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16 1- INTRODUÇÃO Desde a década de 50, o rio Tocantins tem recebido grandes e pequenos empreendimentos governamentais e particulares ao longo de seu curso. Dentre eles, a Rodovia BR 153, que beneficiou diretamente os ribeirinhos da margem direita do rio, as hidrelétricas de Tucurui (PA), de Serra da Mesa (GO), de Lajeado (TO) e de Cana Brava (GO) e dragas para extração de areia instaladas em alguns pontos do médio rio Tocantins. Essas barragens geram energia da água, que também é usufruida para abastecer grande parte dos municípios às margens do rio. De acordo com Bermann (2002 apud ZHOURI e OLIVEIRA 2006, p.3), esses empreendimentos são normalmente construídos para fornecer energia a seguimentos específicos da indústria, aqueles cuja linha de produção é inteiramente dependente da eletricidade como é o caso do setor de alumínio, principal responsável pelos impactos causados em função da construção desses empreendimentos (BERMANN, 2002). As transformações decorrentes das barragens fragilizaram a interação do ribeirinho com o rio. “Se antes da construção da estrada a navegação via rio Tocantins era a atividade mais importante para essas populações, com o seu advento o rio passa a ser visto, nesse sentido, como um empecilho: [...] “em vez de ser considerado elemento de ligação, passa a ser visto como um obstáculo a ser vencido” (OLIVEIRA, 2003, pp. 2-3). As mudanças contribuem para contaminação de cursos d’água, destruição ou fragmentação de h ábitats naturais e da vegetação, desapropriações, remanejamento de populações e pressão sobre os serviços (CONDINI, 2007, p.10) Os estudos ecológicos e etnobiológicos quando buscam considerar as especificidades globais e locais (comunidade, ambiente, etc), podem levar os indivíduos a repensar, discutir alternativas, à medida que se percebe o declínio dos recursos naturais, e a “importância da conservação e do desenvolvimento sustentável às presentes e futuras gerações” (CLAUZET, RAMIRES e BARRELLA 2005, p. 2). Além dos impactos das barragens, existem os impactos

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1- INTRODUÇÃO

Desde a década de 50, o rio Tocantins tem recebido grandes e pequenos

empreendimentos governamentais e particulares ao longo de seu curso. Dentre eles, a

Rodovia BR 153, que beneficiou diretamente os ribeirinhos da margem direita do rio, as

hidrelétricas de Tucurui (PA), de Serra da Mesa (GO), de Lajeado (TO) e de Cana Brava

(GO) e dragas para extração de areia instaladas em alguns pontos do médio rio Tocantins.

Essas barragens geram energia da água, que também é usufruida para abastecer grande parte

dos municípios às margens do rio. De acordo com Bermann (2002 apud ZHOURI e

OLIVEIRA 2006, p.3), esses empreendimentos são normalmente construídos para fornecer

energia a seguimentos específicos da indústria, aqueles cuja linha de produção é inteiramente

dependente da eletricidade como é o caso do setor de alumínio, principal responsável pelos

impactos causados em função da construção desses empreendimentos (BERMANN, 2002).

As transformações decorrentes das barragens fragilizaram a interação do ribeirinho

com o rio. “Se antes da construção da estrada a navegação via rio Tocantins era a atividade

mais importante para essas populações, com o seu advento o rio passa a ser visto, nesse

sentido, como um empecilho: [...] “em vez de ser considerado elemento de ligação, passa a ser

visto como um obstáculo a ser vencido” (OLIVEIRA, 2003, pp. 2-3). As mudanças

contribuem para contaminação de cursos d’água, destruição ou fragmentação de hábitats

naturais e da vegetação, desapropriações, remanejamento de populações e pressão sobre os

serviços (CONDINI, 2007, p.10)

Os estudos ecológicos e etnobiológicos quando buscam considerar as especificidades

globais e locais (comunidade, ambiente, etc), podem levar os indivíduos a repensar, discutir

alternativas, à medida que se percebe o declínio dos recursos naturais, e a “importância da

conservação e do desenvolvimento sustentável às presentes e futuras gerações” (CLAUZET,

RAMIRES e BARRELLA 2005, p. 2). Além dos impactos das barragens, existem os impactos

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negativos sobre os ambientes aquáticos decorrentes do desmatamento provocado pela

expansão da pecuária e do cultivo da soja na região do médio rio Tocantins.

As populações ribeirinhas do município de Palmeirante - TO estão sob a expectativa

de receber benefícios advindos de políticas externas como, o programa: “Luz Para Todos1” e

de outra hidrelétrica, a de Estreito – MA que está na terceira fase de implantação no rio

Tocantins. Embora dados concretos fornecidos pelos técnicos da usina, em vistorias no local,

comprovam que o lago da UHE não atingirá além dos cem metros da margem do rio ao longo

do município, esta espectativa está causando a desorganização das populações afetadas, pelas

incertezas das perspectivas futuras na vida socioeconômica e, sobretudo os impactos nos

costumes e cultura local. Buscou-se com este trabalho identificar as transformações no mundo

do trabalho e no ambiente da pesca e como essas transformações são assimiladas e associadas

pelas percepções coletivas dos agricultores-pescadores locais.

O Povoado Cajueiro é considerado neste trabalho, uma representação das diversas

populações ribeirinhas do médio rio Tocantins. Para esse estudo, alguns questionamentos

impusionaram a realização desta pesquisa: quais as transformações no mundo do trabalho e no

ambiente da pesca (nos componentes bióticos, atividade da pesca, agricultura e outras

atividades desenvolvidas na região do Povoado Cajueiro) ocorridas após a criação do Estado

do Tocantins? Como as gerações de agricultores-pescadores locais percebem essas

transformações? Qual a relação de semelhanças e diferenças entre grupos intergeracionais e

de gêneros? Daí, a importância para a ciência e para a população local, o estudo das

percepções coletivas das populações ribeirinhas do Povoado Cajueiro, no médio rio

Tocantins, como forma de identificar e explicitar como essas transformações estão

interferindo no mundo do trabalho e no ambiente da pesca das comunidades ribeirinhas. O

1 O Programa Nacional de Universalização do Acesso e Uso da Energia Elétrica – Luz para Todos – foi

instituído através do Decreto nº 4.873, de 11 de novembro de 2003, com o objetivo de levar energia elétrica para

mais de 12 milhões de pessoas até 2008, em todo o Brasil. Disponível no endereço eletrônico:

http://www.cemig.com.br/luzparatodos.asp acesso em 20/02/2008.

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termo “mundo do trabalho”, assim como em Witkoski (2007), utiliza-se para referir à gama de

atividades do calendário de trabalho do camponês ribeirinho, que utiliza como orientação os

“ciclos das águas” que consiste da sequência de enchentes, cheias, vazantes e secas, que ditam

o ritmo de realização de suas atividades produtivas. A pesca ganha destaque nesse mundo do

trabalho ribeirinho, que expressa todo o contexto de relação do ribeirinho do Povoado

Cajueiro com rio Tocantins.

Realizou-se este estudo no povoado ribeirinho mediante entrevistas abertas realizadas

com grupos focais (homens/mulheres/rapazes/meninas) e a técnica qualitativa foi adotada

para a análise das semelhanças e diferenças entre e dentre as percepções coletivas desses

diferentes sujeitos.

2. OBJETIVOS:

2.1. Geral

Analisar as percepções coletivas dos agricultores pescadores do Povoado Cajueiro, no

município de Palmeirante -TO, sobre as transformações no mundo do trabalho e no ambiente

da pesca no médio rio Tocantins, considerando as relações intergeracionais e de gênero.

2.2. Específicos:

Identificar as transformações no ambiente físico (o rio, as praias, os ciclos de cheia-

vazante);

Descrever as transformações nos componentes bióticos (os peixes);

Constatar as transformações no mundo do trabalho (na pesca, na agricultura e outras

atividades, nas estratégias de sobrevivência).

3. HIPÓTESE DA PESQUISA:

Os impactos no mundo do trabalho e no ambiente da pesca do rio Tocantins

transformaram a pesca no povoado Cajueiro.

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4. REVISÃO DE LITERATURA

4.1. Estado do Tocantins e as transformações sócioambientais

A navegação fluvial já foi o meio de locomoção e comunicação mais eficaz em todo o

rio Tocantins até o final da década de 1950. O rio Tocantins permitiu que o norte do Brasil

fosse explorado utilizando-o como via fluvial para o transporte de famílias do estado do

Maranhão através de embarcações que tinham como destino o Norte da província de Goiás.

Cavalcante (1999, p.30) aponta que os jesuítas chegaram ao território goiano, pelo rio

Tocantins, em busca de catequisar os índios que viviam no sertão. O Pe. Cristóvão de Lisboa

fundou o primeiro ministério jesuítico, em 1625, em Cometa, vila localizada onde atualmente

se encontra a UHE de Tucuruí - PA.

A construção da BR-153, no governo de JK (1956-1961), foi um empreendimento que

contribuiu para o povoamento do norte de Goiás e que ocasionou intensas transformações

socioambientais para as populações do sertão. Com essas obras, a navegação fluvial deixou de

ser o meio de transporte mais explorado e o principal corredor de acesso à região.

O rio Tocantins, desde o ciclo do ouro na Província de Goiás ainda no século XVIII,

foi uma das poucas alternativas de acesso à região norte do Estado de Goiás. Na Constituição

de 1988, o norte foi dividido do sul e passou a ser denominado Estado do Tocantins.

Conforme Lysias Rodrigues, o rio Tocantins recebeu esse nome que lhe “[...] foi

aplicado por viver em suas margens, a poderosa e valente tribo dos índios Tocantins, daí ser

conhecido a princípio como rio dos Tocantins” Rodrigues (2001 apud OLIVEIRA, 2003, p.3).

Para esse autor, a palavra “Tocantins” traz o significado de nariz de tucano, mas um de seus

estudos mostra que o rio teve ainda outras denominações, atribuídas por diversos exploradores

em diferentes épocas.

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O Rio Tocantins recebe essa denominação a partir da confluência dos rios Maranhão e

Paranã, no Brasil Central, somando cerca de 2.400km de extensão até a foz. Os afluentes que

o formam têm, portanto, suas nascentes no planalto de Goiás, região de Brasília, como

afirmam os geógrafos Gomes e Teixeira Neto (199, p.113): “O rio Tocantins inicia-se a partir

das imediações do quadrilátero Cruls (porção setentrional do Distrito Federal), há mais de

1.000m de altitude. Conforme a mesma autora, o rio Tocantins atravessa o país no sentido sul-

norte e, na divisa dos Estados do Tocantins e Pará (local conhecido por Bico do Papagaio),

onde recebe e uni-se ao rio Araguaia. Divide os Estados do Tocantins e Maranhão logo após

as cidades de Filadélfia-TO e Carolina-MA, cortando, em seguida, o Estado do Pará,

chegando à sua foz. “Constitui-se de três trechos distintos: o Alto Tocantins, que vai das

nascentes até a cachoeira do Lajeado, medindo 1.050km; Médio Tocantins, da cachoeira do

Lajeado à cachoeira de Itaboca, com 980km; e o Baixo Tocantins, da cachoeira do Itaboca até

a foz, com aproximadamente 370km. Alguns desses trechos são considerados navegáveis,

outros mais difíceis de navegar devido às corredeiras, cachoeiras e, em certas épocas do ano,

devido a pouca profundidade em alguns lugares. Segundo Oliveira (203, pp.3-4), os rios

Tocantins e Araguaia são bastante diferentes. Conforme o projeto ITATIBA, o rio Tocantins

caracteriza-se como sendo canalizado, com pouca planície de inundação:

Corredeiras e cachoeiras são os hábitats mais comuns ao longo de seu curso:

dominam a paisagem do curso superior, encontram-se espalhadas no curso médio e

formavam um importante hábitat reprodutivo no curso inferior, hoje submerso pela

represa de Tucurui. As lagoas marginais são rara no rio Tocantins, mas integram

importantes planícies de inundação no seu curso superior, na confluência com o

Araguaia e logo abaixo na represa de Tucurui. (Projeto CEPPEA-ITATIBA)´2

O estado do Tocantins foi ocupado até a década de 1950, pela expansão agropecuária

de fazendeiros do estado de Goiás e do Maranhão, e em função da abertura da Rodovia

Belém-Brasília intensificou-se ainda mais a partir do final dessa década e início dos anos 60

que contribuiu para um intenso desenvolvimento considerado desproporcional em relação à

2 INPA – Instituto Nacional de Preservação Ambiental – disponível no endereço eletrônico:

http://www.inpa.org.br/itatiba.pdf. Acesso em 11 de novembro de 2008.

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capacidade ambiental dos ecossistemas. O desenvolvimento trouxe impactos à flora devido à

substituição da mata nativa aos grandes projetos agropecuários impulsionados por políticas

públicas que visavam os incentivos fiscais por parte do Governo Federal.

No Tocantins, na década de 70, surgem os primeiros grandes empreendimentos que

exploraram a região norte do estado, por meio da passagem da linha de transmissão da

Eletronorte, vinda da grande barragem de Tucuruí, instalada no rio Tocantins alguns

quilômetros a jusante. (GOMES,1991, pp.165-179). Dentre os empreendimentos, a ferrovia

construída através do Projeto Carajás que liga as minas de Carajás ao Porto de Itaqui em São

Luiz do Maranhão que trouxe muitos impactos aos índios Xikrin, ao atingir suas propriedades

ricas em minérios e aos índios Gaviões Parkatejê, cujas terras foram avassaladas parcialmente

pela ferrovia.

[...] Da ferrovia surgem os projetos agropecuários, as siderúrgicas, a utilização de

carvão vegetal, os conflitos fundiários, as expectativas e insatisfações econômicas, a

valorização da terra, a urbanização descontrolada dos distritos rurais [...]. 3

Dragas para exploração de minérios são instaladas ao longo dos rios Araguaia e

Tocantins. Depois do Rio Araguaia, com mais de cinquenta máquinas de dragagem instaladas

às margens do rio, como aquelas em funcionamento nos garimpos de diamantes, cujas terras

são Áreas de Proteção Ambiental (APA) do Vale do Encantado, em Baliza, município que faz

divisa com o Estado do Mato Grosso, o Rio Tocantins passou a ser alvo desses

empreendedores. Duas máquinas se encontram em funcionamento na região do Médio Rio

Tocantins, no Povoado Cajueiro.

Embora as dragas tenham sua importância por contribuir com o desenvolvimento

social, os impactos advindos da extração mineral podem causar danos ambientais negativos e

que podem ser irreversíveis Brandt (1998 apud LELLES, 2005, p.1). A Lei Federal 6.567, de

3 GOMES, op. cit. pp.165-179

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24 de setembro de 1978, disciplina o regime de licenciamento sobre o aproveitamento das

substâncias minerais.

A licença deve ser expedida pela autoridade administrativa local, com validade

somente após o seu registro no Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) e sua

publicação no Diário Oficial da União. (LELLES, 2005, p. 442).

Lelles (2005, p.2) mostra que há cerca de 2000 empresas de pequeno porte, chamadas

de familiares, gerando cerca de 45.000 empregos diretos, 60% e vai produzir além de 10.000

t/mês, 35,0% entre 10.000 3 25.000 t/mês e 5.0% mais que 25.0000 t/mês.

Esses empreendimentos são atores que agem em desacordo à capacidade do lugar,

alteram o ambiente social e material sem dar conta de sua importância. Valverde e Sintoni

(1994) citado por Melo e Matos (2005) concordaram que a mineração de areia torna-se uma

problemática, uma vez que se trata de matéria prima de baixo valor no que se refere ao

volume e preço.

As ações condicionadas aos ambientes em função desses empreendimentos se opõem

às tradicionais realizadas pelas populações ribeirinhas. Farias Cruz e Oliveira (2007, p.1)

propõem que “os exemplos revelados pelas comunidades ribeirinhas no que se refere ao

funcionamento de apropriação, uso e gestão dos recursos naturais podem ser adotados como

referência.” As mudanças e transformações no ambiente aquático podem colocar em risco a

sobrevivência das populações ribeirinhas na várzea amazônica e as que vivem na várzea do

rio Tocantins não são diferentes. A continuidade dessas populações sob tais pressões

decorrentes dessas transformações “é sempre um ato de heroísmo e de aventura”.

O estudo sobre etnoictiologia realizado por Begossi e Caravello (1990) citado por

Cetra (1998) mostra que as populações ribeirinhas do médio rio Tocantins em função do grau

de importância do recurso biótico, utilizam o critério de classificação por meios morfológicos

e ecológicos, do conhecimento do ambiente explorado por eles.

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O inventário do potencial hidroelétrico do rio Tocantins começou basicamente na

década de 60. O estudo partiu do baixo rio Tocantins, e foi concluído somente em 1976:

Na década de 80 novos estudos foram feitos e decidiu-se mudar de local algumas

usinas e definir outras que não estavam catalogadas nos estudos de inventários da década anterior. No caso do projeto de Lajeado, no médio Tocantins, o primeiro

barramento, chamado Lajeado Alto, que alagaria 2.950km2, na cota 237m foi

definido muito antes de ser criado o Estado do Tocantins (1988). Posteriormente,

foi assinalado outro barramento, localizado aproximadamente 120km rio abaixo da

cidade de Porto Nacional, conhecido como Lajeado, na cota 212m, pouco acima das

cidades de Miracema e Tocantínia - GO, localizadas às margens esquerda e direita

do rio Tocantins, respectivamente, ainda quando a região pertencia ao Estado de

Goiás..(ARAÚJO, 2003, p.26)

Existem quatro usinas consideradas de grande porte no Tocantins: Tucuruí - PA,

potência nominal de 3.960MW (inaugurada no ano de 1984), essa usina está a 310km de

Belém do Pará, na bacia do Tocantins, o empreendimento ocupa uma área de 7km de extensão

e inundou 285 mil hectares de terras nos municípios de Itupiranga, Tucuruí e Jacundá, uma

faixa de 200 quilômetros de terras. O lago da hidrelétrica de Tucuruí tem 270 quilômetros de

extensão e 10 de largura. O que proporcionou um grande impacto ambiental no entorno da

região.

Estudos mostram que muitas espécies de animais e vegetais foram extintas e 30 mil

pessoas tiveram que se retirar de suas terras e ainda duas tribos indígenas, Gavião e Parakanã

foram obrigadas a se deslocarem de suas aldeias, pois 2.850km2 de floresta foram inundados.

A produção de gás metano foi um dos impactos negativos provocados por essa inundação,

que também intensificou a reprodução e proliferação de grande quantidade de mosquitos.

Esses impactos e tantos outros foram assimilados pelas comunidades locais com a justificativa

de que o empreedimento serviria para aumentar o potencial energético do país. Os ribeirinhos

atingidos pelos impactos e que agora vivem em ilhas formadas a partir do lago, não são

beneficiados pela energia produzida pela usina. (ALMEIDA e REGIS, 2002, p.3).

A usina de Serra da Mesa-GO tem potência nominal de 1.275MW (inaugurada em

1998), e a de Lajeado-TO tem potência nominal de 850MW (inaugurada em 2001). A

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população atingida sofre de forma acelerada os impactos que vão desde o ambiental até o

social, por último a de Cana Brava – no Estado de Goiás, tendo uma potência nominal de

450MW (2002/1 foi sua inauguração). Toda eletricidade gerada pelas hidrelétricas dos

Estados do Pará, Tocantins, Goiás e Maranhão, por ser uma região rica em indústrias, é

utilizada como ligação permitindo intercâmbios entre os sistemas regionais Norte, Nordeste e

Centro-Oeste/Sudeste através de linhas de transmissão e subestações. (ARAÚJO, 2003, p.24).

Segundo a Agência Nacional de Águas (ANA) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento

(BID) em toda a bacia Araguaia-Tocantins que possui uma área que abrange 813 mil

quilômetros quadrados, cerca de 50 barragens de pequeno a grande porte já estão previstas a

serem construídas. Em toda a hidrovia Araguaia-Tocantins deverá ocorrer a transposição das

barragens dos vários projetos além do Rio Sono.

A hidrelétrica de Lajeado – TO, denominada Luís Eduardo Magalhães, localiza-se no

rio Tocantins, entre os municípios de Lajeado e Miracema do Tocantins, seu reservatório

ocupa área de 630km² (63 mil hectares), para uma potência instalada de 902,5 MW. Produz

6,5 vezes a mais que a energia consumida no Estado do Tocantins. O lago inundou os

municípios de Miracema, Lajeado, Palmas, Porto Nacional, Brejinho de Nazaré e Ipueiras e

em sua jusante desalojou três mil famílias. A hidrelétrica já funciona desde o 2º semestre do

ano de 2001, e produz 850 megawatts de energia. 4

4 ALMEIDA, R. & REGIS, M. Águas sem Barragens. Campanha Interestadual contra a implantação

de Barragens na Bacia Araguaia – Tocantins. São Luiz, 2002.

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Figura 1. Aspecto geral da Usina Hidrelétrica de Lajeado e da cidade de Lajeado, no médio

Tocantins, município de Lajeado, TO. Fonte: Google Maps Brasil, 2008.

A UHE de Lajeado possibilitou a implantação de 34 programas ambientais e a criação

de 6.200 empregos diretos, além de dar independência energética ao Estado do Tocantins e a

energia excedente é direcionada ao Sistema Interligado Nacional (SIN) para beneficiar outros

estados do Brasil.

A UHE de Estreito (MA/TO) está localizada entre os municípios de Aguiarnópolis/TO

e Estreito/MA, os impactos mais profundos serão nas cidades de Carolina/MA,

Babaçulândia/TO, que devem ser inundadas, e ainda, Filadélfia/TO. Esses impactos devem

atingir diretamente 1.150 pessoas e de forma indireta, a reserva indígena Krahô, além do

Monumento Natural das Árvores fossilizadas. As várias cidades que estão ao longo do rio

Tocantins, e utilizam a água para o abastecimento da população, poderão sofrer fortes

conseqüências pelos danos ocorridos na água pela hidrelétrica.

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Figura 2: Ilustração do rio Tocantins tendo ao fundo a construção da hidroelétrica de Estreito

(a) e estágio dos trabalhos de construção, no Estado do Maranhão (b). Fonte: Imagens@DigitalGlobe Cities/Spot

A região alvo das hidrelétricas é a do Bico do Papagaio abrangendo o Tocantins, Pará

e o estado do Maranhão, por ser um grande potencial hidroviário proporcionado pelo encontro

dos rios Araguaia e Tocantins o que aumenta a capacidade da bacia. Essa região é conhecida

pelos grandes conflitos sindicais ao longo da história e que recebeu a indústria de alumínio -

Alcoa, Billiton, Votorantim e a Companhia Valem do Rio Doce. Por esta razão, neste trecho

estão localizadas as hidrelétricas de Santa Isabel (TO/PA), de Estreito (TO/MA) em

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construção e Serra quebrada (TO/MA). Segundo o Jornal ACHANOTÍCIAS5, as UHEs em

funcionamento são duas: a de Lajeado - 902,5 MW - e Peixe Angical – 452 MW e mais, 13

PCHs (Pequena Central Hidrelétrica) com 65,6 MW. Todos esses empreendimentos juntos

somam uma produção de energia que totaliza 1.420,10 MW. De toda essa energia, o estado

usufrui apenas 130 MW, e o excedente, 1.290,10 MW são exportados a outros estados do

país.

O lago da UHE de Serra Quebrada atingirá os municípios de Itaguatins/TO e

Governador Edson Lobão/MA e está previsto o desalojamento de 14 mil pessoas. Mas sabe-se

que os impactos não se resumem apenas nesses citados, pois o modo de vida dos oleiros e dos

pescadores da região será também modificado, sem mencionar as áreas onde vivem os povos

indígenas Krikati e Apinajé. Além dessas UHEs citadas, segundo o mesmo jornal, estão

previstas mais essas hidrelétricas no rio Tocantins: Paranã - 95MW, Barra do Palmas - 58

MW, São Salvador - 241MW, Ipueiras - 480MW e Tupiratins - 620MW e a de Santa Isabel -

1.080MW.

Sabe-se que as barragens têm sido construídas há milhares de anos, com diversos

objetivos, dentre eles, o de intervir no fenômeno natural das enchentes que alagam grandes

áreas rurais e cidades, passando então a controlar essas inundações; a de represar águas para

servir como fonte de energia hidrelétrica; o de abastecer o consumo humano direto, beneficiar

indústrias e o de irrigar lavouras. (ARAÚJO, 2003). Pelo rápido crescimento da população em

vários países do mundo e do poder econômico, a partir de 1950, os governos e entidades

privadas passaram a construir um número cada vez maior de barragens. “Pelo menos 45.000

grandes barragens foram construídas para atender demandas de água ou energia. Hoje quase

5 O Progresso – MA 06/07/2006 - 09:42 disponível em PDF no endereço eletrônico: www.achanoticias.com.br

p.2

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metade dos rios do mundo tem ao menos uma grande barragem” 6. Sabe-se também que

indiretamente esses empreendimentos condicionam melhoria em alguns aspectos dessas

sociedades, através da criação de empregos:

Os impactos ambientais, sociais e econômicos que os empreendimentos podem

provocar durante e após a construção de tais empreendimentos numa região tão

delicada como a próxima aos rios não fazem parte do discurso nem do governo, tão

pouco das empresas. Que impactos são esses? São populações retiradas de suas

terras, o isolamento de tribos indígenas, a perda da biodiversidade (variedade de

vida animal e vegetal) e a privatização da água em proveito de uns poucos. O

impacto provocado por projetos deste porte vão além das regiões rurais, pois a

população que se dirige para trabalhar nas obras e os desalojados tendem a ocupar as

cidades próximas, formando favelas e sobrecarregando a infra-estrutura.

(ÁLMEIDA e REGIS, 2002, p.4)

No entanto, o efeito inevitável do represamento das águas, para a comunidade de

peixes, é a alteração na composição e abundância biótica, com proliferação de algumas

espécies. A mudança no ambiente causa a redução da variedade de espécies, elimina outras e

altera a dinâmica da água levando a insuficiência dos recursos naturais para alimentação, o

que afeta as alterações naturais levando os organismos a responderem de diversas formas às

novas condições (HAHN et al., 1997). Outros impactos são observados no estado do

Tocantins, a substituição do cerrado por lavouras de soja e pastagem, entre outros, e atingem

de diversas formas as populações ribeirinhas, transformando não somente o modo de vida,

cultura e economia local, mas obrigando ribeirinhos a buscarem alternativas de sobrevivência.

4.2 Regimento hidrológico do médio rio Tocantins

Pela análise de alguns autores, o regime hidrológico da bacia Tocantins-Araguaia é

considerado bem definido. A estiagem culmina no mês de setembro e outubro, enquanto que o

período em que as águas estão altas pela estação chuvosa se estende de novembro a abril. A

6 CNBB. Barragens em Desenvolvimento- Um novo modelo para tomada de decisões. O relatório da comissão

mundial de barragens _ Sumário (tradução de Carlos Afonso Malferrari), 2000. Disponível em:

www.dams.org/report/wcd_sumário.htm . acesso em 29 de novembro de 2008, p. 01.

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vazão média da bacia é estimada em 11.000 m3/s, sendo a contribuição do rio Araguaia em

torno de 5.500 m3/s, a do rio Itacaiúunas de 450 m3/s, e a do Tocantins, antes da sua

confluência com o Araguaia, de 5.000 m3/s. (SOUZA, 2002, p.16)

O regime hidrológico da Região Hidrográfica, de uma forma geral, é bem definido,

apresentando um período de águas altas entre fevereiro e abril, quando se verificam

as maiores cheias. No Rio Tocantins propriamente dito, as máximas vazões são

observadas, geralmente nos meses de fevereiro e março, enquanto que na sub-bacia

do rio Araguaia, principalmente nos trechos médio e baixo, ocorrem em março e

abril. Tal fato é explicável, em parte, pelo amortecimento das ondas de cheia na

grande planície da Ilha do Bananal, retardando, assim, o seu pico (FGV; MMA;

ANEEL, 1998)7

.

Conforme a Agência Brasil8, O rio Tocantins tem mais de 400 espécies de peixes

registradas e pelo menos outras 56 ainda não descritas (sem registros). Isso sem falar nas

espécies novas que sequer foram descobertas. Os cinco grandes reservatórios (lagos de

hidrelétricas) já construídos e 40 outros, entre empreendimentos de grande e pequeno porte,

previstos para os próximos anos ameaçam toda essa riqueza, que corre o risco de ser extinta

por essa interferência humana no rio.

De acordo com os dados disponíveis para os tempos “pré-reservatório” (1976-1979), a

Curimatá, o pacu-manteiga, a caranha e os grandes bagres – filhote e dourada – dominavam as

pescarias no rio Tocantins (IBGE, 1987). Desde o fechamento da represa de Tucuruí em 1984,

estas pescarias se beneficiaram da maior abundância e tamanho dos peixes criados no

reservatório, com aproximadamente o dobro de captura de curimatás e aumento de 40% nas

capturas de jaraquis Ribeiro et al., (1995 apud CETRA, 1998, p.5)

Cetra (1998) constatou em sua pesquisa que o arrastão, no médio rio Tocantins, na

região de Imperatriz-MA, dentre todas as técnicas de pesca comercial é a mais explorada, pois

essa técnica garante a capitura máxima de Curimatá. Os arrastões são sanzonais, ocorrendo

apenas no período de praia. O número de pescadores no rio aumenta nessa temporada. O

aumento da atividade na região e da quantidade do pescado está condicionado ao regime das

7 http://www.semarh.goias.gov.br/protar/documentos/caderno/caderno_63-73.pdf

8 Disponível no endereço WWW.liganessa.com.br AES ELETROPAULO. p.26

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águas do rio nas estações de chuvas e secas e ao emprego das artes utilizadas na exploração da

pesca (Figura 3). Percebe-se também que a instabilidade do nível do rio ocorre conforme

Cetra, em decorrência da:

(i) Inclinação da bacia; (ii) chuva local e (iii) flutuações cíclicas da maré, o que neste

caso, pode ser desprezado, pois os efeitos da maré no rio Tocantins só se fazem

perceber, baixo de Cametá (PA), que se localiza abaixo da barragem da UFE de

Tucuruí. As influtuações no nível do rio variam de ano para ano e estão relacionadas

com padrões climáticos globais. Geralmente, dois ou mais anos com níveis mais

elevados são seguidos por anos mais secos. Este padrão leva à consequências

consideráveis na ecologia dos peixes (WELCOMME, 1985 apud CETRA, 1988,

p.50).

O rio Tocantins é considerado extenso e de corredeira, com diversidade nas latitudes,

possui complexidades estruturais, menores temperaturas, e as flutuações sazonais do nível das

águas, proporcionando uma maior diversidade de espécies que pode ser um resultado da

diversidade de habitats. O baixo fluxo de mudanças de habitats contribui para uma maior

variedade de espécies capturadas no médio rio Tocantins, e as maiores capturas ocorrem no

período das vazantes (figura 3). Por essa razão os pescadores também variam nos métodos de

pesca e na consistência (CETRA, 1998, p.50).

Figura 3: Dinâmica da pesca comercial, medida pela captura de peixes conforme o nível das

águas do médio rio Tocantins. Fonte: Imagem adaptada, Maurício Cetra, 1998.

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Esse autor descreve os artefatos utilizados na pesca no médio Tocantins tendo por base

os pescadores comerciais que visam atender o mercado de Imperatriz-MA: tarrafa,

malhadeira, espinhel, arrastão. A malhadeira é utilizada de duas formas, a primeira através da

rede de espera, é armada nas margens do rio, e a segunda, conhecida como caceia, aqui

pescadores deixam a rede descer o rio presa a duas canoas.

O arrastão é uma das técnicas que esses pescadores buscaram para justificar o aumento

dessa atividade principalmente nos períodos de estiagem, em que o nível das águas chega a

menos de um metro, entre os meses de junho a setembro, chegando a 150 toneladas de

capturas (Figura 3). Nessa mesma região do médio rio Tocantins, os peixes mais perseguidos

pela comercialização são curimatás e jaraquís. Estes dois peixes são migradores, formadores

de cardumes. Essas espécies pertencem à família Prochilodontidae, e chegam a 70% das

espécies capturadas, enquanto a família Pimelodidae é responsável por apenas 10%.

Kunk et al. (1989) explica que rios de planícies inundáveis como o rio Tocantins, que

apresentam um regime de inundação e um comportamento de muita variação periódica do

nível ou fluxo da água, são considerados essenciais na produção da ictionfauna aquática,

conservação das espécies, ao passo que “o canal principal do rio é utilizado como uma rota

de migração de peixes em busca de renovadas fontes de alimento e refúgio para a reprodução,

causando concentrações locais de algumas populações”. Kunk et al. (apud CETRA, 1998,

p.51)

O arrastão é empregado com o nível das águas mais baixo para proporcionar maiores

capturas de Curimatá. Esta espécie corresponde a cerca de 90% do total em peso das espécies

capturadas pelo arrastão. Para Santos et al., (1984) e Mérona (1993 apud CETRA, 1988, p.

56), os cardumes desta espécie não ultrapassam as cachoeiras de Tucuruí, devido não

conseguirem nadar contra as correntezas violentas. Por essa razão, a captura dessa espécie à

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montante dessa UHE torna-se insignificante, fato este que justifica reclamação das populações

ribeirinhas do médio rio Tocantins.

Há um alto controle do nível das águas do médio rio Tocantins a partir da existência

da hidrelétrica de Lajeado (figura 4). Observa-se que os anos de 1980 e 1989 foram os anos

em que o nível das águas mais subiu, atingindo acima de 16m (linha azul na figura 4),

inundando desta forma, várias cidades ás margens do rio, dentre elas, a comunidade do “Oi

Grande”, hoje Palmeirante-To sede do município. O Povoado Cajueiro nas margens do rio a

60km da sede não foi diferente. A partir do ano 1995, e com o início da formação do lago da

usina de Lajeado, os níveis do rio Tocantins no sentido norte passaram ser controlados pelo

regime hídrico da UHE de Lajeado durante o ano, interrompendo, a partir daí, os ciclos das

cheias. Nota-se que após o reprezamento das águas à montante da barragem de Lajeado

(Figura 4), no médio rio Tocantins, o nível das cotas máximas (linha azul) das vazantes à

jusante passou a ser controlado, diminuindo a oscilação do nível das cotas que havia antes da

existência das barragens. A oscilação das cotas máximas e mínimas diminuiu

consideravelmente. Como conseqüência, houve uma alteração na dinâmica natural do rio,

afetando principalmente o modo de vida dos ribeirinhos, com o surgimento das praias, dentre

elas a Praia do Cará e Praia do Palmeirante, de forma que a relação dessas populações

ribeirinhas com a pesca e o cultivo nas vazantes (áreas inundáveis) foi consequentemente

alterada. Por outro lado, quanto à média da vazante baixa (cor amarela), não houve alteração

excessiva após a barragem.

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Figura 4. Valores das cotas do nível das águas do rio Tocantins, em Miracema do Tocantins,

definindo por ciclos de cheias e vazantes, no período de 1969 a 2007. Fonte: Agência Nacional de Águas e SIPAM, Monitoramento Hidrológico de 2008 da UHE de Lajeado-Boletim

número 4.

O coordenador do Movimento dos Atingidos pelas Barragens (MAB), Cirineu Rocha

afirma que “a atividade de pesca e agrícola das famílias ribeirinhas na bacia Tocantins-

Araguaia está intimamente relacionada ao regime hídrico dos rios, baseando seu calendário no

ciclo das vazantes e enchentes, representando um estreito vínculo do morador ribeirinho com

o tempo da natureza” 9. Assim essa relação foi alterada desde a formação do Lago de Tucuruí.

4.3. O mundo do trabalho na pesca do Médio Rio Tocantins

9 Microsoft Word - 6_PRODUZIR_ENERGIA_E_DESTRUIR_A_VIDA_TO_MA_FINAL.doc

http://docs.google.com/gview?a=v&q=cache:tkZhWkSxHH8J:www.faor.org.br/CD/download/6_produzir_energ

ia.pdf+a+atividade+de+pesca+e+agr%C3%ADcola+das+fam%C3%ADlias+ribeirinhas+na+bacia+Tocantins-

Araguaia+est%C3%A1+intimamente+relacionada+ao+regime+h%C3%ADdrico+dos+rios&hl=en. Acesso em

30/02/2009

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O rio Tocantins, formado pelos rios Maranhão e Paranã, é o principal rio que constitui

a bacia do rio Tocantins – Araguaia. Possui uma área com mais de 800.000km2, o que faz dela

a maior bacia hidrográfica totalmente brasileira. O rio Tocantins nasce no estado de Goiás ao

norte de Brasília e depois de 2.400km desemboca no rio Amazonas. Os rios do Sono, Palma e

Melo Alves são os afluentes dessa bacia. O trecho navegável é maior na cheia, chegando a

2000km, entre as cidades de Belém e Lajeado.

Veríssimo (1895); Medina (1934 apud Smith, 1979 e Goulding, 1983) remontam a

importância da atividade pesqueira para a população da Amazônia no passado, ainda antes da

colonização, apontando que era prática diária e essencial para a alimentação primária dos

indígenas e ameríndios que ocupavam a Amazônia, embora essas populações tivéssem

quelônios e o peixe-boi como fonte principal de exploração. A atividade pesqueira no Brasil

dos séculos XVIII a XX era a fonte de sobrevivência para as várias comunidades marítimas

que surgiram no país naquele período. Daí, esses grupos passaram a ser chamados de

comunidades de pescadores.

Assim como outras profissões, a de Pescador (a) conforme Galúcio (2004, p.17) já é

reconhecida como uma categoria e amparada pelas Colônias de Pescadores (as) da Amazônia.

A atividade é uma tradição, muitas vezes influenciadas pelos pais como descreve a mesma

autora:

“Bem sabe Benedito Monteiro, nascido na comunidade do Inanu, Lago Grande do

Curuai, 54 anos, que viveu desde menino e vive ainda a exercício da pescaria. Ele

me disse que a criança do interior ia para o rio desde que desse conta de remar na

popa da canoa, não importava a idade. Isso se dá porque os pais que já se encontram

cansados e sem parceiros passam essa responsabilidade para seus pequenos filhos,

não importa se é homem ou mulher. (GALÚCIO, 2004, p.17)

Historicamente, “a pesca artesanal surgiu de uma falência na economia dos ciclos

cafeeiro e açucareiro do Brasil Colônia e, também, devido à necessidade de exploração de

outros meios que não fossem os recursos de flora e fauna litorâneas, como o palmito, a caxeta

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e os animais de caça” (CLAUZET, RAMIRES e BARRELLA 2005, p 01). Para Kuster (2006,

p 178), não somente os homens, mas também as mulheres possuem conhecimento sobre pesca

local e como uma essencial fonte de alimento. Além do mais, ambos os sexos podem ter um

bom conhecimento da maioria das espécies e nomes locais.

Segundo Melo e Matos (2006, p. 01), a pesca é considerada artesanal quando se

caracteriza pela simplicidade da tecnologia e pelo baixo custo da produção – se bem que,

atualmente, esses pescadores têm se modernizado bastante – produzindo com grupos de

trabalho formados por referenciais de parentesco, sem vínculo empregatício entre as

tripulações e os mestres dos botes; é aquela realizada com a finalidade de suprir a alimentação

do pescador e de seus familiares, com baixa produtividade, podendo ocorrer ou não a venda

do produto da pesca (CASTRO et al., 2008, p. 7).

A pesca artesanal fornece proteína de qualidade para as populações locais, é

considerada multiespecífica, pois utiliza diversificados aparelhos e, as embarcações mais

utilizadas não são motorizadas. A pesca artesanal é exercida individualmente, em pares e em

pequenos grupos de quatro a seis indivíduos (CETRA, 1998, p. 2).

Esse tipo de pescador tem na pesca a sua principal fonte de renda, e sua produção

volta-se para o mercado, sem perder, contudo, o seu caráter alternativo, podendo destinar-se

tanto ao consumo doméstico como à comercialização. Maldonado (1986 apud MELO e

MATOS, 2006, p.1). Esse autor aborda a perda de valor da pesca tradicional, chamando tal

processo de “esquecimento histórico da pesca artesanal” de uma geração para outra.

Pescadores de Subsistência: são ribeirinhos perfeitamente adaptados, ao ciclo anual

de enchentes e cheias, possuem economia de subsistência, pescam sozinhos ou em

dupla, utilizam pequenas canoas e seus aparelhos de pesca são: linha de mão,

tarrafas e pequenas malhadeiras. Também usam armadilhas, currais e tapagens.

Estima-se que cerca de 8500 pescadores ribeirinhos vivam espalhados pelas margens

dos rios e lagoas da bacia, com produção estimada em 2820 t/ano; (CETRA 1998,

p.4)

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Dados da Eletronorte (1989, p.18) apontam que a pesca no médio rio Tocantins é

realizada, especificamente, por dois tipos de pescadores: profissionais e artesanais. Esses

exploram a pesca multiespecífica e através de multiaparelhos. Os principais alvos da pesca

profissional são as espécies migradoras que se concentram nos canais dos rios. Já os

ribeirinhos preferem a pesca nos lagos, pela presença de uma variedade de diversos animais

aquáticos como jacarés (Caiman yacare) e piranhas (Serrasalmus spp). Essas espécies

danificam os artefatos mais utilizados na pesca profissional que são as redes. Por essa razão, a

pesca profissional é evitada nos lagos. Sabe-se que as técnicas utilizadas para captura na pesca

artesanal possibilitam um rendimento controlado e produção reduzida. “Os pescadores

artesanais mantêm contato direto com o ambiente natural e, assim, possuem um corpo de

conhecimento acerca da classificação, história natural, comportamento, biologia e utilização

dos recursos naturais da região onde vivem” (CETRA, 1998, p.4).

Desta forma, as espécies passam a migrar de um ambiente para outro em busca da

sobrevivência, não como um processo natural, mas em razão das transformações no ambiente

aquático, em função dos impactos causados por esses empreendimentos e demais mudanças

locais. O monitoramento de dois anos da hidrelétrica de Lajeado, no médio Tocantins, registra

a presença de espécies que pertencem ao baixo rio Tocantins no médio Tocantins. Há também

a migração pelo processo de invasão.

4.4. Diferenças intergeracionais e de gênero no ambiente da pesca

O retrospecto das pesquisas envolvendo a humanidade mostra que as questões etárias

estão presentes nos estudos sobre o ser humano em geral como um ser que vive em

comunidade, porém, somente após a propagação das evidências do envelhecer da população

ter sido aceito pela ciência como um fenômeno universal que esse tema tem sido enfatizado

como fundamental na experiência coletiva do envelhecimento Kalache; Veras; Ramos (1987

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apud WACHHOLZ e FAIMONCINI, 2006:1). Para se discutir as diferenças intergeracionais,

faz-se necessário compreender a definição de “geração”. Laufer e Bengston (1974)

contribuíram afirmando-a como sendo “um fenômeno de pessoas com idades similares que

vivenciam ou vivenciaram problemas históricos e concretos, além de experiências comuns

com os sistemas político, social, econômico e cultural”. (WACHHOLZ e FIAMONCINI,

2006, p.1)

O contexto de influências locais que se trata de bidirecional faz-se compreender que há

preocupação por parte dos pais em transmitir aos filhos, seus conhecimentos, cultura, e

valores. É uma forma de justificar e dar sentido às suas vidas. Por outro lado, os jovens em

geral, procuram estabilizar seus próprios conceitos e valores e para isso buscam os avanços

tecnológicos, demográficas e políticas oferecidas no seu tempo. Cada geração busca criar sua

própria identidade e impor seus próprios comportamentos, daí, as diversidades entre as

gerações, independentemente do grau de parentesco. Aldous, 1978; Bengtson e Kuypers,

1971; Fisher e Johnson (1990 apud BENINCA e GOMES, 1998, p.3). Para esses autores, as

diversidades estão apenas de um lado, não questionam a linearidade presente na geração

familiar ao longo dos tempos. A razão disto é o consenso presente nos “grupos geracionais

sucessivos na mutualidade das experiências, da assistência, das obrigações, das expectativas e

do afeto”.

Esse vínculo relacional que se estende à cultura a partir dos costumes, saberes, crenças

entre as gerações, contempla uma relação de poder entre os indivíduos de gerações diferentes.

Já foi descoberto no homem pré-histórico, quando ele se fez capaz de manter-se vivo por mais

de duas décadas, que isso só foi possível pela alta capacidade da observação e interação com

sua própria prole.

Se por um lado, o processo de transmissão de habilidades e disposições ocorre durante

a aculturação dos filhos pelos pais, por outro lado, a cultura é transmitida através da

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observação. Assim, a cultura é transmitida quando um indivíduo observa o comportamento

dos outros ou quando um indivíduo ingênuo é ensinado por um experiente (modelo da teoria

da aprendizagem social). (ROSENTHAL e ZINMMERMAN 1978. in BOYD e

RICHERSON, 1984, p. 430)

As formas de transmissão cultural, segundo Begossi (1990), ganharam mais atenção a

partir da década de 70 com os estudos que convergiam suas idéias como a base para uma

teoria geral da cultura.

Richerson e Robert (2005) mostram a cultura como aquisição de informações através

da imitação ou aprendizagem de outros indivíduos e capaz de afetar um fenótipo de um

indivíduo. Assim, para eles, a aprendizagem social ou transmissão cultural pode ser modelada

como um sistema de herança. Neste sentido, as crianças aprendem com os mais velhos que as

ensinam ou mesmo através da imitação. “Para entender a evolução cultural, temos que levar

em conta, todos os processos pelos quais a variação cultural é transmitida e modificada.” 10

Cavallisforza e Feldman (198l, pp. 121-132) conceituam cultura, baseando na

transmissão cultural que para eles é a capacidade de aprender e transmitir conhecimento de

gerações para gerações. Para isso, são apresentados diferentes modelos de transmissão

cultural: “vertical (pais para filhos), horizontal (mesma geração) e oblíqua (entre gerações)”.

Todos esses modelos são analisados em conformidade com as forças de evolução cultural, que

são elas: “mutação (erro ao copiar), seleção natural (quando um traço cultural aumenta as

chances de reprodução), seleção cultural (probabilidades de que uma idéia aumente de

freqüência em uma população)”. 11

A idade também é um fator relevante na diversidade intergeracional. Para Rifiotis

(1995 apud WACHHOLZ e FIANMONCINI, 2006, p.2), esse aspecto sempre foi

considerado historicamente, como uma dimensão social que dignificava o indivíduo com o

10

RICHERSON e ROBERT, op. cit. p. 430 11

CAVALLISFORZA e FELDMAN, op. cit. pp. 121-132

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maior status de poder, proporcionado por fatores quantitativos nas antigas gerações,

considerando que havia menos idosos, e que a opinião destes tinha maior aceitação e valor

que a dos indivíduos jovens. Tolor (1976 apud BENINCA e GOMES, 1998, p.4) afirmou que

a herança cultural, trabalha como um elemento de informação biológica de preservação da

espécie, Essa dinâmica é ampliada quando as novas gerações buscam renovar as práticas

herdadas tradicionalmente e adicionando a estas, de forma progressiva, novas descobertas,

valores e atitudes e estilos de vida conforme as exigências propostas pelos novos tempos.

Goldani (1999, apud WACHHOLZ, FIAMONCINI e FABROZOP KIESER, 2006

p.229) considera que o contrato intergeracional entre os membros de uma família se sustenta

por meio de fatores que incluem afeto, sentimentos de reciprocidade, e incentivos econômicos

ou sanções negativas. Aponta ainda que os sentimentos de obrigação que perpassam gerações

são por experiências individuais de um grupo familiar e também, por fatores específicos de

sua historicidade.

Cientistas discutem as relações intergeracionais com a preocupação de entender não

somente as diferenças, mas também as similaridades nos valores e comportamentos entre as

gerações.

“A principal controvérsia é a existência em maior ou menor grau do distanciamento

(gap) entre os grupos de idade. De um lado, defende-se a descontinuidade entre

gerações e questiona-se o poder da herança cultural (Cashmore e Goodnow, 1985).

Do outro, defende-se a continuidade geracional, alegando que a descontinuidade é

um produto da mídia, divulgado com base na rejeição drástica de minorias radicais

(Acock e Bengtson, 1980). Há, também, uma posição moderada que reconhece tanto as diversidades provocadas pela modernidade, quanto as semelhanças geracionais

promovidas pela herança familiar. Rosental, (1984 apud WACHHOLZ e

FIANMONCINI, 2006, p.3)

Vale refletir sobre gênero na pesca conduzindo uma apreciação sobre a divisão do

trabalho entre os gêneros. Assunto de dimensão pouco valorizada no âmbito dos estudos que

privilegiam a situação do homem pescador, gênero, na concepção de Nicholsom, citada por

Scott, (1995 apud MELO e MATOS, 2006, p.3) é uma categoria social imposta sobre um

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corpo sexuado. Ao citar Scott (1995), a autora aponta o gênero como “um meio de decodificar

o sentido e de compreender as relações complexas entre diversas formas de interação

humana”.

Para Galúcio (2004, p.17), não há distinção. Quando necessário, a mulher assume as

obrigações de cuidar da economia e ajudar no sustento da família e por isso também conhece

sobre pesca, e ainda que transpareça muito mais difícil para a mulher, não é raro deparar-se

com uma amazonida pescadora. No entanto, somente após a década de 70, a produção

acadêmica se amplia nas investigações sobre a atuação feminina nas atividades artesanais.

Alencar (1993) discorre que a invisibilidade parte da forma que o pesquisador analisa:

Este modelo bipolar da divisão sócio-espacial e do trabalho recorrente nas

etnografias tem sido característico da visão intelectual da tradição pesqueira. Em

alguns casos, aparece de forma rígida, principalmente porque reforça as distinções

das atividades de acordo com os espaços e com o gênero que as realiza 3. [...]

Assim, muito da “invisibilidade” da mulher em atividades de pesca decorre da ótica

do pesquisador na construção etnográfica e interpretativa do seu objeto de estudo

(ALENCAR 1993, p. 66).

Amaral (1994, apud MALTA-MAUÉS 1999, p.377) atesta que a mulher era

enfatizada como heroína ou vítima nos anos 70, e tinha como objetivo a valorização do tema

mulher, e os estudos “concentraram seus esforços no resgate da presença feminina na história

e na vida social [...], incorriam (eles) em simplificações que a colocavam (a mulher) em

posições extremas de heroína e (ou) de vítima”. Para esse autor, a pesca, até os anos 80, era

centrado na atividade masculina. Desta forma, torna-se imperioso registrar que a presença da

mulher vem tornando-se cada vez maior.

Conforme o programa Femmes (2005, p.2), na troca de opiniões entre mulheres,

compreendeu-se que é necessária a promoção de políticas de pesca valorizando a equidade de

gênero como um passo fundamental para a conservação da cultura e do modo de vida das

populações de pescadores.

As mulheres têm uma longa tradição na história da pesca; o seu modo de vida

assenta na pesca de exploração familiar e elas são trabalhadoras experientes e

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conhecedoras, essenciais, para a sobrevivência das comunidades ribeirinhas em toda

a Europa. Já de si vulneráveis, o modo de vida e a subsistência dessas comunidades

estão cada vez mais ameaçados pela degradação dos recursos, por uma gestão

deficiente, por tecnologias inapropriadas, pela aqüicultura intensiva, pelo turismo de

massas e por políticas de pesca que não respeitam a igualdade de gêneros.12

As populações ribeirinhas, sejam mulheres ou homens, detêm um conhecimento

aprofundado da natureza no que se refere ao clima, às espécies e águas. Maneschy (1990 apud

RUFINO 2008, p.5). Desta forma, todo esse capital cultural permite esses ribeirinhos terem

uma relação estreita com o ambiente local e esse processo, no entanto, não significa adaptação

ao meio, conforme a teoria do ciclo biológico e hidrológico. Woortmann (1992), que assinala

que o que acontece é um reordenamento na relação com a natureza, principalmente quando se

discute espaço, tempo e gênero em comunidades pesqueiras.

A comunidade de pescadores pesquisada por Rufino no município do Careiro - AM,

mediante as diversas transformações na atividade da pesca, que proporcionaram o declínio do

pescado, as novas gerações de jovens já não encontravam motivações para darem

continuidade à prática da atividade, sendo a escassez dos estoques pesqueiros, a principal

razão do abandono.

12

AKTEA – Les femmes dans La pêche ET lês cultures marines em Europe. AGENDA DAS MULHERES DA

PESCA ET DO MARISQUEIO NA EUROPA, 2005 disponível no endereço eletrônico: www.fishwomen.org /

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5. MATERIAIS E MÉTODOS

5.1- Área de estudo

O universo da pesquisa é o Povoado Cajueiro no município de Palmeirante – TO. Este

município está localizado à margem esquerda do rio, que tem sua nascente na Lagoa Formosa,

estado de Goiás, com aproximadamente 1.000 m de altitude. Dos 2.500km do curso total na

região centro-oeste e norte do país, e desses, dois terços estão no Estado do Tocantins.

Por sua vegetação apresentar a forma bem diversificada, Brito E. R. et al (2002, p.2)

afirma que o Estado do Tocantins ocupa “um grande ecótono, onde surgem fisionomias com

feições de cerrado, caatinga, babaçuais, de Floresta Equatorial e Tropical. Há predominância

do Complexo do Cerrado que ocupa cerca de 60% do território tocantinense”. A economia em

todo o Estado se destaca com a agricultura e a pecuária extensiva e áreas destinadas ao cultivo

de monoculturas como arroz, milho e sorgo. Nota-se nos últimos anos crescente devastação de

áreas do cerrado para cultivo da soja.

O povoado Cajueiro localiza-se no município de Palmeirante TO, a 60km da sede do

município, 300km à montante da UHE de Estreito em construção, e 260km à jusante da

Hidrelétrica de Lajeado, 8° 05' 08.48" de Latitude S, 48° 05' 21.12" de Longitude O.

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Figura 5. Mapa representativo da exploração dos recursos hídricos do rio Tocantins no trecho

compreendido entre os estados do Pará, Tocantins e Maranhão, demonstrando o local de

construção da Hidrelétrica de Lajeado e a localização do Povoado Cajueiro, município

de Palmeirantes, TO. Fonte: Mapa adaptado - Ministério dos Transportes.

A origem desse povoado Cajueiro é indefinida, porém remota. O município de

Palmeirante surgiu da divisão do município de Filadélfia. Um povoado chamado “Oi

Grande”, nome que, segundo moradores locais, surgiu após pescadores avistarem um animal

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com fisionomia desconhecida no médio rio Tocantins, que possuia no centro da cabeça

somente um olho grande.

Figura 6. Localização geográfica do município de Palmeirante, no estado de Tocantins e local

de residência de um agricultor pescador do Povoado Cajueiro, no rio Tocantins, onde

foi realizada grande parte das entrevistas. Fonte: Google Maps, 2008

Neste trabalho, esse grupo local representa as populações ribeirinhas do médio rio

Tocantins por apresentar as características das demais populações que localizam no médio rio

Tocantins. O município tem uma área de 2.472,3km² e como grande parte dos municípios

pequenos desse estado, Palmeirante foi fundado em 1993, e está situado ao norte do estado do

Tocantins. “Possui uma população estimada pelo IBGE, em 01.07.2006 é de 4.689 habitantes,

e a área da unidade territorial é de 2.641km², e está a 7° 49' 22.80" de Latitude Sul, 48° 08'

56.24'' de Longitude Oeste, e a 184.0992m acima do nível do mar e está a 332km da cidade de

Palmas, Capital do Estado do Tocantins.

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Em visitas ao local, constatou-se que os moradores mais antigos afirmam estar na

região há mais de 60(sessenta) anos, e grande parte confessa ter nascido no local em que seus

avôs já chamavam de Cajueiro. Essa toponímia também identifica o igarapé que corta o

povoado, um afluente do rio Tocantins. Igualmente, designa a fazenda que correspondia a

toda a região, de forma que após a criação do estado do Tocantins, essa fazenda foi dividida e

transformada em diversas outras recebendo outros nomes, porém, toda a regiào continua

denominada de Povoado Cajueiro.

Os moradores de Cajueiro são pequenos agricultores pescadores que além da pesca,

vivem das atividades artesanais baseadas no extrativismo e no cultivo de arroz, milho,

mandioca e criação de gado e animais de pequeno porte.

Figura 7. Reunião entre agricultores pescadores do povoado Cajueiro, as margens do rio

Tocantins, para apresentação do projeto de pesquisa, no município de Palmeirantes, TO.

Com a ajuda de um dos moradores pioneiros da comunidade local, em visita à

residência de um dos sujeitos entrevistados, foi desenhado no chão (Figura 8) o mapa do

perímetro que corresponde toda a área pertencente à região. A explicação do sujeito

entrevistado contribuiu na localização dos membros dos grupos focais entrevistados na

comunidade local.

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Figura 8. Agricultor pescador, sujeito do Grupo Focal II, desenhando a sua concepção do

mapa do povoado Cajueiro, no rio Tocantins, município de Palmeirante, TO.

Há no povoado quarenta famílias, e noventa pessoas entre adultos e crianças. Todos

vivem das atividades de subsistência que se baseiam no extrativismo e, complementarmente,

na agricultura de subsistência.

A pesquisa de campo foi realizada por meio de entrevistas abertas, por grupo focal

abreviado aqui por (GF), no total de quatro grupos e constituem-se ao todo de 27 pessoas

distribuídas da seguinte forma:

Figura 9. Encontro com agricultoras pescadoras do rio Tocantins, para entrevista com Grupo

Focal I - (seis mulheres acima de 30 anos), no Povoado Cajueiro, município de

Palmeirantes, TO.

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O GF I é composto de sete mulheres com mais de 30 anos, média de idade de 62 (sessenta e

dois) anos e seis meses, e a média de tempo no povoado é de 48 anos e cinco meses.

Figura 10. Encontro com agricultores pescadores do rio Tocantins, para entrevista com Grupo

Focal II - (onze homens acima de 30 anos), no Povoado Cajueiro, município de

Palmeirante, TO.

GF II refere-se a homens com mais de 30 anos, com média de idade de 57 anos, desses

a média de tempo no Povoado é de 44 anos. Sendo que apenas um dos sujeitos desse grupo

possui menos de 55 anos de idade. Somente um deles fez o segundo grau na cidade próxima

(Colinas do Tocantins) e os demais só estudaram a terceira série chamada atualmente de

quarto ano do Ensino Fundamental. Informação do grupo apontou que o acesso à educação

formal era difícil, pois poucos podiam pagar um professor particular em casa.

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Figura 11. Encontro com agricultores pescadores do rio Tocantins, para entrevista com Grupo

Focal III - (seis rapazes de até 25 anos), no Povoado Cajueiro, município de

Palmeirantes, TO.

O GF III (rapazes), composto de seis rapazes, com menos de 25 anos de idade, todos

nasceram no povoado, não concluíram o Ensino Fundamental. O costume da sociedade local é

de enviar somente alguns dos rapazes para continuarem os estudos na cidade. Portanto, a

todos que ficam com os pais acabam por constituir suas famílias na própria região.

Figura 12. Encontro com agricultoras pescadoras do rio Tocantins, para entrevista com Grupo

Focal IV - (quatro moças com menos de 25 anos), no Povoado Cajueiro, município de

Palmeirantes, TO.

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O GF IV, constitue-se de apenas quatro moças com menos de 25 anos de idade, dada a

dificuldade de encontrar moças com essa idade na região do povoado, uma vez que é costume

na comunidade, os pais enviarem as filhas moças e não os rapazes para continuarem os

estudos na cidade.

A opção em pesquisar homens e mulheres com mais de 10 anos residentes no

povoado, rapazes e moças de até 25 anos de idade foi por considerar o fato de que haja no

povoado tanto, famílias recentes e famílias que moram na região há mais de 40 anos. As

entrevistas foram realizadas com cada Grupo Focal (GF) separadamente e em horários

diferentes.

Esta pesquisa teve como critério usado para seleção desses sujeitos os seguintes

pontos: por um lado, o tempo de residência no local e a relação com a pesca. Por outro, o

número de sujeitos em cada grupo, se deu conforme a média de pessoas com as características

exigidas pela pesquisa. O número pequeno de moças é justificado por não se encontrar no

povoado, um número maior de moças que se enquadram conforme a pesquisa. Como havia

um maior número de mulheres e homens com essas caraterísticas optou-se incluir todos. E

ainda, foram utilizadas informações dos residentes mais antigos e que representam toda a

comunidade local. Para isso, foram necessárias várias visitas in loco.

Os dados secundários do cadastro dos moradores foram coletados nos documentos da

Companhia de Energia Elétrica do Tocantins - (Celtins) que tem sede em Palmas - TO, capital

do Tocantins e é responsável pela implantação do programa do governo Federal “Luz Para

Todos”.

5.2 Técnicas para as entrevistas não estruturadas

Para as entrevistas utilizamos as seguintes técnicas:

Visitas in loco

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Para o reconhecimento da comunidade local e dos ambientes aquáticos além da

apresentação da pesquisa e pesquisadores.

Linha histórica

Foi desenhada uma linha no chão e um dos membros dos grupos foi estimulado a citar

os eventos ocorridos no rio e no trabalho da pesca, desde a criação do Estado do Tocantins

através da Constituição Federal de 1988. Depois, responderam perguntas abertas por meio de

um roteiro em um formulário. As perguntas buscaram explorar memórias e percepções a cerca

do rio e da pesca antes desses eventos em comparação com o rio atualmente.

Brainstorming

Com esta técnica buscamos estimular os membros de cada GF por meio de um roteiro

de perguntas. Cada grupo, através desta técnica, foi levado a ativar as informações próprias

sobre os acontecimentos do passado, bem como o trabalho da pesca e os ambientes aquáticos

do rio Tocantins.

5.3 Procedimentos de coleta e análise: Análise qualitativa

Foram reunidos os sujeitos de cada Grupo Focal em uma das residências do povoado

em horário e dias diferentes e um formulário contendo um roteiro de questões abertas para as

entrevistas foi utilizado. As informações foram coletadas mediante gravação em áudio.

Depois de decodificadas, as gravações estão à disponibilidade do público na Biblioteca da

Faculdade Integrada de Ensino Superior de Colinas do Tocnantis - TO. Os dados levantados

foram descritos e interpretados por meio da análise qualitativa. Através da análise

comparativa dos depoimentos dos grupos focais buscou-se identificar, dentre e entre as

percepções coletivas dos antigos moradores e dos jovens do Povoado Cajueiro, as

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semelhanças e diferenças nas relações intergeracionais e de gênero sobre as transformações

ambientiais e sociais locais.

5.4 Fundamentações Teóricas e Empíricas da metodologia

O método da pesquisa foi o etnográfico, pois se constitui de uma análise descritiva das

populações humanas, principalmente aquelas consideradas tradicionais e de pequena escala. A

“etnografia deve ser entendida como a descrição de uma cultura, que pode ser a de um

pequeno grupo tribal, numa terra exótica, [...], sendo a tarefa do investigador etnográfico,

compreender a maneira de viver do ponto de vista dos nativos da cultura em estudo”.

Spradley (1979 apud FINO 2006, p.1).

Para facilitar a participação dos sujeitos nas entrevistas obteve-se apoio em técnicas do

Diagnóstico Rural Participativo (DRP) que segundo Chambers (1992 citado por GOMES et

al., 1999, p.2), é o termo empregado para designar “um conjunto de métodos e abordagens

que possibilitam às comunidades compartilhar e analisar suas percepções a cerca de suas

condições de vida, planejar e agir. Segundo Verdejo (2007, p.12 ), DRP é definido conforme

as seguintes características:

a) É um processo de pesquisa e coleta de dados, que pretende incluir as perspectivas de

todos os grupos de interesse integrados pelos homens e pelas mulheres rurais. b) Impulsiona uma mudança nos papéis tradicionais do pesquisador e dos pesquisados,

já que ambos participam da determinação de quais e como coletar os dados; é um

processo de dupla via

c) Reconhece o valor dos conhecimentos dos/as comunitários/as.

d) Funciona como meio de comunicação entre aqueles que estão unidos por problemas

comuns. Esta comunicação coletiva chega a ser uma ferramenta útil para identificar

soluções

As técnicas utilizadas durante a pesquisa de campo, nas entrevistas, apresentavam os

seguintes objetivos:

Visitas in loco

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O reconhecimento da comunidade local, dos grupos focais e dos ambientes aquáticos

além da apresentação da pesquisa e pesquisadores para essa população quilombola.

Linha Histórica

Essa técnica visou resgatar a memória de fatos e acontecimentos históricos

importantes, proporcionou aos membros dos grupos a lembrar e relatar acontecimentos do

passado. No entanto, foram estimulados a estarem unidos e despertados a relatar como era o

rio e a pesca antes dos empreendimentos instalados no rio desde a criação do Estado do

Tocantins. Através da discussão dos eventos do passado, favoreceu a compreensão da

realidade atual. (Projeto DOCES MATAS, 2002, p.36)13

Brainstorming ou Tempestade de Idéias

Essa técnica é usada em dinâmicas de grupo, sua principal característica é explorar as

habilidades, potencialidades e criatividade de uma pessoa, direcionada ao serviço de acordo

com o interesse. Foi possível explorar as informações dos grupos relacionados à pesquisa por

meio do roteiro de perguntas expostas no formulário.

Utilizou-se a análise qualitativa, pois possibilita um conjunto de diferentes técnicas

interpretativas que visam descrever e decodificar os componentes de um sistema complexo de

significados. Esse tipo de análise teve como objetivo traduzir e expressar o sentido dos

fenômenos do mundo social de uma comunidade quilombola; e isto se trata de reduzir a

distância entre indicador e indicado, entre teoria e dados, entre contexto e ação Maanen

(1979ª: 520 apud NEVES, 1996, p.1)

Embora o procedimento de análise qualitativo se difira do quantitativo quanto à forma

e ênfase, Pope e Mays (1995, p.42) afirmam que esses métodos podem contribuir à pesquisa

13

Projeto Doces Matas IEF - IBAMA - Fundacão Biodiversitas – GTZ Belo Horizonte, MG - Junho 2002

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com procedimentos racionais e intuitivos ao mesmo tempo, e dão uma melhor compreensão

dos fenômenos. Desta forma, considerou-se a particularidade do fenômeno pesquisado, que

buscou analisar as percepções dos pescadores do Povoado Cajueiro sobre o rio Tocantins e

suas transformações no trabalho da pesca e dos ambientes aquáticos.

A participação dos membros de cada GF foi o objetivo principal das técnicas do DRP.

Em se tratando dos grupos focais entrevistados, Zimerman (1997, pp.26-31) procurou definir

o termo “grupo” como sendo a união de duas ou mais pessoas, desde que o número de

componentes não comprometa a comunicação e a interação entre os mesmos. São pessoas que

se unem em uma determinada tarefa ou um objetivo comum, e organizados por normas que

determinaram local, data e hora dos encontros.

Para Chambers (1999), a utilização das técnicas não é o suficiente para garantir a

efetiva participação dos membros dos grupos focais no processo de diagnóstico e de

implementação de medidas de amenização das restrições. O pesquisador deve adotar uma

postura imparcial ao encarar o sujeito do Grupo Focal a ser pesquisado e observando no

mesmo a capacidade de contribuir na análise da realidade local. Assim enfatizam Guijt e

Cornwall (1995 apud GOMES, 1999, p.3). "aprender o uso de técnicas é a parte mais fácil.

Adquirir a habilidade de comunicação e facilitação para aplicar junto aos agricultores é o mais

difícil".

As entrevistas abertas constituíram-se de um roteiro simples de perguntas e questões

que foram apresentadas e posteriormente complementadas pelos entrevistados, de modo que

houvesse certa flexibilidade ao entrevistador e entrevistado na coleta de informações,

incluindo perguntas não previstas no roteiro e possíveis opiniões do entrevistado Richardson

(1989 apud CONDINI, GARCIA e VIEIRA in “Pan-American Journal of Aquatic Sciences”

2007 pp.280-281). As entrevistas foram organizadas conforme os dois temas A e B

direcionadas por Grupo Focal (homens/Mulheres/Rapazes/Moças):

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a) Percepções Coletivas sobre as transformações no rio Tocantins;

b) Percepções Coletivas relativas às mudanças na atividade pesqueira ao longo tempo tendo

como base a criação do Estado do Tocantins.

Para analisar e interpretar as percepções explicitadas no discurso de cada grupo

buscou-se fazer a triangulação com a interpretação dos dados secundários coletados,

confrontando-os com as percepções, com ênfase para a indentificação de semelhanças dentre

os grupos de mesmo gênero e nas diferenças intergeracionais. Inicialmente, observou-se de

que forma os grupos de mesmo gênero perceberam as transformações ocorridas no mundo da

pesca e buscou-se traçar suas diferenças e semelhanças. No segundo momento, o mesmo

exercício for aplicado dentre os gêneros opostos conforme o gráfico abaixo.

n

Figura 13. Relações estabelecidas entre os quatro grupos focais de agricultores pescadores do

rio Tocantins, submetidos à entrevista no Povoado Cajueiro, no município de

Palmeirante, TO.

Homens

Grupo focal II

Rapazes

Grupo focal III

Mulheres

Grupo focal I

Meninas

Grupo focal IV

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6. RESULTADOS E DISCUSSÃO

6.1 As transformações no ambiente físico (o rio, as praias, os ciclos de

cheia vazante).

Ao analisarem-se as respostas, foram encontradas diferenças e semelhanças de gênero

e intergeracionais entre os grupos entrevistados (Tabela 1). Entre os grupos focais II e III

(homens e rapazes) respectivamente as diferenças são: O GF II (homens) não percebe a

presença das dragas como impacto na relação com o rio, porém, a hidrelétrica de Tucuruí

além de estar a 620km do Povoado, foi o primeiro empreendimento percebido por esse grupo

como um fator que contribui para as transformações locais.

Foi construído barrage, que eu conheço de nome, já tem umas quatro barrage: a

barrage da Serra da Mesa, a barrage do Peixe, a barrage do Lajeado que tão

acabando de construir aqui agora também, em dois mil e dez ta pronto, né? Tem a

barrage de Tucuruí também, foi a partir dela que já começou ficar ruim, porque a

tendência do peixe é subir, né[...] (GF II).

O grupo focal III admitiu saber da existência dos empreendimentos. “hidrelétricas de

Lajeado, Estreito, draga, praias” (GF III)

O anexo I apresenta de forma resumida todas as percepções descritas nas

entrevistas, bem como a relação de semelhança e diferença entre os grupos focais

entrevistados nesta pesquisa.

Tabela 1. Relação de semelhança e diferença nas percepções dos agricultores

pescadores do povoado cajueiro no município de Palmeirante, TO. (ir para um anexo)

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GF

I

GF

II

GF

III

GF

IV Total

Não previa mudanças no ambiente aquático 1 1 1 1 4

Admite que a pesca era para os sustento familiar 1 1 1 1 4

A pesca tradicional era mais presente 1 1 1 1 4

Não dispõem dos recursos modernos 1 1 1 1 4

A pesca tradicional é praticada em todas as gerações 1 1 1 1 4

Não percebe as dragas como impactos na cultura da pesca 1 1 1 1 4

Não adotam artefatos modernos - 1 1 1 1 4

Prefere a pesca com anzol, conhece iscas 1 1 1 1 4

A mulher divide a força de trabalho e responsabilidade 1 1 1 1 4

Admite conhecer as espécies de peixes e experiência da mulher na atividade da pesca. 1 1 1 1 4

Conhece os ambientes, iscas mais utilizadas, fluxo da pesca local 1 1 1 1 4

Percebe a diminuição dos recursos aquáticos 1 1 1 1 4

Não vê as dragas como impactos aos peixes e ao rio 1 1 1 1 4

A pesca como uma atividade de lazer 1 1 1 1 4

Não gostariam de deixar o Cajueiro para viver em outro lugar 1 1 1 1 4

Conscientes da necessidade de conservar os recursos aquáticos e que há

desaparecimento de algumas espécies 1 1 1 1 4

A pesca praticada por todas as gerações e pescam acompanhados 1 1 1 1 4

As atividades das dragas motivo de preocupação com a extração de areia do rio - 1 1 1 3

Admite que a praia não continue por causa da UHE 1 1 1 - 3

Não será beneficiado com a energia produzida da hidrelétrica de Estreito 1 1 1 - 3

Percebe eventos do passado e do presente 1 1 1 - 3

Percebe as transformações no ambiente da pesca (diminuição dos recursos bióticos) 1 1 1 - 3

Os recursos modernos interferem na cultura da pesca tradicional 1 1 1 - 3

Admite o método tradicional ser menos depredador, mais conservador 1 1 1 - 3

Admite saber da cheia no leito do rio antes das hidrelétricas 1 1 1 - 3

Havia grande quantidade e diversidade de cardumes 1 1 1 - 3

Admite explicar o ciclo dos peixes 1 1 1 - 3

Não acredita em benefício à comunidade com a construção da UHE de Estreito 1 1 1 - 3

Cultura da transmissão dos saberes através da observação e repasse de pai para filho 1 1 1 - 3

Pouca dependência da pesca em relação ao passado 1 1 1 - 3

Previa a temporada de plantio no passado - 1 1 - 2

Dá detalhes das transformações do rio e da pesca 1 1 - - 2

Percebe a exploração das vazantes antes das UHEs 1 1 - - 2

Explica o período de estiagem, cheia, exploração da vazante 1 1 - - 2

Percebe os impactos visíveis e os invisíveis, atuais e futuros 1 1 - - 2

Admite as praias como diminuição do nível de água do rio 1 1 - - 2

Mudanças no modo de vida dos ribeirinhos 1 1 - - 2

Idealiza a fartura do rio antes das UHE 1 1 - - 2

Percebe a escassez do peixe e os fatores contribuíram para a diminuição da prática 1 1 - - 2

O pescador externo e o boto são vistos como predadores 1 1 - - 2

Não percebe as hidrelétricas, mas dragas e praias 1 - - 1 2

Conhecimento a respeito das UHEs - 1 1 - 2

Percebe as praias como lazer - - 1 1 2

O “rabudinho” como embarcação manual mais utilizada e fabricada com a vegetação

local - - 1 1 2

Recursos bióticos podem correr o risco de serem contaminados pelo óleo das dragas 1 - - - 1

A UHE de Tucuruí diminuiu os recursos aquáticos 1 - - - 1

Percebe os impactos das UHEs já em funcionamento - 1 - - 1

Preocupa com a qualidade da água, meio ambiente e margens - - - 1 1

Transformação no ambiente aquático, poluição, praia - - - 1 1

Não percebe o futuro e as transformações no ambiente aquático local - - - 1 1

Os pescadores externos não respeitam o período da piracema - - - 1 1

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Legenda: 1= percepções semelhantes

- = percepções diferentes

Total = percepções semelhantes entre os grupos

4- Percepções semelhantes nos quatro grupos

3-Percepções semelhantes em três grupos

2-Percepções semelhantes em dois grupos

1-Percepções de apenas um grupo

GFII : Grupo Focal II (homens)

GFIII : Grupo Focal II (rapazes)

GFI : Grupo Focal II (mulheres)

GFIV Grupo Focal II (moças)

Semelhanças nos grupos focais II e III (homens e rapazes) – O grupo focal III

(rapazes) admite saber que serão instaladas várias brragens no rio Tocantins: Serra da Mesa, a

de Peixe e que a barragem de Estreito tem a previsão do término em 2010. Técnicos da UHE

de Estreito visitaram as propriedades desses sujeitos.

Este dois grupos focaram sobre a vida da comunidade antes da existência das

barragens: _ “Aquele tempo, nessa época, já tava com seu arroz, hoje não, nunca choveu,

como é que você vai plantar? Então, tem tudo isso, que às vezes o pessoal comenta” (GF II-

homens). Notou-se que a percepção do modo de vida no passado, os leva a construir uma

imagem virtual do rio num tempo não muito remoto, e comparado à realidade atual. O mesmo

grupo comentou sobre as inundações causadas pelas cheias provocadas pelas frequentes

chuvas na região, e que em consequência dessas, havia grande abundância de peixe: “[...] as

cheias foi extinguida, tinha mais água, e era mais fundo e hoje não. Outrora, aí pra traz, não

tinha essas praias, não tinha nada. O rio tinha mais peixe, era bem mais farto” (GF III-

rapazes).

A força do trabalho da pesca foi observada nas falas do GF II (homens), esses sujeitos

relataram que o trabalho de pesca tinha como objetivo manter o sustento da família. Não

havia interesse pela acumulação de bens, e engessar o poder econômico familiar como

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afirmou os homens: _ “Naquele tempo, que o rio enchia, o homem até que gostava porque

saia e deixava tudo limpo, o homem trabalhava mais pouco, hoje trabalha muito e cadê? Né?”

(GF II). Juntamente com a abundância de água no rio, havia a fartura de alimentação

facilitada pela pesca e a exploração das vazantes com o plantio de melancias, milho e arroz na

comunidade local. Assim, o rio cheio, vazante alta, significava mais alimentação, menos

esforços no trabalho: _ “Tinha essas vantagens porque o rio lavava as vazantes e parece que

no outro ano a terra tava melhor, era mais fartura. Aquela lama que a chuva trazia, a tendência

era adubar a terra, e era bem melhor.” (GF II-homens). Essa percepção ratifica a afirmação de

Pereira (2004) sobre co-gestão de recursos14

de que as comunidades ribeirinhas do médio rio

Tocantins têm de forma coletiva o principal interesse pelo sustento da familia.

Durante esses encontros, fomos percebendo que algumas comunidades

questionavam que manter a alimentação para as famílias em determinadas

comunidades, durante três dias, estava ficando difícil. Não existia mais abundância

de peixes. Existiam os lagos, mas os peixes, os peixeiros estavam levando.

Começou-se uma discussão em torno de sobre como preservar os peixes para manter

a mesa farta. (PEREIRA, 2004, p.49)

No Cajueiro, não é diferente, porém, é uma sociedade com baixo grau de organização

formal, em termos de associação ou colônias, diferente daquela pesquisada por esse autor.

Não há a prática de se reunirem para discutir os problemas da comunidade, dentre eles, a

escassês do recurso biótico, e outros interesses locais quanto à fonte de alimentação, bem

como os efeitos negativos das barragens para a comunidade, é o que se percebeu nas visitas e

entrevistas realizadas. Todos admitem haver possíveis alternativas tomadas de forma coletiva

em função da amenização desses problemas com uma melhor organização societária da

comunidade.

Vale assim, apontar a colocação de Castro, enfatizando a pesca para os ribeirinhos

como uma alternativa única, é aquela realizada com a finalidade de suprir a alimentação do

14

Iniciativas de co-gestão dos recursos naturais da várzea. Três organizações de base: o Grupo de Preservação

Ambiental –GPD, a Associação de Silves para Preserva- ção Ambiental e Cultural – Aspac e o Grupo Ambiental

Natureza Viva – Granav, que desenvolvem atividades de co-gestão respectivamente em Tefé/AM, Silves/AM e

Parintins/AM.

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pescador e de seus familiares, com baixa produtividade, podendo ocorrer ou não a venda do

produto da pesca. (CASTRO et al., 2008, p.7)

Sobre os impactos advindos das dragas no povoado, o GFII (homens) os apontou

como sendo positivos, pelos benefícios acarretados, muito em função da melhoria do acesso

ao transporte proporcionado com o aumento do fluxo de veículos nas estradas de acesso à

comunidade. Esses veículos transportam areia para as cidades da região, principalmente para

atender as obras da ferrovia norte-sul referente ao trecho que corta o município: _ “no dia que

abre um buraco eles tão tampando, então pra nóis, vei a vantage por isso, as estradas,

entendeu? Mas, também, não deu prejuizo... _ ele chegou conservou, a ponte já tava na hora

de cair, ele ajeitou tudo né,” (GF II-homens).

Para o GF III(rapazes) as praias apesar da diversão proporcionada à população local e

de terem atraído aumento do fluxo de turistas e banhistas nas praias da Ilha do Cará15

, são

vistas por eles, como um motivo de preocupação com o aspecto atual do rio em comparação à

sua dinâmica na década passada. Os rapazes também afirmaram sobre a freqüente mudança

do local das praias em função da constante retirada de areia, após a instalação das dragas.

Segundo eles, todos os anos a praia funciona em um local diferente, e apontaram como razão,

a extração de areia.

Homens e rapazes apresentaram percepções comuns ao referirem-se às transformações

físicas no ambiente da pesca, ambos os grupos, demonstraram nas falas, perceber a

diminuição dos componentes bióticos. Essa semelhança pode ser explicada pelo fato desses

dois grupos, apesar de terem idades diferentes, apresentaram caracteríscticas semelhantes em

alguns aspectos, tais como: possuem o mesmo grau de instrução, exercem atividades

similares, como a pesca e o trabalho no campo, dividem as responsabilidades na família e na

comunidade. O respeito desses grupos na sociedade não é diferente, há uma grande

15

Uma pequena ilha no rio Tocantins, em frente à comunidade, lugar onde ocorre a temporada de praia na

região.

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consideração e respeito por parte da sociedade local em relação ao papel dos homens e dos

rapazes nas responsabilidades da economia no povoado.

O GF III (rapazes) e o GF II (homens) admitem que a praia não continue nos próximos

anos, por causa da hidrelétrica de Estreito, conforme informações adquiridas em visitas dos

técnicos da barragem em construção ao Povoado Cajueiro e estão idenizando os beradeiros

atingidos até 100 metros da margem do rio: _ “divertimento vai cabar. Tem muita gente que

ganha é dinheiro na praia. E energia não chega pra cá, nóis queria só isso aí, tava bom, mais

vai sair pra outro local não é pra nós. Nóis só fomo prejudicados porque benefícios aqui pra

nóis não tem não. Nem emprego pra nóis não tem”. (GF III-rapazes). A percepção dos

sujeitos quanto aos beneficiados com a energia produzida das hidrelétricas, não é diferente

dos objetivos do capitalismo brasileiro que visa atender os seguimentos econômicos, como as

indústrias de grande e pequeno porte. Eles são normalmente construídos para fornecer

energia para os seguimentos específicos da indústria, aquelas que a linha de produção é

inteiramente dependente da eletricidade como é o caso do setor de alumínio (BERMANN,

2002)16

.

Os grupos focais II e III (homens e rapazes), também articularam sobre o passado

quando não havia a existência desses empreendimentos, e fazem comparação com o contexto

atual. Nessa concepção, se observou características semelhantes nas falas dos dois grupos.

“_logo, mais distante, mais atrás o leito do rio era mais fundo, não tinha as barrage

nem praia, só tinha algumas praias, agora o rio é mais só praia quase, e o leito do rio

tá ficando muito razo, igual mesmo a gente que trabalha alí, a gente não via nem

falar, nem imaginava que ia montar uma estrutura daquela alí né, porque era fundo e

o barranco não tinha como montar uma estrutura daquela ali pa poder trabalhar, pra

atender o morador, não tinha como, agora tá tendo, quase em todo lugar tem como

sobreviver com um serviço mais adequado.”(GF III)

Os sujeitos do GF III (rapazes) direcionaram suas memórias principalmente, ao leito

do rio, como sendo para eles, no passado, um lugar de corredeiras e de maior profundidade,

16

Texto traduzido sob responsabilidade do autor

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não lembraram as vazantes, mas sim, da pesca como uma atividade mais presente no passado

da família. Todos os sujeitos desse grupo afirmaram de forma unânime, utilizando uma visão

coletiva e ainda, demonstrando unidade nas respostas a essa pergunta sobre o rio Tocantins no

atual contexto.

Comparações entre os grupos focais I e IV (mulheres e moças) - Quanto aos

empreendimentos existentes no rio, as mulheres (GF I) citaram as dragas, as praias e estradas

que dão acesso ao local, os lotes que foram formados com o povoamento na região por

moradores originados da cidade de Colinas do Tocantins, Palmeirante, Araguaína e Filadélfia,

em temporadas de praia. Nos novos lotes, à margem do rio, vendidos a proprietários das

cidades vizinhas, estão sendo construídas casas com estruturas modernas para servirem de

lazer e turismo em substituição à vegetação nativa. O transporte facilitado pelo acesso às

dragas foi enfatizado por esse grupo também, como um aspecto fundamental para o

desenvolvimento do povoado, bem como, as estradas que foram melhoradas em função do

movimento dos caminhões que fazem o transporte de areia do rio para a empresa que realiza a

construção da Ferrovia Norte/Sul que corta todo o município de Palmeirante.

Em princípio, esse grupo não citou as hidrelétricas como empreendimentos no rio

Tocantins. Entende-se que as mulheres não têm as hidrelétricas como um empreendimento

construido no rio Tocantins:

“Hoje tem muita coisa deferente... tem o desenvolvimento do carro, vinha

um carro da rua que a Luzilene tava falando, mas que não era como agora,

agora a gente pega uma carona, e já com essa draga aqui, no mês de julho

tem muito carro né, tem muito desenvolvimento...” (GF I - mulheres)

Diferentemente das mulheres (GF I) as respostas da moças (GF IV), ao não citar as

hidrelétricas, afirmaram não saber da existência de qualquer hidrelétrica ao longo do rio

Tocantins. A possível razão é a falta de informação no povoado, não possuem energia elétrica,

o que dificulta a utilização de televisão ou rádio. Elas percebem as dragas e as praias, pois são

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empreendimentos próximos e que podem ser visualizados diariamente na região: _ “Construiu

as estradas que era muito ruim e agora tá melhor, a praia que antigamente não tinha, agora

tem, a draga, ela puxa areia”. (GF IV). Esse grupo afirmou não se lembrar de outra obra

construída no rio ou região. Nota-se assim, que embora, as moças entrevistadas estudem, elas

não percebem a existência de empreendimentos ao longo do rio Tocantins, exceto as dragas

que fazem a extração de areia para o comércio local e regional.

Outra diferença ocorre em referência ao rio Tocantins antes da criação do estado, o

grupo admitiu haver no passado, abundância de água em outubro, e a grande quantidade de

peixes variados, bem como a facilidade de capturar espécies diversificadas de cardumes nos

diversos ambientes do rio.

via aquele tanto de peixe, via cardume de caranha, todo tipo de peixe, e era tao fácil

de pegar, que as vezes nois cansou de pegar caranha com a isca que era aquele sabão

branco e a gente colocava e jogava e elas já grudava e tamém na minha época o rio

era bem mais fundo né, o rio era muito diferente de hoje até mesmo porque não

tinha o desmatamento que tem e que naquele tempo, a vinte e cinco anos atrás, eu

lembro que poucas pessoas dismatavam a beira do rio e só trabalhava apenas para o

consumo, fazia aquela vazantinha pra plantar melancia e outras coisa fora da

temporada no verão e só pro consumo, (GF I)

Portanto, com relação ás UHEs e as dragas através da extração de areia, os grupos

focais I e IV (mulheres e moças) tiveram a seguinte concepção: para as mulheres, a alteração

do nível das águas do rio será responsável por impactos físicos diretos, indiretos e futuros que

afetarão de forma efetiva à questão sócio-cultural da sociedade local. Diferentemente, as

moças (GF IV) não percebem as transformações atuais, e não conseguem prever possíveis

impactos futuros em função dos empreendimentos instalados, e afetar o modo de vida dos

ribeirinhos. Para as moças, as dragas trazem benefícios e malefícios. Como benefícios, citam

a melhoria das estradas, o desenvolvimento local com oportunidades de emprego, oferta de

transporte em maior escala e utilização das praias para o lazer. Como malefício, as moças se

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referem à retirada de areia das praias e a utilização de forma inadequada pelos turistas na

temporada de praia.

O desmatamento foi um impacto lembrado pelo grupo focal I (mulheres),

considerando o fato de que tem aumentado incontrolavelmente, diferente da prática comum

dos beradeiros que desmatam o suficiente para a temporada da lavoura. As vazantes também

são muito exploradas com plantação _ “O rio ta ficando muito diferente do que era, do que a

gente conheceu há muito tempo [...]”.

Notou-se desta forma que o GF I (mulheres) interpretou o rio, de forma mais detalhada

e ampla, apontando os aspectos visíveis e os subjetíveis, e mostrando as perspectivas futuras

para a vida da população:

O rio ta ficando muito diferente do que era, do que a gente conheceu há

muito tempo e hoje tá bem diferente, quantas praia a gente nem ouvia nem

falar em praia no Tocantins, duns 10 a 12 anos pra cá, surgiu né, praia em

todo lugar do rio, e essas praia são ativadas e a gente vê que onde tem praia,

existia água e a água desapareceu e a gente vê que o volume de água cada

dia tá diminuindo bastante, isso é animação pra nóis? Não é não, na vida

futura não é bom, porque sem água não há vida e a tendência é diminuir cada vez mais, por isso a gente se preocupa muito por esse lado, pelo outro lado a

gente não se preocupa tanto porque na Bíblia está escrito isso aí, que o rio

pode desaparecer, pode morrer e a gente vai passar por dificuldade, mas a

gente sabe que isso tá escrito, são palavras Bíblica, mas a gente como ser

humano, a preocupação continua, a gente sempre continua, com o rio a gente

fica se perguntando, e ai até onde vai isso aí? Cada dia diminuindo mais, o

que vai ser de nós daqui mais uns anos se Deus nos conseder nóis com vida,

e essa geração nova ai, o que vai acontecer com o rio? Né? A gente fica

preocupada, porque segundo a natureza, que a própria natureza vem se

modificando, aquilo que homem hoje destrói a própria natureza vai

modificando né. (GF I-mulheres)

Na resposta acima, percebe-se que a diminuição da água do rio Tocantins está presente

em todas as percepções apresentadas pelos membros do GF I (mulheres). Apontaram as praias

como um reflexo da diminuição das águas do rio.

Assim, o surgimento das praias preocupa as senhoras do povoado, pois percebem que

é consequência da diminuição do nível de água do rio, e a freqüente diminuição da chuva, na

concepção do grupo, poderá contribuir ainda mais para a alteração das águas do rio. Uniram a

experiência social com a religiosa através do conhecimento da Bíblia, cintando textos em que

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estão previstos esses eventos atuais. Assim, tratam como um processo natural, porém,

entendem que o homem é o maior condutor das modificações do ciclo natural dos ambientes,

dentro e fora do rio.

Já para as moças (GF IV), a presença da praia conduz a um olhar mais dinâmico, um

rio que proporciona lazer e que faz da região, ainda que seja apenas na temporada de férias

(meses de junho, julho e agosto), um lugar especial. Todas as moças apontaram não querer

sair da região por causa da praia, esse grupo focal não citou, por exemplo, outros benefícios

que o rio oferece, embora afirmem que além da pesca, o rio representa outras definições que

não sabem como explicar: _“é onde nóis pesca, representa muita coisa boa, né.”(GF IV)

Nas visitas às instalações das dragas, observou-se que são empreendimentos recentes.

Proprietários de diversos lotes formados apartir da divisão de uma fazenda às margens do rio

Tocantins na região do Cajueiro começaram um novo negócio, com a instalação de dragas

para extrair areia do rio, em função da construção da ferrovia no município, cuja empresa

responsável seria o maior consumidor, daí, passou a buscar outros mercados. Existem dragas

em efetivo funcionamento no Povoado. Esses proprietários são famílias que vieram da cidade

e estão residindo em lotes às margens do rio, grandes responsáveis pelas transformações não

somente no ambiente físico e aquático, mas também na cultura local.

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Figura 14. Dragas em funcionamento no povoado Cajueiro, no médio rio Tocantins,

município de Palmeirantes, TO.

Questionados sobre os benefícios ou prejuízos advindos a partir da instalação das

dragas, os grupos focais apontaram mais benefícios que prejuízos: _ “De benefício, o que

ficou, tem essas estradas ai que tem o movimento dos carros que a gente precisando tá perto,

mas outro também não tenho não... eu só penso que na hora que precisei eu me socorri foi

com eles.” (GF I - mulheres)

As mulheres dmitem que as dragas não causam impactos aos componentes bióticos (os

peixes), porém confessam que os componentes bióticos nos ambientes aquáticos correm

riscos de serem contaminados pelo óleo das máquinas em caso de derramamento: “[...] não

prejudica. A não ser que, seja que não tenha cuidado deixando petróleo no rio pra poluir a

água, mas essa daí, acho que não é isso não, nunca ví modo, também sempre a gente tá por

baixo dela ai, navega ai toda hora, nunca ví modo de produto nenhum na água, a onde tem

mais emprego né, aqui vai se evoluindo mais [...].”

As mulheres, nesse sentido, têm uma percepção mais subjetiva, enquanto as moças,

não visualizam o futuro, a vida no povoado. A falta de chuva para elas influencia na alteração

do nível do rio. Apontam, por exemplo, os meses que nos anos anteriores apresentavam as

vazantes e cheias, um constraste em relação ao que visualizam no presente. As praias são para

esse grupo como um exemplo concreto da diminuição da água e escassez de peixe:

[...] naquele tempo, a data que tamo hoje já tinha enchentezinha aqui, no mês de

outubro já dava alguma enchente de água, hoje tai, praia pra quem quiser o rio tá ai,

com praia a vontade, e desde janeiro que eu tô vendo praia aqui, e no mês de janeiro

era o mês que mais tinha enchente, por quê? Aonde que o mês de janeiro era o mês

que mais tinha enchente e muito peixe....e agora não tem mais, não enche mais,

assim eu acho muito diferente do tempo que eu conheci , todo mês quase tinha uma enchentezinha, agora não tem mais do jeito nenhum, a única enchente pouquinha é

da barragem que solta, o rio um dia desse subiu, que a barraca da praia ficou dentro

d água , hoje tá lá no seco dinovo....”(GF I-mulheres)

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Figura 15. Dragas em funcionamento no povoado Cajueiro, no médio rio Tocantins,

município de Palmeirantes, TO.

Uma semelhança entre os grupos focais I e IV (mulheres e moças) é a afirmação sobre

o pouco conhecimento a respeito UHE de Lajeado e de Estreito. Estes grupos afirmam terem

adquirido informações somente através do rádio ou informação de outros: _ “Eu mesmo não

conheço, só vejo falar nessas que estão construindo aqui, essa outra de lá de Palmas não sei

nem que rumo fica”.... “Tem a do Lajeado”.... ”Só sei nome da de Tucuruí, ouvi no rádio”.

Notou-se ainda que as diferenças de gênero e de geração (Tabela 1) não influenciaram

nas percepções quanto aos benefícios gerados pelos empreendimentos. Todos os grupos focais

não acumulam expectativas positivas a respeito das hidrelétricas de Lajeado e Estreito, e nem

acreditam que estes empreendimentos poderão trazer algum benefício à comunidade. Assim

afirmam os rapazes, GF III: _ “Eu acho que não melhora porque não vem benefício pra cá,

com a de Estreito, por exemplo, a nossa praia aí vai sumir, o principal”. Entendem que a

energia que poderá chegar até a comunidade através do programa “Luz Para Todos” não

provém desse empreendimento, pois assim também aconteceu com a de Lajeado. Os rapazes

acrescentaram: _“ Essa energia que vem pra cá não é dessa usina ai não pode melhorar e pode

piorar na pescaria, vamos saber depois que fazer o lago né, tentar pescar ai nois vamo ver.”

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Por outro lado, prevêm o maior fluxo dos fiscais do NATURATINS: _ “ai pode piorar

também porque tem os ambientalistas eles vao perseguir demais, né se não tiver carteirinha.

Acho que no futuro pode trazer emprego para os jovens do Cajueiro”.

Essas colocações ratificam as concepões de alguns autores, de que as barragens geram

energia da água, também usada para abastecer grande parte dos municípios. De acordo com

Bermann (2002 apud ZHOURI e OLIVEIRA 2006, p.3), esses empreendimentos são

normalmente construídos como o objetivo de atender as indústrias que dependem da

eletricidade, com o fornecimento de energia, como é o caso do setor de alumínio.

Os homens concordam entre si, que a hidrelétrica de Estreito causa impacto desde

quando ouviram a informação pelo rádio. No entanto, a especulação tem provocado

divergências na comunidade local. As orientações dos técnicos da barragem não são

suficientes para diminuir as especulações.

Até agora nada, que os benefícios que nóis podia ter que eles promete, é essa energia

que eles diz que é próprio pra isso e até agora nóis não tem. E acho que pra nóis

ribeirinho, nóis até agora, nois não tivemos benefícios e é mais, se vier benefício, é

mais prejuizo que benefício. Porque através dessa barragem que tao fazendo lá, os

ribeirinhos estao ariscacados a qualquer hora a sair sua propriedade e eles falam que

é uma indenização muito boa e tal mas, não é, pra eles é porque é uma coisa que

estão adquirindo, mas pra nóis que estamos perdendo, não é bom, porque primeiro o

dinheiro não paga o amor que você tem pelo lugar que você nasceu e se criou, e hoje

a família junto com as família e convive aqui, e segundo, é que o que eles vem

fazendo igual tá acontecendo vieram e mediram trinta metros, ai vai e sai a

indenização de trinta metro, agora té a história que vem mais 70 metros, então vai

também fazer a idenização de 70, mas quando vier fazer essa de setenta, o dinheiro da de trinta já foi embora, você recebe parcelado e não sabe o que faz, porque recebe

um pouquinho hoje e passa tanto tempo pra receber o outro pouquinho, não é,? Ai

você já gastou o primeiro, não teve como guardar pra ajuntar e você termina

perdendo a sua terra, sua propriedade e acabou o dinheiro e você não fez nada, e

entao você perdeu o seu sossego até mesmo sem perceber que perdeu um tesouro

que você tinha e então, e eles falam que é vantagem, só que pra nóis não é vantage,

(GF I-mulheres)

Os sujeitos desse grupo demonstraram insatisfação com a proposta das idenizações,

pois, os técnicos apontam os impactos apenas nos limites de cada propriedade que o lago pode

atingir, mas, o grupo é consciente do insuficiente valor determinado pelos técnicos que levam

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as informações aos moradores. Eles mencionam perdas futuras que poderão advir que não

serão ressarcidas, e que o valor monetário não pode pagar.

Vale ressaltar que a precisão dos limites inicialmente determinados como área de

impacto ambiental da UHE de Estreito levou ao embargo da continuidade da construção desse

empreendimento durante alguns meses.

“A Justiça Federal do Maranhão anulou a licença de instalação da usina hidrelétrica de Estreito. Essa decisão é fruto de uma ação civil pública proposta pelo Ministério

Público Federal no Tocantins e no Maranhão. Pela decisão, o Consórcio Estreito

Energia (Ceste), responsável pelo empreendimento, terá que complementar o Estudo

de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) de forma que a área de influência indireta do

lago (AII) seja estendida, conforme especificações apresentada pelo MPF. Em caso

de não cumprimento, o consórcio estará sujeito ao pagamento de multa no valor de

R$ 15 milhões. (O Progresso – MA 07/06/2008 - 09:04)

Daí se confirma o que o texto “Águas sem Barragens” articula em suas entrelinhas,

sobre o lago da hidrelétrica de Tucuruí, que tem 270 quilômetros de extensão e 10 de largura,

cujos ribeirinhos atingidos pelos impactos da hidrelétrica, vivem em ilhas formadas a partir do

lago, não são beneficiados pela energia produzida. (ALMEIDA e REGIS, 2002, p.3). Os

homens (GF II) ratificaram que também não serão beneficiados com energia porduzida pela

hidrelétrica de Lajeado.

Da mesma forma, os homens, GFII, advertiram:

Por hora, nenhum, só mesmo as água, e essas praias, e que também vai acabar._as

praias tao acabando.

_ até agora, essas barragens eu num vejo benefício por um lado, porque a energia que vai gerar lá,vai pra outro lugar, porque a nossa aqui até hoje não chegou, mais,

quando chegar num vai ser dessa não.

_ agora pode ser que prejudique o meio ambiente, né, a beira do rio né.

_ agora pra nóis, aqui vou lhes dizer, nois espera, destruição pelas barragens, o que

nois espera, pra nois é distruição, não vantagem, té hoje nóis num discubrimo. Ai

pra não ter uma distruiçao muito grande eles saem idenizando um idenizando outro,

entendeu, mas que, eu tenho uma fazenda e nada vai de dinheiro me separa dela por

anda, entendeu? Hoje tá sujeito eu tirar minha casa do lugar, e chegar pro outro lado,

tem uma água encananda que vem de riba duma serra, tá sujeito eu perder aquela

água por uma barragem, que vem vindo de um rio. Então o que nóis esperamo da

barragem pra nóis e no meu ponto de vista, é distruição.

O meu amigo tem uma fazenda muito boa na beira do rio, tá sujeito ele perder

aquela, a parte melhor que tem dela. Umas indenização que nóis somo dono e num

pudemos, dá o valor no que é nosso, entendeu? Porque se ele chegasse lá e dizer, ó o

que que você quer pa, essa vazante sua, vai desocupar se eu trabalho nela há vinte

ano, por acaso, lá eu tenho abroba, tem o milho verde, tenho tudo, quando ele chega

lá ele diz: _O que que você quer pa sair,

digo:_ mar moço, isso aqui eu num tinha pa trocar por nada,

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_não mais veja isso aqui, o que é que você quer?

Entendeu?

_ você vai pa justiça?

_ e ainda me ameaça, faz tudo. Entao o doutor, eu tomo as barragens como uma

distruiçao que o governo não devia fazer, nem tanto pra nóis, quanto pros bicho do

mato que vai se acabar, você pense o que vai se acabar da floresta lá perto dessa

barrage, nóis que tamo longe aqui, num é?

_ outra coisa, o cara chega pa te paga tua terra, e o teu psicológico e aquela perda,

dói Num é seu Raul?

_ dói, não é só os bens não, e eu como é que vou me sentir, sabendo que não vou

mais utilizar aquilo alí?

_ justamente,

_doutor eu trabalhei trinta anos de emprego, hoje o que eu tenho muito de vantagem é essa terrinha aqui com 150 alqueires, pra mim mais nove filhos, quando eu

comprei ela eu disse: nunca mais eu me separo dela, por dinheiro nenhum, eu gosto

do lugar, eu gosto dos amigos do lugar, são todos meus amigos, e vou perder hoje,

por uma barragem que vem de lá pra cá.

Diferente das Mulheres, os Homens (GF II) culpam o governo pelas transformações

no Povoado. Mas, como as mulheres, eles apresentam o aspecto emotivo, o amor pelo lugar, a

história construida no local, por mais que a idenização cubra os 30 ou 70 metros, admitem

que, os impactos atingirão a economia local e o lado afetivo das pessoas que ali vivem e

nunca tiveram outra experiência em outro lugar. O lado psicológico dos indivíduos é lesado e

esses são conscientes que não serão idenizados ou beneficiados em troca em troca dessa lesão.

Mais uma vez se confirma o texto seguinte:

Os impactos ambientais, sociais e econômicos que os empreendimentos podem provocar durante e após a construção de tais empreendimentos numa região tão

delicada como a próxima aos rios não fazem parte do discurso nem do governo, tão

pouco das empresas. Que impactos são esses? São populações retiradas de suas

terras, o isolamento de tribos indígenas, a perda da biodiversidade (variedade de

vida animal e vegetal) e a privatização da água em proveito de uns poucos. O

impacto provocado por projetos deste porte vão além das regiões rurais, pois a

população que se dirige para trabalhar nas obras e os desalojados tendem a ocupar as

cidades próximas, formando favelas e sobrecarregando a infra-estrutura.

(ALMEIDA e REGIS, 2002:4)

Os grupos focais I, II e III (mulheres, homens e rapazes), ainda que não tenham um

amplo acesso aos meios de comunicação diferentes do rádio, estão informados de que outras

populações que já vivenciaram esse problema não foram idenizados pelos impactos subjetivos

causados nos sujeitos. Notou-se que esses ribeirinhos conseguem perceber não somente o

impacto físico local, mas na cultura, historicamente construída, na região, em se tratando não

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somente do mundo do trabalho e do ambiente da pesca, mas o social e muito mais o lado

afetivo, a relação subjetiva, além do aspecto racional cujo valor não será recompensado.

Em visita às instalações desses empreendimentos de mineração, o proprietário mostrou

as licenças do NATURATINS e de outros órgãos dando a permissão para o funcionamento

das dragas. A Lei Federal 6.567, de 24 de setembro de 1978, disciplina o regime de

licenciamento sobre o aproveitamento das substâncias minerais da classe. “O benefício nosso

é que a partir do dia que colocou essas dragas, melhorou.” (GF II-homens)

Nas entrevistas, fundamenta-se o que Brandt (1978) enfatizou, pois, embora as dragas

tenham sua importância por impulsar o desenvolvimento local, os impactos advindos da

extração mineral podem conduzir danos ambientais negativos e que podem ser irreversíveis

Brandt(1998 apud LELLES, 2005, p.1).

Em todo o contexto das percepções apresentadas pelos grupos de gênero feminino

pode-se afirmar que a maneira como as mulheres percebem o ambiente se diferencia do das

meninas. Concorre para isso, o fato de que em função da idade, aquelas detêm maior

experiência com o trabalho no campo, com as atividades, consideradas masculinas, por

dividirem as responsabilidades de família e por sua infância ter sido distinta em relação à das

meninas no atual contexto.

A percepção dos três dos grupos focais, (I, II e IV-mulheres, homens e moças) é

positiva em relação aos impactos submetidos pela implantação das dragas na região do

Cajueiro. Porém, para o GF III, as dragas trazem a eles uma preocupação no comportamento

natural do rio em vista a constante retirada de areia, os rapazes afirmam não ter segurança,

nem certeza dos impactos futuros ao ambiente da pesca, se o ciclo dos peixes será alterado ou

não:

As dragas também esta trazendo emprego. Pode prejudicar não só na pesca, mais

também as praias porque a areia vai se acabando. Na pesca, só se for mais na frente,

porque fica tirando muita areia. Eu achei que ela mudou muito, tinha uns local que

tinha praia esse ano já não tinha mais.(GF III)

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Observou-se na primeira visita ao povoado, no início desta pesquisa, que havia uma

concepção negativa sobre as dragas, pois, até 12 meses atrás, a população não tinha

conhecimento ou informação quanto ao funcionamento e os possíveis impactos desse tipo de

empreendimento para a comunidade. Foi difícil a aceitação por parte dos ribeirinhos nativos,

no entanto, as percepções são de alguma forma, um fator positivo em suas declarações a

respeito das dragas.

Sobre à hidrelétrica de Estreito em especial, especulações negativas se confirmam nas

entrevistas em todos os grupos focais, os sujeitos receiam terem que abandonar a região.

_“Só prejudicar,.. pois vai sair todo mundo fora”, _“só prejuizo mesmo, a idenizaçao

vai ser só para algumas pessoas, pois a quantidade de gente que tem aqui, vai cair

todo mundo fora, nóis vai pra onde mesmo? ” quem eles indeniza eles dão um

pouquinho ainda pode arrumar uma faezenda ai, e quem eles não indeniza, vai ficar

aonde mesmo?

_“sabe quanto que eles tão dando pra nóis? Dois mil?”

_“O que é que vai fazer com dois mil que não dá pra comprar nehuma casa?” (GF I

-mulheres)

O que há em comum entre todos os grupos são as preocupações com os impactos

subjetivos, que não podem ser valorados: o sossego, a cultura construída ao longo do tempo, a

relação com o lugar, com as pessoas. As vazantes e cheias de onde tiravam os alimentos para

complementar a alimentação, todos os grupos atestam que não serão recompensados.

[...] e segundo é o sossego da pessoa que acabou, nois que vive aqui, tá acabando o

sossego que nois tinha aqui, por que depois que passar esse lago ai pro IBAMA,

quem vai mandar, tava na briga entre o IBAMA e a marinha e o IBAMA é que

ganhou, de que que nóis vamo viver na beira do rio? Se nois não pode pescar, não

tem uma vazante, não tira uma vara na beira do rio mais? E outra que se eles

indenizasse tudo, era bom porque você tinha uma saída, mas eles, mas eles indeniza

só gato pingado, quem tem uma terrinha que é de cinco alqueires, vai inundar três,

eles faz indenizar os três alqueires, e os outros dois você não acha quem comprar e daí você não tem como sobreviver mais ali em cima, o prejuizo é com a pessoa, né,

_”E entao?”

E é o currículo deles e não tem jeito, e a gente tem que aceitar da forma que eles

querem. ....imagina, nem colocar na justiça (GF I)

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O programa “Luz Para Todos” do governo Federal deverá levar esse benefício àquela

população ribeirinha até 2010. Todos já foram cadastrados e, por isso, a expectativa da

comunidade é positiva. Todos os grupos focais apontaram benefícios futuros da energia e que

muito ajudará a população na conservação do pescado, dos animais capturados. Em nenhum

momento colocaram a preocupação com a mudança de hábitos e costumes, ao contrário,

foram unânimes em afirmar que terão apenas benefícios.

Diante da especulação de que alguns deverão deixar o povoado, eles foram

perguntados como seria viver em outro lugar. Notou-se uma singularidade nas respostas de

todos os grupos entrevistados. Daí, a subjetividade. Nenhum dos atuais moradores(as) quer

deixar o Cajueiro, pois entendem a importância da cultura, dos costumes, do lugar e do rio: _

“Eu não queria e nem quero, hoje me despedir de um pedação da minha terra se a barragem

tomar,...eu não quero .....então pra mim, despedir dela hoje como tá sujeito,... _ eu nem penso

em sair daqui..._eu criei toda a família aqui e já até acostumei já” ( GF II-homens). As

mulheres também dividiram as mesmas preocupações referindo-se também à relação de amor

com a natureza e os diversos ambientes do povoado:

Pra nós é ruim, é disanimado, aqui é tranquilo. Aqui, daqui que a gente acostuma,

porque desde o meu pai que a gente ta aqui, eu não tenho dinheiro pra ir pra outro

lugar. Tem que esperar. E o amor que você tem pelo o seu lugar, você nunca vai

adquirir um lugar igualmente com o seu, as vezes, pode até ter uma terra melhor,

mas divido o seu costume, que você se nasceu e se criou nessa região, sempre e

sempre você vai sentir saudade daqui, olha um outro lugar também...não aquilo que

vai prencher aquele vazio, acredito que não, só o sussego que nós temos aqui, vale

tudo. Aqui nessa região nossa, ocê pode durmir de porta aberta, você pode sair de

casa semanas e deixa as portas aberta se não for uma criação sua entrar, ninguém

mexe com nada, mais já sai aí pra fora, nesses acentamentos, nas cidades que a vida

é bem diferente, aqui é muito assussegado. (GF III)

Os rapazes (GFIII) apresentaram a mesma percepção dos adultos. Não gostariam de

deixar o povoado. _ “porque tá acostumado, aqui é um lugar muito bom, porque aqui não tem

violência, não quero ir embora daqui não. _Na cidade é uma violência”.

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6.2. As transformações nos componentes bióticos (os peixes)

Quanto às transformações no ciclo dos recursos aquáticos atribuídas às hidrelétricas já

construidas e que são de conhecimento da população, as UHEs de Tucuruí, Lajeado e Estreito,

esta última é alvo das maiores especulações quanto aos impactos na região em se tratando dos

peixes. As mulheres admitiram conhecer os possíveis impactos da hidrelétrica de Estreito, por

relacionarem aqueles da barragem de Tucuruí. Homens e mulheres nas estrevistas admitiram

que grande parte dos impactos advém da UHE de Tucuruí.

A falta do peixe né, depois dessas barragem, o peixe vem diminuindo muito, parece

que não circulam né do, de um lado pra outro igualmente essa barragem de Tucurui,

e tem essa outra de Lajeado, igual uma coisa que aquele que tá naquela extensão fica alí, quem tá aqui em cima fica em cima, quem tá embaixo fica em baixo, ele não é

mais aquela coisa que era antes, que era em comum né que produzia que misturava e

tudo e até mesmo as vezes for, naquela época que a gente falou do cardume. Você

via um cardume muito grande, dessa é poca que foi fechada a comporta, lá mesmo

eles ficaram, sendo que as vezes aqui pra baixo já era bem mais pouco o peixei, ai

continua pouco né, _desde aquela época continua diminuindo e cada vez mais

diminuindo.... tá seco desse jeito aqui, eu acho que é por isso mesmo...(GF I)

Concomitantemente, os rapazes (GF III) direcionaram suas falas para as críticas sobre

as barragens de Lajeado e Tucuruí já construídas e ainda articularam sobre os impactos na

dinâmica dos peixes, com a barragem de Estreito. Para esses, algumas espécies desaparecerão,

tais como o Filhote, peixe de água corrente e que após o lago, não poderá sobreviver nesse

ambiente.

Eles fecharam um canto e os peixes não vai mais descer. A barragem prejudicou

muito um exemplo é o peixe Fiote que não vive na água parada, só em água

corrente. Ele vai morrer, vai ficar difícil. Ele não é peixe de lago ele é peixe de água

corrente, água viva. Então vai ter espécie que vai desaparecer. Vai ficar o Surubim, a

Crumatar, o Tucunaré. (GF III-rapazes)

Essas observações corroboram as afirmações de Condini (2007 p.10) que articula que

os impactos causados por esses empreendimentos contribuem para alterações nos hábitats dos

ambientes aquáticos, contaminação de cursos d’ água, destruição ou fragmentação de

“habitats” naturais e da vegetação, desapropriações remanejamento de populações, pressão

sobre os serviços.

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Com as mudanças induzidas no ciclo das chuvas, no padrão de variação do nível do

rio e no ambiente aquático em si, as espécies passam a migrar de um ambiente para outro em

busca da sobrevivência, não mais como um processo natural, mas em razão das

transformações em seu ambiente natural, que são causadas por esses empreendimentos.

Informações do monitoramento de dois anos da hidrelétrica de Lajeado no médio

Tocantins registram a presença de espécies que pertencem ao baixo Tocantins no médio

Tocantins, e ações da invasão de populações de espécies de outros locais no rio. Essas

mudanças proporcionaram um grande impacto ambiental no entorno da região, e estudos

mostram que muitas espécies de animais e vegetais foram extintas.

Quanto às transformações na variação da quantidade dos recursos pesqueiros

existentes, percebeu-se que as percepções dos homens e rapazes (Tabela 1) não diferenciam

entre si ao falarem do passado. Os rapazes compartilham grande parte das percepções

apontadas pelos homens (GF II). Assim, ambos os grupos não previam no passado essas

mudanças na comunidade local, no ambiente do rio e as construções implantadas ao longo de

todo esse tempo (barragens, dragas, praias). Nesse momento referiram-se às dragas que

funcionam na comunidade local. Contudo, reafirmaram a abundância e facilidade com a pesca

na captura do peixe: _ “Antes pegava mais peixe, a pesca de rede era mais difícil, era anzol,

milanga, milho, soja, gome, as pessoas agora compram o minhocusul, era mais divertido a

pescaria, pescava mais peixe, era melhor né [...]” (GF III-rapazes).

Ao ser perguntado sobre o rio no presente, se notou que o GF III apontou a diminuição

da espécie biótica: _ “hoje é mais difícil tem vez que a gente vai o ano, tem dia que a gente

vai agora, outro a gente não vai né, a fiscalização para a gente e pega tudo (IBAMA)”.

Outro aspecto comum entre os homens e rapazes se trata do fator que faz com que a

escassez de peixe mudasse a rotina da pesca, levando a população local a ter que passar mais

tempo no ambiente aquático em busca desse recurso. Desta forma, os grupos afirmam que

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muitos desistem e são obrigados a utilizarem alternativas para garantir a alimentação da

família. Muitos desses jovens oferecem mão de obra em forma de diárias para fazendeiros

locais e alguns são assalariados, assim não abdicam de maior tempo para a pesca. Em comum

entre os dois grupos, estão as concepções quanto à fiscalização no rio e à dificuldade na

pesca, fatos que levam os mesmos a não continuarem com a rotina pesqueira de antes. A

escassez do peixe aliada à invasão de pescadores de outras colônias na região do povoado

impusera um novo hábito que os obriga a também recorrerem a outros instrumentos de pesca.

Por isso, passaram também a fazer uso dos artefatos modernos de pesca como a rede, tarrafa e

o barco a motor, tais como a voadeira, o rabudinho, referindo-se a canoa a motor.

Uma percepção diferente entre os homens e rapazes (Tabela 1) é que estes apontaram

os meses em vez das estações. Também não explicam de forma detalhada o comportamento

do rio e as razões que levam a pescaria a ter mais sucesso: _“Mais é junho, julho, agosto e

setembro e antes era o ano todo, né, tinha mais água. Era mais peixe, e era menos pescadores,

hoje o peixe tá menos e hoje é mais pra divertir, pesca todo mundo” (GF III- rapazes). Esse

grupo percebe que a razão do maior fluxo de pescadores na região pela temporada da Praia do

Cará em funcionamento no local, explica o grande acesso de pescadores, principalmente à

faixa do perímetro do rio de propriedade da comunidade local.

Grupos focais I e IV(mulheres e moças) - As mulheres perceberam com maior

ênfase o fator assistencialista, pois ao citarem o rio antes das barragens, falavam também das

dificuldades da vida no Cajueiro, enquanto havia abundância de peixe, água e muita chuva,

admitiram a melhoria das estradas e o trasnporte facilitado em função delas.

Enquanto o GF IV, das (moças), por exemplo, o rio é percebido como local de lazer,

diversão, não as percebem, os impactos no rio, nem compreendem o surgimento das praias:

_“O rio é um divertimento pra nóis, porque no mês de julho aqui na nossa região tem a praia

perto, né”. Para as mulheres, as praias também são consideradas um fator que mudou toda a

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rotina não somente da população local, mas principalmente da pesca, dificultando ainda mais

a prática da atividade. Isso se deve também, pela presença de pescadores externos que mesmo

sem a aceitação da comunidade local, aproximam-se e usufruem dos recursos pesqueiros,

invadem os ambientes aquáticos dos pescadores locais, sem permissão e trazem com eles os

modernos instrumentos de pesca e por esta razão, conseguem ter mais sucesso no número de

captura, porém, nesse modelo que se opõe ao tradicional, não se tem controle das espécies

capturadas, pois em artefatos como as redes de grande porte armadas de um lado a outro do

rio fazem com que todas as espécies, alvos e não alvos desses pescadores sejam por eles

capturadas. Os sujeitos pesquisados entendem que as espécies, que ali convivem, não estavam

acostumadas com os diferentes artefatos de pesca, e são facilmente capturadas em armadilhas

preparadas por esses pescadores externos.

Por essa mesma razão, os homens (GF II) percebem a dificuldade da pesca com anzol

que passa a ser ineficiente, e a população local, que utiliza o método tradicional de pesca, é

obrigada a buscar adotar os mesmos instrumentos modernos utilizados pelos pescadores

externos.

[...]Pescar, é bom pescar, mas não pega nada. Eu conto um exemplo um camarada

bem aqui com um mundo vei de rede. Uma época que arranchou um cardume de

Jaraquí lá, ai vinha aqui por essas ilhas, esse povo aí com a tarrafa pegava um, dois,

três, quatro, cinco não era Wilson?. Depois chegou um rapaz de Carolina pedindo

nóis, chamou nóis. Eu digo não dou não. isso aqui, ele arranchou aqui no meu poço,

não eu não dou não, eles vieram pa essa ilha, quando foi as 12 horas da noite,

entraram lá, fizeram um arrastão só um porque era sem ordem né, pegaram quase

180 jaraqui , daí eu não vi mais. (GF II)

Diante dessa razão, a prática da pesca no rio passa a ter que se adaptar a um novo

sistema de exploração, há uma nova dinâmica proporcionada não somente pelas mudanças

naturais, mas uma alternativa obrigatória de necessidade. Notou-se também que tanto os

homens quanto os rapazes, pescadores locais percebem que os instrumentos (chamados por

eles de instrução) impuseram de forma não comum à população local, um costume que não

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era previsto, nem tão menos vivenciado no contexto da sociedade local. Dessa forma o que

transformou todo um modo de vida e a cultura desse povo: _“Eu acho que a mudança, é que o

peixe diminuiu e a instrução aumentou, porque se não for com instrução não pega, a verdade,

eu acho que sim, se não for com instrução num pega. Só pega com rede, pega com tarrafa, é o

jeito que pega, se não for assim não pega”.(GF II-homens).

Quanto à piracema17

, para o GF II (homens) a pesca com anzol deve ser respeitada.

Admitem obedecer ao período da desova e respeitar o ciclo biológico do peixe. Entendem

sobre a importância de se conservar, o que antes não era prática nem preocupação da

comunidade pesqueira local.

Não porque antigamente nóis nem sabia o que era Piracema, mais eu acho que a

pescaria é a mesma. No inverno a gente pesca de um jeito e no verão a gente pesca

de outro, faz uma ceva e no inverno a gente já pesca diferente com o caniço. No

inverno o peixe ta espalhado, qualquer lugar pega porque o rio ta mais cheio, em

qualquer córrego pesca. Se o rio aumentou a tendência dos córregos é alimentar

também. Hoje se o cara não ir pescar de arpão não pega nada. Sempre antes da

piracema a gente pescava todo o tempo. Eu não sabia nem o que era piracema, eu

pensava que piracema era um peixe, até porque a nossa região muito atrasada. Não

existia uma fiscalização encima disso aí. Então hoje a gente já tem consciência que a

gente pegar o peixe agora (período da piracema) vai fazer falta, porque é o tempo da

desova dele, né! Então a gente já tem essa educação. (GF II)

Todos os grupos focais admitem serem conscientes da necessidade de se conservar os

recursos aquáticos, são conscientes de que o desaparecimento de algumas espécies que antes

existiam em grande número e hoje não se pesca mais, é porque fez com que eles ficassem

escassos.

Verificou-se que os grupos focais I e II (mulheres e homens) apontaram os mesmos

peixes e também a experiência da mulher na ambiente da pesca. Os nomes dos peixes se

repetem na fala dos dois grupos:

Corvina, cachorra, bico de pato, piau, surubim, matrincham, branquinho (peixe de

couro), muitos se acabou, ninguém ver falar que alguém pegou o branquinho, é um

17

Piracema: Período de desova dos peixes, durante o qual grandes cardumes so- bem em direção às nascentes

dos rios, para se reproduzirem. Vocabulário de Recursos Naturais.pdf - Foxit reader 2.2 INSTITUTO

BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE - Vocabulário Básico de Recursos Naturais e Meio

Ambiente 2ª edição

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peixe grande, na época de oitenta ele tinha demais, ia cedinho assim, pegava demais

aquele peixe e nós mesmo ia pescar mandí e pegava ele, nós mulheres, hoje não vê

mais, cansei de ver meu pai com aquele peixe branquinho, ele pescava até quarenta

quilos. ( GF I)

As mulheres (GF I) conhecem os diversificados ambientes aquáticos do rio Tocantins,

e as espécies que habitam, bem como, todo o fluxo dessa atividade na região do povoado. Daí

Kuster (2006: 178) ter apontado que não somente os homens (GF II), mas também as

mulheres possuem conhecimento sobre pesca local e como fonte de alimento, além do mais,

ambos os gêneross podem ter um bom conhecimento da maioria das espécies e nomes locais.

Observou-se que os homens, (GF II) confirmaram as mesmas espécies e

transformações citadas pelas mulheres: _“ Hoje o que a gente ainda pega mais é o Piau, que é

o peixe que você faz uma ceva e tendência a juntar é a Pacú, o Piau, outro peixe você não

pega igual esses dois. Ah o crumatar você ainda pega de tarrafa”.

Diferenças – Grupos focais II e I (Tabela 1). Em razão dos homens terem citado os

peixes mais pescados em cada estação, inverno e verão, e um maior número de espécies de

peixes que as mulheres, nota-se que também melhor explicam as características de cada peixe,

os de captura mais fácil e mais difícil, através da pesca tradicional.

Na nossa região o peixe que mais pegava era o Piau, Pacu, e aquele que a gente chama de Chorãozim que no inverno a gente pegava bastante, e tinha muita

Piabanha que era bom de pegar, Matricham era os peixes que a gente pegava e no

inverno tem a Sardinha, tem o Peixe de couro que era bom de pegar, que agora

acabou, tinha o Branquin que hoje ninguém ver mais, tinha um tal de Pintado que é

esse que nóis chama de Surubim. O Pintado era um peixe muito brabo, o Barbado

ainda tem, o Surubim também tem, agora o Branquim não existe mais não. O

Pintado também não tem .Eu mesmo não conheço Pintado. Então hoje não tem

várias espécies. _Antigamente, eu moro bem ali na Pedra Branca, no remanço o

pessoal pegava muito Fiote, hoje já acabou o Fiote. (GF II)

Outro fator relevante para enfatizar o saber da mulher ribeirinha, trata-se das espécies

de peixes citadas acima, que eram mais pescadas antes da UHE de Lajeado, e que hoje se

pesca apenas uma pequena parte deles:

Hoje o peixe maior que tem no rio Tocantins e também é o mais preseguido é o

Fiote. Todo mundo que pesca no rio Tocantins, ta em busca de pegar o Fiote. Antes

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as pessoas tinha consciência de pescar só o básico pra se alimentar. Hoje tem

também o comércio. As pessoas pesca e vai vender na rua.(GF I)

Eles admitem adquirirem os saberes na comunidade de formas diversas, dentre elas, o

convívio com essa atividade, a prática da pesca em dupla, ou em famíla, entre vizinhos e as

discussões a respeito da atividade nos adjuntos da região, uma vez que todos exercem as

mesmas atividades econômicas e dividem os mesmos conhecimentos e experiências: _ “Hoje

é a Pacú e o Piau que pesca mais com ceva e é o peixe que mais junta, esses dois, né? E

também o Fiote. A rede é pra pegar Pacú e peixe maior, como a crumatá, jamaqui”.

Rapazes e meninas (Tabela 1) admitem conhecer os peixes, seus nomes e os ambientes

onde são pescados, o que comem, e as iscas mais utilizadas para a pesca deles, conhecem os

horários de pesca de cada espécie. Apontaram os peixes mais pescados atualmente: _“Mandi,

piau, pacu, o piau fica mais no local que tem pedra, na época do mandi, tem as frutinha, lugar

de sombra, lugar fundo, o piau, tem que ser ao meio dia, ou na tarde”.

Comparando todos os grupos focais (Tabela 1) o GF IV (moças), diferentemente das

mulheres e os outros grupos, citaram a estação do verão como o período de maior acesso à

pesca.

A mudança apontada pelo GF IV contempla o desrespeito ao período da desova, a

piracema. “[...] tem um tempo que não pode pescar né, as pessoas estão pescando e ai, talvez

pega os peixes quando tá na desova e ai vai diminuindo, quem tinha igual às pessoas de

antigamente falam, antigamente tinha mais peixes, agora não tem mais, tá diminuindo”.

Outro ponto que se deve notar é a percepção quanto ao período da pesca. Todos os

grupos, em comum, afirmaram e deram detalhes sobre o período da pesca, e o porquê da

atividade nas duas estações principais observadas por eles, o inverno e verão. Percebeu-se por

um lado, que a piracema (tempo de reprodução dos peixes), não era preocupação local porque

não conheciam sobre esse fenômeno, porém em função da fiscalização, não pescam por medo

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de perder seus artefatos e serem multados. Por outro lado, esse período não é respeitado por

pescadores externos que pescam em horários que os fiscais nunca aparecem.

Das transformações nos recursos bióticos, tanto os homens e rapazes perceberam que a

maior influência é devida o aumento da exploração pesqueira por pescadores externos, a

diminuição da água do rio e as barragens que diminuiram o fluxo de cardumes de peixes por

impedir o ciclo natural dos peixes ao longo do rio. Embora todos saibam do período da

piracema, o GF IV (moças) admite obter mais conhecimentos, sobre esse período, e por isso

as moças são mais conscientes do período da desova dos peixes, a razão, seria o maior acesso

a essas informações na escola e com o recurso da televisão.

6.3. As transformações no mundo do trabalho (na pesca, na

agricultura e outras atividades, nas estratégias de sobrevivência)

Na percepção do GF II(homens), ficou evidente que a adoção dos recursos modernos

interfere na cultura da pesca tradicional e que é considerada como uma opção mais

econômica. _“ E mesmo assim, hoje, com instrução num, ainda não é fácil fazer a despesa de

casa, se tiver de pegar... Só pega muito, os que vêm de fora”. Essa percepção foi observada

pelo GF III (rapazes) que justifica a mudança na prática da pesca. Esse fator fez com que ao

longo do tempo se desse continudade a tradição no povoado. Os rapazes moram com os pais e

ajudam no cultivo do arroz, milho, feijão, plantação de melancia e alguns deles cuidam do

gado cultivado pelos pais. Um dos rapazes trabalha na draga local, mas todos pescam com

freqüência.

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Figura 16. Cultivo de gado no povoado Cajueiro, no médio rio Tocantins, município de

Palmeirantes, TO.

Na pergunta sobre a atividade da pesca no presente, rapazes e homens em comum

observam as mudanças no ambiente da pesca: _ “Antes era bom, mas hoje aqui perto mesmo a

gente não pode pescar nem hora nenhuma, qualquer hora a gente ta sendo abordado...” _ “na

época da piracema mesmo a gente não pode pescar né, nessa época não tem como pegar

peixe.” (GF III - rapazes). A razão dessa semelhança em grupos com diferençcas

intergeracionais pode ser justificada pelo longo convívio com o rio, na companhia dos pais,

utilizando-se da produção anualmente em vazantes, após serem banhadas pela cheia

deixando-as bem adubadas, para o cultivo de agricultura de subsistência. Essas famílias

viviam praticamente do que o rio oferecia, incluindo as vazantes. A plantação e colheita eram

consideradas certas, pois, os ciclos normais das estações não variavam em comparação ao

presente, todo o regime de produção local sempre foi baseado nesses ciclos.

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Figura 17. Vazante com plantação de milho no povoado Cajueiro, no médio rio Tocantins,

município de Palmeirantes, TO.

Para ambos os grupos focais II e III, a freqüente fiscalização na área do povoado se dá

pelo aumento da pesca na região, por pescadores que pertencem às colônias da cidade de

Palmeirante-To e de outras localidades e que mudaram a rotina da pesca para a população

local. Uma vez que não existe colônia de pescadores no povoado, os pescadores de Cajueiro

se sentem indefesos por não poderem exigir o direito de somente eles pescarem. Esses grupos

afirmaram que alguns pescadores armam a rede de um lado para o outro do rio, muitas vezes

eles têm que pedir para deixarem pelo menos um pequeno espaço para a canoa passar. A

população local não dispõe dos recursos modernos como voadeira, redes de grande porte e

tarrafas ou arpões dentre outros instrumentos.

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Figura 18. Rede de grande porte armada de um lado a outro, no médio rio Tocantins, no

povoado Cajueiro município de Palmeirantes, TO.

Próximo ao rio, na residência de um dos sujeitos, um lago formou-se em função dos

diversos alagamentos do rio Tocantins, nas décadas anteriores, passando a ser um ambiente de

pesca explorado por toda a família e vizinhos que usufruiam dos recursos disponíveis nele

durante muito tempo. Após a barragem de Lajeado esse lago ficou isolado do rio por causa da

ausência das cheias: “[...] antigamente o rio enchia muito, igual à gente tem a lagoa, o rio

enchia e derrama pra ela, a tendência dela era ajuntar peixe”. (GF II-homens) O lago dependia

do alagamento do rio: “Antigamente não tinha um lugar melhor do que essa beira de rio. Eu

tenho dois anos que planto e se eu colhesse melancia eu tinha muita fartura. (GF II)”. Para

este grupo não somente o rio, mas o lugar se completava com os benefícios que o rio

proporcionava para a aquele povo que ali constituíram a família.

Os homens (GF II) repetiram as informações já contempladas pelos rapazes: _“Não

existia uma quantidade de peixe, é que esse pessoal que ia pescar, enche a sua enfiera e ia se

imbora. Só pescava o que dava pra comer. Primeiro que naquela época você tinha que pegar o

peixe de comer, você não tinha mistura. Daí a importância da pesca que denuncia o alto grau

de dependência do rio, basicamente do peixe, que era a garantia da continuidade daquela

comunidade na região.

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Meu irmão pegava muito peixe, que na época tinha demais alí naquele rebanço nós

morava alí do outro lado e ele ia sozinho pegava Fiote, pegava Dorado, mas não era

pra vender, era pra comer, pagava Pacú mantega. Era eu e meus irmãos na época,

cada um queria comer de um jeito, fazia moqueca de peixe, de molho, peixe frito, a

moqueca era feito enrolado na palha de banana e assado na braza. Hoje nem pro

consumo não tem mais peixe.(GF III)

Nas percepções dos grupos como um todo, nota-se que a pesca tradicional é praticada

não somente pelos mais velhos, mas por todas as gerações incluindo as do presente, porém

com menos ênfase e frequência. Pode-se afirmar desta forma que a cultura da pesca com

anzol se mantém viva, embora os rapazes já estejam adotando os métodos de pesca utilizados

pelos pescadores externos.

“[...]A gente pesca mais de anzol. _ Nóis ainda utiliza a pesca tradicional que é com

anzol. Hoje tem produto na indústria que eu nem conheço ainda, mais nóis não

utiliza, mais outros utiliza pra pescar aqui. Ainda o que temos é uma redinha, mais

pra pesca hoje tem tanta coisa, tem tanta rede aí que nóis nem sabe o nome das

coisas. O peixe diminuiu mas a taxa de instrução aumentou. Se nois tem uma rede

aqui, mas chegou um com dez, vinte e trinta rede, passa dois dia ai, e paga pa dois

ai, oia e vai embora” (GF II - homens).

Percebe-se nessa fala, que os mais velhos, GF II, permanecem com o método

tradicional de pesca. Admitem que esse método seja menos depredador, e mais conservador

das espécies. Já para os rapazes (GF III), esses apontaram que utilizam os instrumentos

modernos como rede, tarrafa, pinhela e arpão, sendo que a pesca com arpão para eles é usada

como diversão e não com o objetivo da pesca.

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Figura 19. Manejo de rede tarrafa, no médio rio Tocantins, no povoado Cajueiro município de

Palmeirantes, TO. .

“Hoje pesca com arpão, a rede e o minhocussul, aqui ninguém comprava aqui, né, e

dificilmente só quando vinha alguém de fora que trazia, agora não hoje quando vai pescar e

quase todo mundo compra pra pescar, porque com preguiça de pegar a isca pra pescar, outros

sem dinheiro.” Daí se observa uma diferença entre os grupos focais II e III(homens e rapazes),

quanto ao uso dos instrumentos modernos de pesca, notou-se a pesca moderna não é praticada

pela geração mais antiga (GF II) do povoado Cajueiro.

Uma semelhança notada também nas percepções direciona-se às embarcações

utilizadas. Tanto o GF II e GF III (homens e rapazes) admitem haver algumas alterações no

ambiente da pesca, em relação às décadas de 80 e 90, devido às mudanças no ambiente

aquático e em função das transformações pelo aumento da população na região, o

desmatamento e a adoção de alternativas econômicas. Antigamente, a atividade de pesca

consistia basicamente da exploração dos ambientes das margens do rio, com pouca utilização

de barcos a motor. Barcos motorizados eram mais explorados para transporte de pessoas nas

travessias do rio e acesso a outras cidades. Embarcações tais como a canoas motorizadas e os

barcos a motor não eram empregados na pesca local, como expõe também o grupo das

mulheres:

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Era a canoinha de remo, né?quem tinha canoa e quem não tinha pescava no beradão,

naquele tempo ninguém via falar em motor. Até uns oito anos atraz aqui nessa beira de rio eu lembro que quando eu comecei trabalhar nessa canoa aí, era muita gente

que percorria o rio e era canoa de remo, outra canoa não tinha, e hoje você andando

nessa beira de rio e raramente ver canoa de remo aqui. Toda canoa é motorizada,

hoje é outra embarcação. Aí tem como ir buscar o peixe lá longe, porque vai mais

rápido, não vão mais remando. Todo mundo aqui tem o rabudinho. (GF I)

Da mesma forma, o GF II (homens) admitiu a existência da canoa como um recurso

recente, proporcionando a pesca fácil e alimentação garantida, os pescadores não tinham a

necessidade de buscar outros artefatos e ambientes distantes. A pesca nos barrancos dos rios

era realizada por senhoras e crianças e não oferecia perigo: “Era canoinha de remo. Hoje não,

hoje é o rabudo, a voadeira. Eu mesmo, até idade de cinqüenta anos era canoinha mesmo,

quem não tinha canoa era no cerpo, tinha facilidade pra pegar o peixe. Hoje já é utilizada a

canoa18

mesmo”. (GF II- homens)

Notou-se que o GF III (rapazes) não recebeu qualquer orientação para utilização dos

instrumentos modernos de pesca, porém, adotaram essas entralhas, porém, muitos não

possuem por não conhecerem ou pelo fator econômico não permitir, porém, às vezes são

pagos pelos pescadores externos em troca de todo o pescado que adquirem na pesca.

Sobre a importância da pesca para a família, os grupos focais III e II evidenciaram que

a escassez do peixe fez com que a comunidade local buscasse alternativa, tais como o cultivo

bovino, e propagou a força do trabalho por meio de diárias. Explorar alternativas na

agricultura foi em razão da insuficiência dos recursos pesqueiros: “[...] cada um faz uma roça,

antigamente, eu creio que passava de mês sem ir na rua, passava até mais, a vida era mais

sufrida, então pescar era um divertimento”. Podemos entender que a pesca também era

18

Canoa para eles é o rabudo, canoa com motor

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explorada como forma de fuga do estresse. Era uma forma de aliviar-se do sofrimento, era

para eles uma diversão.

[...] Porque hoje não utliza só peixe pra comer, utiliza outras coisas também, a caça,

pastagem, plantação. Quase todos tem que trabalhar fora pra ajudar a família, porque

o custo de vida aumentou em torno de setenta e cinco por cento. Porque aqui antigamente não existia comprar um leite de gado nenhum não. Hoje quase todo

mundo tem. Quando não tem uma moto tem uma canoa, pois quem ta na roça não

tem como conseguir esse dinheiro pra comprar, né.(GF III)

As trasformações estratégicas na rotina diária e cultura local obrigaram os ribeirinhos

a adaptarem-se às alternativas para a reprodução da economia local. O transporte e outras

evidências do mundo moderno já são vistos em quase todas as famílias. Continuam a pescar,

porém, com um número menor de pescadores por família e com menos frequência.

Porque hoje não utliza só peixe pra comer, utiliza outras coisas também, a caça,

pastagem, plantação. Quase todos têm que trabalhar fora pra ajudar a família, porque o custo de vida aumentou em torno de setenta e cinco por cento. Porque aqui

antigamente não existia comprar um leite de gado nenhum não. Hoje quase todo

mundo tem. Quando não tem uma moto tem uma canoa, pois quem ta na roça não

tem como conseguir esse dinheiro pra comprar, né?

A pesca no presente não é mais a única alternativa para a sustentação da família, mas

enquanto lazer, a exploração da praia continuava sendo uma prática exercida por todos.

Diferenças entre as mulheres e moças GF I e IV (Tabela I) - Diferentemente das mulheres,

as meninas (GF IV) vêem a transformação no ambiente aquático, causada pela poluição no rio

em razão da aglomeração dos turistas na temporada de praia. “[...] Mudou, tá mais poluído _

as pessoas jogam muito lixo aqui no rio, mas é só na época de praia, essas coisas”. Observa-se

que há a preocupação com a qualidade da água e importância de manter o rio e todo o meio

ambiente nas suas margens e no seu interior limpos.

Notou-se, que o conhecimento manifestado pelas moças foi adquirido através da

televisão e da escola e não transmitido pelos pais. Por outro lado, os recursos tecnológicos

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como a televisão e a educação na escola não dão informações com freqüência dos impactos do

lixo nas praias e especificamente na água do rio na região local, mas de outras regiões.

Os membros do GF IV (moças) embora demonstrem conhecimento sobre a atividade

pesqueira, admitem que a experiência prática com a pesca venha da observação aos pais. Não

pescam com frequência, como relatam na respostas à pergunta sobre a pesca hoje: “A gente

vai pescar de vez em quando, uma vez por mês, é bom pescar”. Por outro lado, os rapazes

demonstram ter maior experiência por conviver mais freqüentemente com a prática da pesca.

No entanto, o GF IV (moças) também percebeu a diminuição dos recursos aquáticos, e

admitem conhecer sobre o período da piracema. Aprenderam na escola sobre a desova dos

peixes, reconhecem a importância de não pescar nesse período. A escola nesse sentido

proporciou ao grupo, obter esse conhecmento da dinâmica biológica dos peixes.

Quanto ao período de pesca, as mulheres (GF I) compararam a pesca no passado e

presente. Admitiram que a espécie de peixe mais comun nas pescarias em ambientes

explorados pela população era o branquinho, peixe que não está tão presente nas pescarias.

Para esse grupo, a mudança na pesca exige novas estratégias e períodos de pesca, pois os

peixes também não são os mesmos.

Não é porque antes qualquer tempo que você ia pescar você pegava peixe e hoje é

diferente, hoje pra você pescar de rede só no período de inverno quando a água tava

suja, você engana o peixe então ele ia ficar na rede....e no verão só pega mais um

peixinho se for pesca de rodada, solta a bóia pra pegar peixinho maior, antes a gente

via botava um anzol de espera pegava tanto branquinho e tanto peixe grande, hoje

até mesmo o branquin desapareceu, o branquin não existe mais essa espéci`e de peixe e tá bem diferente a pesca, e hoje não é qualquer dia que você vai e volta com

peixe não. (GF I)

Conforme o que afirmaram, não havia restrições quanto ao período que se deveria ou

não pescar. A pesca ocorria durante todo o ano.

Os artefatos de pesca mais utilizados pela população local são apontados pelas

mulheres (GF I) que explicam de forma detalhada confrontando o passado e o presente e ao

mesmo tempo fazem críticas aos artefatos modernos usados pelos pescadores de outros locais

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que exploram o ambiente aquático local. A população local admite perceber a falta de

consciência com a conservação biótica. Pois exploram a pesca de forma desordenada e

desrespeitando a comunidade local, com a utilização de métodos de pesca devastadores dos

recursos pesqueiros.

Era com isca de pesca a milanga e o anzol e também com gongo do coco de najar,

pegava uma pedra e quebrava o coco e tirava o gonguinho, hoje em dia é milho, é

soja, tem ceva. E naquele tempo que o peixe não sabia o que era fábrica, _“Eu

pesquei com linha de algodão que a minha vó fiava. Hoje ninguém quer pescar, as

pessoas pesca com tarrafa, pesca com rede de arrasto que pega o lado todo do rio e

por onde ela passa não fica nada, foi o que prejudicou. Aqui a gente que mora na

beira do rio que vai pegar o peixe, pegou o suficiente da sua despesa alí do dia, a

gente já vai pra casa, né? Mas quem vem de fora, principalmente pra essa ilha aqui,

essa ilha é muito explorada, viu. Vem gente de todo o canto pra pescar aqui, do

Palmeirantes vem canoa com pescador e leva tudo. E quando eles vem traz meio

mundo de rede, traz a rede de arrasto, traz tudo. Enquanto ta pegando eles não

deixam de pescar, né? Se fosse só os beradeiros e os ribeirinhos não tem problemas,

eles não tem controle, se fosse só os ribeirinhos eu acredito que aqui ainda tinha peixe, porque todo mundo só ia pescar no barco o suficiente para a sua dispesa, mas

quem vem de fora eles quer levar tudo e não conservam, principalmente quando fala

da rede de arrasto, porque a onde arrasta uma rede ela pega o grande e o pequeno, ai

não vai ficar nada nem pra produção, quem vai produzir? Sendo que eles morreram,

ai fica difícil. Aqui um dia desses, só via barracas o pessoal do Palmeirantes era

acampado aqui, direto vem acampar. Eles usava e atravessava a rede de um lado e

outro e nós ficava sem saída (GF III)

As mulheres explicam com naturalidade o ciclo dos peixes e admitem ser conscientes,

a tal ponto, de se emocionarem ao sentirem-se sem forças para intervir no sistema utilizado

pelos pescadores externos. Sabem que a pesca de arrastão antecipa e prejudica a reprodução

das espécies, uma vez que esse método não controla os peixes que devem ser pescados ou

não, não há um pré-estudo por parte desses pescadores quanto às espécies que devem ser

alvos dos instrumentos.

Outra diferença notada entre os grupos de gerações diferentes, GF I(mulheres) e o GF

IV(moças), mostra que este não consegue perceber os impactos indiretos e futuros, o que os

sujeitos do outro grupo percebem com facilidade em suas falas. As mulheres acreditam que as

mudanças no rio conduzem também a mudanças na vida dos ribeirinhos que dependem mais

diretamente dele. Portanto as meninas, GF IV, não tiveram essa percepção voltada ao futuro

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da população local através dessas transformações no ambiente aquático na comunidade local.

A relação entre as moças e mulheres é menos estreita em comparação aos grupos de mesmo

gênero, homens e rapazes, grupos focais II e III.

Aqui se pode apontar uma semelhança intergeracional e de gênero entre mulheres e

moças (Tabela 1), ambos os grupos afirmam não utilizar os instrumentos modernos de pesca,

preferem a pesca com anzol, conhecem as iscas utilizadas na pesca das diferentes espécies de

peixes (linha, o anzol e a isca, soja, minhoca, millho verde). Isso ocorre por influência dos

pais, que sempre estão por perto.

As mulheres (GF I) admitem praticar a atividade de pesca juntamente com o esposo e

ou com as crianças.

Lá em casa era eu e meu marido porque ele ficava mais trabalhando e eu ficava em

casa trabalhava e ia pegar o peixinho até dá meio dia, depois até de noite. E ia com a

varinha de pescar e os meninos ia junto._Nossa família era grande, lá era homem e

mulher, toda vez que os meninos ia pescar nós tava no meio pescando também não

ficava de jeito nenhum, então era a família toda pescava, porque nós todos gostava

de pescar, só o meu pai que nunca foi chegado muito a pescaria, mas os outros tudo

gostava.(GF I)

As mulheres no Cajueiro costumam a pescar, acompanhadas de comadres e crianças.

“Tem vez que vou pescar mais duas comade e sempre to animada numa pescariinha aqui, o

Mandi né? As crianças também gostam de pescar, mas o menino mais velho não gosta de

pescar não, a pescaria dele é de tarrafa [...]”.

Reconhece-se a força do trabalho da mulher no Povoado Cajueiro, pois muitas delas

assumem a maior responsabilidade em casa. “Lá em casa quem pesca é eu, meu marido não

gosta mais, meu filho também não, só eu que pesco é difícil ter um dia ou dois pra eu não ta

no rio pescando. Eu entrego os meninos lá pro colégio e eu vou pescar, fico até meio dia. E

quando eu to em casa fico aguniada pra terminar de arrumar a casa pro ir ao rio pescar [...]

(GF II). Daí, se confirma a concepção de Kuster (2006, p.178 ) “não somente os homens mas

também as mulheres possuem conhecimento sobre pesca local e como uma essencial fonte de

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alimento, além do mais ambos os sexos podem ter um bom conhecimento da maioria das

espécies e nomes locais19

.

O GFII ratificou a importância da força da mulher na família: _ “A mulher participava

da pesca, às vezes, até mais que o homem, porque o homem ia pra roça trabalhar e a mulher

dizia: não, vou pegar a janta”. “Ai! Como naquele tempo era fácil pegar, botava uma ceva, ai

lá e pegava, ai tinha a janta rápido”. Marido e mulher também saem juntos para a pescaria.

Este aspecto facilita a transmissão de conhecimentos entre ambos. Para o GF II as crianças

aprendem observando os pais. _ “Hoje são os dois, às vezes a gente vai só pra se distrair. Pra

quem não tem paciência igual eu. As crianças pesca também, elas aprenderam a jogar a linha

e puxar o peixe, elas ver o pai fazer.” Galúcio (2004, p.17) enfatizou que não há distinção,

quando necessário, a mulher assume as obrigações de cuidar da economia e ajudar no sustento

da família e por isso também conhece sobre pesca, e ainda que transpareça muito mais difícil

para a mulher, não é raro deparar-se com uma amazonida pescadora. Por isso, o Cajueiro se

assemelha à maioria das populações quilombolas da Amazônia, no que se trata da adoção

desse modelo tradicional atualmente menos idealizado pela presença cada vez maior da

mulher na atividade pesqueira como um agente participativo.

19

KUSTER, op. cit, p.178

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Figura 20. Força da mulher no trabalho no médio rio Tocantins, no povoado Cajueiro

município de Palmeirantes, TO.

No entanto, em se tratando de pesquisas sobre mulheres na pesca, os temas nessa área

do conhecimento tiveram um crescimento relevante somente após a década de 80, conforme

Alencar (1993), a invisibilidade da mulher no trabalho da pesca parte da maneira de

compreensão do pesquisador:

Este modelo bipolar da divisão sócio-espacial e do trabalho recorrente nas etnografias tem sido característico da visão intelectual da tradição pesqueira. Em

alguns casos, aparece de forma rígida, principalmente porque reforça as distinções

das atividades de acordo com os espaços e com o gênero que as realiza 3. [...]

Assim, muito da “invisibilidade” da mulher em atividades de pesca decorre da ótica

do pesquisador na construção etnográfica e interpretativa do seu objeto de estudo

(ALENCAR 1993, p. 66).

A invisibilidade que o autor dispõe, no entanto, no Povoado Cajueiro quanto ao

trabalho da mulher, não se concretiza na prática, uma vez que, o papel da mulher é perceptível

e reconhecido por todos os membros da família e toda a população local. A mulher nesse

povoado é um ser dotado de saberes que conforme a ciência era apenas do poder masculino.

Notou-se que os grupos focais das mulheres e homens (Tabela 1) idealizaram a fartura

proporcionada pelo rio Tocantins no passado, isso significa que o rio era garantia de mesa

cheia, garantia de uma vida saudável quanto à alimentação dos filhos e de toda a família.

Maurício Cetra já mencionava sobre essa relação de dependência com o rio Tocantins: “Os

pescadores artesanais mantêm contato direto com o ambiente natural e, assim, possuem um

corpo de conhecimento à cerca da classificação, história natural, comportamento, biologia e

utilização dos recursos naturais da região onde vivem” (CETRA, 1998, p.4).

Outra semelhança nas percepções gerais em todos os grupos se trata da utilização da

pesca como uma atividade de lazer. A diferença é que além do lazer, as mulheres e os homens

( grupos I e II) afirmaram que na década de 80 e 90, a pesca através do método tradicional,

com anzol, com o objetivo econômico. Mas, demonstraram que o gosto por essa atividade era

compartilhado por toda família. A pesca como sempre já era praticada, pelas crianças, jovens

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e adultos. Ambos os grupos enfatizaram a facilidade na captura de peixe por todos os

membros da família. A entralha era a tradicional, não havia rede, tarrafa, os instrumentos

modernos não faziam parte do conhecimento deles, não havia a intervenção de pescadores de

outras localidades, nem tão mesmo turistas pescando nas proximidades do povoado. A praia

não existia na região, não havia interesse pelo turismo.

Tudo era de anzol, não tinha rede, nóis não tinha como comprar nenhuma redinha,

nem tarrafa, outros nem conhecia até, meus menino as vezes pulava da rede cedo e

ia até na chuva e tinha vez que depois do almoço, cassava fulano e não achava,

olhava a Luana que vinha com a infieira de peixe quase do tamanho dela, era terrível

menino perto de casa, hoje, tem isso mais não, tinha dia que manhecia o dia cedo...

hoje não pesca, não tem, a gente desanima, e nem vai lá mais, porque vai e não pega,

eu sou desse jeito, ainda pesco agora um mandizinho, é o que se pega é um mandí,

eu não quero mais ir. (GF I)

Ambos os grupos focais I e II (mulheres e homens) percebem a escassez do peixe e

admitem que diversos fatores contribuíram para tanto. A falta desse recurso proporcionou a

diminuição dessa prática pelos moradores na comunidade local. O pescador externo e o boto

são vistos como predadores, porém, este é espécie que faz parte do ambiente aquático e que é

natural a presença dele no rio como algo sagrado. O GF I aponta o boto como um predador

natural, mas que é atingido pela escassez do peixe, suas atitudes quanto aos ataques nas sevas,

redes, na percepção das mulheres, isto ocorre devido à dificuldade de encontrar peixe para seu

auto-sustento.

[...]naquela época, a gente falava na mãe fartura que hoje não tem mais, então

qualquer lugar que você chegava e você jogava um anzol você pegava peixe e hoje

tá bem diferente, hoje se você não fizer uma seva, jogar bastante comida, os peixe

não vem, assim mesmo é difícil, se você chega e joga o anzol em qualquer lugar é a mesma coisa de você pescar no pote, até na seva mesmo é difícil de você pegar,

você tá pisando ali jogando comida todos os dias, enfim não tá adiantando não e

quando vem o peixe alí quando você começa a pescar, já vem o boto e espanta o

peixe, ele toma as vezes do teu anzol, mas não tá adiantando não, eu acho que a

comida tá pouca e a necessidade é tao grande e até o próprio boto tá passando

necessidade, porque ele acha que atacar o peixe não tá adiantando muito não, e se

bota uma rede hoje, eles estão também no meio e muitas vezes não pega porque o

boto vem e carrega tudo. E antes não, não tinha. O dia que a gente não pegava peixe

né. . A gente aqui na beira do rio, entre maio e junho, tanto cardume de peixe a gente

ficava várias vezes no dia olhando pro cardume de peixe passando era peixe demais,

e hoje, ninguém, acabou. (GF I)

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Ambos os grupos vêem o rio no passado como sinônimo de fartura, muito peixe, desta

forma o rio simboliza um papel fundamental para manutenção do povoado no local, sua

alimentação.

Os grupos focais III e IV (rapazes e moças), também articularam e ratificaram o que o

GF II, disse: “_os pais ainda hoje pescam, ainda pesca, pra ajudar na casa. Eu já pescava

desde criança já. Isso significa que tanto os pais quanto os filhos, pescam”. Percebe-se desta

forma, que a pesca é uma tradição familiar para as famílias do Povoado Cajueiro.

Independente das transformações nos ambientes aquáticos e no trabalho da pesca, e ainda na

cultura local, a pesca, tradição secular, continua sendo praticada como uma questão

hereditária, pois as novas gerações do Povoado Cajueiro dão continuidade de forma natural a

essa tradição.

Semelhança na relação de gêneros (Tabela 1) entre rapazes e meninas (GF III e IV),

confirmada por meio da entrevista, é a de que as embarcações utilizadas na região não são a

motores. Os rapazes enfatizaram que alguns deles utilizam o “rabudinho”, porém, não

possuem canoa a motor, afirmaram que a canoa é fabricada de forma manual com a vegetação

local. Essa canoa quando velha, inútil para a pesca, era aproveitada como recipiente para

acomodar as mandiocas que seriam transformadas em farinha: _ “É feita aqui mesmo, manual,

uma canoa veia, casco de buriti, enchia de mandioca, eu pesquei muito. _O motorzin veio

chegar aqui tem pouco tempo. Hoje quase todo mundo hoje em suas casas já tem um

rabudinho”

Um aspecto relevante e comum a todos os grupos (Tabela 1) é a percepção de que a

comunidade local está menos dependente da pesca e com menor grau de participação na

atividade em relação às décadas anteriores. Notou-se que a atividade nesse sentido tem

sofrido alterações adversas por vários motivos. O maior deles está nas transformações diretas

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ao rio, que fez com que cada geração esteja mais indiretamente ligada à pesca. Com isso, é

relevante embasar-se na afirmação de Maldonado de que a característica de pescador artesanal

está se perdendo. Para ele, esse tipo de pescador tem na pesca sua principal fonte de renda, e a

produção volta-se para o mercado, sem perder por, contudo, o seu caráter alternativo, podendo

destinar-se tanto ao consumo doméstico como à comercialização Maldonado (1986 apud

MELO e MATOS, 2006, p.1). A perda de valor da pesca tradicional é chamada por esse autor

de “esquecimento histórico da pesca artesanal” e ocorre de uma geração para outra.

Relacionando aos saberes sobre o passado, os grupos focais III e IV (rapazes e moças)

admitem não haver limite na quantidade de peixes na pesca tradicional, porém, no contexto

atual, sair à pescaria, não significa garantir o objetivo do pescador. Essa incerteza faz com que

o pescador ao ver a possibilidade de pegar mais peixes, não se hesita em acumular além do

suficiente para atender o objetivo da alimentação.

Os grupos focais I e IV(mulheres e moças) admitem que, a pesca na comunidade é

realizada para o sustento da família, não se comercializa, e nunca se teve outro objetivo

exceto o de alimentar a família, porém, no contexto atual não é mais suficiente. Daí a ênfase

dada pelos rapazes:

Só pescava pra comer mesmo. Só pro sustento da família. Hoje ta mais

assim: ocê vai pescar hoje né? Hoje é sorte. O dia que tem sorte aproveita

um pouco, sabe. Tem dia que ocê não pega nenhum e se hoje é seu dia de

sorte ocê pode apreveitar que amanhã ocê pode ir e não pegar nada. Só não

faz é aproveitar pra vender, ta me entendendo? O pessoal que vem de fora é

o tanto que der conta de levar, enquanto tiver pegando. (GF III-rapazes)

Da mesma forma, o GF I(mulheres) apontou que anteriormente, a pesca era

exclusivamente explorada para a subsistência da família. Todos sabiam que não se podia

pescar além do suficiente para a alimentação naquele dia: _ “Não tinha uma quantidade certa

pra pescar, mas a própria pessoa, a família ia pescar e quando pegava e via que era suficiente

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pro dia já parava a pescaria, porque naquele tempo não tinha o comércio que hoje, né. Aí, só

pescava o básico mesmo e já tava voltando pra casa”.

Há uma homogeneidade nas percepções às entrevistas de todos os grupos quanto à

aquisição de saberes sobre pesca. Observou-se que há no povoado, a cultura da transmissão

dos saberes através da observação. Desta forma, os pais repassam aos filhos suas

experiências. Os sujeitos do GF I afirmaram da seguinte forma: _ “Desde criança meu pai me

ensinou a pescar com o canicinho (vara de pescar). De oito pra frente já ia pescar. Meus pais

ia e eu também pequenininha, com o canicinho e ia aprender pescar e até hoje. Caniço é uma

varinha com a linha e o anzol”

Assim também foi com o GF II: _ “Eu via a minha mãe pescando e ai, eu não sei

como aprendi, eu acho, aprendi vendo a minha mãe pescando. Eu jogava o anzol com as

minhoquinhas e o peixe puxando e eu garrando, né”.

Notou-ses que assim como os mais velhos aprenderam pela observação aos pais,

também mantiveram a mêsma cultura de repassar aos filhos. Os grupos GF III e IV repetiram

as mesmas estratégias de aquisição sobre a pesca.

Foi com o pai mesmo, ele ia pro rio e o menino ia e dizia: _vou pescar

também. Não tinha anzol que dava, ele acabava com tudo. Naquele tempo

era muito peixe dimais e aqui não secava, o barranco era fei. Todo lugar que

colocava o anzol pegava peixe.Hoje a pesca que ta tendo melhor hoje é com

a rede e a de arrastão. Não foi os pais que ensinam a pescar com a rede não.

A gente via os outros pescando ia lá e perguntava. (GF III)

Essa forma de transmissão de conhecimentos confirma a assertiva dos autores

Richerson e Robert (2005) que mostram a cultura como aquisição de informações através da

imitação ou aprendizagem de outros indivíduos e capaz de afetar um fenótipo de um

indivíduo. A forma de aprendizagem da população do Cajueiro ratifica o que esses autores

chamam de transmissão cultural que pode ser modelada como um sistema de herança. Neste

sentido, as crianças aprendem com os mais velhos que as ensinam ou mesmo através da

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imitação. “Para entender a evolução cultural, é necessário entender todos os processos pelos

quais a variação cultural é transmitida e modificada20

”.

Cavallisforza e Feldman (198l, pp.121-132) conceituam cultura baseando na

transmissão cultural, como sendo a capacidade de aprender e transmitir conhecimento de

gerações para gerações. Para isso, são apresentados diferentes modelos de transmissão

cultural: “vertical (pais para filhos), horizontal (mesma geração) e oblíqua (entre gerações)”.

Notou-se nas falas das meninas (GF IV) que as experiências adquiridas variam desde,

o como pescar, até as caracteríscticas, e ambientes de cada espécie de peixe. Assim

responderam: “_Porque a gente vê os pais da gente, quando vão pescar, porque se eles forem

a noite, eles não vao pescar piau a noite”.

Beninca (1998 p.3) já comentava sobre essa prática com os ribeirinhos caboclos da

Amazônia. As influências eram denominadas pela autora de influências bidirecionais, e nessas

comunidades há uma preocupação por parte dos pais quanto à transmissão dos seus

conhecimentos, cultura, e valores aos seus filhos. É uma forma de justificar e dar sentido às

suas vidas. A nova geração, de jovens em geral, procura estabilizar seus próprios conceitos e

valores.

Cada geração busca construir sua própria identidade e impor seus próprios

comportamentos, daí, as diversidades entre as gerações independentemente do grau de

parentesco. Aldous, 1978; Bengtson e Kuypers, 1971; Fisher e Johnson (1990 apud

BENINCA e GOMES, 1998 p. 3). Essas diversidades estão apenas de um lado, elas não

questionam a linearidade presente na geração familiar ao longo dos tempos. É o consenso

presente nos “grupos geracionais sucessivos na mutualidade das experiências, da assistência,

das obrigações, das expectativas e do afeto”.

20

Para entender a evolução cultural, temos que levar em conta, todos os processos pelos quais a variação cultural

é transmitida e modificada. (RICHERSON e ROBERT op. cit. p. 430)

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No povoado, a forma de transmissão de conhecimentos baseia-se na observação aos

mais velhos, nas diversas experiências do cotidiano, na força do trabalho e conversas com os

pais. São estratégias hereditárias, pois os homens (GF II) também afirmaram ter aprendido

através da observação, com a experiência diária e o repasse de saberes pelos pais: [...] “cada

dia é um aprendizado na vida da gente, cada mudança, cada coisa que a gente vive é mais uma

aprendizado que ta adiquirindo”.

[...] nasci e fui criada aqui, nunca mudei daqui da região do Cajueiro e meu pai

morava aqui também e através dele que eu tive um conhecimento, ele me criou

aqui.Deram toda vida assistência ali naquela fazenda ali no Cajueiro, nunca mudou,

mudei de lá, vim pa essa fazendinha que você tá vendo aqui na beira do rio. E criei

os filhos ai, hoje os filho tão tudo bem. Um tem a sua esposa ali, e temo a cada dia

um desenvolvimento na vida porque, cada dia vai passando, vai se renovando as

coisa, só nois criatura nois né, mas a gente vai vendo as coisa mudano né, tendo

mais conhecimento e é só isso mesmo. (GF I)

A facilidade do acesso à escola, no presente, contribuiu de forma moderada para

proporcionar maiores oportunidades na aquisição de conhecimentos a respeito do rio, da

pesca, dos recursos naturais, especialmente, os recursos aquáticos, porém de forma geral.

Contudo, o que mais prevaleceu na percepção dos sujeitos de todos os grupos focais foi o

convívio com o lugar, repasse dos pais e a observação da força do trabalho. Mais

específicamente, os rapazes apontaram a observação direta como o principal mecanismo de

apreendizagem e socialização: “[...] observando as pessoas mais velhas. Os pais quase não

ensinou, mais só observando, vai vendo também, observando o povo de fora” (GF III). Por

outro lado, as meninas enfatizaram ser através da oralidade e da influência dos pais, que a

cultura é ensinada aos filhos: _“Pelas pessoas mais velhas, antigamente moravam mais perto

ainda do rio, eles falam com a gente, nas escolas, eles falam sobre o rio em geral, mas sobre o

nosso rio é só os pais também” (GF IV). Foi o que também se observou na fala das mulheres,

o conhecimento cultural de como lidar com os diversos trabalhos realizados por elas e que são

geralmente considerados masculinos. _“ eles falam também explicam muitas vezes, coisa de

acontecer que tá acontecendo hoje” e acrescentou: talvez a própria necessidade né mostra o

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conhecimento que nois tem que ver, necessidade de fazer aquilo, ai vai fazer e dá certo as

vezes, a gente tem que dar continuidade, pelas atividades”

Percebeu-se que há uma linearidade nas respostas às perguntas por parte de todos os

grupos. Demonstrou-se a presença da cultura hereditária. Percebeu-se então que há um

contexto de influências que tratamos de bidirecional, há uma preocupação por parte dos pais

quanto à transmissão dos seus conhecimentos, cultura, e valores aos seus filhos. A seguir, é

apresentado um resumo geral das diferenças e semelhanças nas percepções coletivas entre os

grupos focais de mesmo gênero e gêneros diferentes (Tabela 2).

Tabela 2: Resumo da representação das percepções por grupos focais analisadas acerca das

transformações no mundo do trabalho e no ambiente da pesca no povoado Cajueiro,

município de Palmeirante - TO.

Mulher (GFI) Homem (GF II) Rapazes GF III Meninas (GF IV)

Mulher (GF I) -

Homem (GF II) 44 (86%) -

Rapazes (GF III ) 34 (71%) 39 (76%) -

Moças (GF IV) 21 (41%) 20 (39%) 32 (63%) -

Esses resultados mostraram que dentre todas as percepções apresentadas nas

entrevistas, houve mais semelhanças entre os grupos de gênero masculino (86 %) que entre os

grupos de gênero feminino (21%). É possível entender que a relação entre homens e rapazes é

mais estreita que entre mulheres e moças. Por um lado, esses resultados demonstram que os

gêneros masculinos dividem as experiências acerca das atividades realizadas na comunidade.

E por outro lado, as mulheres não repassam suas experiências para as moças, e o que justifica

pode ser em razão das mulheres acreditarem que as moças poderão aprender através da

observação à medida que mais tempo convivam juntos com os pais.

Percebe-se, ainda, menor percentagem na semelhança entre os grupos dos homens e

das moças, (39%). A tabela aponta uma percentagem baixa nas percepções semelhantes entre

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100

os grupos focais III e IV (32%). Contudo, essa percentagem leva a entender que rapazes e

moças não conversam sobre experiências do trabalho.

Notou-se aspecto fundamental nas informações da tabela 2, o grau de proximidade

entre mulheres e rapazes (71%), superando a interrelação entre os grupos de mesmo gênero,

mulheres e moças, apenas 21%.

7. CONCLUSÕES

O método etnográfico e as técinicas do DRP (Diagnóstico Rural Participativo) foram

cruciais nos resultados alcançados, pois possibilitou relevante exploração dos sujeitos nas

respostas às perguntas das entrevistas. Identificou-se através do levantamento de dados

secundários que maior parte das transformações no trabalho e no ambiente local foi

proporcionada pelos impactos causados durante e após as instalações das UHEs de Tucurui,

Lajeado e Estreito e poucas foram em função das dragas instaladas recentemente (há dois

anos aproximadamente) na região.

Dentre essas mudanças, estão as alterações nos componentes bióticos, através do

desaparecimento de algumas espécies de peixes pelo interrompimento de seu ciclo de

migração.

Observou-se que os novos ciclos das vazantes causados pela construção das barragens

são os maiores responsáveis pelas mudanças nos costumes e alterações na relação dessa

comunidade com a produção local em função de regime hidrológico com o controle do nível

das águas à jusante da hidrelétrica de Lajeado, através do represamento da água à montante

dessa central hidroelétrica.

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Em se tratando dos grupos focais II e III (homens e rapazes), as semelhanças

evidenciam que os eventos do passado e do presente, no modo de observar a atividade de

pesca, indicam as transformações físicas, a escassez do peixe e a mudança na rotina da pesca.

Notou-se que estes grupos focais não previam as mudanças que estão ocorrendo

atualmente no ambiente aquático desde o surgimento dos empreendimentos construidos e os

impactos que são provocados pelas hidrelétricas de Lajeado, Estreito e as dragas. Que a falta

de meios tecnológicos de informação, condicionado também pela falta de energia elétrica

contribuiu ainda mais para não identificarem os impactos desses empreendimentos como a

causa direta nas transformações ocorridas e percebidas no mundo do trabalho e no ambiente

aquático.

Na concepção dos sujeitos dos grupos II e III (homens e rapazes), eles admitem não

receberem benefícios no futuro através da energia produzida pela usina de Estreito, como

ocorreu com a energia gerada pela hidrelétrica de Lajeado, levando em consideração que os

benefícios econômicos que favorecem as indústrias de alumínio através dessas hidroelétricas

instaladas na bacia do Tocantins não compensam os impactos negativos causados ao

ambiente.

Os homens e rapazes apontaram que o desaparecimento da praia será um dos impactos

conseqüentes dos empreendimentos, principalmente a hidrelétrica de Estreito, cujo lago vai

impossibilitar sua continuidade.

Ficou claro que no povoado não se manifestava interesse pela acumulação de bens,

demonstrou-se que a força de trabalho era para produzir alimentos para o sustento da família

vinha da pesca.

Ficou evidente que a atividade da pesca era mais intensa nos tempos passados, devido

à facilidade e suficiência dos apetrechos tradicionais da pesca usados para capitura. De modo

que até o presente momento, os pescadores locais não utilizam os recursos modernos

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(voadeira, redes de grande porte e tarrafas ou arpões) para esse fim, por compreender que

esses recursos interferem na cultura da pesca tradicional que sempre foi praticada por todas as

gerações.

Notou-se que os maiores impactos socioambientais no povoado são causados com

maior intensidade pelas as barragens instalações das hidrelétricas de Lajeado e de Estreito e

em menor intensidade pelas as dragas.

Os grupos focais I e IV têm pouco conhecimento a respeito das UHEs e as

informações são adquiridas por meio do rádio. Notou-se que é comum, não adotarem os

artefatos modernos, porque não sabem como manuseá-los, e preferem a pesca com anzol, que

é uma prática de pesca tradicional, e capaz de preservar os recursos bióticos do ambiente

aquático.

Como a força de trabalho no Povoado Cajueiro, homens e mulheres (grupos focais I e

II), é compartilhada pelos dois gêneros, não há distinção de gênero na comunidade quando se

trata de responsabilidades e direitos, nas atividades de agricultura e pesca. Ficou constatado,

nas percepções, que a mulher assume as obrigações de cuidar da economia e ajudar no

sustento da família e também conhece sobre pesca, por mais que é muito mais difícil para o

gênero feminino. Desta forma, percebeu-se por meio da pesquisa, que a mulher no Povoado

Cajueiro é tão importante quanto o homem, e que esta importância não está associanada, ou

mesmo condicionada aos papeis sociais que a mulher viúva assume no grupo doméstico.

Mulheres chefes de família, casadas ou viúvas exercem papel fundamental nas

responsabilidades da economia e sustento familiar. Assim, este trabalho confirma o que as

pesquisas analisadas afirmaram sobre a presença do gênero feminino. É cada vez maior a

força de trabalho da amazonida nas atividades consideradas durante muito como sendo de

caráter apenas masculino.

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Contudo, as diferenças entre gêneros e gerações podem ser resumidas das seguintes

formas: As meninas percebem a presença das dragas e demonstram preocupação com o rio em

vista da retirada de areia, entendem que esse processo faz com que as praias não se fixam num

mesmo local, de uma temporada para outra. Para as mulheres, as praias estão em locais

diferentes a cada temporada em função do constante funcionamento das dragas. Porém os

rapazes não tiveram as mesmas percepções. Nas entrevistas as meninas também contemplam

o desrespeito à piracema pelos pescadores externos. Preocupam-se com a poluição causada

pelos banhistas.

A diminuição da atividade da pesca e da exploração das vazantes após o regime

hídrico em função do represamento da água do rio à montante do povoado através da

hidrelétrica de Lajeado está levando a comunidade a explorar com maior intensidade,

alternativas de sobrevivência como a agricultura e pecuária.

Portanto, as transformações através dos impactos da existência das hidrelétricas no

médio rio Tocantins são percebidas por todos os grupos focais, porém com menor grau pela

geração de jovens (grupos focais III e IV). Constatou-se que é comum em todos os grupos

focais a cultura da transmissão dos saberes através da observação e repasse de pai a filhos. A

relação entre as gerações é mais estreita dentre o gênero masculino que dentre o gênero

feminino. Por esta razão, acredita-se que a menor similaridade de percepções entre rapazes e

moças decorre do fato das moças, ao contrário dos rapazes, pouco compartilharem em suas

relações de gênero e intergeracional, experiências e diálogos sobre qualquer atividade ou

problemas locais.

7.1. Recomendações

Em função dos diversos problemas causados ao Povoado Cajueiro, com as ações dos

empreendimentos construidos ao longo do médio rio Tocantins e que atingem direta e

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indiretamente a comunidade, no que se refere ao mundo do trabalho e a relação com o

ambiente da pesca local, sujere-se que sejam criadas no povoado, uma colônia de pescadores

e uma associação de agricultores.

Com uma organização formal e reconhecida, acredita-se que a sociedade local poderá

buscar com maior força política, diminuir os impactos proporcionados pelas UHEs e dragas,

no ambiente aquático e nas outras atividades exploradas pela comunidade. No plano interno,

através do diálogo entre gêneros e gerações, encontrar alternativas para a solução ou

amenização dos impactos, e de forma endógena definir ações que promovam a conservação

dos componentes bióticos aquáticos e da cultura local.

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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APÊNDICES

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APÊNDICE 1. Formulário para entrevista coletiva com perguntas não estruturadas

sobre pesca

FORMULÁRIO PARA ENTREVISTA COLETIVA COM PERGUNTAS NÃO

ESTRUTURADA SOBRE PESCA

ROTEIRO DE PERGUNTAS PARA O GF (HOMENS / MULHERES / RAPAZES/

MOÇAS)

Grupo:_________ Data:___________________

Média de Idade dos sujeitos: ____________

Média de Tempo dos sujeitos no local:_____________

1- Como era o rio antes da criação do estado do Tocantins?

2- E hoje, como é o rio?

3- O que mudou no rio?

4- Como era a pesca antes da criação do estado do Tocantins?

5- Como é a pesca hoje?

6- O que mudou na pesca?

7- O período da pesca é o mesmo que de antes?

8- Que artefatos da pesca eram utilizados e quais são utilizados hoje?

9- Quem participava da pesca antes e quem participa hoje?

10- Que embarcações eram utilizadas antes e quais são utilizados hoje na pescaria?

11- Como você aprendeu a pescar?

12- Que peixe mais se pescava antes e qual é mais pescado hoje no rio?

13- Qual a quantidade de peixe era pescado antes e hoje, qual o número de peixe em

cada pescaria?

14- Para você qual a importância da pesca na vida sua e de sua família?

15- Os locais de pesca ainda são os mesmos de antes?

16- O que você sabe sobre a construção das hidrelétricas de Lajeado e Estreito?

17- Que benefícios essas hidrelétricas estão trazendo para o povoado?

18- Que benefícios as dragas instaladas no local estão trazendo para o povoado?

19- Em sua opinião, como a hidrelétrica é boa ou ruim para a vida de vocês?

20- Como a hidrelétrica tem prejudicado ou ajudado na continuidade da pesca local?

21- Como seria deixar o povoado para viver em outro lugar?

22- Como se escolhe o local da pesca?

23- O que mais ameaça a pesca na região?

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APÊNDICE 02: Relação de espécies de peixes mais pescados no Médio Rio Tocantins

conforme Cetra (1998:33)

Nome comum Nome cientéfico Família/subfamília

Piau Vara Schizodon vittatum Anastomidae

Paiau Cabeça Gorda Leporinus SP Anastomidae

Piau Flamengo Leporinus affinis Anastomidae

Piau Côco Laemolyta petiti Anastomidae

Piabanha Brycon SP Characidae/Bryconinae

Ladina Brycon brevicauda Characidae/Bryconinae

Pacu manteiga Mylessoma duriventre Serrassolums SP

Piranha Serrassalmus SP Characidae/Serrasalminae

Caranha Colossoma brachypomum Characidae/Serrasalminae

Pacu Branco Mylesinusschomburgki Characidae/Serrasalminae

Curupetê Utiaritichthys sennaebragai Characidae/Triportheinae

Sardinha Triportheus albus Characidae/Serrasalminae

Bicuda Boulengerella SP Ctenoluciidae

Branquinha Psectrogaster amazonica Curimatidae

João Duro Curimata cyprinoides Curimatidae

Cachorra Hydrolycus scomberoides Cynodontidae

Sardinha Gata Raphiodon vulpinus Cynodontidae

Traira Hoplias malabaricus Erythrinidae

Sabão Hoplerythrinus unitaeniatus Erythrinidae

Voador Hoemiodopsis argenteus Hemiodontidae

Ubarana Ampdis elongatus Hemiodontidae

Prochilodontidae Curimatá Prochilodus nigricans

Jaraqui Semaprochilodus brama Prochilodus nigrican

Apapá Pellona SP Clupeidae

Aruanã Osteoglossum bicirrhosum Osteoglossidae

Corvina Plagioscion surinamensis Scianidae

Tucunaré Cichla temensis Cichlidae

Cará Geophagus sarinamensis Cichlidae

Cará Pitanga Geophagus jurupari Cichlidae

Cará Caroço de Manga Cichlasoma severum Cichlidae

Anojado Parauchenigptenus goleatus Auchenipteirdae

Fidalgo Ageneiosus brevifilis Ageneiosidae

Cuiu-cuiu Pseudoras Níger Doradodae

Mampará Hypophtalmus marginatus Hypophthalmidae

Cari Pterygoplichthys sp Loricariidae

Barbado Pinirampus pirinampu Pimelodidaea

Jaú Paulicea lutkeni Pimelodidaea

Surubim Pseudoplatystoma fasciatum Pimelodidaea

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Mandi moela Pimelodina flavipinnis Pimelodidaea

Bico de pato Sorubim lima Pimelodidaea

Mandi cabeça de ferro Pimelodus blochii Pimelodidaea

Pirarara Phractocephalus hemiliopterus Pimelodidaea

Dourada Brachyplatystoma flavicans Pimelodidaea

Filhote Brachyplatystoma filamentosum Pimelodidaea

Manduré Platystomatischthys sturio Pimelodidaea

Mandi Pimelodella cristata Pimelodidaea

Surubim Chicote Sorubimischtys planiceps Pimelodidaea

Espécies mais importantes, grandes bagres e outros pescados por aparelho no Mercado

Municipal de Imperatriz (MA) no ano de 1988. A arasstão, AM (arrastão-malhadeira, AMT

(arrastão-malhadeira-tarrafa), At (arrastão-tarrafa), EM (espinhel- malhadeira), EMT (espinel-

malhadeira-tarrafa). ET (Espinhel-tarrafa), M (malhadeira), MT (malhadeira-tarrafa), T

(tarrafa)

FONTE: Cetra (1998:33)

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APÊNDICE 03: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

UUNNIIVVEERRSSIIDDAADDEE FFEEDDEERRAALL DDOO AAMMAAZZOONNAASS

CCEENNTTRROO DDEE CCIIÊÊNNCCIIAASS DDOO AAMMBBIIEENNTTEE PPRROOGGRRAAMMAA DDEE PPÓÓSS--GGRRAADDUUAAÇÇÃÃOO EEMM

CCIIÊÊNNCCIIAASS DDOO AAMMBBIIEENNTTEE

E SUSTENTABILIDADE NA AMAZÔNIA

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Título da pesquisa: AS TRANSFORMAÇOES DO DO TRABALHO E NO AMBIENTE

DA PESCA NO POVOADO CAJUEIRO, PALMEIRANTE -TO

Pesquisador(es) responsável(is): Mestrando: Vonínio Brito de Castro

Orientador: Prof. Dr. Henrique dos Santos Pereira

Instituição/Departamento: FIESC – Faculdade Integrada de Ensino Superior de Colinas

do Tocantins

Telefone para contatos – (063) 3476 – 4234- cel: 63-99877444

Local da coleta de dados: Povoado Cajueiro, Município de Palmreirante-TO

Prezado(a) Senhor(a):

• Você está sendo convidado (a) a responder às perguntas deste questionário de forma

totalmente voluntária.

• Antes de concordar em participar desta pesquisa e responder este questionário, é muito

importante que você compreenda as informações e instruções contidas neste documento.

• Os pesquisadores deverão responder todas as suas dúvidas antes de você se decidir a

participar.

• Você tem o direito de desistir de participar da pesquisa a qualquer momento, sem nenhuma

penalidade e sem perder os benefícios aos quais tenha direito.

Objetivo do estudo: Procedimentos. Sua participação nesta pesquisa consistirá apenas em

responder às perguntas formuladas na entrevista.

Benefícios. Esta pesquisa trará maior conhecimento sobre o tema abordado, sem benefício

direto para você. Riscos. Submeter às entrevistas não representará qualquer risco de ordem

física ou psicológica para você.

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Sigilo. As informações fornecidas por você serão confidenciais e de conhecimento apenas dos

pesquisadores responsáveis. Os sujeitos da pesquisa não serão identificados em nenhum

momento, mesmo quando os resultados desta pesquisa forem divulgados por qualquer meio.

Aceite: _________________________________________________________

Data: ____/___/______