PROJETO HAITI: UM CURSO DE LÍNGUA PORTUGUESA … · refugiados ou migrantes têm-se deslocado não...

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PROJETO HAITI: UM CURSO DE LÍNGUA PORTUGUESA PARA HAITIANOS Ciomara Amorelli Viriato da Silva 1 RESUMO Curitiba é uma das cidades brasileiras que mais recebem imigrantes haitianos e há a necessidade de atendê-los em suas demandas como acontece com os demais cidadãos curitibanos. As escolas municipais que ofertam a Educação de Jovens e Adultos/EJA são muito procuradas por este público para aprender a língua portuguesa e a Secretaria Municipal de Educação/SME entendendo que é parte da função social da escola pública o resgate da cidadania e dos direitos de todos os cidadãos, independentemente de sua condição social, econômica ou étnico-social, passou a ofertar um curso instrumental de língua portuguesa. Ele utiliza método comunicativo, com ênfase na produção oral e no contato do aluno estrangeiro com a comunidade onde está inserido e com os serviços públicos oferecidos pelo município. Utiliza visitas a lugares públicos (campus universitários, museus, locais históricos e turísticos etc.), com o objetivo de permitir maior aproximação com a cultura brasileira. O referido curso é gratuito e realizado no período noturno em escolas municipais que oferecem a Educação de Jovens e Adultos/EJA. Também em parceria com entidades não governamentais a Secretaria realiza o curso em locais alternativos (igrejas, salões comunitários). O curso em nível básico visa facilitar a realização de atividades cotidianas como: preenchimento de cadastro para emprego, tirar carteira de trabalho, expressar-se no posto de saúde, solicitar informações, realizar operação bancária, alugar imóvel, preenchimento de currículo, fazer compras, etc. Palavras-chave: Imigrantes, Haiti, Acolhimento, Inclusão, Cidadania.. 1 INTRODUÇÃO Este trabalho tem o objetivo de refletir sobre alguns desafios e possibilidades referentes ao trabalho docente no ensino do português como língua estrangeira, tendo como base o Projeto Haiti que vem sendo realizado na cidade de Curitiba, pela Secretaria Municipal da Educação/SME, desde agosto do ano de 2013. O objeto desse estudo é o curso de língua portuguesa, com carga horária de 60 horas, oferecido aos imigrantes haitianos e buscaram-se respostas para alguns questionamentos: Quais os desafios 1 Professora da Rede Municipal da Educação de Curitiba, Especialista em Alfabetização e Letramento numa perspectiva interdisciplinar, responsável pelo Projeto Haiti desde 2013. Anais do XIV Congresso Internacional de Direitos Humanos. Disponível em http://cidh.sites.ufms.br/mais-sobre-nos/anais/

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PROJETO HAITI: UM CURSO DE LÍNGUA PORTUGUESA PARA HAITIANOS

Ciomara Amorelli Viriato da Silva1

RESUMO

Curitiba é uma das cidades brasileiras que mais recebem imigrantes haitianos e há a

necessidade de atendê-los em suas demandas como acontece com os demais cidadãos

curitibanos. As escolas municipais que ofertam a Educação de Jovens e Adultos/EJA são

muito procuradas por este público para aprender a língua portuguesa e a Secretaria

Municipal de Educação/SME entendendo que é parte da função social da escola pública o

resgate da cidadania e dos direitos de todos os cidadãos, independentemente de sua

condição social, econômica ou étnico-social, passou a ofertar um curso instrumental de

língua portuguesa. Ele utiliza método comunicativo, com ênfase na produção oral e no

contato do aluno estrangeiro com a comunidade onde está inserido e com os serviços

públicos oferecidos pelo município. Utiliza visitas a lugares públicos (campus

universitários, museus, locais históricos e turísticos etc.), com o objetivo de permitir maior

aproximação com a cultura brasileira. O referido curso é gratuito e realizado no período

noturno em escolas municipais que oferecem a Educação de Jovens e Adultos/EJA.

Também em parceria com entidades não governamentais a Secretaria realiza o curso em

locais alternativos (igrejas, salões comunitários). O curso em nível básico visa facilitar a

realização de atividades cotidianas como: preenchimento de cadastro para emprego, tirar

carteira de trabalho, expressar-se no posto de saúde, solicitar informações, realizar

operação bancária, alugar imóvel, preenchimento de currículo, fazer compras, etc.

Palavras-chave: Imigrantes, Haiti, Acolhimento, Inclusão, Cidadania..

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho tem o objetivo de refletir sobre alguns desafios e possibilidades

referentes ao trabalho docente no ensino do português como língua estrangeira, tendo

como base o Projeto Haiti que vem sendo realizado na cidade de Curitiba, pela Secretaria

Municipal da Educação/SME, desde agosto do ano de 2013. O objeto desse estudo é o

curso de língua portuguesa, com carga horária de 60 horas, oferecido aos imigrantes

haitianos e buscaram-se respostas para alguns questionamentos: Quais os desafios

1 Professora da Rede Municipal da Educação de Curitiba, Especialista em Alfabetização e Letramento numa

perspectiva interdisciplinar, responsável pelo Projeto Haiti desde 2013.

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enfrentados pelos estudantes com relação ao ensino da língua? Como são planejadas as

aulas e que conteúdos são privilegiados? Esses conteúdos são escolhidos com vistas ao

fortalecimento cultural e de identidade dos estudantes?

Optou-se em refletir sobre questões como: migração, ensino de língua portuguesa como

uma língua estrangeira, identidade.

A MIGRAÇÃO

Atualmente um dos assuntos mais complexos no cenário mundial é o da migração. Os

refugiados ou migrantes têm-se deslocado não só por causa de guerras ou conflitos, mas

também por outras razões. Uma grande parte dos maciços deslocamentos é ocasionada por

problemas de violações dos direitos humanos e um número cada vez mais expressivo deles

está relacionado com catástrofes ambientais e climáticas.

São considerados refugiados todos aqueles que estão fora do seu país de nascimento

por causa de violação de direitos humanos relacionados à religião, grupo social, opinião

política, raça ou nacionalidade. Estas pessoas, por falta de outra opção, tiveram que deixar

para trás sua família e amigos, emprego, propriedades e bens, em busca de sua

sobrevivência.

O Brasil foi o primeiro país na América do Sul que regulamentou a situação de

proteção aos refugiados através da Lei nº 9.474/97 que incorpora mecanismos legais que

propiciam a garantia permanente dos direitos humanos desses estrangeiros. Essa legislação

foi concebida em parceria com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os

Refugiados/ACNUR, que é um órgão das Nações Unidas, criado pela Resolução n.º 428 da

Assembleia das Nações Unidas, em 14 de dezembro de 1950, tendo como missão dar apoio

e proteção aos refugiados de todo o mundo.

Em 12 de janeiro de 2010, um terremoto de magnitude 7.0 na escala Richter atingiu

o Haiti provocando inúmeros feridos, mortos e desabrigados e promovendo grande

destruição na região da capital haitiana. Muitos países ao redor do mundo compelidos pela

dor da tragédia que se instalara na população haitiana, responderam aos apelos de ajuda

humanitária que se fazia urgente e encaminharam equipes médicas, de resgate, de

engenheiros, entre outras. O Brasil foi um dos países que abriu as portas de suas fronteiras

para receber estes imigrantes que partiam em busca de uma qualidade de vida e

acreditando em um futuro melhor.

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PROGRAMAS DE INCLUSÃO

Atravessar as fronteiras não é sinônimo de que os estrangeiros não encontrarão

outras barreiras na sua trajetória em busca do sonho de uma vida melhor, pois os

obstáculos continuam: o desconhecimento da língua portuguesa, da legislação e da cultura,

a conquista de um emprego, a revalidação de diplomas, o preconceito e a discriminação

das pessoas, o elevado custo de vida, entre outros. A resolução de tais problemas deve vir

através da união da força de duas vertentes: Estado e sociedade civil, porque não é

suficiente apenas autorizar que os estrangeiros cruzem as fronteiras do país, é essencial que

sejam disponibilizadas as condições necessárias para que eles possam reconstruir suas

vidas dentro delas. Mais do que uma questão humanitária, o acolhimento adequado pode

trazer vantagens para o Brasil e os brasileiros. Nossa história é prova disto – somos um

país formado por migrantes.

Curitiba é uma das cidades brasileiras que mais recebem imigrantes haitianos e há

a necessidade de atendê-los em suas demandas como acontece com os demais cidadãos

curitibanos. Diversos órgãos oferecem programas de acolhimento e inclusão destes

estrangeiros, procurando contribuir para sua adaptação e inclusão na nova sociedade e

cultura. Citamos, como exemplo, a Pastoral do Migrante e o Recanto Franciscano que

acolhem os estrangeiros oferecendo auxílio na emissão de documentos e de moradia por

um período, até que eles possam alugar uma casa e encontrar um emprego. Outra entidade

não governamental que presta grande apoio aos migrantes e refugiados é a Casa Latino

Americana/CASLA que oferta cursos e palestras de cunho cultural, assessoramento

jurídico, atendimento psicológico e apoio educacional.

A Universidade Federal do Paraná/UFPR é uma das maiores referências no

atendimento aos estrangeiros, ao oferecer auxílio jurídico, aulas de português e

informática, atendimento psicológico, validação dos documentos escolares e diplomas,

entre outros serviços. Existe também, o Projeto Linyon, cuja missão é desenvolver o

protagonismo dos migrantes e refugiados para que possam atuar com agentes de

transformação, integração e inovação na sociedade e oferece cursos de formação,

desenvolvimento pessoal e treinamento corporativo, com o intuito de prepara-los para o

mercado nacional.

A Associação para a Solidariedade dos Haitianos no Brasil (ASHBRA) foi idealizada e

tem como fundadora a haitiana Laurette Bernadin, que vive em Curitiba desde 2010 e atua

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na promoção e garantia de direitos humanos dos migrantes e refugiados, acompanhando

haitianos que estão vivendo em situação de vulnerabilidade, visitando aqueles que estão

doentes e hospitalizados e que têm a família no Haiti.

O governo do estado do Paraná através do Decreto nº 4289, de 05 de abril de 2012,

instituiu o Comitê Estadual para Refugiados e Migrantes no Estado do Paraná que tem por

objetivo (Art.2º)

orientar os agentes públicos sobre os direitos e deveres dos solicitantes de

refugio e refugiados bem como promover ações e coordenar iniciativas de

atenção, promoção de defesa dos refugiados no Paraná, junto aos demais órgãos

do Estado que possam provê-los e assisti-los através de políticas públicas.

O Conselho Estadual dos Direitos dos Refugiados, Migrantes e Apátridas do Paraná, foi

criado em 24 de abril de 2015 através da Lei 18465, está vinculado à estrutura

organizacional da Secretaria de Estado da Justiça, Trabalho e Direitos Humanos – SEJU, e

tem por finalidade viabilizar e auxiliar na implementação e fiscalização das

políticas públicas voltadas aos direitos dos refugiados e migrantes, em todas as

esferas da Administração Pública do Estado do Paraná, visando à garantia da

promoção e proteção dos direitos dos refugiados, migrantes e apátridas.

PROJETO HAITI, EDUCACÃO, DIREITO E CIDADANIA

A Secretaria Municipal de Educação de Curitiba (SME), em agosto de 2013, foi

procurada pela Casa Latina Americana (CASLA) que atendia gratuitamente mais de 100

haitianos aos domingos tentando ensinar-lhes a Língua Portuguesa. Sem contar com

professores ou especialistas no assunto, apenas tendo ajuda de outros voluntários, o

atendimento pela CASLA ficou inviável. A SME entendendo que é parte da função social

da escola pública o resgate da cidadania e dos direitos dos cidadãos, independentemente de

sua condição social, econômica ou étnica, passou a atender, naquele ano em torno de 68

haitianos, ensinando a Língua Portuguesa, gratuitamente, fornecendo-lhes material e

lanche. O atendimento era ministrado por professoras da rede municipal de ensino, em três

turmas, na Escola Municipal Professor Brandão, localizada no bairro Alto da Glória. É

importante frisar que este tipo de atendimento nunca aconteceu antes na história da rede

municipal de educação de Curitiba e um grande desafio se instaurou para garantir aos

haitianos a qualidade do atendimento. As aulas que foram dadas no ano de 2013 eram

basicamente de gramática e produção escrita.

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Segundo FORQUIN (1992.p.140) “quando nos envolvemos com o ensino--

aprendizado de uma língua/cultura estrangeira, estamos envolvidos com um conjunto

complexo de conhecimentos, representações, maneiras de viver, que permeiam a

identidade e as práticas sociais de uma comunidade” Então, no ano de 2014, contando com

o assessoramento da equipe de Língua Estrangeira do Currículo do Ensino Fundamental e

com consultorias de docentes da Universidade Federal do Paraná (UFPR) que trabalham

com estrangeiros, o Projeto Haiti passou por importantes transformações e módulos de

estudo que tratam dos serviços ofertados pela prefeitura e pontos turísticos passaram a

fazer parte da aula.

A Secretaria Municipal da Educação (SME) continuou sendo procurada por mais

imigrantes haitianos em busca de aulas e também por órgãos públicos que recebiam os

estrangeiros e não conseguiam se comunicar com eles (pelo desconhecimento da Língua

Portuguesa por parte dos haitianos ou pelo desconhecimento do Francês ou Creoule por

parte de quem atendia os estrangeiros). Em parceria com Fundação de Ação Social (FAS)

a SME ofertou um curso instrumental de língua portuguesa, de 60 horas. O curso

aconteceu na região central da cidade, entendendo-se que seria fácil o acesso para os

interessados, mas, o resultado não foi o esperado e só 21 pessoas frequentaram o curso,

pois a maioria dos interessados estava desempregada e sem condições de pagar as

passagens ida/volta do transporte urbano.

No ano de 2015, dez haitianos residentes no bairro do Boqueirão, em Curitiba,

procuraram a Escola Municipal Germano Paciornick, que oferta a Educação de Jovens e

Adultos/EJA solicitando aula de português. A SME entendendo a necessidade de

descentralização do Projeto Haiti para melhor atender a população abriu uma turma que

iniciou com 10 alunos, em junho.

Segundo BROWN (2000) para aprender uma segunda língua, adiante citada como

L2, é um processo complexo que atinge profundamente o estudante, sendo necessário que

ele se envolva e dedique-se plenamente para alcançar os resultados esperados. DORNYEI

(2001) destaca que o interesse exerce um papel crucial na definição do êxito ou fracasso

em toda situação de aprendizado. A motivação fez com que a turma que iniciara com dez

haitianos em um mês aumentasse para trinta alunos e no mês seguinte ampliasse para

noventa alunos e passasse de uma para três turmas.

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CURITIBA (2016) afirma que

Pensar em um encaminhamento pedagógico sob a ótica do letramento crítico nos

leva à compreensão de que cada sala de aula deverá ser compreendida como uma

comunidade diferente, que necessita de abordagens diferentes para que se

alcancem bons resultados em termos de educação escolar, de compreensão

cultural, de utilização da língua estrangeira.

As turmas foram niveladas de acordo com o nível de proficiência da língua portuguesa e

tivemos então uma turma inicial, uma intermediária e outra avançada. As professoras

tiveram que rever seu planejamento em função da readequação das turmas e da entrada de

alunos novos. De acordo com o perfil de cada turma foi elaborado novo planejamento e

inserido ou suprimido algum conteúdo.

O professor deve estar atento em relação a vários aspectos de sua turma na hora de fazer

seu planejamento e na escolha do encaminhamento metodológico a ser adotado com o

ensino da língua estrangeira, de acordo com CURITIBA (2016).

Utilizamos as diversas abordagens e estratégias de ensino, considerando as

formas plurais de se aprender. Assim, adotamos uma visão crítica em relação a

esses métodos e abordagens, adequando-os a cada situação de sala de aula,

conforme o objetivo almejado, considerando as diferenças individuais dos(as)

estudantes, como, por exemplo, a idade, a motivação, os conteúdos e o ambiente

escolar, familiar e social em que vivem

Ainda no ano de 2015, outra turma de trinta haitianos, foi aberta na Escola Municipal Papa

João XXIII, localizada no bairro do Portão, totalizando em cento e vinte alunos haitianos

atendidos nesse ano.

No ano de 2016, a SME entendendo que a descentralização era ideal para atender

um número maior de estrangeiros, no 1º semestre abriu turmas na região dos bairros

Boqueirão (Escola Municipal Germano Paciornick), Cajuru (Escola Municipal Irati e

Escola Municipal Prefeito Linneu Ferreira do Amaral) e Sítio Cercado (Escola Municipal

Augusta Gluck Ribas), totalizando cento e vinte haitianos participantes do curso. Esta

etapa do Projeto Haiti foi marcada por várias atividades realizadas com o objetivo de

empoderamento dos estudantes. Foram trabalhadas palavras que auxiliassem na

comunicação durante uma entrevista de emprego, elaboração de currículo, escrita das

histórias de vida e montagem de uma exposição denominada “Vozes do Haiti” onde foram

expostas as produções escritas sobre o Haiti, os vídeos realizados, as fotos do Haiti, as

rotas de viagem para chegar ao Brasil e as palavras de empoderamento. A exposição foi

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criada com o objetivo de sensibilizar as pessoas da sociedade em relação às histórias de

vida, dificuldades e lutas enfrentadas para chegar ao Brasil e depois da chegada,

desconstruir preconceitos em relação aos refugiados e migrantes e mostrar um pouco da

cultura do Haiti através das Vozes dos haitianos.

Reconhecendo a importância da abertura das turmas onde havia procura, a SME, no 2 º

semestre de 2016, abriu mais turmas onde houve mais demanda anteriormente. Nos bairros

Cajuru: Escola Municipal Irati- abertura de duas turmas: uma avançada com vinte alunos e

outra iniciante com trinta alunos, Escola Municipal Prefeito Linneu Ferreira do Amaral

com trinta alunos, totalizando 80 alunos.

Neste mesmo período a SME foi procurada por uma igreja da Assembleia de Deus,

que atendia 25 haitianos na cidade de Almirante Tamandaré, região metropolitana de

Curitiba e que solicitava o atendimento com relação ao ensino da língua. Foram

disponibilizadas duas professoras da rede municipal para dar aula nessa igreja. Assim, no

segundo semestre de 2016 o Projeto Haiti atendeu a cento e cinco haitianos.

Um fato relevante aconteceu durante as aulas, quando na turma da Escola

Municipal Linneu Ferreira do Amaral a professora descobriu que um haitiano era fotógrafo

no Haiti. Diante desta descoberta foi proposto que ele fotografasse seus colegas durante as

aulas. Assim, tivemos fotos lindíssimas dos estudantes, através do “olhar” do fotógrafo

haitiano e trabalhamos palavras de empoderamento com os estudantes com objetivo de

melhorar auto-estima.

Ao término do curso da turma do segundo semestre de 2016, no dia da certificação,

foi realizada a exposição intitulada “Olhares”, com o objetivo de mostrar o olhar do

estrangeiro em relação ao seu país, ao Brasil e a cidade que o acolheu através de textos,

fotos, vídeos com depoimentos, mapa do Haiti que mostrava as cidades de onde vieram,

rotas de viagem e fizemos uma exposição fotográfica do estudante Rouchon.

O Projeto Haiti buscou na elaboração do curso instrumental de língua portuguesa o

que diz BRASIL (2006)

O acesso a diversas linguagens que auxiliam na organização e expressão das

experiências humanas amplia o horizonte de comunicação dos estudantes, além

de desenvolver a confiança dos mesmos ao se sentirem detentores de outra

língua. Assim, a língua estrangeira torna-se mais do que apenas um meio com

fins comunicativos.

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Sendo assim, inúmeras atividades foram realizadas de 2013 a 2016 objetivando a imersão

dos estudantes em diversos aspectos da cultura brasileira e da cidade de Curitiba e

inclusão: apresentação de locais de cultura e lazer, diferentes ritmos musicais, festividades,

participação em festas das escolas onde estavam estudando, participação em uma roda de

Capoeira, Conversa dos haitianos com alunos da Escola Municipal Colombo e entrevista

para os repórteres mirins do Programa “Extra – Extra”, mulheres haitianas participaram de

programação do Centro Municipal de Educação Infantil/CEMEI onde tinham filhos

matriculados apresentando cantigas de ninar, trabalho com livros de literatura e jornais

locais, em parceria com o curso de jornalismo e publicidade da Universidade Federal do

Paraná/UFPR os alunos tiveram aula de como criar uma página na internet para que

pudessem utilizar para comunicar aos haitianos recém-chegados na cidade dicas culturais,

de ajuda para tirar documentos, entre outras atividades.

UM PROJETO ESCRITO ATRAVÉS DE MUITAS HISTÓRIAS

Uma língua pode ser reconhecida como um instrumento de luta e inclusão

quando ela se torna imprescindível para aproximação das pessoas, permitindo não só a

comunicação, mas também o vislumbrar dos saberes culturais de diferentes povos.

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais/PCN (1998, p.19), a pessoa que estuda uma

língua estrangeira “aprende mais sobre si mesmo e sobre um mundo plural, marcado por

valores culturais diferentes e maneiras diversas de organização política e social.” Sob esse

prisma faz-se necessário entender e respeitar a cultura do outro e o diálogo é a ideia que

fundamenta o processo de ensino e aprendizagem.

O Projeto Haiti pautou-se no reconhecimento e valorização das diferenças e no

fortalecimento das identidades dos sujeitos que fizeram parte do processo. Abaixo

vislumbraremos alguns dados destes estudantes que participaram do Projeto Haiti.

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TABELA 1

FONTE: SME/2016

Observa-se no gráfico, que no ano de 2013, um número muito reduzido de mulheres

participou do curso. Este fato deve-se ao grande contingente de homens que veio para o

Brasil em busca de trabalho nas obras para a Copa do Mundo. A partir de 2015, as

mulheres já estão com uma representatividade maior no gráfico, pois de acordo com os

relatos, com as obras da Copa havia mais emprego e podiam guardar dinheiro para trazer

algum parente e então elas vieram.

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FONTE: SME/ 2016

Pode-se observar que em 2013 o número de pessoas com o ensino superior completo era

maior, demonstrando que após o terremoto as pessoas com mais posses e estudo foram as

que tiveram mais condições de sair do Haiti em busca de uma vida melhor.

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Escolaridade

Ensino Fundamental Ensino Médio

Ensino Superior Completo Sem escolaridade

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FONTE: SME/2016

Observa-se que o número de atendimento passou a ser mais efetivo a partir do momento

em que as turmas foram sendo descentralizadas e abrangendo um número maior de bairros.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O “sonho haitiano” de uma vida melhor no Brasil compreende muito mais do que deixar

para trás tudo o que conquistou no seu país para buscar um emprego. Ele extrapola a

questão financeira. Passa por dolorosos rompimentos afetivos com a sua nação, com

família e amigos. Receber os estrangeiros apenas não é suficiente. É necessário que o

poder público evite as violações dos direitos humanos – como o preconceito, racismo,

xenofobia, trabalho escravo, a discriminação – e que assegure a todos os estrangeiros a

oportunidade de reconstruir sua vida com dignidade e cidadania.

O Projeto Haiti oferece um curso de Língua Portuguesa, que apresenta questões culturais

do Brasil e do Haiti, buscando ultrapassar o campo linguístico para que os estudantes

possam atribuir significado ao que aprendem e fortaleçam a sua identidade.

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4 REFERÊNCIAS

ACNUR.(2014).Cartilha para refugiados no Brasil.

Disponívelhttp://caritas.org.br/wp-

content/uploads/2013/09/CARTILHA_PARA_REFUGIADOS_NO_BRASIL_FINAL.pdf. Acesso

em: 06 jul. 2016.

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:

Senado, 1988.

________. O Brasil e a organização internacional para os refugiados (1946-1952). Rev. Lei nº

9.474, de 22 de julho de 1997. Define mecanismos para a implementação do Estatuto dos

Refugiados de 1951, e determina outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do

Brasil, Brasília, DF, 23 jul. 1997

________ Estatuto do Estrangeiro.(1980). Estatuto do estrangeiro: regulamentação e legislação

correlata. – 2. ed. – Brasília: Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2013 Disponível

em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/508142/000986045.pdf?sequence=1

acesso em 05 de agosto de 2017

BRASÍLIA. Cadernos de Debates Refúgio, Migrações e Cidadania, v.4, n. 4 (2009). Brasília:

Instituto Migrações e Direitos Humanos.

BROWN, H. D. Teaching by principles: an interactive approach to language pedagogy.

New York: Longman, 2001.

CURITIBA. Currículo do ensino fundamental. Língua Estrangeira. V.2 Curitiba: SME, 2016.

Disponível em http://multimidia.educacao.curitiba.pr.gov.br/2017/8/pdf/00147527.pdf

acessso em 12 julho de 2017

CURITIBA. Documento Norteador da Política de Acolhimento de Alunos Estrangeiros na Rede

Municipal de Educação. Curitiba: SME, 2016

Disponível em: http://multimidia.educacao.curitiba.pr.gov.br/2016/12/pdf/00125343.pd06 acesso

em 06 de agosto de 2017

PARANÁ. Plano Estadual de Políticas Públicas Para Promoção e Defesa dos Direitos dos

Refugiados, Migrantes e Apátridas do Paraná. Acesso em 02 de ag. de 2017. Disponível em:

http://www.dedihc.pr.gov.br/arquivos/File/2015/PlanoEstadualMigranteRefugiadoParana.pdf

PARANÁ. Decreto n 4289 de 05 de abril de 2012

http://www.legislacao.pr.gov.br/legislacao/pesquisarAto.do?action=exibir&codAto=66396&indice

=1&totalRegistros=1

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