vivem em bairros

nobres, vários falaram sobre o não cumprimento das leis de zoneamento e de suas

conseqüências. Os participantes demonstraram que quando estavam pensando sobre

segurança pública, não se fixavam apenas em uma abordagem que enfocava questões

de policiamento, mas também incluíam os problemas urbanos. O desrespeito às leis de

zoneamento, calçadas impedidas, acessos obstruídos, trânsito intenso, acesso aos

túneis, entre outros fatores, influenciavam e propiciavam aumento dos crimes cometidos

nos bairros com esses problemas. Em virtude disso, os participantes colocaram que era

muito importante uma participação mais ativa dos moradores na realização do plano

diretor dos bairros e nas decisões que envolviam os problemas citados, inclusive na

criação de bolsões de ruas, o que, para alguns moradores, seria uma boa opção para

melhorar a segurança. Além disso, falaram da importância que a Companhia de

Engenharia de Tráfego teria nas decisões que envolvem o tráfego, outro fator apontado

como influente na segurança dos moradores:

Participante 21 - “O grande problema é que a CET, que tem afilosofia da tradição que existe na polícia, no funcionalismopúblico... De achar que é um fato consumado não se podereverter. Então, se começa a passar carro numa rua, numa rua“Z1”, só tem casas residenciais e tal, vai a CET e coloca ônibusali. Passa ônibus... No ponto de ônibus o cara põe um Bar...Então, acabou o bairro. E vai o mesmo acontecer pra frente...”(Alto de Pinheiros)

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A presença do comércio e de uma intensa vida noturna nestas áreas residenciais

foram vistas como as causas da degradação de várias áreas o que, por sua vez,

aumentavam não só sensação de insegurança como também os casos concretos de

violência na área. Na fala da moradora da Vila Madalena estavam os problemas de

roubos e furtos que aconteciam na região, sobretudo nos finais de semana, por causa da

movimentação noturna nos bares da região. Contou que houve no bairro uma tentativa de

formar um grupo de moradores para contratar os serviços de uma empresa de segurança.

Porém, como foram poucos os que se interessaram, o valor cobrado ficou muito alto e,

hoje, somente algumas casas contam com o serviço. Além disso, falou sobre o problema

dos vigias noturnos que já atuavam há algum tempo no bairro:

“Precisa ter um número mínimo de pessoas interessadas e amaioria ali não se interessa. (A maioria) acredita que tem de serpúblico porque é um absurdo você ter de pagar, além de tudo oque você já paga numa Z1, (sem ter) nenhum benefício por serZ1, só tem despesas... Você não pode despedir aquele “guariteiro”que está lá, senão, ele mesmo, amanhã, volta para te pegar,porque ele vai estar passando fome... Aí você coloca essessistemas mais organizados e ele fica absurdamente caro. Era emtorno, mais ou menos... assim, se tivesse um número mínimo de150 casas, ia sair em torno de 180 reais por mês. Por um carro,fora toda a aparelhagem que você paga em torno de 3 ou 4 milreais por casa... Quer dizer, quem se interessou colocou, quemnão, não. Isso é pessoal de cada um, não é uma coisa que vocêseria obrigada a fazer, porque você já paga para isso.”

Além dos problemas causados pela intensa movimentação de pessoas pelo bairro,

havia os imóveis para fins residenciais que eram ocupados pelo comércio e para

realização de festas e eventos em locais também não permitidos.

Assim como o descaso da prefeitura na fiscalização do uso dos imóveis, algumas

obras públicas, relacionadas ao trânsito, também foram associadas ao aumento da

violência. Para a participante 18, moradora do bairro Cidade Jardim, a construção dos

túneis na região foram determinantes para o aumento dos crimes porque causaram a

deterioração da área:

Participante 18 “...o que acabou com o nosso bairro foram ostúneis. Os túneis foram mal projetados, eles começam em nada edão em nada e nós recebemos agora na Cidade Jardim toda afluência de tráfego que vem de toda parte lá de Vila Andrade,Giovanni Gronchi, toda aquela turma vem todas... Só tem um

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lugar de escape. Se der um blecaute em São Paulo acabou,porque eles não tem saída! Eles estão presos porque não existeponte, alças, nada disso. Então, todos descem ou pela Avenidadas Begônias que vai dar no túnel ou pela Oscar Americano, nãotem outra saída no Morumbi inteiro. Então, isso trouxe para obairro, infelizmente, deterioração das casas. E as casas estãoabandonadas, as que dão o lado para a Marginal, então, ali játiveram vários seqüestros, vários assaltos, continuam ocorrendo ena Cidade Jardim, que é aquela Avenida Tajurás, em função docomércio que tem ali, tem uma banca de jornal, um Café, um nãosei o que, e eles sabem que ali é o ponto de chegada de pessoascom o poder aquisitivo alto. Então eles estão nas imediações,pegando todos os filhos que param ali, seguem um quarteirão, efazem o seqüestro relâmpago. Vários jovens já foramseqüestrados, inclusive os meus dois filhos, em épocas diferentes,também já foram seqüestrados nisso de ficar rodando. E elesficam sempre rodando do mesmo jeito, os meus dois filhos... elesentram na Marginal, vão até aonde era o antigo Paes Mendonça,lembra daquele supermercado? Agora eu acho que é o Extra...eles rodam e ficam rodando até fazer... pegar o dinheiro de caixa,depois eles largam os jovens ali, no matagal e ainda falam assim:‘corre, corre, corre, que eu vou atirar pra ver se não pega emvocê’, e eles correm, ficam traumatizadíssimos com essa história.É uma coisa horrorosa! Sempre no mesmo lugar, quer dizer, temuma maneira de você eliminar isso, tirar aquele mato da Marginal,limpar a área. São soluções fáceis, não é difícil de fazer. Só, queeu acho, que precisava de uma pessoa dentro da polícia quecompilasse esses dados: ‘Então, está acontecendo isso? Entãovamos atuar nessa área’. Porque os dados existem, as queixasexistem e as pessoas têm dado queixa. Então, eu acho que éisso, deterioração...”

Essa mesma participante ressaltou que a presença de uma favela na região não

causa problema, pois existem vários trabalhos que são realizados na comunidade. A

principal queixa é realmente o descaso das autoridades por não estarem atuando na

região.

O participante 21, morador do Alto de Pinheiros, disse que em seu bairro também

havia problemas que a polícia não podia resolver por causa da limitação da lei. Disse que

há, por exemplo, problemas com ônibus estacionados irregularmente, mas que a polícia

não podia agir porque não havia nenhuma placa no local dizendo que era proibido

estacionar.

Outro participante (4), também de classe média e morador do Jd. Adalgisa, se

queixou da ocupação realizada por integrantes dos movimentos de sem teto e sem terra

num terreno ao lado de sua residência. Queixou-se também da ausência do Estado para

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controlar essa ocupação. Ao seu ver, esta ocupação trouxe problemas para os

moradores, trazendo vários casos de furto às residências do bairro. Segundo este

participante, os furtos eram praticados por jovens, e essa área acabou virando refúgio

para outras pessoas que assaltavam e se escondiam entre as casas montadas pelos

ocupantes. Sua principal queixa, na verdade, era a ausência de policiamento naquela

área apesar dos insistentes pedidos dos moradores.

Quando questionados sobre a segurança, os jovens foi o assunto que mais

marcou a fala dos participantes do segundo grupo. Como apontado anteriormente, para

muitos participantes os jovens eram os principais atores envolvidos com drogas. Além

disso, eram vistos como potencialmente perigosos por se envolverem em pequenos

delitos ou até mesmo em crimes mais graves. Também houve críticas ao Estatuto da

Criança e do Adolescente (ECA) que, na opinião de alguns participantes, incentiva a

impunidade, pois na opinião de alguns participantes, este estatuto impedia que a polícia

pudesse atuar contra os menores infratores:

Participante 12 - “Enquanto não houver um política em relação aisso aí, para tratar desse problema a gente vai continuar vivendoda mesma forma que está hoje. Talvez pior daqui a cinco, dezanos. Enquanto a legislação brasileira proteger o menor, porque omenor hoje em dia pode matar, pode consumir droga abertamentena rua e ninguém faz nada... Mas por quê? Porque é menor. Mas,espera aí. O menor está ali. Ele pode matar, pode roubar, podeconsumir droga, pode traficar, pode estuprar e por que ele nãopode assumir responsabilidade perante a sociedade? Acho quedeveria ser revisto isso aí. Porque enquanto não for revisto isso aí,a gente vai estar sofrendo com o mesmo problema deinsegurança.” (Raposo Tavares)

Um dos participantes chegou a afirmar que a maioria dos assaltos em seu bairro

tinha o envolvimento de menores, além do uso que o tráfico fazia desses jovens. Porém,

ao mesmo tempo em que defendia mudanças na legislação para que fossem aplicadas

punições mais severas aos menores, esses mesmos participantes identificavam algumas

causas gerais relacionadas ao problema. Para eles, o envolvimento de jovens com

pequenos crimes era resultado da falta de estrutura familiar e de ausência do estado na

garantia de uma educação de qualidade. Assim, como já foi colocado, para os

participantes a relação entre jovens e drogas era direta.

Em muitos casos estes jovens eram percebidos como potencialmente perigosos

porque, além de serem defendidos pela lei, se envolviam com drogas e, a partir disso,

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começavam se envolver também com outros tipos de delito. Segundo os participantes,

alguns desses jovens eram moradores do bairro e, quando estavam sob efeitos de

drogas, realizam pequenos furtos às residências. Outro problema apontado foi a falência

das instituições encarregadas pela reeducação dos menores em conflito com a lei.

Contudo, apesar dessas observações, continuavam defendendo punições mais severas

para os jovens infratores.

Teorias da violênciaAo mesmo tempo em que relatavam as causas da insegurança em seus bairros,

foi possível perceber que em suas falas também estavam presentes discursos, por vezes

bem estruturados, que buscavam explicar a violência.

Um dos principais pontos mencionados para explicar a violência foi a falta de

educação. Pode-se dizer que houve unanimidade entre os participantes em apontar a

falta de educação como uma das principais causas da violência no Brasil. Junto com a

educação, a falta de lazer, trabalho e incentivo aos jovens apareceram como as principais

causas para o ingresso dos jovens no mundo das drogas e do crime. Um dos

participantes, morador da Vila Sônia, enfatizou que os problemas vividos hoje são

resultado de uma cultura da impunidade que vem de muitos anos:

“Não existe segurança no país. Eu sou caminhoneiro, então euando no Brasil todo. Eu saio daqui com a carga, por exemplo, euvou para Recife. Eu tenho que levar, no mínimo, R$ 500,00 emnota de dez, porque cada vez que você pára, o policial te rouba e,se você não paga, você é multado. Você também tem que se livrardos outros bandidos, que são os que vão com a arma... Quandosão os próprios policiais, é falta de cultura. Acho que todas aspessoas, nós como cidadãos, temos que ver isso. É a cultura. Nóssomos da cultura do mais fácil e o mais fácil dá esse problema.Acho que a minha geração, geração 60, é que hoje desaguounessa desgraça que estamos aqui. Foi a geração 60, não era atua, não. Era a minha. Então tem que mudar. Mudar o código, asformas das leis, quando for punido tem que ser punido mesmo, seé seis meses é seis meses, não adianta ... O cara pegou 300anos, nós tivemos um coronel aí de 600, tá na rua! Tem o outroroubou não sei quanto, tá aí também. O outro, roubou e hoje éministro. Então não adianta nada.”

Além da falta de educação, a desestrutura familiar, a violência doméstica e o

consumo de drogas e álcool também foram apontados como causas da violência. A

influência da mídia no aumento da violência também foi mencionada nas discussões.

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Ao mesmo tempo em que apontaram possíveis causas da violência, também

apontaram quais poderiam ser as soluções para diminuí-la. Alguns defendiam a

necessidade de mudanças nas leis penais para que sejam incluídas punições mais

severas aos bandidos que, segundo uma das participantes, “não têm medo da polícia”.

Outros discordam dizendo que a lei já existe, que não precisa ser modificada, mas apenas

aplicada de maneira efetiva. A questão dos presídios também apareceu nas discussões.

Da mesma maneira houve uma divisão de opinião entre os participantes. Enquanto alguns

pensam que os presos têm muitas regalias e deveriam ser tratados de maneira mais

rígida, outros defendem que deveria ser realizada uma reestruturação do sistema

prisional. Afirmaram que o sistema deve ter como objetivo a reeducação e a

ressocialização dos detentos e não servir como uma “escola do crime” de onde os presos

saem mais envolvidos com a criminalidade do que quando entraram. Apesar da defesa ao

aumento das penas estar presente no discurso dos participantes, o tema da pena de

morte também surgiu, mas foi colocado como um exemplo de medida que não diminui a

violência ou a criminalidade. Os mesmos participantes que afirmam que os presos

deveriam ter menos regalias também são aqueles que cobram medidas mais enérgicas

dos governantes para as questões de segurança pública, sobretudo uma polícia mais

repressiva.

Os participantes também incluíram a corrupção, em todos os níveis, como uma

das principais causas dos problemas brasileiros, entre eles o da segurança pública. Para

esses participantes a violência só pode ser reduzida depois que o governo conseguir

conter a corrupção e o tráfico de drogas. Além das medidas repressivas, os participantes

destacaram também a necessidade de haver trabalhos preventivos e investimento em

projetos sociais, que incluam principalmente os jovens da periferia para que o

envolvimento com o tráfico de drogas deixe de se apresentar como a única opção de algo

vantajoso a eles. Como afirmou uma das participantes, é necessário que se comece a

investir no ser humano, não apenas na polícia. A participante 7, moradora da Cohab

Raposo Tavares afirmou ainda que toda essa situação de violência acontece porque a

classe média nunca se preocupou em participar de movimentos sociais e em amenizar a

diferença social:

“Porque o marginal hoje está roubando a burguesia? São meusfilhos que estão indo pra assaltar, que estão indo seqüestrarporque o pessoal de classe privilegiada fingia que não acontecia,fingia que não via. O senhor (dirige-se ao participante 4, vizinho àárea ocupada no Jardim Adalgisa) só foi participar no momento

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em que bateu na sua porta e é isso que nós não podemos deixarmais acontecer. Existem instituições na periferia que querem fazerum trabalho e que se tivessem 500 reais por mês poderiam fazerum trabalho com essa juventude de prevenção. Então, eu achomuito importante essa conversa aqui, mas, dessa conversa, não ésó fazer esse workshop aí. Não é só isso não. É a gente doButantã se juntar e começar a discutir o Butantã, a cidade de SãoPaulo, o Município de São Paulo, o Brasil e o Mundo... Eu acreditona transformação a partir dessa organização... “

De maneira geral, os participantes entendem que a violência tem raízes na

ineficiência do Estado em garantir os direitos básicos à população. O Estado seria

também responsável quando é conivente por não conseguir coibir a corrupção, sobretudo

entre seus agentes. Os participantes mencionam também questões mais pontuais, que

exigem intervenções sociais, voltadas para a valorização do ser humano. Apesar de

alguns defenderem a adoção de medidas mais rígidas, para a maioria o “endurecimento”

de leis e penas não seriam produtivos. Para estes, a prevenção é a maneira mais justa e

eficaz de controlar a violência.

A atuação da polícia: o seu relacionamento com a comunidade

O tema do policiamento é constantemente relacionado, pelos participantes, à

questão da segurança, principalmente entre os participantes do primeiro grupo da região

Oeste, aquele formado por moradores de bairros de classe média e populares. Quando

indagados sobre a segurança em seus bairros, os participantes falaram,

espontaneamente, sobre o policiamento que é realizado na área e expuseram um pouco a

avaliação que fazem desse serviço. Entre os participantes do último grupo, o

relacionamento entre policiamento e segurança do bairro também foi espontâneo, porém,

neste caso, envolvendo moradores de áreas mais nobres, junto à questão do policiamento

surgiu também o problema da privatização da segurança. A posição dos participantes em

relação à segurança pública é definida de acordo com a avaliação que esses moradores

fazem do trabalho desenvolvido pela polícia como a rapidez e qualidade do atendimento.

De maneira geral, com algumas exceções, os moradores avaliam que o serviço da polícia

não é eficiente porque não atende aos chamados da população, quando atende o

tratamento dispensado não é satisfatório e, por isso, trata-se de um serviço que é

procurado quase que como a última alternativa. No entanto, existem áreas onde os

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moradores fazem uma boa avaliação do trabalho da polícia, inclusive relatando a

percepção de uma recente melhora na atuação dos policiais.

No caso da participante 20, moradora do bairro de Pinheiros, de acordo com seu

relato, a polícia está sempre atendendo os casos da região, mas todos sabem que o

efetivo existente não é suficiente para atender a demanda, o que agrava o sentimento de

medo e insegurança das pessoas. A participante 18, moradora do bairro Cidade Jardim

também elogiou o policiamento do bairro dizendo que, hoje os policiais estão melhor

equipados, uniformizados e bem educados. Essa mesma moradora também elogiou o

trabalho do Secretário de Segurança do governo do Estado de São Paulo. Por causa das

ações do Secretário é que ela percebe a melhora na estrutura da polícia que, na sua

opinião, está mais organizada.

Um dos moradores do Butantã, o participante 5, afirmou que o policiamento no seu

bairro também havia melhorado após o estreitamento das relações entre moradores e

polícia. Disse que o atendimento é eficiente, que sempre há viaturas fazendo a ronda na

sua região e que os policiais estão mais bem preparados. Ele diz que antes a população

tinha medo da polícia, que ela era muito corrupta mas que agora ela está melhor

preparada, apesar de dizer que o policiamento nas áreas de periferia possivelmente não

deva ser o mesmo daquele aplicado nas regiões centrais da cidade que são privilegiadas.

A ausência de policiamento em áreas em situações de maior risco de violência

também é outro problema destacado pelos participantes. Para o participante 4, morador

do Jardim Adalgisa, vizinho de um terreno invadido pelos sem teto e sem terra, a maior

dificuldade da associação da qual participava era a de conseguir um policiamento

freqüente no entorno da área de ocupação. Um grupo formado por moradores do bairro,

advogados e integrantes do movimento de ocupação esteve em reunião com

representantes da polícia e da Secretaria de Segurança mas ainda não haviam

conseguido que a reivindicação fosse atendida. O participante citou que os ocupantes do

terreno ficaram surpresos quando foram informados que a reivindicação de policiamento

serviria para garantir a segurança deles também e essa aproximação entre esse morador

e os ocupantes da área, segundo ele, garantiu uma certa proteção pois:

Participante 4: “Eles estavam a poucos metros de mim e não mefaziam mal nenhum. Até hoje, realmente, eu sou um daqueles quepodem dizer que não tive nenhuma agressão física... Em todosmeus vizinhos, pularam muro e roubaram coisas e tudo mais.”

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Ainda segundo o participante, além da ameaça que os ocupantes representavam

aos moradores do bairro, havia vários crimes que aconteciam dentro da área de ocupação

e que envolviam os próprios integrantes do movimento. Por toda essa situação, foram

escritos vários textos que foram colocados na imprensa denunciando o descaso do

governo com aquela área.

Para o participante 3, morador do Jardim D’Abril os problemas em relação ao

policiamento no seu bairro acontecem por ele estar situado em uma região de divisa de

municípios. Quando há uma ocorrência, as pessoas que ligam para a polícia têm que

fazer mais de uma ligação até conseguir falar com aquela que é responsável pela área:

Participante 3: “Quando tem alguma ocorrência no bairro a gentesolicita, liga lá 190: ‘Aí, é... DP? E a DP fala: ‘eu não vou porque aíé Osasco’. Daí você fala: ‘Companheiro, eu estou na parte deSão’, ‘Ah! É parte de São Paulo? Só um minutinho’. Esseminutinho leva 10 minutinhos. ‘Ah! Senhor tudo bem, daqui apouquinho eles te ligam de novo, no seu telefone, pra confirmar oendereço’. Quer dizer, até aí a ocorrência já está andando porqueo vagabundo não espera. Ele vem com a ação pra fazer, sai e vaiembora e acabou. Já deixa a desgraça pronta ali e acabou. E nóstemos essa deficiência: a polícia de Osasco não entra em SãoPaulo e a de São Paulo não entra em Osasco mesmo estando oproblema acontecendo...”

Apesar desse problema, o participante afirma que o atendimento prestado pelo

Batalhão, da área pertencente à São Paulo, havia melhorado um pouco por causa da

presença de um coronel que era mais próximo da comunidade e que ouvia os moradores,

mas que o atual comandante é desconhecido.

Entre os participantes do primeiro grupo, um dos principais pontos levantados foi o

descrédito na polícia que realiza a segurança no bairro e a alternativa da segurança

propiciada pelos bandidos da região. Para vários participantes que vivem em bairros

populares, a presença policial é substituída pela presença dos chefes das quadrilhas que

mantêm a “ordem” na área. Os próprios bandidos é que se encarregam de garantir a

proteção no bairro enquanto os moradores temem a polícia. Na verdade, os participantes

percebem que isso representa uma proteção limitada porque os bandidos do bairro

também são temidos, mas impedem que outros bandidos atuem na região e garantem

uma certa tranqüilidade aos moradores. Para os participantes dos bairros João XXIII e da

Cohab Raposo Tavares, o processo de falta de confiança da população no policiamento

local vem ocorrendo há bastante tempo, ao mesmo tempo em que percebem que a

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periferia tem problemas mais graves de segurança do que os bairros de classe média. No

bairro da participante 2, a desconfiança na polícia advém da corrupção policial,

principalmente quando ela se envolve com o tráfico de drogas porque isso faz com que os

moradores não tenham como denunciar e coibir que o tráfico atue no bairro. Já a

participante 7, moradora da Cohab Raposo Tavares, relatou de maneira mais detalhada

os problemas de insegurança do seu bairro que envolvem policiais. Os moradores não

confiam mais na polícia “de jeito nenhum” e preferem chamar os bandidos, com quem têm

muito mais proximidade, do que a polícia para solucionar algum problema. A polícia é

chamada somente em último caso, tudo para evitar que os moradores sofram alguma

agressão por parte dela. Ela mesma contou um caso em que:

“Uma amiga minha mora em Pinheiros e foi me visitar. Deixou amoto na porta de casa às onze horas da noite. Quando nóssaímos a moto não estava mais lá. O que eu fiz: chamei amolecadinha que tava ali, falei: ‘Pegou a moto, fica mal e tal, pô.Aqui a minha casa e nanana...’. Uma hora depois, veio ummolequinho empurrando a moto. Ele devolveu a moto. Isso é acoisa mais comum de acontecer na periferia. Isso não é novidadee não é privilégio. Por que? Porque a gente conhece a família, agente sabe quem é. Em casos extremos, a gente chama a polícia.A gente chama a polícia quando tem lá uma turma de dependentequímico que está quebrando orelhão, fazendo arruaça, que táquerendo fazer pedágio, daí a gente chama a polícia. Quando apolícia chega, ela maltrata tanto aquela molecada quanto você,que é morador, que está ali próximo pra receber a polícia e tal:‘Quem você é? Você é do meio?’. Enfim, não existe um respeitoda polícia para com o morador. Você é colocado, em primeirolugar, como culpado. Não tem papo. Você é culpado e acabou.Principalmente na periferia que é formada de negros e já tem acara do pobre. Então, é culpado e pronto. Como é que você vai serelacionar com uma polícia dessas?”

Além de falar sobre o descrédito em relação à polícia, a participante também

críticou à organização policial, apontando que as falhas têm origem em toda um

desarranjo estrutural e de brechas que permitem ações irregulares:

“Pra nós, a gente vê que a polícia não tem comando e que é aoDeus dará. Cada um faz o que quer e da forma que quer. Porque,como é que você coloca um carro da polícia na rua com doispoliciais e não sabe o que eles estão fazendo? Onde eles estãoindo? Que intervenção eles estão fazendo na comunidade? Nãoexiste um controle. Eu não vejo um controle disso. Segundo, nãotem respeito, formação pessoal... O policial aparece e a gente vê

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o policial como se ele não tivesse família. Como se ele fosse umcarrasco. Como se fosse pior do que o malandro que tá ali que é oseu vizinho. Matador, porque ele também é um assassino, eletambém mata. Ele não quer saber. Ele não é preparado paraatender a comunidade, pra respeitar a comunidade. Aí, se a gentevai mais longe, o Governo, não existe um respeito do governopara com o contribuinte. Não existe esse respeito. Aí, a questãoda polícia, que é o que está mais próximo da gente, você acabanão tendo como intervir. Você não tem como discutir...”

Diante desse quadro de sentimento de medo, insegurança e ausência de uma

resposta efetiva por parte do Estado, a vigilância privada, realizada pelos guariteiros

pagos pelos moradores de uma rua, foi citada pelos participantes moradores de bairros de

classe média como uma alternativa de reforço da segurança. Apesar desses guariteiros

terem uma estrutura precária, não contando com equipamentos como rádio ou celulares,

essa é uma maneira que esses moradores encontraram para tentar coibir alguns tipos de

crime e para terem maior sensação de proteção.

De maneira geral, os participantes têm consciência do quanto o trabalho da polícia

contribui para o sentimento de segurança e insegurança. A boa polícia resulta na

sensação de segurança enquanto que a má polícia contribui para o sentimento de

insegurança. Esse sentimento de insegurança acontece porque o atendimento não é

satisfatório e isso ocorre por vários motivos: porque não existe policiamento na área,

porque a polícia não atende aos chamados da população, porque quando ela atende não

é eficiente ou, em casos mais graves, porque é conivente com os infratores. Na ausência

do serviço público de qualidade, uma das principais opções adotadas pela população tem

sido a adoção de esquemas privados de vigilância e policiamento.

Em seguida, quando os participantes foram questionados sobre a experiência que

têm com a polícia em seus bairros, focalizaram a discussão na avaliação do atendimento

que a polícia presta em suas regiões, fazendo um balanço sobre os resultados que

tiveram das tentativas de aproximação ou de solicitação do trabalho policial. Em vários

relatos os participantes falaram de suas experiências, mas sem identificarem a qual

polícia estavam se referindo, Militar, Civil ou Municipal. São histórias que, em sua maioria,

demonstram o mau atendimento prestado pelos policiais, o despreparo desses

profissionais e até casos de violência.

Apesar da avaliação negativa, alguns participantes tiveram boas experiências com

a polícia. A participante 17, moradora da Vila Madalena, afirma ter um bom

relacionamento com a Polícia Civil que atende a sua região. Disse que está sempre

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presente na DP e, por isso, algumas pessoas pensam até que ela é funcionária, o que faz

com que tenha permissão para colocar o seu carro no estacionamento da delegacia. Já

esteve duas noites de sábado no DP por causa das casas do bairro que são alugadas

para festas e disse que foi muito bem atendida. A avaliação positiva também está

presente na fala da participante 14, moradora do Jaraguá. Ela contou que a polícia que

atende os casos em sua comunidade ainda respeita os moradores, mas que isso

acontece porque se trata de uma comunidade muito organizada.

Entre os participantes que não tiveram experiências positivas com a polícia, houve

relatos interessantes que demonstram que, muitos deles, já tentaram colaborar com a

polícia, chamando-a quando necessário e dando informações. Os relatos mostram que

quando essas pessoas agiram com essa intenção, receberam um péssimo atendimento,

foram mal tratadas ou foram vítimas da violência policial.

O participante 12 relatou suas experiências com a Polícia Civil. Num primeiro caso,

em que sua moto foi roubada, disse que foi muito bem atendido pela polícia. Porém, num

segundo caso, também de roubo de moto, ele contou que foi tratado como criminoso e

que, na delegacia, foi levantada a hipótese dele próprio ter envolvimento com os ladrões e

que estaria registrando a queixa para tentar se isentar de qualquer culpa. Depois deste

segundo episódio ele resolveu vender a sua moto e passou a tomar maiores cuidados,

evitando sair de casa à noite, deixando de freqüentar alguns lugares, preferindo apenas

locais já conhecidos. O participante também falou sobre a dificuldade que uma pessoa

enfrenta quando vai procurar a polícia, porque a vítima se expõe e não há a certeza de

que o caso será solucionado e ela ainda pode ser acusada injustamente.

No caso da participante 11, moradora do Rio Pequeno, ela afirma que em sua

comunidade é preferível que a polícia nem seja chamada para atender as ocorrências,

apenas em casos extremos em que não haja outra alternativa. Isso porque ela e seu

marido tiveram problemas por terem denunciado a presença de um veículo

aparentemente abandonado. Ela contou que havia um carro abandonado próximo a sua

residência e que seu marido resolveu fazer uma denúncia à polícia para que

averiguassem se o veículo era roubado. Alguns dias depois, os policiais foram até a

residência da participante para interrogar seu marido. Ela conta que, além do

constrangimento sofrido, outro problema foi o fato dos traficantes do local ficarem

sabendo que a polícia esteve lá e que isso poderia gerar conflitos entre sua família e as

pessoas envolvidas no tráfico.

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Outra participante, 13, moradora do Jaraguá, contou um episódio que sugere um

despreparo dos policiais para lidarem com certas ocorrências. Segundo a participante, ela

e uma amiga tinham ido ao cinema quando uma delas percebeu que havia um grupo de

rapazes armado. Sua amiga resolveu contar ao policial o que tinha visto e, logo em

seguida, o policial a pegou pelo braço, a levou junto ao grupo e pediu que ela confirmasse

que a pessoa que estava armada era realmente aquela. Segundo a participante:

“Ele pegou no braço da minha colega e falou: ‘É esseaqui?’(risos), ‘É esse aqui que você estava falando?’. (...) Ela ficouvermelha... Os caras lá e ela não falou mais nada. Ficou vermelhae não falou mais nada. Aí, ela ficou sem saber o que falar. Pegou,olhou para ela e depois saiu. Ela sentou do meu lado e eu disse:‘Agora também eu vou morrer’ (risos) porque se ela sentou domeu lado. Ele vai ver que também sou amiga... Terminamos ofilme e deixamos eles saírem primeiro e a gente foi no meio damultidão. Se a multidão fosse para outro lugar, a gente ia também.Se não fosse para a casa da gente, a gente não ia. A polícia nãoestá preparada. Pegar a pessoa e mostrar ao bandido: ‘esse aqui?‘“

Isso mostra que, ao mesmo tempo em que a polícia reclama da falta de

cooperação da comunidade para a resolução dos casos, os participantes sugerem que

essa hesitação da população decorre de experiências negativas. Segundo os relatos aqui

apresentados, quando a população tenta ajudar a polícia, dando informações e indicando

os casos que deveriam ser investigados, com freqüência esta colaboração não é bem

recebida e em alguns casos, essas mesmas pessoas foram submetidas à situações

embaraçosas. Ao invés de serem vistas como colaboradoras essas pessoas é que foram

alvo da polícia ou tiveram a sua iniciativa exposta àqueles que estavam sendo

denunciados.

Além de acabarem virando vítimas do despreparo policial, os participantes

relataram casos que demonstram a frustração da população quando a polícia lhes nega

atendimento.

O participante 12, morador do bairro Raposo Tavares, contou que houve um caso

em que um homem tentou roubar o carro que estava na garagem de sua residência e,

momentos mais tarde, quando a polícia chegou, ele pediu aos policiais que fizessem uma

ronda pela área porque o ladrão tinha acabado de sair dali. Mesmo passando todos os

detalhes e dizendo que poderia reconhecer a pessoa, os policiais disseram que ele

deveria se encaminhar à delegacia. Esse caso reforçou a opinião do participante,

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segundo a qual a maioria dos policiais é corrupta, podendo ser comprada com pouco

dinheiro e que a dificuldade de pessoas “mais simples” serem atendidas e respeitadas

pela polícia é ainda maior que aquela de outras condições sociais. Contou ainda que

presenciou um roubo na Avenida Sumaré no qual os assaltantes, armados, fizeram os

ocupantes de um carro saírem e levaram o veículo. Logo em frente o participante disse

que viu um policial parado em um posto de gasolina e pediu que ele fosse atrás dos

assaltantes ou que pedisse ajuda pelo rádio. O policial disse que não poderia fazer nada,

que não tinha uma viatura disponível, ignorando o pedido de ajuda.

Os participantes foram quase unânimes, principalmente os pertencentes aos dois

primeiros grupos, formados por moradores de bairros de classe média e populares, ao

afirmarem que a polícia só é procurada pela população como o último recurso. Com

sabem que não serão bem tratados, essas pessoas recorrem à polícia somente quando

são atingidas diretamente por algum problema que requer o trabalho policial. Nas

discussões realizadas, houve relatos sobre pessoas que foram vítimas da violência

policial, entre elas, um dos participantes.

Os casos de abordagem violenta feita pela polícia também são freqüentes,

principalmente na fala dos moradores de bairros populares. A moradora da Cohab

Raposo Tavares, participante 7, relatou um caso de abuso policial. Segundo ela, em seu

bairro, um casal foi abordado pela polícia, dentro de uma pizzaria. Não é possível

identificar exatamente qual força policial que praticou as agressões relatadas, somente

que a Polícia Civil recomendou que a vítima não registrasse a ocorrência:

“Chegaram os policiais e mandou todo mundo por a mão nacabeça... Toda aquela humilhação que todo mundo sabe que elesfazem mesmo... O marido da menina, que tem cabelo comprido,ele trabalha com artes plásticas e não sei o que... pelo fato delefalar pro policial que ele era trabalhador, não precisava serempurrado... Foi espancado de uma forma covarde! Covarde! Foipara a delegacia, aquela delegacia que tem perto de você... fazerum BO. A delegada falou para ele pensar se ele queria fazer. Ocara estava todo machucado. Inclusive, ele foi bater na minhacasa. Aí, a gente foi procurar uns amigos que era escrivão e quetrabalha na polícia pra saber se a gente deveria ir naCorregedoria. Ele falou: ‘Olha, você pode ir dar parte, mas fiquesabendo que você vai ser perseguido e vai ter que mudar delugar...’. Pô! Se o cara não tem nem onde morar, mora de favor oumora numa ocupação, vai enfrentar a polícia? Vai enfrentarcomo?”

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Os participantes também relataram casos de violência e abuso policial envolvendo

pessoas de suas comunidades ou elas próprias. Um dos casos foi apresentado pelo

participante 2, líder comunitário no João XXIII, que foi vítima de uma abordagem violenta

realizada por policiais, durante a noite, em frente à sua casa. Disse que tentou se

identificar como o presidente da associação do bairro, fato que foi ignorado pelos policiais,

foi revistado e ameaçado com uma arma. O participante observa ainda que:

“Quer dizer: um puta desrespeito porque, pra começar, se fosseuma polícia que conhecesse a comunidade, devia conhecer aliderança da comunidade. Isso precisava? Aquele lá é fulano, aliderança da comunidade... Quando eu falar: “Não, eu sou...”, iamolhar e pensar: “Não, eu tô conhecendo”. Eles não procuram fazerisso e eu acho que eles têm muito mais amizade com abandidagem do que com as pessoas de bem do bairro...”

Além da violência, a negligência por parte da polícia também esteve presente na

fala dos participantes. São casos em que há a estreita observância das normas por parte

de alguns policiais, em detrimento do bem estar da população. No caso do Jd. D’ Abril, o

participante 3 disse que os moradores conhecem as pessoas que causam problemas no

bairro. Há um rapaz que a família mora há anos no bairro, todos sabem que ele está

envolvido em vários assaltos mas nada pode ser feito. Contou que, durante um assalto a

uma padaria, realizado pela “garotada” do bairro, ele telefonou para o Copom, de um

orelhão próximo ao local do assalto. Como esse telefone está localizado em Osasco, os

policiais chegaram e se recusaram a atender a ocorrência porque não poderiam atuar

foram do limite do município pois a padaria está localizada em São Paulo. Quando uma

nova viatura foi enviada, mais de uma hora depois do assalto, os policiais abordaram o

participante 3 e o dono da padaria e os revistaram. Apesar das vítimas do assalto darem

informações aos policiais, eles apenas deram algumas voltas pelo bairro e foram embora

porque o turno deles estava acabando. Ainda sobre os garotos que se envolvem em

assaltos o participante contou que:

“Nós já vimos situações que a polícia parou e enquadrou ele.Pegou ele armado, tomou a arma, deu uns tapas na cabeça delee mandou ele embora... Ele ainda sai e tirou o sarro: ‘Pô! Os carasme deram prejuízo’.”

Além da violência direta exercida pela polícia, em alguns bairros ela também

demonstra não estar preocupada em prender as pessoas que cometem os delitos em

determinadas áreas e até serem coniventes com os infratores. Por essas experiências o

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participante diz que prefere a polícia da década de 80, mais repressiva, que “não trocava

muita idéia não, já mandava logo pro saco e pronto”. A participante 7 responde a essa

afirmação dizendo que essa polícia já existe, que moradores da periferia são

assassinados diariamente e que a pena de morte é aplicada.

Mesmo diante de relatos de constrangimento da população diante da polícia, os

participantes também aprofundaram os problemas que atingem a própria corporação.

Desenvolveram a idéia de que as falhas da estrutura policial impedem a eficiência da

polícia. Um dos participantes contou sua experiência na qual pode perceber a

desorganização do sistema policial e a humilhação à qual os próprios policiais são

submetidos pelo seu comando, apontando dois problemas. A estrutura da PM e a

submissão à qual os policiais estão sujeitos que, segundo este participante, impede que

eles tenham apoio de sua própria corporação para atuarem na repressão ao crime e os

sujeita ao destrato dos superiores para com os subordinados. Em segundo, destacou a

falta de comunicação entre a alta cúpula e a base da PM. Enquanto os chefes afirmam

que o trabalho ocorre de uma maneira, os executantes estão agindo de outra. O

participante chegou a essas conclusões após entrar em contato com a Secretaria de

Segurança Pública para o caso do terreno invadido:

“Ele duvidou, assim, na cara do que nós estávamos dizendo. Orepresentante da SSP dizia que recebia o relatório sobre asrondas que eram realizadas naquela região. Porém, os moradoresestavam lá para dizer que não havia policiamento algum. Só maiseste fato: houve então todo o procedimento um mês depois dadesocupação. Coisa de 500 policiais, com todo aquele aparato.500 policiais ficaram de prontidão como no exército. Assim, aquelegrupo em fila indiana, etc e tal... Eles chegaram lá 5 ou 6 horas damanhã. Ficaram lá olhando os sem terra e o que eles fizeram?Uma barreira humana com mulheres e crianças e humilharamaté... o máximo possível... Às 4 horas da tarde eles receberamuma ordem, vindo não sei de onde: Não, olha, vai pra casa. Então,eu vi a fisionomia desses homens. Policiais que chegaram às 4 ou5 da manhã, eles devem ter levantado às três para estar lá e às 4horas da tarde alguém fala: ‘Turma, vamos embora pra casa’.Foram humilhados, o pessoal jogava ovo, banana... Como é quefica a pessoa do policial sabendo que ele levantou as 3 da manhãpra fazer uma ação que já tinha a assinatura do juiz e estava tudodefinido? E, alguém, politicamente: ‘Pera aí, vamos deixar, fazsemana que vem...’ Então, temos que dividir muito bem: temosque cobrar responsabilidades das camadas superiores da polícia,dos coronéis e tal... que simplesmente fajutam os relatórios e comisso eu acho que metade dos policiais vão se tornar gente como agente...”

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Para esse mesmo participante, há momentos em que os policiais ficam impedidos

de executarem seu trabalho de maneira satisfatória. Relatou que o terreno que foi

ocupado próximo a sua casa virou local para esconderijo de bandidos e, segundo ele, a

polícia não tem permissão para entrar nessa área. Contou que houve um caso de assalto

em que os policiais perseguiram um veículo que acabou entrando nessa área, os

moradores puxaram uma corda e impediram que a polícia continuasse a perseguição.

Todo esse caso foi transmitido por um canal de TV e segundo o participante:

“Então, o helicóptero desse programa filmou a corrida e filmoueles entrando lá dentro. Depois, rapidamente, eles mandaram umrepórter para falar com as pessoas. O repórter falou com opolicial: ‘Escuta seu sargento, vocês não vão entrar aí?’. ‘Não.Não, precisa ver... Estamos aguardando ordens pra entrada’.Então, o repórter começou a entrevistar os mandantes dos semterra e a resposta foi essa: ‘Nós temos um acordo com o governoe aqui é proibido vocês entrarem...’ Então, imaginem o impasse:16 policiais, um sargento ou dois, sei lá, os mandantes lá dapolícia querendo entrar na área, uma corda e um monte de gentefechando a entrada... Então, você imagina a pressão psicológicaque esses policiais passaram em não poder entrar porque osbandidos falaram: ‘Não, aqui vocês não podem entrar’. E orepórter instigando: ‘não, pera aí...’ O carro ficou filmando láhoras, a polícia também ficou por lá até que teve uma hora queeles tiveram ordem de voltar pra trás outra vez.”

Além de todas as deficiências apontadas no trabalho policial, os participantes

falaram sobre as deficiências materiais e sobre o processo de privatização pelo qual a

polícia vem passando, os quais perceberam a partir das experiências que tiveram com a

polícia de seus bairros.

A falta de condições materiais e recursos humanos foi colocada como um dos

pontos que dificultam o trabalho da PM. De maneira geral, a polícia atende as solicitações

na área da Vila Madalena, segundo a participante 17, moradora desse bairro. Porém, a

carência de viaturas e de policiais disponíveis para atenderem aos chamados faz com que

a população não tenha o serviço no momento necessário, sobretudo no período noturno

que é quando acontecem os problemas no bairro. Apesar de terem conseguido um

policiamento mais constante na área de uma escola do bairro, a participante 17 contou

que esses policiais são muito inexperientes e que quando surge um problema telefonam

para ela ou para uma outra integrante da associação de moradores.

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Para a participante 22, moradora do bairro do Morumbi a relação entre população

e PM passa por um processo de privatização. Ela explica que os moradores do bairro

estão fazendo contato diretamente com o comandante da área para estabelecerem

“contratos individuais” de serviço:

“Então, eles começam a trabalhar só com a segurança privadaoficial. Dessa forma, e é isso que eu venho batendo, a segurançaprivada oficial está se instituindo cada vez mais, de forma aprejudicar uma população toda. Nós temos tido problemasincríveis. Se alguém de Paraisópolis ligar e pedir, ou mesmo lá daSuperquadra Morumbi, eles não vão. Mas, se alguém de nívelbom tiver contato com eles, tiver um telefone direto, inclusive, emalguns lugares, chegaram a comprar celular para os policiais, paraque os policiais diretamente atendessem a eles. Então, táhavendo isso, os comandantes de companhias são donos deempresas privadas, muitos!?! Alguns tomam conta... dividem aárea. Eu estou sabendo que existe comandante que toma contado Carrefour, o outro toma conta de Extra, o outro toma contadisso e eu já vi várias vezes carro de Polícia encostado dentro doExtra Morumbi, escondido. Quer dizer, está fazendo segurançaprivada. Isso, para nós, é terrível porque estão desviando afunção.”

Essa mesma participante falou sobre sua experiência, nas reuniões de Conseg e

na Comissão de Segurança da Assembléia Legislativa sobre a participação de

representantes da segurança privada, num período próximo às eleições. Por isso ela

ressaltou que a população deve estar mais atenta às políticas públicas e à legislação

porque muitas irregularidades têm início nessa esfera.

A participante 17, proprietária de uma empresa de transporte, completa que o

problema não é apenas a privatização da segurança pública ou o envolvimento de

policiais com a segurança privada. Para ela há inclusive o envolvimento de policiais com

as Seguradoras:

“Olha, nós temos empresa de transporte. Eu não preciso nem tefalar para vocês o que temos passado, nos últimos 3 anos, emrelação a roubo de cargas. (...) Nós tivemos, no ano passado só(...), 14 caminhões roubados com carga e tudo que tem direito.Inclusive, num dos casos, o motorista morreu. Então, você estáfalando que existe Delegado que diz que é babá de preso, não. Euacho que existe alguma coisa muito maior por trás, porque,infelizmente, a gente tem de conviver com isso. Não é só umaempresa de Segurança ali ou um morador que tem uma afinidademaior ou tem um celular direto com qualquer Coronel. Mesmoporque, o meu vizinho é Coronel, e a casa dele já foi assaltada 2

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vezes. A coisa é um pouco... sabe? Não é bem... não sei, vocêdesculpa, eu não estou lá dentro para saber, estou falando defora, né... E a gente vê que tem Seguradora no meio.”

E a participante 22, moradora do Morumbi completa afirmando que:

“Com relação à Seguradora, é o seguinte: quando é roubado oseu carro, já tem alguém ligando e dizendo: ‘Eu sou da empresatal, se você quiser eu acho o seu carro, você me paga tanto e tal’.E ninguém sabe disso? Você só deu a notícia para a Polícia.Como é que ele está sabendo disso? Entendeu? Existe uma máfiapor de trás de tudo, é uma corrupção. A gente sempre fala nasreuniões:’“Gente, Polícia Privada, esse pessoal é perigoso. Alémde tudo não tem poder de oficial’. Então, a gente prestigia o oficial,cobra do oficial e supervisiona o trabalho dele que é melhor.Quando a sociedade organizada fizer isso vai ter...”

O ponto em comum entre os participantes é o fato de todos reconhecerem que o

trabalho prestado pela polícia é insatisfatório. O que aparece de forma menos

contundente entre alguns participantes é a percepção que a polícia trata a população de

modo diferente, melhor ou pior, de acordo com a condição econômica de cada um. Esse

ponto foi levantado pelos participantes de forma espontânea. Enquanto os moradores de

bairros nobres reclamam do serviço ineficiente da polícia, os moradores de bairros

populares não só têm a mesma queixa como também relatam que são agredidos por ela,

o que os leva a perceber diferenças no tratamento.

Para o participante 12, morador do Raposo Tavares, no Brasil, a polícia trata de

maneira diferente ricos e pobres. Segundo ele, num bairro popular a polícia age de

maneira agressiva e não respeita a individualidade dos moradores, enquanto que, num

bairro de classe média, age educadamente e pedindo licença para entrar nas residências

e isso é um dos motivos da má fama da polícia. Isso foi confirmado pela participante 22,

moradora do Morumbi, que disse que sempre sabe dos casos de maus tratos policias

contra os moradores da favela de Paraisópolis e que a polícia não age da mesma maneia

com os moradores do Morumbi. Outra participante disse que além da classe econômica, a

faixa etária também é determinante no tratamento dispensado pelos policiais e que os

jovens são alvo da violência policial. Ela contou que sua casa é muito freqüentada por

jovens de várias idades, amigos de seus filhos e que o que ela percebe é que dentro

desse grupo, as garotas não têm muitos problemas enquanto que os meninos,

independente de classe econômica são sempre mal tratados.

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Parcerias polícia e comunidadeQuando questionados sobre parcerias atuais ou passadas entre comunidade e

polícia, o principal trabalho lembrado e citado pelos participantes foi o Conseg –

Conselhos de Segurança. Nas falas há elogios e críticas às pessoas que atuam e à forma

de trabalho realizada pelo Conselho.

Os participantes 14, 15 e 22 fazem uma avaliação boa do trabalho desenvolvido

pelos Consegs de seus bairros. Esses casos são aqueles em que a população conseguiu

estabelecer um canal de diálogo com a polícia e onde alguns avanços na segurança já

puderam ser constatados. No bairro do Jaraguá várias melhorias foram conseguidas

depois do início do trabalho do Conseg, que atua em parceria com a Associação e possui

um posto policial móvel e policiamento comunitário. Nas duas escolas do bairro a

presença policial também é constante e, segundo a participante dessa região, o policial “é

amigo dos alunos” e não está lá para reprimi-los, mas para desenvolver um trabalho com

eles. O vínculo entre a comunidade e os policiais do Conseg nesse bairro é algo bem

estabelecido, já que nessa comunidade eles têm acesso a um telefone direto para

contatar a polícia. Por causa dessa relação mais estreita, os participantes consideram que

os casos de violência no bairro são menos freqüentes, de menor gravidade e sabem que

podem contar com a polícia no monitoramento das atividades e festas que são realizadas

na comunidade. Ao mesmo tempo que a parceria entre a comunidade e a associação tem

rendido algumas melhoras na questão da segurança, algumas pessoas da comunidade

ainda têm receio quanto a presença constante da polícia:

“Festas juninas, por exemplo, a gente liga, não pra eles irem láassustar ninguém, mas para dar uma passada. Eu ainda acreditoque ele possa vir, como eu diria, não para assustar, mas quemsabe impor um pouco de respeito, porque se eu mesma nãoacreditar que ele possa fazer isso eu vou me vestir de farda e voupara rua. O meu filho, quando tinha 4 anos, dizia: ‘olha a polícia,vai matar’, eu falei ‘polícia não é só para matar, polícia é pra isso,isso e isso’. Então, a geração já vem com essa idéia de que apolícia é para matar também. Os nossos conceitos, valores forammudando. Mas, nós temos um trabalho com o Conseg e tem dadocerto. Inclusive, essa diretoria que ganhou ontem vai estartrabalhando para trazer um posto móvel e já deixou bem claro quenão é para assustar ninguém, é só para manter a ordem para quea coisa não extrapole. Porque lá é um ponto pequeno, umacidadezinha, bairro pequeno, mas já tem droga por tudo que écanto! Você olha para cara de um e não sabe quem é drogado.Olha na cara do outro e não sabe quem é o traficante. A políciainfiltrada, quem sabe, diminui isso.”

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O participante 15 também afirmou que a parceria entre associação e Conseg já

conseguiu desenvolver alguns trabalhos em seu bairro. A associação de moradores do

Jaguaré, em conjunto com os comerciantes de uma área do bairro, construiu com

recursos próprios, um local onde deveria ser instalado um posto policial. O posto

funcionou apenas no início e, atualmente, está abandonado mesmo tendo uma boa infra

estrutura. O participante contou que a polícia alega que as viaturas têm que ficar

percorrendo o bairro e não podem ficar paradas naquele posto. Apesar desse trabalho

não ter surtido efeito, o participante diz que as reuniões são realizadas periodicamente,

que o policiais são muito atuantes, participam das reuniões e conseguem desenvolver

algumas iniciativas dentro do que é possível para eles.

A participante 22 ressalta a importância de se promover uma aproximação entre

população e polícia para melhorias da segurança pública e a necessidade de se

formalizar as iniciativas de parceria já existentes para atribuir a elas o caráter institucional.

Como o funcionamento do Conseg é resultado de um decreto Lei, do ex-governador

Montoro, a participante relatou sobre a requisição que os participantes do Conseg fizeram

para que a Assembléia Legislativa regulamentasse o Conseg em lei e que não tinham

sido atendidos:

“A gente pediu nesse ano para que a Assembléia regulamentasseem Lei. Isso tem que vir do executivo, do governador. O que foifeito foi uma barbaridade. Entrou na pauta uma coisa totalmentelouca, que não dava nem para ler. Então nós tivemos de pedir queentrasse um complemento e isso não foi porque retiraram dapauta. Então, não há interesse do próprio Governo em que apopulação trabalhe melhor com a segurança. Porque nós somospopulação, nós somos representantes da população, osPresidentes de Conseg e os Consegs a representam. Mas, nãoexiste boa vontade política e, por detrás, tem uma grande massade corrupção, corrupção política também.”

Essa mesma participante falou sobre as dificuldades que os participantes do

Conseg enfrentam. Umas dessas dificuldades são os constantes pedidos de doação que

a polícia faz aos moradores do bairro. Constantemente há reclamações por parte dos

policiais de que as viaturas estão quebradas ou que não há material para trabalhar e os

moradores acabam colaborando financeiramente para contornar esses problemas mas,

às vezes, duvidam da veracidade da história. Segundo a participante, houve uma matéria

veiculada na Rede Globo mostrando que havia material disponível para as polícias e que

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o problema era que os responsáveis pelas requisições não estavam enviando os pedidos

e o material ficava guardado. Isso criava um mal estar entre os participantes do Conseg

porque nas reuniões os policiais diziam uma coisa e a reportagem dizia outra. Na sua

opinião, as reuniões realizadas pelo Conseg têm se tornado o espaço para desabafo e

para as reclamações dos próprios policiais. A participante acrescentou que o governo não

dá apoio aos Consegs. Segundo ela, a estrutura é precária, são apenas três pessoas: um

PM, um PC e o próprio assessor do Secretário de Segurança que coordenam os Consegs

e, por isso, eles estão sempre inacessíveis para os presidentes dos Consegs.

Outros participantes afirmaram que não tiveram experiências muito produtivas com

o Conseg. O participante 3, morador do Jd. D’Abril, disse que em seu bairro o Conseg não

trouxe nenhuma melhoria porque as pessoas que dele participam não conhecem a

realidade do bairro e porque, na verdade, não há uma discussão entre polícia e

comunidade sobre os problemas de segurança. Outra participante, 7, moradora da Cohab

Raposo Tavares, também afirmou que não participaria do Conseg em seu bairro porque,

partindo da experiência de seus conhecidos, percebeu que não há mudanças nem

melhorias na região. O participante 2, morador do bairro João XXIII disse que o Conseg

da sua região também não funciona. A tentativa de aproximar a população da polícia não

aconteceu, segundo ele, porque a polícia tem ligação com os traficantes do bairro e, por

isso, também evitam qualquer contato com as lideranças da comunidade.

Outro trabalho de aproximação da polícia com a comunidade e que foi elogiado

pelos participantes das discussões foi o Proerd – Programa Educacional de Resistência

às Drogas e à Violência, desenvolvido pela Polícia Militar. Apesar da avaliação positiva do

conteúdo do curso e da iniciativa, houve críticas à forma como o projeto foi conduzido. Um

dos participantes, morador do Jd. D’Abril, falou sobre a experiência de sua filha que teve o

curso ministrado por PMs em sua escola e elogiou a iniciativa. Porém, outra participante,

7, moradora da Cohab Raposo Tavares, disse que esse mesmo trabalho não teve

continuidade na escola da sua comunidade e, por isso, não surtiu efeito. Ela afirmou que

esse contato se deu apenas no período do curso e depois dele os policiais não voltaram

mais. Para ela a discussão foi limitada porque não deveria envolver apenas os alunos das

escolas, mas também os pais e a comunidade porque a questão das drogas não está

restrita à escola. Esta participante mostrou sua insatisfação ao afirmar que além desse

trabalho, já havia participado de várias tentativas de aproximação entre comunidade e

polícia e que nenhuma delas tinha dado algum resultado.

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Além do Conseg e Proerd, os participantes apontaram outras parcerias que têm

por objetivo a aproximação entre comunidade e polícia. Na maioria dos casos são

reuniões realizadas entre as lideranças locais e representantes da polícia. O participante

5, morador do Butantã disse que a Associação da qual participa, há seis anos, tem boas

relações com a PM e que os representantes conheciam não só os policiais que atuavam

na área mas também o comando. Isso possibilitou troca de informações e uma melhora

no relacionamento entre polícia e população. Por conta dessa proximidade ele diz que o

bairro tem um bom policiamento e que o atendimento é satisfatório. A participante 11,

moradora do Rio Pequeno, não soube afirmar com certeza mas disse que ouviu que,

como seu bairro não tem um posto fixo da polícia, alguns moradores e comerciantes da

região estão tentando trazer para o bairro um posto da polícia comunitária e que já foram

realizadas várias reuniões para discutir a viabilidade do projeto. A participante 17,

moradora da Vila Madalena disse que os moradores da região estão freqüentemente

realizando reuniões com a Polícia Militar, principalmente com os integrantes do posto que

fica localizado no Parque Villa Lobos.

Outros participantes demonstraram que têm um envolvimento mais profundo com

a polícia e participam de vários eventos. A participante 22 tem intensa participação em

trabalhos conjuntos entre a polícia e a sua comunidade. Além de ser membro de uma

associação que tem representantes de vários bairros da região oeste de São Paulo e tem

sede no mesmo espaço onde funciona o Conseg Morumbi, ela já participou de

seminários, fóruns, palestras e reuniões, participou de projetos relacionados à Polícia Civil

com a comunidade e disse estar estudando, mais profundamente, os problemas da

polícia. Foi uma das idealizadoras de um evento que teve a participação de ONGs,

entidades de bairro e departamentos das polícias Civil e Militar. O objetivo desse evento

foi o de aproximar a polícia da comunidade e apresentar a ela quais são e como

funcionam os órgãos da polícia. Desta experiência ela afirma que foi muito difícil ter o

apoio das polícias porque houve muita demora na confirmação da participação no evento

e pelo pouco interesse que demonstraram.

Outra participante, 9, também moradora do Butantã, há 13 anos participa de

trabalhos voltados para a polícia e, atualmente, faz parte de uma comissão de valorização

e motivação de policiais e da comissão de polícia comunitária da Zona Oeste. Ela

explicou que a estrutura hierárquica submete alguns policiais a situações muito

constrangedoras e que muitos deles se sentem desmoralizados em determinadas

situações, o que leva a uma falta de motivação no trabalho. A participante disse que

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procurou o Instituto de Psicologia da USP para que eles fossem parceiros num projeto

para levar atendimento psicológico para as delegacias. Em uma DP e no Batalhão da PM

foi iniciado um trabalho de escuta psicológica que atende às vítimas de qualquer tipo de

violência e também aos policiais.

Em termos gerais, há alguns temas que marcam o contato que a população tem

com a polícia. Com exceção a alguns casos, o que predomina na fala dos participantes é

a ineficiência, um serviço de má qualidade, agressividade e até mesmo a perda do papel

de agente público da segurança. Tendo como fundamento as colocações dos

participantes, parece haver alguns fatores que determinam, na maioria dos casos, o

relacionamento da população com a polícia. O fator dinheiro esteve presente em várias

falas. Tanto os moradores de bairros populares quanto alguns moradores de bairros

nobres compartilham a idéia de que as pessoas de classes econômicas mais baixas

recebem, com mais freqüência, um mau tratamento da polícia. Isso inclui a falta de

atendimento ou até mesmo o uso da violência e a percepção do envolvimento de policiais

com os criminosos. Por isso, para boa parte dessas pessoas, a polícia tornou-se uma

estância à qual se recorre apenas quando não há mais nenhuma outra opção. No caso

dos moradores de bairros nobres, o mau atendimento fica restrito ao serviço ineficaz, que

não produz resultados. Faz-se exceção apenas ao tratamento diferenciado que a polícia

dá aos jovens, independente de sua condição econômica.

Outro fator importante é a existência de um relacionamento prévio com a polícia,

que pode ocorrer de duas maneiras. Quando existem boas relações com alguém da

chefia da polícia ou quando a relação é resultado da atuação em trabalhos feitos em

parceria, entre polícia e comunidade. Conhecer pessoas que tenham alguma influência

dentro da polícia, ou simplesmente ter contato com algum policial de sua região, pode ser

o meio de se conseguir um atendimento “especial”, ou seja, um atendimento como

deveria ser o tratamento usual. Ao mesmo tempo, conhecer mais profundamente como

funciona o trabalho da polícia e ter algum envolvimento em assuntos referentes a

segurança pública permite que as pessoas desenvolvam maior confiança no trabalho da

polícia e, como mostram os depoimentos dos participantes, faz com que tenham uma

opinião mais otimista desse trabalho. Enquanto algumas pessoas já desistiram de

qualquer iniciativa, desestimulados por experiências anteriores, para pensar em melhoras

para a segurança pública, muitos dos participantes ainda tentam fazer alguma coisa para

mudar esse quadro. Dentre estes, os que conseguiram efetivar alguma parceria com a

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polícia e a têm como algo mais próximo no dia a dia são os que conseguem ter uma visão

mais detalhada e mais positiva do trabalho policial.

A polícia desejadaA parte final da discussão procurou explorar o que os participantes entendem por

um policiamento ideal e que expusessem como deveria ser realizado esse policiamento.

Porém, ao invés de falarem sobre como seria esse policiamento, os participantes fizeram

o processo inverso, partiram do modelo oposto, de como o policiamento não deveria ser.

Dentro desse raciocínio, colocaram em evidência o policiamento atual e, diante das

experiências que já tiveram com essa polícia, afirmam que ela não deveria ser como é

hoje. Os participantes não expuseram qual modelo gostariam de ver implementado,

apenas expuseram as características que essa polícia desejada pela população deveria

ter e ressaltaram a certeza de que o modelo adotado atualmente não é o ideal. Ao

desenvolver as idéias sobre o policiamento desejado, os participantes acabaram expondo,

implicitamente ou explicitamente suas teorias e seus conceitos sobre a polícia.

De maneira geral, os participantes gostariam que a polícia fosse totalmente

voltada para o policiamento comunitário. O que eles entendem por policiamento

comunitário é, uma polícia que esteja presente no bairro, realizando um policiamento

preventivo e ostensivo. Para isso, ela não só conheceria as pessoas desse bairro como

contaria com a participação delas para as discussões sobre a segurança da área. Trata-

se também de uma polícia educada, eficaz e ágil, que atende a todos da mesma maneira

e é respeitada pela comunidade ao mesmo tempo em que a respeita. É também uma

polícia reconhecida por seu treinamento de qualidade e pelo uso de técnicas modernas e

seguras.

Para os participantes dos três grupos focais, a corrupção é um dos principais

problemas do Brasil porque está presente nas mais diversas esferas institucionais e em

todos os níveis. Consideram que a população brasileira aceita e participa da corrupção e

que, em determinadas situações, a corrupção é vista como a forma “natural” de

funcionamento de algumas instituições, entre elas, a polícia. Ou seja, para os

participantes a polícia é corrupta porque os brasileiros são corruptos. Essa corrupção

generalizada é que faz com que os policiais tratem de maneira diferenciada pessoa

pobres ou ricas e que participem dos negócios de tráfico e crime organizado. Isso acaba

resultando na descrença generalizada de que nada pode ser feito para solucionar os

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problemas, do Brasil e da polícia. Apesar dessa grande descrença, vários participantes

sugeriram medidas que ajudariam melhorar o problema da segurança pública.

Dentro da questão do policiamento ideal, enquanto alguns participantes deram

ênfase a aspectos que dizem respeito à relação entre polícia e comunidade, dizendo

como eles gostariam que a polícia tratasse a população, outros enfatizaram aspectos da

estrutura policial, apontando como deveria ser essa estrutura ou os equipamentos

utilizados pela polícia.

O envolvimento da polícia com a comunidade na qual presta seus serviços e a

qualidade desses serviços são os pontos centrais dos relatos dos participantes. Em todos

os grupos ficou claro que a população deseja um policiamento no qual possa confiar, e à

qual possa procurar quando precisar. Essa polícia seria uma polícia de confiança da

população porque seria formada por policiais que conheceriam, não só as pessoas que

vivem no bairro, como também participariam das discussões e saberiam onde estão os

principais focos de insegurança na área onde atuam. Os comandantes da polícia também

teriam um importante papel na participação dessas discussões, ouvindo o que a

população tem a dizer e ajudando a colocar em prática as suas sugestões. Isso, segundo

os participantes, são mudanças que poderiam ser implementadas de maneira rápida.

Para alguns participantes esta participação da população deveria abranger até mesmo a

escolha dos policiais que fariam a segurança do bairro, essa atividade deveria ficar a

cargo da associação de moradores que teria a autonomia para “eleger” os policiais

comunitários que atuariam na região do bairro.

O participante 2 acrescentou que não apenas os responsáveis pela segurança

deveriam participar das discussões, mas também os secretários de várias áreas, do

Município e do Estado porque, na sua opinião, é necessário “envolver a questão social”,

caso contrário, de nada adiantará melhorar a polícia. O participante ressaltou que a

preocupação em relação à segurança não se restringe apenas à polícia, mas a todas as

medidas tomadas pelos governantes. Ainda nesse mesmo sentido, o participante 21 falou

que as forças deveriam ser sistematizadas para que vários órgãos do governo

participassem da discussão sobre segurança. Ele considera que dessa maneira, com a

participação dos guardas metropolitanos e dos “marronzinhos”, a discussão poderia ser

mais ampla e poderia apresentar propostas mais coerentes. Outro item apontado foi a

inclusão dos planos diretores da cidade na discussão sobre segurança. Os participantes

entendem que esses planos afetam pontos importantes que têm grande impacto na

segurança da cidade. Nesse sentido, para a participante 22, é necessário que o governo

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se empenhe em efetivar as políticas públicas e que a população possa participar desse

processo.

Ainda no tocante ao relacionamento entre polícia e comunidade, a polícia que os

participantes desejam é aquela que trata com educação todas as pessoas que a

procuram e que desempenha sua tarefa com habilidade e agilidade. No entanto, a

experiência dos participantes aponta que isso não ocorre quando precisam procurar a

polícia. Um dos participantes afirma que o tipo de atendimento prestado pela polícia

depende de relações pessoais. Conhecer alguém da polícia, sobretudo alguém dos altos

escalões, é uma garantia de um bom atendimento. Em caso contrário, quando não há

nenhum tipo de influência, muitas pessoas nem se preocupam em registrar as ocorrências

e desistem de procurar a polícia para evitar constrangimentos. Como relatou na

discussão:

Participante 12: “Enquanto isso não mudar, o que acontece? Apopulação não tem nenhuma crença na polícia, a população nãoacredita. Acontece vários e vários casos e a população não vainem registrar porque, chega lá, é capaz de virar vítima porque sãotão, vamos dizer assim, desvalorizados como pessoa que se elefalar qualquer coisa lá, se alterar a voz, é capaz de ficar preso ládentro. Aí vem a ação da polícia. Por exemplo, o policial,infelizmente, é assim: quando ele coloca a farda, revólver na cintaele é um rei... Não é assim! Ele tem aquela farda para agir comocidadão e para defender a população e não usar aquilo comoforma de agredir as pessoas... Isso é o que a população sente. Agente sabe disso e conversa com a maioria da população. Temtanta, tem tanta gente que tem medo de falar com policial...Infelizmente é isso. E vem dizer que a polícia mudou. Não mudounada. Porque dependendo do que você vai conversar com umpolicial, ele é capaz de agredir você.”

Para quase todos os participantes, essa relação entre polícia e comunidade só

pode ser efetivada através do policiamento comunitário. Pelas definições dos

participantes, esse policiamento seria, em sua essência, realizado por policiais mais bem

treinados, que atuariam numa determinada área, que teriam conhecimento da população

dessa área e que pensaria a questão da segurança a partir da colaboração dos líderes

locais. A participante 22, moradora do Morumbi, falou sobre as dificuldades de ser

implementado esse tipo de trabalho na polícia brasileira. Segundo ela, a própria polícia já

faz um recorte daqueles que teriam o perfil adequado para trabalharem no policiamento

comunitário. Não é algo incorporado a toda a estrutura policial, porque se trata de uma

filosofia que é aplicada apenas a um grupo que é treinado para atuar especificamente na

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polícia comunitária. Isso divide a polícia entre aqueles que recebem um treinamento

voltado para o policiamento comunitário e aqueles que não têm nenhuma ênfase na

questão da relação polícia e comunidade. Além disso, a mesma participante pensa que

muitos jovens que resolvem ingressar na polícia já fazem essa opção com o objetivo de

ter uma remuneração garantida sem muita cobrança e de ter a possibilidade de ganhos

extras, sem se preocuparem em terem um comprometimento com a comunidade.

Os participantes entendem que a relação estreita entre polícia e comunidade será

um meio de criar uma cumplicidade entre os dois, o que acaba tendo dupla função:

facilitar o trabalho policial e proporcionar maior sentimento de segurança à população. O

participante 1, morador da Lapa, destacou a importância do respeito mútuo entre polícia e

comunidade para que seja desenvolvido um bom trabalho. Para ele, o policial ideal é

aquele que é respeitado pela comunidade, porém, para que isso aconteça o polícia

também deve demonstrar respeito a essa mesma comunidade. Como exemplo, o

participante cita a polícia dos Estados Unidos.

“O policial é respeitado quando ele para alguém. Se ele tocar asirene, todo mundo já sabe que é pra encostar. Só que ele é umcidadão educado, te trata com respeito, com dignidade, porém éfirme. Quando você vai contra argumentar alguma coisa ele nãoaceita. Por que não aceita? Porque ele conhece a lei, ele temformação, ele é bem formado e bem informado. Então, quando eleparou você é porque ele já tem a sua multa pronta na mão, se forno caso trânsito, já tem a sua ficha na mão. Então, para ele nãoresta nenhuma dúvida. Ele é um cidadão absolutamente beminformado e quando ele te parou é porque ele já constatou suainfração, já registrou sua infração, já deixou pronto aquilo e sóparou pra notificá-lo. ‘Está aqui a sua multa, o senhor precisaassinar e depois recolher isso aqui’. Quando eu vou contraargumentar só tem duas interpretações: ou estou afrontando ouestou querendo suborná-lo. Então, quando a gente vê aquelahistorinha que a gente vê em filme: ‘O senhor tem direito de ficarcalado e tudo o que disser poderá ser usado contra sua pessoa’, éuma realidade porque ele é preparado pra isso. Esse deveria ser overdadeiro policial que nós deveríamos ter.”

Outros participantes não conseguiram definir como seria essa polícia ideal, apenas

deram sugestões de que ela deveria ser diferente da que existe. A participante 11,

moradora do Rio Pequeno, afirmou que a polícia ideal deveria ser “um sonho”. Quando

questionada para que definisse essa polícia do “sonho”, outro participante, 12,

interrompeu dizendo que essa polícia seria como a do Canadá. Uma polícia que dá um

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bom tratamento às pessoas que a procuram, sobretudo quando se trata de pessoas mais

humildes e que não atua de maneira personalista, tratando a todos da mesma maneira.

Ao invés de existirem duas polícias, uma para pobres e outra para ricos, para todos os

participantes a polícia deve ser ágil e educada com todos, sem distinção. Dentro disso, foi

lembrada a importância de ser trabalhada a questão da discriminação racial entre os

policiais como forma de criar e solidificar uma conscientização entre eles. Com isso, todos

se sentiriam motivados a irem até uma delegacia para registrarem as ocorrências porque

perceberiam que essa é uma ação válida que pode trazer algum retorno, algum resultado.

Os participantes deram sugestões não só sobre o tratamento que os policiais

devem dar à população como também sobre a estratégia do policiamento. Nesse aspecto,

o destaque fica para uma estrutura que privilegie o policiamento na rua. Para tanto, a

polícia deveria disponibilizar mais homens para o policiamento de rua porque é muito

mais barato agir de forma preventiva do que ter que deslocar um grande efetivo para

atender uma ocorrência. Ao mesmo tempo, isso também é importante, segundo os

participantes, porque se o policial estiver na rua, conhecerá as pessoas da comunidade

onde vai estar atuando e isso permite que ele desenvolva um trabalho de melhor

qualidade. O policiamento ideal é aquele realizado pelos policiais que conhecem a região,

que fazem o policiamento a pé e conhecem todos os moradores e comerciantes da

região. Sugerem ainda os participantes que esse policiamento seja realizado por uma

dupla desarmada, responsável por um determinado setor do bairro, portando apenas

rádio para comunicação e cassetete.

A participante 9 também concorda com esse tipo de policiamento. Reafirma que o

policiamento tem que ser preventivo e ostensivo e que para o policiamento comunitário

poder ser implementado é necessário que sejam realizadas algumas mudanças na

legislação, no entanto, a participante não especificou quais seriam essas mudanças.

O policiamento ideal, pensando na realidade brasileira segundo os participantes

seria o policiamento realmente ostensivo, com policiais presentes nas ruas e respeitados

pelas pessoas. A participante 18 afirmou que essa polícia deveria ser mais agressiva, não

no sentido da violência física, mas de uma presença mais incisiva. Nesse momento o

participante 21 fez uma brincadeira, dizendo que a participante estava querendo a Rota

na rua, ao que ela reagiu dizendo:

“Não. Rota, não. Mas eu quero o policial na rua.”

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Outro empecilho para a efetivação de um bom policiamento no Brasil, segundo o

relato dos participantes, é a separação das polícias. A unificação é vista como algo

indispensável para melhorar a comunicação dentro da própria polícia, acabar com o “jogo

de empurra – empurra” e com a competição entre os policiais.

A formação dos policiais também foi apresentada pelos participantes como um

ponto importante a ser melhorado. Destacaram a necessidade da polícia propiciar

treinamento mais moderno e adequado às funções que os policiais exercem e a

importância de um acompanhamento psicológico para os policiais. O treinamento que os

policiais recebem foi colocado como algo que não se encaixa nos moldes dessa polícia

desejada. Esse seria um fator fundamental, pois os participantes pensam que muitos

policiais não agem corretamente porque não foram suficientemente treinados. Ao mesmo

tempo ressaltaram outras questões referentes à estrutura física das delegacias que não

têm instalações adequadas para atender o público.

Novamente, nessa discussão, voltou à tona a necessidade do policial conhecer o

bairro no qual presta serviço, conhecer a comunidade e as famílias que ali vivem e

participar das atividades promovidas pelas instituições locais para que possa discutir com

a população os problemas do bairro. Nesse novo formato de policiamento, nos moldes do

policiamento comunitário, uma das participantes sugere que até mesmo a farda deva ser

modificada para representar que se trata de uma nova polícia. De maneira geral, melhorar

a instrução e a formação dos policiais é peça chave, segundo os participantes, para a

efetivação do policiamento de qualidade, além da introdução de equipamentos modernos

que permitam às delegacias sistematizar as informações trabalhadas.

As polícias estrangeiras também foram colocadas como aquelas que deveriam

servir como exemplo de bom policiamento para a polícia brasileira. A polícia inglesa foi

citada pelos participantes porque é uma polícia que anda desarmada e, ao mesmo tempo,

tem o respeito da população. Na discussão do terceiro grupo focal, vários participantes

começaram a falar da polícia de países da Europa e da polícia norte americana, até que a

discussão foi interrompida quando uma das participantes colocou que não é possível

fazer comparação entre as polícias de países diferentes porque as realidades são

diferentes. Um dos pontos ressaltados foi o fato de a polícia estrangeira não usar armas.

Entretanto, os participantes perceberam que isso seria impossível no Brasil por causa do

uso se armas, muitas vezes pesadas, pelos infratores.

Para os participantes, a polícia deve ser democrática e séria, mas para que isso

aconteça é necessário que os maus policiais sejam afastados e que fiquem apenas

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aqueles que cumprem as leis. Afirmaram que, ao que parece, não existe um código de

ética rígido nas polícias, o que permite que seus agentes ajam de maneira arbitrária com

a população que, por sua vez, não conhece seus direitos e se deixa desrespeitar. Por

isso, foi colocado a necessidade de serem adotadas regras mais rígidas para os policiais

que cometem algum delito como forma de coibir que as regras sejam desrespeitadas

pelos próprios policiais.

“Mas a nossa polícia, acredito que para funcionar melhor deveriater um código de ética e alguém para fiscalizar isso: ‘Olha tem quefazer isso, isso e isso. Você tem que atender a população assim,assim, assado. Não atendeu? Você está exonerado, está fora dacorporação, não é assim que a gente quer um policial’, ‘Ah, maseu ganho pouco’, ‘Você acha que você pode ganhar mais? Vaitrabalhar numa outra profissão qualquer. Vai ganhar mais lá fora.Aqui você tem que respeitar a população, está aqui para darproteção.’ Agora, a partir do momento que a população não sesente protegida, como em alguns casos aqui citados,principalmente em bairros de periferia, a população se sente maissegura com a proteção de um criminoso, de um traficante,bandido, do que com a própria polícia. Por quê? Porque a polícianão dá exemplo.”

A isso, acrescentaram que o problema da polícia não ser satisfatória está

relacionado a um fator mais amplo. A falta de educação e de um ensino de qualidade

estaria na base da formação desses maus policiais. Essa é uma questão que os

participantes percebem como muito prejudicial no Brasil, a baixa instrução e a falta de

informação das pessoas, inclusive das polícias. Nesse sentido, o investimento na

educação dos policiais foi algo que apareceu como necessário mas aplicável apenas a

longo prazo.

A escolha dos governantes também foi apontada como algo fundamental para que

haja a melhoria no policiamento. Os participantes fazem relação direta entre o governador

e a segurança pública e como o voto pode mudar a direção das políticas públicas

referentes à segurança. Para que as mudanças se concretizem, os participantes afirmam

que as mudanças têm que começar de cima para baixo, dos governantes, dos mais altos

escalões da polícia para baixo.

Além da unificação das polícias, a desmilitarização surgiu, também de forma

espontânea, nas discussões. O participante 15, morador do Jaguaré, falou que é

fundamental que seja realizada a desmilitarização da polícia brasileira para que o policial

não veja o cidadão como um inimigo de guerra. Também foram feitas críticas à estrutura

Page 37: Projeto: “O Policiamento que a Sociedade Deseja” · participantes abordaram vários tipos de delitos, concentrando-se naqueles que mais os incomodam e que eram os principais geradores

policial e à sua hierarquia o que incluiu a discrepância entre os salários de praças e

oficiais. Num momento de saudosismo, este participante disse que gostaria que voltasse

a existir uma polícia civil, como a do início dos anos 60, “amiga do povo” a qual, segundo

o participante 16, “era uma beleza”. Para alguns participantes, a efetivação de mudanças

na forma do policiamento só é possível com a alteração dessas estruturas.

De maneira geral, os participantes apontam que as falhas estruturais da polícia e

as políticas públicas de segurança deficientes é que impedem a existência de um bom

policiamento. Está claro para os participantes que o problema não é algo isolado, mas

causado por uma estrutura que não inova na formação de seus policiais, que não os

motiva e que marca profundas desigualdades entre seus próprios membros. Essa mesma

estrutura também não é eficaz em inibir a má conduta dos policiais.

A participante 7, moradora da Cohab Raposo Tavares, afirma que há muito tempo

participa dos movimentos e de reuniões com a intenção de fazer com que algumas

mudanças sejam concretizadas. No entanto, para ela, a falência do funcionalismo público

e falta de perspectivas das pessoas prejudica essa concretização. Ao mesmo tempo em

que ela critica essa estrutura, inclusive os baixos salários, percebe que isso não é motivo

suficiente que justifique o trabalho ruim prestado pela polícia.

“Tem essa coisa do funcionário público, instituição falida, e não vaimudar nada mesmo, não adianta nada mesmo... Agora, eutambém penso assim quando você é um profissional e fala assim:‘Você é a faxineira?’ Você fala: ‘Eu sou faxineira e vou trabalharna faxina na casa do Fulano...’ Pô, eu tenho que ir lá e fazer umexcelente trabalho... mas o Fulano paga 10 reais e a diária é 50?Mais eu estou indo pra ganhar 10 reais e isso não impede que eufaça um excelente trabalho porque eu tenho responsabilidade noque eu estou fazendo. É o que eu não sinto... Então, tudo bemque o policial ganha pouco, mora não sei aonde, mas nada paramim justifica a partir do momento que você escolhe uma profissãopara tocar aí a sua vida.”

A questão salarial dos policiais proporcionou uma discussão intensa entre os

participantes. Mesmo sabendo dos baixos salários pagos aos policiais, os participantes

têm consciência de que, antes de tudo, está a responsabilidade e o comprometimento de

pessoas que se propuseram a desenvolver um trabalho. Ao mesmo tempo, compararam a

média do salário dos policiais com o salário de qualquer outro trabalhador com a mesma

qualificação e perceberam que não é tão baixo assim e que mesmo em outros países o

policial tem um salário proporcional à média da população. No caso do Brasil, segundo o

participante 12, todos ganham mal, não apenas os policiais. Segundo a participante 22,

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uma pessoa, com o ensino médio concluído, pode entrar na Polícia Militar ganhando R$

1.200,00 por mês, entretanto o salário não seria o mesmo se essa pessoa tentasse um

emprego em uma empresa privada. Ao final da discussão os participantes concluíram que

a relação entre tempo de estudo e salário, nesse caso, mostra que a polícia não é tão mal

remunerada quanto se pensa.

Os participantes do grupo focal com moradores de bairros de classe média alta

foram os únicos que elogiaram e fizeram uma avaliação positiva do atual governador do

Estado de São Paulo em relação à segurança pública. Para eles, o governador tem feito

um bom trabalho e isso se evidencia nos elogios aos equipamentos como veículos,

coletes e armas que a polícia tem recebido. Isso significa, para os participantes, que o

governo está investindo dinheiro na segurança e dando uma boa estrutura de trabalho

para a polícia. No entanto, a participante 17 ressaltou que, apesar de ter feito grandes

investimento na polícia, o governo Covas teria tirado a “autoridade” do policial por que

estaria obrigando os policiais a adotarem regras de conduta nas ações.

“O Covas colocou bastante dinheiro na Polícia, mas ele, de umacerta maneira, tirou a autoridade do policial. Eu não sei se estoufalando bobagem, mas estou falando o que eu enxerguei. Mas é ahistória que o policial tem de chegar no bandido: ‘oh, meuqueridinho, entra direitinho no carro. Abaixe a cabeça para nãobater... Cuidado, filhinho, vai bater a cabecinha...’ Era mais oumenos assim. Eu acho que ele tirou muito a autoridade do policial.O Alckmin segue a mesma linha do Covas, só que já é uma coisamuito melhorada. Uma coisa que já vem dando essa autoridadepara o policial. É claro que tem de ser uma autoridade semexcesso, ninguém está falando aqui em violência.”

De forma resumida, pode-se dizer que a população reclama por um policiamento

público e de qualidade. Para isso, percebem como necessário a aproximação entre polícia

e comunidade, o envolvimento de outros setores do governo e não apenas daqueles que

estão diretamente relacionados à questão da segurança, a melhora das condições de

trabalho e formação dos policiais e a promoção da unificação das polícias. De maneira

muito clara, os participantes demonstraram que têm consciência de que as mudanças

dependem de vontade política. Ao mesmo tempo, sabem que a opinião da população é

fundamental e, por isso, não apenas esperam pela efetivação de um novo modelo, mas

aguardam a oportunidade de poderem participar da construção do policiamento que

desejam.