Programa Teixeira de Freitas 2º/2013 - stf.jus.br · ... a maioria dos seres vivos foram...
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1
Programa Teixeira de Freitas
2º/2013
ÍNDICE
6º SEMINÁRIO TEIXEIRA DE FREITAS
Experiências comparadas sobre o direito à moradia e as
políticas habitacionais no Brasil e no Chile 4
Reflexões a partir da Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental 54 14
Chile e Brasil: Diferentes tratamentos para as relações
Homoafetivas 36
Povos indígenas na busca da reintegração da sua terra 64
Diferentes tipos de controles para lograr um mesmo fim:
a supremacia da Constituição Nacional 100
Influência da TV Justiça no STF 137
Daniel Andrés Neira Cabello
EXPERIÊNCIAS COMPARADAS SOBRE O DIREITO À MORADIA E AS
POLÍTICAS HABITACIONAIS NO BRASIL E NO CHILE
Introdução. 3
Situação brasileira e marco normativo. 4
Considerações internacionais em torno à moradia. 8
Alguns conceitos a ter em conta. 10
Experiência chilena em torno à moradia. 12
Ações sociais prol moradia no Chile. 17
Conclusões. 19
Referencias bibliográfica. 20
Introdução
Os seres vivos tendem procurar abrigo para se proteger dos perigos que a própria
natureza oferece. Nesse sentido, procura um espaço físico onde passar a noite, onde escapar
do frio, onde se alimentar, onde não se molhar quando chove. Assim, a maioria dos seres
vivos foram evolucionando e tornaram esses espaços locais onde reproduzir-se, onde criar
seus filhos, onde dormir. Assim também o homem foi criando espaços físicos onde ficar, ao
que chamou ao longo do tempo “casa”.
No começo foi uma caverna, uma árvore, uma barraca de folhas naturais. Com
o tempo foi se tornando mais sofisticada até chegar hoje a ser um privilégio cada vez mais
difícil de alcançar. No começo ninguém preocupou-se onde ficava sua caverna, se tinha boa
ubiquação ou se tinha perigos naturais, mas o importante foi ter um local seguro onde ficar
pelas noites, onde escapar dos animais selvagens ou tentar ficar num local onde reunir à
família. Na medida em que o homem foi sendo mais complexo foi precisando ter melhoras em
esses locais: calor, boa terra para cultivar, espaço suficiente para abrigar à família,
privacidade, segurança, luz, agua potável, etc. O transcurso dos anos foi fazendo que as
famílias precisassem de um melhor teto, mas a ideia inicial é a mesma: proteção e dignidade.
Ao falar do direito à moradia temos necessariamente que falar da dignidade da pessoa
humana quem ostenta este direito social, reconhecido pelos Estados e pela Convenção
Americana sobre Direitos Humanos, mais conhecida como “Pacto do San José de Costa
Rica”, consagrada no ano 1969. As Constituições tiveram que passar por mudanças
importantes para reconhecer estes direitos sociais, econômicos e culturais dentro de suas
disposições, indo desde concepções liberais a concepções providenciarias.
Neste sentido, foram logros importantes dos movimentos sociais ao respeito que
lutaram por o reconhecimento constitucional da dignidade da pessoa humana e seu
reconhecimento prático no âmbito do direito à moradia. É assim como as ruas tinham sido o
espaço físico donde foram desenvolvidas as grandes revoluções, mas o incrível é que aí é
onde as pessoas sem moradia vivem hoje, comem e criam seus filhos, obviada sua dignidade,
esquecida sua humanidade.
Esta pesquisa tenta desentranhar dois importantes movimentos sociais desenvolvidos
no Chile o no Brasil na segunda metade do século XX, em Brasília e em Santiago, a luta pelo
reconhecimento ao direito à moradia e sua prática até hoje.
Conclui este trabalho com as conceições comparativas das experiências dos países
pesquisados, no âmbito legislativo e prático, mas o mais importante desta pesquisa fica na
historia da luta e reivindicações dos povos chilenos e brasileiros.
Situação brasileira e marco normativo.
Tanto o Brasil como Chile tem uma legislação que tinha sido incorporada a seus
ordenamentos jurídicos internos através de instrumentos internacionais ratificados pelos
ambos países, os que hoje tem reconhecido este direito social de uma forma diferente.
No caso do Brasil, a própria Constituição Federal reconhece, no seu Capítulo II
“Dos Direitos Sociais”, no seu artigo 6°, o mesmo direito à moradia, inserido no seu Título II
“Dos Direitos e Garantias Fundamentais”. Além disso, a Constituição de 1988 entrega como
competência à União a instituição de diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive
habitação, saneamento básico e transporte urbano (Art. 21, XX).
Neste sentido, o Brasil tinha tido um desenvolvimento importante no
reconhecimento, seja legislativo, administrativo ou judicial, do direito à moradia como um
direito fundamental e não apenas como uma declaração ou eufemismo jurídico.
Para chegar a este desenvolvimento tiveram que acontecer importantes
mudanças culturais e infelizes episódios de luta social, os que culminaram com diversas leis e
reconhecimentos.
Ao respeito, vamos analisar o caso do Acampamento da Telebrasília, no
Brasília, acontecida nos ao final da década de 1950 até poucos anos atrás.
“Todos têm o direito a uma moradia digna, e mais, todos têm o direito à
cidade que construíram, e na qual vivem e trabalham”1
A criação da Nova Capital no final da década cinquenta trouxe muitas
mudanças no Brasil. A nova cidade tinha que ser construída desde zero e precisava de muita
mão-de-obra para lograr a genialidade de seus criadores. Esta construção teve muitas positivas
consequências, mas também trouxe alguns problemas que ninguém pede imaginar, donde iam
ficar os trabalhadores durante a construção? Eles tinham que voltar para suas cidades quando
acabassem as obras? Em fim, teriam espaço para eles a nova cidade? Não, não foi assim.
Nasceu assim o Acampamento de Telebrasília, espaço físico donde ficaram os
empregados que construíam a nova Capital que, “como diversos outros acampamentos no
Distrito Federal, foi criado, no final do ano 1956 e início de 1957, para abrigar os operários
empregados das empresas que trabalhariam na construção da nova Capital. Os primeiros
acampamentos foram montados com barracas de lona, com precárias condições de
abastecimento de água e sem qualquer saneamento básico”2.
A complexa situação foi dada pela negativa do Governo Federal de que os
trabalhadores ficassem no Brasília, contradizendo o ideal socialista dos criadores e pensadores
desta cidade. Começaram os trabalhadores a ter consciência sobre a importância de morar na
cidade que eles estavam construindo, que ia ter uma boa situação em matéria como
acessibilidade, trabalho, saúde, educação, transporte. Mas a mesma cidade lhes foi ingrata e
tentou lhes expulsar.
“No ano 1959, o território do Distrito Federal era formado por acampamentos
(Central da Novacap, Candangolândia, Praça dos Três Poderes, Plano Piloto e
outros), núcleos provisórios (Bananal e Bandeirantes), núcleos estáveis (Planaltina,
povoado de Taguatinga e Brazlândia) e a zona rural. As condições de vida dessa
população eram regradas pelo improviso e pela escassez. Eram predominantemente
rústicos os domicílios da Candangolândia, Praça dos Três Poderes, Bananal,
1 VIERA, de Mello Nishlei “Direito à memória e à moradia: realização de direitos humanos pelo
protagonismo social da comunidade do Acampamento da Telebrasília”, Folder de divulgação do vídeo o Direito
de Morar elaborado pelo NAJUDH em novembro de 1994, pp. 47
2 Obra citada, pp 79.
Taguatinga e zona rural. As instalações dos moradores eram deficientes: o
abastecimento de água com canalização interna atingia apenas 22% dos domicílios,
42% deles não dispunham de instalações sanitárias e 62% não eram servidos de
energia elétrica (Censo Experimental de Brasília, 1959, 72-73). Sob condições tão
adversas, sobreviviam as famílias operárias que, naquele momento, constituíam a
maior parte da população brasiliense”
O projeto inicial não previu espaços onde os construtores puderam morar depois da
inauguração da Capital. E embora a empresa construtora da cidade teve e aplicou estritos
controles da população nos acampamentos, os trabalhadores vinham para ficar na nascente
cidade, onde eles achavam podiam encontrar uma nova qualidade de vida, numa cidade que
prometia novos horizontes e novas oportunidades.
O assombroso desta situação foi que os problemas habitacionais começaram ante da
inauguração mesma da nova Capital no Distrito Federal. Os trabalhadores então já eram mais
de 65 mil e muitos deles sem um teto donde morar de modo digno.
“A luta dos moradores é para o reconhecimento de seus direitos de ficar no
lugar em que construiu sua história, sua identidade. Permanecer no local como
comunidade candanga, construtora da cidade, usufruindo da infra-estrutura social,
econômica, cultural do Plano Piloto”3
A solução para o problema foi criar as “cidades satélites”, e a primeira foi Taguatinga,
que abrigou principalmente aos migrantes do nordeste do Brasil.
“A falta de previsão de espaço para a grande massa de trabalhadores, no
plano original do Brasília, não apenas desmitifica a proposta “socialista” de seus
idealizadores bem como explicita ulteriormente o espírito segregacionista das
politicas adotadas. A cidade que nascera unitária na prancheta de seu criador,
fraturou-se e pulverizou-se em inúmeras cidades-satélites e em “cidades dormitórios”
que se estendem além dos limites do Distrito Federal”4
3 Obra citada, pp. 48.
4 Obra citada, pp. 82.
Embora que a meados da década de 1980 o Governo implementou uma política de
dignificação do retorno dos trabalhadores-construtores, mas frente à negativa de retornar, teve
que criar estas cidades-satélites para receber estas pessoas.
A luta num começo não foi pela moradia precisamente, mas foi pelo direito de morar
na cidade que eles tinham construído, donde encontraram trabalho e até dignidade, questões
que nas suas cidades não conseguiram encontrar. Foi assim então que a luta tornou-se de
objetivo, já que uma vez instalados aqui no Brasília, o Acampamento da Telebrasília
organizou-se, seus moradores criaram associações para lutar pela dignidade de suas vidas
nesta nova cidade, entendendo que eles tinham este direito, criando o conceito do direito à
moradia para que fosse incluído devidamente no linguaje jurídico e, talvez, incluído também
no ordenamento jurídico brasileiro.
No ano 1985 foi criada a Associação de Moradores do Acampamento da Telebrasília
(AMAT), grupo inicialmente dedicado à repartição de leite. Mas tarde tornou-se um ator
principal na luta contra o GDF quem, desconhecendo as determinações das administrações
anteriores, insistiu na remoção dos povoadores do Acampamento.
Neste sentido então, as ações dos moradores deste acampamento teve como bandeira
da luta não apenas reinvindicações, mas também exigências coletivas que atingiram à
sociedade toda no âmbito de criar condições dignas, neste caso, de moradia. Foi assim como a
AMAT encontrou o sustento necessário para continuar com a luta e lograr com os anos o
cumprimento governamental dos direitos que exigiam. Eles buscaram o reconhecimento de
morar aí mesmo, do que o Governo reconhecera seu direito de morar nesse local, uma local
central, donde ficava seus empregos, cheio das oportunidades que eles vinham a buscar à
nascente Capital do país.
O Governo do Distrito Federal tentou várias ações com diversos argumentos para
expulsar deste local aos moradores do Acampamento da Telebrasília, os que a autora Nishlei
Vieira de Mello5 resume nos seguintes: a terra onde se situa o Acampamento é pública e,
portanto, não poderá ter uso privado; o tombamento do conjunto urbanístico do Brasília é
5 VIERA, de Mello Nishlei “O direito a morar e o direito à memória – um olhar sobre o Acampamento
da Telebrasília”, artigo do livro “Direito à Memória à Moradia, realização de direitos humanos pelo
protagonismo social da comunidade do acampamento da Telebrasília”, Núcleo de Prática Jurídica e Escritório
de Direitos Humanos e Cidadania, Universidade de Brasília, 1998.
ferido com a presença do Acampamento; que este se situava numa área de relevante interesse
ecológico (ARIE) afrontando leis ambientais; que este assentamento ia contra a disposição
33/89 – DRTA, da Companhia de Agua e Esgoto do Brasília (Caesb) que apresenta críticas à
fixação do Acampamento, assinalando que a população da baixa renda às margens do lago
imporia sérios riscos ambientais e de contaminação da bacia do Paranoá pela
esquistossomose, entre mais outros.
Os argumentos que a mesma autora apresenta são os seguintes: assinala que todas as
terras do Distrito Federal, em sua origem, são públicas. Além disso, no ano 1991 a Lei 161
concedeu definitivamente o direito de morar lá.
Foi assim como a luta tornou-se não apenas pelo direito de ficar lá, acrescentando
também no âmbito da qualidade desta. Os moradores precisaram então não apenas morar, mas
também precisaram “morar bem”. A luta voltou-se às questões cotidianas, como acesso ao
transporte, serviços da saúde, escolas para seus filhos, saneamento básico, luz, água, postos de
correio, etc. A luta dos moradores foi conquistar questões básicas, condições que permitissem
morar bem, não apenas um teto.
Considerações internacionais em torno à moradia.
No Informe de Miloon Kothari6, Relator Especial da ONU para a vivenda
adequada, expõe sobre duas considerações importantes respeito à moradia como direito
fundamental, as que eu quiser destacar.
A primeira delas é sobre as expulsões dos terrenos ocupados por pessoas no
sua desespero ao vir-se numa situação de desamparo. O Relator afirma que “as expulsões
forçosas constituem violação prima facie de um grande número de direitos humanos
internacionalmente reconhecidos e só podem ser levados a cabo em casos excepcionais e em
plena conformidade com o direito internacional relativo aos direitos humanos. Como
consequência das expulsões forçosas frequentemente as pessoas ficam-se sem casa e na
miséria, sem médios de ganhar-se a vida e, na prática, sem um acesso real aos recursos
jurídicos o de outro tipo. As expulsões forçosas com frequência estão relacionadas com dano
6 “Informe del Relator Especial sobre una vivienda adecuada, como parte del derecho a un nivel de
vida adecuado”, Miloon Kothari. Asamblea General de Naciones Unidas, 5 de febrero de 2007
físico e psicológico às pessoas afetadas, e tem especiais repercussões para as mulheres e as
pessoas que vivem na extrema pobreza, as crianças, os povos indígenas, as minorias e outros
grupos vulneráveis”7.
Sobre esta questão é importante ter em conta a dignidade das pessoas como
seres humanos, elemento essencial e central dos direitos humanos. No caso do Acampamento
da Telebrasília já analisado, intentou-se expulsar muitas vezes pela força pública, viveram
pressão social e até discriminação.
Outro elemento importante na opinião do Relator são as condições que podem
afetar o direito à moradia. Ao respeito afirma que “a falta de acesso à moradia
frequentemente é consequência do impedimento do acesso à terra e aos recursos comuns de
propriedade. Os sistemas não equitativos de propriedade sobre a terra e o fenômeno da falta
de terras gera problemas inter-relacionados que vão desde a moradia inadequada, falta de
possibilidades de ganhar-se a vida, mala saúde, a fome e insegurança alimentaria até a
profunda pobreza”8
A terra também tem que ser considerada, segundo o Relator, “sem um reconhecimento
jurídico adequado dos direitos individuais como coletivos sobre a terra, o direito à moradia
adequada em muitos casos não pode ser exercer eficazmente”. O problema se relaciona
também à falta de alimentação, trabalho, livre determinação, etc. “A garantia do direito à
terra é fundamental para a maioria da população mundial que depende da terra e os
recursos dela para suas vidas e sustento”9 No contexto urbano, diz o Relator Especial,
reconhecer juridicamente direitos sobre as terras pode ser positivo no reconhecimento à
moradia adequada, especialmente para as pessoas carentes.
O Relator da ONU faz um chamado aos governos, os que deverão adotar “medidas,
até o máximo de seus recursos disponíveis, para garantir a igualdade de disfrute do direito a
uma moradia adequada por todos”. No mesmo sentido, o Relator diz que “os Estados
deveriam levar a cabo um exame amplio de estratégias, políticas e programas
7 Informe del Relator Especial, parágrafo 21.
8 Informe do Relator Especial, parágrafo 26.
9 Informe do Relator Especial, parágrafo 29.
correspondentes com o fim de garantir sua compatibilidade com as normas internacionais
dos direitos humanos”10
.
Na Conferencia Habitat II celebrada no ano 2006 no Istambul, Turquia, os governos se
comprometeram a: velar pela segurança jurídica da tenência e igualdade de acesso a terra para
todas as pessoas; promover o acesso de todos ao agua potável e seu adequado saneamento;
promover amplio acesso ao financiamento para a moradia adequada; implementar medidas de
acessibilidade para pessoas deficientes; aumentar oferta de vivendas acessíveis. No mesmo
sentido, o documento assinalado nessa Conferencia estabeleceu que “os governos tem a
obrigação fundamental de facilitar às pessoas a obtenção duma moradia e de proteger e
melhorar as casas e bairros”11
.
Ao nível teórico, a questão diz relação se os direitos sociais podem ser exigidos pela
população ou são simples declarações políticas. Ainda como um direito social, diz María
Victoria Santana12
, “é tão importante que seu cumprimento ou não cumprimento não pode
ficar na discrição do legislador, o pior, que dependa dos médios financeiros suficientes para
sua efetiva proteção”.
Alguns conceitos a ter em conta.
Para falar deste direito e da discussão em torno à ideia da moradia, vivenda,
habitação ou casa, temos que ter em conta questões de ordem física ou objetivo e questões
subjetivas.
María del Carmen FEIJOÓ13
afirma que “é um consumo grupal vinculado à
organização e composição da unidade doméstica”, o que por tanto es considerado num
núcleo físico donde alberga-se a família, onde mora.
10 Informe do Relator Especial, parágrafo 23 e 29.
11 (Habitat II, pp. 2)
12 Avance jurisprudencial del derecho a la vivienda digna en Colombia”, SANTANA, María Victoria,
Revista Ratio Juris, Vol. 7 n° 15 (julio-diciembre 2012) pp. 37-66, Colombia.
13 FEIJOO, María del Carmen. “Buscando un Techo. Familia y Vivienda Popular”. Centro de Estudios de
Estado y Sociedad (CEDES) – Estudios CEDES; Buenos Aires, Argentina, 1984
A palavra “hogar” ou “lar” tem um belíssimo significado segundo sua raiz
etimológica. Ela vem do grego “focus” que significava originalmente tanto fogo ou braseiro e
lar. Transcendente posição teve o fogo nas culturas antigas, a que foi traduzida neste conceito.
Lar ou “hogar” no espanhol, significa “sitio donde se incende lume ou clarão”14
, afirmando
que do uso deriva-se “estar sentado junto ao fogo”, em latim “ad focum senderem...”.
Para o Relator, uma vivenda digna tem que ter: “facilidade”.
14 Del COL, José Juan. “Diccionario auxiliar español-latino: para el uso moderno del latín”, Instituto
Superior Juan XXIII, Bahía Blanca, 2007, pp. 535.
REFLEXÕES A PARTIR DA ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE
PRECEITO FUNDAMENTAL 54
DELIA VALDÉS RIESCO
UNIVERSIDAD ALBERTO HURTADO
SANTIAGO, CHILE.
ÍNDICE
I. Introdução 2
II. Contexto legislativo 3
III. Legislação penal do aborto no Chile: consequências
nas Garantias Fundamentais da mulher 6
IV. ADPF 54 10
V. Conflito institucional: STF como legislador positivo 14
VI. O foco da Igualdade sexual a partir de Reva Siegel 18
VII. Conclusão
I. INTRODUÇÃO
Tenho que antecipar ao leitor o seguinte fato: atrevo-me a dizer que este projeto de pesquisa é
um dos trabalhos mais atípicos que fiz em meus anos de estudo do Direito. Mas não poderia
ter sido de outra forma. De fato, o trabalho não tem, como normalmente têm as pesquisas,
uma tese a defender.
O interesse imediato gerado pela decisão do Supremo Tribunal Federal em relação ao aborto
de feto anencéfalo e logo descobrir a legislação penal relativa ao aborto no Brasil,
introduziram-me na apaixonante leitura da Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental 54. Esta leitura despertou em mim curiosidades de diversas índoles, fazendo
com que o trabalho não se enfocasse tão-só em uma análise comparativa da reação penal dos
Estados chileno e brasileiro ao delito do aborto, senão que fosse totalmente ampliado.
Assim, este trabalho é fruto de diversas reflexões a partir de análises jurídicas feitas na
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54, resolvida pelo Supremo Tribunal
Federal no ano 2012.
Na primeira parte, há uma breve contextualização das legislações pertinentes ao delito de
aborto, tanto do Chile quanto do Brasil. Em uma segunda seção, enfoca-se a atual legislação
chilena, suas razões históricas e sua incidência nos direitos fundamentais da mulher. Como se
verificará, o delito de aborto não se circunscreve unicamente ao aborto de feto anencéfalo,
como se realiza na ADPF em análise, mas será mencionado como tipologia penal genérica.
Na terceira parte, apresenta-se a decisão estruturada e analisada seguinte forma:
a) Voto principal de procedência da ADPF, pelo Ministro Marco Aurélio.
b) Voto de admissibilidade com condições de diagnóstico do Ministro Gilmar
Mendes.
c) Voto de inadmissibilidade do Ministro Lewandowski.
A partir deste último voto abre-se, como quarta seção do trabalho, a discussão dogmática do
controle judicial como conflito institucional com o Poder Legislativo. Apresentam-se os
principais argumentos a favor e contrários ao que Kelsen chama de um Tribunal
Constitucional como Legislador negativo. Serão mencionados os conceitos de controle
judicial, constitucionalismo popular e legislador negativo.
A última parte desta pesquisa, como forma de acabar o trabalho de modo aberto, e não de
maneira conclusiva circunscrita a apenas um tema, menciona uma série de argumentos
desenvolvidos pelo enfoque feminista da Igualdade Reprodutiva, extraído fundamentalmente
do trabalho da professora da Universidade de Yale, Reva B. Siegel, muito relacionado com as
análises das reações estatais ao aborto, não só nos países em estudo como em todo o mundo.
II. CONTEXTO LEGISLATIVO
O Código penal do Brasil do ano 1940 regula o aborto na sua Parte Especial, Título I e
Capítulo I, dentro dos Crimes Contra a Vida.
Assim, seu artigo 124 declara:
“Art. 124. Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:
Pena – detenção, de um a três anos.
Este artigo contempla duas figuras típicas: O chamado “autoaborto” no qual o autor é a
mulher gestante, e na segunda parte do dispositivo na qual o autor é um terceiro que pratica o
aborto com o consentimento da mulher.
Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:
Pena - reclusão, de três a dez anos.
Este artigo contempla a hipóteses de aborto provocado por terceiro sem o consentimento da
mulher.
Art. 126. Provocar aborto com o consentimento da gestante:
Pena – reclusão de um a quatro anos.
Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze
anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave
ameaça ou violência.
Nesta figura, havendo o consentimento da gestante, fala-se que o crime é duplo. A gestante é
enquadrada no art. 124, ao passo que aquele que executa os atos materiais do aborto incide
nas penas do art. 126, as quais são mais graves do que as do dispositivo anterior15
.
Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em
consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão
corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a
morte.
O artigo transcrito representa uma forma qualificada do aborto, quando os bens jurídicos vida
e saúde individual são afetados.
Art. 128. Não se pune o aborto praticado por médico:
I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
15 DELMANTO, Celso: Código Penal Comentado. 6ª ed. Rio de Janeiro.Renovar,2002, p. 269.
II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou,
quando incapaz, de seu representante legal.”
Neste artigo, o legislador estabeleceu duas hipóteses de exceção, liberando de pena quando,
sendo praticado por médico, se realize o chamado “aborto necessário” ou “terapêutico (I do
artigo 128) e no caso denominado “aborto sentimental” (caso II do mesmo artigo).
O caso do Chile é diferente.
Em seu Código Penal de 187416
dentro do Título VII, que contempla os “Crímenes y Delitos
Contra el Orden de las Familias, contra La Moralidad Pública y contra La Integridad Sexual”
encontramos como primeiro delito tipificado o de aborto, definido pela doutrina chilena como
interrumpir el estado de preñez mediante la muerte o destrucción del producto de la
concepción. 17
A partir do artigo 342 de nosso Código Penal começa a sua regulação, classificando o delito
pela doutrina da seguinte forma:
a) Cometido por um terceiro
Qualquer
Com violência
Maliciosamente Art. 342 1° dolo direto
Sem malicia Art. 343 dolo eventual, culpa com e sem previsão,
Sem violência
Com consentimento Art.342 N 3° dolo direto
Sem consentimento Art.342 N° 2° dolo direto
Qualificado Art. 345
b) Pela mulher grávida Art. 344
Auto aborto
Por um terceiro com seu consentimento.18
16Adverte se a diferencia de data em relação com o Código Penal do Brasil.
17GARRIDO MONTT, Mario: Derecho Penal Parte Especial. Tomo III. Ed. 2010. p. 105.
18 RETTIG, Mauricio: Delitos en Contra de la Vida.Anotações de aulas. 2012. p. 63.
A lei chilena não define o aborto e, assim, a jurisprudência o tem interpretado de formas
múltiplas.
A primeira tendência, e mais comum hoje em dia, é combinar o conceito de aborto com o
produto da concepção, portanto, consiste o aborto em matar o feto e, por isso, o objeto
jurídico protegido seria a vida, a vida do nascituro.
A segunda tendência entende que o bem jurídico não é a vida, mas a regularidade do processo
de gravidez, a regularidade na concepção e desenvolvimento do feto. Portanto, abortar não
seria matar o feto, mas interromper o processo natural do desenvolvimento do produto da
concepção, por meio da expulsão do útero do produto da concepção.
Diante desta situação, hoje praticamente todos os professores de direito penal se inclinam em
que o bem jurídico é a vida do feto, a vida do produto da concepção. 19
1. Aborto
Art. 342. El que maliciosamente causare un aborto será castigado:
1° Con la pena de presidio mayor en su grado mínimo, si ejerciere violencia enla persona de
la mujer embarazada.
Conhecido como o aborto “malicioso violento”, um de aqueles feitos por um terceiro
qualquer, sem ser um profissional da saúde. A penalidade é a de detenção de 5 anos e um dia
a 10 anos.
2° Con la de presidio menor en su grado máximo, si, aunque no la ejerza, obrare sin
consentimiento de la mujer.
Conhecido como o “Aborto sin violencia”, que leva a cabo o terceiro na mulher grávida sem
seu consentimento. A penalidade vai de 3 anos e um dia até 5 anos.
3° Con la de presidio menor en su grado medio, si la mujer consintiere.
Este artigo castiga com pena menor o terceiro que pratica o aborto com o consentimento da
mulher. Assim, a penalidade vai de 541 dias até 3 anos.
Art. 343. Será castigado con presidio menor en sus grados mínimo a medio, el que con
violencia ocasionare un aborto, aun cuando no haya tenido propósito de causarlo, con tal que
el estado de embarazo de la mujer sea notorio o le constare al hechor.
19 RETTIG, Mauricio (Obcit.) p. 63.
Entendido este como “Aborto violento no malicioso”, é aquele praticado por um terceiro
qualquer, contemplando a ação realizada com violência, mas não com o fim malicioso de
provocá-lo. A penalidade vai de 61 dias até 3 anos.
Art. 344. La mujer que causare su aborto o consintiere que otra persona se lo cause, será
castigada con presidio menor en su grado máximo. Si lo hiciere por ocultar su deshonra,
incurrirá en la pena de presidio menor en su grado medio.
A primeira parte deste artigo contempla o chamado “autoaborto” que consiste na pratica
abortiva que a mulher realiza em seu próprio corpo, e o aborto no qual a consente que um
terceiro lho pratique.
Este artigo estabelece uma forma privilegiada de aborto, quando ocorre para ocultar desonra,
caso no qual se reduz a penalidade básica.20
Nesses dois casos, a penalidade vai dos 3 anos e um dia até 5 anos.
Art. 345. El facultativo que, abusando de su oficio, causare el aborto o cooperare a él,
incurrirá respectivamente en las penas señaladas en el artículo 342, aumentadas en un grado.
Têm-se entendido este artigo como parte da classificação do aborto feito por um “terceiro
qualificado” descrito como aquele que o comete abusando de seu oficio um facultativo ou
outra pessoa que se dedica às atividades médicas o paramédicas, por exemplo, um médico ou
enfermeira.21
A pena vai de 61 dias até 3 anos.
Toda a legislação sobre o aborto no Brasil, em que se acharem as hipóteses perto do aborto de
feto anencéfalo, é dizer, feito por funcionário da saúde e com consentimento da gestante, têm
que ser agora relacionada diretamente com o ADPF 54, de efeito “erga omnes”. Assim,
fazendo uma breve análise do tratamento do delito do aborto nos países em questão,
mostrando as diferentes reações penais do Estado à dita prática, atesto a importância da
discussão e do tópico. Não apenas pelo fato de contemplar duas exceções legislativas à
proibição do aborto, mas também a decisão do STF na matéria foi decisiva na motivação pra
meu trabalho.
III. LEGISLAÇÃO PENAL DO ABORTO NO CHILE: SUAS CONSEQUÊNCIAS NAS
GARANTIAS FUNDAMENTAIS DA MULHER.
Para entender a legislação do aborto no caso do Chile, há que se fazer uma leitura de três
corpos normativos.
Nosso Código Penal trata o aborto entre os artigos 342 y 345, e, da sua leitura, da leitura do
artigo 119 do Código Sanitário, e do artigo 19 nº1 parágrafo segundo da Constituição Política
20 RETTIG, Mauricio (Obcit) p.65.
21RETTIG, Mauricio (ob cit.) P.64.
da República chilena, se depreende que a tendência dogmática de nosso código, é a de sempre
castigar o aborto.
Assim, no Chile a prática do aborto é punida em todas suas formas, sem aceitar hipótese de
exceção, constituindo dessa forma um dos 7 países do mundo nos quais o aborto é ilegal em
qualquer circunstância.22
Mas, isto não foi sempre assim. Uma norma23
imposta pela ditadura de Augusto Pinochet,
pouco antes de entregar o poder, modificou o artigo 119 do Código Sanitário, que desde o ano
1931 permitia no Chile o aborto terapêutico, eliminando a exceção desta prática. Assim,
depois da modificação, o texto assinala que “no podrá ejecutarse ninguna acción cuyo fin sea
provocar el aborto”.
A proibição teve seu origem na Constituição de 1980, que dentro de seus preceitos garantes
dos direitos fundamentais, em seu artigo 19 nº1, parágrafo segundo, estabelece que “La ley
protege la vida del que está por nacer”. No entanto, na redação original desta última norma de
proteção constitucional ao Direito à vida, o Presidente da Comisión de Estudios de la Nueva
Constitución, Enrique Ortúzar Escobar deu uma interpretação não muito restrita da
possibilidade do aborto:
“…en resumen, entiende que se ha querido hacer una diferencia entre el precepto que
consagra el derecho a la vida y la disposición que entrega al legislador el deber de proteger
la vida del que está por nacer. Agrega que, en el primer caso, se trata de consagrar en forma
absoluta el derecho a la vida y, en el segundo, se desea dejar una cierta elasticidad para que
el legislador, en determinados casos, como, por ejemplo, el aborto terapéutico, no considere
constitutivo de delito el hecho del aborto”.24
Ainda que no Chile exista um regime de penalização do aborto a todo evento, as práticas de
aborto provocado são variadas. Algumas são seguras, em que pese ilegais, como as realizadas
por profissionais competentes por meio de aspiração uterina, ou a realização do aborto com
medicamento (misoprostol). Mas ainda subsistem práticas de altos riscos, como o uso de
sonda.25
22Os outros são El Salvador, Honduras, Nicaragua, República Dominicana, Malta e Vaticano.
23 Ley Nº 18.826 de 1989.
24Comisionado Enrique Ortúzar, citado por EVANS DE LA CUADRA, Enrique: Los Derechos Constitucionales, Tomo I.
Editorial Jurídica de Chile,Santiago de Chile, 1986. p. 146.
25CASAS, Lidia y VIVALDI, Lieta: La penalización del aborto como violación a los derechos humanos de las mujeres.
Libro de Derechos Humanos, Capítulo 2, p. 76. Disponível em: http://www.derechoshumanos.udp.cl/wp/wp-
content/uploads/2013/10/libro_DD_HH_capitulo2.pdf. Ultima visita 25 /11/2013.
Por esta situação, estudos focados na legislação do aborto no Chile demonstram como com a
nossa atual legislação afetam sistemática e violentamente um grande número de garantias
fundamentais das mulheres, muitos desses incorporados à legislação chilena por Tratados
Internacionais26
.
No ano 1998, o Foro Abierto de Salud y Derechos Reproductivos em Chile e o Center for
Reproductive Law and Policy (CRLP) em Nova York coproduziram um informe de
investigação sobre mulheres processadas no Chile por o delito de aborto. As pesquisadoras
nos colocam na frente de 159 mulheres pobres, com pouca escolaridade, empregos de baixa
remuneração, que por tomar a decisão reprodutiva para terminar a gravidez - o mesmo que
tomam 150.000 mulheres chilenas em cada ano - foram punidas com apoio num sistema legal
que falha 400 vezes por dia. Punidas, porque a sua condição de mulheres pobres, a sua
escolaridade, sua relação com mundo do trabalho, afetos, sonhos e do poder, não lhe são
permitido o acesso a outra medidas preventivas ou outros serviços saúde.27
Fazendo uma breve exposição, o grupo de investigadoras dá conta de todos os direitos
reconhecidos internacionalmente em tratados já ratificados pelo Chile que são violados pela
nossa legislação, a qual:
(…) constitutes a violation not only of health-related human rights, but also of other human
rights, such as the right to be free from discrimination based on socioeconomic status, the
right to life, liberty, and security; the right to be free from discrimination based on sex, the
right to reproductive health and family planning, the right to privacy, the right to legal
representation, the right to due process, and the right to be presumed innocent. 28
Um recente estudo feito pela Universidad Diego Portales no Chile menciona, em primeiro
lugar e sem lugar a dúvidas, ser ofendido o direito à igualdade. A Comissão Interamericana
de Direitos Humanos (CIDH) assinala que é vulnerado o direito à igualdade das mulheres
26 Com a reforma da nossa Constituição no ano 2005, o artigo 5º estabelece a obrigação do Estado do Chile de
cumprir e implementar os Tratados Internacionais ratificados por ele. “El ejercicio de la soberanía reconoce
como limitación el respeto a los derechos esenciales que emanan de la naturaleza humana.
Es deber de los órganos del Estado respetar y promover tales derechos, garantizados por esta Constitución, así
como por los tratados internacionales ratificados por Chile y que se encuentren vigentes”
27 Women behind bars: Chile’s Abortion Laws. Publicado por: The Center for Reproductive Law & Policy e Foro
Abierto de Salud y Derechos Reproductivos. P. 4. Disponível em:
http://reproductiverights.org/sites/crr.civicactions.net/files/documents/wbb_part1.pdf. Última visita:
27/11/2013.
28 Ibidem p. 23.
quando estão expostas a situações de risco que só elas experimentam em virtude da
reprodução, como a negação ao acesso a serviços de saúde reprodutiva.29
De se ter em conta que a ofensa ao direito da igualdade não só se restringe à matéria de
gênero, senão também, fortemente, às condições socioeconômicas das mulheres, tendo em
vista que são normalmente as mulheres mais pobres as que não só tem mais possibilidade de
serem descobertas, senão também que, pelo preço que podem pagar ou a informação à qual
podem obter30
, são mais vulneráveis à prática de um aborto clandestino, colocando mais vezes
a sua vida em perigo.
Em relação a este tema, e arguindo a afetação ao direito a não ser discriminado em razão de
status socioeconômicos, a realidade no Chile é assim: enquanto as mulheres ricas têm os
recursos econômicos para pagar um aborto em clínicas privadas com os médicos especialistas,
as mulheres pobres que se submeterem a procedimentos de alto risco, muitas vezes nas mãos
de pessoas sem treinamento. Quando esses procedimentos acabam em complicações médicas,
as mulheres pobres não têm outra opção a não ser ir para hospitais públicos. A maioria das
mulheres que são processados por terem feito um aborto foram relatados à polícia pela equipe
que atende a mulheres em hospitais públicos.31
É também afetado o direito à vida e à integridade física e psíquica. Assim tem sido resolvido
pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, numa medida provisional a favor de B contra
El Salvador, ordenando esse Estado assegurar a vida e a integridade de uma mulher grávida.32
Neste caso, a vítima, “Beatriz”, padecia um lupus eritematoso discoide33
e um
comprometimento renal produto da mesma enfermidade, que, agravados pela gravidez de um
feto anencefálo, constituíam uma fonte de perigo iminente para sua vida, integridade pessoal e
saúde. Sua única possibilidade, segundo os facultativos médicos, era a finalização da
gestação. Ela não conseguiu aceder a esta possibilidade porque em El Salvador não está
permitido o aborto terapêutico e os tribunais não deram lugar a sua solicitude. 34
29 CIDH, Acceso a servicios de salud materna desde una perspectiva de derechos humanos, OAS/Ser.L/V/II,
Washington DC., 2010, párr. 53.
30CASAS y VIVALDI (Obcit.)p. 113.
31 Ibídem. P. 30.
32 Corte IDH, Medidas provisionales respecto de El Salvador, Asunto B, 29 de Maio de 2013.
33 O lúpus eritematoso é uma enfermidade do sistema auto-imune; é discóide quando afeta ao nível cutâneo o
as mucosas.
34 CASAS y VIVALDI (Obcit.)p. 114.
Quanto à integridade psíquica, não existe dúvida do abalo psicológico que pode gerar o
prosseguimento da gravidez nos casos de feto anencefálico.35
Desta forma, deixa assentado o
Ministro Marco Aurélio, ao postular que “enquanto, numa gestação normal, são nove meses
de acompanhamento, minuto a minuto, de avanços, coma predominância do amor, em que a
alteração estética é suplantada pela alegre expectativa do nascimento da criança; na
gestação do feto anencéfalo, no mais das vezes, reinam sentimentos mórbidos, de dor, de
angústia, de impotência, de tristeza, de luto, de desespero, dada a certeza do óbito”.36
É afetado o direito a não ser submetido a trato cruel, desumano e degradante. A obrigação de
manter uma gravidez com conhecimento de que o produto do mesmo padece de mal formação
incompatível com a vida extrauterina, constitui um trato cruel e desumano, vedado pelo
Comitê de Direitos Humanos37
.
Por último, o direito à privacidade é fortemente afetado pela legislação atual acerca do aborto
no Chile. O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos afirma: "Ninguém será sujeito
a interferências arbitrárias ou ilegais na sua vida privada, família, domicílio ou
correspondência, nem a ofensas ilegais à sua honra e reputação.” A Constituição chilena,
também diz, no seu artigo 19 nº 4: "Respeito e proteção da vida privada e pública e a honra da
pessoa e da família." 38
Como mencionado acima, a maioria das denuncias contra as mulheres que buscam o aborto
são iniciadas nos hospitais públicos, onde o trabalhador de saúde acusa uma mulher depois
que ela lhes dá informações sobre o seu tratamento médico obrigatório. Este comportamento
por parte dos profissionais médicos viola o direito de muitas mulheres à privacidade e
confidencialidade. 39
IV. ADPF 54
A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54 foi uma decisão dada em junho
de 2004, a partir da postulação pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde –
CNTS.
35 Voto do Ministro Luiz Fux. ADPF 54. p. 4.
36 Voto Ministro Marco Aurélio. ADPF 54 p. 32.
37 ONU, Comité de Derechos Humanos, Comunicación K.L. v. Perú, 22 de noviembre de 2005. Aqui, o Comitê
assentou equiparar-se à tortura obrigar uma mulher a levar adiante a gestação de um feto anencéfalo.
38 Artigo 19 nº 4 da Constituição Política da República do Chile.
39 Women Behind Bars (Obcit.). pp. 32-33.
Foram apontados como envolvidos, os preceitos dos artigos 1º, IV – dignidade da pessoa
humana –, 5º, II – princípio da legalidade, liberdade e autonomia da vontade –, 6º, cabeça, e
196 – direito à saúde –da Carta da República brasileira. Por outro lado, como ato do Poder
Público, causador da lesão, foi apontado o conjunto normativo ensejado pelos artigos 124,
126, cabeça, e 128, incisos I e II, do Código Penal – Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro
de 1940.
A parte Requerente apontou que diversos órgãos investidos do ofício judicante – juízes e
tribunais – vêm extraindo do Código Penal, em detrimento da Constituição Federal, a
proibição de se efetuar a antecipação terapêutica do parto nos casos de fetos anencéfalos,
alegando ser a patologia daquelas que tornam inviável à vida extrauterina e buscou
demonstrar que a antecipação terapêutica do parto não consubstancia aborto, no que este
envolve a vida extrauterina em potencial.
A partir deste contexto, no ano de 2012 foi julgada a ADPF. Sua riqueza argumental jurídica
é indubitável, e foi essa a principal razão que me levou a fazer uma analise tão ampla dela.
Desta forma, no que ao Acórdão proferido na ADPF 54 se refere, nos resumiremos à estrutura
da decisão quanto às temáticas referidas.40
Assim, a estrutura é a seguinte:
a) Voto principal e vencedor: Procedência do ADPF, Ministro Relator Marco
Aurélio.
No estudo da Arguição em análise, os principais tópicos desenvolvidos pelo Ministro relator
tratam sobre saber se a tipificação penal da interrupção da gravidez de feto anencéfalo
coaduna-se com a Constituição, notadamente com os preceitos que garantem o Estado laico, a
dignidade da pessoa humana, o direito à vida e a proteção da autonomia, da liberdade, da
privacidade e da saúde.41
No entanto, não vamos nos deter neste ponto, senão que só vão ser mencionados alguns
tópicos dentro dos principais enunciados por ele ao começo do seu voto, como o tópico do
Estado laico e - o que eu achei um dos principais argumentos - análogos que levou finalmente
a tomar a decisão de procedência.
Desta forma, em relação ao primeiro ponto, ao ser uma estudante pertencente a un país latino-
americano permeado por um conservadorismo católico plasmado em grande parte das suas
legislações, nas quais a ética está fortemente comprometida, o tópico desenvolvido sobre a
condição laica do Estado não conseguiu deixar de chamar minha atenção.
40 Agradeço enormemente pela idéia aclaradora para o análise do ADPF baixo esta estrutura à Assessora do
Gabinete da Ministra Carmen Lúcia, Silvia Gusmao.
41 Voto Ministro Marco Aurélio ADPF 54 p. 3.
O Ministro declara que o Brasil é um Estado secular tolerante, em razão dos artigos 19, inciso
I, e 5º, inciso VI, da Constituição da República. Deuses e césares têm espaços apartados. O
Estado não é religioso, tampouco é ateu. O Estado é simplesmente neutro42
. Para ele, o Estado
laico e a liberdade religiosa significam que as religiões não guiarão o tratamento estatal
dispensado a outros direitos fundamentais43
, e uma afirmação bastante razoável em torno a
esta idéia foi que as ações de cunho meramente imorais não merecem a glosa do Direito
Penal.44
Fazendo uma espécie de interpretação por analogia, quanto à penalidade do aborto de feto
anencéfalo coloca ênfases no fato de que estão tratando do mesmo legislador que, para
proteger a honra e a saúde mental ou psíquica da mulher (...) estabeleceu como impunível o
aborto provocado em gestação oriunda de estupro, quando o feto é plenamente
viável.45
Citando mais adiante a sua própria jurisprudência, afirma que:
“a potencialidade de algo para se tornar pessoa humana já é meritória o bastante para
acobertá-la, infraconstitucionalmente, contra tentativas levianas ou frívolas de obstar sua
natural continuidade fisiológica”. Ora, inexistindo potencialidade para tornar-se pessoa
humana, não surge justificativa para a tutela jurídico-penal, com maior razão quando
eventual tutela esbarra em direitos fundamentais da mulher, como se verá adiante.
Em quanto à afetação às garantias fundamentais por ele mencionadas, ao já serem
relativamente tratadas no analises chileno, passemos à seguinte parte da estrutura.
b) Procedência com condições de diagnósticos: Ministro Gilmar Mendes.
Para este trabalho, em relação à procedência com condições de diagnósticos, nosso foco foi
dado ao voto do Ministro Gilmar Mendes, quem desenvolveu de maneira completa a decisão
com efeitos aditivos.
Baseando-se no direito comparado, menciona que a Corte Costituzionale italiana bem
demonstra que, em certos casos, o recurso às decisões interpretativas com efeitos
modificativos ou corretivos da norma constitui a única solução viável para que a Corte
Constitucional enfrente a inconstitucionalidade existente no caso concreto46
42 Voto Ministro Marco Aurélio ADPF 54 p. 8.
43 Voto Ministro Marco Aurélio ADPF 54 p. 12.
44 Voto Ministro Marco Aurélio ADPF 54 p. 38.
45 Voto Ministro Marco Aurélio ADPF 54 p. 25.
46 Voto Ministro Gilmar Mendes. ADPF 54 p. 29.
Citando a dita Corte como forma de sustentar uma futura decisão interpretativa com
modalidades atípicas, transcreve o vivenciado na realidade italiana47
, destacando que não
seria incorreto considerar a possibilidade de que, também entre nós, o Supremo Tribunal
Federal(...), venha a prolatar uma decisão com efeitos aditivos para admitir que, além do
aborto necessário (quando não há outro meio de salvar a vida da gestante) e do aborto no
caso de gravidez resultante de estupro, não se deve punir o aborto praticado por médico, com
o consentimento da gestante, se o feto padece de anencefalia48
.
Assim, o Ministro, à medida que vai chegando ao fim de seu voto, vai dando conta da sua
tendência a por em prática o que Brague Camazano relaciona às modalidades atípicas de
sentenças de constitucionalidade, com uma ou outra denominação e com algumas
particularidades.
Desta forma, o Ministro concluiu no sentido da procedência do ADPF, não só detendo-se na
mera declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade na norma se não que
resolveu que:
(...) para dar interpretação conforme a Constituição, com efeitos aditivos, ao art. 128 do
Código Penal, para estabelecer que, além do aborto necessário (...) e do aborto no caso de
gravidez resultante de estupro, “não se pune o aborto praticado por médico, com o
consentimento da gestante, se o feto padece de anencefalia comprovada por junta médica
competente, conforme normas e procedimentos a serem estabelecidos no âmbito do Sistema
Único de Saúde (SUS)”.
c) Improcedência: Ministro Ricardo Lewandowski e a doutrina do legislador negativo.
Não só o Ministro Lewandowski votou pela improcedência da Arguição apresentada pela
Confederação Nacional de Trabalhadores da Saúde, mas também o Ministro Cesar Peluzo.
Não entanto, neste trabalho, vou me deter nos argumentos esgrimidos pelo primeiro dos
Ministros, para logo entrar ao outro tema a ser desenvolvido no trabalho: o debate do conflito
institucional.
47 Discutia-se no caso citado, a inconstitucionalidade do art. 546 do Código Penal italiano, na parte em que
punia quem praticava o aborto em hipóteses nas quais, embora não estivesse a mãe sob perigo atual de morte
configurador do estado de necessidade, a gravidez fosse atestada comprometedora do bem-estar físico e do
equilíbrio psíquico da gestante. E resolveu no sentido de declarar a inconstitucionalidade do dispositivo penal
atacado, “na parte em que não prevê que a gravidez possa ser interrompida quando a continuação da gestação
implique dano, ou perigo, grave, atestado por médico, para a saúde da mãe”. Voto Ministro Gilmar Mendes
ADPF 54 p. 35-36.
48 Voto Ministro Gilmar Mendes ADPF 54 p. 36.
Citando a Paulo Bonavides, o Ministro, ao tratar dos limites da Interpretação conforme a
Constituição em “que o juiz, em presença de uma lei cujo texto e sentido sejam claros e
inequívocos, não deve nunca dar-lhe sentido oposto, mediante o emprego do método de
interpretação conforme à Constituição”. Logo depois acrescenta: “não deve por consequência
esse método servir para alterar conteúdos normativos, pois ‘isso é tarefa do legislador e não
do tribunal constitucional’.” 49
Assim começa a ideia que vai sustentar o seu voto de inadmissibilidade: o Supremo Tribunal
Federal, à semelhança do que ocorre com as demais Cortes Constitucionais, só pode exercer o
papel de legislador negativo, cabendo-lhe a relevante – e por si só avassaladora - função de
extirpar do ordenamento jurídico as normas incompatíveis com o Texto Magno.
Assim, conclui que “não é lícito ao mais alto órgão judicante do País, a pretexto de
empreender interpretação conforme a Constituição, envergar as vestes de legislador positivo,
criando normas legais, ex novo, mediante decisão pretoriana”50
.
V. CONFLITO INSTITUCIONAL
Na raiz da decisão do Supremo Tribunal Federal de admitir como exceção à
tipicidade/punibilidade ao aborto cometido nos casos de fetos anencefálicos, o debate
institucional surge, consistindo uma decisão que está no limite: matéria legislativa o
jurisprudencial?
Surge assim uma das discussões permanentes no mundo do Direito, que é saber qual o
conflito que pode gerar na democracia o controle judicial constitucional, e também a pergunta
do papel do juiz na sociedade, fortemente relacionado com o grande tópico de Direito e os
câmbios sociais.
Tanto o Chile quanto o Brasil têm, já há um tempo, projetos de lei nos Congressos que
procuram, de alguma forma, legislar as situações de feto anencefálico – e, no caso do Chile,
também o aborto terapêutico. Cientes da demora dos processos legislativos quando não
colocados sob o regime de urgência, o estancamento que muitas vezes se produz, e também as
dificuldades impostas a certos processos legislativos de reforma fazem, com frequência, a
relação entre o Direito e a sociedade restarem desarmônicas. É dizer, muitas vezes, o Direito
não consegue ir ao mesmo ritmo das novas demandas da sociedade. É assim que, na minha
visão, o controle judicial pode ser uma boa ferramenta para conseguir essa consonância entre
o que a sociedade espera e o que o Direito tem que responder a essas demandas.
Poderia assim, no caso do Chile, o “legislador negativo” Tribunal Constitucional passar a
legislar sobre matérias da índole aqui analisada?51
Talvez uma mudança da discussão a outra
49BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 24ª ed. São Paulo. Malheiros, 2009, p. 519.
50 Voto Ministro Lewandowski ADPF 54 p. 8.
instituição poderia conseguir algum resultado, como aconteceu aqui. A urgência por um
tratamento nesta matéria e extraível inclusive da decisão em análise, quando aparece que o
Brasil é o quarto país no mundo em casos de fetos anencéfalos. Fica atrás do Chile, México e
Paraguai52
.
O conflito institucional e a legitimidade democrática já é um tópico instalado no Brasil
atualmente, também, com a PEC 33/1153
, que pretende alterar a quantidade mínima de votos
de membros de tribunais para declaração de inconstitucionalidade, de leis, condiciona o efeito
vinculante das súmulas aprovadas pelo STF à aprovação pelo Poder Legislativo e submete ao
Congresso Nacional a decisão sobre a inconstitucionalidade de Emendas à Constituição.
A questão interessante da PEC 33/11 é que da para ser interpretada em dois sentidos
contrapostos, que contribuem ao debate do conflito institucional entre o poder Legislativo e
Judiciário.
Assim, sua origem foi provocada justamente para restaurar o equilíbrio entre os poderes. Seus
principais motivos poderiam resumir se nos seguintes: i) o ativismo judicial praticado pelo
STF desloca questões relevantes do Legislativo para o Judiciário, de modo que tal conduta
carece de legitimidade democrática, violando a separação dos poderes e a soberania
popular; ii) o STF vem atuando como legislador positivo, extrapolando sua competência
constitucional; iii) a súmula vinculante tornou-se um instrumento inconstitucional tendo em
vista que possui “força de lei”, permitindo que o STF sobreponha de oficio a competência
delegada ao Congresso.54
51 Ao se tratar de matéria penal, O Ministro Gilmar Mendes destaca a pouca pacificação que existe. É certo que
a incidência de decisões com efeitos aditivos em matéria criminal não está livre de críticas. Parece sensato
assumir todas as cautelas quando se trata de produzir decisões manipulativas sobre normas de caráter penal,
tendo em vista os princípios da legalidade (e reserva de lei e reserva de Parlamento) e da tipicidade (cerrada)
penal. A sentença aditiva in malam partem é extremamente reprovável, todavia, se proferida in bonam partem,
abre-se uma brecha explorável para a prolação de decisão manipulativa que tenha efeito restritivo da norma
penal, não ofensiva ao postulado da reserva de lei.Voto Ministro Gilmar Mendes ADPF p. 33.
52 Extraído do Voto do Ministro Marco Aurélio ADPF 54. p. 32.
53 Para olhar o inteiro teor da PEC 33/2011, veja:
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=876817&filename=PEC+33/2011.
Ultima visita 22/11/2013.
54 MALUF CHAVES, André Luiz: PEC nº33/11: conflito institucional e legitimidade democrática. Disponível em:
http://jus.com.br/artigos/24953/pec-n-33-11-conflito-institucional-e-legitimidade-democratica#ixzz2lrFDmyzk.
Ultima visita 21/11/2013.
Da mesma forma, o deputado federal Nazareno Fontaneles, autor da PEC em análise, fala da
“fome de legislar” do STF e da sua violação da clausula pétrea do voto direto e universal que
legitima o Congresso Nacional como representante do povo, ao supostamente invadir sua
competência de legislar 55
.
São identificadas como problemas principais a judicialização das relações sociais e o ativismo
judicial. Mas, ante esta situação, o Procurador Geral do Estado de São Paulo, Elival da Silva
Ramos, propõe soluções diversas, como aumentar o numero de Ministros, como nas forças
constitucionais da Europa, que têm 15, 16 juízes, e a variedade de origens de escolhas dos
Ministros, como do Presidente, da sociedade civil e mesmo do Congresso Nacional.
Agora bem, o atrativo é que a mesma proposta da PEC 33/11, faz surgir argumentos que
declaram a que ela trata-se da maior tentativa de interferência na independência dos três
poderes desde a redemocratização do Brasil56
.
Doutrinariamente, muito se tem falado do conflito institucional, do controle judiciário e as
repercussões na democracia e soberania popular. Existem autores a favor e contrários ao
controle judiciário das leis, constituindo-se assim um debate interessante e desenvolvido em
todo o mundo jurídico.
Por um lado, entre um dos contrários ao controle judiciário, poderiam ser identificados
aqueles que defendem a ideia de um “Constitucionalismo popular”, entendido por
Larry·Kramer como um sistema no qual o povo assume o “controle ativo e constante sobre a
interpretação e aplicação do Direito Constitucional”. O autor identifica como inimigos do
constitucionalismo popular a “Supremacia Judicial”, ou seja, a ideia de que “os juízes tem a
última palavra na interpretação constitucional e que suas decisões determinam o significado
da Constituição para todos”.57
Arguindo contra desta última tese, seria interessante esgrimir a ideia de que quando os
cidadãos votam por um presidente, é porque consideram que vai nomear Ministros no
Supremo Tribunal Federal que expressarão as próprias perspectivas sobre a Constituição que
55http://www.usp.br/aun/exibir.php?id=5124 ultima visita 13/11/2013;
56 TIBÚRCIO, Henrique: PEC 33 afronta a Constituição. Disponível em:
http://www.oab.org.br/noticia/25549/artigo-pec-33-afronta-a-constituicao. última visita: 21/11/2013.
57POST, Robert & SIEGEL, Reva: Constitucionalismo popular, departamentalismo y supremacía judicial.
Disponível em: http://es.scribd.com/doc/156147695/Post-Siegel-Constitucionalismo-Popular. Ultima vista em
19 Novembro.
têm os cidadãos, e desta forma, transmitem a legitimidade democrática da soberania popular
às futuras decisões tomadas pela Corte.58
Tal como vimos, o Ministro do STF, R. Lewandowski sustentou uma ideia diretamente
relacionada com esta postura, ao dizer que “não é dado aos integrantes do poder Judiciário,
que carecem da unção legitimadora do voto popular, promover inovações no ordenamento
normativo como se parlamentares eleitos fossem”.59
Assim também, para Roberto Gargarella, o caráter contra-majoritário do poder judiciário é um
tópico a ser tratado quando de Justiça Constitucional se trate. Desta forma fala,
desacreditando:
“Como pode ser que em uma sociedade democrática, a rama do poder com credenciais
democráticas mais fracas, o poder judiciário fique com a “última palavra” institucional, e
possa assim dizer, de forma “final”, as controvérsias públicas mais importantes”. 60
A título de exemplo, os países que têm proibido invalidar a legislação por controle judicial, o
controle é feito por meio de processos legislativos ordinários. Os que estão a favor deste tipo
de revisão, citam as deliberações feitas na Inglaterra nos anos 1960, em que foram eleitos
representantes para deliberar e estabelecer o assunto por meio de votações no seio do próprio
legislativo, debatendo a liberalização da lei de aborto, a legalização da conduta homoafetiva
em adultos, e abolição da pena de morte. Afirmam que a qualidade desses debates (...) fazem
não ter sentido a ideia de que os legisladores são incapazes de dirigir estas questões
responsavelmente.61
Por outro lado, quem argumenta a favor do controle judiciário, defende a ideia do Juiz
Constitucional como legislador positivo, a viabilizar decisões com efeitos modificativos, etc.
Assim, na decisão analisada, o Ministro Gilmar Mendes, tal como vimos mais acima, foi um
ferrenho defensor das decisões interpretativas com efeitos modificativos, apoiando desta
forma o rompimento da tese de legislador negativo de Kelsen.
Diversamente, poder-se dizer que o STF agiu como legislador positivo ao estabelecer, na
parte final de sua decisão, uma verdadeira reforma ao artigo 128 do Código Penal. Agregou,
58POST, Robert &SIEGEL, Reva: Constitucionalismo popular, departamentalismo y supremacía judicial.
Disponível em: http://es.scribd.com/doc/156147695/Post-Siegel-Constitucionalismo-Popular. ultima vista em
19 Novembro.
59 Voto Ministro Lewandowski ADPF 54 p. 8
60GARGARELLA, Roberto: La justicia frente al gobierno: sobre el carácter contramayoritario del poder judicial.
Quito, Corte Constitucional para el Período de Transición/ CEDEC, 1.ª reimp., 2012, p.17.
61WALDRON, Jeremy: The Core of the Case Against Judicial Review. The Yale Law Journal 2005-2006. P. 1349.
como exceção à proibição do aborto, aquele praticado por médico, com o consentimento da
gestante, se o feto padece de anencefalia comprovada por junta médica competente,
conforme normas e procedimentos a serem estabelecidos no âmbito do Sistema Único de
Saúde (SUS)”.
Enquanto pendente regulamentação, a anencefalia deverá ser atestada por no mínimo dois
laudos diagnósticos, produzidos por médicos distintos, e segundo técnicas de exame atuais e
suficientemente seguras.62
Outros, ainda, alegam a “dificuldade de submeter ao crivo da população temas extremamente
técnicos e polêmicos, já que grande parte da sociedade não possui a total compreensão da
complexidade do nosso sistema político e jurídico”.63
Joaquín Brage Camazano, citado pelo Ministro Gilmar Mendes afirma a favor do controle
judiciário com decisões modificativas:
“La raíz esencialmente pragmática de estas modalidades atípicas de sentencias de la
constitucionalidad hace suponer que su uso es prácticamente inevitable, con una u otra
denominación y con unas u otras particularidades, por cualquier órgano de la
constitucionalidad consolidado que goce de una amplia jurisdicción, en especial si no
seguimos condicionados inercialmente por la majestuosa, pero hoy ampliamente superada,
concepción de Kelsen del TC como una suerte de ‘legislador negativo’. Si alguna vez los
tribunales constitucionales fueron legisladores negativos, sea como sea, hoy es obvio que ya
no lo son; y justamente el rico ‘arsenal’ sentenciador de que disponen para fiscalizar la
constitucionalidad de la Ley, más allá del planteamiento demasiado simple
‘constitucionalidad/ inconstitucionalidad’, es un elemento más, y de importancia, que viene a
poner de relieve hasta qué punto es así. Y es que, como Fernández Segado destaca, ‘la praxis
de los tribunales constitucionales no ha hecho sino avanzar en esta dirección’ de la
superación de la idea de los mismos como legisladores negativos, ‘certificando [así] la
quiebra del modelo kelseniano del legislador negativo”64
Soluções intermédias para o problema do controle judicial das leis, por exemplo, se propõe a
inclusão de grupos de pressão para o respaldo a setores mais desfavorecidos (amicuscuriae);
62 Voto Ministro Gilmar Mendes ADPF 54 p. 36.
63 Para um artigo sobre o tema em questão no Brasil: http://jus.com.br/artigos/24953/pec-n-33-11-conflito-
institucional-e-legitimidade-democratica#ixzz2ld6nVLFe. Última visita 24/11/2013.
64 BRAGE CAMAZANO, Joaquin. Más reformas en Justicia. Publicado em: El Heraldo del Henares, edição de
1.4.2012. Disponível em: http://www.elheraldodelhenares.es/pag/noticia.php?cual=12850. Ulima vista
23/11/2013.
introdução de jurados e juízes leigos tentar fomentar a participação dos cidadãos na justiça;
forma de designação dos juízes ressaltando o Conselho da Magistratura65
, etc.
65POLO PAZMIÑO, Esteban: Roberto Gargarella. La justicia frente al gobierno: sobre el carácter contramayoritario
del poder judicial. Em: Umbral, Revista de Derecho Constitucional n ° 3ene-jun 2013. Quito Ecuador. P. 167
VI. O FOCO DA IGUALDADE SEXUAL “Educación para decidir, anticonceptivos para no abortar, aborto legal para no morir”
O fim do trabalho dá-se de forma aberta. É dizer, não restringindo o leitor a chegar a uma
ideia determinada e acabada, senão, pelo contrário, abrindo toda reflexão feita a partir do
ADPF a um foco jurídico-sociológico, para acabar de forma mais global tudo o que implicou
a discussão desenvolvida na Arguição analisada.
A igualdade sexual reflete sobre as desvantagens que têm as mulheres a partir das tradições,
convenções e costumes que têm moldados as funções sexuais e familiares dos homens e das
mulheres. Defendem a ideia de que o Governo não pode afiançar ou agravar aquelas
convenções usando leis para restringir a autonomia das mulheres sobre seu corpo ou eleição
das suas oportunidades de vida em virtude de suas relações sexuais ou da criação dos filhos,
assim como não faze com os homens.66
Entre as desvantagens que produzem impacto diferenciado por gênero sobre o status e bem-
estar dos sexos, e o fato de que a moralidade corrente, que rege a expressão sexual, valora
mais a liberdade sexual dos homens, a sua autonomia decisória e o seu prazer, do que as das
mulheres; a privação da dignidade, saúde, felicidade e liberdade das mulheres ao tempo que
os homens não sofrem essa privação; existência de normas diferenciadas por gênero que
estruturam a paternidade/maternidade; e como o trabalho diferenciado na criação dos filhos
têm consequências econômicas adversas para as mulheres. 67
Aqui se defende a mulher como agente autogovernado. A gravidez é um dos aspectos mais
determinantes da sua vida: ela transtorna sua educação, seu emprego, e toda sua vida familiar.
Se algum direito é fundamental para a mulher, esse deveria ser o de poder escolher se
terminar ou continuar a gravidez. O controle da decisão sobre o momento da maternidade é
crucial para o status e o bem-estar das mulheres.
No caso do aborto, o enfoque da igualdade não só se restringe ao âmbito de gênero, senão
também incide nos aspetos socioeconômicos das mulheres, restringindo as suas vidas, em
especial das pobres e vulneráveis sem embargo também atingir às privilegiadas. Não obstante,
parece mais importante o controle da maternidade para as mulheres cujo status está
condicionado por razões de classe, raça, idade ou estado civil.
É importante destacar que, pelo geral, os que aduzem o enfoque da igualdade sexual têm uma
preocupação moral respeito da prática do aborto e tendem a advogar por políticas de educação
66SIEGEL, Reva B: Los argumentos de igualdad sexual a favor de los derechos reproductivos: su fundamento
crítico y su expresión constitucional en evolución. En: Bergallo, Paola: Justicia, género y reproducción. Librarias,
2010. P. 48-49.
67Ibídem. P. 49-50.
sexual e anticoncepção desenhada para diminuir a prevalência do aborto, em lugar das
políticas desenhadas para criminalizá-lo.68
Assim, por exemplo, uma das vias de proteção é a
licença parental69
, creche infantil.
Resulta relevante refletir sobre quais são os objetivos sociais que as restrições à pratica do
aborto declaram servir, e se é possível alcança-las por outros meios. No caso de se invocar
como razão a proteção da vida em potência, seria alcançável em contra das mulheres que
resistem aos controles sexuais e de maternidade impostos pelo costume? Ou a comunidade
atua em outros contextos, e está verdadeiramente disposta e preparada para apoiar a essas
mulheres as quais pressionará para dar a luz?70
Desta forma, nos damos conta de que a via penal não constitui a melhor forma de reprimir e
evitar esses atos, como acontece também, sustentados por muitos, com os atos de violência
intrafamiliar, dado o caráter complexo sentimental que compõem as relações familiais e os
motivos que levam a que aconteçam essas atuações. Um informe de Paz Ciudadana, no Chile,
adverte dos beneficios de ampliar o catalogo de penas alternativas às restrictivas de liberdade,
afirmando que La variedad de penas permite satisfacer mejor el principio de
proporcionalidad entre delito y sanción, e individualizar la pena en función de las
características del condenado y los objetivos específicos que se pretende alcanzar en cada
caso.71
VII. CONCLUSÃO
Fazer uma conclusão sobre um trabalho de investigação para o qual não se propôs tese
nenhuma resulta difícil.
Só poderia afirmar que ter a possibilidade de estagiar dentro de um dos órgãos superiores do
poder judiciário brasileiro, sendo cúmplice de seu atual processo de desenvolvimento político
68 Ibidem. P. 53.
69 Provisions vary distinctly from country to country: While in the United States, mandated job-protected
maternity leave amounts to 12 weeks in a 12 month period; in the United Kingdom, legal stipulations allow for a
duration of job-protected leave of up to 40 weeks. In the United States, maternity leave is unpaid. In Germany
and the Netherlands, it reaches up to 100% of the net wage with German employers bearing approximately
40% of gross payroll costs during. Para uma interessante comparação internacional de políticas públicas de
fomento à maternidade, veja:
http://www.parliament.nz/resource/0000260167. Última visita: 20/11/2013.
70 Ibidem. P. 53.
71 HURTADO, Paula: Diversificando La Respuesta Frente Al Delito: Procedimientos Y Penas Alternativas. Disponível
em: http://www.pazciudadana.cl/wp-content/uploads/2013/07/2005-03-03_diversificando-la-respuesta-
frente-al-delito-procedimientos-y-penas-alternativas.pdf. Ultima visita: 23/11/2011.
e cívico e ter que ter lido este Acórdão, que não pode ser senão um dos mais importantes e
completos pelo caráter ético intrínseco que implica o tema do aborto é um das experiências
jurídico sócias mais importantes que tive até hoje.
Assim, fazer este trabalho alimentou de forma muito ampliada o conhecimento que ate agora
levo acumulado na minha curta experiência jurídica.
CHILE E BRASIL: DIFERENTES TRATAMENTOS PARA AS
RELAÇÕES HOMOAFETIVAS
Por Felipe Oyarzún Vargas72
I. Introdução
Como estabelece o professor Barroso “ nas últimas décadas, culminando
um processo de superação do preconceito e da discriminação, inúmeras
pessoas passaram a viver a plenitude de sua orientação sexual e, como
desdobramento, assumiram publicamente relações homoafetivas ”73
. Como
também explica o Ministro, “a aceitação social e o reconhecimento jurídico
desse fato são relativamente recentes, e, consequentemente, existem
incertezas acerca do modo como o direito deve lidar com o tema ”74
.
Dessa forma, surgem diferentes dúvidas, as Constituições de Chile e do
Brasil considera legítima a discriminação das pessoas em funçã o de sua
orientação sexual? A união estável (tanto no Chile como Brasil) entre homem
e mulher significa uma proibição da extensão de tal regime jurídico ás uniões
homoafetivas? São perguntas que foram analisadas tanto na ADI 4277 como
na decisão Rol 1881-10. O Supremo Tribunal Federal de Brasil e o Tribunal
Constitucional de Chile tiveram a oportunidade de responder a essas questões
à luz de indicação de suas Consti tuições.
Assim, o presente artigo estuda como Brasil e Chile deram tratamento às
relações homoafetivas, os objetivos são mostrar as duas decisões (reflexões
sobre o tema), depois mostrar os pontos de vista da doutrina a respeito das
72 Es tudante de Dire i to , Univers idade Alberto Hurtado, Chile . Estagiár io
Supremo Tribunal Federal , Bras i l . Contacto : pipe.oyarzun@gmai l .com
73 Barroso, Luis Rober to : O Novo Direi to Const i tuc ional Brasi leiro . Editora
Forum, Belo Horizonte , 20 12, p . 423.
74 Ibid .
relações homoafetivas, diferentes raciocínios existentes nos dois países.
Finalmente, uma avaliação dessas ideias é feito com a intenção de discernir o
caminho certo a seguir sobre as relações homoafetivas em nossos tempos.
.
II. Legislação aplicável
II.1.Direito Internacional
Tanto Brasil como Chile, os dois países são partes de diferentes Tratados
Internacionais que são importantes para o tratamento e compreensão das
relações homoafetivas. Alguns exemplos são:
Em primeiro lugar, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do
Homem, os artigos II (“ todas as pessoas são iguais perante a lei e têm os
direitos e deveres consagrados nesta declaração, sem distinção de raça,
língua, crença, ou qualquer outra .”) e VI (“Toda pessoa tem direito a
constituir família, elemento fundamental da sociedade e a receber proteção
para ela”).
Em segundo lugar, a Declaração Universa l dos Direitos Humanos, os
art igos II (Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades
estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de
raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza,
origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição ),
VII (Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a
igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer
discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento
a tal discriminação ) e XVI (1- Os homens e mulheres de maior idade, sem
qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de
contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais direitos em
relação ao casamento, sua duração e sua dissolução. 2 - O casamento não
será válido senão com o livre e pleno consentimento dos nubentes ).
Em terceiro lugar, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto
de San José da Costa Rica), em seus art igo s 17 (“Proteção da família: 1. A
família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e deve ser protegida
pela sociedade e pelo Estado. 2. É reconhecido o direito do homem e da
mulher de contraírem casamento e de constituírem uma família, se tiverem a
idade e as condições para isso exigidas pelas leis internas, na medida em que
não afetem estas o princípio da não-discriminação estabelecido nesta
Convenção. 3. O casamento não pode ser celebrado sem o consentimento livre
e pleno dos contraentes. 4. Os Estad os-partes devem adotar as medidas
apropriadas para assegurar a igualdade de direitos e a adequada
equivalência de responsabilidades dos cônjuges quanto ao casamento,
durante o mesmo e por ocasião de sua dissolução. Em caso de dissolução,
serão adotadas as disposições que assegurem a proteção necessária aos
filhos, com base unicamente no interesse e conveniência dos mesmos. 5. A lei
deve reconhecer iguais direitos tanto aos filhos nascidos fora do casamento,
como aos nascidos dentro do casamento”) e 24 (“Igualdade perante a lei:
Todas as pessoas são iguais perante a lei. Por conseguinte, têm direito, sem
discriminação alguma, à igual proteção da lei ”).
Em quarto lugar, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais, em seus artigos 2.2 (“Os Estados Partes do presente
pacto comprometem-se a garantir que os direitos nele enunciados se
exercerão sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, língua,
religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social,
situação econômica, nascimento ou qualquer outra situação ”) e 10 (“Os
Estados Partes do presente Pacto reconhecem que: 1. Deve -se conceder à
família, que é o elemento natural e fundamental da sociedade, a mais ampla
proteção e assistência possível, especialmente para a sua constituição e
enquanto ela for responsável pela criação e educação dos filhos. O
matrimônio deve ser contraído com livre consentimento dos futuros cônjuges.
2. Deve-se conceder proteção às mães por um período de tempo razoável
antes e depois do parto. Durante esse período, deve -se conceder às mães que
trabalhem licença remunerada ou licença acompanhada de benefícios
previdenciários adequados. 3. Devem -se adotar medidas especiais de
proteção e de assistência em prol de todas as crianças e adole scentes, sem
distinção por motivo i de fil iação ou qualquer outra condição. Devem -se
proteger as crianças e adolescentes contra a exploração econômica e social .
O emprego de crianças e adolescentes em trabalhos que lhes sejam nocivos à
saúde ou que lhes façam correr perigo de vida, ou ainda que lhes venham a
prejudicar o desenvolvimento normal, será punido por lei . Os Estados devem
também estabelecer l imites de idade sob os quais fique proibido e punido por
lei o emprego assalariado da mão-de-obra infantil” ).
Em quinto lugar, o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e
Políticos, em seus artigos 2.1 (“Os Estados Partes do presente pacto
comprometem-se a respeitar e garantir a todos os indivíduos que se achem em
seu território e que estejam sujeitos a sua jurisdição os direitos reconhecidos
no presente Pacto, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo.
língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou
social, situação econômica, nascimento ou qualquer condição ”), 3 (“Os
Estados Partes no presente Pacto comprometem -se a assegurar a homens e
mulheres igualdade no gozo de todos os direitos civis e polít icos enunciados
no presente Pacto”) e 23.
Em resumo, além da legislação de cada país, Chile e Brasil já tem uma
obrigação em razão dos Tratados Internacionais que são parte.
II.2. Caso Brasileiro
Para o caso brasileiro, pensou que é importante destacar as regras da
Constituição de 1988 e do Código Civil que foram objeto dos processos.
Assim:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração.
§ 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei .
§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável
entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar
sua conversão em casamento.
§ 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada
por qualquer dos pais e seus descendentes.
§ 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conju gal são exercidos
igualmente pelo homem e pela mulher.
§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. (Redação dada
Pela Emenda Constitucional nº 66, de 2010)
§ 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da
paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal,
competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o
exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de
instituições oficiais ou privadas.
§ 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um
dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito
de suas relações.
Também é importante destacar o estabelecido no Código Civil Brasileiro,
em particular o objeto da ADI 4277, que foi o seguinte artigo: Art. 1.723: É
reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a
mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e
estabelecida com o objetivo de constituição de família.
E mesmo acontece com as leis 8971/94 e 9278/96, mas para efeitos do
presente trabalho, é importante ressaltar a Constituição e Código Civil , outras
leis especiais não.
II.2. Caso Chileno
A Constituição de 1980 não tem um conceito de família, mas dá um status
para indicar que ele é uma unidade básica da sociedade. Não ter um conceito
de família não é só um problema da Constituição, também é um problema de
toda a legislação chilena. No entanto, podemos estabelecer algumas das
normas mais importantes para o desenvolvimento das r elações homoafetivas
no Chile. Assim:
Artigo 19 -. A Consti tuição garante a todas as pessoas:
2 -. Igualdade perante a lei. No Chile não há nenhuma pessoa ou grupo
privilegiado. No Chile não há escravos e que pisa em seu território é livre.
Homens e mulheres são iguais perante a lei. Nenhuma lei ou autoridade pode
estabelecer diferenças arbitrárias;
3 -. Igual proteção da lei no exercício dos seus direitos.
4 - O respeito e a proteção da vida privada e da honra da pessoa e da
família;
Também, é importante ver as normas sobre casamento, sobretudo àquela
que foi objeto da ação de inaplicabilidade (Rol 1881 -10), que é o artigo 102
do Código Civil Chileno que estabelece que “O casamento é um contrato
solene pelo qual um homem e uma mulher se unem indissoluvelm ente e atual,
e da vida, a fim de viver juntos, para reproduzir e ajudar uns aos outros ”.
Em resumo, no presente capitulo revisamos os principais art igos do direito
internacional, direito brasileiro e chileno, em relação ao tratamento das
relações homoafetivas. Agora, começaremos com os casos selecionados que
tem relação com matérias das relações homoafetivas.
III. Supremo Tribunal Federal vs. Tribunal Constitucional
III.1. Ação Direta de Inconstitucionalidade 4277
No caso brasileiro, temos muita jurisprudência sobre as relações
homoafetivas, não só do Supremo Tribunal Federal , também das outras
magistraturas do Poder Judiciário. No entanto, para efeitos do presente
trabalho, escolhi a ADI 247775
pela relevância e importância dela no
ordenamento jurídico brasileiro.
No começo, a presente ADI foi uma Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental (ADPF) interposta pela Procuradoria Geral da
República, que tinha dois objetivos. Primeiro, foi o reconhecimento, no
Brasil, da união entre pessoas do mesmo sexo, como entidade familiar, desde
que atendidos os requisitos exigidos para a constituição de união estável
entrem homem e mulher. Segundo, que os mesmos direitos e deveres dos
companheiros nas uniões estáveis estendem -se aos companheiros nas uniões
entre pessoas do mesmo sexo.
STF estabelece que petição de Procuradoria Geral da República tenha a
inexistência de um objeto específico e bem delimitado a ser impugnado pela
via da ADPF. Além disso, por pedido subsidiário, a Procuradoria Geral da
República requer o conhecimento da ADPF como ADI, com pedido de
interpretação conforme do art. 1723 do Código Civil Brasileiro. Assim, o
dever do Supremo Tribunal Federal era analisar o art . 1723 do Código Civil
Brasileiro (objeto de ADI) à luz dos princípios consag rados na Constituição,
com a finalidade de conferir uma interpretação conforme à Magna Carta.
O Supremo Tribunal Federal, por votação unânime, julgou procedentes
as ações, com eficácia erga omnes e efeito vinculante. As principais
conclusões foram as seguintes:
75 Também é importante ADPF 132. Em razão da regra da prevenção e do
julgamento s imul tâneo de processos em que haja “coincidência to tal ou parc ia l de
objetos” , o Minis tro Ayres Br i t to foi re lator dos dois p rocessos .
Primeiro, como estabelece a Ementa da ADI 4277, “o sexo das pessoas,
salvo disposição constitucional expressa ou implícita em sentido contrário,
não se presta como fator de desigualdade jurídica. Proibição de preconceito, à
luz do inciso IV do art . 3º da Constituição Federal , por colidir frontalmente
com o objetivo constitucional de “promover o bem de todos”. Silêncio
normativo da Carta Magna a respeito do concreto uso do sexo dos indivíduos
como saque da kelseniana “norma geral negativa”, segund o a qual “o que não
estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido”.
Reconhecimento do direito à preferência sexual como direta emanação do
princípio da “dignidade da pessoa humana”: direito a auto -estima no mais
elevado ponto da consciência do indivíduo. Direito à busca da felicidade.
Salto normativo da proibição do preconceito para a proclamação do direito à
liberdade sexual. O concreto uso da sexualidade faz parte da autonomia da
vontade das pessoas naturais. Empírico uso da se xualidade nos planos da
intimidade e da privacidade constitucionalmente tuteladas. Autonomia da
vontade. Cláusula pétrea”76
.
Segundo, compreensão do conceito da família, o STF tem clareza em
não propor um conceito reducionista dela, eliminação de preconce ito quanto à
orientação sexual das pessoas, existe isonomia entre casais heteroafetivos e
pares homoafetivos, todas as pessoas tem o mesmo direito subjetivo à
formação de uma autonomizada família. Casamento não é único jeito de
constituir uma família, exis tem outras vias.
Terceiro, em relação ao estabelecido por art . 226 §3º, “inexistência de
hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de
constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico. Emprego do
fraseado “entidade famili ar” como sinônimo perfeito de família. A
76 ADI 4277, Relator Ministro Ayres Bri t to , julgamento em 05 -05-2011,
Plenário , disponível na Interne t:
<http : / /red ir . st f . j us.br /paginadorpub/paginador . j sp?docTP=AC&docID=6286
35> [Últ ima visi ta : 14 de novembro 2013]
Constituição não interdita a formação de família por pessoas do mesmo
sexo”77
. Assim, observa-se a horizontalidade (ou sem hierarquia) entre as duas
tipologias do gênero humano.
Quarto, finalmente em relação à inte rpretação conforme à Constituição
do art. 1723 do Código Civil, o Supremo Tribunal Federal estabelece
reconhecimento da união homoafetivas como família. Reconhecimento que é
de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da
união estável heteroafetiva.
III.2. Sentencia Rol 1881-10 do Tribunal Constitucional do Chile
A diferença do Brasil, no Chile não tem muita jurisprudência onde
pesquisar informação respeito às relações homoafetivas, não somente ao nível
constitucional, também temos pouca jurisprudência nas outras magistraturas
(outras matérias) de Poder Judiciário Chileno. No entanto, igualmente
encontrei a decisão do Tribunal Consti tucional do Chile, Rol 1881 -10, sobre
as noções das relações homoafetivas.
O Tribunal Constitucional conhece desta matéria por petição de um juiz
da República (“Corte de Apelaciones de Santiago”) quem solicitou ajuda para
resolver um caso sobre a aplicabilidade ou inaplicabilidade por
inconstitucionalidade do art. 102 de Código Civil Chileno que consa gra o
seguinte: “O casamento é um contrato solene pelo qual um homem e uma
mulher se unem indissoluvelmente e atual, e da vida, a fim de viver juntos,
para reproduzir e ajudar uns aos outros”.
A situação de fato que originou o caso foram pessoas do mesmo sexo
que se casaram fora do Chile, e quando voltaram foram para Registro Civil
para validar seu matrimonio no estrangeiro, mas oficial do Registro Civil
77 Ibid .
impediu alegando que a legislação chilena prevê apenas o casamento entre um
homem e uma mulher. Por is so, os casais interpuseram habeas corpus
argumentando que negar a possibilidade de se casar ou registrar um
casamento validamente celebrado no estrangeiro, de duas pessoas por sua
sexualidade, é uma grave violação do direito à igualdade consagrado no Nº 2
do artigo 19º da Constituição da República, por isso pede ao Tribunal (“Corte
de Apelaciones”) que declare o ato arbitrário do funcionário público ligado e
restaurar o Estado de direito e ordenou a conceder tempo para comemorar seu
casamento e proceder ao registro casamentos validamente celebrados no
exterior, respectivamente.
Em resumo, o Tribunal Constitucional do Chile tinha que pronunciar -se
sobre se artigo 102 do Código Civil do Chile viola o estabelecido no artículo
19 Nº2 da Consti tuição da República do Chile que consagra o direito de
igualdade perante a lei, sempre que esta disposição (art. 102) só permite o
casamento entre um homem e uma mulher sem uma licença para se casar
casais homossexuais. Podemos dividir a decisão nos seguintes pontos.
Em primeiro lugar, o Tribunal Constitucional lembra que o casamento é
uma questão que tem de ser tratada por lei, isso em razão do estabelecido em
artigo 63 da Constituição de Chile, que estabelecem quais são as matérias que
são de lei. O artigo 63 Nº3 que colo ca como matéria de lei aquelas que são
próprias do direito civil78
. Além disso, no mesmo art igo, tem o Nº20 que
consagra que “qualquer outra regra geral que as fundações essenciais que
estabeleça obrigatória de um sistema legal" têm que ser por lei. Esta é uma
questão de codificação civil , e, portanto, é uma questão que seu tratamento
tem que ser por lei . O Tribunal Consti tucional explica que os efeitos e a
regulamentação do casamento são próprios de reserva legal e não
78 STC Rol 1881 -10-INA, disponíve l na internet :
<http : / /www.tr ibunalconst i tucional .c l /wp/ver .php?id=2213> [Últ ima visi ta : 10 de
novembro 2013]
constitucional. Em razão disso, concl ui que é um dever de o poder legislativo
a configuração e tratamento do tema, por ser matéria própria de lei.
Em segundo lugar, o Tribunal Constitucional estabelece que a ação de
inaplicabilidade não tenha uti lidade para a finalidade dos demandantes,
porque ação de inaplicabilidade é um controle concreto da
constitucionalidade, só aplicável para o caso particular, mas não todo o
conjunto de regras sobre o casamento. Tribunal estabelece que motivação dos
demandantes não é só a inaplicabilidade o art. 102 d o Código Civil Chileno,
também todo o sistema de regras sobre o casamento (que consagra união entre
homem e mulher) do Código Civil e também leis especiais como a lei 19.947
(a Lei de Matrimonio Civil) que em seu art igo 80 estabelece que “ requisitos
de forma e substância do casamento deve ser estabelecido por lei do lugar da
celebração. Assim, o casamento celebrado em um país estrangeiro, de acordo
com as leis do país, no Chile produzem os mesmos efeitos como se conclui -se
em território chileno, desde que a união entre um homem e uma mulher ”.
Assim, o Tribunal explica que o problema não é só com artigo 102, também é
com ordenamento completo.
Por estas razões o Tribunal Constitucional rejeita o requerimento de
inaplicabilidade sobre artigo 102 do Código Civi l. Posteriormente, a decisão
contempla os votos de cada Ministro em particular, mas eles terão maior
desenvolvimento em seguinte capítulo.
IV. Compreensão das relações homoafetivas em cada país,
realidades completamente diferentes.
IV.1. No Brasil
Pra analisar, conhecer e entender a situação atual (e futuro) das
relações homoafetivas no Brasil , preciso mostrar os trabalhos do professor
Gustavo Tepedino, professor (e atual Ministro do Supremo Tribunal Federal)
Roberto Barroso79
, e também destacar o voto do Min istro (agora aposentado,
relator da ADI 4277) Ayres Britto. Para mim, representam o correto
tratamento a ser dado às relações homoafetivas.
A opinião doutrinária do Professor Gustavo Tepedino, representando ao
Insti tuto de Direito Civil (IDC) é uma grand e contribuição ao tratamento das
relações homoafetivas. Ele divide seu art igo em três partes. Primero, as
relações familiares na legalidade consti tucional. Ele faz uma distinção entre a
pluralidade de modelos de família e pressupostos para sua configuração .
Também faz uma interpretação do art. 226 da Constituição. Ele explica a
inconstitucionalidade da interpretação redutiva do art . 1723 do Código Civil
Brasileiro. Segundo, a funcionalização das entidades familiares aos princípios
constitucionais da solidar iedade, igualdade e dignidade da pessoa humana.
Ele faz uma explicação das entidades familiares de fato e critérios para o seu
merecimento de tutela. Terceiro, o professor da a interpretação necessária do
art . 1723 á luz da ordem pública consti tucional. Es tatuto jurídico da entidade
formada por pessoas do mesmo sexo: igualdade da união estável no que
concerne às relações existências e patrimoniais entre os companheiros, bem
como ao seu regime sucessório.
Para primeiro ponto, o professor explica as relações de família
mudaram ao longo do tempo, a Constituição de 1988 traz com ela os novos
valores dessas mudanças. Assim, a Magna Carta impõe muitas mudanças para
direito de família, seu estudo não pode ser de forma casuíst ica, tem que ser
em concordância com os princípios constitucionais que inspiram um novo
conceito de unidade familiar. Antigamente, no Brasil a unidade familiar era
compreendida pelo casamento, agora passamos à ideia de formação
79 Tanto o professor Tepedino quanto o professor Barroso, deram a sua visão
(opinião doutr inár ia) da si tuação por pet ição da Procurador ia Gera l da República na ADI
4277.
comunitária apta ao desenvolvimento de seus integrantes80
. Na Consti tuição
de 1988 oferece diferentes argumentos para defender novo conceito da
unidade. Por exemplo, o art . 1 estabelece a dignidade. Art. 3 IV consagra
ideia de promover bem para todos sem preconceitos.
Particularmente, respeito ao art. 226 da Constituição, o autor ressalta o
fato de que família é à base da sociedade. Por seus parágrafos III, IV e VII, o
autor estabelece que a leitura de artigo 226 ofereça três opções valorativas
bem definidas. Primeiro, o caráter instrumental da família, pela função para a
realização da pessoa humana e de sua dignidade. Segundo, consagra a
pluralidade das entidades familiares, garantidora do respeito à liberdade e às
diferenças individuais mediante indicação não taxativa do rol das entidades
familiares dignas de tutela. Terceiro, a liberdade (de forma) para a
constituição da família baseada na dignidade.
Em resumo, o professor Tepedino explica que os critérios para a
legit imidade constitucional de uma determinada entidade familiar associam -se
a seriedade de propósitos e a ap tidão para a função promocional da pessoa
humana. Por isso mesmo, não se pode admitir qualquer interferência
legislativa ou interpretativa restri tiva de tais opções constitucionais, sob pena
de se aniquilar a finalidade axiológica atribuída pelo constituin te às entidades
familiares. Em razão disso, é inconstitucional a restrição de modelos
familiares por conta da orientação sexual dos conviventes, com a admissão
somente de famílias constituídas por casais heterossexuais, em desapreço dos
princípios constitucionais acima aludidos81
. Sistema jurídico deve ter como
80 INSTITUTO DE DIREITO CIVIL – IDC, Opinião Doutr inár ia Professor
Gustavo Tepedino , na Petição Inic ia l da Procuradoria Geral da República, p . 127.
Disponível na Interne t:
<http : / /red ir . st f . j us.br /est fvisual izadorpub/jsp /consul tarprocessoeletr onico/
Consul tarProcessoEle tronico. j s f?seqobjeto incidente=11872> [Úl t ima Visi ta: 18 de
novembro de 2013]
81 Ibid .
objetivo uma interpretação não restritiva do art. 1723 de Código Civil
Brasileiro, devido a que viola os princípios constitucionais invocados.
Para o segundo ponto, professor afirma que a caracteriza ção de uma
entidade familiar depende da presença dos requisitos da seriedade,
estabil idade e propósito de consti tuição de família. Tem que ser valorados de
maneira objetiva e democrática, fixa na realização da pessoa humana e de sua
dignidade o parâmetro para o reconhecimento da entidade familiar. Pouco a
pouco, o Brasil (sua jurisprudência especialmente) foi ampliando cada vez
mais o reconhecimento das uniões formadas por pessoas do mesmo sexo como
entidades familiares, em igualdade de condições com aquela s estabelecidas
entre homem e mulher, o que importa na interpretação não restritiva da
legislação codificada, especialmente do art. 1723 do Código Civil Brasileiro,
de modo a alcançar as entidades familiares formadas por pessoas do mesmo
sexo em seu âmbito de incidência normativa82
.
Para o terceiro ponto, o autor mostra a experiência do direito
comparado, a evolução dos diferentes países que foram reconhecendo as
relações homoafetivas como um fenômeno que direito tem que dar tratamento.
Assim, o panorama do direito estrangeiro confirma a tendência amplamente
perceptível, de admissão da união de pessoas do mesmo sexo como uma das
modalidades de família presentes na sociedade contemporânea. Após isso, o
professor acaba estabelecendo que reconhecimento pelo dir eito brasileiro vá
depender da interpretação do art . 1723 do Código Civil, ele tem que admitir,
necessariamente, em seu espectro normativo, as entidades formadas por
pessoas do mesmo sexo, considerando -se, assim, inconstitucional, a atuação
das autoridades públicas contra desses núcleos familiares.
A opinião doutrinária do Professor Roberto Barroso, também é uma
grande contribuição. Ele tem uma tese central e uma tese acessória. A tese
82 Ibid .
principal é a de que um conjunto de princípios consti tucionais impõe a
inclusão das uniões homoafetivas no regime jurídico da união estável, por se
tratar de uma espécie em relação ao gênero. Enquanto a tese acessória é a
equiparação de regimes jurídicos mediante o emprego da analogia. Como as
caraterísticas essenciais da uni ão estável previstas no Código Civil estão
presentes nas uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo, o tratamento
jurídico deve ser o mesmo83
. Assim, a investigação do professor Barroso
sustenta-se a tese de que o mesmo regime deve ser reconhecido às uniõe s
entre pessoas do mesmo sexo, seja por aplicação direta dos princípios
constitucionais (tese principal), seja por integração de lacuna legal existente
(tese acessória).
Por um lado temos a tese principal , o professor Barroso estabelece que
a Constituição de 1988 reconhece juridicamente as relações entre pessoas do
mesmo sexo, baseado em diferentes princípios: igualdade, liberdade (do qual
decorre a autonomia privada), da dignidade da pessoa humana e da segurança
jurídica. Todas as pessoas tem o direito de desfrutar da proteção jurídica que
estes princípios lhes outorgam. Por essa razão, a Constituição não comporta
uma leitura homofóbica, deslegitimada das relações de afeto e de
compromisso que se originam entre indivíduos do mesmo sexo. Em seguida,
explicar mais detalhadamente cada um dos princípios.
Em primeiro lugar, o princípio de igualdade, onde se condenam de
forma expressa todas as formas de preconceito e discriminação.
Adicionalmente, a lei não deve dar tratamento diferenciado a pessoas e
situações substancialmente iguais, sendo inconstitucionais as distinções
caprichosas e injustificadas, se tiver uma desequiparação tem que ser razoável
e o fim por ela visado sejam legítimos84
. No caso concreto, a orientação
sexual não é um fato aceitável de discrímen. Também o professor Barroso
83 Barroso , Luis Rober to: Diferen tes, mas iguais: o reconhecimento jur ídico
das re lações homoafet ivas no Brasil , Revis ta de dire i to do Estado 5:167, 2007.
84 Ibidem.
mostra os principais argumentos das pessoas que defendem a exclusão das
relações homoafetivas do regime da união estável, são três fundamentos que o
professor dar resposta imediata: a impossibilidade de procriação
(Constituição de 1988 reconhece a família monoparental), a violação dos
padrões de “normalidade moral” (temos que rejeitar a imposição autoritária
da moral dominante à minoria, sobretudo quando a conduta desta não afeta
terceiros), e a compatibilidade com os valores c ristãos (não pode prevalecer
no espaço publico de um Estado laico). Assim, o professor demonstra que
nenhum resiste ao crivo da razão pública85
.
Em segundo lugar, o princípio da liberdade pessoal, do qual decorre a
autonomia privada. Esse princípio tem relação com que as pessoas devem ter
o direito de desenvolver a sua personalidade e as instituições políticas e
jurídicas devem promover esse desenvolvimento, e não dificultá -lo. O
professor explica que a autonomia privada pode ser limitada, mas não
caprichosamente, tem que se sempre justificada. Por outro lado, “a exclusão
das relações homoafetivas não é só uma lacuna, um espaço não regulado pelo
direito, esta seria na verdade, uma forma comissiva de embaraçar o exercício
da l iberdade e desenvolvimento da pers onalidade de um número expressivo de
pessoas, depreciando a qualidade dos seus projetos de vida e dos seus afetos.
Isto é: fazendo com que sejam menos livres para viver as suas escolhas”86
.
Em terceiro lugar, o princípio da dignidade da pessoa humana, o qu al
identifica um espaço de integridade a ser assegurado a todas as pessoas por
sua só existência no mundo. O professor Barroso lembra duas ideias sobre a
dignidade e que tem relação para o presente situação. Primeira ideia, ninguém
pode ser tratado como meio, devendo cada individuo ser considerado sempre
como fim em si mesmo. Segunda ideia, todos os projetos pessoais e coletivos
de vida, quando razoáveis, são dignos de igual respeito e consideração, são
merecedores de igual reconhecimento. Professor conclui que a não atribuição
85 Ibid .
86 Ibid .
de reconhecimento à união entre pessoas do mesmo sexo viola
simultaneamente essas duas dimensões nucleares da dignidade humana87
.
Em quarto lugar, o princípio da segurança jurídica. A exclusão das
relações homoafetivas do regime juríd ico da união estável, sem que exista um
outro regime especifico aplicável, é inequivocamente geradora de insegurança
jurídica. Consequências não são só pra parceiros, também para terceiros e
família e para todas as relações patrimoniais que podem -se gerar.
Por outro lado temos a tese acessória, aonde o professor Barroso
explica que não se deve interpretar uma regra constitucional contrariando os
princípios constitucionais e os fins que a justificaram. Assim, a leitura direita
do artigo 226, parágrafo 3º, não é uma regra de exclusão, se fosse assim, seria
inconstitucional.
Posteriormente, seguindo a tese acessória, o professor Barroso explica
que processo de preenchimento de eventuais vazios normativos recebe o nome
de integração. Sua missão é pesquisar no ordenamento uma norma capaz de
reger adequadamente uma hipótese que não foi especificamente disciplinada
pelo legislador. Por isso, professor presenta a analogia como uma possível
solução como recurso na integração da ordem jurídica. A “analogia consiste
na aplicação de uma norma jurídica concebida para uma dada situação de fato
a uma outra situação semelhante, mas que não fora prevista pelo legislador”88
.
Uma vez admitida a analogia, chegar -se-ia à seguinte conclusão: a
Constituição teria reconhecido expressamente três tipos de família: pelo
casamento, pela união estável entre pessoas de sexos diferentes, e pela
família monoparental. Como estabelece o professor Barroso, haveria, contudo,
um tipo comum de família não expressamente reconhecido: a união
homoafetivas. No entanto, apesar da falta de norma especifica, o
87 Ibid .
88 Ibid .
reconhecimento dessa quarta modalidade seria imposto pelo conjunto da
ordem jurídica e pela presença dos elementos essenciais que caracterizam as
uniões estáveis e as entidades familiares89
.
Finalmente, no caso brasileiro no tratamento as relações homoafetiva,
queria resaltar o voto do Ministro (relator da ADI 4277) Ayres Britto. Ele
estabelece que a correta aplicação das normas estaduais inerentes à união
duradoura entre pessoas do mesmo sexo reclama, para sua concretização, a
incidência de institutos de direito consti tucional e de direito civil, como os
institutos da família, do casamento, da união estável e da adoção. Assim, o
sexo das pessoas, salvo expressa disposição constitucional em contrario , não
se presta como fator de desigualacão jurídica90
. Por isso, o tratamento
discriminatório ou desigualitário passa a colidir frontalmente com objetivo
constitucional de promover o bem de todos91
.
O Ministro Ayres Britto explica que a Constituição de 198 8, de uma
forma magistral , opera por um intencional silencio. Que já é um modo de
atuar mediante o saque da kelseniana norma geral negativo, segundo a qual
“Tudo que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente
permitido”92
. Por outro lado, a Constituição de 1988 proíbe, por modo
expresso, o preconceito em razão do sexo ou da natural diferença entre a
mulher e o homem. Também o Ministro Ayres ilustra que o reconhecimento
de que todos são iguais em razão da espécie humana de que façam parte e das
tendências ou preferências sexuais que lhes ditar, com exclusividade, a
própria natureza, qualificada pela nossa constituição como autonomia de
89 Ibid .
90 Voto minis tro Ayres Br i t to na ADI 4277 , disponível na internet :
<http : / /www.st f. j us.b r /a rquivo/cms/not ic iaNotic iaSt f /anexo/ADI4277.pdf>
[últ ima Consul ta : 20 de novembro]
91 Ibid . P .16.
92 Ibid . P .20.
vontade93
, direta emanação do principio da dignidade humana e até mesmo
“cláusula pétrea”94
.
Respeito ao art . 226 da Constituição de 1988, o Ministro Ayres Britto
estabelece que a Magna Carta Brasileira não emprestou ao substantivo família
nenhum significado ortodoxo, a verdade foi que recolheu -o com o sentido
coloquial praticamente e aberto que sempre p ortou como realidade do mundo.
Assim, é diferente da Constituição de 1967 que tem uma única forma da
família que é aquela constituída pelo casamento. A Constituição de 1988 não
deve ter uma interpretação reducionista, por isso, o art . 226 parágrafo terceir o
tem que ter concordância com outros parágrafos, em caso contrário, seria o
modo mais eficaz de tornar a Consti tuição ineficaz95
.
Finalmente, logo de um magistral voto, o Ministro acaba estabelecendo
que a correta interpretação do art. 1723 do Código Civi l Brasileiro, a
interpretação conforme a Constituição é aquela que exclui qualquer
significado que impeça o reconhecimento da união continua, pública e
duradoura entre pessoas do mesmo sexo como “entidade familiar”, entendida
esta como sinônimo perfeito de família. O Ministro aclara que
reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas
consequências da união estável heteroafetiva.
IV.2. No Chile
Para compreender o caso chileno, é necessário observar, analisar qual
foi o pensamento dos Ministros do Tribunal Constitucional (além de que tem
muito menos ativismo judiciário), mas também é importante conhecer o
tratamento que doutrina entende sobre o tema. Em nenhum caso o tema é
93 Ibid . P .28.
94 Ibid . P .26.
95 Ibid . P .38.
pacífico, são diferentes as opiniões, e os tratamentos qu e existem em frente à
situação jurídica das relações homoafetivas. No caso concreto, o processo Rol
Nº 1881-10 não se pronunciou sobre a constitucionalidade do artigo 102 do
Código Civil à luz do princípio da igualdade, evitou a questão do fundo, só
falaram da forma. Como explica o professor Cornejo, a razão de porque foi
rejeitado o recurso foi porque o Tribunal estimou que é dever do Poder
legislativo definir se as casais homoafetivas podem ter ou não acesso ao
casamento, mas não por considerar que existe uma exigência constitucional de
ter diferente sexo para ter casamento96
.
Além disso, se podem encontrar argumentos de fundo dentro dos votos
particulares dos Ministros do Tribunal Constitucional, o voto do Ministro
Bertelsen estabelece que: “A igualdade perante a lei não exige um tratamento
uniforme para todas as pessoas, mas também permite que o direito de dar um
tratamento diferente para eles, quando há um grande diferencial entre as
pessoas diferentes, adequados e proporcionais à diferença legal para
extrair”97
. Assim também explica que: “não é possível que constitua diferença
arbitrária ou caprichosa, mas com base nas diferenças entre homens e
mulheres, a lei legit imamente considerada e ainda podem ser considerados
relevantes para estabelecer que as par tes só possam ser um homem e uma
mulher, a razão por que está em conformidade com a garantia constitucional
da igualdade perante a lei e, portanto, a aplicação judicial do dispositivo
legal impugnado não contraria a Constituição ” 98
.
96 Cornejo Aguilera, Pab lo: El debate sobre e l matr imonio iguali tário em
Chi le . Comentarios a propósi to de La Sen tencia Del Tribunal Const i tucional, Ro l 1881 -
2010 . En Revis ta d e Derecho de Famil ia , Nº IV, 2012, pp. 357 -368.
97 STC Rol 1881 -10-INA, Voto Minis tro Ber te lsen, disponíve l na interne t:
<http : / /www.tr ibunalconst i tucional .c l /wp/ver .php?id=2213> [Úl t ima visi ta :
10 de novembro 2013]
98 Ibídem
Por outro lado, os Ministros Navarro, Venegas, e Aróstica (voto em
conjunto) explicam que “enquanto o nosso voto não determinou a
inconstitucionalidade do artigo 102 do Código Civil, ele não confirma nem
nega que a Constituição aceitar, promover, prevenir ou condenar a
possibilidade de que os casais homossexuais podem viver juntos e fazer uma
vida emocional junto protegido por lei, porque corresponde ao legislador, e
não este Judiciário Constitucional, moldando as novas instituições legais que
venham a satisfazer as necessidades de progresso da sociedade, tendo em
conta as mudanças que experimentam em sua evoluindo ” 99
. Em outras
palavras, aceitam constitucionalidade do art. 102, em razão disso os casais
homossexuais não podem celebrar o casamento, mas reconhecem possibilidade
de ter uma vida em comum à luz da Constituição. Existe doutrina no mesmo
sentido que votos dos ministros, um exemplo é o artigo do professor Luis A.
Silva Irarrázaval que explica que “entre as questões que podem ser
observadas, o recurso, em primeiro lugar, a distinção entre a questão da
constitucionalidade do artigo 102 do Código Civil e o problema da
regulamentação legal dos casais gays. São duas questões distintas a serem
abordados separadamente”100
.
A votação do Tribunal Constitucional não foi unanime, o M inistro
Hernán Vodanovic achou que requerimento de inaplicabil idade era valido, e
que o artigo 102 do Código Civil era inconstitucional. O voto dele representa
uma saída ao forte conservadorismo de nosso Tribunal Consti tucional. Além
que foi voto vencido, os argumentos dele representam concepção de
progresso, não reducionista da família, do casamento. O Ministro estabelece
99 STC Rol 1881 -10-INA, Voto dos Minis tros Navarro , Venegas, Aróst ica ,
d isponíve l na interne t: <ht tp: / /www.tr ibunalconst i tucional .cl /wp/ver .php?id=2213>
[Úl t ima visi ta : 10 de novembro 2013]
100 Si lva Irarrázaval , Luis: La consti tucionalidad del ar t ículo 102 del Código
Civi l ante el t r ibunal consti tuc ional. Comentario crí t ico del requerimiento de
inaplicabi l idad fal lado en la sentencia Rol Nº 1 .881, de 3 de noviembre de 2011 . En
Revista Ius et Praxis, Año 18, Nº 1 , 2012, pp. 457 -482.
que não é suficiente com conhecer intenção do Constituinte, também é
importante a compreensão do contexto atual, como poderíamos resolv er os
atuais e potenciais conflitos de valores. Assim, “ O ponto essencial não está
nas características estruturais do casamento, como será visto, mas se ou não
a exclusão de casais do mesmo sexo o acesso à instituição constitui uma
discriminação arbitrária” 101
. Depois de essa ideia o Ministro Vodanovic
estabelece que no casamento de hoje perdeu o importante papel da
reprodução, a procriação não é o mais fundamental, agora os objetivos são:
solidariedade, carinho e assistência mútua102
.
Além dos argumentos dos Ministros do Tribunal Constitucional e sua
decisão, quando a visibilidade de um relacionamento homossexual é excluído
por meio de mecanismos que o legislador determinou, é titular, direta ou
indiretamente, que é um tipo de relação de má qualidade, incapaz de
apresentar um conjunto claro de direitos e deveres. A omissão do legislador
cria uma situação de vulnerabilidade e falta de proteção dos casais de mesmo
sexo. Por isso, achou importante destacar o informe sobre a
constitucionalidade do artigo 102 feito por Instituto “Libertades Públicas”,
que foi apresentado como Amicus Curiae ante o Tribunal Constitucional no
processo Rol 1881-10, eu acho que é um raciocínio consistente com nosso
contexto atual , portanto, merece ser destacado.
O Instituto apresentou informe com a intenção de que o Tribunal
Constitucional fizera decisão com declaração da inconstitucionalidade do
art igo 102 do Código Civil Chileno. O informe foi elaborado por os
advogados Pablo Cornejo, Javier Gallego e Felipe Jiménez. Eles começam
explicando o conceito reducionista da família na legislação chilena, explicam
101 STC Rol 1881 -10-INA, Voto Minis tro Vodanovic, d isponível na internet :
<http : / /www.tr ibunalconst i tucional .c l /wp/ver .php?id=2213> [Úl t ima visi ta :
10 de novembro 2013]
102 Ibid .
caráter arbitrário que tem a negar possibilidade de matrimônios às casais
homoafetivos. Eles ilustram que negativa tem como fundamento uma
determinada concepção da família, que só ent ende o casamento heterossexual
porque é para procriação e criar aos filhos. Além disso, os advogados
perguntam se existe ou não uma concepção constitucional da família.
Para dar resposta á perguntam, eles explicam que num estado
democrático existe uma ética pluralista103
. Também, comentam que o
casamento não tem reconhecimento constitucional, não tem conceito na
Constituição. Como estabelece o professor Aldunate a “ regulação o
casamento é um problema em nosso sistema jurídico é entregue ao direito
civil, sem que seja possível encontrar na Consti tuição, nenhuma referência
direta ao casamento”104
.
Depois, eles sabem dar resposta aos típicos argumentos das pessoas que
defendem casamento só entre casais heteroafetivos. Estabelecem que não se
pode ignorar a evolução política e social de uma sociedade, ignorar pode
trazer como consequência minar a autonomia pessoal e do caráter democrático
do nosso Estado. Assim, é uma sociedade pluralista e democrática, o conceito
da família é que uma entidade funcional a diferent es planos de vida dos
indivíduos, com base na existência de laços afeto e solidariedade entre os
103 Ins t i tuto Liber tades Públ icas : Informe sobre la const i tuc ionalidad de l
ar t ículo 102 de l Código Civi l . Disponíve l na Inter net : <
ht tp: / /www.l iber tadespublicas .org/wp -content /uploads/2011/08/Amicus -Cur iae -ar t -
102.pdf>
[Úl t ima visi ta : 20 de novembro]
104 Aldunate Lizana, Eduardo: El derecho esencia l a contraer matr imonio . En
“El nuevo derecho chileno del Matr imonio”, Edi tor ia l Jur íd ica, 2006. Pp . 39 -40 .
seus membros105
. Os autores citam também as diferentes legislações
comparadas, onde existe um reconhecimento e tratamento delas relações
homoafetivas. Os advogados concluiu que o constituinte explicitamente optou
por não realizar um levantamento para a instituição do casamento na
Constituição, com a intenção de não fornecer de rango constitucional um
assunto cuja definição deve ser dada à legislatura, ao poder leg islativo.
Dessa forma, a definição deve ser coerente com os princípios e
garantias constitucionais, como a dignidade, a autonomia pessoal, a igualdade
perante a lei (sem discriminação arbitrária) e proteção da privacidade.
Adicionalmente, os advogados acrescentam o estabelecido pelo artigo Nº1
inc. 4º da Constituição de 1980 que “ O Estado a serviço da pessoa humana
tem a finalidade de promover o bem comum ”, também os diferentes tratados
internacionais que Chile é parte. Por outra parte, eles explicam os pr oblemas
de não dar tratamento à situação. Finalmente, eles chegam as seguintes
conclusões106
:
Primeiro, nossa Constituição não recolhe um conceito de casamento,
apenas estabelecer um amplo mandato para proteger a família, para ser o
grupo intermediário, por sua vez, entendido em termos amplos e consistentes
as funções desempenhadas em uma sociedade pluralista e democrática como
Chile, cuja constituição começa afirmando a igual dignidade de todas as
pessoas. Assim, é impossível confiar em uma suposta proteção da família
como um argumento para impedir o reconhecimento de casamento igualitário,
pelo contrário, o mandato amplo para se proteger como interpretado de acordo
com os princípios da igualdade e autonomia, é um argumento adicional
105 Ins t i tuto Liber tades Públ icas : Informe sobre la const i tuc ionalidad de l
ar t ículo 102 de l Código Civi l . Disponíve l na Internet : <
ht tp: / /www.l iber tadespublicas .org/wp -content /uploads/2011/08/Amicus -Cur iae -ar t -
102.pdf>
[Úl t ima visi ta : 20 de novembro] p . 15.
106 Ibid . Pp.40 - 44.
reconhecer grupos familiares compostos por pessoas do mesmo sexo o direito
de formar a sua família em um casamento.
Segundo, nossa Constituição reconhece uma série de direitos que
requerem dar tratamento igual a todas as pessoas e interpretação, inclusive
das instituições sociais como o casamento.
Terceiro, a existência de um dever de tratamento igualitário e
respeitoso diferentes concepções do bem que pode se desenvolver seres
autônomos, tal como as pessoas, é complementada por nossa Carta Magna
pelo princípio da utilidade, que exige que o dever do Estado de proteger e
promover estas opções de vida diferentes, de acordo com o bem comum.
Quarto, privar um grupo de pessoas a possibilidade de acessar a
instituição do casamento, é negar dignidade que Constituição consagra.
Assim, teríamos um tratamento discriminatório que não tem qualquer
justificação razoável em uma República democrática que em teoria aceita a
diversidade de formas de vida.
Em resumo, tudo o acima mencionado permite chegar a uma única
conclusão: O Estado, quando e le nega a casais do mesmo sexo a oportunidade
de casamento, o Estado está fazendo uma exclusão que é incompatível com o
respeito pela dignidade humana, à autonomia individual e igualdade perante a
lei.
V. Conclusões
Dos casos estudados, podemos estabelecer que nos dois países a
demanda por casais do mesmo sexo não se destina a ser dá -lhes um tratamento
especial, mas simplesmente para compartilhar os benefícios de viver em
sociedade, acessando em igualdade de condições consideradas uma instituição
indispensável para o desenvolvimento de planos de vida próprios, como o
casamento ou a família. A resposta em cada país foi diferente.
Por um lado, Brasil através do Supremo Tribunal Federal , entende que
homossexualismo é um fato da vida, que não viola qualquer nor ma jurídica,
nem é capaz, por si só, de afetar a vida de terceiros. O Supremo Tribunal
Federal entendeu a importância do Estado em uma sociedade democrática, o
papel dele é fundamental para assegurar o desenvolvimento da personalidade
de todos os indivíduos, permitindo que cada um realize os seus projetos
pessoais lícitos. Assim, o poder público, os poderes do Estado, não devem
praticar a descriminação ou preconceito, tem que fazer o contrário que é
enfrentá-los. A decisão do Supremo Tribunal Federal é útil para que as
instituições, tanto política como jurídica, começam a proteger aqueles que são
vítimas de preconceito e intolerância. No entanto, é importante que o
Congresso crie uma lei, para evitar os riscos de ativismo judicial numa
democracia.
Por outro lado, em Chile que artigo 102 do Código Civil ainda seja
constitucional, é reflexo que ainda reina o conservadorismo em nosso
Tribunal Constitucional. Primeiro, porque no começo decidiu resolver o
problema com uma resposta de forma, mas sem revisar o fun do de problema.
É verdade que o ativismo judiciário pode trazer muitos riscos para a
democracia, no entanto, o problema dos casais homoafetivos ainda não tem
solução em meu país, não tem um tratamento adequado. A decisão Rol 1881 -
10 era uma boa oportunidade para mudar a situação de não proteção das
relações homoafetivas. Apesar da situação atual , pouco a pouco as pessoas em
meu país está exigindo seus direitos, os vários organismos intermédios estão a
organizar e expressar, em outras palavras, um melhor nív el de democracia.
Espera-se que isso seja um sinal , um presságio para ter um país mais justo,
onde todos possam desenvolver com igualdade de direitos e oportunidades.
Bibliografia
Aldunate Lizana, Eduardo: El derecho esencial a contraer matrimonio . En “El
nuevo derecho chileno del Matrimonio”, Editorial Jurídica, 2006. Pp. 39-40.
Barroso, Luis Roberto: O Novo Direito Constitucional Brasileiro. Editora
Forum, Belo Horizonte, 2012, p. 423.
Barroso, Luis Roberto: Diferentes, mas iguais: o reconhecimento j urídico das
relações homoafetivas no Brasil , Revista de direito do Estado 5:167, 2007.
Cornejo Aguilera, Pablo: El debate sobre el matrimonio igualitário em Chile.
Comentarios a propósito de La Sentencia Del Tribunal Constitucional, Rol
1881-2010 . En Revista de Derecho de Familia, Nº IV, 2012, pp. 357 -368.
Insti tuto Libertades Públicas: Informe sobre la constitucionalidad del artículo
102 del Código Civil. Disponível na Internet:
<http://www.libertadespublicas.org/wp-content/uploads/2011/08/Amicus-
Curiae-art-102.pdf> [Última visita: 20 de novembro]
INSTITUTO DE DIREITO CIVIL – IDC, Opinião Doutrinária Professor
Gustavo Tepedino, na Petição Inicial da Procuradoria Geral da República, p.
127. Disponível na Internet:
<http://redir.stf.jus.br/estfvisualizador pub/jsp/consultarprocessoeletronico/Co
nsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=11872> [Última Visita: 18
de novembro de 2013]
Silva Irarrázaval, Luis: La constitucionalidad del artículo 102 del Código
Civil ante el tribunal constitucional. Comenta rio crítico del requerimiento de
inaplicabilidad fallado en la sentencia Rol Nº 1.881, de 3 de noviembre de
2011 . En Revista Ius et Praxis, Año 18, Nº 1, 2012, pp. 457 -482.
ADI 4277, Relator Ministro Ayres Britto, julgamento em 05 -05-2011,
Plenário, disponível na Internet:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=62863
5> [Última visita: 14 de novembro 2013]
STC Rol 1881-10-INA, disponível na internet:
<http://www.tribunalconstitucional.cl/wp/ver.php?id=2213> [Última visita:
10 de novembro 2013]
Povos Indígenas na Busca da Reintegração da sua Terra
Introdução
O direito à terra, entendido como o espaço de vida e liberdade de um grupo humano é a
reivindicação fundamental dos povos indígenas brasileiros e latino-americanos. E assim como
as terras indígenas configuram o principal direito dos índios e representam um elemento
essencial e imprescindível para a sobrevivência do silvícola e a de sua cultura, a que vêm
sendo submetidas às pressões da expansão capitalista. Elas têm relevância não só para garantir
a sobrevivência física dos povos originários, existe, além disso, uma ligação direta da questão
da terra com a fé indígena e os conhecimentos indígenas, e um povo sem seu território será
ameaçado de perder suas referências culturais e tradicionais porque a concepção do território
para os silvícolas transcende a concepção para os nãos indígenas, eles têm uma ligação
estreita com a história cultural das étnicas, sua mitologia, ligações familiares e o conjunto dos
sistemas sociais, políticos econômicos das populações etnicamente diferentes.
Nas próximas páginas estudaremos como dois países em desenvolvimento tem tratado a
temática indígena na área jurídica, que muitas vezes vai contra os interesses econômicos de
indivíduo não indígenas, e como aquele vem sendo uma luta constante pela recuperação das
terras ancestrais por os povos que segundo o CENSO de cada país a população vem crescendo
e cada vez estão mais organizados para a reivindicação de seus direitos reconhecidos
internacionalmente como direitos humanos como tal.
Os casos de maior relevância em quanto à questão das terras indígenas no Brasil e no Chile
são o Caso Raposa Serra do Sol e o Caso Hito da etnia Rapa Nui, respectivamente, os dois
objetos de comentários internacionais e recomendações respeito do Chile, para o tratamento
das questões indígenas, pelo que é importante estudar o tratamento que o poder judiciário deu
para cada litígio já que reflexa in situ a vontade que tem cada pais para melhorar as
problemáticas indígenas.
As terras indígenas e a Constituição de 1988
A questão dos direito à terra foi o problema central dos direitos indígenas na Assembleia
Nacional Constituinte de 1987/88 e ainda e tema de discussão constantemente submetido aos
Tribunais Superiores um dos mais notáveis comentários sobre a Constituição brasileira de
1988 resumiu a situação ao referir-se a uma “constante ameaça à terra das nações indígenas
pelos grandes projetos do governo brasileiro, empresários e consórcios multinacionais”, que,
na concretização de uma “visão de desenvolvimento”, desmatam as florestas, envenenam os
rios e não concedem aos homens nenhum valor”107
.
O direito constitucional é um Direito Maior permeado de fases, sujeito à evolução, e assim
como o direito indígena que a través de seus princípios e institutos evoluiu acompanhando as
transformações da sociedade e do homem.
Antes do advento da atual Carta Política; o País, em quanto ás terras ocupadas pelos indígenas
passou por três estágios distintos: 1º) Da incorporação da América aos domínios de Portugal
até a Constituição de 1824, as terras concedidas aos índios eram de domínio pleno destas
comunidades sem restrição; 2º) Da Constituição de 1824 até a Constituição de 1934 quando
se reconheceu a posse dos índios sobre suas terras observada a capacidade, mas sem o
respectivo ius abutendi, e; 3º) Daquela Constituição até a de 1967, quando as terras foram
formalmente revertidas à União, remanescendo a eles apenas o usufruto restrito, restrição
entendida segundo as normas de ordem pública que sobre este direito incide.108
A Constituição Federal de 1988 aperfeiçoou o conceito jurídico de terras indígenas como uma
categoria sui generis. Diferenciou posse e propriedade, criando uma situação especial para as
terras indígenas, que são propriedade da União Federal de acordo com o artigo 20 da
Constituição, porém inalienável e se destina à posse permanente dos índios que têm a
exclusividade do usufruto do solo, rios e lagos109
, sendo uma das maiores proteção dos
direitos indígenas nessas terras, regulamentação que foi incluída por iniciativa do então
ministro da Agricultura, Severo Gomes.
Conceito de Terras Indígenas na Constituição
107 Vide ministro V. NUNES LEAL, Recurso Extraodrinario n°. 44.585, Mato Groso, STF, 1961 e Votum Mandado de
Segurança m°. 16 433 – DF, STF, Revista trimestral de Jurisprudencia, 49 (1967), p. 295 108
Stefanini, L. d. (2012). Código indígena no direito brasilero (2ª ed.). São Paulo: Juruá. 109
Silva, Lásaro Moreira da. O Reconhecimento dos Direitos Originários dos Índios sobre suas Terras
Tradicionais na Constituição Federal de 1988 e a Extensão do Conceito de Terras Indígenas Tradicionalmente Ocupadas.
Revista Jurídica Unigran, Dourados, v. 6, n. 11, p. 144, jan./jul. 2004.
Hoje o principal conceito jurídico das terras indígenas encontra-se no artigo 231 da
Constituição da República Federativa do Brasil, cuja principal expressão faz referência “as
terras que tradicionalmente ocupam” que vem a constituir a cabeça do artigo sob análise.
É a mesma Constituição que fixa o sentido da frase a fim de evitar interpretações distorcidas
estabelecendo assim no §1º do art. 231 o seguinte:
São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios aquelas habitadas em
caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis
à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a
sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
Dessa forma, terras tradicionalmente ocupadas pelos índios são um conceito jurídico que
reúne quatro situações, sendo todas necessárias e cuja comprovação será através de laudo
antropológico, são elas:
As habitadas pelas comunidades em caráter permanente;
As utilizadas para as atividades produtivas da comunidade:
As imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar,
e;
As necessárias à reprodução física e cultural.
Para entender melhor o sentido do artigo é preciso determinar que é o que se entende por cada
enunciado. A ocupação com carácter permanente não se refere a uma posse imemorial, desde
tempos remotos, nem necessariamente a uma ocupação ininterrupta e atual. O termo
“permanente” significa que as terras destinam-se à posse futura da comunidade indígena.
Neste sentido é o ensinamento do jurista José Afonso da Silva: “Nem tradicionalmente nem
posse permanente são empregados em função de usucapião imemorial em favor dos índios,
como eventual título substantivo que prevaleça sobre títulos anteriores. Primeiro, porque não
há títulos anteriores a seus direitos originários. Segundo, porque usucapião é modo de
aquisição da propriedade e esta não se imputa aos índios, mas à União a outro título.
Terceiro, porque os direitos dos índios sobre suas terras assentam em outra fonte: o
indigenato”. De acordo com essa noção jurídica, os direitos dos índios à terra que eles
tradicionalmente habitam são fundamentados pelo fato de que os índios são os senhores
originários e naturais da terra.
Já as terras utilizadas para as atividades produtivas da comunidade referem-se as áreas em
que se desenvolve a agricultura, a caça, a pesca, coleta, onde exerce qualquer atividade com o
fim de produzir e obter os elementos necessários a sua subsistência.
As terras imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao bem-estar
dos povos indígenas remetem à ideia de que este espaço deve ser suficientemente extenso, a
fim de que, pelo crescimento demográfico e pela constante e intensiva exploração do solo,
não venha a ser impossibilitada a conservação dos recursos naturais dos quais a população
indígena precisa para sobreviver.
E finalmente, as terras necessárias à reprodução física e cultural das comunidades indígenas
relacionam-se com o fato de que as terras consideradas tradicionalmente ocupadas devem
abranger um espaço suficiente a permitir o desenvolvimento da população indígena, tanto em
um sentido demográfico quanto em um sentido cultural110
Os quatro pressupostos devem ser verificados de acordo com os usos, costumes e tradições
dos índios e não em função dos critérios civilizados, de modo que possam ser respectivamente
respeitas as mais variadas formas dos índios brasileiros como referência a suas relações com a
terra.
Direitos dos povos indígenas sobre as terras
Usufruto das terras indígenas
Os próximos parágrafos do artigo 231 fixam os direitos dos povos indígenas sobre as terras,
assim de acordo com §2° do art. 231 da Constituição:
As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse
permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos
lagos nelas existentes.
Natureza jurídica do usufruto sobre as terras indígenas
110 Marques Ribeiro, Júlia. A Constituição Federal e o direito dos povos indígenas à terras: uma análise da decisão do
Supremo Tribunal Federal sobre a demarcação da terras indígenas Raposa Serra do Sol. 2012. p. 13.
Se compararmos o usufruto estabelecido no Direito Privado com o usufruto exclusivo para as
terras indígenas tem-se que efetivamente é um direito real sobre coisa alheia, que permite aos
usufrutuários a percepção dos frutos e utilidades embora sujeitos a regime diretamente
constitucional e normas especiais e não ao Direito Civil. A principal diferença é a previsão do
§4° do art. 231 da Constituição, que estabelece que as terras e os direitos sobrem elas são
inalienáveis, indisponíveis e imprescritíveis, ao contrário do que acontece com usufruto civil
cuja característica é a temporalidade, extinguindo-se, a modo de exemplo, como indica o art.
1410 do Código Civil, pela renúncia ou morte do usufrutuário, pelo termo de sua duração,
pela consolidação entre outras causas. Em verdade, esse usufruto dos índios é o único
usufruto perpétuo previsto no ordenamento Brasileiro. Trata-se então de um verdadeiro direito
real de natureza pública111
.
Em quanto à extensão deste direito de usufruto, aprofunda mais o art. 24 da Lei N.º 6.001/73
que dispõe sobre o Estatuto do Índio.
O usufruto assegurado aos índios oi silvícolas compreende o direito à posse,
uso e percepção das riquezas naturais e de todas as utilidades existentes nas terras
ocupadas, bem assim ao produto da exploração econômica de tais riquezas naturais e
utilidades.
§1° Incluem-se, no usufruto, que se estende aos acessórios e seus acrescidos, o
uso dos mananciais e das águas dos trechos das vias fluviais compreendidos nas
terras ocupadas.
§2° É garantido ao índio exclusivo exercício da caça e pesca nas áreas por ele
ocupadas, devendo ser executadas por forma suasória as medidas de polícia que em
relação a ele eventualmente tiverem que ser aplicadas.
Garantia constitucional dos direitos especiais dos índios à terra
Os direitos estudados encontram-se assegurados através de várias normas dentro da mesma
Constituição.
a) Proibição de transferência e de remoção da população
111Cavalcabte Filho, João Trindade. Usufruto exclusivo das terras indígenas natureza jurídica, alcance e
objeto. Clubjus, Brasilia-DF. .2007
O artigo 231 §5º, CF dispõe:
§ 5º - É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, "ad
referendum" do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em
risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do
Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que
cesse o risco.
A intenção dessa regulamentação é impossibilitar as medidas diretas e pressão indireta de
grupos de interesses cujo objetivo é a remoção dos índios por meio de intervenções contra sua
vontade e, portanto, da expulsão de suas posses112
No entanto, a proibição de remoção não é
absoluta, admite duas exceções: primeiro nos casos de garantia de sobrevivência dos grupos
indígenas por risco da população indígena por uma catástrofe ou epidemia (neste caso precisa
ordem do presidente e a posterior verificação pelo Congresso Nacional e sua anuência). A
segunda exceção é o interesse da soberania do Brasil, cuja remoção somente pode se realizar
após a deliberação pelo Congresso Nacional. Em ambos os casos, o retorno imediato é
assegurado logo que cesse o risco.
b) Proibição da atividade de garimpo
O artigo 231, §7º diz o seguinte:
§ 7º - Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, § 3º e § 4º.
O artigo 174 da Constituição regula a função que tem o Estado brasileiro de regulamentar os
territórios e a prática da atividade de garimpagem, onde as cooperativas devem ser tratadas
com prioridade na autorização ou concessão para pesquisa e lavra dos recursos e jazidas de
minerais garimpáveis. Em contrapartida, o artigo 231 já citado exclui qualquer atividade de
garimpeiros nas terras a que se refere o caput do artigo 231.
c) Inalienabilidade, indisponibilidade e imprescritibilidade
Segundo o artigo 231, §4º, da Constituição:
§ 4º - As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os
direitos sobre elas, imprescritíveis.
112 Pinto Ferreira, Comentários à Constituição Brasileira. São Paulo. 1995. p. 450.
A inalienabilidade dos territórios inclui o fato de que essas não podem ser vendidas, doados
ou permutados, mas também não podem ser utilizados como garantia de créditos, já que os
territórios deverão continuar sendo propriedade da União em caráter permanente, ficando
excluída qualquer mudança de propriedade.
Quanto à característica de indisponibilidades das terras, a Constituição expressa que essas
terras apenas podem servir à posse dos índios em carácter permanente e ao seu usufruto
exclusivo, não sendo admissíveis alterações desta destinação das terras, nem mesmo através
de uma lei federal.
A imprescritibilidade citada no artigo 231 § 4 CF (“os direitos sobres elas são imprescritíveis)
inclui a continuidade da vigência dos direitos indígenas à terra tradicionalmente por ele
habitada, também nos casos em que tenham sido expulsos de sua terra. Nesses casos seus
direitos à terra permanecem, independentemente do tempo decorrido desde a expulsão.
d) Regulamentação da ineficácia jurídica dos atos sobre as terras indígenas.
Art. 231 § 6º - São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que
tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este
artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas
existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que
dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a
indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias
derivadas da ocupação de boa fé.
O artigo tem que vincular com a qualidade das terras indígenas, e que o verdadeiro
proprietário e a União, também com as características de Inalienabilidade, indisponibilidade e
imprescritibilidade dos direitos das terras, de forma que fica excluída qualquer possibilidade
de um prejuízo oi de uma deterioração da posição jurídica dos índios.
Porém, a regulamentação sobre a ineficácia dos atos permite exceções em um caso, no caso de
“relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar”, pelo que a
lei para sua concretização precisa de uma maioria absoluta no Congresso.
e) Obrigação de demarcação
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes,
línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar
todos os seus bens.
A Constituição obriga à União a estabelecer os limites das terras que os índios
tradicionalmente ocupam, conforme a definição do artigo 231 §1 CF, trata-se no caso de
direitos originários e não derivados, já que a Constituição não podia criar os direitos que já
existiam antes da formação do Estado e do Direito brasileiro, mas unicamente podia
reconhecê-los. Então a demarcação tem apenas uma função declaratória com referência aos
direitos dos índios à terra que tradicionalmente é de sua posse.
f) Obrigação geral de proteção aos bens jurídicos indígenas
Dentro do mesmo artigo 231 §1 CF, encontramos a obrigação de “proteger e fazer respeitar
todos os bens dos índios”, fazem parte dos bens à terra da qual eles tradicionalmente têm a
posse, inclui assim a proteção contra a perda da posse, especialmente por invasões, bem como
a proteção de seu direito ao usufruto exclusivo da terra.
A proteção a que faz referencia o artigo não é só uma proteção simbólica, verbal ou eventual
dos bens indígenas, ao contrário, e uma obrigação constitucional e é implementada através de
organismos como a FUNAI a quem compete a proteção extrajudicial, com apoio da Polícia
Federal e das Forças Armadas, bem como de suas tropas auxiliares, que podem ser requeridas
por esta para assegurar a proteção das terras ocupadas pelos índios e pelas comunidades
indígenas. No âmbito judicial compete a o Ministério Público Federal a competência de
proteção judicial aos índios e, portanto a representação judicial dos interesses indígenas em
relação à terra.
Terras Inígenas na Convenção nº 169 da OIT, 26 de junho de 1989
A ratificação deste instrumento internacional foi feita no ano 2002 depois de anos de debate
por uma suposta incompatibilidade com a Constituição brasileira de 1988. O principal valor
para o Direito Internacional Público está em que os povo indígenas são protegidos por
primeira vez como tal, abandonando o objetivo de incorporação dos indígenas, porém, para o
direito brasileiro não represento nenhuma novidade, já que a Constituição já nove meses antes
da adoção da Convenção 169 pela Conferência da Organização Internacional do Trabalho,
havia realizado este desenvolvimento, mas a importância da Convenção 169 e que oferece
uma proteção adicional ao nível do Direito Internacional Público.
As normas da Parte II da Convenção tratam da terra, nos seus artigos 13 até 19, as que
representam evoluções e inovações face à Convenção 107.
O artigo 13 destaca a importância de se respeitar a relação entre culturas e valores espirituais
dos povos com as terras ou territórios, obrigando aos Estados-membros a considerar esse
valor que os povos ter com suas terras, no cumprimento da Convenção.
O Artigo 14 é a norma fundamental do direito à terra da Convenção 113
, no parágrafo 1 diz
dever-se-á reconhecer aos povos interessados os direitos de propriedade e de posse sobre as
terras que tradicionalmente ocupam, o que se relaciona diretamente como o que aponta a
Constituição de 1988 no seu artigo 231 quanto ao conceito das terras que tradicionalmente
ocupam. Com respeito aos direitos de propriedade e aos direito de posse, a solução escolhida
pelo Direito brasileiro seria inadmissível, já que de acordo com ele cabe aos indígenas apenas
o direito permanente de posse, o Estado mantém a propriedade da terra indígena, porém, a
interpretação do conceito de propriedade pela OITE partiu do princípio de que em razão da
diversidade do conteúdo, preciso desde conceito nos diversos países e nos sistemas jurídicos
pelo que a forma de definir os direitos pela Constituição não constitui uma infração à
exigência da Convenção.114
No parágrafo seguinte, obriga-se aos governos a adotar as medidas necessárias para
determinar as terras que os povos ocupam e, além disso, garantir a proteção efetiva dos seus
direitos de propriedade e posse, isso através dos procedimentos adequados para solucionar as
reivindicações de terras formuladas pelos povos. Uma critica que tem este artigo é a não
consideração dos povos que já perderam sua propriedade por efeito ilegal externo.
O artigo seguinte regula os recursos naturais existente nas terras indígenas, que deverão ser
especialmente protegidos, e outorgar o direito desses povos a participarem da utilização e
conservação dos recursos mencionados, quando os minérios ou recursos do subsolo pertencer
ao Estado, os governos tem a obrigação de estabelecer ou manter procedimentos com vistas a
consultar os povos interessados, a fim de se determinar se os interesses desses povos seriam
ou não prejudicados, participando dos benefícios que essas atividades produzam, e tem direito
a receber indenização equitativa por qualquer dano que possam sofrer como resultados dessas
atividades.
113 Kayser, Hartmut-Emanuel. Os direitos dos povos indígenas do Brasil. Porto Alegre 2010, pg. 340.
114 Kayser, Hartmut-Emanuel. Os direitos dos povos indígenas do Brasil. Porto Alegre 2010, pg. 343.
O artigo 16 proíbe como a Constituição no seu artigo 231, o traslado dos povos indígenas das
terras que eles ocupam como três requisitos, que seja com seu consentimento voluntário, em
princípio necessário, e com pleno conhecimento de causa ou de outra forma poderão ser
realizados após a conclusão de procedimentos adequados estabelecidos pela legislação
nacional, isto é após as deliberações do Congresso Nacional e garantido em qualquer
hipótese, o retorno imediato logo que cesse o motivo que levou a transferência.
O artigo 17 regula a transmissão dos direitos à terra entre os membros destes povos, as
pessoas que não pertençam aos povos indígenas devem ser impedidas de aproveitar-se de seu
direito.
A Convenção no seu artigo 18 obriga a os Estados a proteger as terras indígenas das invasões
não autorizadas oi para uso não autorizado
As exigências ao direito nacional dos Estados contratantes, contida na Convenção 169, já
foram cumpridas pelo Direito Brasileiro, o que contém até um nível maior de exigência do
que a Convenção, e assim como as obrigações impostas aos Estados de formular as normas
necessárias para o reconhecimento dos direitos à terra, obrigação de demarcação e de proteção
delas já foi feita pelo artigo 231 da Constituição e demais normas que regulamentam isso
processos como são a Lei N°. 6.001 de 19 de dezembro de 1973 e o Decreto N°. 1.775 de 08
de janeiro de 1996.
As terras indígenas no Estatuto do Índio
O Estatuto do Índio, Lei 6.001, de 19 de dezembro de 1973 regula a situação jurídica dos
índios e silvícolas e das comunidades indígenas, com o propósito de preservar a sua cultura e
integrá-los, progressiva e harmonicamente a comunhão nacional, como esta prescrito no
primeiro artigo da mesma norma citada. Alem disso, estabelece em 21 artigos o regime
jurídico das terras indígenas, em capítulo intitulado “Das Terras dos índios” e divide em três
categorias de acordo como o seguinte artigo:
Art.17° Reputam-se terras indígenas:
I - as terras ocupadas ou habitadas pelos silvícolas, a que se referem os
artigos 4º, IV, e 198, da Constituição;
II - as áreas reservadas de que trata o Capítulo III deste Título;
III - as terras de domínio das comunidades indígenas ou de silvícolas.
Por geral são terras doadas por terceiros, adquiridas ou desapropriadas pela União, as que devem
ser protegidas e destinadas ao uso e posse direta dos indígenas, mas não se confundem com as de
posse tradicional , pois não se submetem aos procedimentos para aquelas terras ocupadas
tradicionalmente pelo índios.
A primeira categoria as terras ocupadas ou habitadas pelos silvícolas, deve ser entendida em
relação ao conceito dado pela Constituição de 1988, discutido acima, a modo de recordar a
ideia “tradicionalmente” esta de acordo com os hábitos, costumes e tradições tribais.
Na segunda categoria, o direito abriu a possibilidade de reservar as terras que não estão
ocupadas, para recuperar, recompensar, aldear o situar índios. E assim como o conceito de
terras reservadas oscilou entre dar proteção, integrar como cidadão, aldear para reprimir115
.
Ao contrario das ocupadas, estas são primeiro propriedade da União e depois por afectação ou
destinação são transformadas em terras indígenas, e quanto a elas o Estatuto do Índio
estabelece no seu artigo 26:
A União poderá estabelecer, em qualquer parte do território nacional, áreas distintas
à posse e ocupação pelos índios, onde possam viver e obter meios de subsistência, com
direito ao usufruto e utilização das riquezas naturais indígenas, podendo organizar-se
sob uma das seguintes modalidades:
a) reserva indígena;
b) parque indígena;
c) colônia agrícola indígena;
d) território federal indígena;
É o mesmo estatuo que define cada subcategoria das áreas reservadas, então têm que entender
cada uma delas da seguinte forma:
Reserva Indigena é uma área destinada a servir de habitat a grupos indígenas, com os meios
suficientes à sua subsistência (Art. 27°);
115 Souza Filhjo, Carlos Frederico de. O renascer dos povos indígenas para o direito. Curitiba. 2012. p.
130.
Parque Indígena é a área contida em terra para posse dos indios, cujo grau de integração
permita assistência econômica, educacional e sanitária dos órgãos da União, em que se
preservem as reservas de flora e fauna e as belezas naturais da região (Art. 28°);
Colônia agrícola é a área destinada à exploração agropecuária, administrada pelo órgão de
assistência a o índio, onde convivam tribos acumuladas a membros da comunidade nacional
(Art. 29°), e finalmente;
Território federal indígena é a unidade administrativa subordinada À União, instituída em
região na qual pelo menos um terço da população seja formado por índios (Art. 30°).
Porém, tais diferenciações para a doutrina perderam importância com o passar do tempo como
o autor Luiz de Lima Stefanini, e são categorias consideradas apenas como nomes, sem
repercussão jurídica, servindo, como adverte Carlos Frederico Máres de Souza Filho, para
arrogância de alguma política indigenista intentar converter terra indígena em parque ou
colonia, no intento de desconctituir, aos poucos, o caráter definitivo e exclusivo da terra
indígena.
Reconhecimento das terras indígenas
No ano 2011, foi divulgado um relatório feito pela organização Anistia Internacional
chamado Sacrificando Direito em Nome do Progresso: Povos Indígenas Ameaçados nas
Américas, nele o responsável pela pesquisa no país, Patrick Wilcken, conclui que o
crescimento rápido do Brasil, a expansão do agronegócio e a construção de grandes obras,
aumenta o risco para os indígenas, é assim como o Estado brasileiro deveria adiantar-se à
expansão das fronteiras destas ameaças, marcando por antecipação as terras indígenas.
Porque, como vimos o que define a terra indígena é a ocupação ou posse ou estar indígena
sobre a terra 116
, pelo que é importante a demarcação, como tal, para dar uma proteção física,
para evitar as incertezas jurídicas com respeito a responsabilidade governamental com
respeito à vigilância e à proteção dessas terras.
A própria Constituição que estabelece a obrigação da União de demarcar no caput do artigo
231 “São reconhecidos aos índios [...] os direitos originários sobre as terras que
116 Souza Filho, Carlos Frederico Marés. O renascer dos povos indígenas para o direito. Curitiba. 2012.
p. 148/149.
tradicionalmente ocupam, competindo à União demarca-las [...]”, não tem o ato um efeito
constitutivo o que resulta da formulação empregada no caput do artigo 231 CF, de direitos
originários, isto é, de direitos que não são derivados. Esses direitos já existiam antes da
formação do Estado brasileiro, e a Constituição não pode criar os direitos já existentes,
unicamente “reconhece-los”. 117
. Por isso que a demarcação das terras indígenas tem apenas
uma função declaratória
A FUNAI entende por reconhecimento como o meio administrativo para explicitar os limites
do território tradicionalmente ocupado pelos povos indígena, cuja finalidade é:
a. Resgatar uma divida histórica com os primeiros habitantes destas terras:
b. Propiciar as condições fundamentais para a sobrevivência física e cultural desses
povos, e;
c. Preservar a diversidade cultural brasileira.
Procedimento de reconhecimento
Desde 1973, o procedimento foi regido por cinco decretos diferentes, culminando finalmente
com o Decreto 1.775 de 1996. O primeiro foi o mais simples, o Decreto 76.999 de 8 de
janeiro de 1976 nele o procedimento inicia-se com a nomeação, pelo Presidente da FUNAI,
de um antropólogo e um engenheiro ou agrimensor, que faziam um relatório contendo a
identificação prévia dos limites da área, aprovada a demarcação pelo Presidente da FUNAI, o
Presidente da República homologava e era levada no registro em cartório e no Secretaria de
Patrimônio da União.
Em 23 de fevereiro, entrou em vigor o Decreto 88.118, o qual complicou o processo. Na
primeira etapa, uma equipe técnica da FUNAI fazia a identificação da área e apresentava o
resultado a um grupo de trabalho composto por vários órgãos federais e estaduais, excluindo
qualquer consulta aos povos indígenas. O parecer do grupo de trabalho era encaminhado ao
Ministro do Interior e ao então Ministro extraordinário para Assuntos Fundiários. Ambos os
ministros levavam para o Presidente da República que, por decreto, delimitava a área e
determinava a demarcação física. Finalmente, o novo decreto de homologatório do Presidente
da República era levado a o registro no SPU e no Registro de Imóveis.
117 Harmut, Emanuel Kayser. Os direitos dos povos indígenas do Brasil. Porto Alegre. 2010. p. 339.
Em 1987, novas complicações burocráticas. Por meio de Decreto 94.945, de 23 de setembro
de 1987, foram criadas diferenças entre terras indígenas situadas na faixa de fronteira,
agregando conceitos totalmente impertinentes e distantes do parâmetro constitucional então
vigente, como por exemplo, a participação do Conselho de Segurança Nacional em alguns
casos, e ainda, as demarcações da época dependerem, na prática, da aprovação dos setores de
segurança nacional118
.
O decreto vigorou até 1991, quando o Decreto 22, de 4 de fevereiro de 1991 o substituiu. O
novo procurou adaptar o procedimento a Constituição aprovada dois anos e meio antes, ainda
com alguns defeitos profundos, podendo fazer que, sob sua vigência, fossem demarcadas as
mais importantes e o maior número de terras indígenas, em unidades e em extensão territorial.
O maior defeito é a reiterada omissão de participação dos povos indígenas no processo. A
maior virtude foi à determinação de terras indígenas visando cumprir o disposto no artigo 67
do ADCT.
Produto das sentenças com decisões contrárias aos direitos dos indígenas, a estratégia legal
dos terceiros ocupantes foi contestar o Decreto 22/91, sob alegação de que este não outorgaria
direito de defensa a possíveis ocupantes ou titulares de direitos em face de atos
administrativos de governo que reconheciam os direitos dos índios.
A fim de neutralizar esse possível desafio legal, o Governo emitiu o Decreto 1775, de 8 de
janeiro de 1996, que estabelece um procedimento relativamente sumário destinado a evitar um
possível obstáculo legal à clareza jurídica dos títulos indígenas. O procedimento, além disso,
inclui um recurso que habilita particulares e autoridades governamentais locais e estaduais a
contestar a criação ou demarcação de terras indígenas, por meio da apresentação de
evidências que negassem a ocupação prévia pelos indígenas ou que demonstrassem direitos de
terceiros sobre essas terras.
Hoje as maiores dificuldades de reconhecimento e consolidação das áreas indígenas, segundo
o relatório feito pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, são: a criação de novos
municípios em áreas indígenas, mediante decisões estaduais; as dificuldades legais para
reaver terras ocupadas ilegalmente por terceiros e a introdução de infraestrutura (estradas,
118 Souza Filho, Carlos Frederico Marés. O renascer dos povos indígenas para o direito. Curitiba. 2012.
p. 151.
barragens) que destroem e agridem a integridade física e cultural das áreas indígenas.
Adiciona-se agora a essas a PEC 215, que transfere a competência da União na demarcação
das terras indígenas para o Congresso Nacional e possibilita a revisão das terras já
demarcadas.
Etapas do processo do reconhecimento
O processo de reconhecimento é regulado pelo Decreto 1.775, nele podemos distinguir as
seguintes fases:
1. Estudos de Identificação. Artigos 1 e 2
A demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios inicia-se com os trabalhos de
um antropólogo de qualificação reconhecida e nomeado pelo órgão federal de assistência ao
índio (FUNAI), para elaborar estudo de identificação da TI em questão.
O mesmo órgão designará grupo técnico especializado, composto preferencialmente por
servidores do próprio quadro funcional que será coordenado por antropólogo, com a
finalidade de realizar estudos complementares de natureza etno-histórica, sociológica,
jurídica, cartográfica, ambiental e o levantamento fundiário necessário à delimitação.
Os laudos periciais antropológicos formam um importante instrumento jurídico para a defesa
dos direitos indígenas, já que eles transformam as narrativas e a tradição oral dos índios
pesquisados em documentos que tem efeitos jurídicos por seu valor probatório na ocupação
tradicional daquele território em estudo.
Concluídos os trabalhos sobre a área objeto de identificação e delimitação, o grupo técnico
apresentará relatório circunstanciado ao órgão federal de assistência ao índio, caracterizando a
terra indígena a ser demarcada.
2. Aprovação da FUNAI, §7º do art. 2
Aprovado o relatório pelo titular do órgão federal de assistência ao índio, este fara publicar
resumo, no prazo de quinze dias, contados desde a data que o receber, no Diário Oficial da
União e no Diário Oficial da unidade federada onde se localizar a área sob demarcação,
acompanhado de memorial descritivo e mapa da área devendo a publicação ser afixada na
sede da Prefeitura Municipal da situação do imóvel.
3. Contestações, §8º do art. 2
Desde o início do procedimento demarcatório até noventa dias após a publicação do relatório,
poderão os Estados e Municípios em que se localize a área sob a demarcação e demais
interessados manifestar-se, apresentando ao órgão federal de assistência ao índio razões
instruídas com todas as provas pertinentes, para o fim de pleitear indenização ou para
demonstrar vícios, totais ou parciais do relatório.
A FUNAI tem sessenta dias após os noventa mencionados, para elaborar pareceres sobre as
razões de todos os interessados e encaminhar o procedimento ao Ministro da Justiça.
4. Declarações dos limites das Terras Indígena, §1º do art. 2
Até trinta dias após o recebimento do procedimento, o Ministro de Estado da Justiça decidirá:
a) declarar, mediante Portaria, os limites da terra indígena e determinando a sua demarcação:
b) prescrever diligências que julgue necessárias, as quais deverão ser cumpridas no prazo de
noventa dias: ou c) desaprovar a identificação e retornando os autos ao órgão federal de
assistência ao índio, mediante decisão fundamentada, circunscrita ao não atendimento do
disposto no § 1º do art. 231 da Constituição e demais disposições pertinentes.
5. Demarcação física, art. 4º
Declarados os limites da área, a FUNAI promove a sua demarcação física, e, se verificada a
presença de ocupantes não índios na área sob demarcação, o órgão fundiário federal em
caráter prioritário, procedera ao respectivo reassentamento de aqueles ocupantes.
6. Homologação, art. 5º
Efetuado o processo de demarcação este deve ser submetido ao Presidente da República para
que seja homologado mediante decreto.
7. Registro, art. 6 º
Até trinta dias após a publicação do decreto de homologação, o órgão federal de assistência ao
índio promoverá o respectivo registro em cartório imobiliário da comarca correspondente e na
Secretaria do Patrimônio da União do Ministério da Fazenda.
Situação dos Povos Indígenas no Chile
Desde o advento da República até a atual Constituição de 1980, não houve mudanças
substanciais na situação indígena. Em matéria das terras, as tentativas de controle territorial
no período da conquista espanhola continuam até mais tarde, como por exemplo, com a
ocupação militar da Araucanía no ano 1881 a que começo o processo de radicação do povo
mapuche, reduzindo as comunidades através da prestação de chamada e ainda válido, “título
de merced”. Paralelo a isso, o Estado chileno anexa ao seu território o planalto andino
ocupado pelo povo aymara e, além disso, tomou posse da Ilha de Pascua que abriga o povo
rapa nui.
Durante o regime militar (1973 – 1989) o pisoteio dos povos nativos, como resultados de
políticas e legislação aplicada durante este período, incentivou o desenvolvimento de um
processo para fortalecer suas organizações, para a definição e aprofundamento de suas
demandas, mas, contra a recusa do regime para aceitas as petições feitas e no contexto da
eleição de 1989, decidiu levar duas demandas aos adversários dos partidos da oposição
agrupados na Coalizão de Partidos pela Democracia para incluir suas demandas nos planos do
governo.
A principal reivindicação feita para essa coalizão é a necessidade de reconhecimento
constitucional dos povos indígenas e a elaboração de uma lei para essas pessoas pegando os
princípios consagrados na Convenção 169 da OIT.
Com o advento da democracia, os principais avanços foram o estabelecimento pelo Decreto
nº30 de um comitê especial dos povos indígenas (CEPI), que seria responsável da
coordenação das políticas estatais na esfera indígena, a que enviou um projeto ao parlamento
para a criação da lei indígena, junto com uma reforma constitucional para que os povos
indígenas fossem reconhecidos pela Constituição.
Porém, a tentativa de obter o reconhecimento constitucional, ainda, depois de 23 anos de
democracia, não é eficaz, embora Chile estabelecesse o reconhecimento e proteção dos povos
indígenas no legal, ainda não chegaram a um consenso para reconhecer e finalmente tratar os
vários aspectos da questão indígena.
Povos indígenas na Constituição Política da República do Chile
No ano 1989, perto da democracia, a Coalizão de Partidos Políticos Democráticos e seu
candidato presidencial Patricio Aylwin subscreveram o Pacto da Nova Imperial com
representantes dos povos indígenas, nele estabelecia-se a necessidade de reconhecer os povos
indígenas constitucionalmente e, além disso, desenvolver um quadro legal para seu
desenvolvimento, necessidade que reside na obrigação de assegurar a existência e
continuidade desses povos e a formação da identidade de cada um dos seus membros.
Desde então, sete projetos de reforma constitucional que foram enviados ao Congresso a fim
de reconhecer os povos indígenas, de os quais o mais recente ingresso o 25 de novembro de
2007 e ainda está na primeira etapa constitucional.
O projeto estabelece as seguintes modificações:
Único Artigo.- Introduzem-se as seguintes alterações à Constituição da República:
1) Reemplázase o artigo 4º por o seguinte
"Art. 4 - . A nação chilena é una , indivisível e multicultural.
O Estado reconhece a existência dos povos indígenas que habitam seu território e o direito
de suas comunidades, organizações e membros para manter, reforçar e desenvolver a sua
identidade, cultura, língua, tradições e instituições e de participar na vida económica, social,
política e desenvolvimento cultural de uma forma que define a ordem jurídica nacional.
Os povos indígenas podem organizar suas vidas de acordo com seus costumes, desde
que esta não contrarie a Constituição e as leis ”
2) Intercala-se no artigo 5 º o seguinte parágrafo primeiro, novo:
"Artigo 5 º - . Chile é uma república democrática . " .
3) Intercala-se , no primeiro parágrafo §2 º do artigo 19, entre as palavras " mulher "
e " são" , a seguinte frase , vírgula: " independentemente da sua origem racial ou
étnica " .
4) Aditado ao número §24° do artigo 19 o seguinte parágrafo final, novo:
"A lei protege a propriedade das terras dos povos indígenas e seus direitos e uso da
água, conforme estabelecido na Constituição e nas leis".
Este texto não considera os direitos concedidos a esses povos por tratados internacionais,
incluindo a Convenção 169 OIT, fazendo com que os direitos concedidos aos povos indígenas
meramente previstas na legislação nacional.
A nação chilena é una, indivisível e multicultural. Essa frase reflete a ideia de uniformidade
que caracteriza o Governo Federal, também indicado medo infundado de diversos setores
políticos do nosso país para processos de separação dos povos indígenas.
O direito de propriedade da terra e da água que define esta proposta deixa de fora aqueles que
emanam da posse ancestral da terra, reconhecido no artigo 14.1 da Convenção 169, e como
aqueles relacionados aos recursos naturais em geral Artigo 15.1 e 15 de fevereiro. Por outro
lado, propondo que tais direitos pertencem apenas às pessoas e comunidades, está sendo
negado aos povos indígenas como sujeitos de direitos coletivos.
Estado do Chile e a Convenção nº 169 da OIT, 26 de junho de 1989
A Convenção nº 169 é o único instrumento internacional dedicado exclusivamente aos povos
indígenas, e que apesar de estar desde 1990 no parlamento, recentemente, em março de 2007
foi ratificado pelo Estado Chileno.
O debate centrou-se na utilização do termo “povos” para referir-se aos nativos, linguagem que
foi a principal razão para a rejeição dos partidos políticos UDI e RN, é assim como no ano
2000, quando o convenio foi aprovado pela Câmara dos Deputados com 72 votos a favor e
que só faltava a aprovação do Senado para que a convenção fosse transformada em lei da
república, que um grupo de 31 deputados da oposição começo um atraso que terminaria
apenas sete anos depois.
O grupo de deputados presentaram ao Tribunal Constitucional um requerimento de declaração
de inconstitucionalidade por não ter sido aprovado pela Câmara dos deputados com rango de
lei orgânica constitucional e por infringir as bases da institucionalidade.
Respeito o primeiro ponto os requerentes dizer que o tratado devesse ser votado como um
todo o que implica que se existem dentro dele uma norma de caráter orgânico constitucional o
de quórum qualificado, o tratado precisa então ser votado com maior quórum. No entanto, a
Convenção foi adotada como uma regra de direito comum, já que a Câmara dos Deputados
considerou que não teve nenhuma norma que alterara uma lei de quórum especial, ainda que
formalmente os votos a seu favor excedessem o mínimo necessário.
Em relação a segunda, o tribunal rejeitou o pedido utilizando a doutrina de as disposições
executável dos tratados internacionais, as que entenderam como:
“As primeiras [regras autoexecutável], são as que têm como conteúdo e precisão
necessária que as habilita para que sejam aplicadas sem mais ação como fonte de
direito. Em outras palavras, eles são autossuficientes, e entram no direito nacional
quando o tratado que as contém incorpora-se à legislação ao direito em vigor”
Então para o Tribunal Constitucional o caráter autoexecutável não deveria entrar diretamente
a ordenamento interno, o que aconteceria no caso de leis autoexecutáveis, a critério do TC o
que surge é que uma vez ratificado o tratado é o dever de desenvolvimento normativo, mas
enquanto esse desenvolvimento não ocorre, as regras do tratado não seria diretamente
aplicável, somente após do desenvolvimento legislativo o TC pronunciara-se sobre sua
constitucionalidade, não sendo suficiente a ratificação sozinha para o surgimento das
obrigações internacionais de que a lei contém.
A ratificação do acordo seguiu com atrasos, e foi o último no ano 2008, em que a Convenção
foi sometida novamente a um controle de constitucionalidade quanto ao direito de consulta
que inclui a convenção, nesta ocasião o tribunal apontou que o estabelecimento de modos de
participação dos povos indígenas são matérias reservadas às leis orgânicas constitucionais e
cujo âmbito foi previamente regulado por leis setoriais e pela mesma Constituição.
Finalmente, o governo e a oposição chegaram a um acordo político para aprovar o acordo no
Senado, sujeito o instrumento a uma ratificação que incluiu uma declaração interpretativa
sobre o artigo 35º 119
do mesmo, no sentido de que só se aplica em relação aos tratados
internacionais ratificados por Chile e que estão em vigor.
Terras Indígenas na Lei Indígena nº 19.253
No ano 1993 foi promulgada a Lei Indígena nº 19.253 que Estabelece as Normas Sobre
Proteção, Fomento e Desarrolho dos Povos Indígenas, o corpo legal reconhece as etnias
indígenas e estabelece que as terras são a base essencial de sua existência e de sua cultura.
A lei então inspira no reconhecimento dos povos e culturas indígenas, deseja restabelecer o
conceito jurídico de terras indígenas, abarcando as terras comunitárias e as individuais,
regulando os atos civis que podem cair sobre elas, ao contrário do que acontece no Brasil cuja
Constituição cria uma categoria sui generis para os territórios indígenas.
Conceito de Terras Indígenas
119 Artigo 35º Convenção nº 169 da OIT “ A aplicação das disposições da presente Convenção não
deverá prejudicar os direitos e as vantagens garantidos aos povos interessados em virtude de outras convenções e recomendações, instrumentos internacionais, tratados, ou leis, laudos, costumes ou acordos nacionais.”
Durante a discussão do projeto de lei, falara-se de terras ancestrais, termo que engloba todas
as terras que o Estado chileno através do direito histórico e vigente tem por reconhecido o
domínio indígena.
Finalmente, a lei faz referência a elas no artigo 12 estabelecendo duas categorias para elas,
primeiras àquelas terras que vêm de títulos entregados pelas diversas leis que o Estado chileno
uso desde sua criação de acordo com o seguinte inciso:
... 1° Aquellas que las personas o comunidades indígenas actualmente ocupan en
propiedad o posesión provenientes de los siguientes títulos...
Em quanto a expressão actualmente, é claro que o legislador deseja desligar o caráter de terras
indígenas aquelas que, sendo indígenas no começo, agora são de propriedade dos não
indígenas (da mesma maneira que a jurisprudência há interpretado)120
.
Além disso, a segunda categoria das terras é, segundo o mesmo artigo §2
Aquellas que históricamente han ocupado y poseen las personas o comunidades
mapuches, aimaras, rapa nui o pascuenses, atacameñas, quechuas, collas, kawashkar
y yámana, siempre que sus derechos sean inscritos en el Registro de Tierras Indígenas
que crea esta ley, a solicitud de las respectivas comunidades o indígenas titulares de
la propiedad.
Proteção das terras
Em quanto a proteção das terras indígenas, a lei estabelece que estarão isentas do pagamento
das contribuições; não podem ser enajenadas, embargadas, gravadas, ni adquiridas por
prescripción, salvo entre comunidades o personas indígenas de una misma etnia. No obstante,
se permitirá gravarlas, previa autorización de la Corporación. Este gravamen no podrá
comprender la casa-habitación de la familia indígena y el terreno necesario para su
subsistência 121
.
120 Jaime López Allendes. Las Tierras Indígenas en la Ley 19.253. Revistas CUHSO- Volumen Especial.
Pag. 10
121 Artigo 13 Ley n°19.253
Permite-se então a transferências das terras a demais atos que o artigo se refere só entre
comunidades e pessoas indígenas de uma mesma etnia, neste caso aplicam-se as regras do
Código Civil e com a presença e autorização da Corporación Nacional de Desarrollo Indígena.
O que dizem os tribunais
A decisão “Raposa Serra do Sol”
População : 20.000 habitantes
Extensão : 1.678.000 hectares
A Raposa Serra do Sol é uma área de terra indígena localizada no nordeste do Estado
Brasileiro de Roraima, circunscrita aos municípios de Pacaraima, Uiramutã e Normandia. A
zona representou durante anos, uma localidade de alta capacidade produtiva de cultura
arrozeira, consequência da ocupação ocorrida durante os anos de 1970, mais, amparados por
uma politica de colonização do Amazonas promovido pelo Instituto Nacional de Colonização
e Reforma Agrária (INCRA), que nas últimas décadas havia concedido os títulos sobre as
terras, os que tornaram-se os novos proprietários das terras ocupando área de
aproximadamente 100 mil hectares.
As comunidades indígenas voltaram-se contrárias aos modelos de exploração, requisitando
para si o domínio e controle das terras. Uníssona a essa pretensão, a Constituição Federal de
1988 empreendeu uma nova leitura de abordagem por parte do Estado brasileiro para com os
indígenas.
O início do destacado caso do Raposa Serra do Sol tem seus inicios em 1998, quando o
Ministério da Justiça publicou a Portaria n° 820, de 11/12/98, declarando a área como terra
indígena. Diante disto, o Governo de Roraima impetra mandado de segurança no Superior
Tribunal de Justiça (STJ) com pedido de anulação daquela portaria, mas no ano 2002, o STJ
nega o pedido.
Nesta situação, o Governo de Roraima impetra mandado de segurança no Superior Tribunal
de Justiça (STJ) no ano 1999, com pedido de anulação da Portaria 820/98. Uma liminar
parcial é concedida em favor do governo de Roraima, mas no ano 2002 o mandado de
segurança pedido pelo governo de Roraima é negado pelo Superior Tribunal de Justiça e a
liminar parcial é revogada.
No ano 2003, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira lança a
campanha pela homologação da Terra Indígena Raposa do Sol, que conclui com a Portaria
534/2005, homologando a demarcação da TI e determina que “o Parque Nacional do Monte
Roraima é bem público da União, submetido a regime jurídico de dupla afetação, destinado à
preservação do meio ambiente e à realização dos direitos constitucionais dos índios". O
decreto assegura também a ação das Forças Armadas, para a defesa do território e da
soberania nacionais, e da Polícia Federal, para garantir a segurança e a ordem pública e
proteger os direitos constitucionais indígenas, na Terra Indígena.
As inúmeras ações possessórias, a ação popular, os mandados de segurança e os pedidos
contra a demarcação da área contínua da Raposa Serra do Sol, impediram finalizar o processo
de demarcação da terra indígena.
Mediante ação popular contra a União, em 20 de maio de 2005, de autoria da República
Augusto Affonso Botelho Neto assistido pelo também senador Francisco Mozalindo de Melo
Cavalacanti, ajuizou-se no Supremo Tribunal Federal a Petição 3388, impugnando o modelo
de demarcação continua da Terra Raposa Serra do Sol e requerendo a suspensão liminar dos
efeitos da portaria 534/2005 e do decreto homologatório assinado pelo presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, além da declaração de nulidade da mesma portaria.
Continuam as ações contra a demarcação, e como no ano 2007, o Estado de Roraima ajuiza
uma ação cautelar contra a União e a Funai, pedindo a suspensão, em parte, da portaria do
Ministério da Justiça e do decreto presidencial que tratam da ampliação e demarcação da
reserva, apontando supostas ilegalidades no processo de demarcação de parte da área, embora,
o STF difere da ação do Estado de Roraima que impetra uma nova ação tentando anular o
laudo antropológico que serviu de base para a demarcação.
Neste contexto, a Policia Federal inicia a Operação Upakaton 3, a que tinha por finalidade
retirar os não-índios das terras, mas a operação encontra resistência pelo que o STF decide
suspender a ação da PF. Enquanto isso, o ministro-relator do STF Carlos Ayres Britto avalia
seu voto sobre o processo que contesta a demarcação da reserva. O STF não decide tamanho
da TI, mas sim a validade do processo demarcatório.
AÇÃO POPULAR PETIÇÃO 3.388 RORAIMA
DATA 19/03/2009 TRIBUNAL PLENO
PARTES
RELATOR : MIN. AYRES BRITTO
REQTE. : AUGUSTO AFFONSO BOTELHO NETO
RQDO. : UNIÃO
ALEGAÇÕES
Vícios existentes na condução do processo administrativo de demarcação da Terra Indígena
Raposa Serra do Sol.
O requerente alega que os principais interessados não foram citados para se manifestar na fase
de instrução do processo, pelo que pede a declaração de nulidade da Portaria n° 534/2005 do
Ministro de Estado da Justiça bem como do Decreto homologatório de 15.04.2005.
ARGUMENTOS
Parte Requerente
Para atingir seu objetivo, o autor popular junta cópia de um laudo pericial já constante de
outra ação popular, ajuizada perante a Justiça Federal de Roraima, no Processo nº
1999.42.00.000014-7, extinto sem apreciação do mérito por efeito do julgamento da
Reclamação 2.833122
. Baseado nesse documento, o requerente sustenta que o laudo
antropológico sobre a área em questão foi assinado por só um profissional, o que seria prova
de uma presumida parcialidade.
As consequências da demarcação como área contínua seriam desastrosas para o Estado
roraimense, no aspecto comercial, econômico e social, e, quanto aos interesses do País,
haveria comprometimento da segurança e da soberania nacionais, prejudicando assim os
legítimos interesses dos não índios.
Finalmente, argumenta o requerente, haveria desequilíbrio no concerto federativo, já que a
área demarcada ao passar para o domínio da União mutilaria parte significativa do território
do Estado, e ofenderia o princípio da razoabilidade ao privilegiar a tutela do índio em
detrimento da, por exemplo, a livre iniciativa.
Legislação invocada:
Decreto n° 22, de 4 de fevereiro de 1991.
122 Relatório
Dispõe sobre o processo administrativo de demarcação das terras indígenas e dá outras
providências
Decreto n° 1.775, de 8 de janeiro de /1996.
Dispõe sobre o procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas e dá
outras providências
Partes
Requerido / Ministério Público
A União apresentou em sua defensa, em primeiro lugar o histórico da ocupação indígena em
toda a região, fazendo uma evolução legislativa sobre o assunto desde o Brasil-colônia.
A contestante respaldada pelo art. 231 e parágrafos da Carta Magna, arrematou o seu
raciocínio com o juízo de que “não é o procedimento demarcatório que cria uma posse
imemorial, um habitat indígena, mas somente delimita a área indígena de ocupação
tradicional, por inafastáveis mandamentos constitucionais e legais”
Legislação invocada
Artigo 231 e parágrafos da Constituição da República Federativa do Brasil
Procuradoria Geral da República
Seus fundamentos são principalmente a necessidade de marcação das áreas tradicionalmente
ocupadas pelas comunidades indígenas para a preservação de sua tradição e cultura; a
distinção entre o conceito de posse indígena e aquela do Direito Civil; o estudo antropológico
realizado por profissional habilitado: o caráter originário e anterior dos direitos dos indígenas,
respeito do Estado de Roraima e a presença permanente de numerosos grupos de indígenas
nas terras de que tratam os autos.
Voto Senhor Ministro Carlos Ayres Britto (Relator)
Improcedência da ação popular, e assenta a condição indígena da área demarcada como
Raposa/Serra do Sol, em sua totalidade pelo que fica revogada a liminar concedida na Ação
Cautelar n° 2009.
Decisão
Preliminarmente, o Tribunal, por unanimidade, resolveu questão de ordem, proposta pelo
Relator no sentido de admitir os pedidos de admissão à lide, subscritos pela Fundação
Nacional do Índio– FUNAI (etição nº 62.154), Estado de Roraima (petição nº 64.182),
Lawrence Manly Harte (petição nº 67.733), Comunidade Indígena Barro e outras (petição n°
68R.192) e Comunidade Indígena Socó (petição n° 70.151).
Prosseguindo no julgamento, vencidos os Senhores Ministros Joaquim Barbosa, que julgava
totalmente improcedente a ação, e Marco Aurélio, que suscitara preliminar de nulidade do
processo e, no mérito, declarava a ação popular inteiramente procedente, julgou o Tribunal
parcialmente procedente, nos termos do voto do Relator, revisado segundo as observações
constantes do voto do Senhor Ministro Menezes Direito, declarando constitucional a
demarcação contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol e determinando que sejam
observadas as seguintes condições:
(i) o usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes nas terras indígenas (art.
231, § 2º, da Constituição Federal) pode ser relativizado sempre que houver, como dispõe o
art. 231, § 6º, da Constituição, relevante interesse público da União, na forma de lei
complementar;
(ii) o usufruto dos índios não abrange o aproveitamento de recursos hídricos e potenciais
energéticos, que dependerá sempre de autorização do Congresso Nacional;
(iii) o usufruto dos índios não abrange a pesquisa e lavra das riquezas minerais, que dependerá
sempre de autorização do Congresso Nacional, assegurando-se lhes a participação nos
resultados da lavra, na forma da lei;
(iv) o usufruto dos índios não abrange a garimpagem nem a faiscação, devendo, se for o caso,
ser obtida a permissão de lavra garimpeira;
(v) o usufruto dos índios não se sobrepõe ao interesse da política de defesa nacional a
instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares, a expansão
estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o
resguardo das riquezas de cunho estratégico, a critério dos órgãos competentes (Ministério da
Defesa e Conselho de Defesa Nacional), serão implementados independentemente de consulta
às comunidades indígenas envolvidas ou à FUNAI;
(vi) a atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal na área indígena, no âmbito de suas
atribuições, fica assegurada e se dará independentemente de consulta às comunidades
indígenas envolvidas ou à FUNAI;
(vii) o usufruto dos índios não impede a instalação, pela União Federal, de equipamentos
públicos, redes de comunicação, estradas e vias de transporte, além das construções
necessárias à prestação de serviços públicos pela União, especialmente os de saúde e
educação;
(viii) o usufruto dos índios na área afetada por unidades de conservação fica sob a
responsabilidade do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade;
(ix) o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade responderá pela
administração da área da unidade de conservação também afetada pela terra indígena com a
participação das comunidades indígenas, que deverão ser ouvidas, levando-se em conta os
usos, tradições e costumes dos indígenas, podendo para tanto contar com a consultoria da
FUNAI;
(x) o trânsito de visitantes e pesquisadores não-índios deve ser admitido na área afetada à
unidade de conservação nos horários e condições estipulados pelo Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade;
(xi) devem ser admitidos o ingresso, o trânsito e a permanência de não-índios no restante da
área da terra indígena, observadas as condições estabelecidas pela FUNAI;
(xii) o ingresso, o trânsito e a permanência de não-índios não pode ser objeto de cobrança de
quaisquer tarifas ou quantias de qualquer natureza por parte das comunidades indígenas;
(xiii) a cobrança de tarifas ou quantias de qualquer natureza também não poderá incidir ou ser
exigida em troca da utilização das estradas, equipamentos públicos, linhas de transmissão de
energia ou de quaisquer outros equipamentos e instalações colocadas a serviço do público,
tenham sido excluídos expressamente da homologação, ou não;
(xiv) as terras indígenas não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou
negócio jurídico que restrinja o pleno exercício do usufruto e da posse direta pela comunidade
indígena ou pelos índios (art. 231, § 2º, Constituição Federal, c/c art. 18, caput, Lei n°
6.001/1973);
(xv) é vedada, nas terras indígenas, a qualquer pessoa estranha aos grupos tribais ou
comunidades indígenas, a prática de caça, pesca ou coleta de frutos, assim como de atividade
agropecuária ou extrativa (art. 231, § 2º, Constituição Federal, c/c art. 18, § 1º, Lei nº
6.001/1973);
(xvi) as terras sob ocupação e posse dos grupos e das comunidades indígenas, o usufruto
exclusivo das riquezas naturais e das utilidades existentes nas terras ocupadas, observado o
disposto nos arts. 49, XVI, e 231, § 3°, da CR/88, bem como a renda indígena (art. 43 da Lei
nº 6.001/1973), gozam de plena imunidade tributária, não cabendo a cobrança de quaisquer
impostos, taxas ou contribuições sobre uns ou outros;
(xvii) é vedada a ampliação da terra indígena já demarcada;
(xviii) os direitos dos índios relacionados às suas terras são imprescritíveis e estas são
inalienáveis e indisponíveis (art. 231, § 4º, CR/88);
(xix) é assegurada a participação dos entes federados no procedimento administrativo de
demarcação das terras indígenas, encravadas em seus territórios, observada a fase em que se
encontrar o procedimento. Vencidos, quanto ao item;
(xvii), a Senhora Ministra Carmen Lúcia e os Senhores Ministros Eros Grau e Carlos Britto,
Relator. Cassada a liminar concedida na Ação Cautelar nº 2.009-3/RR. Quanto à execução da
decisão, o Tribunal determinou seu imediato cumprimento, independentemente da publicação,
confiando sua supervisão ao eminente Relator, em entendimento com o Tribunal Regional
Federal da 1ª Região, especialmente com seu Presidente. Votou o Presidente, Ministro Gilmar
Mendes. Ausentes, justificadamente, o Senhor Ministro Celso de Mello e a Senhora Ministra
Ellen Gracie, que proferiram voto em assentada anterior.
A decisão no caso Clan Hito do Povo Rapa Nui
Antecedentes históricos da relação entre Rapa Nui e o Estado chileno
A ilha tem uma área de 163,6 km² e uma população estimada de 4.000 (segundo o CENSO de
2002 3.791) misturando membros de Rapa Nui, os “continentales” e os estrangeiros.
Para compreender as atuais causas dos conflitos entre o Povo Rapa Nui e o Estado Chileno, é
necessário analisar a história, a qual tem três etapas:
1. Desde 1722 até 1964
Os primeiros atos nesta ilha iniciassem no ano 1722 quando o navegante holandês Jacobo
Roggeween chegou no dia de Pascua de Resurrección, foi então, o primeiro que deu
testemunho de sua existência. Para os comerciantes europeus, Rapa Nui não tinha proprietário
pelo que sua população poderia ser, explorada, vendida e escravizada, a principal causa de
que para o ano 1877 por razões como a introdução da varíola, tuberculose e epidemias em
geral, o número de habitantes da ilha foi reduzida a 110 habitantes.
No ano 1888, o Capitam Policarpo Toro em nome do Governo do Chile, presídido pelo
Presidente José Manuel Balmaceda estabelece a soberania do Governo do Chile na ilha,
momento em que surge um interesse por o Povo Rapanui de receber proteção e desarrolho y o
interesse do Chile de incorporar a seu território a Ilha de Páscoa, de maneira de ampliar sua
soberania no Pacífico.
O acordo foi chamado “Acuerdo de Voluntades” que estabelecia em definitivo a entrega da
soberania da ilha ao Estado Chileno, o que se comprometia a entregar educação e
desenvolvimento da população, a que manteriam seus direitos de propriedades sobre as terras
e os chefes suas investiduras.
Embora todo isso, os governos não obedeceram ao acordo, já que eles entregaram a totalidade
da ilha a terceiras pessoas e inscreveram todas as terras em propriedade a nome do Fisco de
Chile.
O Acordo de Voluntades ainda não foi ratificado por o Estado do Chile, e, além disso, a
Comisión Verdad Histórica y Nuevo Trato /2001 que fez um estudo sobre os povos indígenas
e considero o acordo no sua análise, mas a tradução tem grandes inconsistências de fundo na
interpretação, por exemplo quando o texto no espanhol fala de cessão de terras, porem, o texto
Rapanui usa o conceito de mau te hoa kona (amigo do lugar), não fala de dar a propriedade
das terras em quanto o texto no espanhol usa os términos ceder para siempre y sin reserva la
soberania.
A política de aproximação do Estado foi abandonada pela situação da Revolução de 1891 o
que fez que a ilha fosse entregada a particulares estrangeiros; no ano 1916 foi encorpou-se ao
território chileno e anexada a comuna de Valparaiso. Anos depois, nos 1933, a totalidade da
ilha foi inscrita no Conservador de Bines Raízes de Valparaiso como propriedade fiscal, já que
segundo ele eram terras sem dono.
2. Desde 1964 até 2000
No ano 1964, o Executivo envia um projeto de Lei que criava a “comuna Subdelegación de
Isla de Pascua”, projeto que termina com a Lei Pascual N° 16.441 de 1966 a que entrega um
regímen administrativo e judicial especial.
Com a chegada da ditadura no ano 1973 a ilha foi o ponto estratégico militar e em quanto às
terras no ano 1979, o governo militar determina a regularização da propriedade concedendo
títulos de graça para os titulares regulares, o que gera uma nova discórdia entre o povo e
Estado, isto porque uma parte do povo não aceitou receber os títulos oferecidos pelo Estado,
já que eles consideram que não precisavam de título sobre terras que sempre foram deles, por
serem eles territórios ancestrais.
A ilha hoje
Segundo o CENSO de ano 2002 contou com a cifra de população de 3.791 pessoas das quais
2.269 são rapa nui, e a maioria destas afirmou que as atuais reivindicações das terras, baixos
os conceitos de “autodeterminación” y “derechos sobre las tierras”, baseiam-se na base da
sua ocupação originais e direitos ancestrais que existiram antes do acordo de 1988123
.
Ao longo da história o povo de Rapa Nui foi privado em grande parte de seu território
ancestral, que hoje tem principalmente o fisco, neste contexto membros do povo há feito
ocupações pacíficas de prédios públicos e privados com a finalidade de exigir o
reconhecimento de seus direitos.
As ocupações incluem principalmente:
a. Propriedade privada que corresponde ao Hotel Hanga Roa, terras que foram alienados
por o Estado a indivíduos sem consentimento do povo;
b. Centro cívico, cerca de 6 prédios; e
c. Praça Riro Kainga, ocupada pelo Parlamento Rapa Nui.
A reação do governo, embora, tentar iniciar um processo de diálogo mediante a criação de
mesas de discussão indústria, também impulsionou ações no sentido de resolver o conflito por
meio da criminalização nos tribunais e mediante o fortalecimento da polícia na ilha que inclui
ordens de despejo e instauração de um clima de militarização.
123 Informe de Misión Internacion de Observadores a Rapa-Nui. Los derechos humanos del Pueblo
Rapa-Nui en la Isla de Pascua. 2011. Pg. 11.
Ocupação do Hotel Hanga Roa por Clan Hitorangui
Em agosto de 2010, o território onde fica atualmente o Hotel Hanga Roa foi ocupado por o
Clan Hitorangui, que em diversas oportunidades foi desalojado. O tema é muito complexo
porquanto está no território que a mesma Armada de Chile reconhece como propriedade da
família Hito com anterioridade a inscrição de 1933.
A família Hito sustenta que em 1970 Veronica Atamu Pakomio, viúva de Ricardo Hito
Tepihe, aquele sucessor ancestral de Tepihe Napoleão, faz uma cessão de direitos de 6.7
hectares a instituição CORFO, para a construção da uma pousada para fomentar o turismo na
ilha, mas, a cessão não foi feita de maneira definitiva.
No entanto, o Estado amparado na inscrição feita no ano 1933, no outubro de 1970, dona em
nome do Fisco a CORFO via sua filial Hotelera Nacional S.A (HONSA), o terreno que no
principio pertencia a Veronica Atamu Pakomio, ainda em contravenção com o artigo 38 da
Lei Pascua a que estabelece a mera autorização da concessão de exploração as instituições
que ele enumera, ficando fora HONSA.
O CASO HITO, ILHA DE RAPA NUI
Fatos determinados pelo Tribunal
O Fisco de Chile se tornou proprietário da ilha o dia 19 de setembro de 188 quando o Toar
Marinha do Chile, Policarpo Toro Hurtado chegou até lá, em seguida, a soberania exercida
sobre o território e as pessoas que viviam ali chegaram a ter só a qualidade de ocupante das
terras.
Após, a Lei N°3,220 de 1917 entregou ao Ministério de Marina os cuidado da população da
ilha, quem em 1928 outorga a posse provisória a María Tepihe e a seus filhos Ana, Ricado e
Esteban de 9,8 hectares de terras com a espera de o Governo fizera a posse final.
Em 1933, por acórdão do Tribunal Primeira Civil de Valparaíso, començo o processo de
inscripção das terras no Conservador de Bienes Raíces de Valparaiso, através da aquisição do
artigo 590 do Código Civil, o que foi re-registrado no Conservador de Bienes Raíces de Isla
de Pascua.
Em 1970, Veronica Atamu viúva de Ricardo Hito cedeu a CORFO quaisquer direito que possa
ter, e ao mesmo tempo, o Governo de Chile doou o terreno onde o hotel está até hoje.
Em 1981 CORFO vendeu seu terra a Don Hugo Salas Roman, Chileno mas não originário da
Ilha, quem depois entro como parceiro no Hotel Interamericano Society (Chile S.A)
Outro fato certo no processo é que a Corporación de Desenvolvimiento Indígena Nacional
certifico que não tem nenhuma evidência de que a terra seja terra indígena de acordo com o
artigo 15 de Lei N°19.253.
A recorrente não demonstrou, entretanto, ser dona das terras destinados à reclamação, e
também não, a solicitação e obtenção de posse da herança de sua mão Ana ou liquidação da
comunidade hereditária.
Recurso de Casación em el Fondo
Santiago, 28 de maio de 2012, Corte Suprema
PARTES
Requerente : Diana Eliana Hito Hito
Requerido : Sociedade Hoteleira Interamericana S.A
ALEGAÇÕES
Em juízo sumário tramitado no Juizado de Letras de Isla de Pascua, a requerente deduz
demanda de reconhecimento e recuperação de terras indígenas, alegando que na sua qualidade
de herdeiro de sua mão Ana Hito Tepihe, as terras são de propriedade exclusiva de sua parte.
Na sentença de 14 de agosto de 2010, o tribunal de primeira instancia julgou improcedente a
ação com o pagamento das custas judiciárias.
Após a decisão, a Corte de Apelaciones de Valparaíso o 16 de agosto de 2012 revoco a
sentencia, mas, apenas quanto a pagamento das custas e confirmando o resto.
Contra esta resolução, o requerente apelo ante a Corte Suprema mediante o Reucurso de
Casación em el Fondo por tendo sido emitida, em sua opinião, com violações da lei que
influenciaram o julgamento do dispositivo, solicitando a invalidação de aquela em
substituição da que detalha.
ARGUMENTOS
Parte Requerente
Afirma ser a proprietária das terras que adquiriu através de herança de sua mãe após a morte,
já que no ano 1928 a subdelegação da ilha entregou a posse temporária à sua mãe de 9,8
hectares onde hoje foi instalado o Hotel Hanga Roa, aguardando pela a entrega da posse
definitiva pelo Governo Supremo.
Legislação:
Artigo 5º da Constituição da República
Convênio da OIT em seus artigos 8 §1, em quanto a consideração que os Governos
devem ter na aplicação da legislação, de seus costumes e direitos consuetudinário; 14
§1 que estabelece o dever de reconhecimento das terras que tradicionalmente
ocuparam os indígenas; e 17 §3 que em quanto a dever de impedir que terceiros
estranhos a os povos indígenas podam aproveitar-se de suas costumes o
desconhecimento das leis para adjudicar-se uma propriedade.
Artigo 590º de Código Civil o qual dispõe que são bens do Estado todas as terras que
não tem dono e respeito de bens moveis, além disso, a ocupação da Ilha de Páscoa foi
para adquirir a soberania, ato de poder do Estado que não implica a aquisição do
domínio.
Parte Requerida
A parte requerida por sua parte alega:
Rejeição da demanda já que ela é dona e possuidora segundo inscrição;
Não procede a ação reivindicatória contra alicuota indeterminada; e
Que a terra não é indígena
Decisão
A Cuarta Sala de la Corte Suprema, rejeita o Recurso de Casación en el Fondo com custas,
por unanimidade, excepto para a condenação de costa que foi contra o voto da Senhora
Ministra Egnem que foi por não imponer a carga processual.
A rejeição baseia-se no que o autor não acredita:
a) Que é o dono das terras e da singularidade delas;
b) que é a herdeira dos direitos transferidos pelo Governo do Chile em 1928;
c) Finalmente não acredito a qualidade de terras indígenas das terras em litígio.
Terras indígenas no Brasil e Chile: Conclusões
Só com a análise dos casos apresentados é possível diferenciar a forma em que os tribunais de
ambos os países tratam a questão indígena. Embora a decisão Raposa Serra do Sol não era
totalmente favorável, considerando as condições e os problemas que surgiram com a sua
emissão, reconhece a existência de terras indígenas, mesmo contra os órgãos estatais e os
grandes fazendeiros, o oposto do que acontece no Chile, que não só reconhece a qualidade da
terra indígena, mas não fazem esforços para cumprir com as recomendações e obrigações
indígena proteção.
Dada a legislação vigente em cada país é mostrado que o Chile como não reconhecer
constitucionalmente os povos indígenas, a tarefa de reconhecimento de terras indígenas é
ainda mais complexa e, além disso, a nível legislativo a principal Lei não diz muito sobre
isso, então o tratamento legislatibo e constitucional está longe de ser o que se aplica hoje no
Brasil.
Isto é porque o Brasil, com a nova constituição, adotou uma visão mais protetora com pleno
reconhecimento à seus povos e nas terra. Criou-se uma instituição sui generis capaz de dar
efeito aos direitos reconhecidos catalogados, considerando relavante possuir terra para o
desenvolvimento indígena.
Em termos de procedimento, embora questionado o fato de que não estaria referido no
Estatuto Indígena como lei, o processo é bastante demorado, e no corpo legal, só tem
problemas de operacionalização que frequentemente por causas políticas e económicas, é
muito mais complicado do que deveria.
Internacionalmente, o instrumento mais importante foi sujeito a limitações para ratificação,
mas isso acabou sendo alcançado para o ano de 2002 e tem outros tratados, como a
Convenção sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes, 1989, Convenção sobre
Diversidade Biológica (CBD ) , a Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade
das Expressões Culturais de 2005 (UNESCO) , Pacto Internacional sobre Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais (ONU) . Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas
de Discriminação Racial (ONU) Acordo Constitutivo do Fundo para o Desenvolvimento dos
Povos Indígenas da América Latina e do Caribe, os tratados demonstram a vontade política de
tratar as questões indígenas.
Se no Brasil a questão das terras indígenas tornou-se uma luta constante entre os indígenas e
os não-indígenas, ainda com todas as leis aplicáveis, no Chile, os Governos fizeram desta
questão uma coisa não relevante. Após 23 anos de democracia e compromissos com os povos
nativos, as reformas constitucionais ainda estão em um processo lento e os compromissos
assumidos com o povo Rapa Nui nem sequer foram ratificados, e na oportunidade que foi
estudado é diferente do que o povo Rapa Nui concordou.
Quanto aos procedimentos de demarcação, estes estão sujeitos ao direito civil, o que deixa
desprotegidos os que buscam o reconhecimento de terras ancestrais por não ter apoio
profissional suficiente.
Portanto, é impossível que os tribunais vejam os direitos indígenas, e especificamente o
reconhecimento das terras indígenas, como um direito humano como tal, e não como meros
direitos civis, uma vez que os tribunais conhecem e julgam com os instrumentos que têm.
Como o juízo estudado onde o Tribunal de Primera Instancia de Valparaiso, a Corte de
Apelaciones e a Corte Suprema, julgam com base no Código Civil e a instituições civis que só
prejudicam aos povos indígenas, cujos direitos e fundamentos não são encontrados em uma
norma criada com posterioridade a seu estabelecimento e organizações próprias de um povo
originário.
Diferentes tipos de controles, para lograr um mesmo fim: a
supremacia da Constituição Nacional
Direito Comparado: Controle Constitucional, Argentina-Brasil.
Aluna: Ivana Sol Vigilante
Nacionalidade: Argentina, Buenos Aires.
Universidade: Pontifícia Universidad Católica Argentina
Professores: Ministro Gilmar Mendes e Doutor João Costa
Matéria: Direito Constitucional II
Índice
Pág.
1. Introdução 2
2. Que é a Constituição? 3
3. Constitucionalidade – Inconstitucionalidade 3/4
4. O que é o Controle de Constitucionalidade?
O que tipos de Controles de Constitucionalidade há? 4/7
5. Debate sobre quem deve ser o guardião da constituição? 7/9
6. Controle abstrato – concreto: Efeitos 9/10
7. Quem pode iniciar a ação? 10/11
8. Controle: Politico - Jurisdicional - Misto 11/15
9. Formas de plantear a inconstitucionalidade 15/16
10. Recurso Extraordinário 17/24
11. O Writ of Certiorari 24
12. Per Saltum 25/26
13. Brasil: Ações direitas de inconstitucionalidade 26/34
14. Conclusão 35
15. Bibliografia 36/37
Introdução
Os controles podem ser de muitas formas, mas o interessante é analisar os PROS de
cada um deles para assim, alcançar o melhor método que assegure a supremacia da
constituição de cada nação. Por isso, é fundamental conhecer cada tipo de controle de
constitucionalidade, analisa-lo e achar o que seria melhor de cada um e também autocriticar o
próprio, na procura de um controle melhor.
Com vista de analisar os tipos de controles, compararemos dos tipos diferentes de
controles de dois países muito unidos não só pela proximidade, como também pela historia e
pelos costumes. O Brasil e a Argentina compartilham muitas coisas e tem sistemas jurídicos
às vezes similares, os controles que cada um deles utiliza é bem diferente um do outro.
Assim, compararemos não só descrevendo que tipos de controles têm os dois países, o
Brasil e a Argentina, como também os jeitos que têm eles para declarar a uma lei/ato
inconstitucional.
Que é a Constituição?
O conceito de Constituição parece preservar um núcleo permanente: “A ideia de um
princípio supremo que determina integralmente o ordenamento estatal e a essência da
comunidade constituída por esse ordenamento”124
Vê-se, assim, que a Constituição, no sentido estrito do termo, é formada pelas regras
que disciplinam a criação das normas essenciais do Estado, organizam os entes estatais e
consagram o procedimento legislativo125
. Ao lado dessa ideia de Constituição material,
cogita-se, igualmente, de uma Constituição formal, entendida aqui como conjunto de regras
promulgadas com a observância de um procedimento especial e que está submetido a uma
forma especial de revisão126
.
As Constituições escritas são apanágio do Estado Moderno. A concepção de um
documento escrito destinado a institucionalizar um sistema preconcebido é inovação que se
consolida na segunda metade do século XVIII, com a Revolução Francesa e independência
americana.127
Constitucionalidade - Inconstitucionalidade
Como anota Jorge Miranda, constitucionalidade e inconstitucionalidade designam
conceitos de relação, isto é, “a relação que se estabelece entre uma coisa – a Constituição – e
124 Hans Kelsen, La garanzia giurisdizionale della costituzione, in La giustizia costituzionale, Milano:
Giuffrè, 1981, p. 152; e A garantia jurisdicional da Constituição, in Jurisdição constitucional, tradução do
alemão por Alexandre Krug, do italiano, por Eduardo Brandão, e do francês, por Maria Ermantina Galvão, São
Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 130. 125
Hans Kelsen, La garanzia giurisdizionale della costituzione, in La giustizia costituzionale, cit., p.
152; e A garantia jurisdicional da Constituição, in Jurisdição constitucional, cit., p. 130 -131. 126
Hans Kelsen, La garanzia giurisdizionale della costituzione, in La giustizia costituzionale, cit., p.
153; e A garantia jurisdicional da Constituição, in Jurisdição constitucional, cit., p. 131; Jorge Miranda, Manual
de direito constitucional, 2. ed., Coimbra: Coimbra Ed., 1981, v. 2, p. 26 -27; José Afonso da Silva,
Aplicabilidade das normas constitucionais, 6. ed., 2. tir., São Paulo: Malheiros, 2003, p. 40; Afonso Arinos de
Melo Franco, Direito constitucional, Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 106 -117; Paulo Bonavides, Direito
constitucional, 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 58 -59; e Curso de direito constitucional, 17. ed., São
Paulo: Malheiros, 2005, p. 80 -81. Conferir também: RE 211.018/ SP, DJ de 29 -9 -2004, decisão monocrática (o
Ministro Celso de Mello acentua “a irrecusável condição de normas formalmente constitucionais” dos preceitos
do ADCT). 127
Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Curso de direito constitucional, 7. ed., São Paulo: Saraiva, 1978,
p. 11 -15; José Joaquim Gomes Canotilho, Direito constitucional, 4. ed., Coimbra: Almedina, 1986, p. 57 e s.; e
Direito constitucional e teoria da Constituição, 7. ed., Coimbra: Almedina, 2003, p. 1129 e s.
outra coisa – um comportamento – que lhe está ou não conforme, que com ela é ou não
compatível, que cabe ou não no seu sentido”128
Nessa linha de entendimento, assenta Kelsen que uma Constituição que não dispõe de
garantia para anulação dos atos inconstitucionais não é, propriamente, obrigatória. E não se
afigura suficiente uma sanção direta ao órgão ou agente que promulgou o ato inconstitucional,
porquanto tal providência não o retira do ordenamento jurídico. Faz-se mister a existência de
órgão incumbido de zelar pela anulação dos atos incompatíveis com a Constituição.129
Não se limita Kelsen a reconhecer a sanção como elemento integrativo do conceito de
inconstitucionalidade. Considera indispensável, igualmente, a existência de sanção
qualificada, isto é, do procedimento de anulação do ato inconstitucional por órgão
competente. Daí afirmar-se que, para Kelsen, a jurisdição constitucional é uma decorrência
lógica da Constituição em sentido estrito.130
O que é o Controle de Constitucionalidade? O que tipos de Controles de
Constitucionalidade há?
O fim do controle de constitucionalidade está definido pela tarefa de assegurar a
supremacia da Constituição Nacional, tratados, e leis nacionais, segundo a jerarquia fixada
pela Lei Suprema. Na Argentina, no artigo 31:
“Artículo 31- Esta Constitución, las leyes de la Nación que en su consecuencia se dicten por
el Congreso y los tratados con las potencias extranjeras son la ley suprema de la Nación; y
las autoridades de cada provincia están obligadas a conformarse a ella, no obstante
cualquiera disposición en contrario que contengan las leyes o Constituciones provinciales,
salvo para la Provincia de Buenos Aires, los tratados ratificados después del pacto del 11 de
noviembre de 1859.”
Desenvolvido a partir de diferentes concepções filosóficas e de experiências históricas
diversas, o controle judicial de constitucionalidade continua a ser dividido, para fins didáticos,
128 Jorge Miranda, Manual de direito constitucional, cit., p. 273 -274.
129 Hans Kelsen, La garanzia giurisdizionale della costituzione, in La giustizia costituzionale, cit., p. 199
-200; e A garantia jurisdicional da Constituição, in Jurisdição constitucional, cit., p. 139 -140. 130
Dieter Grimm, Zum Verhältnis von Interpretationslehre Verfassungsgerichtsbarkeit un
Demokratieprinzip bei Kelsen, in Ideologiekritik und Demokratietheorie bei Hans Kelsen, Rechtstheorie Beiheft
4, 1982, p. 152.
em modelo difuso e modelo concentrado, ou, às vezes, entre sistema americano e sistema
austríaco ou europeu de controle.
Essas concepções aparentemente excludentes acabaram por ensejar o surgimento dos
modelos mistos, com combinações de elementos dos dois sistemas básicos (v. g., o sistema
brasileiro e o sistema português).
Assim, o controle jurisdicional é aquele exercido por órgão integrante do Poder
Judiciário ou por Corte Constitucional. Pode ser:
a) difuso (também chamado americano);
b) concentrado (também chamado austríaco);
c) misto.
O sistema americano, difuso, adotado pela Argentina, é um modelo de controle de
constitucionalidade que se desenvolve a partir da discussão encetada na Suprema Corte
americana, especialmente no caso Marbury v. Madison, de 1803. A ruptura que a judicial
review americana consagra com a tradição inglesa a respeito da soberania do Parlamento vai
provocar uma mudança de paradigmas. A simplicidade da forma – reconhecimento da
competência para aferir a constitucionalidade ao juiz da causa – vai ser determinante para a
sua adoção em diversos países do mundo
Marbury vs. Madison - consagra a doutrina da judicial review e a possibilidade que no
caso concreto o juiz possa afastar a aplicação de uma lei que é considerada inconstitucional. O
juiz só decidiria se uma lei é constitucional ou não dentro dos marcos do caso concreto.
Por seu turno, perde em parte a característica de um modelo voltado para a defesa de
posições exclusivamente subjetivas e adota uma modelagem processual que valora o interesse
público em sentido amplo. O controle de constitucionalidade difuso ou americano assegura a
qualquer órgão judicial incumbido de aplicar a lei a um caso concreto o poder-dever de afastar
a sua aplicação se a considerar incompatível com a ordem constitucional.
A Argentina adota o sistema difuso, onde qualquer juiz de qualquer câmara, tribunal,
jugado, instância, fueiro pode declarar a inconstitucionalidade de uma norma. Embora, todos
os juízes podam declarar a inconstitucionalidade, a última decisão a tem a Corte Suprema da
Argentina.
O controle concentrado de constitucionalidade (austríaco ou europeu) defere a
atribuição para o julgamento das questões constitucionais a um órgão jurisdicional superior ou
a uma Corte Constitucional. O controle de constitucionalidade concentrado tem ampla
variedade de organização, podendo a própria Corte Constitucional ser com- posta por
membros vitalícios ou por membros detentores de mandato, em geral, com prazo bastante
alargado. Referido modelo adota as ações individuais para a defesa de posições subjetivas e
cria mecanismos específicos para a defesa dessas posições, como a atribuição de eficácia ex
tunc da decisão para o caso concreto que ensejou a declaração de inconstitucionalidade do
sistema austríaco. Especialmente a Emenda Constitucional de 7-12-1929 introduziu mudanças
substanciais no modelo de controle de constitucionalidade formulado na Constituição
austríaca de 1920.
Na Europa, esse debate vai tomar outro formato, vai se discutir também a concessão,
outorga de uma competência a um órgão exclusivo, detentor de um monopólio da censura:
suscita-se a constitucionalidade da lei X - o monopólio da ação é da corte constitucional e ele
remete essa duvida para a corte constitucional (controle concreto) - modelo europeu de
controle de constitucionalidade. Esse modelo de controle de constitucionalidade é
confirmador do modelo americano e é também um modelo critico do modelo americano, a um
só tempo. É confirmador porque parte da ideia da supremacia da corte constitucional e afirma
que é preciso um controle das normas infraconstitucionais em face da constituição. É critico
pela ideia de que qualquer juiz da causa possa fazer o controle de constitucionalidade.
Kelsen elogio - o reconhecimento de que sejam os juízes os responsáveis por fazer
esse controle. Mas também critica quando diz que não é qualquer juiz que tem que fazer esse
papel. Propunha uma corte constitucional autônoma - controle concentrado e vão julgar em
abstrato. A corte agiria como legislador negativo. A corte constitucional retira um ato em
vigor, com eficácia ex nunc-
Finalmente, o controle misto de constitucionalidade, adotado pela maioria dos países
latino-americanos, congrega os dois sistemas de controle, o de perfil difuso e o de perfil
concentrado. Em geral, nos modelos mistos defere-se aos órgãos ordinários do Poder
Judiciário o poder-dever de afastar a aplicação da lei nas ações e processos judiciais, mas se
reconhece a determinado órgão de cúpula – Tribunal Supremo ou Corte Constitucional – a
competência para proferir decisões em determinadas ações de perfil abstrato ou concentrado.
Talvez os exemplos mais eminentes desse modelo misto sejam o modelo português, no qual
convivem uma Corte Constitucional e os órgãos judiciais ordinários com competência para
aferir a legitimidade da lei em face da Constituição, e o modelo brasileiro, em que se
conjugam o tradicional modelo difuso de constitucionalidade, adotado desde a República,
com as ações diretas de inconstitucionalidade (ação direta de inconstitucionalidade, ação
declaratória de constitucionalidade, ação direta de in- constitucionalidade por omissão e
representação interventiva), da competência do Supremo Tribunal Federal.
No Brasil, A Constituição de 1988 conferiu ênfase, portanto, não mais ao sistema
difuso ou incidente, mas ao modelo concentrado, uma vez que, praticamente, todas as
controvérsias constitucionais relevantes passaram a ser submetidas ao Supremo Tribunal
Federal, mediante processo de controle abstrato de normas. A ampla legitimação, a presteza e
a celeridade desse modelo processual, dotado inclusive da possibilidade de suspender
imediatamente a eficácia do ato normativo questionado, mediante pedido de cautelar,
constituem elemento explicativo de tal tendência.
Deve assinalar-se que o sistema de controle de constitucionalidade no Brasil sofreu
substancial reforma com o advento da Constituição de 1988. A ruptura do chamado
“monopólio da ação direta” outorgado ao Procurador-Geral da República e a substituição
daquele modelo exclusivista por um amplíssimo direito de propositura configuram fatores que
sinalizam para a introdução de uma mudança radical em todo o sistema de controle de
constitucionalidade.
Embora o novo texto constitucional tenha preservado o modelo tradicional de controle
de constitucionalidade “incidental” ou “difuso”, é certo que a adoção de outros instrumentos,
como o mandado de injunção, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, o mandado
de segurança coletivo e, sobretudo, a ação direta de inconstitucionalidade, conferiu um novo
perfil ao nosso sistema de controle de constitucionalidade.
Debate sobre quem deve ser o guardião da constituição?
Para Schimdt o guardião da constituição deveria ser o líder, o presidente do império.
Para Kelsen o guardião seria um tribunal que não pertenceria ao poder judiciário. Há uma tese
que diz que o supremo não faz parte dos três poderes, porque ele não é propriamente um
tribunal, ele não faz subsunção de normas, ele julga as normas primarias abstratamente. A
ideia que grande parte da doutrina tem é que Kelsen venceu o debate, porque a maioria dos
países ocidentais tem uma corte constitucional. Mas então porque Schimdt ainda é atual?
Porque a jurisdição constitucional é a todo o momento colocado em prova. Quando Schimdt
fala que o tribunal constitucional imaginado por Kelsen levaria consequentemente a um
estado judicialesco (em um sentido pejorativo) ele está certo ou está errado? Schimdt é atual
justamente por ele criticar fortemente essa intervenção excessiva da suprema corte. Pra ele se
é o povo que toma essa decisão, então porque confiar a 11 a dar a ultima palavra sobre um
texto constitucional? O que a gente aproveita de Schimdt são as criticas e não a parte que ele
fala que apenas o presidente deve ser o guardião da constituição.
Os juízes desse tribunal precisam ter as garantias que os outros juízes têm, por isso se
deve chamar essa instituição, segundo Kelsen, de tribunal. Esses homens devem ser
protegidos. O prestar contas dos membros do poder judiciário. Para Kelsen deve haver a
irresponsabilidade dos atos praticados por esses membros. Fala que esse tribunal é politico.
Não é politico porque esta envolvida em negociações, mas politico porque ele não resolveria
causas jurídicas como um tribunal comum. O tribunal confere a compatibilidade de uma
norma com a constituição e justamente por isso ele é politico. Como adjudicar judicialmente
direitos sociais? Ele não se deparou com essas questões. Gunter Dürig foi a primeira pessoa a
falando que certas coisas eram impenhoráveis porque a dignidade assim o exigia. “da essência
ou da natureza da jurisdição constitucional” - se a maioria é quem dita as regras como os reis
ditavam anteriormente, temos que necessariamente limitar o poder da maioria. Proteção
efetiva do tribunal ‘a minoria, contra os ditames da maioria. Kelsen é extremamente pluralista
e garantiste (no sentido que acredita que devem ser garantidos direitos mínimos as minorias).
Kelsen é completamente a favor dessa ideia de tem que haver um órgão externo pra
freia o alvitro do próprio parlamentar e isso é muito importante no caso de minorias. Ele tem
que ser politico, no sentido que ele não é jurídico. Ato normativo primário é todo decreto que
tenta usurpar o papel da lei. Esse decreto sim pode ser objeto de controle de
constitucionalidade. Kelsen falava que o tribunal constitucional não deve limitar seu controle
apenas a lei, mas também a decretos que foram criados sem base em nenhuma lei.
Para Schimitt, a constituição é uma decisão politica, feito pelo povo e ela tem que ser
porosa, ser capaz de absorver os impulsos das sociedades, não pode ser em nenhum momento
um documento estático. Ele acha que o povo tem que ser capaz sim de alterar a constituição.
Porque o presidente? Na Alemanha tem-se um primeiro ministro, que é o chefe da coligação
mais bem votado. Ele defende que ela seja porosa não no sentido que ela tem que passar por
um meio formal de alteração, mas que a constituição não pode parar no tempo. O presidente
seria a pessoa sensível, ele que representa a população, ele que foi eleito e por isso tem o
apoio da maioria do povo, representa uma vontade não de todos, mas uma vontade geral.
Schimdt acaba com a hierarquia constitucional.
Controle abstrato – concreto: Efeitos
Shapiro afirma que o controle americano é, na verdade, abstrato. Porque a importância
das decisões da suprema corte faz com que os juízes tenham que pensar em abstrato nas
questões que estão decidindo. Segunda essa logica, o controle concreto dos EUA teria um alto
viés abstrato, porque ao julgar um caso concreto se preocupariam com as consequências
futuras. Ele diz que não há controle abstrato sem o concreto.
Porque criticar o controle abstrato? Habermas é um critico do processo abstrato. Ele
acha que o processo de normatização se encerra com a aplicação da norma. Não temos um
conflito de normas em abstrato, não há aplicação de normas em abstrato. É só a partir do caso
concreto que conseguimos atribuir significados as normas. É nesse sentido que Segado
também diz que todo o controle abstrato é também concreto. O que eu faço no controle
abstrato é trazer essa realidade pra ele. Isso não necessariamente representa um problema do
controle abstrato. Ao fazer o controle abstrato, eu traria as consequências do caso concreto
para a analise do caso, pode trazer provas, testemunhas que já passaram por essa situação.
Na Argentina, o controle é Concreto. Limitam-se á causa ajuizada e por sua vez
possui um alcance parcial a respeito da norma inconstitucional, ou seja, que não afeta ao resto
das leis que o tribunal possa aplicar simultaneamente.
Na ordem federal Argentina, e tratando-se de um sistema difuso de controle de
constitucionalidade, a declaração judicial de inconstitucionalidade, tem somente efeitos Inter-
partes, é dizer, entre as partes litigantes no processo, dado que o tribunal só tem a potestade
para “não aplicar” o “desaplicar” ao caso a norma que considera inconstitucional, mas de
nenhum jeito a “derroga”, atribuição que compete só aos órgãos legislativos. Por isso, a Corte
Suprema sustem que a declaração de inconstitucionalidade da lei só produza efeitos dentro da
causa e com vinculação á lei e as relações jurídicas que a motivaram.131
Na ordem provincial Argentina, está previsto que a reiteração de inconstitucionalidade
de uma lei em um determinado tempo, produze a derrogação da norma declarada
inconstitucional, em cujo caso, esta segunda declaração tem efeito erga omnes, para todos. 132
Quem pode iniciar a ação?
Na Argentina, até 1983 os tribunais não podiam de oficio, sem planeamento da parte,
declarar a inconstitucionalidade de uma norma ou ato estatal. É dizer, os juízes não podiam
fazer declarações de oficio de inconstitucionalidade, por isso, era fundamental a petição de
partes cujos direitos tinham sido vulnerados y para não afeita o principio da divisão dos
poderes. Mas, depois de 1983, começam a se produzir dissidências entre os juízes do tribunal.
No ano 2001, finalmente, no caso “Mill de Pereyra e outros”, a maioria aceitou a declaração
de inconstitucionalidade de oficio feito por um tribunal, tese que foi confirmada no ano 2004
no caso “Banco Comercial de finanças S.A”. A aceitação de esta apertura deve ser tomada
com prudência, e para casos realmente excepcionais, já que de ordinário, a corte mantem a
necessidades da petição e fundamentação da parte interessada para entrar a considerar a
inconstitucionalidade deduzida em uma causa. 133
Em resumo, em geral só podem iniciar uma declaração de inconstitucionalidade as
partes afeitas num caso, mas em casos excepcionais também podem iniciar a ação os juízes:
por exemplo: o caso de um habeas corpus: os juízes declaram de oficio a
inconstitucionalidade quando a limitação da liberdade ambulatória se leva a cabo por ordem
escrita de uma autoridade que obra de maneira contraía á Constituição Nacional.
131 Haro, Ricardo. “Manual de Derecho Constitucional”. Zavalia. Argentina: Cordoba, 2011. Pag: 137
132 Ferrer, “Manual de Derecho Constitucional”. Argentina, Bs.As: 2010. Pag: 170.
133 Haro, Ricardo. “Manual de Derecho Constitucional”. Zavalia. Argentina: Cordoba, 2011. Pag: 132
De outra Banda, no Brasil, os que podem iniciar as ações ordinárias, ficam no artigo
103 da CN brasileira. Em quanto, nos recursos extraordinários, o reo, o autor, o ministério
publico e o juiz, podem pedir a declaração de a inconstitucionalidade de uma lei.
Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação
declaratória de constitucionalidade:
I - o Presidente da República;
II - a Mesa do Senado Federal;
III - a Mesa da Câmara dos Deputados;
IV - a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do
Distrito Federal; V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal;
VI - o Procurador-Geral da República;
VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
VIII - partido político com representação no Congresso Nacional;
IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
§ 1º - O Procurador-Geral da República deverá ser previamente ouvido
nas ações de inconstitucionalidade e em todos os processos de competência
do Supremo Tribunal Federal.
§ 2º - Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para
tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente
para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão
administrativo, para fazê-lo em trinta dias.
§ 3º - Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a
inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo, citará,
previamente, o Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou texto
impugnado.
Controle: Politico - Jurisdicional - Misto
O reconhecimento da supremacia da Constituição e de sua força vinculante em relação
aos Poderes Públicos torna inevitável a discussão sobre formas e modos de defesa da
Constituição e sobre a necessidade de controle de constitucionalidade dos atos do Poder
Público, especialmente das leis e atos normativos. As formas de controle de
constitucionalidade são as mais diversas:
Quanto ao órgão – quem controla –, pode-se ter:
a) controle político;
b) controle jurisdicional;
c) controle misto.
Cogita-se de controle de constitucionalidade político, que outrora também era
corretamente chamado modelo de controle francês, quando a atividade de controle de
constitucionalidade é exercida por órgão político e não por órgão jurisdicional. Essa
referência ao modelo de controle operado na França como controle estritamente político,
contudo, não parece mais condizente com a realidade dominante vigente naquele país134
.
Ainda se pode dizer corretamente político o controle de constitucionalidade realizado nas
Casas Legislativas, pelas Comissões de Constituição e Justiça ou pelas demais comissões.
Também o veto oposto pelo Executivo a projeto de lei, com fundamento em in-
constitucionalidade da proposição legislativa configura típico exemplo de controle de
constitucionalidade político.
A crítica que Karl Loewenstein faz ao controle politico é que “O Parlamento que
emitiu a lei é o menos apropriado para ser o defensor da Constituição. ninguém pode esperar
que a assembleia se corrigisse a si mesma”.
A constitucionalidade jurisdicional é quando a atividade de controle de
constitucionalidade é exercida pelo órgão judicial e não por órgão politico. É considerado
como o controle que mais favorece a divisão de poderes. Além disso, é uma questão de “puro
direito”. Corresponde ao poder judicial resolver os conflitos entre normas jurídicas, fazendo
prevalecer à supremacia constitucional. 135
Quanto ao modo ou à forma de controle, ele pode ser:
a) incidental; ou
b) principal .
134 Acerca da evolução pela qual passou o modelo de controle de constitucionalidade francês, cf. infra o
item 3.2.
– Notas sobre os modelos jurisdicionais de controle de constitucionalidade.
135 Haro, Ricardo. “Manual de Derecho Constitucional”. Zavalia. Argentina: Cordoba, 2011. Pag: 128.
No controle incidental a inconstitucionalidade é arguida no contexto de um processo
ou ação judicial, em que a questão da inconstitucionalidade configura um incidente, uma
questão prejudicial que deve ser decidida pelo Judiciário. Cogita-se também de
inconstitucionalidade pela via da exceção, uma vez que o objeto da ação não é o exame de
constitucionalidade da lei. No controle incidental de normas a premissa básica desse modelo é
analisar a constitucionalidade da norma no caso concreto. Qual seria o órgão mais adequado
para proceder a defesa da constituição?
O controle principal permite que a questão constitucional seja suscitada
autonomamente em um processo ou ação principal, cujo objeto é a própria
inconstitucionalidade da lei. Em geral, admite-se a utilização de ações diretas de
inconstitucionalidade ou mecanismos de impugnação in abstracto da lei ou ato normativo.
A partir de 1934, no controle incidental criou-se a formula do senado: cabe ao senado
suspender a eficácia da lei. É usada apenas quando o supremo declara a inconstitucionalidade,
se um juiz do primeiro grau decidir não. Diz que o senado não está obrigado e tem o seu
próprio critério para decidir essa eficácia. O ato do senado é uma resolução. Se trata mais um
mecanismo formal de retirada da lei do ordenamento jurídico por uma intervenção especial do
senado. No Brasil, também se verifica nos julgamentos de processos subjetivos de
competência originária do STF. Então é Incidental porque é um incidente no próprio
processo, a inconstitucionalidade não é o objetivo do processo.
Quanto ao momento do controle, ele pode ser:
a) preventivo; e
b) repressivo ou sucessivo.
O controle preventivo efetive-se antes do aperfeiçoamento do ato normativo. Modelo
clássico de controle preventivo é o exercido pelo Conselho Constitucional francês.
Tem-se, por provocação de diversos órgãos, o controle de constitucionalidade de
projetos de lei136
Hodiernamente, defende-se também o controle preventivo de tratados
internacionais, tendo em vista as consequências que podem decorrer da declaração de
inconstitucionalidade137
.
Tanto na Argentina, quanto no Brasil, o controle é misto. No sistema brasileiro, admite-se o
controle judicial preventivo, nos casos de mandado de segurança impetrado por parlamentar
com objetivo de impedir a tramitação de projeto de emenda constitucional lesiva às cláusulas
pétreas (CF, art. 60, § 4º).
Em regra, porém, o modelo judicial é de feição repressiva. Somente se admite, em
princípio, a instauração do processo de controle após a promulgação da lei ou mesmo de sua
entrada em vigor. Na ação direta de inconstitucionalidade exige-se que tenha havido pelo
menos promulgação da lei.
Em geral, associa-se o controle incidental ao modelo difuso, tendo em vista a forma
processual própria desse modelo derivado do sistema americano. Na Argentina, o controle é
difuso, incidental e misto. Existe assim, como principio fundamental, a presunção de
constitucionalidade dos atos estatais. Em principio, deve-se supor que os poderes do Estado
atuam em um todo de acordo com as prescrições da lei Fundamental. Os atos estatais são juris
tantum, é dizer, admitem prova em contrario, embora que se presuma que os poderes do
Estado atuam em um todo. 138
Por outro lado, no Brasil, as leis também gozam de presunção
de constitucionalidade e os atos administrativos, de presunção de legalidade e veracidade.
Existem alguns casos nos que não podem ser julgados pelos juízes já que eles
conhecem SÓ causas judiciais, e não politicas. Os casos proibidos para os juízes pela
constituição Argentina são:
136 Nesse sentido: Joaquim B. Barbosa Gomes, Evolução do controle de constitucionalidade de tipo
francês, Revista de Informação Legislativa, ano 40, n. 158, p. 97 e s., abr./jun. 2003. 137
A propositura da ação direta para aferição da constitucionalidade do decreto legislativo possibilita
que a
ratificação e, portanto, a recepção do tratado na ordem jurídica interna ainda sejam obstadas, de forma
que se apresenta dispensável, pois, qualquer esforço com vistas a conferir caráter preventivo ao controle de
constitucionalidade nessas hipóteses. Cf. Gilmar Ferreira Mendes, Jurisdição constitucional, 5. ed.São Paulo:
Saraiva, 2005, p. 210. 138
Haro, Ricardo. “Manual de Derecho Constitucional”. Zavalia. Argentina: Cordoba, 2011. Pags: 130-
131.
1. Casos em que um litigante questiona la conveniência y oportunidade de
um ato (lei, decreto, etc) ditado por um órgão político supremo exercitando alguma de
suas atribuições constitucionais. El remédio para corrigir os errões que cometam os
órgãos políticos em sua apreciação da conveniência u oportunidade de seus atos, no
deve buscar-se nos tribunais sino nos processos políticos da democracia (crítica
pública través de médios de comunicação massiva, etc).
2. Normas que ditam o Congresso, PE, chefe de Gabinete, CSJN, com
respeito a sua organização interna y funcionamento.
3. As respostas do PE y/o Congresso frente á crises institucionais,
econômicas y sociais. Ej: estado de sitio, intervenção federal. Porém, se o Presidente,
em cumprimento da finalidade de essa medida (pôr término á comoção interior)
ordena cerrar um diário, proíbe una reunião, etc; os juízes podem negar eficácia a
essas medidas se a seu juízo não são razoáveis para o logro de aquela finalidade.139
Formas de requerer a inconstitucionalidade
No Brasil, como tem um controle de constitucionalidade misto, concentrado e difuso,
admite plantear à inconstitucionalidade por duas vias: pelas ações declaratórias de
inconstitucionalidade ou pelo recurso extraordinário.
Na Argentina, de outra banda, como tem um controle de constitucionalidade difuso, na
ordem federal, como ação declarativa de inconstitucionalidade o como exceção, isto é ao
demandar ou ao contestar a demanda em oportunidade de opor exceções (respectivamente).
Porém, no direito publico provincial, existe, e está legislada, por exemplo, em Córdoba, a
chamada ação autónoma de inconstitucionalidade, que pressupõe questionar em um juízo a
inconstitucionalidade de um ato exclusivamente e de um modo direito e não como anexo de
um juízo por outras causas. 140
Na Argentina existem cinco requisitos para poder levar a Corte Suprema uma causa de
um tribunal inferior:
139 Haro, Ricardo. “Manual de Derecho Constitucional”. Zavalia. Argentina: Cordoba, 2011. Pag: 128
140 Ferrer, “Manual de Derecho Constitucional”. Argentina, Bs.As: 2010. Pag: 170.
1. Deve existir um caso concreto: segundo o artigo 116 da CN141
, a
inconstitucionalidade deve ser planteada em um caso concreto, num juizo, já seja que exista
controversia ou não, porque só corresponde a Corte o conhecimento e decisão de causas que é
sinonimo de juizo. Não é possível, pretender a declaração de inconstitucionalidade em
abstrato, quando a lei aun não tem sido aplicada, o sua aplicação não lesionou um bem
jurídico.
2. Existencia de um interesse legitimo: para que exista um juizo deve estar
controvertido o desconocido o interesse legítimo de uma pessoa.
3. Ajuizamento oportuno: a questão constitucional deve ser ajuizada na
primera oportunidade processual a fim de possibilitar a controversia entre as partes com
respeito a esse tema.
4. Não procede a declaração de oficio: a Corte exige que a questão federal, em
principio seja ajuizada pelas partes no proceso.
5. O recurso debe ser fundado: deve demostrar que a questão constitucional
planteada deve ter uma relação direita com os fatos e o direito. 142
Recurso Extraordinário
RECURSO EXTRAORDINARIO NA ARGENTINA
O instrumento processual argentino tendente a fazer efetivo o controle jurisdicional da
constitucionalidade das leis, é o recurso extraordinário receptado pelos artigos: 14,15, e 16 da
lei 48. A isso, tem que se adicionarem os requisitos que por via pretoriana tem elaborado a
Corte Suprema de Justiça da Argentina.
141 Artículo 116.- Corresponde a la Corte Suprema y a los tribunales inferiores de la Nación, el conocimiento y
decisión de todas las causas que versen sobre puntos regidos por la Constitución, y por las leyes de la Nación,
con la reserva hecha en el inciso 12 del Artículo 75 y por los tratados con las naciones extranjeras: de las
causas concernientes a embajadores, ministros públicos y cónsules extranjeros: de las causas de almirantazgo y
jurisdicción marítima: de los asuntos en que la Nación sea parte: de las causas que se susciten entre dos o más
provincias; entre una provincia y los vecinos de otra; entre los vecinos de diferentes provincias; y entre una
provincia o sus vecinos, contra un Estado o ciudadano extranjero 142
Ferrer, “Manual de Derecho Constitucional”. Argentina, Bs.As: 2010. Pag: 169.
1. Os requisitos formais: a maioria surge da primeira parte do artigo 14 da lei 48:
Art. “14. – Una vez radicado un juicio ante los Tribunales de Provincia, será sentenciado y
fenecido en la jurisdicción provincial, y sólo podrá apelarse a la Corte Suprema de las
sentencias definitivas pronunciadas por los tribunales superiores de provincia en los casos
siguientes: ...”
Antes de analizar os requisitos formais, há que lembrar que estamos em presença de
um recurso de inconstitucionalidade onde só se discutem as questões de matéria
constitucional ou federal.
a) Existência de um juízo: o termo juízo, está utilizado em sentido amplo,
como sinônimo de causa. Isto quer dizer, que compreende todos juízos e também
aqueles atos de jurisdição voluntária. Caso que não tenha uma causa nos término do
artigo 116 da CN, não há possibilidade de plantear a inconstitucionalidade porque os
juízes só se pronunciam em casos concretos. Aliás, pode sucede que o congresso
sancione uma lei inconstitucional ou o poder executivo edite um decreto que seja
inconstitucional, mas enquanto sua aplicação não provoque um caso judicial, não terá
jeito de lograr a declaração de inconstitucionalidade, já que em este caso a declaração
se volveria abstrata.
b) Não é uma terceira instancia: o processo pode ir excepcionalmente á
Corte caso que em esse juízo se planteou oportunamente alguma questão judicial. A
corte, não analisa de novo os fatos da causa e o direito aplicado pelos juízes.
c) Sentença definitiva: em principio, o recurso só procede em sentença
definitiva, que são aquela que põem fim ao pleito, sem que exista outro recurso que
possa se articular.
2. Os requisitos materiais:
A segunda parte do artigo 14 da lei 48, resume em três incisos os requisitos materiais,
isto é, sobre quais assuntos pode se articular o recurso:
Inciso 1: “Cuando en el pleito se haya puesto en cuestión la validez de un Tratado, de una ley
del Congreso, o de una autoridad ejercida en nombre de la Nación y la decisión haya sido
contra su validez.”
Se trata de preservar as normas constitucionais que tem supremacia sobre o resto do
direito. Todos os recursos extraordinários que se interpõem para questionar a
inconstitucionalidade das leis do Congresso, devem ser viabilizados por este inciso.
Inciso 2: “Cuando la validez de una ley, decreto o autoridad de Provincia se haya puesto en
cuestión bajo la pretensión de ser repugnante a la Constitución Nacional, a los Tratados o
leyes del Congreso, y la decisión haya sido en favor de la validez de la ley o autoridad de
provincia.”
Aqui, o inciso tenta preservar a preeminência do direito federal encima do direito local
das províncias. Toda vez que questione-se a inconstitucionalidade de uma lei provincial,
menciona-se este inciso.
Inciso 3: “Cuando la inteligencia de alguna cláusula de la Constitución, o de un Tratado o ley
del Congreso, o una comisión ejercida en nombre de la autoridad nacional haya sido
cuestionada y la decisión sea contra la validez del título, derecho; privilegio o exención que
se funda en dicha cláusula y sea materia de litigio.”
Quando se questione a interpretação de uma lei o decreto que acorda o denega
excepciones de impostos nacionais outorgados á radicação de novas indústrias, deverá
interpor-se o recurso fundado neste artigo. 143
Também existe outro requisito que fica no código processual da republica Argentina.
• Não pode ter alegado uma norma em beneficio próprio uma norma para logo
impugnar sua validez por inconstitucional.
Caso Argentina: Recurso extraordinário
Caso “Municipalidade versus Elortondo”:
Em cumprimento da lei de 31 de outubro de 1884, sobre a apertura da Avenida de
Maio, o procurador municipal expropriou uma casa da rua Pero nº 14, pertencente á senhora
Isabel Elortondo. A proprietária articulou que só estava obrigada a vender a parte da sua finca
necessária para a apertura da avenida e não toda a finca.
De tal modo, se o fato de fizer a avenida, autoriza a ocupação da toda a finca, estaria
contrariando claramente o direito constitucional inviolável á propriedade privada. Finalmente,
a Corte decidiu respeitar a Constituição, e o direito á propriedade privada da Isabel Elortondo,
e por primeira vez, derrogou uma lei do Congresso de forma expressa.
Portanto é Elemental em nossa organização constitucional, a atribuição que tem e o
dever que tem os tribunais de justiça, de examinar as leis nos casos concretos que se traem a
143 Ferrer, “Manual de Derecho Constitucional”. Argentina, Bs.As: 2010. Pag: 171-175
sua decisão comparando-as com o texto da constituição para averiguar se guardam ou não
conformidade com esta e não aplicá-las caso encontrem oposição com ela. Constituendo esta
atribuição, uns dos fins supremos e fundamentares do poder judicial e uma das maiores
garantias para assegurar os direitos da Constituição. 144
Na Argentina, existem outros jeitos de declarar a inconstitucionalidade de uma lei,
mas que não são próprios para isso. Em outras palavras, são recursos que não são próprios
para declarar a uma lei inconstitucional, mas eles podem chegar a declará-la em situações
excepcionais.
Eles são três:
RECURSO DE HABEAS CORPUS: é um mecanismo legal destinado a
proteger aos indivíduos em sua liberdade pessoal, a traves de um procedimento muito mais
rápido que o de os processos normais. 145
RECURSO DE HABEAS DATA: Ação para garantir o acesso de uma pessoa a
informações sobre ela que façam parte de arquivos ou bancos de dados de entidades
governamentais ou públicas. Também pode pedir a correção de dados incorretos.
Na Argentina, está tutelado no artigo 43 da Constituição:
“Toda persona podrá interponer esta acción para tomar conocimiento de los datos a
ella referidos y de su finalidad, que consten en registros o bancos de datos públicos, o los
privados destinados a proveer informes, y en caso de falsedad o discriminación, para exigir
la supresión, rectificación, confidencialidad o actualización de aquellos. No podrá afectarse
el secreto de las fuentes de información periodística”
No Brasil, está amparado o HD no artigo 5 inciso XII da Constituição Federal:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-
se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e
das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na
144 Miller, Jonathan M, Gelli, Maria Angelica, Cyuso, Susana. “Constitucion y poder politico”. Ed.
Astrea. Tomo 1, Bs As, 1995.
145 Carrió, Alejandro. “La Corte Suprema y su independência”. Ed. Alberto Perrot. Buenos Aires, 1999.
Pag: 36
forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;
(Vide Lei nº 9.296, de 1996)”
ACCIÓN DE AMPARO: Está regulada na Constituição Federal, primer paragrafo do artigo
43:
“Artículo 43- Toda persona puede interponer acción expedita y rápida de amparo, siempre
que no exista otro medio judicial más idóneo, contra todo acto u omisión de autoridades
públicas o de particulares, que en forma actual o inminente lesione, restrinja, altere o
amenace, con arbitrariedad o ilegalidad manifiesta, derechos y garantías reconocidos por esta
Constitución, un tratado o una ley. En el caso, el juez podrá declarar la inconstitucionalidad
de la norma en que se funde el acto u omisión lesiva.”
A ação de Amparo também se acha regulamentada na lei nº 16.986: .
“Artículo 1º — La acción de amparo será admisible contra todo acto u omisión de autoridad
pública que, en forma actual o inminente, lesione, restrinja, altere o amenace, con
arbitrariedad o ilegalidad manifiesta, los derechos o garantías explícita o implícitamente
reconocidas por la Constitución Nacional, con excepción de la libertad individual tutelada
por el habeas corpus.
Artículo 2º — La acción de amparo no será admisible cuando:
a) Existan recursos o remedios judiciales o administrativos que permitan obtener la
protección del derecho o garantía constitucional de que se trate;
b) El acto impugnado emanara de un órgano del Poder Judicial o haya sido adoptado por
expresa aplicación de la Ley Nº 16970;
c) La intervención judicial comprometiera directa o indirectamente la regularidad,
continuidad y eficacia de la prestación de un servicio público, o el desenvolvimiento de
actividades esenciales del Estado;
d) La determinación de la eventual invalidez del acto requiriese una mayor amplitud de
debate o de prueba o la declaración de inconstitucionalidad de leyes, decretos u ordenanzas;
e) La demanda no hubiese sido presentada dentro de los quince días hábiles a partir de la
fecha en que el acto fue ejecutado o debió producirse.”
O artigo 1, admite a ação de amparo contra todo ato ou omissão de autoridade publica
que, lesione altere, restinga ou ameace, com ilegalidade ou arbitrariedade os direitos ou
garantias reconhecidas na CN (com exceção da liberdade individual já que é tutelada pela
Habeas Corpus).
O caso “Sojo” é um famoso juízo onde um recurso de habeas corpus provocou que se
declare, de forma implícita, uma lei inconstitucional:
A causa de um desenho publicado em um jornal (Don Quijote) o 4 de setembro de
1887, seu redator, Eduardo Sojo, foi colocado em prisão por uma ação ordenada pela câmara
de deputados da Nação, já que tinha sido considerado um desenho “ofensivo”.
Sojo interpôs o recurso de habeas corpus ante a Suprema Corte, sem seguir o
procedimento tradicional de peticionar primeiro ante um juiz. Para efetuar essa apresentação
direita, invocou uma lei do Congresso que de maneira um pouco ambígua atribuía á Corte
Suprema competência direita para intervir. Essa questão tem transcendência por que a
jurisdição originaria da corte, encontra-se no texto da constituição. Ela é quem dize em que
supostos as causas podem tramitar direita e incialmente ante a Corte (estando essa jurisdição
reservada para embaçadores, diplomáticos, ou juízos com outros estados ou entre províncias).
A corte, em dissidência, votou que a constituição devia prevalecer em caso de conflito
entre uma lei e ela. Portanto, disse que não podiam, como pretendia Sojo, ampliar por via
legislativa sua jurisdição originaria.
O fato transcendente foi que a Corte tinha reivindicado, pela primeira vez, sua
potestade para analisar a validez das leis do congresso, sabendo que, na constituição em
nenhuma parte autoriza á Corte Suprema a anular o declarar invalidas as leis do Congresso.
Depois desse caso, a Corte habilitou uma via importantíssima para poder cumprir no
sucessivo com o rol dele de controlador dos atos dos outros poderes. Finalmente, um ano
depois, a Corte declarou pela primeira vez de forma expressa a inconstitucionalidade de uma
lei no caso “Municipalidad c/Elortondo” analisado anteriormente. 146
RECURSO EXTRAORDINARIO NO BRASIL
O Supremo Tribunal Federal, como guardião da Constituição e instância máxima da
jurisdição brasileira, pode ser instigado a resolver demandas por meio da interposição de
recursos nas causas que já foram decididas em última ou única instância por outras cortes, ou
pela propositura de ações constitucionais de sua competência originária.
A Constituição Federal, ao estabelecer a competência originária da Suprema Corte,
estabeleceu uma série de ações e recursos constitucionais que devem ser apreciados pela
Corte Maior.
146 Carrió, Alejandro. “La Corte Suprema y su independência”. Ed. Alberto Perrot. Buenos Aires, 1999.
Pag: 34-35
O recurso extraordinário, instrumento de singular importância no âmbito da jurisdição
constitucional brasileira, tem como finalidade “assegurar: a inteireza positiva: a validade; a
autoridade e a uniformidade de interpretação da Constituição”147
.
No Brasil, o apelo foi concebido como recurso tendente a possibilitar revisão
extraordinária de julgados de última instância, em caso de violação ao direito federal
ordinário ou de ofensa à Constituição. Atualmente, a disciplina geral do instituto está
insculpida no art. 102, III, da Constituição, o qual estabelece que compete ao Supremo
Tribunal Federal julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou
última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo da Constituição; b)
declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo
local contestado em face desta Constituição; e d) julgar válida lei local contestada em face de
lei federal. Registre-se que a única hipótese de cabimento do recurso extraordinário em que a
violação à Constituição não é explícita ocorre quando a decisão recorrida julga válida lei local
contestada em face de lei federal. Entretanto, como é a Constituição Federal que disciplina a
competência legislativa dos entes federativos, o cabimento do extraordinário se justifica pela
não observância das regras constitucionais.
O que se percebeu, entretanto, foi que mesmo a retirada da competência revisional da
aplicação das leis federais pelo Supremo não foi capaz de conter o elevado número de
processos anualmente distribuídos na Corte.
A expressividade do recurso extraordinário no universo da atividade judicante do STF
é gigantesca. Não é por acaso que o sítio do Tribunal dedica uma área à divulgação do volume
de recursos extraordinários e agravos de instrumento distribuídos, destacada de outra em que
são mostradas as participações de cada classe de feito no percentual total de processos.
Em síntese, os agravos de instrumento e os recursos extraordinários têm a mesma
finalidade, qual seja, acionar a jurisdição extraordinária difusa do Supremo Tribunal Federal.
O agravo de instrumento contra a inadmissibilidade de recurso extraordinário é uma
insurgência contra a decisão do tribunal de origem que nega processamento ao apelo extremo,
e sua função precípua é fazer com que este recurso seja levado ao STF.
147 Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, tomo VIII: arts. 539 a 565. Rio de
Janeiro: Forense,
2002, p. 39.
Percebe-se, pois, que o recurso extraordinário pode chegar diretamente ao Supremo,
quando admitido na origem, ou indiretamente, por meio da interposição de agravo de
instrumento. Isso se dá porque o juízo de admissibilidade do recurso extraordinário, para
aferir a presença dos pressupostos recursais, é exercido tanto pelo tribunal a quo como pela
Corte Suprema. Nesse contexto, a Emenda Constitucional n. 45 instituiu a repercussão geral
como forma de resgate da feição do recurso extraordinário como elemento de uniformização,
buscando, com isso, contornar o problema da crise numérica. A repercussão geral, tal qual
está proposta na Lei, deverá ser demonstrada, como preliminar do recurso extraordinário, para
apreciação exclusiva do Supremo Tribunal Federal. Há regra explícita de que será
reconhecida a existência de repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão
contrária à súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, mas ainda
nesses casos deve ser apresentada a preliminar formal como requisito de admissibilidade do
recurso.
Função do Senado Federal
A suspensão da execução pelo Senado Federal do ato declarado inconstitucional pela
Excelsa Corte foi a forma definida pelo constituinte para emprestar eficácia erga omnes às
decisões definitivas sobre inconstitucionalidade nos recursos extraordinários. A aparente
originalidade da fórmula tem dificultado o seu enquadramento dogmático. Discute-se, assim,
sobre os efeitos e natureza da resolução do Senado Federal que declare suspensa a execução
de lei ou ato normativo. Questiona-se, igualmente, sobre o caráter vinculado ou discricionário
do ato praticado pelo Senado e sobre a abrangência das leis estaduais e municipais. Indaga-se,
ainda, sobre a pertinência da suspensão ao pronunciamento de inconstitucionalidade
incidenter tantum, ou sobre a sua aplicação às decisões proferidas em ação direta.
O Writ of Certiorari
Este instituto foi inspirado no direito judicial norte-americano. Ele foi incorporado ao
direito processual argentino pela lei 23.744. O artigo 280 diga que a corte com a invocação
desta norma, poderá rechaçar um recurso extraordinário pela falta de agravo federal suficiente
ou quando as questões planteadas não tenham a suficiente transcendência.
Este instituto tem por objeto solucionar o excesso de recursos planteados na Corte,
sem justificação suficiente e permite assim, que o tribunal segundo sua sana discrição possa
desestimar um recurso sem mais tramite. O Código de Processo Civil Comercial diz:
“Art. 280. - LLamamiento de autos. Rechazo del recurso extraordinario. Memoriales en el
recurso ordinario. Cuando la Corte Suprema conociere por recurso extraordinario, la
recepción de la causa implicará el llamamiento de autos. La Corte, según su sana
discreción, y con la sola invocación de esta norma, podrá rechazar el recurso
extraordinario, por falta de agravio federal suficiente o cuando las cuestiones planteadas
resultaren insustanciales o carentes de trascendencia.
Si se tratare del recurso ordinario del artículo 254, recibido el expediente será puesto en
secretaría, notificándose la providencia que así lo ordene personalmente o por cédula.
El apelante deberá presentar memorial dentro del término de DIEZ (10) días, del que se
dará traslado a la otra parte por el mismo plazo. La falta de presentación del memorial o su
insuficiencia traerá aparejada la deserción del recurso.
Contestado el traslado o transcurrido el plazo para hacerlo se llamará autos.En ningún caso
se admitirá la apertura a prueba ni la alegación de hechos nuevos.”
Per Saltum
Este recurso consiste na atribuição da Corte de avocar-se ao conhecimento de uma
causa radicada em uma instância “saltando” as instancias processuais ordinárias. Assim, por
exemplo, uma causa radicada ante um julgado federal é solicitada e resolvida pela Corte sem
a intervenção da Câmara Federal respectiva.
Como se pode ver, este instituto implica desconhecer as normas processuais que
regulam a jurisdição e competência dos juízes e não está previsto no direito processual
argentino. Constituem uma criação da Corte de excepcional procedência. A primeira vez a
ocorrer foi em 6 de setembro de 1990, na causa
“Dromi, Jose Roberto sem avocação, em autos Fontela Moises c/ Estado Nacional”.
“Artículo 257 bis: Procederá el recurso extraordinario ante la Corte Suprema
prescindiendo del recaudo del tribunal superior, en aquellas causas de competencia federal
en las que se acredite que entrañen cuestiones de notoria gravedad institucional, cuya
solución definitiva y expedita sea necesaria, y que el recurso constituye el único remedio
eficaz para la protección del derecho federal comprometido, a los fines de evitar perjuicios
de imposible o insuficiente reparación ulterior.
Existirá gravedad institucional en aquellas cuestiones sometidas a juicio que excedan el
interés de las partes en la causa, proyectándose sobre el general o público, de modo tal que
por su trascendencia queden comprometidas las instituciones básicas del sistema
republicano de gobierno o los principios y garantías consagrados por la Constitución
Nacional y los Tratados Internacionales por ella incorporados.
La Corte habilitará la instancia con alcances restringidos y de marcada excepcionalidad.
Sólo serán susceptibles del recurso extraordinario por salto de instancia las sentencias
definitivas de primera instancia, las resoluciones equiparables a ellas en sus efectos y
aquellas dictadas a título de medidas cautelares.
No procederá el recurso en causas de materia penal.”
“Artículo 257 ter: El recurso extraordinario por salto de instancia deberá interponerse
directamente ante la Corte Suprema mediante escrito fundado y autónomo, dentro de los
diez (10) días de notificada la resolución impugnada.
La Corte Suprema podrá rechazar el recurso sin más trámite si no se observaren prima facie
los requisitos para su procedencia, en cuyo caso proseguirá la causa según su estado y por
el procedimiento que corresponda. El auto por el cual el Alto Tribunal declare la
admisibilidad del recurso tendrá efectos suspensivos respecto de la resolución recurrida.
Del escrito presentado se dará traslado a las partes interesadas por el plazo de cinco (5)
días notificándolas personalmente o por cédula. Contestado el traslado o vencido el plazo
para hacerlo, la Corte Suprema decidirá sobre la procedencia del recurso. Si lo estimare
necesario para mejor proveer, podrá requerir al Tribunal contra cuya resolución se haya
deducido el mismo, la remisión del expediente en forma urgente.”
Então, o Per Saltum proceder só:
Nas causas de competência federal nas que se acredite que entranhem
questões de notória gravidade institucional, cuja solução definitiva y expedita seja
necessária,
Que o recurso constituem o único remédio eficaz para a protecional do
direito federal comprometido, aos fins de evitar prejuízos de impossível o insuficiente
reparação ulterior.
Existirá gravidade institucional em aquelas questiones sometidas a juízo
que excedam o interesse das partes na causa, projetando-se sobre o general de modo
tal que por sua transcendência quedem comprometidas as instituições básicas do
sistema republicano de governo ou os princípios y garantias consagrados pela
Constituição.
Brasil: Ações direitas de Inconstitucionalidade
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE(ADI)
A Constituição de 1988 reduziu o significado do controle de constitucionalidade
incidental ou difuso, ao ampliar, de forma marcante, a legitimação para propositura da ação
direta de inconstitucionalidade (art. 103), permitindo que muitas controversias constitucionais
relevantes sejam submetidas ao Supremo Tribunal Federal mediante processo de controle
abstrato de normas. A ampla legitimação, a presteza e a celeridade processual do modelo
abstrato, dotado inclusive da possibilidade de suspender imediatamente a eficácia do ato
normativo questionado, mediante pedido de cautelar, fazem com que as grandes questões
constitucionais sejam solvidas, na sua maioria, mediante a utilização da ação direta, típico
instrumento do controle concentrado.
Não se admite, igualmente, a legitimidade de pessoas jurídicas de direito privado, que
reúnam, como membros integrantes, associações de natureza civil e organismos de caráter
sindical, exatamente em decorrência desse hibridismo, porquanto “noção con- ceitual (de
instituições de classe) reclama a participação, nelas, dos próprios individuos integrantes de
determinada categoria, e não apenas das entidades privadas constituídas para representá -
los”148
. Da mesma forma, como regra geral, não se reconhece natureza de entidade de classe
àquelas organizações que, “congregando pessoas jurídicas, apresentam -se como verdadeiras
associações de associações”, uma vez que, nesse caso, faltar -lhes -ia exatamente a qualidade
de entidade de classe149
.
Pertinência Temática
Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal, há de se exigir, também, que o objeto
da ação de inconstitucionalidade guarde relação de pertinência com atividade de
representação da confederação sindical ou da entidade de classe de âmbito nacional150
.
Afigura-se excessiva, portanto, a exigência de que haja uma relação de pertinência entre o
148 ADI 79/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 10 -9 -1989, RDA, 188/144 (146), 1992; ADI 505/DF,
Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 2 -8 -1991, p. 9916; ADI 530/DF, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 22 -11 -1991,
p. 16845; ADI 433/ DF, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 22 -11 1991, p. 16842; ADI 705/SC, Rel. Min. Celso
de Mello, DJ de 6 -4 -1992, p. 4442; ADI 511/DF, Rel. Min. Paulo Brossard, DJ de 15 -5 -1992, p. 6781; ADI
108/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 5 -6 -1992, p. 8426; ADI 704/PR, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 4 -9
-1992, p. 14089; e ADI -AgRg 706/MG, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 4 -9 -1992. 149
12 ADI 79/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 10 -9 -1989, RDA, 188/144 (146), 1992 e ADI
914/DF, Rel. Min.
Sydney Sanches, DJ de 11 -3 -1994.
150 27 Cf. ADI 202/BA, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 2 -4 -1993, p. 5612; ADI 159/PA, Rel.
Min. Octavio Gallotti, DJ de 2 -4 -1993, p. 5611; ADI 893/PR, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 3 -9 -1993, p.
17743. 28 ADI 902, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 22 -4 -1994, p. 8946.
objeto da ação e a atividade de representação da entidade de classe ou da confe- deração
sindical.
A relação de pertinência envolve inequívoca restrição ao direito de propositura, que,
tratando -se de processo de natureza objetiva, dificilmente poderia ser formulada até mesmo
pelo legislador ordinário. A relação de pertinência assemelha -se muito ao estabelecimento de
uma condição de ação – análoga, talvez, ao interesse de agir do processo civil –, que não
decorre dos expressos termos da Constituição e parece ser estranha à natureza do sistema de
fiscalização abstrata de normas. Por isso, a fixação de tal exigência parece ser defesa ao
legislador ordinário federal, no uso de sua competência específica. A jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal tem identificado a necessidade de que o Governador de um Estado
ou a Assembleia Legislativa que impugna ato norma- tivo de outro demonstre a relevância,
isto é, a relação de pertinência da pretensão formu- lada – da pretendida declaração de
inconstitucionalidade da lei.
Direito de propositura dos partidos políticos
O constituinte de 1988 preferiu conceder o direito de propositura da ação direta de
inconstitucionalidade aos partidos políticos com representação no Congresso Nacional, O
Supremo Tribunal Federal entende que, para propor ação direta, suficiente se afigura a
decisão do presidente do partido, dispensando, assim, a intervenção do diretório partidário. A
orientação jurisprudencial encaminhou -se, todavia, no sentido de exigir que a procuração
outorgada pelo órgão partidário conste a lei ou os dispositivos a ser impugnados151
. Caso o
partido perdesse a representação no Congresso Nacional após a propositu ra da ação, o
Tribunal vinha considerando que a ação havia de ser declarada prejudicada, ressalvando -se
apenas a hipótese de já se ter iniciado o julgamento152
.
Objeto
151 ADI 2.552/PR, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 19 -12 -2001
152 Cf. Questão de Ordem suscitada pelo Ministro Sepúlveda Pertence na ADI 2.054/DF, Rel. Min.
Ilmar Galvão, DJ de 9 -4 -2003; e Agravo Regimental nas ADIs 2.202/DF, 2.465/RJ e 2.723/RJ, Rel. Min.
Celso de Mello, DJ de 13 -3 -2003.
Podem ser impugnados por ação direta de inconstitucionalidade, nos termos do art.
102, I, a, primeira parte, da CF, leis ou atos normativos federais ou estaduais. Com isso,
utilizou -se o constituin te de formulação consideravelmente abrangente de todos dos atos
normativos primários da União ou dos Estados (CF/88, art. 102, I, a).
Como regra geral, deve-se conceber que, para fins da propositura da ADIn, devem ser
compreendidos dentre os atos normativos federais e estaduais somente aqueles posteriores à
promulgação da Constituição de 1988. Isto é, os atos pré -constitucionais (sejam eles federais
ou estaduais) não são passíveis de controle por intermédio da ação direta de
inconstitucionalidade.153
Leis e atos normativos federais
Devemos entender como leis e atos normativos federais passíveis de ser objetos de
ação direta de inconstitucionalidade:
1. Disposições da Constituição propriamente ditas.
2. Leis de todas as formas e conteúdos (observada a especificidade dos atos de efeito
concreto), uma vez que o constituinte se vinculou à forma legal. Nesse contexto hão de ser
contempladas as leis formais e materiais:
2.1. as leis formais ou atos normativos federais, dentre outros;
2.2. as medidas provisórias, expedidas pelo Presidente da República em caso de rele-
vância ou urgência, com força de lei. Essas medidas perdem a eficácia se não
aprovadas pelo Congresso Nacional no prazo de sessenta dias, podendo ser prorrogadas uma
única vez, por igual perío do
3. Decreto legislativo que contém a aprovação do Congresso aos tratados e auto- riza o
Presidente da República a ratificá -los em nome do Brasil
4. O decreto do Chefe do Executivo que promulga os tratados e convenções.
153 Cf. Gilmar Ferreira Mendes, Curso de direito constitucional. 8. ed., São Paulo: Saraiva, 2012.Pag:
1118-1119
5. O decreto legislativo do Congresso Nacional que suspende a execução de ato do
Executivo, em virtude de incompatibilidade com a lei regulamentada (CF, art. 49, V)154
.
6. Os atos normativos editados por pessoas jurídicas de direito público criadas pela
União, bem como os regimentos dos Tribunais Superiores, podem ser objeto do con- trole
abstrato de normas se configurado seu caráter autônomo, não meramente ancilar.
7. O decreto legislativo aprovado pelo Congresso Nacional com o escopo de sus- tar
os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites
de delegação legislativa155
8. Também outros atos do Poder Executivo com força normativa, como os parece- res
da Consultoria -Geral da República, devidamente aprovados pelo Presidente da Repú- blica
(Dec. n. 92.889, de 7 -7 -1986)64 ou Decreto que assuma perfil autônomo ou exorbite
*agrantemente do âmbito do Poder Regulamentar65. Observe -se que, se o decreto tiver
natureza secundária, o controle da constitucionalidade, em abstrato, é inviável
9. Resolução do TSE.
10. Súmulas vinculantes do STF também poderão ser objetos de ADI em razão do seu
inequívoco caráter normativo. A jurisprudência do Tribunal recusou, porém, o cabimento de
ADI contra súmula de tribunal com base no argumento de que não seria dotada de força
normativa.
11. Resoluções de tribunais que deferem reajuste de vencimentos156
Nos termos do art. 102, I, a, da Constituição, parâmetro do processo de controle
abstrato de normas é, exclusivamente, a Constituição vigente. A ofensa arguida no controle
concentrado deve ser direta ao texto constitucional; a inconstitucionalidade reflexa, em que a
154 A Constituição de 1988 incorporou disposição da Constituição que outorgava essa atribuição ao
Senado Federal. Tal como reconhecido por Pontes de Miranda, essa competência outorgava ao Senado, ainda
que parcial- mente, poderes de uma Corte Constitucional (cf. Comentários à Constituição da República dos
Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro: Ed. Guanabara, 1936 -37, v. 1, p. 364). Cf., também, ADI 748, Rel.
Min. Celso de Mello, DJ de 6 -11 -1992, p. 20105 -20106.
155 Cf., sobre o assunto, ADI 748, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 6 -11 -1992, p. 20105.
156 ADI 662, Rel. Min. Eros Grau, DJ de 10 -11 -2006.
análise da conformação com o ordenamento exige a prévia análise da legislação
infraconstitucional, não é caso de ação direta157
.
Importante inovação consta do art. 9º, § 1º, da Lei n. 9.868/99, que auto ri za o relator,
após as manifestações do Advogado -Geral da União e do Procurador -Geral da República,
em caso de necessidade de esclarecimento de matéria ou circunstância de fato ou de notória
insuficiência das informações existentes nos autos, requisitar infor- mações adicionais,
designar perito ou comissão de peritos para emitir parecer sobre a questão ou fixar data para,
em audiência pública, ouvir depoimentos e pessoas com experiência e autoridade na matéria.
AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE(ADC)
“Art. 102. (…)
I – (…)
a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação
declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal.
§ 1º A arguição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição,
será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei.
§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações
declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, produzirão eficácia
contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao
Poder Executivo.
Art. 103. (…)
§ 4º A ação declaratória da constitucionalidade poderá ser proposta pelo Presidente da
República, pela Mesa do Senado Federal, pela Mesa da Câmara dos Deputados ou pelo
Procurador -Geral da República”.
Ao lado do direito de propositura da ação declaratória de constitucionalidade – e, aqui,
assinale -se, estamos a falar tão somente da ADC e não da ADI – há de se cogitar também de
uma legitimação para agir in concreto, que se relaciona com a existência de um estado de
incerteza gerado por dúvidas ou controvérsias sobre a legitimidade da lei158
. Há de se
configurar, portanto, situa ção hábil a afetar a presunção de constitucionalidade, que é
apanágio da lei.
157 Cf. ADI 2.862, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 26 -3 -2008, DJE de 9 -5 -2008.
158 Cf. Gilmar Ferreira Mendes, Jurisdição constitucional, 5. ed., São Paulo: Saraiva, 2005.
Embora o texto constitucional não tenha contemplado expressamente esse pressuposto,
é certo que ele é inerente às ações declaratórias, mormente às ações declaratórias de conteúdo
positivo. Assim, não se afigura admissível a propositura de ação declaratória de
constitucionalidade se não houver controvérsia ou dúvida relevante quanto à legitimidade da
norma.
Evidentemente, são múltiplas as formas de manifestação desse estado de incerteza
quanto à legitimidade da norma. A insegurança poderá resultar de pronunciamentos
contraditórios da jurisdição ordinária sobre a constitucionalidade de determinada disposição.
Assim, se a jurisdição ordinária, através de diferentes órgãos, passar a afirmar a
inconstitucionalidade de determinada lei, poderão os órgãos legitimados, se estiverem
convencidos de sua constitucionalidade, provocar o STF para que ponha termo à controvérsia
instaurada. Da mesma forma, pronunciamentos contraditórios de órgãos jurisdicionais
diversos sobre a legitimidade da norma poderão criar o estado de incerteza imprescindível
para a instauração da ação declaratória de constitucionalidade. Embora as decisões judiciais
sejam provocadas ou mesmo estimuladas pelo debate doutrinário, é certo que simples
controvérsia doutrinária não se afigura suficiente para objetivar o estado de incerteza apto a
legitimar a propositura da ação, uma vez que, por si só, ela não obsta à plena aplicação da lei.
Assim, não configurada dúvida ou controvérsia relevante sobre a legitimidade da
norma, o STF não deverá conhecer da ação proposta.159
A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO (ADO)
A adoção de instrumentos especiais, destinados à defesa de direitos subjetivos
constitucionalmente assegurados e à proteção da ordem constitucional contra omissão hábil a
afetar a efetividade de norma constitucional, está a indicar a existência, em muitos casos, de
uma pretensão individual a uma atividade legislativa, emprestando forma jurídica a uma
questão até há pouco tratada tradicionalmente como típica questão política. Tal como a ação
direta de inconstitucionalidade (ADI), o processo de controle abstrato da omissão (ADO) não
tem outro escopo senão o da defesa da ordem funda mental contra condutas com ela
159 Cf. Gilmar Ferreira Mendes, Curso de direito constitucional. 8. ed., São Paulo: Saraiva, 2012. Pag:
1144
incompatíveis. Não se destina, pela própria índole, à proteção de situações individuais ou de
relações subjetivadas, mas visa, precipuamente, à defesa da ordem jurídica. Não se pressupõe,
portanto, aqui, a configuração de um interesse jurídico específico ou de um interesse de agir.
Os órgãos ou entes incumbidos de instaurar esse processo de defesa da ordem jurídica agem
não como autor, no sentido estritamente processual, mas como um Advogado do Interesse
Público ou, para usar a expressão de Kelsen, como um advogado da Constituição.
Objeto desse controle abstrato da inconstitucionalidade é a mera inconstitucionalidade
morosa dos órgãos competentes para a concretização da norma constitucional. A própria
formulação empregada pelo constituinte não deixa dúvida de que se teve em vista aqui não só
a atividade legislativa, mas também a atividade tipicamente administrativa que pudesse, de
alguma maneira, afetar a efetividade de norma constitucional. O texto constitucional outorgou
ao Supremo Tribunal Federal a competência para julgar a ação direta de inconstitucionalidade
de lei ou ato normativo federal ou estadual (art. 102, I, a).160
A REPRESENTAÇÃO INTERVENTIVA
Ação que resulta em intervenção federal na autonomia política dos estados federados,
quando estes violem algum princípio sensível à Constituição Federal. Esses princípios estão
listados no artigo 34, VII, da Constituição, que dizem respeito à forma republicana, ao sistema
representativo e à aplicação do mínimo exigido da receita estadual na manutenção e
desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde. A representação
interventiva também poderá ser invocada no caso da recusa, por parte dos estados, à execução
de lei federal.161
A controvérsia envolve os deveres do Estado -membro quanto à observância dos
princípios constitucionais sensíveis (CF de 1988, art. 34, VII; CF de 1969, arts. 13, I, e 10,
VII) e à aplicação da lei federal (CF de 1988, art. 34, VI; CF de 1967/69, art. 10, VI, 1ªparte).
160 Cf. Gilmar Ferreira Mendes, Curso de direito constitucional. 8. ed., São Paulo: Saraiva, 2012. Pag:
1158
161http://www2.stf.jus.br/portalStfInternacional/cms/verGlossario.php?sigla=portalStfGlossario_pt_br&i
ndice=R&verbete=198250. Pagina consultado o dia 20/11/2013
Essa violação de deveres consiste, fundamentalmente, na edição de atos normativos
infringentes dos princípios federativos previstos no art. 34, VII, da CF de 198825.
Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:
VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:
a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;
b) direitos da pessoa humana;
c) autonomia municipal;
d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta.
e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a
proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços
públicos de saúde.
Partes: Poderá ser proposta apenas pelo Procurador-Geral da República. No pólo
passivo, estão os órgãos estaduais que tenham editado o ato questionado.
Tramitação: O pedido - Na petição inicial, o procurador-geral da República deverá
indicar o princípio constitucional que considerar violado ou os dispositivos da lei federal cuja
aplicação houver sido recusada, bem como a forma pela qual tal violação ou recusa estiver
ocorrendo, além de provas.
ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF)
É um tipo de ação, ajuizada exclusivamente no STF, que tem por objeto evitar ou
reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público. Neste caso, diz-se
que a ADPF é uma ação autônoma. Entretanto, esse tipo de ação também pode ter natureza
equivalente às ADIs, podendo questionar a constitucionalidade de uma norma perante a
Constituição Federal, mas tal norma deve ser municipal ou anterior à Constituição vigente (no
caso, anterior à de 1988). A ADPF é disciplinada pela Lei Federal 9.882/99. Os legitimados
para ajuizá-la são os mesmos da ADI. Não é cabível ADPF quando existir outro tipo de ação
que possa ser proposto.162
162http://www2.stf.jus.br/portalStfInternacional/cms/verGlossario.php?sigla=portalStfGlossario_pt_br&i
ndice=A&verbete=178827. Pagina consultado o dia 20/11/2013
Caso ADPF n. 45/DF
A relevância da decisão está nas observações do rel. Min. Celso de Mello, claramente
indicadoras de que a ADPF seria instrumento idôneo para viabilizar a concretização de
politicas publicas quando, apesar de previstas na Constituição Federal, fossem toral ou
parcialmente descumpridas pelas instancias governamentais destinatárias do comando
constitucional. Assim, o poder judiciário estaria realizando papel garantidor da eficácia e da
integridade de direitos individuais e/ou coletivos, ainda que consagrados em dispositivos de
conteúdo programático. Além disso, admite a possibilidade de controle do veto do Poder
Executivo a projeto de lei aprovado, o que na ADPF (QO)n. 1/RJ foi considerado inviável,
dada a natureza politica do ato. A ementa foi assim lavrada: 163
“Arguição de descumprimento de preceito fundamental. A questão da legitimidade
constitucional do controle e da intervenção do Poder Judiciário em tema de implementação
de politicas publicas, quando configurada quando configurada hipótese de abusividade
governamental. Dimensão política da jurisdição constitucional atribuída ao supremo tribunal
federal. Inoponibilidade do arbítrio estatal à efetivação dos direitos sociais, econômicos e
culturais. Caráter relativo da liberdade de conformação do legislador. Considerações em
torno da cláusula da reserva do possível. Necessidade de preservação, em favor dos
indivíduos, da integridade e da intangibilidade do núcleo consubstanciador do mínimo
existencial. Viabilidade instrumental da arguição de descumprimento no processo de
concretização das liberdades positivas (direitos constitucionais de segunda geração).”
163 Barroso, Luis Roberto. “O controle de Constitucionalidade no direito brasileiro”. Ed. Saraiva, 3era
ed. DF, 2009.
Conclusão
Ao longo do trabalho conclui-se então, comparar os tipos de constitucionalidade de
cada pais, para que logo, cada um, possa segundo sua interpretação analisar qual tipo de
controle de constitucionalidade é melhor para seu pais.
Comparamos não só descrevendo que tipos de controles têm os dois países, o Brasil e
a Argentina, como também os jeitos que têm eles para declarar a uma lei/ato inconstitucional.
Pessoalmente, acho que o melhor tipo de controle de constitucionalidade e DIFUSO.
Já que, alguém vai ter a necessidade de declarar a uma lei inconstitucional no momento em
que se sinta afeitado pela essa lei. Sino, para que tomar o trabalho de fazer um juízo, só por
via das duvidas que algum dia essa lei possa ser considerada inconstitucional? Eu acho sem
muita utilidade, que o objeto de um juízo seja só analisar uma lei. O importante da lei é no
momento em que é posta em pratica.
Por essa razão, acho o modelo difuso (ou americano), que adota a Argentina, o modelo
mais útil e prático de controle de constitucionalidade.
Bibliografia
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Moreira Alves, DJ de 2 -8 -1991, p. 9916; ADI 530/DF, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 22 -11 -1991,
p. 16845; ADI 433/ DF, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 22 -11 1991, p. 16842; ADI 705/SC, Rel. Min.
Celso de Mello, DJ de 6 -4 -1992, p. 4442; ADI 511/DF, Rel. Min. Paulo Brossard, DJ de 15 -5 -1992,
p. 6781; ADI 108/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 5 -6 -1992, p. 8426; ADI 704/PR, Rel. Min.
Carlos Velloso, DJ de 4 -9 -1992, p. 14089; e ADI -AgRg 706/MG, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 4 -
9 -1992.
ADI 202/BA, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 2 -4 -1993, p. 5612; ADI 159/PA, Rel. Min. Octavio Gallotti,
DJ de 2 -4 -1993, p. 5611; ADI 893/PR, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 3 -9 -1993, p. 17743. 28 ADI
902, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 22 -4 -1994, p. 8946.
ADI 2.552/PR, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 19 -12 -2001
Barroso, Luis Roberto. “O controle de Constitucionalidade no direito brasileiro”. Ed. Saraiva, 3era ed. DF, 2009
Carrió, Alejandro. “La Corte Suprema y su independência”. Ed. Alberto Perrot. Buenos Aires, 1999.
Cf. Questão de Ordem suscitada pelo Ministro Sepúlveda Pertence na ADI 2.054/DF, Rel. Min. Ilmar Galvão,
DJ de 9 -4 -2003; e Agravo Regimental nas ADIs 2.202/DF, 2.465/RJ e 2.723/RJ, Rel. Min. Celso de
Mello, DJ de 13 -3 -2003.
Cf. Gilmar Ferreira Mendes, Curso de direito constitucional. 8. ed., São Paulo: Saraiva, 2012.
Cf., sobre o assunto, ADI 748, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 6 -11 -1992, p. 20105.
ADI 662, Rel. Min. Eros Grau, DJ de 10 -11 -2006.
Cf. ADI 2.862, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 26 -3 -2008, DJE de 9 -5 -2008.
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Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, tomo VIII: arts. 539 a 565. Rio de Janeiro:
Forense,2002.
Influência da TV Justiça no STF
I. Introdução
Nesta pesquisa buscamos mostrar a influência da mídia e da população na Suprema
Corte de dois países, Brasil e Estados Unidos, focando mais no efeito que a introdução da TV
Justiça causou no STF Brasileiro. As cortes destes dois países possuem uma exposição à
população completamente diferente. Começando com a dos Estados Unidos, que é um
sistema fechado em que a população tem acesso somente às decisões e não aos argumentos,
os ministros estão na mídia pouquíssimas vezes e quase nunca concedem entrevistas. Já no
Brasil, o oposto ocorre com a já mencionada TV Justiça, que transmite todas as sessões ao
vivo para toda a população brasileira e os ministros estão completamente expostos à
população.
Para fazer este trabalho, estudamos pesquisas conduzidas nos dois países nesta questão
de opinião publica. Iremos olhar as diversas hipóteses que já foram formadas neste quesito, e
também uma pesquisa quantitativa do Supremo Tribunal Federal pré TV Justiça e pós TV
Justiça. Juntando essas diversas pesquisas, tentaremos entender melhor esse fenômeno.
Esta pesquisa será separada em quatro partes diferentes. Primeiramente iremos
analisar os estudos que já foram conduzidos na Suprema Corte Americana e o que indicam
sobre a relação entre a corte e a opinião publica. Em segundo, iremos analisar um estudo
quantitativo sobre o Supremo Tribunal Federal do Brasil pré TV Justiça e pós TV Justiça e o
significado destes. Em terceiro, iremos comparar as diferenças de ambos , suas similaridades
e finalmente a conclusão sobre esta pesquisa.
II. Suprema Corte Americana e a opinião publica
Nos Estados Unidos, já foram feitos inúmeros estudos sobre o tema da Suprema Corte e
opinião publica, que confirmam qualitativamente que existe uma conexão entre a opinião
publica e as decisões feitas pela Suprema Corte Americana. Nesta seção, iremos olhar as
diversas teorias que já foram criadas sobre este tema nos Estados Unidos e analisar estas
teorias apresentadas.
A teoria mais conhecida nos Estados Unidos e mais suportada por cientistas políticos
feita por Barry Friedman. Friedman alega que não só os ministros da Suprema Corte
americana estão cientes da opinião publica e muitas vezes votam de acordo com a vontade da
população já que o poder da Corte depende do suporte publico para se manter um poder
eficaz no governo. Esta teoria pode ser confirmada com a oposição feita pela Suprema Corte
ao New Deal apresentado por Franklin Roosevelt para tirar os Estados Unidos da crise
econômica. Roosevelt contava com o apoio da população americana, e esta oposição feita pela
Suprema Corte a colocou em risco, já que Roosevelt propôs aumentar o numero de ministros
ao tentar nomear juízes que eram favoráveis ao seu plano. A corte com medo de perder sua
independência dos outros poderes do governo acabou passando O New Deal, que acabou
salvando a economia americana. Barry Friedman comenta (2009, p.4); “um acordo tácito foi
alcançado: o povo americano concederia aos justices(ministros) seu poder, desde que a
interpretação da Constituição pela Suprema Corte não ficasse muito longe do que a maioria
das pessoas acreditava que deveria ser.” Nesta frase Friedman sustenta que a Suprema Corte e
a população entram em um acordo que o poder da Corte depende do apoio que a população
lhe da, já que os outros poderes, como o legislativo, têm o poder da carteira e o executivo o
poder militar, o judiciário ficaria a mercê dos outros se não fosse o apoio da população, e
votando contra a vontade publica seria suicídio ao legislativo americano.
Outra teoria tambem suportada nos Estados Unidos é que como a população os
ministros da Suprema corte também estão a mercê da mídia e de suas opiniões, então eles
mesmos são a opinião do público e votam como qualquer outra pessoa votaria usando sua
ideologia, paixões, e razão. Benjamim Cardozo diz em seu livro The Nature of the Judicial
Process (167-68)” As ondas e correntes que engolem o resto dos homens não deixam pessoas
por fora de seu curso e passa por juízes sem afeta-los.” Esta teoria e suportada pelo Chief
Justice Roberts quando foi feita a decisão sobre Obamacare, ele diz; “Membros desta Corte
tem o dever de interpretar a lei, não possuímos a sabedoria nem a experiência para analisar
legislações. Estas decisões estão encarregadas aos lideres da Nação que podem ser tirados do
poder na eleição se a população não concordar com eles. Não é o trabalho desta corte de
proteger asa população das consequências das suas decisões politicas.” Esta frase foi vista
com muita controvérsia pela direita americana que e a minoria no momento, e com bons olhos
pela maioria de esquerda. O Chief Justice Robert simplesmente tirou a responsabilidade de
seus ombros ao colocar o poder da legislação na população e nos políticos eleitos, e votando
em favor do Obamacare, o importante notar e que Roberts foi colocado na Corte pela direita e
normalmente vota de acordo com a direita. Quem Também suporta esta tese e Marcelo
Novelino que diz; “não resulta de uma influência da opinião pública sobre o comportamento
judicial, mas sim dos mesmos eventos e forças que atuam na evolução dos valores sociais e,
portanto, afetam os demais membros da sociedade”.
A ultima hipótese que iremos ilustrar é a do auto interesse, esta tendo características
semelhantes à primeira apresentada sobre a auto preservação do jurídico em buscar
legitimidade da população, a diferença sendo que em vez dos ministros estarem agindo em
interesse da Suprema Corte, eles agem em auto interesse, querendo ser respeitados e
admirados pela população. Esta teoria e levantada por Devins Baum (2010 p.1.580) ele diz;
“Mesmo que alguns Juízes tenham a opinião pública em conta, a Corte como um todo tem
demonstrado uma independência considerável em relação à opinião pública. Em contraste, os
Juízes têm fortes incentivos para manter a sua posição com as plateias de elite que são
salientes para eles. Fundamentalmente, esses incentivos não derivam da preocupação sobre o
suporte para o Tribunal, como instituição, mas a partir da necessidade humana de aprovação
de indivíduos e grupos que são importantes para eles.” Esta teoria e bem mais simplista e
analisa os ministros como indivíduos e não como um conjunto.
Iremos analisar 3 figuras que suportam as teses apresentadas anteriormente. Na
primeira figura veremos o percentual de decisões liberais pela Suprema Corte Americana
entre os anos de 1953 a 2008. Este percentual pode ser encontrado na base de dados da
Suprema Corte Americana e feita por Lee Epstein
Figura 1.Percentual de decisões Liberais 1953-2008
1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010
A Segunda figura mostra os números mais interessantes na pesquisa já que este mede o animo
da população quanto maior o numero mais a população esta liberal nesta época, como pode
ser visto as duas figuras tem padrões similares como o pico nos anos 60 e a recaida nos anos
70 onde o pais se torna mais conservador. Estas figuras não comprovam a existencia da
influência direta, mas sim um indicador que existe uma inter-relação.
Figura 2. Stimsom’s Medida do Animo Popular 1953-2008
1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010
Na ultima figura podemos observar o nível da ideologia dos 3 poderes americanos. Nesta
figura, o mais baixo o numero mais liberal e este poder. Podemos observar o quanto o senado
varia de direita a esquerda de em media de 4 a 6 anos já que é comum nos Estados Unidos a
maioria do Senado mudar a cada eleição. No outro lado podemos observar como a Suprema
Corte e o Presidente são bastante nivelados e isso serve como outro indicador já que o
Presidente quase sempre tem um nível de aceitação muito alto e normalmente segue a opinião
publica, a Suprema Corte se nivelando com ele mostra que ela também esta prestando atenção
a opinião publica. A frese dita pelo Chief Justice Roberts também ilustra o que as figuras
mostram, que a Suprema Corte ira se alinhar com a maioria.
Figura 3. A ideologia dos 3 poderes
1960 1970 1 980 1990 2000 2010
Year
Estas três teorias que analisamos serão comparadas com o Supremo Tribunal Federal e
tentaremos ver se existe uma pressão publica criada pela TV Justiça, que influencia nas
decisões nos Ministro do Supremo.
III. Supremo Tribunal Federal e a TV Justiça
O Supremo Tribunal Federal é um caso a parte de muitas outras cortes superiores do
mundo, começando pela quantia de casos que chegam a esta corte, os números vão de 150-
300 casos que chegam ao Supremo Tribunal Federal diariamente. Mais o que diferencia o
Supremo Tribunal Federal dos restantes e a existência da TV Justiça, um canal de televisão
criado em 11 de Agosto de 2002, com o objetivo de educar a população brasileira sobre as
atividades do Poder Judiciário, tendo diversos programas que explicam de maneira direta a
população o judiciário, mais o mais interessante e o que realmente separa o Brasil dos outros
países e a transmissão ao vivo dos julgamentos do Supremo Tribunal Federal. Com a
transmissão dos julgamentos, criaram uma transparência inexistente anteriormente a
população de qualquer outro pais. O problema que surge com esta transparência a população
pode saber qual é a opinião individual de todos os Ministros, e com isso enormes dificuldades
podem ser criadas. Iremos olhar estas dificuldades em um momento.
Para analisar o efeito da TV Justiça, procurei por pesquisas feitas sobre o tema, que são
praticamente inexistentes. A única que me chamou atenção foi feita por Felipe de Melo Fonte,
em sua pesquisa quantitativa ele analisa o numero de paginas por acórdãos, o numero de
acórdãos por ano, e produção anual por ministros entre os anos de 1990 a 2011. Iremos olhar
todos estes dados em um momento, e aplicar as teorias mencionadas previamente a estes
dados achados.
Na figura 4, podemos ver o numero de paginas dos acórdãos anualmente. Esta figura
mostra uma troca na cultura do Supremo Tribunal Federal imediatamente depois da
introdução da TV Justiça. Antes do ano 2002, temos um numero médio de páginas em torno
de 20 por acordão, mas depois da introdução da Tv Justiça, vemos esse número aumentar
consideravelmente para 30 por acordão e subsequentemente até acima de 40 páginas. Os
motivos por esta troca em cultura podem ser muitos, mais todos tem haver com o público
assistindo. Primeiramente, os Ministros querem detalhar todas as suas razões pelo seu voto,
mesmo que esteja concordando com a maioria, o Ministro sente a necessidade de apontar a
menor divergência que tenha com seus colegas. Outra teoria é que os Ministros querem
detalhar suas decisões para justificar seus votos ao publico como Felipe de Melo Fonte diz “a
TV Justiça modificou a dinâmica dos julgamentos no Plenário e a própria auto compreensão
dos ministros a respeito do papel da Corte. Após o advento da TV Justiça, o que se observa é
uma inequívoca tendência à adoção de votos mais longos. Apenas para registro, dos cinco
maiores acórdãos alusivos às ações diretas julgadas pelo Supremo após a Constituição de
1988, quatro são posteriores à TV Justiça, sendo certo que em dois deles (ADI 3.510 e ADI
4.277, ambas relatadas pelo ministro Ayres Britto) foram discutidas questões morais de alta
indagação.”
Na Figura 5, vemos outros dados que suportam a nossa teoria que a TV Justiça
aumentou a influência no Supremo Tribunal Federal e também mudou sua cultura. O número
de acordão que são publicados por ano diminuiu consideravelmente nos últimos anos, tendo
um pico nos meados de 2002-2003 de 300 acórdãos. Agora este número se encontra abaixo de
100 anualmente, isto porque como nos foi informado pela Sessão de Acórdãos do Supremo
Tribunal Federal os gabinetes de ministros demoram a entregar a decisões porque são
meticulosos na maneira em que a opinião do Ministro e escrita e o tom, de acordo com está
sessão muitos acordão demoram meses e ate anos para serem publicados. A mudança de
cultura é evidente, e também que a TV Justiça é responsável por isso, mais a duvida que
permanece é porque os ministros mudaram com a introdução da TV Justiça, mais infelizmente
com as poucas pesquisas feitas nesta área no Brasil não podemos saber o motivo deste
fenômeno.
Figura 4
Figura 5
Finalmente na Figura 6 vemos a outra diferença mencionada previamente. O número de
casos decididos pelos Ministros anualmente, esses números são extremamente elevados e a
média do ano 2003 a 2011 é de 10,468 casos anualmente. Relacionando esta figura com a
Figura 5 podemos ver que o número de casos decididos cresceu, porém o número de acórdãos
diminui significativamente, então os Ministros estão mais produtivos em suas decisões, porém
não tão eficazes em publicar seus acórdãos que também indica que estão preocupados com a
maneira em que estão se manifestando ao público.
Figura 6
A influência pública cresceu imensamente sobre o Supremo Tribunal Federal
especialmente após A.P. 470, vulgarmente conhecido como Mensalão. De acordo com
Marcelo Novelino, a exposição do Supremo Tribunal Federal aumentou 170% durante o
Mensalão, sento citado 91,839 vezes em veículos de comunicação impressa. Ministros que
previamente andavam nas ruas sem ser reconhecidos pela população, agora suas fotos
estampam as revistas e jornais mais conceituados do Brasil. Essa exposição que estão
sofrendo de um ponto sociológico não pode ser beneficial a suas funções, já que em seus
deveres tem que analisar friamente fatos e depoimentos, e tentar não se comover com as
questões mais humanas de seus casos. No caso do Mensalão que comoveu a nação inteira, em
que todos os Brasileiros viraram juristas do dia pra noite e impossível os ministros não sofrer
com a opinião da população, de sua família e amigos.
Das teorias previamente discutidas todas podem ser aplicadas ao Supremo Tribunal
Federal a primeira da preservação do instituto, muitos podem argumentar que para manter seu
poder e a opinião favorável da população o STF votou a condenar muitas pessoas envolvidas
no Mensalão mesmo sendo criticadas por juristas por as vezes ignorar o direitos dos réus.
Seguidamente na segunda hipótese também pode se argumentar que os próprios ministros
como a população estava cansada da impunidade dos corruptos no Brasil. E finalmente a de
auto interesse de querer mostrar serviço para as pessoas que lhe interessam politicamente.
O Supremo Tribunal Federal é a Corte mais conceituada no Brasil, com o maior índice
de confiança pública. Especialmente depois do Mensalão, este índice só pode ter crescido.
Com esse apoio do publico, o Supremo Tribunal Federal vira o Poder que luta pela população,
especialmente com o baixo índice que o Congresso e a Presidente vive neste momento, com
mais estudos e com mais tempo poderemos ver os efeitos vitalícios da TV Justiça no Supremo
Tribunal Federal e na população.
V. Semelhanças e diferenças
Apesar de possuírem nomes semelhantes e o mesmo papel para cumprir, o Supremo
Tribunal Federal e a Suprema Corte americana são muito diferentes e o seus ministros
também. O justice mais conhecido e com mais controvérsia é Antonin Scalia, conhecido por
sua interpretação original da Constituição americana que antes era a favor da radiodifusão dos
julgamentos, pois imaginava que isso educaria mais a população. Posteriormente ele disse que
tinha trocado de ideia porque acreditava que o distanciamento das instituições e a vontade do
povo seria benéfica, pois este contato diminuiria o respeito. Apesar de existir este
distanciamento e amplamente admitido que a Suprema Corte se alinha com a opinião pública,
os juízes não mencionam a opinião pública em suas decisões por razões teóricas que deve
haver uma separação, mas os dados e pesquisas mostram que ela existe mesmo.
No Brasil, por outro lado, os dados não são tão concretos como nos Estados Unidos, já
que os números de pesquisas sobre o tema são mínimos. Mesmo assim, podemos ver uma
relação entre a opinião publica e as decisões do Supremo, ex-Ministro Carlos Ayres Britto
disse, o juiz não deve “ser refém da sociedade, vassalo da
opinião pública”, mas “deve, sim, auscultar os anseios populares, coletivos, para ver se é
possível formatá-los em decisões técnicas.” Em sua concepção, “quando isso
acontece, o juiz concilia a Justiça com a vida.” (RANGEL, 2012, p. 21) a Justice Sandra Day
O’Connor suporta a tese do Ex-ministro dizendo, “Nós dependemos da confiança do público
na correção dessas decisões. É por isso que temos de estar cientes das opiniões públicas e de
atitudes em direção ao nosso sistema de justiça, e é por isso que devemos tentar manter e
construir esta confiança.” (FRIEDMAN, 2009, p. 371).
Mesmo essas duas Cortes terem culturas e ministros e até constituições diferentes,
podemos encontrar mais semelhanças em opinião e não influencia popular sobre a corte do
que diferenças. As frases do Ex-Ministro Britto e Justice Connor ilustram essa semelhança de
que e necessário incluir a população em suas decisões não como a base de seu voto mais sim
ser mantido em sua consciência e mente quando votar.
VI. Conclusão
Neste texto podemos ver algumas das teorias que são mais usadas nos Estados Unidos
sobre a influência do público na Suprema Corte Americana, também olhamos algumas
pesquisas qualitativas que suportam esta tese. Posteriormente, vimos como estes dados podem
ser aplicados ao Supremo Tribunal Federal e qual a influência da TV Justiça exercida nesta
Corte com possivelmente a única pesquisa qualitativa sobre o tema no Brasil.
Infelizmente, o tema não é tão estudado e pesquisado no Brasil como nos Estados
Unidos, especialmente com a variável inexistente no resto do mundo que é a TV Justiça. O
custo benefício da TV Justiça é difícil de medir, por um lado você tem a transparência e a
confiança que esta passa a população, mais por outro lado torna o sistema mais ineficaz com
as longas deliberações e mais importantemente mostra uma separação e até rixa entre os
Ministros, já que toda a população e o mundo pode assisti-los discutindo acintosamente. Esta
discussão desgasta a imagem da Corte, além de em momentos mostrar a opinião pessoal do
ministro e isto pode demonstrar uma imparcialidade a população. Neste quesito, tenho que
concordar com controverso Justice Antonin Scalia, que esta familiaridade com o Supremo
Tribunal Federal diminui o respeito e mais importantemente dana a imagem do Supremo por
muitas vezes não demonstrar uma imagem unificada da Corte, mais sim 11 indivíduos
votando de acordo com si próprio. Nos Estados Unidos, por outro lado, a decisão é publicada
e mostra a população a divergência dos que opõem a maioria, mas esta publicação é mais sutil
e mais respeitosa do que muitas vezes é visto na TV Justiça.
Esta pesquisa constata a influência que a população exerce entre, não só a Suprema
Corte Americana, mais também no Supremo Tribunal Federal. O nível desta influência varia
de caso a caso, mas também podemos constatar a mudança de cultura que o Supremo Tribunal
Federal sofreu com a implementação da TV Justiça.
Se esta mudança foi positiva ou negativa só o tempo dirá. Faltam estudos sobre a
opinião publica, sobre o Supremo Tribunal Federal, sobre os Ministros individualmente, e
finalmente sobre a TV Justiça. Em uma entrevista concedida em Agosto de 2012 à Conjur, o
Ex-ministro Moreira Alves sumariza a opinião desta pesquisa quando perguntado se as
dinâmicas da Corte mudaram ele responde, “Sim. A começar por decorrência da própria
televisão. Os julgamentos se prolongaram pela extensão dos votos. Na minha época, eram
menores. Hoje falam para aparecer mais na televisão”, concluindo “Fui contra o
televisionamento justamente para não dar a impressão de que a corte é uma arena de
discussões, até acaloradas, dando o ensejo, aos que não têm trato com a Justiça, que elas são
contrárias à postura da magistratura.”
Esperamos que com o julgamento da A.P. 470, o Supremo Tribunal Federal desperte a
atenção dos estudiosos brasileiros. Mais dados poderão ser colhidos, a fim de se descobrir
como o Supremo possa funcionar em sua capacidade máxima.
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