PROJETO DE PESQUISA - ppgcasa.ufam.edu.br Brito_parte2.pdf · (Projeto CEPPEA-ITATIBA)´2 O estado...
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1- INTRODUÇÃO
Desde a década de 50, o rio Tocantins tem recebido grandes e pequenos
empreendimentos governamentais e particulares ao longo de seu curso. Dentre eles, a
Rodovia BR 153, que beneficiou diretamente os ribeirinhos da margem direita do rio, as
hidrelétricas de Tucurui (PA), de Serra da Mesa (GO), de Lajeado (TO) e de Cana Brava
(GO) e dragas para extração de areia instaladas em alguns pontos do médio rio Tocantins.
Essas barragens geram energia da água, que também é usufruida para abastecer grande parte
dos municípios às margens do rio. De acordo com Bermann (2002 apud ZHOURI e
OLIVEIRA 2006, p.3), esses empreendimentos são normalmente construídos para fornecer
energia a seguimentos específicos da indústria, aqueles cuja linha de produção é inteiramente
dependente da eletricidade como é o caso do setor de alumínio, principal responsável pelos
impactos causados em função da construção desses empreendimentos (BERMANN, 2002).
As transformações decorrentes das barragens fragilizaram a interação do ribeirinho
com o rio. “Se antes da construção da estrada a navegação via rio Tocantins era a atividade
mais importante para essas populações, com o seu advento o rio passa a ser visto, nesse
sentido, como um empecilho: [...] “em vez de ser considerado elemento de ligação, passa a ser
visto como um obstáculo a ser vencido” (OLIVEIRA, 2003, pp. 2-3). As mudanças
contribuem para contaminação de cursos d’água, destruição ou fragmentação de hábitats
naturais e da vegetação, desapropriações, remanejamento de populações e pressão sobre os
serviços (CONDINI, 2007, p.10)
Os estudos ecológicos e etnobiológicos quando buscam considerar as especificidades
globais e locais (comunidade, ambiente, etc), podem levar os indivíduos a repensar, discutir
alternativas, à medida que se percebe o declínio dos recursos naturais, e a “importância da
conservação e do desenvolvimento sustentável às presentes e futuras gerações” (CLAUZET,
RAMIRES e BARRELLA 2005, p. 2). Além dos impactos das barragens, existem os impactos
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negativos sobre os ambientes aquáticos decorrentes do desmatamento provocado pela
expansão da pecuária e do cultivo da soja na região do médio rio Tocantins.
As populações ribeirinhas do município de Palmeirante - TO estão sob a expectativa
de receber benefícios advindos de políticas externas como, o programa: “Luz Para Todos1” e
de outra hidrelétrica, a de Estreito – MA que está na terceira fase de implantação no rio
Tocantins. Embora dados concretos fornecidos pelos técnicos da usina, em vistorias no local,
comprovam que o lago da UHE não atingirá além dos cem metros da margem do rio ao longo
do município, esta espectativa está causando a desorganização das populações afetadas, pelas
incertezas das perspectivas futuras na vida socioeconômica e, sobretudo os impactos nos
costumes e cultura local. Buscou-se com este trabalho identificar as transformações no mundo
do trabalho e no ambiente da pesca e como essas transformações são assimiladas e associadas
pelas percepções coletivas dos agricultores-pescadores locais.
O Povoado Cajueiro é considerado neste trabalho, uma representação das diversas
populações ribeirinhas do médio rio Tocantins. Para esse estudo, alguns questionamentos
impusionaram a realização desta pesquisa: quais as transformações no mundo do trabalho e no
ambiente da pesca (nos componentes bióticos, atividade da pesca, agricultura e outras
atividades desenvolvidas na região do Povoado Cajueiro) ocorridas após a criação do Estado
do Tocantins? Como as gerações de agricultores-pescadores locais percebem essas
transformações? Qual a relação de semelhanças e diferenças entre grupos intergeracionais e
de gêneros? Daí, a importância para a ciência e para a população local, o estudo das
percepções coletivas das populações ribeirinhas do Povoado Cajueiro, no médio rio
Tocantins, como forma de identificar e explicitar como essas transformações estão
interferindo no mundo do trabalho e no ambiente da pesca das comunidades ribeirinhas. O
1 O Programa Nacional de Universalização do Acesso e Uso da Energia Elétrica – Luz para Todos – foi
instituído através do Decreto nº 4.873, de 11 de novembro de 2003, com o objetivo de levar energia elétrica para
mais de 12 milhões de pessoas até 2008, em todo o Brasil. Disponível no endereço eletrônico:
http://www.cemig.com.br/luzparatodos.asp acesso em 20/02/2008.
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termo “mundo do trabalho”, assim como em Witkoski (2007), utiliza-se para referir à gama de
atividades do calendário de trabalho do camponês ribeirinho, que utiliza como orientação os
“ciclos das águas” que consiste da sequência de enchentes, cheias, vazantes e secas, que ditam
o ritmo de realização de suas atividades produtivas. A pesca ganha destaque nesse mundo do
trabalho ribeirinho, que expressa todo o contexto de relação do ribeirinho do Povoado
Cajueiro com rio Tocantins.
Realizou-se este estudo no povoado ribeirinho mediante entrevistas abertas realizadas
com grupos focais (homens/mulheres/rapazes/meninas) e a técnica qualitativa foi adotada
para a análise das semelhanças e diferenças entre e dentre as percepções coletivas desses
diferentes sujeitos.
2. OBJETIVOS:
2.1. Geral
Analisar as percepções coletivas dos agricultores pescadores do Povoado Cajueiro, no
município de Palmeirante -TO, sobre as transformações no mundo do trabalho e no ambiente
da pesca no médio rio Tocantins, considerando as relações intergeracionais e de gênero.
2.2. Específicos:
Identificar as transformações no ambiente físico (o rio, as praias, os ciclos de cheia-
vazante);
Descrever as transformações nos componentes bióticos (os peixes);
Constatar as transformações no mundo do trabalho (na pesca, na agricultura e outras
atividades, nas estratégias de sobrevivência).
3. HIPÓTESE DA PESQUISA:
Os impactos no mundo do trabalho e no ambiente da pesca do rio Tocantins
transformaram a pesca no povoado Cajueiro.
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4. REVISÃO DE LITERATURA
4.1. Estado do Tocantins e as transformações sócioambientais
A navegação fluvial já foi o meio de locomoção e comunicação mais eficaz em todo o
rio Tocantins até o final da década de 1950. O rio Tocantins permitiu que o norte do Brasil
fosse explorado utilizando-o como via fluvial para o transporte de famílias do estado do
Maranhão através de embarcações que tinham como destino o Norte da província de Goiás.
Cavalcante (1999, p.30) aponta que os jesuítas chegaram ao território goiano, pelo rio
Tocantins, em busca de catequisar os índios que viviam no sertão. O Pe. Cristóvão de Lisboa
fundou o primeiro ministério jesuítico, em 1625, em Cometa, vila localizada onde atualmente
se encontra a UHE de Tucuruí - PA.
A construção da BR-153, no governo de JK (1956-1961), foi um empreendimento que
contribuiu para o povoamento do norte de Goiás e que ocasionou intensas transformações
socioambientais para as populações do sertão. Com essas obras, a navegação fluvial deixou de
ser o meio de transporte mais explorado e o principal corredor de acesso à região.
O rio Tocantins, desde o ciclo do ouro na Província de Goiás ainda no século XVIII,
foi uma das poucas alternativas de acesso à região norte do Estado de Goiás. Na Constituição
de 1988, o norte foi dividido do sul e passou a ser denominado Estado do Tocantins.
Conforme Lysias Rodrigues, o rio Tocantins recebeu esse nome que lhe “[...] foi
aplicado por viver em suas margens, a poderosa e valente tribo dos índios Tocantins, daí ser
conhecido a princípio como rio dos Tocantins” Rodrigues (2001 apud OLIVEIRA, 2003, p.3).
Para esse autor, a palavra “Tocantins” traz o significado de nariz de tucano, mas um de seus
estudos mostra que o rio teve ainda outras denominações, atribuídas por diversos exploradores
em diferentes épocas.
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O Rio Tocantins recebe essa denominação a partir da confluência dos rios Maranhão e
Paranã, no Brasil Central, somando cerca de 2.400km de extensão até a foz. Os afluentes que
o formam têm, portanto, suas nascentes no planalto de Goiás, região de Brasília, como
afirmam os geógrafos Gomes e Teixeira Neto (199, p.113): “O rio Tocantins inicia-se a partir
das imediações do quadrilátero Cruls (porção setentrional do Distrito Federal), há mais de
1.000m de altitude. Conforme a mesma autora, o rio Tocantins atravessa o país no sentido sul-
norte e, na divisa dos Estados do Tocantins e Pará (local conhecido por Bico do Papagaio),
onde recebe e uni-se ao rio Araguaia. Divide os Estados do Tocantins e Maranhão logo após
as cidades de Filadélfia-TO e Carolina-MA, cortando, em seguida, o Estado do Pará,
chegando à sua foz. “Constitui-se de três trechos distintos: o Alto Tocantins, que vai das
nascentes até a cachoeira do Lajeado, medindo 1.050km; Médio Tocantins, da cachoeira do
Lajeado à cachoeira de Itaboca, com 980km; e o Baixo Tocantins, da cachoeira do Itaboca até
a foz, com aproximadamente 370km. Alguns desses trechos são considerados navegáveis,
outros mais difíceis de navegar devido às corredeiras, cachoeiras e, em certas épocas do ano,
devido a pouca profundidade em alguns lugares. Segundo Oliveira (203, pp.3-4), os rios
Tocantins e Araguaia são bastante diferentes. Conforme o projeto ITATIBA, o rio Tocantins
caracteriza-se como sendo canalizado, com pouca planície de inundação:
Corredeiras e cachoeiras são os hábitats mais comuns ao longo de seu curso:
dominam a paisagem do curso superior, encontram-se espalhadas no curso médio e
formavam um importante hábitat reprodutivo no curso inferior, hoje submerso pela
represa de Tucurui. As lagoas marginais são rara no rio Tocantins, mas integram
importantes planícies de inundação no seu curso superior, na confluência com o
Araguaia e logo abaixo na represa de Tucurui. (Projeto CEPPEA-ITATIBA)´2
O estado do Tocantins foi ocupado até a década de 1950, pela expansão agropecuária
de fazendeiros do estado de Goiás e do Maranhão, e em função da abertura da Rodovia
Belém-Brasília intensificou-se ainda mais a partir do final dessa década e início dos anos 60
que contribuiu para um intenso desenvolvimento considerado desproporcional em relação à
2 INPA – Instituto Nacional de Preservação Ambiental – disponível no endereço eletrônico:
http://www.inpa.org.br/itatiba.pdf. Acesso em 11 de novembro de 2008.
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capacidade ambiental dos ecossistemas. O desenvolvimento trouxe impactos à flora devido à
substituição da mata nativa aos grandes projetos agropecuários impulsionados por políticas
públicas que visavam os incentivos fiscais por parte do Governo Federal.
No Tocantins, na década de 70, surgem os primeiros grandes empreendimentos que
exploraram a região norte do estado, por meio da passagem da linha de transmissão da
Eletronorte, vinda da grande barragem de Tucuruí, instalada no rio Tocantins alguns
quilômetros a jusante. (GOMES,1991, pp.165-179). Dentre os empreendimentos, a ferrovia
construída através do Projeto Carajás que liga as minas de Carajás ao Porto de Itaqui em São
Luiz do Maranhão que trouxe muitos impactos aos índios Xikrin, ao atingir suas propriedades
ricas em minérios e aos índios Gaviões Parkatejê, cujas terras foram avassaladas parcialmente
pela ferrovia.
[...] Da ferrovia surgem os projetos agropecuários, as siderúrgicas, a utilização de
carvão vegetal, os conflitos fundiários, as expectativas e insatisfações econômicas, a
valorização da terra, a urbanização descontrolada dos distritos rurais [...]. 3
Dragas para exploração de minérios são instaladas ao longo dos rios Araguaia e
Tocantins. Depois do Rio Araguaia, com mais de cinquenta máquinas de dragagem instaladas
às margens do rio, como aquelas em funcionamento nos garimpos de diamantes, cujas terras
são Áreas de Proteção Ambiental (APA) do Vale do Encantado, em Baliza, município que faz
divisa com o Estado do Mato Grosso, o Rio Tocantins passou a ser alvo desses
empreendedores. Duas máquinas se encontram em funcionamento na região do Médio Rio
Tocantins, no Povoado Cajueiro.
Embora as dragas tenham sua importância por contribuir com o desenvolvimento
social, os impactos advindos da extração mineral podem causar danos ambientais negativos e
que podem ser irreversíveis Brandt (1998 apud LELLES, 2005, p.1). A Lei Federal 6.567, de
3 GOMES, op. cit. pp.165-179
22
24 de setembro de 1978, disciplina o regime de licenciamento sobre o aproveitamento das
substâncias minerais.
A licença deve ser expedida pela autoridade administrativa local, com validade
somente após o seu registro no Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) e sua
publicação no Diário Oficial da União. (LELLES, 2005, p. 442).
Lelles (2005, p.2) mostra que há cerca de 2000 empresas de pequeno porte, chamadas
de familiares, gerando cerca de 45.000 empregos diretos, 60% e vai produzir além de 10.000
t/mês, 35,0% entre 10.000 3 25.000 t/mês e 5.0% mais que 25.0000 t/mês.
Esses empreendimentos são atores que agem em desacordo à capacidade do lugar,
alteram o ambiente social e material sem dar conta de sua importância. Valverde e Sintoni
(1994) citado por Melo e Matos (2005) concordaram que a mineração de areia torna-se uma
problemática, uma vez que se trata de matéria prima de baixo valor no que se refere ao
volume e preço.
As ações condicionadas aos ambientes em função desses empreendimentos se opõem
às tradicionais realizadas pelas populações ribeirinhas. Farias Cruz e Oliveira (2007, p.1)
propõem que “os exemplos revelados pelas comunidades ribeirinhas no que se refere ao
funcionamento de apropriação, uso e gestão dos recursos naturais podem ser adotados como
referência.” As mudanças e transformações no ambiente aquático podem colocar em risco a
sobrevivência das populações ribeirinhas na várzea amazônica e as que vivem na várzea do
rio Tocantins não são diferentes. A continuidade dessas populações sob tais pressões
decorrentes dessas transformações “é sempre um ato de heroísmo e de aventura”.
O estudo sobre etnoictiologia realizado por Begossi e Caravello (1990) citado por
Cetra (1998) mostra que as populações ribeirinhas do médio rio Tocantins em função do grau
de importância do recurso biótico, utilizam o critério de classificação por meios morfológicos
e ecológicos, do conhecimento do ambiente explorado por eles.
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O inventário do potencial hidroelétrico do rio Tocantins começou basicamente na
década de 60. O estudo partiu do baixo rio Tocantins, e foi concluído somente em 1976:
Na década de 80 novos estudos foram feitos e decidiu-se mudar de local algumas
usinas e definir outras que não estavam catalogadas nos estudos de inventários da década anterior. No caso do projeto de Lajeado, no médio Tocantins, o primeiro
barramento, chamado Lajeado Alto, que alagaria 2.950km2, na cota 237m foi
definido muito antes de ser criado o Estado do Tocantins (1988). Posteriormente,
foi assinalado outro barramento, localizado aproximadamente 120km rio abaixo da
cidade de Porto Nacional, conhecido como Lajeado, na cota 212m, pouco acima das
cidades de Miracema e Tocantínia - GO, localizadas às margens esquerda e direita
do rio Tocantins, respectivamente, ainda quando a região pertencia ao Estado de
Goiás..(ARAÚJO, 2003, p.26)
Existem quatro usinas consideradas de grande porte no Tocantins: Tucuruí - PA,
potência nominal de 3.960MW (inaugurada no ano de 1984), essa usina está a 310km de
Belém do Pará, na bacia do Tocantins, o empreendimento ocupa uma área de 7km de extensão
e inundou 285 mil hectares de terras nos municípios de Itupiranga, Tucuruí e Jacundá, uma
faixa de 200 quilômetros de terras. O lago da hidrelétrica de Tucuruí tem 270 quilômetros de
extensão e 10 de largura. O que proporcionou um grande impacto ambiental no entorno da
região.
Estudos mostram que muitas espécies de animais e vegetais foram extintas e 30 mil
pessoas tiveram que se retirar de suas terras e ainda duas tribos indígenas, Gavião e Parakanã
foram obrigadas a se deslocarem de suas aldeias, pois 2.850km2 de floresta foram inundados.
A produção de gás metano foi um dos impactos negativos provocados por essa inundação,
que também intensificou a reprodução e proliferação de grande quantidade de mosquitos.
Esses impactos e tantos outros foram assimilados pelas comunidades locais com a justificativa
de que o empreedimento serviria para aumentar o potencial energético do país. Os ribeirinhos
atingidos pelos impactos e que agora vivem em ilhas formadas a partir do lago, não são
beneficiados pela energia produzida pela usina. (ALMEIDA e REGIS, 2002, p.3).
A usina de Serra da Mesa-GO tem potência nominal de 1.275MW (inaugurada em
1998), e a de Lajeado-TO tem potência nominal de 850MW (inaugurada em 2001). A
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população atingida sofre de forma acelerada os impactos que vão desde o ambiental até o
social, por último a de Cana Brava – no Estado de Goiás, tendo uma potência nominal de
450MW (2002/1 foi sua inauguração). Toda eletricidade gerada pelas hidrelétricas dos
Estados do Pará, Tocantins, Goiás e Maranhão, por ser uma região rica em indústrias, é
utilizada como ligação permitindo intercâmbios entre os sistemas regionais Norte, Nordeste e
Centro-Oeste/Sudeste através de linhas de transmissão e subestações. (ARAÚJO, 2003, p.24).
Segundo a Agência Nacional de Águas (ANA) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID) em toda a bacia Araguaia-Tocantins que possui uma área que abrange 813 mil
quilômetros quadrados, cerca de 50 barragens de pequeno a grande porte já estão previstas a
serem construídas. Em toda a hidrovia Araguaia-Tocantins deverá ocorrer a transposição das
barragens dos vários projetos além do Rio Sono.
A hidrelétrica de Lajeado – TO, denominada Luís Eduardo Magalhães, localiza-se no
rio Tocantins, entre os municípios de Lajeado e Miracema do Tocantins, seu reservatório
ocupa área de 630km² (63 mil hectares), para uma potência instalada de 902,5 MW. Produz
6,5 vezes a mais que a energia consumida no Estado do Tocantins. O lago inundou os
municípios de Miracema, Lajeado, Palmas, Porto Nacional, Brejinho de Nazaré e Ipueiras e
em sua jusante desalojou três mil famílias. A hidrelétrica já funciona desde o 2º semestre do
ano de 2001, e produz 850 megawatts de energia. 4
4 ALMEIDA, R. & REGIS, M. Águas sem Barragens. Campanha Interestadual contra a implantação
de Barragens na Bacia Araguaia – Tocantins. São Luiz, 2002.
25
Figura 1. Aspecto geral da Usina Hidrelétrica de Lajeado e da cidade de Lajeado, no médio
Tocantins, município de Lajeado, TO. Fonte: Google Maps Brasil, 2008.
A UHE de Lajeado possibilitou a implantação de 34 programas ambientais e a criação
de 6.200 empregos diretos, além de dar independência energética ao Estado do Tocantins e a
energia excedente é direcionada ao Sistema Interligado Nacional (SIN) para beneficiar outros
estados do Brasil.
A UHE de Estreito (MA/TO) está localizada entre os municípios de Aguiarnópolis/TO
e Estreito/MA, os impactos mais profundos serão nas cidades de Carolina/MA,
Babaçulândia/TO, que devem ser inundadas, e ainda, Filadélfia/TO. Esses impactos devem
atingir diretamente 1.150 pessoas e de forma indireta, a reserva indígena Krahô, além do
Monumento Natural das Árvores fossilizadas. As várias cidades que estão ao longo do rio
Tocantins, e utilizam a água para o abastecimento da população, poderão sofrer fortes
conseqüências pelos danos ocorridos na água pela hidrelétrica.
26
Figura 2: Ilustração do rio Tocantins tendo ao fundo a construção da hidroelétrica de Estreito
(a) e estágio dos trabalhos de construção, no Estado do Maranhão (b). Fonte: Imagens@DigitalGlobe Cities/Spot
A região alvo das hidrelétricas é a do Bico do Papagaio abrangendo o Tocantins, Pará
e o estado do Maranhão, por ser um grande potencial hidroviário proporcionado pelo encontro
dos rios Araguaia e Tocantins o que aumenta a capacidade da bacia. Essa região é conhecida
pelos grandes conflitos sindicais ao longo da história e que recebeu a indústria de alumínio -
Alcoa, Billiton, Votorantim e a Companhia Valem do Rio Doce. Por esta razão, neste trecho
estão localizadas as hidrelétricas de Santa Isabel (TO/PA), de Estreito (TO/MA) em
27
construção e Serra quebrada (TO/MA). Segundo o Jornal ACHANOTÍCIAS5, as UHEs em
funcionamento são duas: a de Lajeado - 902,5 MW - e Peixe Angical – 452 MW e mais, 13
PCHs (Pequena Central Hidrelétrica) com 65,6 MW. Todos esses empreendimentos juntos
somam uma produção de energia que totaliza 1.420,10 MW. De toda essa energia, o estado
usufrui apenas 130 MW, e o excedente, 1.290,10 MW são exportados a outros estados do
país.
O lago da UHE de Serra Quebrada atingirá os municípios de Itaguatins/TO e
Governador Edson Lobão/MA e está previsto o desalojamento de 14 mil pessoas. Mas sabe-se
que os impactos não se resumem apenas nesses citados, pois o modo de vida dos oleiros e dos
pescadores da região será também modificado, sem mencionar as áreas onde vivem os povos
indígenas Krikati e Apinajé. Além dessas UHEs citadas, segundo o mesmo jornal, estão
previstas mais essas hidrelétricas no rio Tocantins: Paranã - 95MW, Barra do Palmas - 58
MW, São Salvador - 241MW, Ipueiras - 480MW e Tupiratins - 620MW e a de Santa Isabel -
1.080MW.
Sabe-se que as barragens têm sido construídas há milhares de anos, com diversos
objetivos, dentre eles, o de intervir no fenômeno natural das enchentes que alagam grandes
áreas rurais e cidades, passando então a controlar essas inundações; a de represar águas para
servir como fonte de energia hidrelétrica; o de abastecer o consumo humano direto, beneficiar
indústrias e o de irrigar lavouras. (ARAÚJO, 2003). Pelo rápido crescimento da população em
vários países do mundo e do poder econômico, a partir de 1950, os governos e entidades
privadas passaram a construir um número cada vez maior de barragens. “Pelo menos 45.000
grandes barragens foram construídas para atender demandas de água ou energia. Hoje quase
5 O Progresso – MA 06/07/2006 - 09:42 disponível em PDF no endereço eletrônico: www.achanoticias.com.br
p.2
28
metade dos rios do mundo tem ao menos uma grande barragem” 6. Sabe-se também que
indiretamente esses empreendimentos condicionam melhoria em alguns aspectos dessas
sociedades, através da criação de empregos:
Os impactos ambientais, sociais e econômicos que os empreendimentos podem
provocar durante e após a construção de tais empreendimentos numa região tão
delicada como a próxima aos rios não fazem parte do discurso nem do governo, tão
pouco das empresas. Que impactos são esses? São populações retiradas de suas
terras, o isolamento de tribos indígenas, a perda da biodiversidade (variedade de
vida animal e vegetal) e a privatização da água em proveito de uns poucos. O
impacto provocado por projetos deste porte vão além das regiões rurais, pois a
população que se dirige para trabalhar nas obras e os desalojados tendem a ocupar as
cidades próximas, formando favelas e sobrecarregando a infra-estrutura.
(ÁLMEIDA e REGIS, 2002, p.4)
No entanto, o efeito inevitável do represamento das águas, para a comunidade de
peixes, é a alteração na composição e abundância biótica, com proliferação de algumas
espécies. A mudança no ambiente causa a redução da variedade de espécies, elimina outras e
altera a dinâmica da água levando a insuficiência dos recursos naturais para alimentação, o
que afeta as alterações naturais levando os organismos a responderem de diversas formas às
novas condições (HAHN et al., 1997). Outros impactos são observados no estado do
Tocantins, a substituição do cerrado por lavouras de soja e pastagem, entre outros, e atingem
de diversas formas as populações ribeirinhas, transformando não somente o modo de vida,
cultura e economia local, mas obrigando ribeirinhos a buscarem alternativas de sobrevivência.
4.2 Regimento hidrológico do médio rio Tocantins
Pela análise de alguns autores, o regime hidrológico da bacia Tocantins-Araguaia é
considerado bem definido. A estiagem culmina no mês de setembro e outubro, enquanto que o
período em que as águas estão altas pela estação chuvosa se estende de novembro a abril. A
6 CNBB. Barragens em Desenvolvimento- Um novo modelo para tomada de decisões. O relatório da comissão
mundial de barragens _ Sumário (tradução de Carlos Afonso Malferrari), 2000. Disponível em:
www.dams.org/report/wcd_sumário.htm . acesso em 29 de novembro de 2008, p. 01.
29
vazão média da bacia é estimada em 11.000 m3/s, sendo a contribuição do rio Araguaia em
torno de 5.500 m3/s, a do rio Itacaiúunas de 450 m3/s, e a do Tocantins, antes da sua
confluência com o Araguaia, de 5.000 m3/s. (SOUZA, 2002, p.16)
O regime hidrológico da Região Hidrográfica, de uma forma geral, é bem definido,
apresentando um período de águas altas entre fevereiro e abril, quando se verificam
as maiores cheias. No Rio Tocantins propriamente dito, as máximas vazões são
observadas, geralmente nos meses de fevereiro e março, enquanto que na sub-bacia
do rio Araguaia, principalmente nos trechos médio e baixo, ocorrem em março e
abril. Tal fato é explicável, em parte, pelo amortecimento das ondas de cheia na
grande planície da Ilha do Bananal, retardando, assim, o seu pico (FGV; MMA;
ANEEL, 1998)7
.
Conforme a Agência Brasil8, O rio Tocantins tem mais de 400 espécies de peixes
registradas e pelo menos outras 56 ainda não descritas (sem registros). Isso sem falar nas
espécies novas que sequer foram descobertas. Os cinco grandes reservatórios (lagos de
hidrelétricas) já construídos e 40 outros, entre empreendimentos de grande e pequeno porte,
previstos para os próximos anos ameaçam toda essa riqueza, que corre o risco de ser extinta
por essa interferência humana no rio.
De acordo com os dados disponíveis para os tempos “pré-reservatório” (1976-1979), a
Curimatá, o pacu-manteiga, a caranha e os grandes bagres – filhote e dourada – dominavam as
pescarias no rio Tocantins (IBGE, 1987). Desde o fechamento da represa de Tucuruí em 1984,
estas pescarias se beneficiaram da maior abundância e tamanho dos peixes criados no
reservatório, com aproximadamente o dobro de captura de curimatás e aumento de 40% nas
capturas de jaraquis Ribeiro et al., (1995 apud CETRA, 1998, p.5)
Cetra (1998) constatou em sua pesquisa que o arrastão, no médio rio Tocantins, na
região de Imperatriz-MA, dentre todas as técnicas de pesca comercial é a mais explorada, pois
essa técnica garante a capitura máxima de Curimatá. Os arrastões são sanzonais, ocorrendo
apenas no período de praia. O número de pescadores no rio aumenta nessa temporada. O
aumento da atividade na região e da quantidade do pescado está condicionado ao regime das
7 http://www.semarh.goias.gov.br/protar/documentos/caderno/caderno_63-73.pdf
8 Disponível no endereço WWW.liganessa.com.br AES ELETROPAULO. p.26
30
águas do rio nas estações de chuvas e secas e ao emprego das artes utilizadas na exploração da
pesca (Figura 3). Percebe-se também que a instabilidade do nível do rio ocorre conforme
Cetra, em decorrência da:
(i) Inclinação da bacia; (ii) chuva local e (iii) flutuações cíclicas da maré, o que neste
caso, pode ser desprezado, pois os efeitos da maré no rio Tocantins só se fazem
perceber, baixo de Cametá (PA), que se localiza abaixo da barragem da UFE de
Tucuruí. As influtuações no nível do rio variam de ano para ano e estão relacionadas
com padrões climáticos globais. Geralmente, dois ou mais anos com níveis mais
elevados são seguidos por anos mais secos. Este padrão leva à consequências
consideráveis na ecologia dos peixes (WELCOMME, 1985 apud CETRA, 1988,
p.50).
O rio Tocantins é considerado extenso e de corredeira, com diversidade nas latitudes,
possui complexidades estruturais, menores temperaturas, e as flutuações sazonais do nível das
águas, proporcionando uma maior diversidade de espécies que pode ser um resultado da
diversidade de habitats. O baixo fluxo de mudanças de habitats contribui para uma maior
variedade de espécies capturadas no médio rio Tocantins, e as maiores capturas ocorrem no
período das vazantes (figura 3). Por essa razão os pescadores também variam nos métodos de
pesca e na consistência (CETRA, 1998, p.50).
Figura 3: Dinâmica da pesca comercial, medida pela captura de peixes conforme o nível das
águas do médio rio Tocantins. Fonte: Imagem adaptada, Maurício Cetra, 1998.
31
Esse autor descreve os artefatos utilizados na pesca no médio Tocantins tendo por base
os pescadores comerciais que visam atender o mercado de Imperatriz-MA: tarrafa,
malhadeira, espinhel, arrastão. A malhadeira é utilizada de duas formas, a primeira através da
rede de espera, é armada nas margens do rio, e a segunda, conhecida como caceia, aqui
pescadores deixam a rede descer o rio presa a duas canoas.
O arrastão é uma das técnicas que esses pescadores buscaram para justificar o aumento
dessa atividade principalmente nos períodos de estiagem, em que o nível das águas chega a
menos de um metro, entre os meses de junho a setembro, chegando a 150 toneladas de
capturas (Figura 3). Nessa mesma região do médio rio Tocantins, os peixes mais perseguidos
pela comercialização são curimatás e jaraquís. Estes dois peixes são migradores, formadores
de cardumes. Essas espécies pertencem à família Prochilodontidae, e chegam a 70% das
espécies capturadas, enquanto a família Pimelodidae é responsável por apenas 10%.
Kunk et al. (1989) explica que rios de planícies inundáveis como o rio Tocantins, que
apresentam um regime de inundação e um comportamento de muita variação periódica do
nível ou fluxo da água, são considerados essenciais na produção da ictionfauna aquática,
conservação das espécies, ao passo que “o canal principal do rio é utilizado como uma rota
de migração de peixes em busca de renovadas fontes de alimento e refúgio para a reprodução,
causando concentrações locais de algumas populações”. Kunk et al. (apud CETRA, 1998,
p.51)
O arrastão é empregado com o nível das águas mais baixo para proporcionar maiores
capturas de Curimatá. Esta espécie corresponde a cerca de 90% do total em peso das espécies
capturadas pelo arrastão. Para Santos et al., (1984) e Mérona (1993 apud CETRA, 1988, p.
56), os cardumes desta espécie não ultrapassam as cachoeiras de Tucuruí, devido não
conseguirem nadar contra as correntezas violentas. Por essa razão, a captura dessa espécie à
32
montante dessa UHE torna-se insignificante, fato este que justifica reclamação das populações
ribeirinhas do médio rio Tocantins.
Há um alto controle do nível das águas do médio rio Tocantins a partir da existência
da hidrelétrica de Lajeado (figura 4). Observa-se que os anos de 1980 e 1989 foram os anos
em que o nível das águas mais subiu, atingindo acima de 16m (linha azul na figura 4),
inundando desta forma, várias cidades ás margens do rio, dentre elas, a comunidade do “Oi
Grande”, hoje Palmeirante-To sede do município. O Povoado Cajueiro nas margens do rio a
60km da sede não foi diferente. A partir do ano 1995, e com o início da formação do lago da
usina de Lajeado, os níveis do rio Tocantins no sentido norte passaram ser controlados pelo
regime hídrico da UHE de Lajeado durante o ano, interrompendo, a partir daí, os ciclos das
cheias. Nota-se que após o reprezamento das águas à montante da barragem de Lajeado
(Figura 4), no médio rio Tocantins, o nível das cotas máximas (linha azul) das vazantes à
jusante passou a ser controlado, diminuindo a oscilação do nível das cotas que havia antes da
existência das barragens. A oscilação das cotas máximas e mínimas diminuiu
consideravelmente. Como conseqüência, houve uma alteração na dinâmica natural do rio,
afetando principalmente o modo de vida dos ribeirinhos, com o surgimento das praias, dentre
elas a Praia do Cará e Praia do Palmeirante, de forma que a relação dessas populações
ribeirinhas com a pesca e o cultivo nas vazantes (áreas inundáveis) foi consequentemente
alterada. Por outro lado, quanto à média da vazante baixa (cor amarela), não houve alteração
excessiva após a barragem.
33
Figura 4. Valores das cotas do nível das águas do rio Tocantins, em Miracema do Tocantins,
definindo por ciclos de cheias e vazantes, no período de 1969 a 2007. Fonte: Agência Nacional de Águas e SIPAM, Monitoramento Hidrológico de 2008 da UHE de Lajeado-Boletim
número 4.
O coordenador do Movimento dos Atingidos pelas Barragens (MAB), Cirineu Rocha
afirma que “a atividade de pesca e agrícola das famílias ribeirinhas na bacia Tocantins-
Araguaia está intimamente relacionada ao regime hídrico dos rios, baseando seu calendário no
ciclo das vazantes e enchentes, representando um estreito vínculo do morador ribeirinho com
o tempo da natureza” 9. Assim essa relação foi alterada desde a formação do Lago de Tucuruí.
4.3. O mundo do trabalho na pesca do Médio Rio Tocantins
9 Microsoft Word - 6_PRODUZIR_ENERGIA_E_DESTRUIR_A_VIDA_TO_MA_FINAL.doc
http://docs.google.com/gview?a=v&q=cache:tkZhWkSxHH8J:www.faor.org.br/CD/download/6_produzir_energ
ia.pdf+a+atividade+de+pesca+e+agr%C3%ADcola+das+fam%C3%ADlias+ribeirinhas+na+bacia+Tocantins-
Araguaia+est%C3%A1+intimamente+relacionada+ao+regime+h%C3%ADdrico+dos+rios&hl=en. Acesso em
30/02/2009
34
O rio Tocantins, formado pelos rios Maranhão e Paranã, é o principal rio que constitui
a bacia do rio Tocantins – Araguaia. Possui uma área com mais de 800.000km2, o que faz dela
a maior bacia hidrográfica totalmente brasileira. O rio Tocantins nasce no estado de Goiás ao
norte de Brasília e depois de 2.400km desemboca no rio Amazonas. Os rios do Sono, Palma e
Melo Alves são os afluentes dessa bacia. O trecho navegável é maior na cheia, chegando a
2000km, entre as cidades de Belém e Lajeado.
Veríssimo (1895); Medina (1934 apud Smith, 1979 e Goulding, 1983) remontam a
importância da atividade pesqueira para a população da Amazônia no passado, ainda antes da
colonização, apontando que era prática diária e essencial para a alimentação primária dos
indígenas e ameríndios que ocupavam a Amazônia, embora essas populações tivéssem
quelônios e o peixe-boi como fonte principal de exploração. A atividade pesqueira no Brasil
dos séculos XVIII a XX era a fonte de sobrevivência para as várias comunidades marítimas
que surgiram no país naquele período. Daí, esses grupos passaram a ser chamados de
comunidades de pescadores.
Assim como outras profissões, a de Pescador (a) conforme Galúcio (2004, p.17) já é
reconhecida como uma categoria e amparada pelas Colônias de Pescadores (as) da Amazônia.
A atividade é uma tradição, muitas vezes influenciadas pelos pais como descreve a mesma
autora:
“Bem sabe Benedito Monteiro, nascido na comunidade do Inanu, Lago Grande do
Curuai, 54 anos, que viveu desde menino e vive ainda a exercício da pescaria. Ele
me disse que a criança do interior ia para o rio desde que desse conta de remar na
popa da canoa, não importava a idade. Isso se dá porque os pais que já se encontram
cansados e sem parceiros passam essa responsabilidade para seus pequenos filhos,
não importa se é homem ou mulher. (GALÚCIO, 2004, p.17)
Historicamente, “a pesca artesanal surgiu de uma falência na economia dos ciclos
cafeeiro e açucareiro do Brasil Colônia e, também, devido à necessidade de exploração de
outros meios que não fossem os recursos de flora e fauna litorâneas, como o palmito, a caxeta
35
e os animais de caça” (CLAUZET, RAMIRES e BARRELLA 2005, p 01). Para Kuster (2006,
p 178), não somente os homens, mas também as mulheres possuem conhecimento sobre pesca
local e como uma essencial fonte de alimento. Além do mais, ambos os sexos podem ter um
bom conhecimento da maioria das espécies e nomes locais.
Segundo Melo e Matos (2006, p. 01), a pesca é considerada artesanal quando se
caracteriza pela simplicidade da tecnologia e pelo baixo custo da produção – se bem que,
atualmente, esses pescadores têm se modernizado bastante – produzindo com grupos de
trabalho formados por referenciais de parentesco, sem vínculo empregatício entre as
tripulações e os mestres dos botes; é aquela realizada com a finalidade de suprir a alimentação
do pescador e de seus familiares, com baixa produtividade, podendo ocorrer ou não a venda
do produto da pesca (CASTRO et al., 2008, p. 7).
A pesca artesanal fornece proteína de qualidade para as populações locais, é
considerada multiespecífica, pois utiliza diversificados aparelhos e, as embarcações mais
utilizadas não são motorizadas. A pesca artesanal é exercida individualmente, em pares e em
pequenos grupos de quatro a seis indivíduos (CETRA, 1998, p. 2).
Esse tipo de pescador tem na pesca a sua principal fonte de renda, e sua produção
volta-se para o mercado, sem perder, contudo, o seu caráter alternativo, podendo destinar-se
tanto ao consumo doméstico como à comercialização. Maldonado (1986 apud MELO e
MATOS, 2006, p.1). Esse autor aborda a perda de valor da pesca tradicional, chamando tal
processo de “esquecimento histórico da pesca artesanal” de uma geração para outra.
Pescadores de Subsistência: são ribeirinhos perfeitamente adaptados, ao ciclo anual
de enchentes e cheias, possuem economia de subsistência, pescam sozinhos ou em
dupla, utilizam pequenas canoas e seus aparelhos de pesca são: linha de mão,
tarrafas e pequenas malhadeiras. Também usam armadilhas, currais e tapagens.
Estima-se que cerca de 8500 pescadores ribeirinhos vivam espalhados pelas margens
dos rios e lagoas da bacia, com produção estimada em 2820 t/ano; (CETRA 1998,
p.4)
36
Dados da Eletronorte (1989, p.18) apontam que a pesca no médio rio Tocantins é
realizada, especificamente, por dois tipos de pescadores: profissionais e artesanais. Esses
exploram a pesca multiespecífica e através de multiaparelhos. Os principais alvos da pesca
profissional são as espécies migradoras que se concentram nos canais dos rios. Já os
ribeirinhos preferem a pesca nos lagos, pela presença de uma variedade de diversos animais
aquáticos como jacarés (Caiman yacare) e piranhas (Serrasalmus spp). Essas espécies
danificam os artefatos mais utilizados na pesca profissional que são as redes. Por essa razão, a
pesca profissional é evitada nos lagos. Sabe-se que as técnicas utilizadas para captura na pesca
artesanal possibilitam um rendimento controlado e produção reduzida. “Os pescadores
artesanais mantêm contato direto com o ambiente natural e, assim, possuem um corpo de
conhecimento acerca da classificação, história natural, comportamento, biologia e utilização
dos recursos naturais da região onde vivem” (CETRA, 1998, p.4).
Desta forma, as espécies passam a migrar de um ambiente para outro em busca da
sobrevivência, não como um processo natural, mas em razão das transformações no ambiente
aquático, em função dos impactos causados por esses empreendimentos e demais mudanças
locais. O monitoramento de dois anos da hidrelétrica de Lajeado, no médio Tocantins, registra
a presença de espécies que pertencem ao baixo rio Tocantins no médio Tocantins. Há também
a migração pelo processo de invasão.
4.4. Diferenças intergeracionais e de gênero no ambiente da pesca
O retrospecto das pesquisas envolvendo a humanidade mostra que as questões etárias
estão presentes nos estudos sobre o ser humano em geral como um ser que vive em
comunidade, porém, somente após a propagação das evidências do envelhecer da população
ter sido aceito pela ciência como um fenômeno universal que esse tema tem sido enfatizado
como fundamental na experiência coletiva do envelhecimento Kalache; Veras; Ramos (1987
37
apud WACHHOLZ e FAIMONCINI, 2006:1). Para se discutir as diferenças intergeracionais,
faz-se necessário compreender a definição de “geração”. Laufer e Bengston (1974)
contribuíram afirmando-a como sendo “um fenômeno de pessoas com idades similares que
vivenciam ou vivenciaram problemas históricos e concretos, além de experiências comuns
com os sistemas político, social, econômico e cultural”. (WACHHOLZ e FIAMONCINI,
2006, p.1)
O contexto de influências locais que se trata de bidirecional faz-se compreender que há
preocupação por parte dos pais em transmitir aos filhos, seus conhecimentos, cultura, e
valores. É uma forma de justificar e dar sentido às suas vidas. Por outro lado, os jovens em
geral, procuram estabilizar seus próprios conceitos e valores e para isso buscam os avanços
tecnológicos, demográficas e políticas oferecidas no seu tempo. Cada geração busca criar sua
própria identidade e impor seus próprios comportamentos, daí, as diversidades entre as
gerações, independentemente do grau de parentesco. Aldous, 1978; Bengtson e Kuypers,
1971; Fisher e Johnson (1990 apud BENINCA e GOMES, 1998, p.3). Para esses autores, as
diversidades estão apenas de um lado, não questionam a linearidade presente na geração
familiar ao longo dos tempos. A razão disto é o consenso presente nos “grupos geracionais
sucessivos na mutualidade das experiências, da assistência, das obrigações, das expectativas e
do afeto”.
Esse vínculo relacional que se estende à cultura a partir dos costumes, saberes, crenças
entre as gerações, contempla uma relação de poder entre os indivíduos de gerações diferentes.
Já foi descoberto no homem pré-histórico, quando ele se fez capaz de manter-se vivo por mais
de duas décadas, que isso só foi possível pela alta capacidade da observação e interação com
sua própria prole.
Se por um lado, o processo de transmissão de habilidades e disposições ocorre durante
a aculturação dos filhos pelos pais, por outro lado, a cultura é transmitida através da
38
observação. Assim, a cultura é transmitida quando um indivíduo observa o comportamento
dos outros ou quando um indivíduo ingênuo é ensinado por um experiente (modelo da teoria
da aprendizagem social). (ROSENTHAL e ZINMMERMAN 1978. in BOYD e
RICHERSON, 1984, p. 430)
As formas de transmissão cultural, segundo Begossi (1990), ganharam mais atenção a
partir da década de 70 com os estudos que convergiam suas idéias como a base para uma
teoria geral da cultura.
Richerson e Robert (2005) mostram a cultura como aquisição de informações através
da imitação ou aprendizagem de outros indivíduos e capaz de afetar um fenótipo de um
indivíduo. Assim, para eles, a aprendizagem social ou transmissão cultural pode ser modelada
como um sistema de herança. Neste sentido, as crianças aprendem com os mais velhos que as
ensinam ou mesmo através da imitação. “Para entender a evolução cultural, temos que levar
em conta, todos os processos pelos quais a variação cultural é transmitida e modificada.” 10
Cavallisforza e Feldman (198l, pp. 121-132) conceituam cultura, baseando na
transmissão cultural que para eles é a capacidade de aprender e transmitir conhecimento de
gerações para gerações. Para isso, são apresentados diferentes modelos de transmissão
cultural: “vertical (pais para filhos), horizontal (mesma geração) e oblíqua (entre gerações)”.
Todos esses modelos são analisados em conformidade com as forças de evolução cultural, que
são elas: “mutação (erro ao copiar), seleção natural (quando um traço cultural aumenta as
chances de reprodução), seleção cultural (probabilidades de que uma idéia aumente de
freqüência em uma população)”. 11
A idade também é um fator relevante na diversidade intergeracional. Para Rifiotis
(1995 apud WACHHOLZ e FIANMONCINI, 2006, p.2), esse aspecto sempre foi
considerado historicamente, como uma dimensão social que dignificava o indivíduo com o
10
RICHERSON e ROBERT, op. cit. p. 430 11
CAVALLISFORZA e FELDMAN, op. cit. pp. 121-132
39
maior status de poder, proporcionado por fatores quantitativos nas antigas gerações,
considerando que havia menos idosos, e que a opinião destes tinha maior aceitação e valor
que a dos indivíduos jovens. Tolor (1976 apud BENINCA e GOMES, 1998, p.4) afirmou que
a herança cultural, trabalha como um elemento de informação biológica de preservação da
espécie, Essa dinâmica é ampliada quando as novas gerações buscam renovar as práticas
herdadas tradicionalmente e adicionando a estas, de forma progressiva, novas descobertas,
valores e atitudes e estilos de vida conforme as exigências propostas pelos novos tempos.
Goldani (1999, apud WACHHOLZ, FIAMONCINI e FABROZOP KIESER, 2006
p.229) considera que o contrato intergeracional entre os membros de uma família se sustenta
por meio de fatores que incluem afeto, sentimentos de reciprocidade, e incentivos econômicos
ou sanções negativas. Aponta ainda que os sentimentos de obrigação que perpassam gerações
são por experiências individuais de um grupo familiar e também, por fatores específicos de
sua historicidade.
Cientistas discutem as relações intergeracionais com a preocupação de entender não
somente as diferenças, mas também as similaridades nos valores e comportamentos entre as
gerações.
“A principal controvérsia é a existência em maior ou menor grau do distanciamento
(gap) entre os grupos de idade. De um lado, defende-se a descontinuidade entre
gerações e questiona-se o poder da herança cultural (Cashmore e Goodnow, 1985).
Do outro, defende-se a continuidade geracional, alegando que a descontinuidade é
um produto da mídia, divulgado com base na rejeição drástica de minorias radicais
(Acock e Bengtson, 1980). Há, também, uma posição moderada que reconhece tanto as diversidades provocadas pela modernidade, quanto as semelhanças geracionais
promovidas pela herança familiar. Rosental, (1984 apud WACHHOLZ e
FIANMONCINI, 2006, p.3)
Vale refletir sobre gênero na pesca conduzindo uma apreciação sobre a divisão do
trabalho entre os gêneros. Assunto de dimensão pouco valorizada no âmbito dos estudos que
privilegiam a situação do homem pescador, gênero, na concepção de Nicholsom, citada por
Scott, (1995 apud MELO e MATOS, 2006, p.3) é uma categoria social imposta sobre um
40
corpo sexuado. Ao citar Scott (1995), a autora aponta o gênero como “um meio de decodificar
o sentido e de compreender as relações complexas entre diversas formas de interação
humana”.
Para Galúcio (2004, p.17), não há distinção. Quando necessário, a mulher assume as
obrigações de cuidar da economia e ajudar no sustento da família e por isso também conhece
sobre pesca, e ainda que transpareça muito mais difícil para a mulher, não é raro deparar-se
com uma amazonida pescadora. No entanto, somente após a década de 70, a produção
acadêmica se amplia nas investigações sobre a atuação feminina nas atividades artesanais.
Alencar (1993) discorre que a invisibilidade parte da forma que o pesquisador analisa:
Este modelo bipolar da divisão sócio-espacial e do trabalho recorrente nas
etnografias tem sido característico da visão intelectual da tradição pesqueira. Em
alguns casos, aparece de forma rígida, principalmente porque reforça as distinções
das atividades de acordo com os espaços e com o gênero que as realiza 3. [...]
Assim, muito da “invisibilidade” da mulher em atividades de pesca decorre da ótica
do pesquisador na construção etnográfica e interpretativa do seu objeto de estudo
(ALENCAR 1993, p. 66).
Amaral (1994, apud MALTA-MAUÉS 1999, p.377) atesta que a mulher era
enfatizada como heroína ou vítima nos anos 70, e tinha como objetivo a valorização do tema
mulher, e os estudos “concentraram seus esforços no resgate da presença feminina na história
e na vida social [...], incorriam (eles) em simplificações que a colocavam (a mulher) em
posições extremas de heroína e (ou) de vítima”. Para esse autor, a pesca, até os anos 80, era
centrado na atividade masculina. Desta forma, torna-se imperioso registrar que a presença da
mulher vem tornando-se cada vez maior.
Conforme o programa Femmes (2005, p.2), na troca de opiniões entre mulheres,
compreendeu-se que é necessária a promoção de políticas de pesca valorizando a equidade de
gênero como um passo fundamental para a conservação da cultura e do modo de vida das
populações de pescadores.
As mulheres têm uma longa tradição na história da pesca; o seu modo de vida
assenta na pesca de exploração familiar e elas são trabalhadoras experientes e
41
conhecedoras, essenciais, para a sobrevivência das comunidades ribeirinhas em toda
a Europa. Já de si vulneráveis, o modo de vida e a subsistência dessas comunidades
estão cada vez mais ameaçados pela degradação dos recursos, por uma gestão
deficiente, por tecnologias inapropriadas, pela aqüicultura intensiva, pelo turismo de
massas e por políticas de pesca que não respeitam a igualdade de gêneros.12
As populações ribeirinhas, sejam mulheres ou homens, detêm um conhecimento
aprofundado da natureza no que se refere ao clima, às espécies e águas. Maneschy (1990 apud
RUFINO 2008, p.5). Desta forma, todo esse capital cultural permite esses ribeirinhos terem
uma relação estreita com o ambiente local e esse processo, no entanto, não significa adaptação
ao meio, conforme a teoria do ciclo biológico e hidrológico. Woortmann (1992), que assinala
que o que acontece é um reordenamento na relação com a natureza, principalmente quando se
discute espaço, tempo e gênero em comunidades pesqueiras.
A comunidade de pescadores pesquisada por Rufino no município do Careiro - AM,
mediante as diversas transformações na atividade da pesca, que proporcionaram o declínio do
pescado, as novas gerações de jovens já não encontravam motivações para darem
continuidade à prática da atividade, sendo a escassez dos estoques pesqueiros, a principal
razão do abandono.
12
AKTEA – Les femmes dans La pêche ET lês cultures marines em Europe. AGENDA DAS MULHERES DA
PESCA ET DO MARISQUEIO NA EUROPA, 2005 disponível no endereço eletrônico: www.fishwomen.org /
42
5. MATERIAIS E MÉTODOS
5.1- Área de estudo
O universo da pesquisa é o Povoado Cajueiro no município de Palmeirante – TO. Este
município está localizado à margem esquerda do rio, que tem sua nascente na Lagoa Formosa,
estado de Goiás, com aproximadamente 1.000 m de altitude. Dos 2.500km do curso total na
região centro-oeste e norte do país, e desses, dois terços estão no Estado do Tocantins.
Por sua vegetação apresentar a forma bem diversificada, Brito E. R. et al (2002, p.2)
afirma que o Estado do Tocantins ocupa “um grande ecótono, onde surgem fisionomias com
feições de cerrado, caatinga, babaçuais, de Floresta Equatorial e Tropical. Há predominância
do Complexo do Cerrado que ocupa cerca de 60% do território tocantinense”. A economia em
todo o Estado se destaca com a agricultura e a pecuária extensiva e áreas destinadas ao cultivo
de monoculturas como arroz, milho e sorgo. Nota-se nos últimos anos crescente devastação de
áreas do cerrado para cultivo da soja.
O povoado Cajueiro localiza-se no município de Palmeirante TO, a 60km da sede do
município, 300km à montante da UHE de Estreito em construção, e 260km à jusante da
Hidrelétrica de Lajeado, 8° 05' 08.48" de Latitude S, 48° 05' 21.12" de Longitude O.
43
Figura 5. Mapa representativo da exploração dos recursos hídricos do rio Tocantins no trecho
compreendido entre os estados do Pará, Tocantins e Maranhão, demonstrando o local de
construção da Hidrelétrica de Lajeado e a localização do Povoado Cajueiro, município
de Palmeirantes, TO. Fonte: Mapa adaptado - Ministério dos Transportes.
A origem desse povoado Cajueiro é indefinida, porém remota. O município de
Palmeirante surgiu da divisão do município de Filadélfia. Um povoado chamado “Oi
Grande”, nome que, segundo moradores locais, surgiu após pescadores avistarem um animal
44
com fisionomia desconhecida no médio rio Tocantins, que possuia no centro da cabeça
somente um olho grande.
Figura 6. Localização geográfica do município de Palmeirante, no estado de Tocantins e local
de residência de um agricultor pescador do Povoado Cajueiro, no rio Tocantins, onde
foi realizada grande parte das entrevistas. Fonte: Google Maps, 2008
Neste trabalho, esse grupo local representa as populações ribeirinhas do médio rio
Tocantins por apresentar as características das demais populações que localizam no médio rio
Tocantins. O município tem uma área de 2.472,3km² e como grande parte dos municípios
pequenos desse estado, Palmeirante foi fundado em 1993, e está situado ao norte do estado do
Tocantins. “Possui uma população estimada pelo IBGE, em 01.07.2006 é de 4.689 habitantes,
e a área da unidade territorial é de 2.641km², e está a 7° 49' 22.80" de Latitude Sul, 48° 08'
56.24'' de Longitude Oeste, e a 184.0992m acima do nível do mar e está a 332km da cidade de
Palmas, Capital do Estado do Tocantins.
45
Em visitas ao local, constatou-se que os moradores mais antigos afirmam estar na
região há mais de 60(sessenta) anos, e grande parte confessa ter nascido no local em que seus
avôs já chamavam de Cajueiro. Essa toponímia também identifica o igarapé que corta o
povoado, um afluente do rio Tocantins. Igualmente, designa a fazenda que correspondia a
toda a região, de forma que após a criação do estado do Tocantins, essa fazenda foi dividida e
transformada em diversas outras recebendo outros nomes, porém, toda a regiào continua
denominada de Povoado Cajueiro.
Os moradores de Cajueiro são pequenos agricultores pescadores que além da pesca,
vivem das atividades artesanais baseadas no extrativismo e no cultivo de arroz, milho,
mandioca e criação de gado e animais de pequeno porte.
Figura 7. Reunião entre agricultores pescadores do povoado Cajueiro, as margens do rio
Tocantins, para apresentação do projeto de pesquisa, no município de Palmeirantes, TO.
Com a ajuda de um dos moradores pioneiros da comunidade local, em visita à
residência de um dos sujeitos entrevistados, foi desenhado no chão (Figura 8) o mapa do
perímetro que corresponde toda a área pertencente à região. A explicação do sujeito
entrevistado contribuiu na localização dos membros dos grupos focais entrevistados na
comunidade local.
46
Figura 8. Agricultor pescador, sujeito do Grupo Focal II, desenhando a sua concepção do
mapa do povoado Cajueiro, no rio Tocantins, município de Palmeirante, TO.
Há no povoado quarenta famílias, e noventa pessoas entre adultos e crianças. Todos
vivem das atividades de subsistência que se baseiam no extrativismo e, complementarmente,
na agricultura de subsistência.
A pesquisa de campo foi realizada por meio de entrevistas abertas, por grupo focal
abreviado aqui por (GF), no total de quatro grupos e constituem-se ao todo de 27 pessoas
distribuídas da seguinte forma:
Figura 9. Encontro com agricultoras pescadoras do rio Tocantins, para entrevista com Grupo
Focal I - (seis mulheres acima de 30 anos), no Povoado Cajueiro, município de
Palmeirantes, TO.
47
O GF I é composto de sete mulheres com mais de 30 anos, média de idade de 62 (sessenta e
dois) anos e seis meses, e a média de tempo no povoado é de 48 anos e cinco meses.
Figura 10. Encontro com agricultores pescadores do rio Tocantins, para entrevista com Grupo
Focal II - (onze homens acima de 30 anos), no Povoado Cajueiro, município de
Palmeirante, TO.
GF II refere-se a homens com mais de 30 anos, com média de idade de 57 anos, desses
a média de tempo no Povoado é de 44 anos. Sendo que apenas um dos sujeitos desse grupo
possui menos de 55 anos de idade. Somente um deles fez o segundo grau na cidade próxima
(Colinas do Tocantins) e os demais só estudaram a terceira série chamada atualmente de
quarto ano do Ensino Fundamental. Informação do grupo apontou que o acesso à educação
formal era difícil, pois poucos podiam pagar um professor particular em casa.
48
Figura 11. Encontro com agricultores pescadores do rio Tocantins, para entrevista com Grupo
Focal III - (seis rapazes de até 25 anos), no Povoado Cajueiro, município de
Palmeirantes, TO.
O GF III (rapazes), composto de seis rapazes, com menos de 25 anos de idade, todos
nasceram no povoado, não concluíram o Ensino Fundamental. O costume da sociedade local é
de enviar somente alguns dos rapazes para continuarem os estudos na cidade. Portanto, a
todos que ficam com os pais acabam por constituir suas famílias na própria região.
Figura 12. Encontro com agricultoras pescadoras do rio Tocantins, para entrevista com Grupo
Focal IV - (quatro moças com menos de 25 anos), no Povoado Cajueiro, município de
Palmeirantes, TO.
49
O GF IV, constitue-se de apenas quatro moças com menos de 25 anos de idade, dada a
dificuldade de encontrar moças com essa idade na região do povoado, uma vez que é costume
na comunidade, os pais enviarem as filhas moças e não os rapazes para continuarem os
estudos na cidade.
A opção em pesquisar homens e mulheres com mais de 10 anos residentes no
povoado, rapazes e moças de até 25 anos de idade foi por considerar o fato de que haja no
povoado tanto, famílias recentes e famílias que moram na região há mais de 40 anos. As
entrevistas foram realizadas com cada Grupo Focal (GF) separadamente e em horários
diferentes.
Esta pesquisa teve como critério usado para seleção desses sujeitos os seguintes
pontos: por um lado, o tempo de residência no local e a relação com a pesca. Por outro, o
número de sujeitos em cada grupo, se deu conforme a média de pessoas com as características
exigidas pela pesquisa. O número pequeno de moças é justificado por não se encontrar no
povoado, um número maior de moças que se enquadram conforme a pesquisa. Como havia
um maior número de mulheres e homens com essas caraterísticas optou-se incluir todos. E
ainda, foram utilizadas informações dos residentes mais antigos e que representam toda a
comunidade local. Para isso, foram necessárias várias visitas in loco.
Os dados secundários do cadastro dos moradores foram coletados nos documentos da
Companhia de Energia Elétrica do Tocantins - (Celtins) que tem sede em Palmas - TO, capital
do Tocantins e é responsável pela implantação do programa do governo Federal “Luz Para
Todos”.
5.2 Técnicas para as entrevistas não estruturadas
Para as entrevistas utilizamos as seguintes técnicas:
Visitas in loco
50
Para o reconhecimento da comunidade local e dos ambientes aquáticos além da
apresentação da pesquisa e pesquisadores.
Linha histórica
Foi desenhada uma linha no chão e um dos membros dos grupos foi estimulado a citar
os eventos ocorridos no rio e no trabalho da pesca, desde a criação do Estado do Tocantins
através da Constituição Federal de 1988. Depois, responderam perguntas abertas por meio de
um roteiro em um formulário. As perguntas buscaram explorar memórias e percepções a cerca
do rio e da pesca antes desses eventos em comparação com o rio atualmente.
Brainstorming
Com esta técnica buscamos estimular os membros de cada GF por meio de um roteiro
de perguntas. Cada grupo, através desta técnica, foi levado a ativar as informações próprias
sobre os acontecimentos do passado, bem como o trabalho da pesca e os ambientes aquáticos
do rio Tocantins.
5.3 Procedimentos de coleta e análise: Análise qualitativa
Foram reunidos os sujeitos de cada Grupo Focal em uma das residências do povoado
em horário e dias diferentes e um formulário contendo um roteiro de questões abertas para as
entrevistas foi utilizado. As informações foram coletadas mediante gravação em áudio.
Depois de decodificadas, as gravações estão à disponibilidade do público na Biblioteca da
Faculdade Integrada de Ensino Superior de Colinas do Tocnantis - TO. Os dados levantados
foram descritos e interpretados por meio da análise qualitativa. Através da análise
comparativa dos depoimentos dos grupos focais buscou-se identificar, dentre e entre as
percepções coletivas dos antigos moradores e dos jovens do Povoado Cajueiro, as
51
semelhanças e diferenças nas relações intergeracionais e de gênero sobre as transformações
ambientiais e sociais locais.
5.4 Fundamentações Teóricas e Empíricas da metodologia
O método da pesquisa foi o etnográfico, pois se constitui de uma análise descritiva das
populações humanas, principalmente aquelas consideradas tradicionais e de pequena escala. A
“etnografia deve ser entendida como a descrição de uma cultura, que pode ser a de um
pequeno grupo tribal, numa terra exótica, [...], sendo a tarefa do investigador etnográfico,
compreender a maneira de viver do ponto de vista dos nativos da cultura em estudo”.
Spradley (1979 apud FINO 2006, p.1).
Para facilitar a participação dos sujeitos nas entrevistas obteve-se apoio em técnicas do
Diagnóstico Rural Participativo (DRP) que segundo Chambers (1992 citado por GOMES et
al., 1999, p.2), é o termo empregado para designar “um conjunto de métodos e abordagens
que possibilitam às comunidades compartilhar e analisar suas percepções a cerca de suas
condições de vida, planejar e agir. Segundo Verdejo (2007, p.12 ), DRP é definido conforme
as seguintes características:
a) É um processo de pesquisa e coleta de dados, que pretende incluir as perspectivas de
todos os grupos de interesse integrados pelos homens e pelas mulheres rurais. b) Impulsiona uma mudança nos papéis tradicionais do pesquisador e dos pesquisados,
já que ambos participam da determinação de quais e como coletar os dados; é um
processo de dupla via
c) Reconhece o valor dos conhecimentos dos/as comunitários/as.
d) Funciona como meio de comunicação entre aqueles que estão unidos por problemas
comuns. Esta comunicação coletiva chega a ser uma ferramenta útil para identificar
soluções
As técnicas utilizadas durante a pesquisa de campo, nas entrevistas, apresentavam os
seguintes objetivos:
Visitas in loco
52
O reconhecimento da comunidade local, dos grupos focais e dos ambientes aquáticos
além da apresentação da pesquisa e pesquisadores para essa população quilombola.
Linha Histórica
Essa técnica visou resgatar a memória de fatos e acontecimentos históricos
importantes, proporcionou aos membros dos grupos a lembrar e relatar acontecimentos do
passado. No entanto, foram estimulados a estarem unidos e despertados a relatar como era o
rio e a pesca antes dos empreendimentos instalados no rio desde a criação do Estado do
Tocantins. Através da discussão dos eventos do passado, favoreceu a compreensão da
realidade atual. (Projeto DOCES MATAS, 2002, p.36)13
Brainstorming ou Tempestade de Idéias
Essa técnica é usada em dinâmicas de grupo, sua principal característica é explorar as
habilidades, potencialidades e criatividade de uma pessoa, direcionada ao serviço de acordo
com o interesse. Foi possível explorar as informações dos grupos relacionados à pesquisa por
meio do roteiro de perguntas expostas no formulário.
Utilizou-se a análise qualitativa, pois possibilita um conjunto de diferentes técnicas
interpretativas que visam descrever e decodificar os componentes de um sistema complexo de
significados. Esse tipo de análise teve como objetivo traduzir e expressar o sentido dos
fenômenos do mundo social de uma comunidade quilombola; e isto se trata de reduzir a
distância entre indicador e indicado, entre teoria e dados, entre contexto e ação Maanen
(1979ª: 520 apud NEVES, 1996, p.1)
Embora o procedimento de análise qualitativo se difira do quantitativo quanto à forma
e ênfase, Pope e Mays (1995, p.42) afirmam que esses métodos podem contribuir à pesquisa
13
Projeto Doces Matas IEF - IBAMA - Fundacão Biodiversitas – GTZ Belo Horizonte, MG - Junho 2002
53
com procedimentos racionais e intuitivos ao mesmo tempo, e dão uma melhor compreensão
dos fenômenos. Desta forma, considerou-se a particularidade do fenômeno pesquisado, que
buscou analisar as percepções dos pescadores do Povoado Cajueiro sobre o rio Tocantins e
suas transformações no trabalho da pesca e dos ambientes aquáticos.
A participação dos membros de cada GF foi o objetivo principal das técnicas do DRP.
Em se tratando dos grupos focais entrevistados, Zimerman (1997, pp.26-31) procurou definir
o termo “grupo” como sendo a união de duas ou mais pessoas, desde que o número de
componentes não comprometa a comunicação e a interação entre os mesmos. São pessoas que
se unem em uma determinada tarefa ou um objetivo comum, e organizados por normas que
determinaram local, data e hora dos encontros.
Para Chambers (1999), a utilização das técnicas não é o suficiente para garantir a
efetiva participação dos membros dos grupos focais no processo de diagnóstico e de
implementação de medidas de amenização das restrições. O pesquisador deve adotar uma
postura imparcial ao encarar o sujeito do Grupo Focal a ser pesquisado e observando no
mesmo a capacidade de contribuir na análise da realidade local. Assim enfatizam Guijt e
Cornwall (1995 apud GOMES, 1999, p.3). "aprender o uso de técnicas é a parte mais fácil.
Adquirir a habilidade de comunicação e facilitação para aplicar junto aos agricultores é o mais
difícil".
As entrevistas abertas constituíram-se de um roteiro simples de perguntas e questões
que foram apresentadas e posteriormente complementadas pelos entrevistados, de modo que
houvesse certa flexibilidade ao entrevistador e entrevistado na coleta de informações,
incluindo perguntas não previstas no roteiro e possíveis opiniões do entrevistado Richardson
(1989 apud CONDINI, GARCIA e VIEIRA in “Pan-American Journal of Aquatic Sciences”
2007 pp.280-281). As entrevistas foram organizadas conforme os dois temas A e B
direcionadas por Grupo Focal (homens/Mulheres/Rapazes/Moças):
54
a) Percepções Coletivas sobre as transformações no rio Tocantins;
b) Percepções Coletivas relativas às mudanças na atividade pesqueira ao longo tempo tendo
como base a criação do Estado do Tocantins.
Para analisar e interpretar as percepções explicitadas no discurso de cada grupo
buscou-se fazer a triangulação com a interpretação dos dados secundários coletados,
confrontando-os com as percepções, com ênfase para a indentificação de semelhanças dentre
os grupos de mesmo gênero e nas diferenças intergeracionais. Inicialmente, observou-se de
que forma os grupos de mesmo gênero perceberam as transformações ocorridas no mundo da
pesca e buscou-se traçar suas diferenças e semelhanças. No segundo momento, o mesmo
exercício for aplicado dentre os gêneros opostos conforme o gráfico abaixo.
n
Figura 13. Relações estabelecidas entre os quatro grupos focais de agricultores pescadores do
rio Tocantins, submetidos à entrevista no Povoado Cajueiro, no município de
Palmeirante, TO.
Homens
Grupo focal II
Rapazes
Grupo focal III
Mulheres
Grupo focal I
Meninas
Grupo focal IV
55
6. RESULTADOS E DISCUSSÃO
6.1 As transformações no ambiente físico (o rio, as praias, os ciclos de
cheia vazante).
Ao analisarem-se as respostas, foram encontradas diferenças e semelhanças de gênero
e intergeracionais entre os grupos entrevistados (Tabela 1). Entre os grupos focais II e III
(homens e rapazes) respectivamente as diferenças são: O GF II (homens) não percebe a
presença das dragas como impacto na relação com o rio, porém, a hidrelétrica de Tucuruí
além de estar a 620km do Povoado, foi o primeiro empreendimento percebido por esse grupo
como um fator que contribui para as transformações locais.
Foi construído barrage, que eu conheço de nome, já tem umas quatro barrage: a
barrage da Serra da Mesa, a barrage do Peixe, a barrage do Lajeado que tão
acabando de construir aqui agora também, em dois mil e dez ta pronto, né? Tem a
barrage de Tucuruí também, foi a partir dela que já começou ficar ruim, porque a
tendência do peixe é subir, né[...] (GF II).
O grupo focal III admitiu saber da existência dos empreendimentos. “hidrelétricas de
Lajeado, Estreito, draga, praias” (GF III)
O anexo I apresenta de forma resumida todas as percepções descritas nas
entrevistas, bem como a relação de semelhança e diferença entre os grupos focais
entrevistados nesta pesquisa.
Tabela 1. Relação de semelhança e diferença nas percepções dos agricultores
pescadores do povoado cajueiro no município de Palmeirante, TO. (ir para um anexo)
56
GF
I
GF
II
GF
III
GF
IV Total
Não previa mudanças no ambiente aquático 1 1 1 1 4
Admite que a pesca era para os sustento familiar 1 1 1 1 4
A pesca tradicional era mais presente 1 1 1 1 4
Não dispõem dos recursos modernos 1 1 1 1 4
A pesca tradicional é praticada em todas as gerações 1 1 1 1 4
Não percebe as dragas como impactos na cultura da pesca 1 1 1 1 4
Não adotam artefatos modernos - 1 1 1 1 4
Prefere a pesca com anzol, conhece iscas 1 1 1 1 4
A mulher divide a força de trabalho e responsabilidade 1 1 1 1 4
Admite conhecer as espécies de peixes e experiência da mulher na atividade da pesca. 1 1 1 1 4
Conhece os ambientes, iscas mais utilizadas, fluxo da pesca local 1 1 1 1 4
Percebe a diminuição dos recursos aquáticos 1 1 1 1 4
Não vê as dragas como impactos aos peixes e ao rio 1 1 1 1 4
A pesca como uma atividade de lazer 1 1 1 1 4
Não gostariam de deixar o Cajueiro para viver em outro lugar 1 1 1 1 4
Conscientes da necessidade de conservar os recursos aquáticos e que há
desaparecimento de algumas espécies 1 1 1 1 4
A pesca praticada por todas as gerações e pescam acompanhados 1 1 1 1 4
As atividades das dragas motivo de preocupação com a extração de areia do rio - 1 1 1 3
Admite que a praia não continue por causa da UHE 1 1 1 - 3
Não será beneficiado com a energia produzida da hidrelétrica de Estreito 1 1 1 - 3
Percebe eventos do passado e do presente 1 1 1 - 3
Percebe as transformações no ambiente da pesca (diminuição dos recursos bióticos) 1 1 1 - 3
Os recursos modernos interferem na cultura da pesca tradicional 1 1 1 - 3
Admite o método tradicional ser menos depredador, mais conservador 1 1 1 - 3
Admite saber da cheia no leito do rio antes das hidrelétricas 1 1 1 - 3
Havia grande quantidade e diversidade de cardumes 1 1 1 - 3
Admite explicar o ciclo dos peixes 1 1 1 - 3
Não acredita em benefício à comunidade com a construção da UHE de Estreito 1 1 1 - 3
Cultura da transmissão dos saberes através da observação e repasse de pai para filho 1 1 1 - 3
Pouca dependência da pesca em relação ao passado 1 1 1 - 3
Previa a temporada de plantio no passado - 1 1 - 2
Dá detalhes das transformações do rio e da pesca 1 1 - - 2
Percebe a exploração das vazantes antes das UHEs 1 1 - - 2
Explica o período de estiagem, cheia, exploração da vazante 1 1 - - 2
Percebe os impactos visíveis e os invisíveis, atuais e futuros 1 1 - - 2
Admite as praias como diminuição do nível de água do rio 1 1 - - 2
Mudanças no modo de vida dos ribeirinhos 1 1 - - 2
Idealiza a fartura do rio antes das UHE 1 1 - - 2
Percebe a escassez do peixe e os fatores contribuíram para a diminuição da prática 1 1 - - 2
O pescador externo e o boto são vistos como predadores 1 1 - - 2
Não percebe as hidrelétricas, mas dragas e praias 1 - - 1 2
Conhecimento a respeito das UHEs - 1 1 - 2
Percebe as praias como lazer - - 1 1 2
O “rabudinho” como embarcação manual mais utilizada e fabricada com a vegetação
local - - 1 1 2
Recursos bióticos podem correr o risco de serem contaminados pelo óleo das dragas 1 - - - 1
A UHE de Tucuruí diminuiu os recursos aquáticos 1 - - - 1
Percebe os impactos das UHEs já em funcionamento - 1 - - 1
Preocupa com a qualidade da água, meio ambiente e margens - - - 1 1
Transformação no ambiente aquático, poluição, praia - - - 1 1
Não percebe o futuro e as transformações no ambiente aquático local - - - 1 1
Os pescadores externos não respeitam o período da piracema - - - 1 1
57
Legenda: 1= percepções semelhantes
- = percepções diferentes
Total = percepções semelhantes entre os grupos
4- Percepções semelhantes nos quatro grupos
3-Percepções semelhantes em três grupos
2-Percepções semelhantes em dois grupos
1-Percepções de apenas um grupo
GFII : Grupo Focal II (homens)
GFIII : Grupo Focal II (rapazes)
GFI : Grupo Focal II (mulheres)
GFIV Grupo Focal II (moças)
Semelhanças nos grupos focais II e III (homens e rapazes) – O grupo focal III
(rapazes) admite saber que serão instaladas várias brragens no rio Tocantins: Serra da Mesa, a
de Peixe e que a barragem de Estreito tem a previsão do término em 2010. Técnicos da UHE
de Estreito visitaram as propriedades desses sujeitos.
Este dois grupos focaram sobre a vida da comunidade antes da existência das
barragens: _ “Aquele tempo, nessa época, já tava com seu arroz, hoje não, nunca choveu,
como é que você vai plantar? Então, tem tudo isso, que às vezes o pessoal comenta” (GF II-
homens). Notou-se que a percepção do modo de vida no passado, os leva a construir uma
imagem virtual do rio num tempo não muito remoto, e comparado à realidade atual. O mesmo
grupo comentou sobre as inundações causadas pelas cheias provocadas pelas frequentes
chuvas na região, e que em consequência dessas, havia grande abundância de peixe: “[...] as
cheias foi extinguida, tinha mais água, e era mais fundo e hoje não. Outrora, aí pra traz, não
tinha essas praias, não tinha nada. O rio tinha mais peixe, era bem mais farto” (GF III-
rapazes).
A força do trabalho da pesca foi observada nas falas do GF II (homens), esses sujeitos
relataram que o trabalho de pesca tinha como objetivo manter o sustento da família. Não
havia interesse pela acumulação de bens, e engessar o poder econômico familiar como
58
afirmou os homens: _ “Naquele tempo, que o rio enchia, o homem até que gostava porque
saia e deixava tudo limpo, o homem trabalhava mais pouco, hoje trabalha muito e cadê? Né?”
(GF II). Juntamente com a abundância de água no rio, havia a fartura de alimentação
facilitada pela pesca e a exploração das vazantes com o plantio de melancias, milho e arroz na
comunidade local. Assim, o rio cheio, vazante alta, significava mais alimentação, menos
esforços no trabalho: _ “Tinha essas vantagens porque o rio lavava as vazantes e parece que
no outro ano a terra tava melhor, era mais fartura. Aquela lama que a chuva trazia, a tendência
era adubar a terra, e era bem melhor.” (GF II-homens). Essa percepção ratifica a afirmação de
Pereira (2004) sobre co-gestão de recursos14
de que as comunidades ribeirinhas do médio rio
Tocantins têm de forma coletiva o principal interesse pelo sustento da familia.
Durante esses encontros, fomos percebendo que algumas comunidades
questionavam que manter a alimentação para as famílias em determinadas
comunidades, durante três dias, estava ficando difícil. Não existia mais abundância
de peixes. Existiam os lagos, mas os peixes, os peixeiros estavam levando.
Começou-se uma discussão em torno de sobre como preservar os peixes para manter
a mesa farta. (PEREIRA, 2004, p.49)
No Cajueiro, não é diferente, porém, é uma sociedade com baixo grau de organização
formal, em termos de associação ou colônias, diferente daquela pesquisada por esse autor.
Não há a prática de se reunirem para discutir os problemas da comunidade, dentre eles, a
escassês do recurso biótico, e outros interesses locais quanto à fonte de alimentação, bem
como os efeitos negativos das barragens para a comunidade, é o que se percebeu nas visitas e
entrevistas realizadas. Todos admitem haver possíveis alternativas tomadas de forma coletiva
em função da amenização desses problemas com uma melhor organização societária da
comunidade.
Vale assim, apontar a colocação de Castro, enfatizando a pesca para os ribeirinhos
como uma alternativa única, é aquela realizada com a finalidade de suprir a alimentação do
14
Iniciativas de co-gestão dos recursos naturais da várzea. Três organizações de base: o Grupo de Preservação
Ambiental –GPD, a Associação de Silves para Preserva- ção Ambiental e Cultural – Aspac e o Grupo Ambiental
Natureza Viva – Granav, que desenvolvem atividades de co-gestão respectivamente em Tefé/AM, Silves/AM e
Parintins/AM.
59
pescador e de seus familiares, com baixa produtividade, podendo ocorrer ou não a venda do
produto da pesca. (CASTRO et al., 2008, p.7)
Sobre os impactos advindos das dragas no povoado, o GFII (homens) os apontou
como sendo positivos, pelos benefícios acarretados, muito em função da melhoria do acesso
ao transporte proporcionado com o aumento do fluxo de veículos nas estradas de acesso à
comunidade. Esses veículos transportam areia para as cidades da região, principalmente para
atender as obras da ferrovia norte-sul referente ao trecho que corta o município: _ “no dia que
abre um buraco eles tão tampando, então pra nóis, vei a vantage por isso, as estradas,
entendeu? Mas, também, não deu prejuizo... _ ele chegou conservou, a ponte já tava na hora
de cair, ele ajeitou tudo né,” (GF II-homens).
Para o GF III(rapazes) as praias apesar da diversão proporcionada à população local e
de terem atraído aumento do fluxo de turistas e banhistas nas praias da Ilha do Cará15
, são
vistas por eles, como um motivo de preocupação com o aspecto atual do rio em comparação à
sua dinâmica na década passada. Os rapazes também afirmaram sobre a freqüente mudança
do local das praias em função da constante retirada de areia, após a instalação das dragas.
Segundo eles, todos os anos a praia funciona em um local diferente, e apontaram como razão,
a extração de areia.
Homens e rapazes apresentaram percepções comuns ao referirem-se às transformações
físicas no ambiente da pesca, ambos os grupos, demonstraram nas falas, perceber a
diminuição dos componentes bióticos. Essa semelhança pode ser explicada pelo fato desses
dois grupos, apesar de terem idades diferentes, apresentaram caracteríscticas semelhantes em
alguns aspectos, tais como: possuem o mesmo grau de instrução, exercem atividades
similares, como a pesca e o trabalho no campo, dividem as responsabilidades na família e na
comunidade. O respeito desses grupos na sociedade não é diferente, há uma grande
15
Uma pequena ilha no rio Tocantins, em frente à comunidade, lugar onde ocorre a temporada de praia na
região.
60
consideração e respeito por parte da sociedade local em relação ao papel dos homens e dos
rapazes nas responsabilidades da economia no povoado.
O GF III (rapazes) e o GF II (homens) admitem que a praia não continue nos próximos
anos, por causa da hidrelétrica de Estreito, conforme informações adquiridas em visitas dos
técnicos da barragem em construção ao Povoado Cajueiro e estão idenizando os beradeiros
atingidos até 100 metros da margem do rio: _ “divertimento vai cabar. Tem muita gente que
ganha é dinheiro na praia. E energia não chega pra cá, nóis queria só isso aí, tava bom, mais
vai sair pra outro local não é pra nós. Nóis só fomo prejudicados porque benefícios aqui pra
nóis não tem não. Nem emprego pra nóis não tem”. (GF III-rapazes). A percepção dos
sujeitos quanto aos beneficiados com a energia produzida das hidrelétricas, não é diferente
dos objetivos do capitalismo brasileiro que visa atender os seguimentos econômicos, como as
indústrias de grande e pequeno porte. Eles são normalmente construídos para fornecer
energia para os seguimentos específicos da indústria, aquelas que a linha de produção é
inteiramente dependente da eletricidade como é o caso do setor de alumínio (BERMANN,
2002)16
.
Os grupos focais II e III (homens e rapazes), também articularam sobre o passado
quando não havia a existência desses empreendimentos, e fazem comparação com o contexto
atual. Nessa concepção, se observou características semelhantes nas falas dos dois grupos.
“_logo, mais distante, mais atrás o leito do rio era mais fundo, não tinha as barrage
nem praia, só tinha algumas praias, agora o rio é mais só praia quase, e o leito do rio
tá ficando muito razo, igual mesmo a gente que trabalha alí, a gente não via nem
falar, nem imaginava que ia montar uma estrutura daquela alí né, porque era fundo e
o barranco não tinha como montar uma estrutura daquela ali pa poder trabalhar, pra
atender o morador, não tinha como, agora tá tendo, quase em todo lugar tem como
sobreviver com um serviço mais adequado.”(GF III)
Os sujeitos do GF III (rapazes) direcionaram suas memórias principalmente, ao leito
do rio, como sendo para eles, no passado, um lugar de corredeiras e de maior profundidade,
16
Texto traduzido sob responsabilidade do autor
61
não lembraram as vazantes, mas sim, da pesca como uma atividade mais presente no passado
da família. Todos os sujeitos desse grupo afirmaram de forma unânime, utilizando uma visão
coletiva e ainda, demonstrando unidade nas respostas a essa pergunta sobre o rio Tocantins no
atual contexto.
Comparações entre os grupos focais I e IV (mulheres e moças) - Quanto aos
empreendimentos existentes no rio, as mulheres (GF I) citaram as dragas, as praias e estradas
que dão acesso ao local, os lotes que foram formados com o povoamento na região por
moradores originados da cidade de Colinas do Tocantins, Palmeirante, Araguaína e Filadélfia,
em temporadas de praia. Nos novos lotes, à margem do rio, vendidos a proprietários das
cidades vizinhas, estão sendo construídas casas com estruturas modernas para servirem de
lazer e turismo em substituição à vegetação nativa. O transporte facilitado pelo acesso às
dragas foi enfatizado por esse grupo também, como um aspecto fundamental para o
desenvolvimento do povoado, bem como, as estradas que foram melhoradas em função do
movimento dos caminhões que fazem o transporte de areia do rio para a empresa que realiza a
construção da Ferrovia Norte/Sul que corta todo o município de Palmeirante.
Em princípio, esse grupo não citou as hidrelétricas como empreendimentos no rio
Tocantins. Entende-se que as mulheres não têm as hidrelétricas como um empreendimento
construido no rio Tocantins:
“Hoje tem muita coisa deferente... tem o desenvolvimento do carro, vinha
um carro da rua que a Luzilene tava falando, mas que não era como agora,
agora a gente pega uma carona, e já com essa draga aqui, no mês de julho
tem muito carro né, tem muito desenvolvimento...” (GF I - mulheres)
Diferentemente das mulheres (GF I) as respostas da moças (GF IV), ao não citar as
hidrelétricas, afirmaram não saber da existência de qualquer hidrelétrica ao longo do rio
Tocantins. A possível razão é a falta de informação no povoado, não possuem energia elétrica,
o que dificulta a utilização de televisão ou rádio. Elas percebem as dragas e as praias, pois são
62
empreendimentos próximos e que podem ser visualizados diariamente na região: _ “Construiu
as estradas que era muito ruim e agora tá melhor, a praia que antigamente não tinha, agora
tem, a draga, ela puxa areia”. (GF IV). Esse grupo afirmou não se lembrar de outra obra
construída no rio ou região. Nota-se assim, que embora, as moças entrevistadas estudem, elas
não percebem a existência de empreendimentos ao longo do rio Tocantins, exceto as dragas
que fazem a extração de areia para o comércio local e regional.
Outra diferença ocorre em referência ao rio Tocantins antes da criação do estado, o
grupo admitiu haver no passado, abundância de água em outubro, e a grande quantidade de
peixes variados, bem como a facilidade de capturar espécies diversificadas de cardumes nos
diversos ambientes do rio.
via aquele tanto de peixe, via cardume de caranha, todo tipo de peixe, e era tao fácil
de pegar, que as vezes nois cansou de pegar caranha com a isca que era aquele sabão
branco e a gente colocava e jogava e elas já grudava e tamém na minha época o rio
era bem mais fundo né, o rio era muito diferente de hoje até mesmo porque não
tinha o desmatamento que tem e que naquele tempo, a vinte e cinco anos atrás, eu
lembro que poucas pessoas dismatavam a beira do rio e só trabalhava apenas para o
consumo, fazia aquela vazantinha pra plantar melancia e outras coisa fora da
temporada no verão e só pro consumo, (GF I)
Portanto, com relação ás UHEs e as dragas através da extração de areia, os grupos
focais I e IV (mulheres e moças) tiveram a seguinte concepção: para as mulheres, a alteração
do nível das águas do rio será responsável por impactos físicos diretos, indiretos e futuros que
afetarão de forma efetiva à questão sócio-cultural da sociedade local. Diferentemente, as
moças (GF IV) não percebem as transformações atuais, e não conseguem prever possíveis
impactos futuros em função dos empreendimentos instalados, e afetar o modo de vida dos
ribeirinhos. Para as moças, as dragas trazem benefícios e malefícios. Como benefícios, citam
a melhoria das estradas, o desenvolvimento local com oportunidades de emprego, oferta de
transporte em maior escala e utilização das praias para o lazer. Como malefício, as moças se
63
referem à retirada de areia das praias e a utilização de forma inadequada pelos turistas na
temporada de praia.
O desmatamento foi um impacto lembrado pelo grupo focal I (mulheres),
considerando o fato de que tem aumentado incontrolavelmente, diferente da prática comum
dos beradeiros que desmatam o suficiente para a temporada da lavoura. As vazantes também
são muito exploradas com plantação _ “O rio ta ficando muito diferente do que era, do que a
gente conheceu há muito tempo [...]”.
Notou-se desta forma que o GF I (mulheres) interpretou o rio, de forma mais detalhada
e ampla, apontando os aspectos visíveis e os subjetíveis, e mostrando as perspectivas futuras
para a vida da população:
O rio ta ficando muito diferente do que era, do que a gente conheceu há
muito tempo e hoje tá bem diferente, quantas praia a gente nem ouvia nem
falar em praia no Tocantins, duns 10 a 12 anos pra cá, surgiu né, praia em
todo lugar do rio, e essas praia são ativadas e a gente vê que onde tem praia,
existia água e a água desapareceu e a gente vê que o volume de água cada
dia tá diminuindo bastante, isso é animação pra nóis? Não é não, na vida
futura não é bom, porque sem água não há vida e a tendência é diminuir cada vez mais, por isso a gente se preocupa muito por esse lado, pelo outro lado a
gente não se preocupa tanto porque na Bíblia está escrito isso aí, que o rio
pode desaparecer, pode morrer e a gente vai passar por dificuldade, mas a
gente sabe que isso tá escrito, são palavras Bíblica, mas a gente como ser
humano, a preocupação continua, a gente sempre continua, com o rio a gente
fica se perguntando, e ai até onde vai isso aí? Cada dia diminuindo mais, o
que vai ser de nós daqui mais uns anos se Deus nos conseder nóis com vida,
e essa geração nova ai, o que vai acontecer com o rio? Né? A gente fica
preocupada, porque segundo a natureza, que a própria natureza vem se
modificando, aquilo que homem hoje destrói a própria natureza vai
modificando né. (GF I-mulheres)
Na resposta acima, percebe-se que a diminuição da água do rio Tocantins está presente
em todas as percepções apresentadas pelos membros do GF I (mulheres). Apontaram as praias
como um reflexo da diminuição das águas do rio.
Assim, o surgimento das praias preocupa as senhoras do povoado, pois percebem que
é consequência da diminuição do nível de água do rio, e a freqüente diminuição da chuva, na
concepção do grupo, poderá contribuir ainda mais para a alteração das águas do rio. Uniram a
experiência social com a religiosa através do conhecimento da Bíblia, cintando textos em que
64
estão previstos esses eventos atuais. Assim, tratam como um processo natural, porém,
entendem que o homem é o maior condutor das modificações do ciclo natural dos ambientes,
dentro e fora do rio.
Já para as moças (GF IV), a presença da praia conduz a um olhar mais dinâmico, um
rio que proporciona lazer e que faz da região, ainda que seja apenas na temporada de férias
(meses de junho, julho e agosto), um lugar especial. Todas as moças apontaram não querer
sair da região por causa da praia, esse grupo focal não citou, por exemplo, outros benefícios
que o rio oferece, embora afirmem que além da pesca, o rio representa outras definições que
não sabem como explicar: _“é onde nóis pesca, representa muita coisa boa, né.”(GF IV)
Nas visitas às instalações das dragas, observou-se que são empreendimentos recentes.
Proprietários de diversos lotes formados apartir da divisão de uma fazenda às margens do rio
Tocantins na região do Cajueiro começaram um novo negócio, com a instalação de dragas
para extrair areia do rio, em função da construção da ferrovia no município, cuja empresa
responsável seria o maior consumidor, daí, passou a buscar outros mercados. Existem dragas
em efetivo funcionamento no Povoado. Esses proprietários são famílias que vieram da cidade
e estão residindo em lotes às margens do rio, grandes responsáveis pelas transformações não
somente no ambiente físico e aquático, mas também na cultura local.
65
Figura 14. Dragas em funcionamento no povoado Cajueiro, no médio rio Tocantins,
município de Palmeirantes, TO.
Questionados sobre os benefícios ou prejuízos advindos a partir da instalação das
dragas, os grupos focais apontaram mais benefícios que prejuízos: _ “De benefício, o que
ficou, tem essas estradas ai que tem o movimento dos carros que a gente precisando tá perto,
mas outro também não tenho não... eu só penso que na hora que precisei eu me socorri foi
com eles.” (GF I - mulheres)
As mulheres dmitem que as dragas não causam impactos aos componentes bióticos (os
peixes), porém confessam que os componentes bióticos nos ambientes aquáticos correm
riscos de serem contaminados pelo óleo das máquinas em caso de derramamento: “[...] não
prejudica. A não ser que, seja que não tenha cuidado deixando petróleo no rio pra poluir a
água, mas essa daí, acho que não é isso não, nunca ví modo, também sempre a gente tá por
baixo dela ai, navega ai toda hora, nunca ví modo de produto nenhum na água, a onde tem
mais emprego né, aqui vai se evoluindo mais [...].”
As mulheres, nesse sentido, têm uma percepção mais subjetiva, enquanto as moças,
não visualizam o futuro, a vida no povoado. A falta de chuva para elas influencia na alteração
do nível do rio. Apontam, por exemplo, os meses que nos anos anteriores apresentavam as
vazantes e cheias, um constraste em relação ao que visualizam no presente. As praias são para
esse grupo como um exemplo concreto da diminuição da água e escassez de peixe:
[...] naquele tempo, a data que tamo hoje já tinha enchentezinha aqui, no mês de
outubro já dava alguma enchente de água, hoje tai, praia pra quem quiser o rio tá ai,
com praia a vontade, e desde janeiro que eu tô vendo praia aqui, e no mês de janeiro
era o mês que mais tinha enchente, por quê? Aonde que o mês de janeiro era o mês
que mais tinha enchente e muito peixe....e agora não tem mais, não enche mais,
assim eu acho muito diferente do tempo que eu conheci , todo mês quase tinha uma enchentezinha, agora não tem mais do jeito nenhum, a única enchente pouquinha é
da barragem que solta, o rio um dia desse subiu, que a barraca da praia ficou dentro
d água , hoje tá lá no seco dinovo....”(GF I-mulheres)
66
Figura 15. Dragas em funcionamento no povoado Cajueiro, no médio rio Tocantins,
município de Palmeirantes, TO.
Uma semelhança entre os grupos focais I e IV (mulheres e moças) é a afirmação sobre
o pouco conhecimento a respeito UHE de Lajeado e de Estreito. Estes grupos afirmam terem
adquirido informações somente através do rádio ou informação de outros: _ “Eu mesmo não
conheço, só vejo falar nessas que estão construindo aqui, essa outra de lá de Palmas não sei
nem que rumo fica”.... “Tem a do Lajeado”.... ”Só sei nome da de Tucuruí, ouvi no rádio”.
Notou-se ainda que as diferenças de gênero e de geração (Tabela 1) não influenciaram
nas percepções quanto aos benefícios gerados pelos empreendimentos. Todos os grupos focais
não acumulam expectativas positivas a respeito das hidrelétricas de Lajeado e Estreito, e nem
acreditam que estes empreendimentos poderão trazer algum benefício à comunidade. Assim
afirmam os rapazes, GF III: _ “Eu acho que não melhora porque não vem benefício pra cá,
com a de Estreito, por exemplo, a nossa praia aí vai sumir, o principal”. Entendem que a
energia que poderá chegar até a comunidade através do programa “Luz Para Todos” não
provém desse empreendimento, pois assim também aconteceu com a de Lajeado. Os rapazes
acrescentaram: _“ Essa energia que vem pra cá não é dessa usina ai não pode melhorar e pode
piorar na pescaria, vamos saber depois que fazer o lago né, tentar pescar ai nois vamo ver.”
67
Por outro lado, prevêm o maior fluxo dos fiscais do NATURATINS: _ “ai pode piorar
também porque tem os ambientalistas eles vao perseguir demais, né se não tiver carteirinha.
Acho que no futuro pode trazer emprego para os jovens do Cajueiro”.
Essas colocações ratificam as concepões de alguns autores, de que as barragens geram
energia da água, também usada para abastecer grande parte dos municípios. De acordo com
Bermann (2002 apud ZHOURI e OLIVEIRA 2006, p.3), esses empreendimentos são
normalmente construídos como o objetivo de atender as indústrias que dependem da
eletricidade, com o fornecimento de energia, como é o caso do setor de alumínio.
Os homens concordam entre si, que a hidrelétrica de Estreito causa impacto desde
quando ouviram a informação pelo rádio. No entanto, a especulação tem provocado
divergências na comunidade local. As orientações dos técnicos da barragem não são
suficientes para diminuir as especulações.
Até agora nada, que os benefícios que nóis podia ter que eles promete, é essa energia
que eles diz que é próprio pra isso e até agora nóis não tem. E acho que pra nóis
ribeirinho, nóis até agora, nois não tivemos benefícios e é mais, se vier benefício, é
mais prejuizo que benefício. Porque através dessa barragem que tao fazendo lá, os
ribeirinhos estao ariscacados a qualquer hora a sair sua propriedade e eles falam que
é uma indenização muito boa e tal mas, não é, pra eles é porque é uma coisa que
estão adquirindo, mas pra nóis que estamos perdendo, não é bom, porque primeiro o
dinheiro não paga o amor que você tem pelo lugar que você nasceu e se criou, e hoje
a família junto com as família e convive aqui, e segundo, é que o que eles vem
fazendo igual tá acontecendo vieram e mediram trinta metros, ai vai e sai a
indenização de trinta metro, agora té a história que vem mais 70 metros, então vai
também fazer a idenização de 70, mas quando vier fazer essa de setenta, o dinheiro da de trinta já foi embora, você recebe parcelado e não sabe o que faz, porque recebe
um pouquinho hoje e passa tanto tempo pra receber o outro pouquinho, não é,? Ai
você já gastou o primeiro, não teve como guardar pra ajuntar e você termina
perdendo a sua terra, sua propriedade e acabou o dinheiro e você não fez nada, e
entao você perdeu o seu sossego até mesmo sem perceber que perdeu um tesouro
que você tinha e então, e eles falam que é vantagem, só que pra nóis não é vantage,
(GF I-mulheres)
Os sujeitos desse grupo demonstraram insatisfação com a proposta das idenizações,
pois, os técnicos apontam os impactos apenas nos limites de cada propriedade que o lago pode
atingir, mas, o grupo é consciente do insuficiente valor determinado pelos técnicos que levam
68
as informações aos moradores. Eles mencionam perdas futuras que poderão advir que não
serão ressarcidas, e que o valor monetário não pode pagar.
Vale ressaltar que a precisão dos limites inicialmente determinados como área de
impacto ambiental da UHE de Estreito levou ao embargo da continuidade da construção desse
empreendimento durante alguns meses.
“A Justiça Federal do Maranhão anulou a licença de instalação da usina hidrelétrica de Estreito. Essa decisão é fruto de uma ação civil pública proposta pelo Ministério
Público Federal no Tocantins e no Maranhão. Pela decisão, o Consórcio Estreito
Energia (Ceste), responsável pelo empreendimento, terá que complementar o Estudo
de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) de forma que a área de influência indireta do
lago (AII) seja estendida, conforme especificações apresentada pelo MPF. Em caso
de não cumprimento, o consórcio estará sujeito ao pagamento de multa no valor de
R$ 15 milhões. (O Progresso – MA 07/06/2008 - 09:04)
Daí se confirma o que o texto “Águas sem Barragens” articula em suas entrelinhas,
sobre o lago da hidrelétrica de Tucuruí, que tem 270 quilômetros de extensão e 10 de largura,
cujos ribeirinhos atingidos pelos impactos da hidrelétrica, vivem em ilhas formadas a partir do
lago, não são beneficiados pela energia produzida. (ALMEIDA e REGIS, 2002, p.3). Os
homens (GF II) ratificaram que também não serão beneficiados com energia porduzida pela
hidrelétrica de Lajeado.
Da mesma forma, os homens, GFII, advertiram:
Por hora, nenhum, só mesmo as água, e essas praias, e que também vai acabar._as
praias tao acabando.
_ até agora, essas barragens eu num vejo benefício por um lado, porque a energia que vai gerar lá,vai pra outro lugar, porque a nossa aqui até hoje não chegou, mais,
quando chegar num vai ser dessa não.
_ agora pode ser que prejudique o meio ambiente, né, a beira do rio né.
_ agora pra nóis, aqui vou lhes dizer, nois espera, destruição pelas barragens, o que
nois espera, pra nois é distruição, não vantagem, té hoje nóis num discubrimo. Ai
pra não ter uma distruiçao muito grande eles saem idenizando um idenizando outro,
entendeu, mas que, eu tenho uma fazenda e nada vai de dinheiro me separa dela por
anda, entendeu? Hoje tá sujeito eu tirar minha casa do lugar, e chegar pro outro lado,
tem uma água encananda que vem de riba duma serra, tá sujeito eu perder aquela
água por uma barragem, que vem vindo de um rio. Então o que nóis esperamo da
barragem pra nóis e no meu ponto de vista, é distruição.
O meu amigo tem uma fazenda muito boa na beira do rio, tá sujeito ele perder
aquela, a parte melhor que tem dela. Umas indenização que nóis somo dono e num
pudemos, dá o valor no que é nosso, entendeu? Porque se ele chegasse lá e dizer, ó o
que que você quer pa, essa vazante sua, vai desocupar se eu trabalho nela há vinte
ano, por acaso, lá eu tenho abroba, tem o milho verde, tenho tudo, quando ele chega
lá ele diz: _O que que você quer pa sair,
digo:_ mar moço, isso aqui eu num tinha pa trocar por nada,
69
_não mais veja isso aqui, o que é que você quer?
Entendeu?
_ você vai pa justiça?
_ e ainda me ameaça, faz tudo. Entao o doutor, eu tomo as barragens como uma
distruiçao que o governo não devia fazer, nem tanto pra nóis, quanto pros bicho do
mato que vai se acabar, você pense o que vai se acabar da floresta lá perto dessa
barrage, nóis que tamo longe aqui, num é?
_ outra coisa, o cara chega pa te paga tua terra, e o teu psicológico e aquela perda,
dói Num é seu Raul?
_ dói, não é só os bens não, e eu como é que vou me sentir, sabendo que não vou
mais utilizar aquilo alí?
_ justamente,
_doutor eu trabalhei trinta anos de emprego, hoje o que eu tenho muito de vantagem é essa terrinha aqui com 150 alqueires, pra mim mais nove filhos, quando eu
comprei ela eu disse: nunca mais eu me separo dela, por dinheiro nenhum, eu gosto
do lugar, eu gosto dos amigos do lugar, são todos meus amigos, e vou perder hoje,
por uma barragem que vem de lá pra cá.
Diferente das Mulheres, os Homens (GF II) culpam o governo pelas transformações
no Povoado. Mas, como as mulheres, eles apresentam o aspecto emotivo, o amor pelo lugar, a
história construida no local, por mais que a idenização cubra os 30 ou 70 metros, admitem
que, os impactos atingirão a economia local e o lado afetivo das pessoas que ali vivem e
nunca tiveram outra experiência em outro lugar. O lado psicológico dos indivíduos é lesado e
esses são conscientes que não serão idenizados ou beneficiados em troca em troca dessa lesão.
Mais uma vez se confirma o texto seguinte:
Os impactos ambientais, sociais e econômicos que os empreendimentos podem provocar durante e após a construção de tais empreendimentos numa região tão
delicada como a próxima aos rios não fazem parte do discurso nem do governo, tão
pouco das empresas. Que impactos são esses? São populações retiradas de suas
terras, o isolamento de tribos indígenas, a perda da biodiversidade (variedade de
vida animal e vegetal) e a privatização da água em proveito de uns poucos. O
impacto provocado por projetos deste porte vão além das regiões rurais, pois a
população que se dirige para trabalhar nas obras e os desalojados tendem a ocupar as
cidades próximas, formando favelas e sobrecarregando a infra-estrutura.
(ALMEIDA e REGIS, 2002:4)
Os grupos focais I, II e III (mulheres, homens e rapazes), ainda que não tenham um
amplo acesso aos meios de comunicação diferentes do rádio, estão informados de que outras
populações que já vivenciaram esse problema não foram idenizados pelos impactos subjetivos
causados nos sujeitos. Notou-se que esses ribeirinhos conseguem perceber não somente o
impacto físico local, mas na cultura, historicamente construída, na região, em se tratando não
70
somente do mundo do trabalho e do ambiente da pesca, mas o social e muito mais o lado
afetivo, a relação subjetiva, além do aspecto racional cujo valor não será recompensado.
Em visita às instalações desses empreendimentos de mineração, o proprietário mostrou
as licenças do NATURATINS e de outros órgãos dando a permissão para o funcionamento
das dragas. A Lei Federal 6.567, de 24 de setembro de 1978, disciplina o regime de
licenciamento sobre o aproveitamento das substâncias minerais da classe. “O benefício nosso
é que a partir do dia que colocou essas dragas, melhorou.” (GF II-homens)
Nas entrevistas, fundamenta-se o que Brandt (1978) enfatizou, pois, embora as dragas
tenham sua importância por impulsar o desenvolvimento local, os impactos advindos da
extração mineral podem conduzir danos ambientais negativos e que podem ser irreversíveis
Brandt(1998 apud LELLES, 2005, p.1).
Em todo o contexto das percepções apresentadas pelos grupos de gênero feminino
pode-se afirmar que a maneira como as mulheres percebem o ambiente se diferencia do das
meninas. Concorre para isso, o fato de que em função da idade, aquelas detêm maior
experiência com o trabalho no campo, com as atividades, consideradas masculinas, por
dividirem as responsabilidades de família e por sua infância ter sido distinta em relação à das
meninas no atual contexto.
A percepção dos três dos grupos focais, (I, II e IV-mulheres, homens e moças) é
positiva em relação aos impactos submetidos pela implantação das dragas na região do
Cajueiro. Porém, para o GF III, as dragas trazem a eles uma preocupação no comportamento
natural do rio em vista a constante retirada de areia, os rapazes afirmam não ter segurança,
nem certeza dos impactos futuros ao ambiente da pesca, se o ciclo dos peixes será alterado ou
não:
As dragas também esta trazendo emprego. Pode prejudicar não só na pesca, mais
também as praias porque a areia vai se acabando. Na pesca, só se for mais na frente,
porque fica tirando muita areia. Eu achei que ela mudou muito, tinha uns local que
tinha praia esse ano já não tinha mais.(GF III)
71
Observou-se na primeira visita ao povoado, no início desta pesquisa, que havia uma
concepção negativa sobre as dragas, pois, até 12 meses atrás, a população não tinha
conhecimento ou informação quanto ao funcionamento e os possíveis impactos desse tipo de
empreendimento para a comunidade. Foi difícil a aceitação por parte dos ribeirinhos nativos,
no entanto, as percepções são de alguma forma, um fator positivo em suas declarações a
respeito das dragas.
Sobre à hidrelétrica de Estreito em especial, especulações negativas se confirmam nas
entrevistas em todos os grupos focais, os sujeitos receiam terem que abandonar a região.
_“Só prejudicar,.. pois vai sair todo mundo fora”, _“só prejuizo mesmo, a idenizaçao
vai ser só para algumas pessoas, pois a quantidade de gente que tem aqui, vai cair
todo mundo fora, nóis vai pra onde mesmo? ” quem eles indeniza eles dão um
pouquinho ainda pode arrumar uma faezenda ai, e quem eles não indeniza, vai ficar
aonde mesmo?
_“sabe quanto que eles tão dando pra nóis? Dois mil?”
_“O que é que vai fazer com dois mil que não dá pra comprar nehuma casa?” (GF I
-mulheres)
O que há em comum entre todos os grupos são as preocupações com os impactos
subjetivos, que não podem ser valorados: o sossego, a cultura construída ao longo do tempo, a
relação com o lugar, com as pessoas. As vazantes e cheias de onde tiravam os alimentos para
complementar a alimentação, todos os grupos atestam que não serão recompensados.
[...] e segundo é o sossego da pessoa que acabou, nois que vive aqui, tá acabando o
sossego que nois tinha aqui, por que depois que passar esse lago ai pro IBAMA,
quem vai mandar, tava na briga entre o IBAMA e a marinha e o IBAMA é que
ganhou, de que que nóis vamo viver na beira do rio? Se nois não pode pescar, não
tem uma vazante, não tira uma vara na beira do rio mais? E outra que se eles
indenizasse tudo, era bom porque você tinha uma saída, mas eles, mas eles indeniza
só gato pingado, quem tem uma terrinha que é de cinco alqueires, vai inundar três,
eles faz indenizar os três alqueires, e os outros dois você não acha quem comprar e daí você não tem como sobreviver mais ali em cima, o prejuizo é com a pessoa, né,
_”E entao?”
E é o currículo deles e não tem jeito, e a gente tem que aceitar da forma que eles
querem. ....imagina, nem colocar na justiça (GF I)
72
O programa “Luz Para Todos” do governo Federal deverá levar esse benefício àquela
população ribeirinha até 2010. Todos já foram cadastrados e, por isso, a expectativa da
comunidade é positiva. Todos os grupos focais apontaram benefícios futuros da energia e que
muito ajudará a população na conservação do pescado, dos animais capturados. Em nenhum
momento colocaram a preocupação com a mudança de hábitos e costumes, ao contrário,
foram unânimes em afirmar que terão apenas benefícios.
Diante da especulação de que alguns deverão deixar o povoado, eles foram
perguntados como seria viver em outro lugar. Notou-se uma singularidade nas respostas de
todos os grupos entrevistados. Daí, a subjetividade. Nenhum dos atuais moradores(as) quer
deixar o Cajueiro, pois entendem a importância da cultura, dos costumes, do lugar e do rio: _
“Eu não queria e nem quero, hoje me despedir de um pedação da minha terra se a barragem
tomar,...eu não quero .....então pra mim, despedir dela hoje como tá sujeito,... _ eu nem penso
em sair daqui..._eu criei toda a família aqui e já até acostumei já” ( GF II-homens). As
mulheres também dividiram as mesmas preocupações referindo-se também à relação de amor
com a natureza e os diversos ambientes do povoado:
Pra nós é ruim, é disanimado, aqui é tranquilo. Aqui, daqui que a gente acostuma,
porque desde o meu pai que a gente ta aqui, eu não tenho dinheiro pra ir pra outro
lugar. Tem que esperar. E o amor que você tem pelo o seu lugar, você nunca vai
adquirir um lugar igualmente com o seu, as vezes, pode até ter uma terra melhor,
mas divido o seu costume, que você se nasceu e se criou nessa região, sempre e
sempre você vai sentir saudade daqui, olha um outro lugar também...não aquilo que
vai prencher aquele vazio, acredito que não, só o sussego que nós temos aqui, vale
tudo. Aqui nessa região nossa, ocê pode durmir de porta aberta, você pode sair de
casa semanas e deixa as portas aberta se não for uma criação sua entrar, ninguém
mexe com nada, mais já sai aí pra fora, nesses acentamentos, nas cidades que a vida
é bem diferente, aqui é muito assussegado. (GF III)
Os rapazes (GFIII) apresentaram a mesma percepção dos adultos. Não gostariam de
deixar o povoado. _ “porque tá acostumado, aqui é um lugar muito bom, porque aqui não tem
violência, não quero ir embora daqui não. _Na cidade é uma violência”.
73
6.2. As transformações nos componentes bióticos (os peixes)
Quanto às transformações no ciclo dos recursos aquáticos atribuídas às hidrelétricas já
construidas e que são de conhecimento da população, as UHEs de Tucuruí, Lajeado e Estreito,
esta última é alvo das maiores especulações quanto aos impactos na região em se tratando dos
peixes. As mulheres admitiram conhecer os possíveis impactos da hidrelétrica de Estreito, por
relacionarem aqueles da barragem de Tucuruí. Homens e mulheres nas estrevistas admitiram
que grande parte dos impactos advém da UHE de Tucuruí.
A falta do peixe né, depois dessas barragem, o peixe vem diminuindo muito, parece
que não circulam né do, de um lado pra outro igualmente essa barragem de Tucurui,
e tem essa outra de Lajeado, igual uma coisa que aquele que tá naquela extensão fica alí, quem tá aqui em cima fica em cima, quem tá embaixo fica em baixo, ele não é
mais aquela coisa que era antes, que era em comum né que produzia que misturava e
tudo e até mesmo as vezes for, naquela época que a gente falou do cardume. Você
via um cardume muito grande, dessa é poca que foi fechada a comporta, lá mesmo
eles ficaram, sendo que as vezes aqui pra baixo já era bem mais pouco o peixei, ai
continua pouco né, _desde aquela época continua diminuindo e cada vez mais
diminuindo.... tá seco desse jeito aqui, eu acho que é por isso mesmo...(GF I)
Concomitantemente, os rapazes (GF III) direcionaram suas falas para as críticas sobre
as barragens de Lajeado e Tucuruí já construídas e ainda articularam sobre os impactos na
dinâmica dos peixes, com a barragem de Estreito. Para esses, algumas espécies desaparecerão,
tais como o Filhote, peixe de água corrente e que após o lago, não poderá sobreviver nesse
ambiente.
Eles fecharam um canto e os peixes não vai mais descer. A barragem prejudicou
muito um exemplo é o peixe Fiote que não vive na água parada, só em água
corrente. Ele vai morrer, vai ficar difícil. Ele não é peixe de lago ele é peixe de água
corrente, água viva. Então vai ter espécie que vai desaparecer. Vai ficar o Surubim, a
Crumatar, o Tucunaré. (GF III-rapazes)
Essas observações corroboram as afirmações de Condini (2007 p.10) que articula que
os impactos causados por esses empreendimentos contribuem para alterações nos hábitats dos
ambientes aquáticos, contaminação de cursos d’ água, destruição ou fragmentação de
“habitats” naturais e da vegetação, desapropriações remanejamento de populações, pressão
sobre os serviços.
74
Com as mudanças induzidas no ciclo das chuvas, no padrão de variação do nível do
rio e no ambiente aquático em si, as espécies passam a migrar de um ambiente para outro em
busca da sobrevivência, não mais como um processo natural, mas em razão das
transformações em seu ambiente natural, que são causadas por esses empreendimentos.
Informações do monitoramento de dois anos da hidrelétrica de Lajeado no médio
Tocantins registram a presença de espécies que pertencem ao baixo Tocantins no médio
Tocantins, e ações da invasão de populações de espécies de outros locais no rio. Essas
mudanças proporcionaram um grande impacto ambiental no entorno da região, e estudos
mostram que muitas espécies de animais e vegetais foram extintas.
Quanto às transformações na variação da quantidade dos recursos pesqueiros
existentes, percebeu-se que as percepções dos homens e rapazes (Tabela 1) não diferenciam
entre si ao falarem do passado. Os rapazes compartilham grande parte das percepções
apontadas pelos homens (GF II). Assim, ambos os grupos não previam no passado essas
mudanças na comunidade local, no ambiente do rio e as construções implantadas ao longo de
todo esse tempo (barragens, dragas, praias). Nesse momento referiram-se às dragas que
funcionam na comunidade local. Contudo, reafirmaram a abundância e facilidade com a pesca
na captura do peixe: _ “Antes pegava mais peixe, a pesca de rede era mais difícil, era anzol,
milanga, milho, soja, gome, as pessoas agora compram o minhocusul, era mais divertido a
pescaria, pescava mais peixe, era melhor né [...]” (GF III-rapazes).
Ao ser perguntado sobre o rio no presente, se notou que o GF III apontou a diminuição
da espécie biótica: _ “hoje é mais difícil tem vez que a gente vai o ano, tem dia que a gente
vai agora, outro a gente não vai né, a fiscalização para a gente e pega tudo (IBAMA)”.
Outro aspecto comum entre os homens e rapazes se trata do fator que faz com que a
escassez de peixe mudasse a rotina da pesca, levando a população local a ter que passar mais
tempo no ambiente aquático em busca desse recurso. Desta forma, os grupos afirmam que
75
muitos desistem e são obrigados a utilizarem alternativas para garantir a alimentação da
família. Muitos desses jovens oferecem mão de obra em forma de diárias para fazendeiros
locais e alguns são assalariados, assim não abdicam de maior tempo para a pesca. Em comum
entre os dois grupos, estão as concepções quanto à fiscalização no rio e à dificuldade na
pesca, fatos que levam os mesmos a não continuarem com a rotina pesqueira de antes. A
escassez do peixe aliada à invasão de pescadores de outras colônias na região do povoado
impusera um novo hábito que os obriga a também recorrerem a outros instrumentos de pesca.
Por isso, passaram também a fazer uso dos artefatos modernos de pesca como a rede, tarrafa e
o barco a motor, tais como a voadeira, o rabudinho, referindo-se a canoa a motor.
Uma percepção diferente entre os homens e rapazes (Tabela 1) é que estes apontaram
os meses em vez das estações. Também não explicam de forma detalhada o comportamento
do rio e as razões que levam a pescaria a ter mais sucesso: _“Mais é junho, julho, agosto e
setembro e antes era o ano todo, né, tinha mais água. Era mais peixe, e era menos pescadores,
hoje o peixe tá menos e hoje é mais pra divertir, pesca todo mundo” (GF III- rapazes). Esse
grupo percebe que a razão do maior fluxo de pescadores na região pela temporada da Praia do
Cará em funcionamento no local, explica o grande acesso de pescadores, principalmente à
faixa do perímetro do rio de propriedade da comunidade local.
Grupos focais I e IV(mulheres e moças) - As mulheres perceberam com maior
ênfase o fator assistencialista, pois ao citarem o rio antes das barragens, falavam também das
dificuldades da vida no Cajueiro, enquanto havia abundância de peixe, água e muita chuva,
admitiram a melhoria das estradas e o trasnporte facilitado em função delas.
Enquanto o GF IV, das (moças), por exemplo, o rio é percebido como local de lazer,
diversão, não as percebem, os impactos no rio, nem compreendem o surgimento das praias:
_“O rio é um divertimento pra nóis, porque no mês de julho aqui na nossa região tem a praia
perto, né”. Para as mulheres, as praias também são consideradas um fator que mudou toda a
76
rotina não somente da população local, mas principalmente da pesca, dificultando ainda mais
a prática da atividade. Isso se deve também, pela presença de pescadores externos que mesmo
sem a aceitação da comunidade local, aproximam-se e usufruem dos recursos pesqueiros,
invadem os ambientes aquáticos dos pescadores locais, sem permissão e trazem com eles os
modernos instrumentos de pesca e por esta razão, conseguem ter mais sucesso no número de
captura, porém, nesse modelo que se opõe ao tradicional, não se tem controle das espécies
capturadas, pois em artefatos como as redes de grande porte armadas de um lado a outro do
rio fazem com que todas as espécies, alvos e não alvos desses pescadores sejam por eles
capturadas. Os sujeitos pesquisados entendem que as espécies, que ali convivem, não estavam
acostumadas com os diferentes artefatos de pesca, e são facilmente capturadas em armadilhas
preparadas por esses pescadores externos.
Por essa mesma razão, os homens (GF II) percebem a dificuldade da pesca com anzol
que passa a ser ineficiente, e a população local, que utiliza o método tradicional de pesca, é
obrigada a buscar adotar os mesmos instrumentos modernos utilizados pelos pescadores
externos.
[...]Pescar, é bom pescar, mas não pega nada. Eu conto um exemplo um camarada
bem aqui com um mundo vei de rede. Uma época que arranchou um cardume de
Jaraquí lá, ai vinha aqui por essas ilhas, esse povo aí com a tarrafa pegava um, dois,
três, quatro, cinco não era Wilson?. Depois chegou um rapaz de Carolina pedindo
nóis, chamou nóis. Eu digo não dou não. isso aqui, ele arranchou aqui no meu poço,
não eu não dou não, eles vieram pa essa ilha, quando foi as 12 horas da noite,
entraram lá, fizeram um arrastão só um porque era sem ordem né, pegaram quase
180 jaraqui , daí eu não vi mais. (GF II)
Diante dessa razão, a prática da pesca no rio passa a ter que se adaptar a um novo
sistema de exploração, há uma nova dinâmica proporcionada não somente pelas mudanças
naturais, mas uma alternativa obrigatória de necessidade. Notou-se também que tanto os
homens quanto os rapazes, pescadores locais percebem que os instrumentos (chamados por
eles de instrução) impuseram de forma não comum à população local, um costume que não
77
era previsto, nem tão menos vivenciado no contexto da sociedade local. Dessa forma o que
transformou todo um modo de vida e a cultura desse povo: _“Eu acho que a mudança, é que o
peixe diminuiu e a instrução aumentou, porque se não for com instrução não pega, a verdade,
eu acho que sim, se não for com instrução num pega. Só pega com rede, pega com tarrafa, é o
jeito que pega, se não for assim não pega”.(GF II-homens).
Quanto à piracema17
, para o GF II (homens) a pesca com anzol deve ser respeitada.
Admitem obedecer ao período da desova e respeitar o ciclo biológico do peixe. Entendem
sobre a importância de se conservar, o que antes não era prática nem preocupação da
comunidade pesqueira local.
Não porque antigamente nóis nem sabia o que era Piracema, mais eu acho que a
pescaria é a mesma. No inverno a gente pesca de um jeito e no verão a gente pesca
de outro, faz uma ceva e no inverno a gente já pesca diferente com o caniço. No
inverno o peixe ta espalhado, qualquer lugar pega porque o rio ta mais cheio, em
qualquer córrego pesca. Se o rio aumentou a tendência dos córregos é alimentar
também. Hoje se o cara não ir pescar de arpão não pega nada. Sempre antes da
piracema a gente pescava todo o tempo. Eu não sabia nem o que era piracema, eu
pensava que piracema era um peixe, até porque a nossa região muito atrasada. Não
existia uma fiscalização encima disso aí. Então hoje a gente já tem consciência que a
gente pegar o peixe agora (período da piracema) vai fazer falta, porque é o tempo da
desova dele, né! Então a gente já tem essa educação. (GF II)
Todos os grupos focais admitem serem conscientes da necessidade de se conservar os
recursos aquáticos, são conscientes de que o desaparecimento de algumas espécies que antes
existiam em grande número e hoje não se pesca mais, é porque fez com que eles ficassem
escassos.
Verificou-se que os grupos focais I e II (mulheres e homens) apontaram os mesmos
peixes e também a experiência da mulher na ambiente da pesca. Os nomes dos peixes se
repetem na fala dos dois grupos:
Corvina, cachorra, bico de pato, piau, surubim, matrincham, branquinho (peixe de
couro), muitos se acabou, ninguém ver falar que alguém pegou o branquinho, é um
17
Piracema: Período de desova dos peixes, durante o qual grandes cardumes so- bem em direção às nascentes
dos rios, para se reproduzirem. Vocabulário de Recursos Naturais.pdf - Foxit reader 2.2 INSTITUTO
BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE - Vocabulário Básico de Recursos Naturais e Meio
Ambiente 2ª edição
78
peixe grande, na época de oitenta ele tinha demais, ia cedinho assim, pegava demais
aquele peixe e nós mesmo ia pescar mandí e pegava ele, nós mulheres, hoje não vê
mais, cansei de ver meu pai com aquele peixe branquinho, ele pescava até quarenta
quilos. ( GF I)
As mulheres (GF I) conhecem os diversificados ambientes aquáticos do rio Tocantins,
e as espécies que habitam, bem como, todo o fluxo dessa atividade na região do povoado. Daí
Kuster (2006: 178) ter apontado que não somente os homens (GF II), mas também as
mulheres possuem conhecimento sobre pesca local e como fonte de alimento, além do mais,
ambos os gêneross podem ter um bom conhecimento da maioria das espécies e nomes locais.
Observou-se que os homens, (GF II) confirmaram as mesmas espécies e
transformações citadas pelas mulheres: _“ Hoje o que a gente ainda pega mais é o Piau, que é
o peixe que você faz uma ceva e tendência a juntar é a Pacú, o Piau, outro peixe você não
pega igual esses dois. Ah o crumatar você ainda pega de tarrafa”.
Diferenças – Grupos focais II e I (Tabela 1). Em razão dos homens terem citado os
peixes mais pescados em cada estação, inverno e verão, e um maior número de espécies de
peixes que as mulheres, nota-se que também melhor explicam as características de cada peixe,
os de captura mais fácil e mais difícil, através da pesca tradicional.
Na nossa região o peixe que mais pegava era o Piau, Pacu, e aquele que a gente chama de Chorãozim que no inverno a gente pegava bastante, e tinha muita
Piabanha que era bom de pegar, Matricham era os peixes que a gente pegava e no
inverno tem a Sardinha, tem o Peixe de couro que era bom de pegar, que agora
acabou, tinha o Branquin que hoje ninguém ver mais, tinha um tal de Pintado que é
esse que nóis chama de Surubim. O Pintado era um peixe muito brabo, o Barbado
ainda tem, o Surubim também tem, agora o Branquim não existe mais não. O
Pintado também não tem .Eu mesmo não conheço Pintado. Então hoje não tem
várias espécies. _Antigamente, eu moro bem ali na Pedra Branca, no remanço o
pessoal pegava muito Fiote, hoje já acabou o Fiote. (GF II)
Outro fator relevante para enfatizar o saber da mulher ribeirinha, trata-se das espécies
de peixes citadas acima, que eram mais pescadas antes da UHE de Lajeado, e que hoje se
pesca apenas uma pequena parte deles:
Hoje o peixe maior que tem no rio Tocantins e também é o mais preseguido é o
Fiote. Todo mundo que pesca no rio Tocantins, ta em busca de pegar o Fiote. Antes
79
as pessoas tinha consciência de pescar só o básico pra se alimentar. Hoje tem
também o comércio. As pessoas pesca e vai vender na rua.(GF I)
Eles admitem adquirirem os saberes na comunidade de formas diversas, dentre elas, o
convívio com essa atividade, a prática da pesca em dupla, ou em famíla, entre vizinhos e as
discussões a respeito da atividade nos adjuntos da região, uma vez que todos exercem as
mesmas atividades econômicas e dividem os mesmos conhecimentos e experiências: _ “Hoje
é a Pacú e o Piau que pesca mais com ceva e é o peixe que mais junta, esses dois, né? E
também o Fiote. A rede é pra pegar Pacú e peixe maior, como a crumatá, jamaqui”.
Rapazes e meninas (Tabela 1) admitem conhecer os peixes, seus nomes e os ambientes
onde são pescados, o que comem, e as iscas mais utilizadas para a pesca deles, conhecem os
horários de pesca de cada espécie. Apontaram os peixes mais pescados atualmente: _“Mandi,
piau, pacu, o piau fica mais no local que tem pedra, na época do mandi, tem as frutinha, lugar
de sombra, lugar fundo, o piau, tem que ser ao meio dia, ou na tarde”.
Comparando todos os grupos focais (Tabela 1) o GF IV (moças), diferentemente das
mulheres e os outros grupos, citaram a estação do verão como o período de maior acesso à
pesca.
A mudança apontada pelo GF IV contempla o desrespeito ao período da desova, a
piracema. “[...] tem um tempo que não pode pescar né, as pessoas estão pescando e ai, talvez
pega os peixes quando tá na desova e ai vai diminuindo, quem tinha igual às pessoas de
antigamente falam, antigamente tinha mais peixes, agora não tem mais, tá diminuindo”.
Outro ponto que se deve notar é a percepção quanto ao período da pesca. Todos os
grupos, em comum, afirmaram e deram detalhes sobre o período da pesca, e o porquê da
atividade nas duas estações principais observadas por eles, o inverno e verão. Percebeu-se por
um lado, que a piracema (tempo de reprodução dos peixes), não era preocupação local porque
não conheciam sobre esse fenômeno, porém em função da fiscalização, não pescam por medo
80
de perder seus artefatos e serem multados. Por outro lado, esse período não é respeitado por
pescadores externos que pescam em horários que os fiscais nunca aparecem.
Das transformações nos recursos bióticos, tanto os homens e rapazes perceberam que a
maior influência é devida o aumento da exploração pesqueira por pescadores externos, a
diminuição da água do rio e as barragens que diminuiram o fluxo de cardumes de peixes por
impedir o ciclo natural dos peixes ao longo do rio. Embora todos saibam do período da
piracema, o GF IV (moças) admite obter mais conhecimentos, sobre esse período, e por isso
as moças são mais conscientes do período da desova dos peixes, a razão, seria o maior acesso
a essas informações na escola e com o recurso da televisão.
6.3. As transformações no mundo do trabalho (na pesca, na
agricultura e outras atividades, nas estratégias de sobrevivência)
Na percepção do GF II(homens), ficou evidente que a adoção dos recursos modernos
interfere na cultura da pesca tradicional e que é considerada como uma opção mais
econômica. _“ E mesmo assim, hoje, com instrução num, ainda não é fácil fazer a despesa de
casa, se tiver de pegar... Só pega muito, os que vêm de fora”. Essa percepção foi observada
pelo GF III (rapazes) que justifica a mudança na prática da pesca. Esse fator fez com que ao
longo do tempo se desse continudade a tradição no povoado. Os rapazes moram com os pais e
ajudam no cultivo do arroz, milho, feijão, plantação de melancia e alguns deles cuidam do
gado cultivado pelos pais. Um dos rapazes trabalha na draga local, mas todos pescam com
freqüência.
81
Figura 16. Cultivo de gado no povoado Cajueiro, no médio rio Tocantins, município de
Palmeirantes, TO.
Na pergunta sobre a atividade da pesca no presente, rapazes e homens em comum
observam as mudanças no ambiente da pesca: _ “Antes era bom, mas hoje aqui perto mesmo a
gente não pode pescar nem hora nenhuma, qualquer hora a gente ta sendo abordado...” _ “na
época da piracema mesmo a gente não pode pescar né, nessa época não tem como pegar
peixe.” (GF III - rapazes). A razão dessa semelhança em grupos com diferençcas
intergeracionais pode ser justificada pelo longo convívio com o rio, na companhia dos pais,
utilizando-se da produção anualmente em vazantes, após serem banhadas pela cheia
deixando-as bem adubadas, para o cultivo de agricultura de subsistência. Essas famílias
viviam praticamente do que o rio oferecia, incluindo as vazantes. A plantação e colheita eram
consideradas certas, pois, os ciclos normais das estações não variavam em comparação ao
presente, todo o regime de produção local sempre foi baseado nesses ciclos.
82
Figura 17. Vazante com plantação de milho no povoado Cajueiro, no médio rio Tocantins,
município de Palmeirantes, TO.
Para ambos os grupos focais II e III, a freqüente fiscalização na área do povoado se dá
pelo aumento da pesca na região, por pescadores que pertencem às colônias da cidade de
Palmeirante-To e de outras localidades e que mudaram a rotina da pesca para a população
local. Uma vez que não existe colônia de pescadores no povoado, os pescadores de Cajueiro
se sentem indefesos por não poderem exigir o direito de somente eles pescarem. Esses grupos
afirmaram que alguns pescadores armam a rede de um lado para o outro do rio, muitas vezes
eles têm que pedir para deixarem pelo menos um pequeno espaço para a canoa passar. A
população local não dispõe dos recursos modernos como voadeira, redes de grande porte e
tarrafas ou arpões dentre outros instrumentos.
83
Figura 18. Rede de grande porte armada de um lado a outro, no médio rio Tocantins, no
povoado Cajueiro município de Palmeirantes, TO.
Próximo ao rio, na residência de um dos sujeitos, um lago formou-se em função dos
diversos alagamentos do rio Tocantins, nas décadas anteriores, passando a ser um ambiente de
pesca explorado por toda a família e vizinhos que usufruiam dos recursos disponíveis nele
durante muito tempo. Após a barragem de Lajeado esse lago ficou isolado do rio por causa da
ausência das cheias: “[...] antigamente o rio enchia muito, igual à gente tem a lagoa, o rio
enchia e derrama pra ela, a tendência dela era ajuntar peixe”. (GF II-homens) O lago dependia
do alagamento do rio: “Antigamente não tinha um lugar melhor do que essa beira de rio. Eu
tenho dois anos que planto e se eu colhesse melancia eu tinha muita fartura. (GF II)”. Para
este grupo não somente o rio, mas o lugar se completava com os benefícios que o rio
proporcionava para a aquele povo que ali constituíram a família.
Os homens (GF II) repetiram as informações já contempladas pelos rapazes: _“Não
existia uma quantidade de peixe, é que esse pessoal que ia pescar, enche a sua enfiera e ia se
imbora. Só pescava o que dava pra comer. Primeiro que naquela época você tinha que pegar o
peixe de comer, você não tinha mistura. Daí a importância da pesca que denuncia o alto grau
de dependência do rio, basicamente do peixe, que era a garantia da continuidade daquela
comunidade na região.
84
Meu irmão pegava muito peixe, que na época tinha demais alí naquele rebanço nós
morava alí do outro lado e ele ia sozinho pegava Fiote, pegava Dorado, mas não era
pra vender, era pra comer, pagava Pacú mantega. Era eu e meus irmãos na época,
cada um queria comer de um jeito, fazia moqueca de peixe, de molho, peixe frito, a
moqueca era feito enrolado na palha de banana e assado na braza. Hoje nem pro
consumo não tem mais peixe.(GF III)
Nas percepções dos grupos como um todo, nota-se que a pesca tradicional é praticada
não somente pelos mais velhos, mas por todas as gerações incluindo as do presente, porém
com menos ênfase e frequência. Pode-se afirmar desta forma que a cultura da pesca com
anzol se mantém viva, embora os rapazes já estejam adotando os métodos de pesca utilizados
pelos pescadores externos.
“[...]A gente pesca mais de anzol. _ Nóis ainda utiliza a pesca tradicional que é com
anzol. Hoje tem produto na indústria que eu nem conheço ainda, mais nóis não
utiliza, mais outros utiliza pra pescar aqui. Ainda o que temos é uma redinha, mais
pra pesca hoje tem tanta coisa, tem tanta rede aí que nóis nem sabe o nome das
coisas. O peixe diminuiu mas a taxa de instrução aumentou. Se nois tem uma rede
aqui, mas chegou um com dez, vinte e trinta rede, passa dois dia ai, e paga pa dois
ai, oia e vai embora” (GF II - homens).
Percebe-se nessa fala, que os mais velhos, GF II, permanecem com o método
tradicional de pesca. Admitem que esse método seja menos depredador, e mais conservador
das espécies. Já para os rapazes (GF III), esses apontaram que utilizam os instrumentos
modernos como rede, tarrafa, pinhela e arpão, sendo que a pesca com arpão para eles é usada
como diversão e não com o objetivo da pesca.
85
Figura 19. Manejo de rede tarrafa, no médio rio Tocantins, no povoado Cajueiro município de
Palmeirantes, TO. .
“Hoje pesca com arpão, a rede e o minhocussul, aqui ninguém comprava aqui, né, e
dificilmente só quando vinha alguém de fora que trazia, agora não hoje quando vai pescar e
quase todo mundo compra pra pescar, porque com preguiça de pegar a isca pra pescar, outros
sem dinheiro.” Daí se observa uma diferença entre os grupos focais II e III(homens e rapazes),
quanto ao uso dos instrumentos modernos de pesca, notou-se a pesca moderna não é praticada
pela geração mais antiga (GF II) do povoado Cajueiro.
Uma semelhança notada também nas percepções direciona-se às embarcações
utilizadas. Tanto o GF II e GF III (homens e rapazes) admitem haver algumas alterações no
ambiente da pesca, em relação às décadas de 80 e 90, devido às mudanças no ambiente
aquático e em função das transformações pelo aumento da população na região, o
desmatamento e a adoção de alternativas econômicas. Antigamente, a atividade de pesca
consistia basicamente da exploração dos ambientes das margens do rio, com pouca utilização
de barcos a motor. Barcos motorizados eram mais explorados para transporte de pessoas nas
travessias do rio e acesso a outras cidades. Embarcações tais como a canoas motorizadas e os
barcos a motor não eram empregados na pesca local, como expõe também o grupo das
mulheres:
86
Era a canoinha de remo, né?quem tinha canoa e quem não tinha pescava no beradão,
naquele tempo ninguém via falar em motor. Até uns oito anos atraz aqui nessa beira de rio eu lembro que quando eu comecei trabalhar nessa canoa aí, era muita gente
que percorria o rio e era canoa de remo, outra canoa não tinha, e hoje você andando
nessa beira de rio e raramente ver canoa de remo aqui. Toda canoa é motorizada,
hoje é outra embarcação. Aí tem como ir buscar o peixe lá longe, porque vai mais
rápido, não vão mais remando. Todo mundo aqui tem o rabudinho. (GF I)
Da mesma forma, o GF II (homens) admitiu a existência da canoa como um recurso
recente, proporcionando a pesca fácil e alimentação garantida, os pescadores não tinham a
necessidade de buscar outros artefatos e ambientes distantes. A pesca nos barrancos dos rios
era realizada por senhoras e crianças e não oferecia perigo: “Era canoinha de remo. Hoje não,
hoje é o rabudo, a voadeira. Eu mesmo, até idade de cinqüenta anos era canoinha mesmo,
quem não tinha canoa era no cerpo, tinha facilidade pra pegar o peixe. Hoje já é utilizada a
canoa18
mesmo”. (GF II- homens)
Notou-se que o GF III (rapazes) não recebeu qualquer orientação para utilização dos
instrumentos modernos de pesca, porém, adotaram essas entralhas, porém, muitos não
possuem por não conhecerem ou pelo fator econômico não permitir, porém, às vezes são
pagos pelos pescadores externos em troca de todo o pescado que adquirem na pesca.
Sobre a importância da pesca para a família, os grupos focais III e II evidenciaram que
a escassez do peixe fez com que a comunidade local buscasse alternativa, tais como o cultivo
bovino, e propagou a força do trabalho por meio de diárias. Explorar alternativas na
agricultura foi em razão da insuficiência dos recursos pesqueiros: “[...] cada um faz uma roça,
antigamente, eu creio que passava de mês sem ir na rua, passava até mais, a vida era mais
sufrida, então pescar era um divertimento”. Podemos entender que a pesca também era
18
Canoa para eles é o rabudo, canoa com motor
87
explorada como forma de fuga do estresse. Era uma forma de aliviar-se do sofrimento, era
para eles uma diversão.
[...] Porque hoje não utliza só peixe pra comer, utiliza outras coisas também, a caça,
pastagem, plantação. Quase todos tem que trabalhar fora pra ajudar a família, porque
o custo de vida aumentou em torno de setenta e cinco por cento. Porque aqui antigamente não existia comprar um leite de gado nenhum não. Hoje quase todo
mundo tem. Quando não tem uma moto tem uma canoa, pois quem ta na roça não
tem como conseguir esse dinheiro pra comprar, né.(GF III)
As trasformações estratégicas na rotina diária e cultura local obrigaram os ribeirinhos
a adaptarem-se às alternativas para a reprodução da economia local. O transporte e outras
evidências do mundo moderno já são vistos em quase todas as famílias. Continuam a pescar,
porém, com um número menor de pescadores por família e com menos frequência.
Porque hoje não utliza só peixe pra comer, utiliza outras coisas também, a caça,
pastagem, plantação. Quase todos têm que trabalhar fora pra ajudar a família, porque o custo de vida aumentou em torno de setenta e cinco por cento. Porque aqui
antigamente não existia comprar um leite de gado nenhum não. Hoje quase todo
mundo tem. Quando não tem uma moto tem uma canoa, pois quem ta na roça não
tem como conseguir esse dinheiro pra comprar, né?
A pesca no presente não é mais a única alternativa para a sustentação da família, mas
enquanto lazer, a exploração da praia continuava sendo uma prática exercida por todos.
Diferenças entre as mulheres e moças GF I e IV (Tabela I) - Diferentemente das mulheres,
as meninas (GF IV) vêem a transformação no ambiente aquático, causada pela poluição no rio
em razão da aglomeração dos turistas na temporada de praia. “[...] Mudou, tá mais poluído _
as pessoas jogam muito lixo aqui no rio, mas é só na época de praia, essas coisas”. Observa-se
que há a preocupação com a qualidade da água e importância de manter o rio e todo o meio
ambiente nas suas margens e no seu interior limpos.
Notou-se, que o conhecimento manifestado pelas moças foi adquirido através da
televisão e da escola e não transmitido pelos pais. Por outro lado, os recursos tecnológicos
88
como a televisão e a educação na escola não dão informações com freqüência dos impactos do
lixo nas praias e especificamente na água do rio na região local, mas de outras regiões.
Os membros do GF IV (moças) embora demonstrem conhecimento sobre a atividade
pesqueira, admitem que a experiência prática com a pesca venha da observação aos pais. Não
pescam com frequência, como relatam na respostas à pergunta sobre a pesca hoje: “A gente
vai pescar de vez em quando, uma vez por mês, é bom pescar”. Por outro lado, os rapazes
demonstram ter maior experiência por conviver mais freqüentemente com a prática da pesca.
No entanto, o GF IV (moças) também percebeu a diminuição dos recursos aquáticos, e
admitem conhecer sobre o período da piracema. Aprenderam na escola sobre a desova dos
peixes, reconhecem a importância de não pescar nesse período. A escola nesse sentido
proporciou ao grupo, obter esse conhecmento da dinâmica biológica dos peixes.
Quanto ao período de pesca, as mulheres (GF I) compararam a pesca no passado e
presente. Admitiram que a espécie de peixe mais comun nas pescarias em ambientes
explorados pela população era o branquinho, peixe que não está tão presente nas pescarias.
Para esse grupo, a mudança na pesca exige novas estratégias e períodos de pesca, pois os
peixes também não são os mesmos.
Não é porque antes qualquer tempo que você ia pescar você pegava peixe e hoje é
diferente, hoje pra você pescar de rede só no período de inverno quando a água tava
suja, você engana o peixe então ele ia ficar na rede....e no verão só pega mais um
peixinho se for pesca de rodada, solta a bóia pra pegar peixinho maior, antes a gente
via botava um anzol de espera pegava tanto branquinho e tanto peixe grande, hoje
até mesmo o branquin desapareceu, o branquin não existe mais essa espéci`e de peixe e tá bem diferente a pesca, e hoje não é qualquer dia que você vai e volta com
peixe não. (GF I)
Conforme o que afirmaram, não havia restrições quanto ao período que se deveria ou
não pescar. A pesca ocorria durante todo o ano.
Os artefatos de pesca mais utilizados pela população local são apontados pelas
mulheres (GF I) que explicam de forma detalhada confrontando o passado e o presente e ao
mesmo tempo fazem críticas aos artefatos modernos usados pelos pescadores de outros locais
89
que exploram o ambiente aquático local. A população local admite perceber a falta de
consciência com a conservação biótica. Pois exploram a pesca de forma desordenada e
desrespeitando a comunidade local, com a utilização de métodos de pesca devastadores dos
recursos pesqueiros.
Era com isca de pesca a milanga e o anzol e também com gongo do coco de najar,
pegava uma pedra e quebrava o coco e tirava o gonguinho, hoje em dia é milho, é
soja, tem ceva. E naquele tempo que o peixe não sabia o que era fábrica, _“Eu
pesquei com linha de algodão que a minha vó fiava. Hoje ninguém quer pescar, as
pessoas pesca com tarrafa, pesca com rede de arrasto que pega o lado todo do rio e
por onde ela passa não fica nada, foi o que prejudicou. Aqui a gente que mora na
beira do rio que vai pegar o peixe, pegou o suficiente da sua despesa alí do dia, a
gente já vai pra casa, né? Mas quem vem de fora, principalmente pra essa ilha aqui,
essa ilha é muito explorada, viu. Vem gente de todo o canto pra pescar aqui, do
Palmeirantes vem canoa com pescador e leva tudo. E quando eles vem traz meio
mundo de rede, traz a rede de arrasto, traz tudo. Enquanto ta pegando eles não
deixam de pescar, né? Se fosse só os beradeiros e os ribeirinhos não tem problemas,
eles não tem controle, se fosse só os ribeirinhos eu acredito que aqui ainda tinha peixe, porque todo mundo só ia pescar no barco o suficiente para a sua dispesa, mas
quem vem de fora eles quer levar tudo e não conservam, principalmente quando fala
da rede de arrasto, porque a onde arrasta uma rede ela pega o grande e o pequeno, ai
não vai ficar nada nem pra produção, quem vai produzir? Sendo que eles morreram,
ai fica difícil. Aqui um dia desses, só via barracas o pessoal do Palmeirantes era
acampado aqui, direto vem acampar. Eles usava e atravessava a rede de um lado e
outro e nós ficava sem saída (GF III)
As mulheres explicam com naturalidade o ciclo dos peixes e admitem ser conscientes,
a tal ponto, de se emocionarem ao sentirem-se sem forças para intervir no sistema utilizado
pelos pescadores externos. Sabem que a pesca de arrastão antecipa e prejudica a reprodução
das espécies, uma vez que esse método não controla os peixes que devem ser pescados ou
não, não há um pré-estudo por parte desses pescadores quanto às espécies que devem ser
alvos dos instrumentos.
Outra diferença notada entre os grupos de gerações diferentes, GF I(mulheres) e o GF
IV(moças), mostra que este não consegue perceber os impactos indiretos e futuros, o que os
sujeitos do outro grupo percebem com facilidade em suas falas. As mulheres acreditam que as
mudanças no rio conduzem também a mudanças na vida dos ribeirinhos que dependem mais
diretamente dele. Portanto as meninas, GF IV, não tiveram essa percepção voltada ao futuro
90
da população local através dessas transformações no ambiente aquático na comunidade local.
A relação entre as moças e mulheres é menos estreita em comparação aos grupos de mesmo
gênero, homens e rapazes, grupos focais II e III.
Aqui se pode apontar uma semelhança intergeracional e de gênero entre mulheres e
moças (Tabela 1), ambos os grupos afirmam não utilizar os instrumentos modernos de pesca,
preferem a pesca com anzol, conhecem as iscas utilizadas na pesca das diferentes espécies de
peixes (linha, o anzol e a isca, soja, minhoca, millho verde). Isso ocorre por influência dos
pais, que sempre estão por perto.
As mulheres (GF I) admitem praticar a atividade de pesca juntamente com o esposo e
ou com as crianças.
Lá em casa era eu e meu marido porque ele ficava mais trabalhando e eu ficava em
casa trabalhava e ia pegar o peixinho até dá meio dia, depois até de noite. E ia com a
varinha de pescar e os meninos ia junto._Nossa família era grande, lá era homem e
mulher, toda vez que os meninos ia pescar nós tava no meio pescando também não
ficava de jeito nenhum, então era a família toda pescava, porque nós todos gostava
de pescar, só o meu pai que nunca foi chegado muito a pescaria, mas os outros tudo
gostava.(GF I)
As mulheres no Cajueiro costumam a pescar, acompanhadas de comadres e crianças.
“Tem vez que vou pescar mais duas comade e sempre to animada numa pescariinha aqui, o
Mandi né? As crianças também gostam de pescar, mas o menino mais velho não gosta de
pescar não, a pescaria dele é de tarrafa [...]”.
Reconhece-se a força do trabalho da mulher no Povoado Cajueiro, pois muitas delas
assumem a maior responsabilidade em casa. “Lá em casa quem pesca é eu, meu marido não
gosta mais, meu filho também não, só eu que pesco é difícil ter um dia ou dois pra eu não ta
no rio pescando. Eu entrego os meninos lá pro colégio e eu vou pescar, fico até meio dia. E
quando eu to em casa fico aguniada pra terminar de arrumar a casa pro ir ao rio pescar [...]
(GF II). Daí, se confirma a concepção de Kuster (2006, p.178 ) “não somente os homens mas
também as mulheres possuem conhecimento sobre pesca local e como uma essencial fonte de
91
alimento, além do mais ambos os sexos podem ter um bom conhecimento da maioria das
espécies e nomes locais19
.
O GFII ratificou a importância da força da mulher na família: _ “A mulher participava
da pesca, às vezes, até mais que o homem, porque o homem ia pra roça trabalhar e a mulher
dizia: não, vou pegar a janta”. “Ai! Como naquele tempo era fácil pegar, botava uma ceva, ai
lá e pegava, ai tinha a janta rápido”. Marido e mulher também saem juntos para a pescaria.
Este aspecto facilita a transmissão de conhecimentos entre ambos. Para o GF II as crianças
aprendem observando os pais. _ “Hoje são os dois, às vezes a gente vai só pra se distrair. Pra
quem não tem paciência igual eu. As crianças pesca também, elas aprenderam a jogar a linha
e puxar o peixe, elas ver o pai fazer.” Galúcio (2004, p.17) enfatizou que não há distinção,
quando necessário, a mulher assume as obrigações de cuidar da economia e ajudar no sustento
da família e por isso também conhece sobre pesca, e ainda que transpareça muito mais difícil
para a mulher, não é raro deparar-se com uma amazonida pescadora. Por isso, o Cajueiro se
assemelha à maioria das populações quilombolas da Amazônia, no que se trata da adoção
desse modelo tradicional atualmente menos idealizado pela presença cada vez maior da
mulher na atividade pesqueira como um agente participativo.
19
KUSTER, op. cit, p.178
92
Figura 20. Força da mulher no trabalho no médio rio Tocantins, no povoado Cajueiro
município de Palmeirantes, TO.
No entanto, em se tratando de pesquisas sobre mulheres na pesca, os temas nessa área
do conhecimento tiveram um crescimento relevante somente após a década de 80, conforme
Alencar (1993), a invisibilidade da mulher no trabalho da pesca parte da maneira de
compreensão do pesquisador:
Este modelo bipolar da divisão sócio-espacial e do trabalho recorrente nas etnografias tem sido característico da visão intelectual da tradição pesqueira. Em
alguns casos, aparece de forma rígida, principalmente porque reforça as distinções
das atividades de acordo com os espaços e com o gênero que as realiza 3. [...]
Assim, muito da “invisibilidade” da mulher em atividades de pesca decorre da ótica
do pesquisador na construção etnográfica e interpretativa do seu objeto de estudo
(ALENCAR 1993, p. 66).
A invisibilidade que o autor dispõe, no entanto, no Povoado Cajueiro quanto ao
trabalho da mulher, não se concretiza na prática, uma vez que, o papel da mulher é perceptível
e reconhecido por todos os membros da família e toda a população local. A mulher nesse
povoado é um ser dotado de saberes que conforme a ciência era apenas do poder masculino.
Notou-se que os grupos focais das mulheres e homens (Tabela 1) idealizaram a fartura
proporcionada pelo rio Tocantins no passado, isso significa que o rio era garantia de mesa
cheia, garantia de uma vida saudável quanto à alimentação dos filhos e de toda a família.
Maurício Cetra já mencionava sobre essa relação de dependência com o rio Tocantins: “Os
pescadores artesanais mantêm contato direto com o ambiente natural e, assim, possuem um
corpo de conhecimento à cerca da classificação, história natural, comportamento, biologia e
utilização dos recursos naturais da região onde vivem” (CETRA, 1998, p.4).
Outra semelhança nas percepções gerais em todos os grupos se trata da utilização da
pesca como uma atividade de lazer. A diferença é que além do lazer, as mulheres e os homens
( grupos I e II) afirmaram que na década de 80 e 90, a pesca através do método tradicional,
com anzol, com o objetivo econômico. Mas, demonstraram que o gosto por essa atividade era
compartilhado por toda família. A pesca como sempre já era praticada, pelas crianças, jovens
93
e adultos. Ambos os grupos enfatizaram a facilidade na captura de peixe por todos os
membros da família. A entralha era a tradicional, não havia rede, tarrafa, os instrumentos
modernos não faziam parte do conhecimento deles, não havia a intervenção de pescadores de
outras localidades, nem tão mesmo turistas pescando nas proximidades do povoado. A praia
não existia na região, não havia interesse pelo turismo.
Tudo era de anzol, não tinha rede, nóis não tinha como comprar nenhuma redinha,
nem tarrafa, outros nem conhecia até, meus menino as vezes pulava da rede cedo e
ia até na chuva e tinha vez que depois do almoço, cassava fulano e não achava,
olhava a Luana que vinha com a infieira de peixe quase do tamanho dela, era terrível
menino perto de casa, hoje, tem isso mais não, tinha dia que manhecia o dia cedo...
hoje não pesca, não tem, a gente desanima, e nem vai lá mais, porque vai e não pega,
eu sou desse jeito, ainda pesco agora um mandizinho, é o que se pega é um mandí,
eu não quero mais ir. (GF I)
Ambos os grupos focais I e II (mulheres e homens) percebem a escassez do peixe e
admitem que diversos fatores contribuíram para tanto. A falta desse recurso proporcionou a
diminuição dessa prática pelos moradores na comunidade local. O pescador externo e o boto
são vistos como predadores, porém, este é espécie que faz parte do ambiente aquático e que é
natural a presença dele no rio como algo sagrado. O GF I aponta o boto como um predador
natural, mas que é atingido pela escassez do peixe, suas atitudes quanto aos ataques nas sevas,
redes, na percepção das mulheres, isto ocorre devido à dificuldade de encontrar peixe para seu
auto-sustento.
[...]naquela época, a gente falava na mãe fartura que hoje não tem mais, então
qualquer lugar que você chegava e você jogava um anzol você pegava peixe e hoje
tá bem diferente, hoje se você não fizer uma seva, jogar bastante comida, os peixe
não vem, assim mesmo é difícil, se você chega e joga o anzol em qualquer lugar é a mesma coisa de você pescar no pote, até na seva mesmo é difícil de você pegar,
você tá pisando ali jogando comida todos os dias, enfim não tá adiantando não e
quando vem o peixe alí quando você começa a pescar, já vem o boto e espanta o
peixe, ele toma as vezes do teu anzol, mas não tá adiantando não, eu acho que a
comida tá pouca e a necessidade é tao grande e até o próprio boto tá passando
necessidade, porque ele acha que atacar o peixe não tá adiantando muito não, e se
bota uma rede hoje, eles estão também no meio e muitas vezes não pega porque o
boto vem e carrega tudo. E antes não, não tinha. O dia que a gente não pegava peixe
né. . A gente aqui na beira do rio, entre maio e junho, tanto cardume de peixe a gente
ficava várias vezes no dia olhando pro cardume de peixe passando era peixe demais,
e hoje, ninguém, acabou. (GF I)
94
Ambos os grupos vêem o rio no passado como sinônimo de fartura, muito peixe, desta
forma o rio simboliza um papel fundamental para manutenção do povoado no local, sua
alimentação.
Os grupos focais III e IV (rapazes e moças), também articularam e ratificaram o que o
GF II, disse: “_os pais ainda hoje pescam, ainda pesca, pra ajudar na casa. Eu já pescava
desde criança já. Isso significa que tanto os pais quanto os filhos, pescam”. Percebe-se desta
forma, que a pesca é uma tradição familiar para as famílias do Povoado Cajueiro.
Independente das transformações nos ambientes aquáticos e no trabalho da pesca, e ainda na
cultura local, a pesca, tradição secular, continua sendo praticada como uma questão
hereditária, pois as novas gerações do Povoado Cajueiro dão continuidade de forma natural a
essa tradição.
Semelhança na relação de gêneros (Tabela 1) entre rapazes e meninas (GF III e IV),
confirmada por meio da entrevista, é a de que as embarcações utilizadas na região não são a
motores. Os rapazes enfatizaram que alguns deles utilizam o “rabudinho”, porém, não
possuem canoa a motor, afirmaram que a canoa é fabricada de forma manual com a vegetação
local. Essa canoa quando velha, inútil para a pesca, era aproveitada como recipiente para
acomodar as mandiocas que seriam transformadas em farinha: _ “É feita aqui mesmo, manual,
uma canoa veia, casco de buriti, enchia de mandioca, eu pesquei muito. _O motorzin veio
chegar aqui tem pouco tempo. Hoje quase todo mundo hoje em suas casas já tem um
rabudinho”
Um aspecto relevante e comum a todos os grupos (Tabela 1) é a percepção de que a
comunidade local está menos dependente da pesca e com menor grau de participação na
atividade em relação às décadas anteriores. Notou-se que a atividade nesse sentido tem
sofrido alterações adversas por vários motivos. O maior deles está nas transformações diretas
95
ao rio, que fez com que cada geração esteja mais indiretamente ligada à pesca. Com isso, é
relevante embasar-se na afirmação de Maldonado de que a característica de pescador artesanal
está se perdendo. Para ele, esse tipo de pescador tem na pesca sua principal fonte de renda, e a
produção volta-se para o mercado, sem perder por, contudo, o seu caráter alternativo, podendo
destinar-se tanto ao consumo doméstico como à comercialização Maldonado (1986 apud
MELO e MATOS, 2006, p.1). A perda de valor da pesca tradicional é chamada por esse autor
de “esquecimento histórico da pesca artesanal” e ocorre de uma geração para outra.
Relacionando aos saberes sobre o passado, os grupos focais III e IV (rapazes e moças)
admitem não haver limite na quantidade de peixes na pesca tradicional, porém, no contexto
atual, sair à pescaria, não significa garantir o objetivo do pescador. Essa incerteza faz com que
o pescador ao ver a possibilidade de pegar mais peixes, não se hesita em acumular além do
suficiente para atender o objetivo da alimentação.
Os grupos focais I e IV(mulheres e moças) admitem que, a pesca na comunidade é
realizada para o sustento da família, não se comercializa, e nunca se teve outro objetivo
exceto o de alimentar a família, porém, no contexto atual não é mais suficiente. Daí a ênfase
dada pelos rapazes:
Só pescava pra comer mesmo. Só pro sustento da família. Hoje ta mais
assim: ocê vai pescar hoje né? Hoje é sorte. O dia que tem sorte aproveita
um pouco, sabe. Tem dia que ocê não pega nenhum e se hoje é seu dia de
sorte ocê pode apreveitar que amanhã ocê pode ir e não pegar nada. Só não
faz é aproveitar pra vender, ta me entendendo? O pessoal que vem de fora é
o tanto que der conta de levar, enquanto tiver pegando. (GF III-rapazes)
Da mesma forma, o GF I(mulheres) apontou que anteriormente, a pesca era
exclusivamente explorada para a subsistência da família. Todos sabiam que não se podia
pescar além do suficiente para a alimentação naquele dia: _ “Não tinha uma quantidade certa
pra pescar, mas a própria pessoa, a família ia pescar e quando pegava e via que era suficiente
96
pro dia já parava a pescaria, porque naquele tempo não tinha o comércio que hoje, né. Aí, só
pescava o básico mesmo e já tava voltando pra casa”.
Há uma homogeneidade nas percepções às entrevistas de todos os grupos quanto à
aquisição de saberes sobre pesca. Observou-se que há no povoado, a cultura da transmissão
dos saberes através da observação. Desta forma, os pais repassam aos filhos suas
experiências. Os sujeitos do GF I afirmaram da seguinte forma: _ “Desde criança meu pai me
ensinou a pescar com o canicinho (vara de pescar). De oito pra frente já ia pescar. Meus pais
ia e eu também pequenininha, com o canicinho e ia aprender pescar e até hoje. Caniço é uma
varinha com a linha e o anzol”
Assim também foi com o GF II: _ “Eu via a minha mãe pescando e ai, eu não sei
como aprendi, eu acho, aprendi vendo a minha mãe pescando. Eu jogava o anzol com as
minhoquinhas e o peixe puxando e eu garrando, né”.
Notou-ses que assim como os mais velhos aprenderam pela observação aos pais,
também mantiveram a mêsma cultura de repassar aos filhos. Os grupos GF III e IV repetiram
as mesmas estratégias de aquisição sobre a pesca.
Foi com o pai mesmo, ele ia pro rio e o menino ia e dizia: _vou pescar
também. Não tinha anzol que dava, ele acabava com tudo. Naquele tempo
era muito peixe dimais e aqui não secava, o barranco era fei. Todo lugar que
colocava o anzol pegava peixe.Hoje a pesca que ta tendo melhor hoje é com
a rede e a de arrastão. Não foi os pais que ensinam a pescar com a rede não.
A gente via os outros pescando ia lá e perguntava. (GF III)
Essa forma de transmissão de conhecimentos confirma a assertiva dos autores
Richerson e Robert (2005) que mostram a cultura como aquisição de informações através da
imitação ou aprendizagem de outros indivíduos e capaz de afetar um fenótipo de um
indivíduo. A forma de aprendizagem da população do Cajueiro ratifica o que esses autores
chamam de transmissão cultural que pode ser modelada como um sistema de herança. Neste
sentido, as crianças aprendem com os mais velhos que as ensinam ou mesmo através da
97
imitação. “Para entender a evolução cultural, é necessário entender todos os processos pelos
quais a variação cultural é transmitida e modificada20
”.
Cavallisforza e Feldman (198l, pp.121-132) conceituam cultura baseando na
transmissão cultural, como sendo a capacidade de aprender e transmitir conhecimento de
gerações para gerações. Para isso, são apresentados diferentes modelos de transmissão
cultural: “vertical (pais para filhos), horizontal (mesma geração) e oblíqua (entre gerações)”.
Notou-se nas falas das meninas (GF IV) que as experiências adquiridas variam desde,
o como pescar, até as caracteríscticas, e ambientes de cada espécie de peixe. Assim
responderam: “_Porque a gente vê os pais da gente, quando vão pescar, porque se eles forem
a noite, eles não vao pescar piau a noite”.
Beninca (1998 p.3) já comentava sobre essa prática com os ribeirinhos caboclos da
Amazônia. As influências eram denominadas pela autora de influências bidirecionais, e nessas
comunidades há uma preocupação por parte dos pais quanto à transmissão dos seus
conhecimentos, cultura, e valores aos seus filhos. É uma forma de justificar e dar sentido às
suas vidas. A nova geração, de jovens em geral, procura estabilizar seus próprios conceitos e
valores.
Cada geração busca construir sua própria identidade e impor seus próprios
comportamentos, daí, as diversidades entre as gerações independentemente do grau de
parentesco. Aldous, 1978; Bengtson e Kuypers, 1971; Fisher e Johnson (1990 apud
BENINCA e GOMES, 1998 p. 3). Essas diversidades estão apenas de um lado, elas não
questionam a linearidade presente na geração familiar ao longo dos tempos. É o consenso
presente nos “grupos geracionais sucessivos na mutualidade das experiências, da assistência,
das obrigações, das expectativas e do afeto”.
20
Para entender a evolução cultural, temos que levar em conta, todos os processos pelos quais a variação cultural
é transmitida e modificada. (RICHERSON e ROBERT op. cit. p. 430)
98
No povoado, a forma de transmissão de conhecimentos baseia-se na observação aos
mais velhos, nas diversas experiências do cotidiano, na força do trabalho e conversas com os
pais. São estratégias hereditárias, pois os homens (GF II) também afirmaram ter aprendido
através da observação, com a experiência diária e o repasse de saberes pelos pais: [...] “cada
dia é um aprendizado na vida da gente, cada mudança, cada coisa que a gente vive é mais uma
aprendizado que ta adiquirindo”.
[...] nasci e fui criada aqui, nunca mudei daqui da região do Cajueiro e meu pai
morava aqui também e através dele que eu tive um conhecimento, ele me criou
aqui.Deram toda vida assistência ali naquela fazenda ali no Cajueiro, nunca mudou,
mudei de lá, vim pa essa fazendinha que você tá vendo aqui na beira do rio. E criei
os filhos ai, hoje os filho tão tudo bem. Um tem a sua esposa ali, e temo a cada dia
um desenvolvimento na vida porque, cada dia vai passando, vai se renovando as
coisa, só nois criatura nois né, mas a gente vai vendo as coisa mudano né, tendo
mais conhecimento e é só isso mesmo. (GF I)
A facilidade do acesso à escola, no presente, contribuiu de forma moderada para
proporcionar maiores oportunidades na aquisição de conhecimentos a respeito do rio, da
pesca, dos recursos naturais, especialmente, os recursos aquáticos, porém de forma geral.
Contudo, o que mais prevaleceu na percepção dos sujeitos de todos os grupos focais foi o
convívio com o lugar, repasse dos pais e a observação da força do trabalho. Mais
específicamente, os rapazes apontaram a observação direta como o principal mecanismo de
apreendizagem e socialização: “[...] observando as pessoas mais velhas. Os pais quase não
ensinou, mais só observando, vai vendo também, observando o povo de fora” (GF III). Por
outro lado, as meninas enfatizaram ser através da oralidade e da influência dos pais, que a
cultura é ensinada aos filhos: _“Pelas pessoas mais velhas, antigamente moravam mais perto
ainda do rio, eles falam com a gente, nas escolas, eles falam sobre o rio em geral, mas sobre o
nosso rio é só os pais também” (GF IV). Foi o que também se observou na fala das mulheres,
o conhecimento cultural de como lidar com os diversos trabalhos realizados por elas e que são
geralmente considerados masculinos. _“ eles falam também explicam muitas vezes, coisa de
acontecer que tá acontecendo hoje” e acrescentou: talvez a própria necessidade né mostra o
99
conhecimento que nois tem que ver, necessidade de fazer aquilo, ai vai fazer e dá certo as
vezes, a gente tem que dar continuidade, pelas atividades”
Percebeu-se que há uma linearidade nas respostas às perguntas por parte de todos os
grupos. Demonstrou-se a presença da cultura hereditária. Percebeu-se então que há um
contexto de influências que tratamos de bidirecional, há uma preocupação por parte dos pais
quanto à transmissão dos seus conhecimentos, cultura, e valores aos seus filhos. A seguir, é
apresentado um resumo geral das diferenças e semelhanças nas percepções coletivas entre os
grupos focais de mesmo gênero e gêneros diferentes (Tabela 2).
Tabela 2: Resumo da representação das percepções por grupos focais analisadas acerca das
transformações no mundo do trabalho e no ambiente da pesca no povoado Cajueiro,
município de Palmeirante - TO.
Mulher (GFI) Homem (GF II) Rapazes GF III Meninas (GF IV)
Mulher (GF I) -
Homem (GF II) 44 (86%) -
Rapazes (GF III ) 34 (71%) 39 (76%) -
Moças (GF IV) 21 (41%) 20 (39%) 32 (63%) -
Esses resultados mostraram que dentre todas as percepções apresentadas nas
entrevistas, houve mais semelhanças entre os grupos de gênero masculino (86 %) que entre os
grupos de gênero feminino (21%). É possível entender que a relação entre homens e rapazes é
mais estreita que entre mulheres e moças. Por um lado, esses resultados demonstram que os
gêneros masculinos dividem as experiências acerca das atividades realizadas na comunidade.
E por outro lado, as mulheres não repassam suas experiências para as moças, e o que justifica
pode ser em razão das mulheres acreditarem que as moças poderão aprender através da
observação à medida que mais tempo convivam juntos com os pais.
Percebe-se, ainda, menor percentagem na semelhança entre os grupos dos homens e
das moças, (39%). A tabela aponta uma percentagem baixa nas percepções semelhantes entre
100
os grupos focais III e IV (32%). Contudo, essa percentagem leva a entender que rapazes e
moças não conversam sobre experiências do trabalho.
Notou-se aspecto fundamental nas informações da tabela 2, o grau de proximidade
entre mulheres e rapazes (71%), superando a interrelação entre os grupos de mesmo gênero,
mulheres e moças, apenas 21%.
7. CONCLUSÕES
O método etnográfico e as técinicas do DRP (Diagnóstico Rural Participativo) foram
cruciais nos resultados alcançados, pois possibilitou relevante exploração dos sujeitos nas
respostas às perguntas das entrevistas. Identificou-se através do levantamento de dados
secundários que maior parte das transformações no trabalho e no ambiente local foi
proporcionada pelos impactos causados durante e após as instalações das UHEs de Tucurui,
Lajeado e Estreito e poucas foram em função das dragas instaladas recentemente (há dois
anos aproximadamente) na região.
Dentre essas mudanças, estão as alterações nos componentes bióticos, através do
desaparecimento de algumas espécies de peixes pelo interrompimento de seu ciclo de
migração.
Observou-se que os novos ciclos das vazantes causados pela construção das barragens
são os maiores responsáveis pelas mudanças nos costumes e alterações na relação dessa
comunidade com a produção local em função de regime hidrológico com o controle do nível
das águas à jusante da hidrelétrica de Lajeado, através do represamento da água à montante
dessa central hidroelétrica.
101
Em se tratando dos grupos focais II e III (homens e rapazes), as semelhanças
evidenciam que os eventos do passado e do presente, no modo de observar a atividade de
pesca, indicam as transformações físicas, a escassez do peixe e a mudança na rotina da pesca.
Notou-se que estes grupos focais não previam as mudanças que estão ocorrendo
atualmente no ambiente aquático desde o surgimento dos empreendimentos construidos e os
impactos que são provocados pelas hidrelétricas de Lajeado, Estreito e as dragas. Que a falta
de meios tecnológicos de informação, condicionado também pela falta de energia elétrica
contribuiu ainda mais para não identificarem os impactos desses empreendimentos como a
causa direta nas transformações ocorridas e percebidas no mundo do trabalho e no ambiente
aquático.
Na concepção dos sujeitos dos grupos II e III (homens e rapazes), eles admitem não
receberem benefícios no futuro através da energia produzida pela usina de Estreito, como
ocorreu com a energia gerada pela hidrelétrica de Lajeado, levando em consideração que os
benefícios econômicos que favorecem as indústrias de alumínio através dessas hidroelétricas
instaladas na bacia do Tocantins não compensam os impactos negativos causados ao
ambiente.
Os homens e rapazes apontaram que o desaparecimento da praia será um dos impactos
conseqüentes dos empreendimentos, principalmente a hidrelétrica de Estreito, cujo lago vai
impossibilitar sua continuidade.
Ficou claro que no povoado não se manifestava interesse pela acumulação de bens,
demonstrou-se que a força de trabalho era para produzir alimentos para o sustento da família
vinha da pesca.
Ficou evidente que a atividade da pesca era mais intensa nos tempos passados, devido
à facilidade e suficiência dos apetrechos tradicionais da pesca usados para capitura. De modo
que até o presente momento, os pescadores locais não utilizam os recursos modernos
102
(voadeira, redes de grande porte e tarrafas ou arpões) para esse fim, por compreender que
esses recursos interferem na cultura da pesca tradicional que sempre foi praticada por todas as
gerações.
Notou-se que os maiores impactos socioambientais no povoado são causados com
maior intensidade pelas as barragens instalações das hidrelétricas de Lajeado e de Estreito e
em menor intensidade pelas as dragas.
Os grupos focais I e IV têm pouco conhecimento a respeito das UHEs e as
informações são adquiridas por meio do rádio. Notou-se que é comum, não adotarem os
artefatos modernos, porque não sabem como manuseá-los, e preferem a pesca com anzol, que
é uma prática de pesca tradicional, e capaz de preservar os recursos bióticos do ambiente
aquático.
Como a força de trabalho no Povoado Cajueiro, homens e mulheres (grupos focais I e
II), é compartilhada pelos dois gêneros, não há distinção de gênero na comunidade quando se
trata de responsabilidades e direitos, nas atividades de agricultura e pesca. Ficou constatado,
nas percepções, que a mulher assume as obrigações de cuidar da economia e ajudar no
sustento da família e também conhece sobre pesca, por mais que é muito mais difícil para o
gênero feminino. Desta forma, percebeu-se por meio da pesquisa, que a mulher no Povoado
Cajueiro é tão importante quanto o homem, e que esta importância não está associanada, ou
mesmo condicionada aos papeis sociais que a mulher viúva assume no grupo doméstico.
Mulheres chefes de família, casadas ou viúvas exercem papel fundamental nas
responsabilidades da economia e sustento familiar. Assim, este trabalho confirma o que as
pesquisas analisadas afirmaram sobre a presença do gênero feminino. É cada vez maior a
força de trabalho da amazonida nas atividades consideradas durante muito como sendo de
caráter apenas masculino.
103
Contudo, as diferenças entre gêneros e gerações podem ser resumidas das seguintes
formas: As meninas percebem a presença das dragas e demonstram preocupação com o rio em
vista da retirada de areia, entendem que esse processo faz com que as praias não se fixam num
mesmo local, de uma temporada para outra. Para as mulheres, as praias estão em locais
diferentes a cada temporada em função do constante funcionamento das dragas. Porém os
rapazes não tiveram as mesmas percepções. Nas entrevistas as meninas também contemplam
o desrespeito à piracema pelos pescadores externos. Preocupam-se com a poluição causada
pelos banhistas.
A diminuição da atividade da pesca e da exploração das vazantes após o regime
hídrico em função do represamento da água do rio à montante do povoado através da
hidrelétrica de Lajeado está levando a comunidade a explorar com maior intensidade,
alternativas de sobrevivência como a agricultura e pecuária.
Portanto, as transformações através dos impactos da existência das hidrelétricas no
médio rio Tocantins são percebidas por todos os grupos focais, porém com menor grau pela
geração de jovens (grupos focais III e IV). Constatou-se que é comum em todos os grupos
focais a cultura da transmissão dos saberes através da observação e repasse de pai a filhos. A
relação entre as gerações é mais estreita dentre o gênero masculino que dentre o gênero
feminino. Por esta razão, acredita-se que a menor similaridade de percepções entre rapazes e
moças decorre do fato das moças, ao contrário dos rapazes, pouco compartilharem em suas
relações de gênero e intergeracional, experiências e diálogos sobre qualquer atividade ou
problemas locais.
7.1. Recomendações
Em função dos diversos problemas causados ao Povoado Cajueiro, com as ações dos
empreendimentos construidos ao longo do médio rio Tocantins e que atingem direta e
104
indiretamente a comunidade, no que se refere ao mundo do trabalho e a relação com o
ambiente da pesca local, sujere-se que sejam criadas no povoado, uma colônia de pescadores
e uma associação de agricultores.
Com uma organização formal e reconhecida, acredita-se que a sociedade local poderá
buscar com maior força política, diminuir os impactos proporcionados pelas UHEs e dragas,
no ambiente aquático e nas outras atividades exploradas pela comunidade. No plano interno,
através do diálogo entre gêneros e gerações, encontrar alternativas para a solução ou
amenização dos impactos, e de forma endógena definir ações que promovam a conservação
dos componentes bióticos aquáticos e da cultura local.
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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107
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Microsoft Word -
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http://docs.google.com/gview?a=v&q=cache:tkZhWkSxHH8J:www.faor.org.br/CD/downloa
d/6_produzir_energia.pdf+a+atividade+de+pesca+e+agr%C3%ADcola+das+fam%C3%ADli
as+ribeirinhas+na+bacia+Tocantins-
Araguaia+est%C3%A1+intimamente+relacionada+ao+regime+h%C3%ADdrico+dos+rios&h
l=en. Acesso em 30/02/2009
108
APÊNDICES
109
APÊNDICE 1. Formulário para entrevista coletiva com perguntas não estruturadas
sobre pesca
FORMULÁRIO PARA ENTREVISTA COLETIVA COM PERGUNTAS NÃO
ESTRUTURADA SOBRE PESCA
ROTEIRO DE PERGUNTAS PARA O GF (HOMENS / MULHERES / RAPAZES/
MOÇAS)
Grupo:_________ Data:___________________
Média de Idade dos sujeitos: ____________
Média de Tempo dos sujeitos no local:_____________
1- Como era o rio antes da criação do estado do Tocantins?
2- E hoje, como é o rio?
3- O que mudou no rio?
4- Como era a pesca antes da criação do estado do Tocantins?
5- Como é a pesca hoje?
6- O que mudou na pesca?
7- O período da pesca é o mesmo que de antes?
8- Que artefatos da pesca eram utilizados e quais são utilizados hoje?
9- Quem participava da pesca antes e quem participa hoje?
10- Que embarcações eram utilizadas antes e quais são utilizados hoje na pescaria?
11- Como você aprendeu a pescar?
12- Que peixe mais se pescava antes e qual é mais pescado hoje no rio?
13- Qual a quantidade de peixe era pescado antes e hoje, qual o número de peixe em
cada pescaria?
14- Para você qual a importância da pesca na vida sua e de sua família?
15- Os locais de pesca ainda são os mesmos de antes?
16- O que você sabe sobre a construção das hidrelétricas de Lajeado e Estreito?
17- Que benefícios essas hidrelétricas estão trazendo para o povoado?
18- Que benefícios as dragas instaladas no local estão trazendo para o povoado?
19- Em sua opinião, como a hidrelétrica é boa ou ruim para a vida de vocês?
20- Como a hidrelétrica tem prejudicado ou ajudado na continuidade da pesca local?
21- Como seria deixar o povoado para viver em outro lugar?
22- Como se escolhe o local da pesca?
23- O que mais ameaça a pesca na região?
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APÊNDICE 02: Relação de espécies de peixes mais pescados no Médio Rio Tocantins
conforme Cetra (1998:33)
Nome comum Nome cientéfico Família/subfamília
Piau Vara Schizodon vittatum Anastomidae
Paiau Cabeça Gorda Leporinus SP Anastomidae
Piau Flamengo Leporinus affinis Anastomidae
Piau Côco Laemolyta petiti Anastomidae
Piabanha Brycon SP Characidae/Bryconinae
Ladina Brycon brevicauda Characidae/Bryconinae
Pacu manteiga Mylessoma duriventre Serrassolums SP
Piranha Serrassalmus SP Characidae/Serrasalminae
Caranha Colossoma brachypomum Characidae/Serrasalminae
Pacu Branco Mylesinusschomburgki Characidae/Serrasalminae
Curupetê Utiaritichthys sennaebragai Characidae/Triportheinae
Sardinha Triportheus albus Characidae/Serrasalminae
Bicuda Boulengerella SP Ctenoluciidae
Branquinha Psectrogaster amazonica Curimatidae
João Duro Curimata cyprinoides Curimatidae
Cachorra Hydrolycus scomberoides Cynodontidae
Sardinha Gata Raphiodon vulpinus Cynodontidae
Traira Hoplias malabaricus Erythrinidae
Sabão Hoplerythrinus unitaeniatus Erythrinidae
Voador Hoemiodopsis argenteus Hemiodontidae
Ubarana Ampdis elongatus Hemiodontidae
Prochilodontidae Curimatá Prochilodus nigricans
Jaraqui Semaprochilodus brama Prochilodus nigrican
Apapá Pellona SP Clupeidae
Aruanã Osteoglossum bicirrhosum Osteoglossidae
Corvina Plagioscion surinamensis Scianidae
Tucunaré Cichla temensis Cichlidae
Cará Geophagus sarinamensis Cichlidae
Cará Pitanga Geophagus jurupari Cichlidae
Cará Caroço de Manga Cichlasoma severum Cichlidae
Anojado Parauchenigptenus goleatus Auchenipteirdae
Fidalgo Ageneiosus brevifilis Ageneiosidae
Cuiu-cuiu Pseudoras Níger Doradodae
Mampará Hypophtalmus marginatus Hypophthalmidae
Cari Pterygoplichthys sp Loricariidae
Barbado Pinirampus pirinampu Pimelodidaea
Jaú Paulicea lutkeni Pimelodidaea
Surubim Pseudoplatystoma fasciatum Pimelodidaea
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Mandi moela Pimelodina flavipinnis Pimelodidaea
Bico de pato Sorubim lima Pimelodidaea
Mandi cabeça de ferro Pimelodus blochii Pimelodidaea
Pirarara Phractocephalus hemiliopterus Pimelodidaea
Dourada Brachyplatystoma flavicans Pimelodidaea
Filhote Brachyplatystoma filamentosum Pimelodidaea
Manduré Platystomatischthys sturio Pimelodidaea
Mandi Pimelodella cristata Pimelodidaea
Surubim Chicote Sorubimischtys planiceps Pimelodidaea
Espécies mais importantes, grandes bagres e outros pescados por aparelho no Mercado
Municipal de Imperatriz (MA) no ano de 1988. A arasstão, AM (arrastão-malhadeira, AMT
(arrastão-malhadeira-tarrafa), At (arrastão-tarrafa), EM (espinhel- malhadeira), EMT (espinel-
malhadeira-tarrafa). ET (Espinhel-tarrafa), M (malhadeira), MT (malhadeira-tarrafa), T
(tarrafa)
FONTE: Cetra (1998:33)
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APÊNDICE 03: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UUNNIIVVEERRSSIIDDAADDEE FFEEDDEERRAALL DDOO AAMMAAZZOONNAASS
CCEENNTTRROO DDEE CCIIÊÊNNCCIIAASS DDOO AAMMBBIIEENNTTEE PPRROOGGRRAAMMAA DDEE PPÓÓSS--GGRRAADDUUAAÇÇÃÃOO EEMM
CCIIÊÊNNCCIIAASS DDOO AAMMBBIIEENNTTEE
E SUSTENTABILIDADE NA AMAZÔNIA
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Título da pesquisa: AS TRANSFORMAÇOES DO DO TRABALHO E NO AMBIENTE
DA PESCA NO POVOADO CAJUEIRO, PALMEIRANTE -TO
Pesquisador(es) responsável(is): Mestrando: Vonínio Brito de Castro
Orientador: Prof. Dr. Henrique dos Santos Pereira
Instituição/Departamento: FIESC – Faculdade Integrada de Ensino Superior de Colinas
do Tocantins
Telefone para contatos – (063) 3476 – 4234- cel: 63-99877444
Local da coleta de dados: Povoado Cajueiro, Município de Palmreirante-TO
Prezado(a) Senhor(a):
• Você está sendo convidado (a) a responder às perguntas deste questionário de forma
totalmente voluntária.
• Antes de concordar em participar desta pesquisa e responder este questionário, é muito
importante que você compreenda as informações e instruções contidas neste documento.
• Os pesquisadores deverão responder todas as suas dúvidas antes de você se decidir a
participar.
• Você tem o direito de desistir de participar da pesquisa a qualquer momento, sem nenhuma
penalidade e sem perder os benefícios aos quais tenha direito.
Objetivo do estudo: Procedimentos. Sua participação nesta pesquisa consistirá apenas em
responder às perguntas formuladas na entrevista.
Benefícios. Esta pesquisa trará maior conhecimento sobre o tema abordado, sem benefício
direto para você. Riscos. Submeter às entrevistas não representará qualquer risco de ordem
física ou psicológica para você.
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Sigilo. As informações fornecidas por você serão confidenciais e de conhecimento apenas dos
pesquisadores responsáveis. Os sujeitos da pesquisa não serão identificados em nenhum
momento, mesmo quando os resultados desta pesquisa forem divulgados por qualquer meio.
Aceite: _________________________________________________________
Data: ____/___/______