Projecto Mobilidade Sustentável

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    PROJECTO MOBILIDADE SUSTENTVEL VOLUME II Manual de Boas Prticas Para uMa MoBilidade sustentvel

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    PROJECTO MOBILIDADE SUSTENTVEL

    Volume II

    Manual de Boas Prticas para uma Mobilidade Sustentvel

    Amadora2010

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    PROJECTO MOBILIDADE SUSTENTVEL VOLUME II Manual de Boas Prticas Para uMa MoBilidade sustentvel

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    Ficha tcnica:

    Ttulo: PROJECTO MOBILIDADE SUSTENTVEL VOLUME II MANUAL DE BOAS PRTICAS PARA UMA MOBILIDADE SUSTENTVEL

    Autoria: COORDENAO Agncia Portuguesa do Ambiente Regina Vilo (Coordenadora do Projecto) Catarina Venncio Centro de Sistemas Urbanos e Regionais do Instituto Superior Tcnico FernandoNunes da Silva (Coordenador Cientfico) Renata Lajas Rita Martins

    GRUPO DE TRABALhO AMBIENTE E TRANSPORTES Agncia Portuguesa do Ambiente Regina Vilo Autoridade Nacional de Segurana Rodoviria Rodrigo Valador Direco-Geral do Ordenamento do Territrio e Desenvolvimento Urbano Marta Afonso Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres Isabel Seabra Catarina Marcelino Jos Leito

    REDE DE CENTROS DE INVESTIGAO / UNIVERSIDADES Centro de Sistemas Urbanos e Regionais do Instituto Superior Tcnico Joo de Abreu e Silva Joo Morgado Lus Martnez Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto Paulo Pinho Frederico Moura e S Joana Pinho Instituto de Dinmica do Espao da Universidade Nova de Lisboa Joo Figueira Sousa Andr Fernandes Instituto de Engenharia Mecnica do Instituto Superior Tcnico Tiago Farias Ana Vasconcelos Gonalo Gonalves Instituto Politcnico de Castelo Branco Rui Manuel Amaro Alves Srgio Alexandre Duarte Bispo Instituto Politcnico de Leiria Joo Pedro Silva Carlos Real

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    Instituto Politcnico de Tomar Antnio Godinho Rodrigues Rita Ferreira Anastcio Vanda Sousa Laboratrio Nacional de Engenharia Civil I.P. Elisabete Arsnio Filipe Viegas Universidade dos Aores Helena Calado Artur Gil Universidade do Algarve Manuela Rosa Universidade de Aveiro Jos Carlos Mota Gonalo Santinha Tiago Pico Universidade Catlica Portuguesa Rui Florentino Paulo Simes Universidade de Coimbra Ana Bastos Anabela Ribeiro Bruno Santos Universidade do Minho Jos F. G. Mendes Paulo Ribeiro Lgia Silva Universidade de Trs-os-Montes e Alto Douro Lus Ramos Adriano de Sousa

    Edio: Agncia Portuguesa do Ambiente

    Data de edio: Janeiro de 2010

    Local de edio: Amadora

    Tiragem: [n.] exemplares

    ISBN: 978-972-8577-51-3

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    NDICE GERAL

    1 INTRODUO 7

    2 O PARADIGMA DA MOBILIDADE SUSTENTVEL 9

    3 FACTORES QUE INFLUENCIAM A MOBILIDADE URBANA E PRINCIPAIS TENDNCIAS 13

    4 ORIENTAES METODOLGICAS PARA UMA MOBILIDADE SUSTENTVEL 19

    4.1 CIDADES DE MDIA DIMENSO 19

    4.2 TRANSPORTES COLECTIVOS EM ESPAO RURAL E REAS DE BAIxA DENSIDADE URBANA 25

    4.3 ACESSIBILIDADE NOS CENTROS hISTRICOS 32

    4.4 MODOS SUAVES 37

    5 INTERVENES E BOAS PRTICAS PARA UMA MOBILIDADE SUSTENTVEL 59

    5.1 PROMOO DO USO DOS TRANSPORTES PBLICOS COLECTIVOS 59

    Ficha 5.1.1: Corgobus Transportes urbanos de Vila Real 62

    Ficha 5.1.2: Linha Azul de vora 67

    Ficha 5.1.3: Rodinhas Linha Azul de Loures 71

    Ficha 5.1.4: Txis colectivos no Municpio de Beja 74

    Ficha 5.1.5: Transportes urbanos em cidades de mdia dimenso o caso de Leiria 78

    Ficha 5.1.6: Transporte urbano em cidades ou vilas de pequena dimenso o caso do Entroncamento 86

    5.2 PROMOO DO USO DOS MODOS SUAVES DE MOBILIDADE 92

    Ficha 5.2.1: Zona Central a Proteger em Cantanhede 96

    Ficha 5.2.2: Sistema ciclovirio (urbano e turstico) da Murtosa 100

    Ficha 5.2.3: BUGA Aveiro 107

    Ficha 5.2.4: Pedibus Lisboa 110

    5.3 PROMOO DA MULTIMODALIDADE E INTERMODALIDADE 116

    Ficha 5.3.1: Promoo da intermodalidade e da multimodalidade em Santarm 119

    Ficha 5.3.2: Eixo multimodal de transportes em Castelo Branco 124

    Ficha 5.3.3: Integrao de redes de transportes os casos de Arganil, Santa Comba Do e outros 130

    Ficha 5.3.4: Mobilidade em cidades de pequena dimenso o caso de Almeirim 135

    Ficha 5.3.5: Estratgia de mobilidade no Municpio de Beja 140

    5.4 ARTICULAO ENTRE URBANISMO E TRANSPORTES 146

    Ficha 5.4.1: Centro urbano de Ourm 152

    Ficha 5.4.2: Centro urbano de Beja 155

    Ficha 5.4.3: Modelo urbano orientado para o transporte pblico de Montenegro e Gambelas Faro 158

    5.5 PROMOO DE DESLOCAES COM E EM SEgURANA 163

    Ficha 5.5.1: Transformao de uma estrada numa rua em Santa Comba Do 166

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    5.6 PROMOO DA AVALIAO E DESEMPENhO AMBIENTAL DO SISTEMA DE MOBILIDADE E TRANSPORTES 172

    Ficha 5.6.1: Projecto Biodiesel Plano de valorizao de leos alimentares usados 174

    Ficha 5.6.2: Avaliao do rudo e poluio atmosfrica resultantes do trfego em Viana do Castelo 178

    5.7 TECNOLOgIAS INOVADORAS APLICADAS AOS TRANSPORTES 186

    Ficha 5.7.1: Projecto CUTE Porto 189

    Ficha 5.7.2: Mobilidade para todos em CyberCars Penela 194

    5.8 PROMOO DA EqUIDADE NO ACESSO A BENS E SERVIOS 197

    Ficha 5.8.1: Transporte colectivo oferecido a portadores do Carto Raiano +65 Idanha-a-Nova 199

    Ficha 5.8.2: Corredor pedonal acessvel para todos em Faro 203

    Ficha 5.8.3: Servio de transporte Serra Acima em Santana da Serra Ourique 209

    Ficha 5.8.4: Transfer da Goleg 215

    5.9 SISTEMAS DE INfORMAO AO PBLICO 219

    Ficha 5.9.1: Sistema de informao ao pblico em tempo real Coimbra 225

    Ficha 5.9.2: Campanhas de comunicao e informao nos transportes colectivos Braga 230

    Ficha 5.9.3: Sistema de informao e monitorizao do ar e rudo SmarBRAGA 235

    5.10 PARTICIPAO PBLICA E ENVOLVIMENTO DOS AgENTES NO PROCESSO DE PLANEAMENTO 241

    Ficha 5.10.1: Envolvimento e responsabilizao dos parceiros na elaborao do Plano

    de Mobilidade Sustentvel de Ponta Delgada 243

    Ficha 5.10.2: Estratgia de comunicao Murtosa Ciclvel 246

    Ficha 5.10.3: Plataforma de animao e dinamizao da mobilidade ciclvel na Murtosa 250

    5.11 EDUCAO CVICA PARA UMA MOBILIDADE SUSTENTVEL 253

    Ficha 5.11.1: Escola Ciclvel Mobilizar e sustentar a cultura de utilizao da bicicleta

    a partir da escola na Murtosa 255

    Ficha 5.11.2: Projecto GISFROT Lisboa 257

    Ficha 5.11.3: Projecto Eco Conduo Portugal 261

    Ficha 5.11.4: Projecto Segurana Rodoviria Faro 264

    ACRNIMOS 268

    BIBLIOGRAFIA 269

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    1 INTRODUO

    O Manual de Boas Prticas para uma Mobilidade Sustentvel, doravante designado Manual, surge na sequncia dos trabalhos realizados no mbito do Projecto Mobilidade Sustentvel, desenvolvido pela Agncia Portuguesa do Ambiente (ex-Instituto do Ambiente) com a colaborao de 15 Centros de Investigao / Universidades de referncia no contexto nacional e da articulao interministerial com os elementos do Grupo de Trabalho Ambiente e Transportes (vide Volume I da presente edio).

    Constituem objectivos deste Manual apresentar os principais tipos de constrangimentos mobilidade que a vasta experincia acumulada no Projecto Mobilidade Sustentvel permitiu reunir e aferir, bem como proceder divulgao do tipo de solues que foi possvel gizar e mesmo em alguns casos implementar. De realar que num contexto de cooperao entre acadmicos e investigadores, tcnicos municipais e autarcas, foi possvel testar, em termos de acuidade face aos constrangimentos detectados e aceitabilidade social e poltica das solues propostas, as aces a desenvolver no curto e mdio prazos.

    Sem deixar de equacionar teoricamente o contexto em que tem evoludo a mobilidade urbana e as suas consequncias em termos ambientais, de coeso social e de custos para a economia, ou de abordar os principais aspectos metodolgicos que o seu estudo impe, o presente Manual centra-se essencialmente na disseminao das boas prticas que foram (ou podem ser) seguidas para a resoluo dos problemas mais prementes que se colocam no domnio da mobilidade urbana no contexto nacional. Trata-se pois de um Manual que, tirando partido das experincias e ensinamentos de outros pases e de vrios estudos elaborados neste domnio, parte da realidade nacional revelada nos 40 casos de estudo do Projecto, procurando sobretudo facultar uma caracterizao realista dos problemas que a se detectaram e que foram considerados como os mais importantes, bem como proporcionar o conhecimento de um leque de solues que, embora adaptadas a cada caso concreto, podem ser extrapoladas para situaes anlogas.

    Excludosficaramosproblemasdemaiorescalaqueseverificamnasgrandesaglomeraesurbanas,ondeacomplexidadedas redes de acessibilidade e transportes, aliada a padres de mobilidade tambm eles mais complexos e interdependentes, justificam uma abordagem mais especfica e detalhada, com recurso a meios de inqurito e anlise de dados, que adimenso financeira e temporal do Projecto no permitiam obter. Tal no significa porm que alguns dos problemas edas solues apresentadas no possam ser inspiradoras de actuaes neste tipo de espaos urbanos, sendo que estas incidiro apenas em aspectos parciais do problema, no podendo substituir uma anlise mais global e integrada da mobilidade urbana que a ocorre.

    O Manual aborda ainda a mobilidade em modos suaves, bem como os problemas que se verificam nas pequenas emdias cidades do Pas, e nas vilas em espao rural, onde os problemas de acessibilidade a bens e servios so hoje uma questo essencial para a qualidade de vida das suas populaes e para a equidade social. Os problemas e as suas possveis solues apresentam-se segundo padres relativamente homogneos em funo da dimenso demogrfica egeogrficadosespaosurbanos,daestruturasocialdasuapopulao,daofertade transportesquepossuem,damaiorou menor disperso espacial dos principais plos geradores de trfego, ou ainda dos servios que oferecem e da sua respectiva rea de influncia. Tal facto permitiu organizar oManual segundo Fichas que enunciam os constrangimentose respectivas solues entendidas como boas prticas para o desenvolvimento de uma mobilidade sustentvel que no s facilitam a sua leitura e compreenso, como podero mais facilmente constituir elementos de trabalho para realidades semelhantes.

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    2 O PARADIGMA DA MOBILIDADE SUSTENTVEL

    Quando em 1987 foi publicado o Relatrio da Comisso Mundial para o Ambiente e Desenvolvimento1 sob o expressivo ttulo Our Common Future (WCED, 1987), talvez poucos tivessem antecipado o impacte que este viria a ter no modo como se comearam a equacionar as possveis solues dos problemas associados ao ambiente e nossa vida em sociedade. O conceito de desenvolvimento sustentvel, a enunciado e explanado, veio abrir novas perspectivas para as formas de abordar os problemas mais prementes da nossa vida no ecossistema Terra, em particular no que se refere s relaes entre a aco do Homem e a Natureza, e com a vida humana escala mundial. Ao assumir-se simultaneamente como global ao nvel da formulao terica e das solidariedades a que faz apelo (intra- e inter-geracional e do homem com os ecossistemas naturais) e local, j que o modelo de desenvolvimento a prosseguir depende no s das condies de partida, mas tambm dos equilbrios que, em cada momento histrico, possvel estabelecer entre os trs grandes pilares que o sustentam o ambiental, o econmico e o social este conceito veio permitir que, tomada de conscincia inicial dos problemas ambientais e sociais que nos afectam, pudesse seguir-se uma mudana quantitativa e qualitativa no nosso modo de vida em comunidade.

    Ao considerar que s possvel garantir o desenvolvimento equilibrado e perene de uma sociedade humana quando se conjugam, harmoniosamente, o respeito pelo funcionamento dos ecossistemas naturais, a capacidade de aceitao de mudana por parte dos indivduos tomados isoladamente ou como colectivo social e as necessidades de crescimento econmico como forma de garantir a satisfao das suas necessidades de consumo material e cultural o conceito de desenvolvimento sustentvel veio colocar dois tipos de questes essenciais: por um lado, chama a ateno para as duas formas de solidariedade que foroso implementar a que se refere ao ciclo geracional e aquela que diz respeito s relaes do Homem com o planeta que habita e explora; e, por outro, introduziu um paradigma de relativizao no que respeita ao conceito de ambiente, tomado at ento no seu sentido mais lato e absoluto. Isto , o ambiente passa ento a ser encarado no como algo de intocvel, esttico (no sentido de a-histrico) e impondo um nico modo de vida compatvel com a Natureza (assumindo esta o carcter de entidade sobrenatural, onde o ser humano encarado como o elemento perturbador), mas antes como um sistema dinmico que suporta vrias opes socioeconmicas possveis, desde que estas garantam os equilbrios ambientais fundamentais e no ultrapassem os limiares de carga responsveis pelo seu funcionamento a longo prazo.

    Este novo paradigma ambiental veio a revelar-se de decisiva importncia para se poder olhar o futuro com algum optimismoeseultrapassaralgumasteses,quepoucoespaodeixamparaumaintervenoeficazesocialmenteaceitvel.A questo primordial passou ento a ser, a de saber equacionar um modelo de desenvolvimento que, tendo por ponto de partida e limite as condicionantes e restries ambientais, possa dar resposta s necessidades de uma populao urbana crescente e cada vez mais exigente em termos de conforto e consumo (tanto de bens materiais como culturais), sendo certo que tal poder implicar, numa primeira fase, alguma relativizao das questes ambientais, enquanto a prpria sociedade no as conseguir internalizar como elementos fundamentais do seu futuro.

    Partindo deste novo conceito de desenvolvimento sustentvel, o que condiciona a formulao de uma viso colectiva e a definiodepolticasepropostasdeacoquepermitamasuaprogressiva construo,noso tantoaspreocupaesambientais, encaradas como valor absoluto, mas antes o equilbrio possvel estabelecer, em cada fase histrica do desenvolvimento de uma dada sociedade, entre essas mesmas preocupaes, as necessidades de um crescimento econmicomais eficiente e equitativo, e a capacidade de evoluo das pessoas e das suas instituies em direco auma sociedademais justa, solidria e culturalmenteorientadaporumaperspectivahumanista.Odesafioque se colocapoisodesaberarticular,de formaharmoniosa,eficienteeperene,os trspilares referidosemqueassentaoprprioconceito de desenvolvimento sustentvel.

    Nesta abordagem, importar ter sempre presente um conjunto de relaes que, para alm de nos permitir compreender o funcionamento do sistema como um todo global ainda que cada vez mais determinado pelo que se passa nos espaos urbanos, onde j hoje vive cerca de 50% da populao mundial e mais de 75% da populao dos pases desenvolvidos (Naes Unidas, 2008) nos ajuda a determinar os pontos de equilbrio que possvel, e desejvel, estabelecer entre as preocupaes ambientais, econmicas e sociais e respectivos paradigmas.

    1 Em ingls: The World Commission on Environment and Development WCED.

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    Da que o conceito de desenvolvimento sustentvel, desde que foi formulado e adoptado como objectivo e forma de avaliar e operacionalizar as opes de desenvolvimento que se colocam a uma dada sociedade num dado momento histrico, se tenha vindo a impor como um referencial incontornvel quando se trata de abordar as questes do seu desenvolvimento a longo prazo. Com efeito, a partir deste conceito integrador das preocupaes ambientais, socio-culturais e econmicas, que as sociedades mais conscientes e democrticas tm procurado encontrar resposta para os graves problemas que as assolam, tanto ao nvel socioeconmico, como da sua envolvente natural, seja esta considerada numa escala local ou global.

    Esta forma de encarar a problemtica do tipo de desenvolvimento que se procura alcanar particularmente relevante quando se aborda a questo da mobilidade urbana. Na verdade, hoje praticamente impossvel vislumbrar um qualquer futuro para uma sociedade democrtica em que a mobilidade das pessoas e bens no esteja presente, ou que no constitua mesmo um dos seus elementos caractersticos dominantes. Num momento em que a revoluo nos meios de comunicao nos transporta em direco a uma galxia Internet (Castells, 2004), impensvel encarar um recuo civilizacional que nos remeteria aos tempos da Idade Mdia, onde apenas alguns tinham direito a deslocar-se e onde a produo e o consumo se realizavam, na maior parte, num mesmo local ou regio. A essncia da questo no por isso a de vir a ter mais ou menos mobilidade, mas sim o modo como esta ser exercida. Entende-se, neste contexto, que mobilidade constitui a expresso de um conjunto de necessidades cujas causas, prximas ou remotas, se tm de procurar na localizao das actividades no espao, no nvel econmico de uma sociedade e nos seus sistemas produtivos dominantes, nas relaes sociais que se procuram estabelecer e nos modos de vida que a cultura de massas vai impondo como referncia, se no para todos, pelo menos para a grande maioria.

    A aplicao do conceito de sustentabilidade mobilidade urbana, coloca por isso problemas especficos cuja superaoimplica uma actuao que no se circunscreve ao estrito domnio dos transportes e ao dos seus impactes sobre o ambiente. Com efeito, se entendermos a mobilidade urbana como o modo e a frequncia com que as pessoas se deslocam para satisfazer todo o tipo de necessidades das obrigatrias (associadas ao trabalho, escola e ao abastecimento das famlias) s opcionais (lazer, social, etc.) fcil ser concluir que esta seja hoje considerada como um direito adquirido, pelo menos nas sociedades de matriz cultural ocidental. Todavia, tambm comea a ser inquestionvel que o exerccio desse direito de forma universal acarreta custos econmicos, sociais e ambientais incomportveis para o prprio funcionamento dessas sociedades. O aumento continuado das emisses de gases com efeito de estufa associado ao sector dos transportes, os crescentes congestionamentos de trfego no tempo e no espao e a destruio ou desvalorizao dos espaos pblicos, com a consequente deteriorao da qualidade do ambiente urbano, tornam cada vez mais evidente a insustentabilidade do modo como essa mobilidade se exerce na actualidade e apontam para a imperiosa necessidade de se encontrarem solues que, sem porem em causa esse direito, o condicionem s suas consequncias ambientais e econmicas.

    Pelas suas mltiplas implicaes nos trs domnios de referncia em que se equaciona o conceito de desenvolvimento sustentvel social, ambiental e econmico a mobilidade urbana surge assim, nos nossos dias, como uma questo premente e de significativa importncia social, para a qual ainda no se encontraram respostas satisfatrias, tendo emconta as tendncias observveis na sua evoluo e a prospectiva que se consegue formular.

    Assim, associar o qualificativo sustentvel ao substantivo mobilidade, continua ainda hoje a apresentar-se como um importantedesafioimaginao,tecnologiaegovernncia,cujodesfechodesejvelseconhecemasque,porenquanto,a forma de concretizao se tacteia. Da a importncia que assume a divulgao de boas prticas e de experincias de sucesso que tenham contribudo para avanos significativos neste domnio.

    Como se poder ento definir commais objectividade o que se entende por umamobilidade sustentvel? De uma forma simples poderemos dizer que uma mobilidade sustentvel aquela que, dando resposta s necessidades de deslocao das pessoas, se realiza atravs de modos de transporte sustentveis. O problema transfere-se assim para o de saber o que so transportes sustentveis. Sucede que este conceito j foi objecto de clarificao por parte deinstituiesinternacionaisque,decertomodo,sintetizaramvriasformasdeencararestaquestonumanicadefinio.Desde logo, o Conselho Europeu dos Ministros de Transportes (CEMT,2006)definiucomosistema de transporte sustentvel o que2:

    2 em Citado Gua Prctica para la elaboracin e implantacin de Planes de Movilidad Urbana Sostenible, IDAE, Madrid, 2006.

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    permite responder s necessidades bsicas de acesso e desenvolvimento de indivduos, empresas e sociedades, com segurana e de forma compatvel com a sade humana e o meio ambiente, fomentando ainda a igualdade dentro de cada gerao e entre geraes sucessivas;

    resultaexequvel,operaequitativamenteecomeficcia,ofereceumaescolhademodosdetransporteeapoia uma economia competitiva, assim como um desenvolvimento regional equilibrado;

    limita as emisses e os resduos ao nvel da capacidade de absoro do planeta, usa energias renovveis ao ritmo da sua gerao e utiliza energias no renovveis s taxas de desenvolvimento dos seus substitutos por energias renovveis, ao mesmo tempo que minimiza o impacte sobre o uso do solo e a poluio sonora.

    De forma mais operacional, a Transportation Association of Canada (citadaporWadhwa,2000)definiuumsistema de transportes sustentvel como aquele que:

    Responde s necessidades de acesso da gerao presente;

    Permite s futuras geraes satisfazer as suas prprias necessidades de acesso (as quais iro aumentar devido ao crescimento econmico e ao aumento da populao);

    propulsionado por fontes de energia renovveis:

    no polui o ar, o solo e a gua, para alm das capacidades de absoro / despoluio do planeta (nomeadamente CO2);

    tecnologicamente possvel;

    econmicaefinanceiramentesuportvel;

    suporta uma qualidade de vida desejvel;

    suporta local, nacional e globalmente os objectivos do desenvolvimento sustentvel.

    Deste modo, prosseguir o objectivo de assegurar uma mobilidade sustentvelsignifica,antesdemais,criarascondiespara que esta se possa exercer atravs de modos de transporte sustentveis, isto , cuja produo tenha os menores impactes possveis sobre o ambiente, recorra a energias renovveis ou cada vez menos dependentes de recursos naturais esgotveis, cuja utilizao tem fortes impactes sobre o ambiente, com custos social e economicamente aceitveis pela sociedade, e que garantam uma relativa equidade de acesso a toda a populao. A concretizao de um tal objectivo tempor issoderecorrernosamodosdetransportemaiseficientesdopontodevistaenergticoeambientalondeos modos suaves (o pedonal e o ciclvel) e os transportes colectivos mais amigos do ambiente desempenham um papel insubstituvel como a uma nova organizao dos espaos urbanos, onde os conceitos do urbanismo de proximidade e de mistura de usos do solo e funes urbanas ganham uma importncia decisiva. O problema coloca-se assim em dois patamares distintos mas complementares: por um lado importar resolver o passivo das expanses urbanas que se foram consolidando na base do transporte individual, enquanto por outro lado se exige um controlo do crescimento urbano que evite os erros do passado e permita atenuar as disfunes que entretanto se foram criando.

    Esteduplodesafioimplicanosorepensardetodoosistemadeacessibilidadesetransportesnosentidodeotornarmais flexvel,mais integradoemais acessvel a todos os estratosdapopulao como tambmodesenvolvimentodepolticas urbanas que contribuam para a minimizao da necessidade de deslocaes em transporte individual e favoream osmodos suaves e os transportes demassamais eficientes do ponto de vista energtico e ambiental.

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    3 FACTORES QUE INFLUENCIAM A MOBILIDADE URBANA E PRINCIPAIS TENDNCIAS

    A mobilidade crescente da populao dos pases mais desenvolvidos pode ser facilmente medida pelo nmero de quilmetros que cada um dos seus habitantes percorre em mdia cada ano. Na Unio Europeia dos 15, esse nmero passou de 6 400 km por habitante e por ano, em 1970, para quase 13 000 km em 2000 (CE, 2003), isto representou, um acrscimo de cerca de 100%, a que correspondeu uma taxa mdia anual de 3,0% entre 1980 e 1990, e de 1,7% entre 1991 e 2000.

    Que explicaes se podero avanar para uma tal evoluo, simultaneamente to rpida e profunda?

    Todos os autores que se debruaram sobre este tema so unnimes em considerar que o fenmeno da urbanizao est na base daquilo que se pode chamar, com propriedade, a democratizao da mobilidade.

    Com efeito, s h pouco mais de dois sculos, com o arranque da revoluo industrial em Inglaterra e no Pas de GalesnofinaldosculoXVIII,quese iniciaram,de formageneralizada,asprimeirasgrandesmigraespopulacionaisdo campo para as cidades, dando origem a novas aglomeraes urbanas e transformando algumas das cidades, ento existentes, em verdadeiras metrpoles com mais de um milho de habitantes. esse importante surto demogrfico,aliadopoucodepoisamedidassanitriaseurbansticasqueprolongaramaesperanadevidadapopulao,quejustificaamudanaradicalqueentoseoperounomododevidadapopulaoea forteconcentraodemogrficanascidades.DoinciodosculoXVIIIparaofinaldosculoXX,apopulaourbana3 dos primeiros pases a conhecerem a revoluo industrial passou de pouco mais de 15% para quase 90% ou mesmo 100%, casos do Reino Unido (89,5%), da Blgica (97,3%), da Holanda (89,4%) e da Alemanha (87,5%) (UE, 2003). Em Portugal, pas cuja tradio rural se manteve atmeados do sculo passado, a populao urbana passou dos escassos 9% no incio do sculo XX para quase 65%no final domesmo.

    Mas se o crescimentodemogrficodosespaosurbanos foi surpreendente, no menos o foi a extenso que estas aglomeraes assumiram. Se outrora o andar a p era o modo mais frequente de deslocao das pessoas, dada a reduzida dimenso espacial das urbes, hoje, com as aglomeraes urbanas a estenderem-se por mais de 40 km em redor do seu centro mais antigo ou mais importante, dominam os meios motorizados de transporte de pessoas e bens. Os transportes pblicos primeiro nomeadamente aps a generalizao dos omnibus4 e a adaptao da mquina a vapor traco de carruagens a partir de 1838 (Vuchic, 1981), e o transporte individual depois, sobretudo a partir da segunda Guerra Mundial, possibilitaram um novo modo de vivermos em sociedade escala planetria. Com efeito, se em 1950 s 30% da populao mundial residia em reas urbanas, em 2000 a percentagem de populao urbana nos pases industrializados ultrapassava j os 75%, enquanto que nos pases em desenvolvimento esse valor se situava nos 40%, estimando-se que em 2007 se tenha atingido a paridade escala mundial. Mais impressionante ainda a concentrao desse crescimento urbano: em 1900 apenas Londres tinha ultrapassado os cinco milhes de habitantes; em2000 contam-se por 30 as aglomeraes urbanas que ultrapassaram esse quantitativo demogrfico, sendo que dezdelas j suplantaram a cifra dos dez milhes (Le Monde Diplomatique, 2003).

    Simultaneamente causa e efeito da nova era urbana, os transportes pblicos sofreram apreciveis mudanas, tanto na forma como responderam s novas necessidades de deslocao inovando as tecnologias de motorizao e de produo do transporte como em termos de democratizao do seu uso. Hoje, no s mais pessoas tm acesso ao automvel particular5 e usam os transportes colectivos, como se deslocam mais longe e mais depressa. Dos cinco quilmetros alcanveis numahora dedeslocaono sculoXVIII, quando se andava sobretudo a p, duplicou-se essadistncia quando foram introduzidas as carruagens pblicas no sculo XIX, passando-se para os 20 km com a tracoa vapor e os actuais 40 km com os servios de comboio suburbano.

    A uma maior concentrao urbana da populao, a uma maior acessibilidade a modos de transporte motorizados e a melhores transportes pblicos, correspondeu assim um maior nmero de deslocaes.

    3 Designandoporpopulaourbanaaqueviveemaglomeradoscommaisde10000habitantes,deacordocomaclassificaodasNaesUnidas.

    4 Quesignificaetimologicamenteveculoparatodos.

    5 Em 2006 a taxa de motorizao na UE-15 atingiu os 508 veculos/1000 habitantes (CE, 2008).

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    Por outro lado, as actividades urbanas como sejam a residncia, os equipamentos, o emprego, o comrcio, os servios ou o lazer foram-se tambm desenvolvendo, ocupando reas cada vez mais especializadas e segregadas espacialmente. Os novos bairros citadinos perdem progressivamente o seu carcter multifuncional e transformam-se a pouco e pouco, por exigncias sanitrias, urbansticas ou em resultado do prprio funcionamento do mercado imobilirio, em espaos essencialmente residenciais; outros especializam-se nos servios, terciarizando vastas reas centrais da cidade do sculo XIX ou emigrando para as periferias, onde a acessibilidade rodoviria maior. Por sua vez, a indstria abandona oscentros urbanos, deslocando-se para novos espaos perifricos, arrastando consigo novos trabalhadores e dando origem a novos bairros residenciais cada vez mais afastados dos centros urbanos tradicionais, onde os servios, os principais equipamentos colectivos e o comrciomais sofisticado continuamamarcar presena.

    Trata-se de um fenmeno comum quase totalidade das reas metropolitanas europeias, como o refere Franois Ascher: A metropolizao reveste-se de formas variadas segundo os pases, a antiguidade da sua urbanizao, as suas densidades urbanas, as suas culturas, as suas polticas territoriais. Mas, por todo o lado, ela tende a formar conjuntos territoriais, mais vastos e mais povoados, que constituem o novo quadro das prticas quotidianas ou habituais dos habitantes e das empresas. Os residentes nestas zonas urbanas vivem e funcionam cada vez menos escala do quarteiro ou de uma cidade, mas antes na de um vasto territrio, que percorrem de formas variadas e mutantes por todo o tipo de motivos profissionais ou no profissionais (Ascher, 1998:18).

    Apardestaimportantemovimentaodemogrficaealteraofuncionaldostecidosurbanosmaisantigoseconsolidados,assiste-se por outro lado a profundas transformaes nos padres de consumo e de aquisio de bens por parte da populao, bem como nas suas preferncias quanto ao lazer. A rpida expanso que entre ns tiveram os grandes hipermercados e, mais recentemente, a sua evoluo para centros comerciais de grande dimenso, veiomodificar porcompleto os hbitos de consumo da populao e o modo como esta se abastece dos produtos necessrios ao seu quotidiano, pondo em causa a vitalidade, ou mesmo a sobrevivncia, do comrcio de proximidade. Os consumidores agrupamcadavezmaisassuascomprasdebenscorrentes,utilizamosfrigorficoseoscongeladoresparaarmazenarosbens degradveis, e deslocam-se maioritariamente em automvel s grandes superfcies comerciais (Ascher, 1998:94).

    Em resultado de todos estes fenmenos, a populao urbana tem hoje de realizar mais deslocaes e, sobretudo, viagens mais longas para satisfazer as suas necessidades dirias. O automvel particular ganhou assim uma importncia inusitada e inigualvel.

    A mobilidade urbana no tem por isso cessado de aumentar ao longo de todo o sculo passado e apresenta-se ainda segundo novos padres: as deslocaes so agora cada vez menos radiais, ou mesmo radio-concntricas; cada vez mais diversificadasealeatriasou,nomnimo,noregulares.NacidadedeLisboa,onmerodeviagensemmododetransportenoinciodosculoXXsituava-senaordemdas0,3deslocaesdiriasporhabitante;hojeessenmeroeleva-sea1,9.Nospases mais desenvolvidos da OCDE, o total de viagens nas principais aglomeraes urbanas tem-se mantido relativamente estvel nas ltimas dcadas, apresentando um valor em torno das 3,15 deslocaes / habitante e dia. No entanto, as viagens em transporte individual (TI) registaram um crescimento mdio anual de 3,5% nos ltimos vinte anos (Ascher, 1998:87).

    Tudo indica por isso que a nossa mobilidade urbana continuar a crescer, at porque sabido que a um maior nvel de rendimento das famlias corresponde uma taxa de motorizao mais elevada: dos 70 veculos / 1000 habitantes que existiam em Portugal no incio dos anos 50, passou-se actualmente a um valor que rondar os 405 veculos / 1000 habitantes, enquanto que a mdia europeia (UE-15) se aproxima dos 508 (CE, 2006). Por outro lado, o nmero de famlias que possuem mais do que um automvel ultrapassou j os 20%. Ora, de acordo com os dados recolhidos no inqurito mobilidade realizado na rea Metropolitana de Lisboa pela DGTT e o INE em 1998, o padro de deslocaes altera-se profundamente em termos de repartio modal, consoante o nmero de veculos disponveis no agregado familiar: a utilizao do TI aumenta de 9,5% para 67,4%, enquanto que a do transporte colectivo (TC) diminui de 47,1% para 12,9%, quando se passa de 0 para 2 ou mais veculos por famlia.

    A grande questo que ento se coloca no por isso a de tentar reduzir a mobilidade da populao, cada vez mais entendida socialmente como um direito da nossa contemporaneidade, mas sim a de saber que meios de transporte a podero satisfazer. Este problema tanto mais actual quanto as preocupaes ambientais, nomeadamente as que se referem emisso de gases com efeito de estufa (GEE)6, ganharam um novo mpeto com a Conferncia do Rio em 1992 e o Protocolo deQuioto de 1997, ratificado em31 deMaio de 2002.

    6 Onde o sector dos transportes detm uma quota de 24,2% do total das emisses registadas no nosso Pas (Fonte: APA, 2008).

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    democratizao da posse do automvel no poder por isso corresponder a generalizao do seu uso. A aceitao de restries sua utilizao indiscriminada comea por isso a impor-se como uma soluo necessria e exequvel, tanto poltica como socialmente. Importa no entanto recordar que o desenvolvimento da utilizao do TI est antes de mais ligado natureza das suas performances e sua democratizao: ela inscreve-se, com efeito, na dinmica de individualizao multissecular das nossas sociedades (Ascher, 1998:92), mas que, por outro lado, se o transporte o smbolo da liberdade individual, o ambiente o do bem colectivo (Meyronneinc, 1998). Tal significa que, quaisquerque sejam as solues a propor, elas tm de surgir do equilbrio enunciado no conceito de desenvolvimento sustentvel entre os paradigmas ambientais, sociais e econmicos, o que desde logo implica a sua clareza e aceitabilidade social.O actual ciclo vicioso, representado na Figura 3.1, s poder ser quebrado com sucesso caso se actue, de forma simultnea, coordenada e duradoura, nas vrias causas que o alimentam. Isto , se persistirmos em separar o problema dos transportes enquanto meio de satisfazer necessidades de deslocao do modo e da forma como construmos os novos espaos urbanos e gerimos os que j existem entendidos estes como o suporte fsico de actividades humanas e seus factores de localizao dificilmente conseguiremos quebrar esse ciclo vicioso emquenos deixmos enredar.

    Figura 3.1: Relaes entre urbanismo e transportes

    Sem pr em causa a influncia de outros factores que condicionam os padres de mobilidade, e em particular a repartio modal como sejam as caractersticas socioeconmicas da populao, a dotao em infraestrutura viria e o nveldeserviodasredesdeTCnodeixadesersignificativaaimportnciaqueadensidade da actividade urbana e o tipo-morfologia dos espaos urbanos desempenham neste domnio da procura de transporte. Ao fazerem uma reviso dos estudos mais recentes sobre esta matria, Silva et al. (2004), concluem que os padres de uso do solo afectam a mobilidade do seguinte modo:

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    Um tero da variao na energia consumida per capita em transporte atribuvel s caractersticas da ocupao urbana;

    A utilizao do automvel pelas pessoas que residem em reas residenciais novas no interior de cidades consolidadas menor que em iguais reas construdas em zonas de expanso recente, sendo que as diferenas entre zonas exteriores aos permetros urbanos mais antigos e consolidados so muito reduzidas;

    As pessoas que residem em bairros com uma boa oferta de comrcio e de equipamentos de proximidade (por exemplo, escolas e espaos de lazer), e com densidades elevadas, tm uma menor intensidade do uso do automvel;

    Amisturafuncionaleacompacidadedaszonasurbanastmumainflunciapositivanospadresdemobilidade favorvel aos modos suaves e ao TC;

    A frequncia e extenso das viagens parecem ser, primariamente, uma funo das caractersticas socioeconmicas da populao e, secundariamente, do tipo de ambiente construdo em que vivem;

    As caractersticas do ambiente construdo so bons indicadores da procura de transporte em automvel (medida em veculoskm); valores elevados de densidade urbana influenciam significativamente o(menor) nmero de veculoskm percorridos em automvel por habitante.

    No entanto, outros estudos (Bagley and Mokhtarian, 2002; citado por Handy, 2002) evidenciam que, quando se consideram as variveis relacionadas com o estilo de vida e a atitude, as caractersticas urbanas do bairro deixam de ter importncia na explicao do uso do automvel. De facto, verificou-se que os residentes dos bairros onde haviamaior incidncia de viagens a p por motivos de compras, tinham escolhido residir nesses bairros porque preferiam fazer essas viagens a p (Silva et al., 2004).

    Seja como for, difcil no considerar a influncia da densidade e mistura urbanas nos padres de mobilidade, comoalis o demonstra um estudo recente sobre a rea Metropolitana de Lisboa (Silva et al., 2004), onde a modelao das relaes entre as caractersticas urbansticas, as variveis socioeconmicas da populao e as da oferta de transporte, permitiu concluir que:

    A densidade de uma zona funciona como varivel explicativa do peso do automvel na repartio modal, face ao total de km percorridos em todos os modos;

    O grau de compacidade da ocupao urbana apresenta uma relao inversa com a taxa de motorizao: quanto mais compacta uma zona menor o nmero de famlias com mais de um automvel;

    A densidade urbana aumenta a atractividade relativa do TC, em parte porque tambm nessas zonas que a oferta deste modo est mais consolidada e apresenta uma cobertura maior e mais uniforme.

    Como a prpria Conferncia Europeia dos Ministros dos Transportes reconheceu h dez anos atrs, a soluo do problema da mobilidade urbana segundo os princpios da sustentabilidade implica o desenvolvimento de polticas concertadas de urbanismo e transportes, que adoptem os seguintes instrumentos-chave:

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    Planeamentodousodosoloepolticasdecontrolodocrescimentourbanoqueinfluenciemospadresde urbanizao e incrementem a acessibilidade ao emprego, ao comrcio e servios, bem como a outras actividades, sem a necessidade de recurso deslocao em automvel;

    Polticas que afectem o preo dos combustveis, a compra e licenciamento dos automveis, o estacionamentoeautilizaodasinfraestruturasrodovirias,queinfluenciemaconcepodosveculos,a localizao das actividades, a escolha modal e o crescimento do tele-trabalho;

    Medidas que faam uso da telemtica para gesto da circulao, do estacionamento e da gesto dos transportespblicos,afimdeaumentaraeficinciadossistemasdedeslocaesurbanasepromovama mudana do automvel para os outros modos de transporte;

    Polticas que responsabilizem os empregadores pelo planeamento das deslocaes pendulares, de forma a reduzir os picos de trfego;

    Polticasrespeitantesaofinanciamento,privatizaoeaousodesistemasdeinformaoepromoo(marketing)queaumentemaeficinciaeaatractividadedotransportepblico;

    Medidas de implementao de zonas livres de automveis, de moderao da circulao e de prioridade ao peo, que fomentem a marcha a p e o uso da bicicleta, reduzindo os riscos para estes modos de transporte e promovendo a atractividade das cidades;

    Medidas que promovam a criao de zonas de intercmbio de mercadorias e o uso de veculos de distribuioadaptadoscidade,afimdeadequaralogsticascondiesurbanas.(OCDE,1995,pp.147 149).

    Pela anlise das polticas e medidas acima enunciadas, fcil constatar que a concretizao de uma mobilidade mais sustentvel exige no s uma actuao mais pr-activa, articulada sectorialmente e perseverante face ao tempo exigido para se alcanarem os resultados pretendidos como uma forte mobilizao dos vrios actores, tanto institucionais como sociais e econmicos, por forma a permitir a obteno dos necessrios compromissos polticos que as viabilizem na prtica. Trata-se, obviamente, de um longo caminho a percorrer.

    O conjunto das polticas e as principais caractersticas das solues a implementar, bem como a forma de o fazer, parecemnoentantoestarsuficientementeclarificadasedebatidas,paraalmdesedisporjdeumsignificativonmerode experincias de sucesso neste domnio da mobilidade sustentvel. Falta agora aplic-las decididamente, sendo certo que tal exige tempo, compromissos e uma permanente monitorizao dos seus resultados.

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    4 ORIENTAES METODOLGICAS PARA UMA MOBILIDADE SUSTENTVEL

    4.1 CIDADES DE MDIA DIMENSO

    As cidades de mdia dimenso (que no nosso Pas tm uma dimenso entre os 20 000 e os 100 000 habitantes), desempenham importantes funes de estruturao do territrio nacional fora das reas metropolitanas. Pelas suas caractersticas e pela dimenso espacial dos seus problemas, esto mais aptas a proporcionar o desenvolvimento de planos integrados de transportes, potenciando a formulao de polticas inovadoras de planeamento urbano e de organizao global do sistema de transportes que sejam mais eficientes. Alm disso, facilitam uma responsabilizao alargada detodos os actores envolvidos, ao mesmo tempo que podem servir de modelo de referncia para outras escalas de cidade.

    Cada espao urbano apresenta os seus problemas especficos de mobilidade e diferentes sensibilidades por parte doscidados e decisores polticos, o que no aconselha definio de objectivos generalizveis para a formulao deuma poltica demobilidade urbana sustentvel. , no entanto, possvel identificar um conjunto de objectivos genricosrelativamente consensuaiseque constituem refernciasbsicasnumqualquerprocessodedefiniodeumapolticadetransportes e na assumpo das grandes opes de gesto da mobilidade urbana (Seco, 2006).

    Como objectivo central e estratgico identifica-se a necessidade do sistema de transportes contribuir para a qualidade de vida das populaes, garantindo adequados nveis de acessibilidade s diferentes reas do territrio, o que implica a oferta com equidade de boas condies de mobilidade para as pessoas e mercadorias. O princpio de equidade tem subjacente o pressuposto de que o sistema de transportes deve assegurar um acesso geral de todos os cidados aos bens e servios que necessitam, bem como garantir o apoio a pessoas com mobilidade condicionada. Uma outra face desta questo prende-se com a necessidade de garantir condies adequadas de acessibilidade aos diferentes espaos residenciais, designadamente os que apresentam nveis limitados de procura, onde haver que aplicar o conceito de servio pblico. Este aspecto particularmente relevante nos Municpios de mdia dimenso marcados por uma elevada disperso urbana, onde devero ser garantidos nveis mnimos de acessibilidade, mesmo que tal no se revele economicamente rentvel (ver captulo sobre transportes colectivos em espao rural e reas de baixa densidade urbana).

    Um segundo objectivo estratgico prende-se com a criao de condies necessrias (aindaquenosuficientes)ao desenvolvimento econmico do espao urbano abrangido, mediante a construo de boas condies de acessibilidade aos diferentes pontos do territrio. De facto, quanto mais baixos forem os custos generalizados associados s ligaes entre os diferentes espaos de actividade, maiores sero as oportunidades para que as actividades econmicas se desenvolvam, dado que tal diminui uma parte dos designados custos de sustento.

    Um ltimo conjunto de objectivos prende-se com a necessidade de optimizao da eficincia global do sistema, designadamenteasuaeficinciaoperacional,ambientaleenergtica.Aeficinciaoperacionaldosistemaestassociada,por um lado, optimizao das suas condies de funcionamento, particularmente ao nvel da rapidez, fiabilidade eseguranadasdeslocaese,poroutrolado,minimizaodoesforofinanceiroassociadosuaimplementao,operaoe manuteno. Importa ainda minimizar os impactes negativos que, inevitavelmente, o funcionamento do sistema de transportestemsobreoambientenaturaleurbano,sendoqueesteaspectotemvindoaganharsignificativaimportnciaao longo dos ltimos anos, fruto da crescente conscincia ambiental da sociedade. Finalmente, importa minimizar o consumo energtico do sistema. Este objectivo est em parte ligado s questes ambientais j referidas, mas tambm actual dependncia dos transportes relativamente aos combustveis fsseis, em particular o petrleo. A concretizao destes objectivos passa inevitavelmente por uma aposta firme nosmodos de deslocao commenoresimpactes ambientais e economicamente mais viveis e no controlo das viagens em veculo individual. Contrariar a conjuntura actual de dependncia crescente do automvel privado dever ainda passar pela melhoria da sustentabilidade econmica, social e ambiental dos transportes urbanos. Entre as aces estratgicas sugeridas pelos documentos de orientao poltica da Unio Europeia contam-se (adaptado de Livro Branco COM, 2001 e WGSUT, 2004):

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    A promoo de estratgias de ordenamento do territrio que reduzam a necessidade de mobilidade e permitam a criao de alternativas (nomeadamente em TP) aos transportes individuais motorizados,

    A promoo de sistemas interligados e complementares de transportes colectivos, de redes de pees e de ciclovias,

    A promoo da utilizao mais racional do automvel particular, quer fomentando o seu uso partilhado quer atravs de alteraes de regras e hbitos de conduo.

    Desta forma, qualquer actuao sobre o sistema de transportes dever passar pelo reforo dos conceitos de intermodalidade e multimodalidade dos transportes assente numa viso estratgica e sistmica, na coordenao e integrao de polticas ambientais e de mobilidade urbana, bem como no dilogo concertado e colaborao entre entidades. Tambm o desenvolvimento de uma poltica de planeamento que tenha em conta o territrio e a sua interaco com o sistema de transportes se revela fundamental a este tipo de actuaes.

    Princpios metodolgicos e informao a coligir

    A formulao de uma poltica de mobilidade sustentvel aplicada a um sistema de transportes urbano de uma cidade de mdia dimenso dever servir de base a subsequentes processos de planeamento, implementao e gesto desse mesmo sistema, pelo que representa um processo complexo onde interagem questes e decises tcnicas e polticas, envolvendo um nmero elevado de actores.

    Na realidade, cada centro urbano apresenta as suas prprias caractersticas e especificidades que condicionamsignificativamenteasuperaodosproblemasdeacessibilidadeemobilidade.,noentanto,possveldefinirumconjuntode princpios metodolgicos bsicos e de formas genricas de actuao sobre o sistema, que podem servir de referncia a este processo. De forma genrica, qualquer processo dever passar por quatro fases: 1 avaliao da situao de partida; 2 estudo de solues; 3 definio da soluo integrada e medidas de interveno; e 4 implementaodas aces e monitorizao.

    Fase 1 Avaliao da situao de partida

    Qualquerprocessodeplaneamentodeveriniciar-sepelaidentificaodetalhadadosproblemasexistentes,dastendnciasdeevoluodosistema,bemcomodosobjectivosfundamentaisaatingir(verFigura4.1.1).Deverainda,seridentificadoum conjunto de critrios de avaliao do desempenho do sistema que permitam avaliar, de forma objectiva, os resultados obtidos. Importa ainda proceder a uma identificao e caracterizao cuidadosa de todos os factores que delimitam ouniverso de solues admissveis para a organizao do sistema.

    Nessa ptica, assume aqui particular relevncia promover um adequado e completo diagnstico da situao local. Uma das condicionantes bsicas corresponde forma como a populao existente caracteriza e valoriza as questes ligadas qualidade de vida, aos problemas de preservao do patrimnio natural e histrico, problemtica da sustentabilidade ambiental e ao funcionamento dos sistemas de transporte. S o conhecimento da sensibilidade da populao a estes diferentesnveispermitirdefinire sustentar soluesque respondamssuasnecessidadesespecficase salvaguardemo xito da soluo. Esta informao, apesar de essencial, no entanto difcil de obter com representatividade adequada. Aauscultaodeentidadeseindividualidadesquepossamrepresentaravisodapopulaoafigura-seporissoessencial(Presidentes de Juntas de Freguesia, representantes de associaes ou instituies locais, entre outros), embora, idealmente, essa informao / viso deva ser aferida e corroborada atravs de inquritos dirigidos populao local.

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    Figura 4.1.1: Metodologia de formulao de uma poltica de mobilidade urbana

    Fonte: Adaptado de Seco, 2006

    Igualmente indispensvel a aposta na caracterizao detalhada e rigorosa do sistema de transportes existente, sendo que essa caracterizao dever incidir quer ao nvel da procura quer da oferta de transportes, abrangendo ainda cenrios da sua evoluo previsvel ao longo do tempo. Tambm a caracterizao do territrio fundamental para se equacionar a soluo a implementar. De facto, os padres da procura resultantes das actividades econmicas e sociais, bem como as caractersticas dos diferentes tipos de oferta de transportes existentes, apresentam uma inrcia considervel mudana. Estes podero assim condicionar fortemente a liberdade de seleco de novas formas de organizao e operao do sistema de transportes, sendo este efeito de inrcia particularmente notrio nas cidades de pequena e mdia dimenso. Domesmomodo, as caractersticas dos espaos naturais e do edificado do territrio em anlise podero condicionar aescolhadassoluesaadoptar.Nessamedida,estesaspectosrepresentam,porventura,acomponentemaissignificativade gastos num processo de caracterizao e diagnstico. Importa, todavia, perceber que grande parte desta informao poder estar disponvel, pelo que o primeiro passo dever passar pela angariao e compilao de planos, estudos e outros documentos de interesse existentes no Municpio, em Operadoras de transportes pblicos ou outras entidades com interesse / actuao na mobilidade local. Na ausncia de informao actualizada, devero ser promovidas sesses de recolha de dados complementares, que abranjam os subsistemas ou reas temticas mais deficitrias (contagensde trfego classificadas, inquritos origem / destino, inquritos ao domiclio, inquritos telefnicos, etc.). Em qualquerdas situaes, as observaes locais revelam-se essenciais visualizao dos problemas e definio de soluesdevidamente adaptadas s exigncias e especificidades locais.

    Fase 2 Estudo de solues

    Terminada a fase de caracterizao e diagnstico, importa estudar quais as solues mais adequadas ao sistema em anlise. Partindo da constatao de que a organizao de um sistema de transportes um problema multi-objectivo, facilmente se conclui que no , normalmente, possvel definir solues genricas optimizadas, sendo que a soluo adelinear tender a depender dos objectivos pr-estabelecidos. H no entanto dois aspectos essenciais a considerar na definio da soluo: os diferentes ambientes urbanos que integram o espao urbano e a dimenso da cidade.

    Na realidade, as estratgias de actuao devem ter por base as caractersticas prevalecentes do territrio e da morfologia urbana, sendo que as solues delineadas para uma zona histrica onde, impreterivelmente, se deve ter como referncia permanente a nobreza dos espaos e a habitual existncia de redes virias irregulares e condicionadas e, por consequncia, a necessidade de ser aplicado o princpio das capacidades ambientalmente sustentveis, devero naturalmente diferir das implementadas em espaos suburbanos de ocupao dispersa, onde o transporte individual e, em alguns casos, o modo ciclvel, tendero, per si ou de forma integrada, a assumir um papel claramente dominante na acessibilidade a esses espaos.

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    Tambma escala do problema umelemento fundamental para a identificao das soluesmais adequadas a cadaespao urbano. Nas cidades de mdia dimenso, a mobilidade baseada no automvel tem vindo a conquistar uma posio dominante, sendo o modo pedonal dirigido maioritariamente s deslocaes de curta distncia. Para alm destes modos, tambmomodociclvelpoderterumafunoimportantenascidadescomorografiafavorvel,emborapressuponhaumtrabalho prvio de actuao sobre a alterao de comportamentos e de investimento nas correspondentes infraestruturas (ver captulo sobre modos suaves).

    Por outro lado, as deslocaes de mdia-longa dimenso realizadas por cidados sem disponibilidade ou acesso ao automvel ou a redes de transportes colectivos devero ser melhor servidas pelo servio de txi (mesmo quando operado de forma semi-colectiva), que apresenta uma capacidade de transporte adequada a nveis de procura pouco elevados. escala do Municpio e para os espaos urbanos centrais nas cidades de maior dimenso (mais prximas dos 60 000 a 100 000 habitantes) os servios de transportes colectivos rodovirios municipais podem no s ter um papel importante na mobilidade local, como serem suportveis do ponto de vista econmico. Nas cidades mdias de maiores dimenses poder ainda justificar-se a existncia de uma linha ou rede de transportes urbanos. Afigura-se ainda potencialmenteinteressante o desenvolvimento de solues de transporte colectivo do tipo bus por chamada ou txi colectivo, designadamente para servio de pessoas com mobilidade condicionada, ou como forma de responder s necessidades bsicas de transporte em espaos de baixa densidade residencial, e tambm em perodos de baixa procura, funcionando como sistemas complementares rede de transportes colectivos existente.

    Em termos metodolgicos, assume aqui particular relevncia uma anlise detalhada das melhores prticas internacionais namatria, identificando-seum conjunto de solues genricas quepodemser consideradas benchmarks e que, comas devidas adaptaes, possam servir de modelo de referncia a seguir em cada caso concreto.

    Fase3Definiodasoluointegradaemedidasdeinterveno

    As formas de actuao sobre o sistema so particularmente complexas, envolvendo a articulao coordenada de polticas transversais sobre o sistema de transportes, aces que minimizem viagens motorizadas evitveis, envolvimento de actores e o desenvolvimento de aces de sensibilizao e de informao que contribuam para alterar o actual paradigma da mobilidade urbana. A procura da mxima complementaridade entre todos os modos de transporte, incluindo os modos suaves, por isso uma questo essencial a resolver.

    Importa reconhecer que, para resolver os impactes negativos da mobilidade urbana no ambiente, na economia, na qualidade de vida, na sade pblica e na segurana, no existem solues nicas ou padro, sendo necessrio optar por abordagens combinadas e devidamente ajustadas s caractersticas e especificidades locais.

    ainda essencial perceber que todos os modos de deslocao, incluindo o transporte individual, assumem um papel relevante no sistema de transportes urbano. Como tal, um sistema de transportes eficiente aquele que consegueconciliar, de forma harmoniosa e sustentvel, todos os modos disponveis ou disponibilizveis.

    Actuao ao nvel do sistema de transportes

    As formas de actuao, numa ptica de mobilidade sustentvel, passam por:

    Procuraraumentaraeficinciadostransportescolectivos,

    Promover os modos suaves, e

    Encorajar o uso do automvel de forma complementar aos outros modos de transporte, nomeadamente quando estes noconseguemresponderdeformaeficazsnecessidadesdedeslocaodapopulao.

    Tal pode ser conseguido quer incentivando o aumento da taxa de ocupao do automvel, quer mesmo por imposio de restries sua utilizao em espaos centrais ou nobres. Em cidades de mdia dimenso, as formas de actuao incidem fundamentalmente neste segundo grupo de aces, embora por vezes a dimenso da cidade potencie, de forma quase natural, esquemas informais de boleias previamente organizadas, ou no.

    Numsegundonvelidentificam-se:

    As restries a impor circulao automvel nos espaos urbanos centrais,

    A sua proibio,

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    O condicionamento (no tempo e no espao), ou

    O desincentivo utilizao do veculo individual (aumento dos percursos ou do tempo de deslocao, condicionamento ao trnsito, tarifao do estacionamento, entre outras medidas).

    Estas aces devem ser conjugadas com a oferta de alternativas.Referem-se neste contexto:

    A criao de parques perifricos ao espao urbano (habitualmente designados de Park&Ride P&R), gratuitos ou taxados a preos mdicos (normalmente como forma de fazer face s despesas de manuteno e vigilncia) devidamente interligados com o sistema de transporte colectivo, ou

    Os percursos pedonais de acesso ao centro, que funcionam como medidas dissuasoras penetrao do veculo no espao central.

    Face dimenso da cidade, muitas das vezes, a segunda componente da viagem poder revelar-se totalmente compatvel com o modo pedonal ou com a bicicleta, funcionando como alternativa directa ou substituto do transporte colectivo. Refira-seque,faceaosproblemascaractersticosdamaioriadascidadesdemdiadimenso(populaodispersanoterritrioealgumadificuldadedeviabilidadefinanceiradosserviosdetransportepblicoorganizadosdeformaconvencionalquepermita garantir uma oferta adequada), a maioria dos Municpios opta por no cobrir ou assegurar os nveis mnimos de acessibilidade por transporte colectivo ao territrio com povoamento mais disperso, pelo que os sistemas pblicos mais flexveiseoprprioautomvelindividualdeverocontinuaraapresentar-secomoformasaconsiderarparadeslocaesapartir desses espaos.

    No espao urbano central, devero privilegiar-se as deslocaes por transporte colectivo e modos suaves. Asmedidasdepromoodotransportecolectivoincidemsobretudonasuadiscriminaopositiva.Entreoutras,identificam-se:

    A criao de vias dedicadas (corredores BUS),

    Acesso directo a locais interditados ao veculo automvel (sejam ruas, praas ou zonas), ou

    Medidas de prioridade em cruzamentos.

    Tambm a aposta em sistemas de informao devidamente integrados em sistemas de gesto de trfego urbano, associados melhoria dos servios prestados, diminuio dos tempos de espera, qualidade das paragens e modalidades de bilhtica, assumem um papel fundamental na captao de novos utilizadores.

    Por sua vez, a rede pedonal assume uma importncia central na mobilidade urbana, particularmente nas viagens de curta distncia. Os pees representam os elementos mais vulnerveis do sistema, devendo ser dada particular ateno estruturao e dimensionamento de todos os elementos constituintes da rede pedonal (espaos de circulao, atravessamentos e interfaces). Devem ainda ser devidamente acauteladas as necessidades de pessoas com mobilidade condicionada, quernaadaptaodainfraestruturaexistente,quernadefiniodascaractersticasdeacessibilidadepedonalnosnovosempreendimentos urbanos. Esses elementos devem formar um sistema homogneo e articulado, sendo que a concepo, implementao e gesto do sistema pedonal deve ser realizada de modo a que seja possvel atingir os seguintes objectivos gerais: segurana, comodidade, atractividade, rapidez e coerncia. As mesmas preocupaes de base devero suportar a definiodarededeciclovias,devendotambmapostar-senapromoodeserviosdeapoio(oficinas,vestirios,parquesde estacionamento, rent-a-bike, entre outras aces) e na adopo de medidas que potenciem a segurana deste tipo de utilizadores(ex:viasprprias,partilhadeespaos,medidasemcruzamentos).Refira-sequeabicicletaapresentaumpotencial de aplicao particularmente favorvel s cidades de mdia dimenso, j que, para alm dos nveis de procura de trfego automvel no constiturem barreiras acentuadas sua circulao, o seu raio de aco privilegiado (habitualmente at 10 a 15 km) cobre a maioria das deslocaes urbanas e suburbanas, sendo que, segundo a Comisso Europeia (2000), 30% das viagens em meio urbano abrangem distncias inferiores a 3 km e 50% inferiores a 5 km. Face ao exposto, e semelhana do que j ocorre em muitas cidades, este modo de transporte dever contribuir para a alterao do paradigma da mobilidade urbana e para a criao de uma nova imagem de deslocaes em espao urbano, em particular nas cidades planas.

    Actuao sobre o Ordenamento do Territrio

    reconhecido que a morfologia urbana influencia os padres demobilidade, nomeadamente numa perspectiva desustentabilidade, sendo que alguns autores argumentam que a cidade compacta , provavelmente, a forma mais eficazdopontodevistaenergtico,tendoigualmentevantagenssociaiseeconmicas.Tambmoutrasmorfologiasurbanas,

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    tais como a concentrao descentralizada ou a cidade linear (ao longo de grandes linhas de transportes colectivos) soconsideradaseficientes(Stead,2001).Acaractersticacomumpartilhadaporestasdiferentesmorfologiasassentanoaumento da densidade urbana em torno de pontos de grande acessibilidade. A urbanizao de alta densidade combinada com redes de transporte colectivo est associada a um menor nmero de deslocaes, conseguindo-se uma reduo de 10-15%dousodecombustvelnotransporte(Ecotec,1993).Tambmadefiniodereasurbanasdeusomistoquefomentem a diversidade de funes, tem constitudo um objectivo do Novo Urbanismo, traduzido em espaos urbanos auto-suficientes.Osprincpiosbsicosdeurbanismo,comoosformuladosnaCartadeAtenas,tenderoasersubstitudospor novas formas de urbanismo sustentvel. Tambm o Conselho Europeu de Urbanistas tem em vista uma reviso dos princpios de urbanismo, promovendo a combinao das funes urbanas (ver o documento A Nova Carta de Atenas).Desta sntese ressalta a ideia de que os projectos urbansticos e o planeamento urbano devem incluir nas suas propostas a questo da mobilidade sustentvel como um novo paradigma de planeamento, de modo a alterar, de forma decisiva, o actual panorama de uma expanso urbana dispersa e fortemente dependente do veculo individual motorizado.

    Campanhas de informao, sensibilizao e envolvimento de actores

    Osdesgniosdoespaourbano,ondeosdiferentesutilizadoresdevemsaberpartilharomesmoespaocanal,comreflexosna qualidade do espao pblico, so claramente reveladores da pertinncia da participao pblica. O repensar dos espaos pblicoscomoelementos-chavequalidadedevida local, justificaoenvolvimento,nosdosdecisoreseagentesdedesenvolvimento, mas tambm, de forma directa e participativa, das populaes locais. Numa cidade de mdia dimenso o envolvimento da Autarquia e Juntas de Freguesia, dos Operadores de transportes colectivos, e outras empresas de transporte, eventuais financiadores, associaes e instituies relevantes (escolas,associaes desportivas, entre outros) e a comunidade em geral, revela-se essencial e indispensvel ao xito das aces. A este nvel considera-se ainda indispensvel que todas as fases do projecto e da obra se faam acompanhar da promoo e organizao de sesses de divulgao e informao particularmente dirigidas populao. S assim se potencia uma responsabilizao alargada, levando todos os interessados a participar na formulao e aplicao de estratgias urbanas integradas conducentes promoo de uma mobilidade sustentvel.Nessa mesma linha de aco, as campanhas de sensibilizao da opinio pblica e de informao, so medidas vitais de acompanhamento das aces indicadas. Algumas referncias da especialidade revelam que as campanhas, por si s, podem dar uma contribuio fulcral ao xito das aces empreendidas.

    Fase 4 Implementao das aces e monitorizao

    A ltima fase do processo assenta na implementao das aces e no seu acompanhamento permanente. Embora em Portugalnoexistaumagrande tradionestecontexto,amesma revela-sedeterminanteavaliaodaeficincia realassociada a cada tipologia de medida e eventual necessidade de introduzir ajustes s solues adoptadas, de modo a aumentar o seu desempenho global.

    RefernciasBibliogrficas

    [1] CE/UE (2001). Livro Branco A Poltica Europeia de Transportes no Horizonte 2010: a hora das opes. Comisso Europeia, Bruxelas.

    [2] CE/UE (2000). Cidades para Bicicletas, Cidades de Futuro. Comisso Europeia, Luxemburgo.

    [3] SECO, A.J.M. (2006). Solues Eficientes de Organizao da Mobilidade Urbana. Textos Didcticos, FCTUC, Coimbra.

    [4] STEAD, D. (2001). Relationships Between Land Use, Socioeconomic Factors, and Travel Patterns in Britain. Environment and Planning B: Planning and Design, 28(4), 499-528.

    [5] WGSUT (2004). Working Group on Sustainable Urban Transport. Final Report. (Informe del Grupo de la Union Europea sobre Transporte Urbano Sostenible), Janeiro.

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    4.2 TRANSPORTES COLECTIVOS EM ESPAO RURAL E REAS DE BAIxA DENSIDADE URBANA

    A problemtica da mobilidade em espao rural e reas de baixa densidade urbana encerra particularidades que decorremdomacro-contexto (econmico, social, demogrfico, cultural e territorial) emqueas deslocaesdas pessoasoperam, e que colocam ao planeamento dos transportes, em articulao ou de forma integrada com o planeamento doterritrio,odesafiodesatisfazerasnecessidadesdedeslocaodestaspopulaes(tendencialmentecaracterizadaspornveis de mobilidade relativamente reduzidos) atravs de uma oferta de servios de transporte colectivo de passageiros comnveis de serviomais adequados, comuma cobertura territorialmais ampla e financeiramente sustentvel.

    No obstante estemacro-contexto ser, necessariamente, diverso no espao nacional, possvel identificar um conjuntode caractersticas comuns, as quais possibilitam a determinao de um padro transversal a estes territrios, e que so determinantes da mobilidade das populaes a residentes:

    Estruturas de povoamento pautadas pela disperso da populao ou pela sua concentrao em aglomerados de pequena dimenso, com maior ou menor disperso no territrio;

    Prevalncia de duas tendncias pesadas correlacionadas, o progressivo despovoamento de vastas reas predominantemente rurais, acompanhado por alguma resistncia de certos ncleos urbanos (geralmente sedes de Municpio);

    Tendncia de concentrao da oferta de equipamentos, servios e bens nos ncleos urbanos de nvel superior (sedes de Municpio);

    Ocorrncia de alteraes socioeconmicas de cariz estrutural, induzidas por transformaes nas bases produtivas locais, as quais constituram, enquanto factores de repulso (push), um importante estmulo mobilidade geogrficadosescalesetriosmaisjovens,comreflexosnodespovoamentodasreaspredominantementerurais;

    Estruturas etrias caracterizadas por acentuados nveis de envelhecimento da populao e baixos nveis de rendimento da populao residente, traduzveis em nveis de poder de compra igualmente baixos;

    Redes de transporte escolar com custos de operao relativamente elevados, justificados pela necessidade deassegurar a deslocao diria da populao escolar (mais ou menos dispersa pelo territrio) para estabelecimentos de ensino por vezes distantes das reas de residncia (neste sentido, importa notar que as orientaes de reorganizao da rede escolar tm conduzido ao encerramento de vrios estabelecimentos de ensino, essencialmente em reas isoladas ou de baixa densidade, o que tem exigido o desenvolvimento de novas respostas em matria de transporte escolar).

    A inexistncia de umamassa crtica (entenda-se limiar de procura) que justifique ou viabilize quer pela dimenso ecaractersticas socioeconmicas dos efectivos populacionais (que constituem a procura potencial), quer pela sua disperso territorial uma oferta de transporte pblico regular (com cobertura, frequncia, regularidade, conforto e diversidade de servios adequados), assim como a ocorrncia de padres de mobilidade pouco consentneos com este tipo de oferta, traduzem-se numa oferta de servios de transporte desajustada relativamente s necessidades especficas dosdiferentessegmentosdaprocura,colocando-seaquiosdesafiosimediatosdaequidadesocialedacoesosocioeconmicae territorial. Por seu turno, os Operadores de transportes a operar em reas rurais de baixa densidade tm mostrado, deummodogeral, algumadificuldadeemdesenvolver soluesde serviosde transportepblico inovadoras (entenda-se mais flexveis), adaptadas s necessidades especficas de mobilidade das populaes rurais. Esta situao decorreno apenas da dificuldade em implementar solues alternativas oferta tradicional de servios de transporte regulardecorrente de uma estrutura e praxis organizacional e de planeamento e gesto da oferta por vezes demasiado rgida, como tambm das dificuldades inerentes necessidade de investimento que esta adaptao pressupe, num contextode baixa rentabilidadefinanceira dos servios de transporte pblico, ou resultamainda do prprio enquadramento legal(in)existente em relao a este tipo de serviosmais flexveis.

    Deste prembulo resulta claro que qualquer aco a empreender no domnio da oferta de servios de transporte colectivo em espao rural e reas de baixa densidade urbana requer um profundo conhecimento da situao de partida no territrio que constitui a rea de interveno. A contratualizao de novos percursos ao Operador de transportes, a reestruturao das carreiras existentes, a implementao de novos servios com horrios e percursos flexveis, o

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    transporte de passageiros em viaturas subutilizadas da rede de transporte escolar ou de outras redes de servios a operar no territrio (ex: redes de servios sociais, rede de servios de transporte de funcionrios das autarquias, rede de transporte e distribuio dos CTT), so exemplos de solues de transporte cuja concepo, desenvolvimento e implementao exigem a avaliao prvia das condies de mobilidade da populao e do macro-contexto em que as deslocaesocorrem,possibilitandoassimaferir aespecificidadedospadreseproblemasdemobilidadee,bemassim,a adequabilidade da soluo (ou solues) de transporte a desenvolver.

    De acordo com a experincia desenvolvida no mbito do Projecto Mobilidade Sustentvel, prope-se uma abordagem metodolgica desta problemtica dos transportes colectivos em espao rural e reas de baixa densidade urbana assente em quatro fases conexas e complementares, a saber:

    Figura 4.2.1: Abordagem metodolgica do transporte em espao rural e reas de baixa densidade urbana

    Avaliao da Situao de

    Partida

    2 esaF1 esaF

    Fase 4 Fase 3

    Avaliao das Solues

    Alternativas de Transporte

    Planeamento do Servio de Transporte

    Operacionalizaodo Servio de

    Transporte

    Evoluo do Sistema

    Fase 1 Avaliao da situao de partida

    A elaborao de um bom diagnstico da situao de referncia na rea de interveno constitui uma condio essencial identificao das principais condicionantes mobilidade da populao e, bem assim, garantia de conformidade dosobjectivos a delinear para as solues a desenvolver e da adequabilidade dos servios de transporte a implementar relativamente s necessidades dos diferentes segmentos da procura, atendendo s especificidades inerentes aomacro- -contexto em que os mesmos so prestados.

    Delimitao da rea de intervenoA primeira etapa dever consistir na delimitao do permetro ou rea de interveno, no qual incidir a anlise a desenvolver nesta Fase e para o qual sero equacionadas as solues de transporte colectivo. A rea de interveno poder corresponder, por exemplo, a uma freguesia ou conjunto de freguesias, a um Municpio ou a uma parcela do territrio no coincidente com limites administrativos, ou ainda a um conjunto de Municpios.

    CaracterizaodaestruturaedinmicademogrficaO perfil demogrfico da populao residente na rea de interveno constitui um factor que influi nos padres demobilidade, no volume da procura, na motivao da deslocao (ex: trabalho, ensino, aquisio de bens / servios, acesso a equipamentos colectivos) ou no tipo de procura (utentes regulares ou utentes ocasionais). Desta forma, a dimenso dos efectivos populacionais, a sua dinmica recente e tendncias evolutivas, o peso da populao residente por grupos etrios, assim como a estrutura familiar, so aspectos cuja anlise importa considerar. As estatsticas disponibilizadas pelo Instituto Nacional de Estatstica (designadamente nos Recenseamentos Gerais da Populao e Anurios Estatsticos) so, em geral, uma fonte privilegiada de informao para a elaborao desta anlise.

    Caracterizao socioeconmicaNo estudo das caractersticas socioeconmicas da populao residente ser relevante perceber aspectos como o nvel de actividade da populao, a estrutura da populao empregada por grupos etrios, o nvel de desemprego ou o nvel de

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    rendimentodasfamlias,namedidaemquesopassveisdeinfluenciar,porexemplo,onmerodedeslocaesouaopoentre transporte individual e transporte pblico. Os Recenseamentos Gerais da Populao e Anurios Estatsticos publicados pelo Instituto Nacional de Estatstica e os Quadros de Pessoal publicados pelo Gabinete de Estratgia e Planeamento (Ministrio do Trabalho e Solidariedade Social) disponibilizam informao que, de um modo geral, permite aprofundar este domnio de anlise. Admite-se ainda que algumas autarquias possam dispor de informao estatstica prpria, eventualmente mais actualizada e com nveis de desagregao mais adequados ao tipo de anlise e natureza do estudo. Outra possibilidade, que importa desde logo equacionar, consiste na realizao de inquritos populao, pois constituem bons instrumentos para apuramento de informao actualizada e direccionada para as necessidades do estudo.

    Caracterizao da estrutura de povoamento e rede urbanaA estrutura do povoamento e a hierarquia urbana so factores incontornveis no planeamento da oferta de servios de transporte colectivo em espao rural e reas de baixa densidade urbana. A prevalncia de uma estrutura de povoamento dominada pela disperso da populao populao isolada, populao residente em aglomerados de muito pequena dimenso dispersos pelo territrio ou pela concentrao em aglomerados de pequena / mdia dimenso, exige solues de transporte adaptadas s especificidades dos padres demobilidade que lhes subjazem. Por sua vez, a anlise dahierarquia urbana (considerando critrios funcionais tipo e nmero de funes disponibilizados populacionais dimensodoefectivopopulacionaldeacessibilidadeex:classificaodasviasqueservemosaglomerados,nmerodeservios de transporte pblico com origem / destino / passagem nos aglomerados), ao veicular o posicionamento dos vrios aglomeradosnaredeurbana(cujahierarquizaopoderassumir,porexemplo,aclassificaodeaglomeradosdenvelsuperior, nvel intermdio e nvel inferior) e a sua capacidade de polarizao relativamente aos espaos perifricos (i.e. a sua readeinfluncia),permitecaracterizarecompreenderomodelodeorganizaoterritorialdareadeinterveno.Serassim possvel determinar a capacidade dos vrios aglomerados para satisfazer as necessidades da populao residente na suareadeinflunciaparaumconjuntodefunes(reduzindoouaumentandoasnecessidadesdedeslocao)eidentificaros destinos tendenciais para aquisio de um bem / servio quando no disponibilizado por um determinado aglomerado.

    Neste sentido, a densidade populacional constitui um indicador que transmite uma leitura de enquadramento til interpretao da ocupao do territrio na rea de interveno. Para conhecer, em pormenor, a estrutura do povoamento poder recorrer-se anlise da populao residente por dimenso de lugar, indicador disponibilizado pelos Recenseamentos Gerais da Populao (um eventual desfasamento temporal entre o ano de referncia deste levantamento e o ano de elaborao do estudo, poder exigir a introduo de um factor de correco que traduza os efeitos da dinmica da rea de interveno). No que concerne rede urbana, a sua determinao exigir a adopo de uma abordagem metodolgica que reflictaasespecificidadesdareadeinterveno.OsrelatriosdecaracterizaoediagnsticoqueacompanhamosPlanosDirectores Municipais podem disponibilizar esta anlise, que, no caso de ser relativamente actual, poder ser utilizada no mbito do estudo.

    IdentificaoecaracterizaodasprincipaisdeslocaesPara determinar os padres de mobilidade da populao na rea de interveno importa proceder identificao ecaracterizao das deslocaes (habituais e ocasionais), o que dever permitir perceber a dimenso e principais direces das deslocaes originadas e atradas pelos aglomerados da rea de interveno (construindo-se, por exemplo, matrizes O/D), identificar os modos de transporte utilizados nas deslocaes e conhecer os tempos mdios das deslocaes,recomendando-se o desenvolvimento de uma anlise diacrnica, por forma a permitir perceber a evoluo destes parmetros na rea de interveno (ex: evoluo do nmero de deslocaes geradas / atradas, evoluo da repartio modal, evoluo dos tempos de deslocao). Os Recenseamentos Gerais da Populao disponibilizam esta informao (para as deslocaes por motivo de trabalho / estudo, i.e. deslocaes de cariz regular ou habitual), embora tendo a freguesia como unidade mnima de referenciao espacial. Com efeito, a estimativa das deslocaes (e, bem assim, da procura potencial) dever ser complementada pela aplicao de mtodos de estimativa (mtodos expeditos, mtodos indirectos ou mtodos directos) que permitiro perceber, a uma escala adequada ao planeamento da rede, os padres de mobilidade no momento actual e a sua tendncia evolutiva num horizonte de mdio / mdio-longo prazo. Sempre que possvel ser til proceder a inquritos domicilirios ou nas principais empresas empregadoras e estabelecimentos escolares, para actualizar este tipo de informao.

    IdentificaoecaracterizaodosplosgeradoreseplosatractoresdedeslocaesA anlise desenvolvida no ponto precedente disponibilizar, em princpio, os elementos informativos necessrios produo depeas cartogrficasque representemonmeroe tipodedeslocaesgeradasnareade interveno,epermitiridentificarosplosatractoresdestasdeslocaes.Relativamenteaesteltimoaspecto, serainda relevanteproceder sua caracterizao (ex: tratando-se de um equipamento de sade centro de sade, extenso de centro de sade, etc. importa conhecer, por exemplo, as valncias, tipos de servios disponibilizados, horrio de funcionamento), na

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    medida em que condicionaro a procura (ex: as deslocaes por motivo de trabalho so, em princpio, dirias e em grande partedoscasostenderoaocorreraoinciodamanhefinaltarde;asdeslocaesparaaquisiodebenseserviosdependendo da sua natureza podero ocorrer semanalmente ou quinzenalmente) e, assim, as caractersticas dos servios de transporte colectivo a implementar.

    Caracterizao da oferta de transporteAavaliaodanecessidadedeimplementaodenovosserviosdetransportepararesponderscarnciasidentificadasnarea de interveno pressupe a caracterizao prvia da oferta existente, na medida em que os novos servios devero suplantar debilidades da rede de transportes colectivos, melhorando a qualidade dos servios prestados e potenciando a melhoria da mobilidade da populao. Para tal, dever ser feito o levantamento dos servios existentes e a avaliao da sua qualidade (atravs de indicadores de avaliao da qualidade do servio), considerando os servios prestados por Operadores de transporte, assim como a oferta disponibilizada por entidades pblicas (ex: servios de transporte escolar prestados directamente pela autarquia ou servios de transporte de idosos disponibilizados por Juntas de Freguesia), entidades de cariz social (ex: servios de transporte de doentes) ou outras.

    Acresce que as caractersticas do povoamento no tipo de espaos em anlise ou o quadro natural em que estes se podem inserir, em particular no que se refere s formas de relevo, so passveis de se formular como factores condicionadores da permeabilidade e acessibilidade do territrio. Com efeito, dever proceder-se ao levantamento e caracterizao da rede viria na rea de interveno (informao geralmente disponvel nos servios tcnicos das autarquias), considerando parmetros como as caractersticas do traado, a largura da via ou o tipo e estado de conservao do pavimento. As caractersticas do servio a prestar e as caractersticas tcnicas do material circulante so aspectos cuja ponderao no processodeplaneamentodarededetransporteinfluenciadapelasprpriascaractersticasdaredeviria.

    Fase 2 Avaliao das solues alternativas de transporte

    O tipo de soluo a adoptar no sentido de superar os principais problemas e condicionantes mobilidade da populao em espaos rurais e reas de baixa densidade urbana depende, necessariamente, de uma panplia de factores. As especificidadessocio-demogrficas,socioeconmicasefisco-geogrficasdoterritrioqueconstituiareadeinterveno,os padres de mobilidade da populao residente, o sistema de povoamento, a hierarquia da rede urbana ou os servios de transporte existentes, constituem factores que condicionam a mobilidade, determinando problemas cuja resoluo exige a adopodeuma soluo adequadaa tais especificidades, enquadradapor um conjunto de objectivosespecficos, na qual sejam preconizados servios de transporte que respondam s necessidades da populao. Face aoexposto, prope-se a prossecuo das seguintes etapas metodolgicas:

    IdentificaodosprincipaisproblemasecondicionantesmobilidadedapopulaoA caracterizao dos principais problemas e condicionantes mobilidade da populao na rea de interveno, tendo por base a aferio da adequao da oferta de servios de transporte colectivo relativamente s necessidades dos diferentes segmentos da procura, permitir sistematizar as debilidades dee as quais ser relevante actuar. A existncia de reas no servidas ou mal servidas por TP, horrios e percursos desadequados face s necessidades da procura ou material circulante no adaptado a pessoas com mobilidade reduzida, so exemplos de problemas que podero constituir domnios prioritrios de interveno.

    DefiniodosobjectivosdasoluoaadoptarTendo em conta os principais problemas e condicionantes mobilidade da populao, sistematizados sob a forma de domnios prioritrios de interveno, dever-se- estabelecer um conjunto coerente e articulado de objectivos, ancorados na resoluo de tais debilidades e na elevao da qualidade dos servios de transporte colectivo. Desta forma, prope-sequeestesobjectivossejamequacionadoscomoumconjuntodeorientaesespecficasparaarededetransportescolectivos (perspectiva da oferta) e para o sistema de mobilidade (perspectiva da procura) na rea de interveno, a concretizar com a soluo a impl