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Programa Teixeira de Freitas

2º/2013

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ÍNDICE

6º SEMINÁRIO TEIXEIRA DE FREITAS

Experiências comparadas sobre o direito à moradia e as

políticas habitacionais no Brasil e no Chile 4

Reflexões a partir da Arguição de Descumprimento de

Preceito Fundamental 54 14

Chile e Brasil: Diferentes tratamentos para as relações

Homoafetivas 36

Povos indígenas na busca da reintegração da sua terra 64

Diferentes tipos de controles para lograr um mesmo fim:

a supremacia da Constituição Nacional 100

Influência da TV Justiça no STF 137

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Daniel Andrés Neira Cabello

EXPERIÊNCIAS COMPARADAS SOBRE O DIREITO À MORADIA E AS

POLÍTICAS HABITACIONAIS NO BRASIL E NO CHILE

Introdução. 3

Situação brasileira e marco normativo. 4

Considerações internacionais em torno à moradia. 8

Alguns conceitos a ter em conta. 10

Experiência chilena em torno à moradia. 12

Ações sociais prol moradia no Chile. 17

Conclusões. 19

Referencias bibliográfica. 20

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Introdução

Os seres vivos tendem procurar abrigo para se proteger dos perigos que a própria

natureza oferece. Nesse sentido, procura um espaço físico onde passar a noite, onde escapar

do frio, onde se alimentar, onde não se molhar quando chove. Assim, a maioria dos seres

vivos foram evolucionando e tornaram esses espaços locais onde reproduzir-se, onde criar

seus filhos, onde dormir. Assim também o homem foi criando espaços físicos onde ficar, ao

que chamou ao longo do tempo “casa”.

No começo foi uma caverna, uma árvore, uma barraca de folhas naturais. Com

o tempo foi se tornando mais sofisticada até chegar hoje a ser um privilégio cada vez mais

difícil de alcançar. No começo ninguém preocupou-se onde ficava sua caverna, se tinha boa

ubiquação ou se tinha perigos naturais, mas o importante foi ter um local seguro onde ficar

pelas noites, onde escapar dos animais selvagens ou tentar ficar num local onde reunir à

família. Na medida em que o homem foi sendo mais complexo foi precisando ter melhoras em

esses locais: calor, boa terra para cultivar, espaço suficiente para abrigar à família,

privacidade, segurança, luz, agua potável, etc. O transcurso dos anos foi fazendo que as

famílias precisassem de um melhor teto, mas a ideia inicial é a mesma: proteção e dignidade.

Ao falar do direito à moradia temos necessariamente que falar da dignidade da pessoa

humana quem ostenta este direito social, reconhecido pelos Estados e pela Convenção

Americana sobre Direitos Humanos, mais conhecida como “Pacto do San José de Costa

Rica”, consagrada no ano 1969. As Constituições tiveram que passar por mudanças

importantes para reconhecer estes direitos sociais, econômicos e culturais dentro de suas

disposições, indo desde concepções liberais a concepções providenciarias.

Neste sentido, foram logros importantes dos movimentos sociais ao respeito que

lutaram por o reconhecimento constitucional da dignidade da pessoa humana e seu

reconhecimento prático no âmbito do direito à moradia. É assim como as ruas tinham sido o

espaço físico donde foram desenvolvidas as grandes revoluções, mas o incrível é que aí é

onde as pessoas sem moradia vivem hoje, comem e criam seus filhos, obviada sua dignidade,

esquecida sua humanidade.

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Esta pesquisa tenta desentranhar dois importantes movimentos sociais desenvolvidos

no Chile o no Brasil na segunda metade do século XX, em Brasília e em Santiago, a luta pelo

reconhecimento ao direito à moradia e sua prática até hoje.

Conclui este trabalho com as conceições comparativas das experiências dos países

pesquisados, no âmbito legislativo e prático, mas o mais importante desta pesquisa fica na

historia da luta e reivindicações dos povos chilenos e brasileiros.

Situação brasileira e marco normativo.

Tanto o Brasil como Chile tem uma legislação que tinha sido incorporada a seus

ordenamentos jurídicos internos através de instrumentos internacionais ratificados pelos

ambos países, os que hoje tem reconhecido este direito social de uma forma diferente.

No caso do Brasil, a própria Constituição Federal reconhece, no seu Capítulo II

“Dos Direitos Sociais”, no seu artigo 6°, o mesmo direito à moradia, inserido no seu Título II

“Dos Direitos e Garantias Fundamentais”. Além disso, a Constituição de 1988 entrega como

competência à União a instituição de diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive

habitação, saneamento básico e transporte urbano (Art. 21, XX).

Neste sentido, o Brasil tinha tido um desenvolvimento importante no

reconhecimento, seja legislativo, administrativo ou judicial, do direito à moradia como um

direito fundamental e não apenas como uma declaração ou eufemismo jurídico.

Para chegar a este desenvolvimento tiveram que acontecer importantes

mudanças culturais e infelizes episódios de luta social, os que culminaram com diversas leis e

reconhecimentos.

Ao respeito, vamos analisar o caso do Acampamento da Telebrasília, no

Brasília, acontecida nos ao final da década de 1950 até poucos anos atrás.

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“Todos têm o direito a uma moradia digna, e mais, todos têm o direito à

cidade que construíram, e na qual vivem e trabalham”1

A criação da Nova Capital no final da década cinquenta trouxe muitas

mudanças no Brasil. A nova cidade tinha que ser construída desde zero e precisava de muita

mão-de-obra para lograr a genialidade de seus criadores. Esta construção teve muitas positivas

consequências, mas também trouxe alguns problemas que ninguém pede imaginar, donde iam

ficar os trabalhadores durante a construção? Eles tinham que voltar para suas cidades quando

acabassem as obras? Em fim, teriam espaço para eles a nova cidade? Não, não foi assim.

Nasceu assim o Acampamento de Telebrasília, espaço físico donde ficaram os

empregados que construíam a nova Capital que, “como diversos outros acampamentos no

Distrito Federal, foi criado, no final do ano 1956 e início de 1957, para abrigar os operários

empregados das empresas que trabalhariam na construção da nova Capital. Os primeiros

acampamentos foram montados com barracas de lona, com precárias condições de

abastecimento de água e sem qualquer saneamento básico”2.

A complexa situação foi dada pela negativa do Governo Federal de que os

trabalhadores ficassem no Brasília, contradizendo o ideal socialista dos criadores e pensadores

desta cidade. Começaram os trabalhadores a ter consciência sobre a importância de morar na

cidade que eles estavam construindo, que ia ter uma boa situação em matéria como

acessibilidade, trabalho, saúde, educação, transporte. Mas a mesma cidade lhes foi ingrata e

tentou lhes expulsar.

“No ano 1959, o território do Distrito Federal era formado por acampamentos

(Central da Novacap, Candangolândia, Praça dos Três Poderes, Plano Piloto e

outros), núcleos provisórios (Bananal e Bandeirantes), núcleos estáveis (Planaltina,

povoado de Taguatinga e Brazlândia) e a zona rural. As condições de vida dessa

população eram regradas pelo improviso e pela escassez. Eram predominantemente

rústicos os domicílios da Candangolândia, Praça dos Três Poderes, Bananal,

1 VIERA, de Mello Nishlei “Direito à memória e à moradia: realização de direitos humanos pelo

protagonismo social da comunidade do Acampamento da Telebrasília”, Folder de divulgação do vídeo o Direito

de Morar elaborado pelo NAJUDH em novembro de 1994, pp. 47

2 Obra citada, pp 79.

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Taguatinga e zona rural. As instalações dos moradores eram deficientes: o

abastecimento de água com canalização interna atingia apenas 22% dos domicílios,

42% deles não dispunham de instalações sanitárias e 62% não eram servidos de

energia elétrica (Censo Experimental de Brasília, 1959, 72-73). Sob condições tão

adversas, sobreviviam as famílias operárias que, naquele momento, constituíam a

maior parte da população brasiliense”

O projeto inicial não previu espaços onde os construtores puderam morar depois da

inauguração da Capital. E embora a empresa construtora da cidade teve e aplicou estritos

controles da população nos acampamentos, os trabalhadores vinham para ficar na nascente

cidade, onde eles achavam podiam encontrar uma nova qualidade de vida, numa cidade que

prometia novos horizontes e novas oportunidades.

O assombroso desta situação foi que os problemas habitacionais começaram ante da

inauguração mesma da nova Capital no Distrito Federal. Os trabalhadores então já eram mais

de 65 mil e muitos deles sem um teto donde morar de modo digno.

“A luta dos moradores é para o reconhecimento de seus direitos de ficar no

lugar em que construiu sua história, sua identidade. Permanecer no local como

comunidade candanga, construtora da cidade, usufruindo da infra-estrutura social,

econômica, cultural do Plano Piloto”3

A solução para o problema foi criar as “cidades satélites”, e a primeira foi Taguatinga,

que abrigou principalmente aos migrantes do nordeste do Brasil.

“A falta de previsão de espaço para a grande massa de trabalhadores, no

plano original do Brasília, não apenas desmitifica a proposta “socialista” de seus

idealizadores bem como explicita ulteriormente o espírito segregacionista das

politicas adotadas. A cidade que nascera unitária na prancheta de seu criador,

fraturou-se e pulverizou-se em inúmeras cidades-satélites e em “cidades dormitórios”

que se estendem além dos limites do Distrito Federal”4

3 Obra citada, pp. 48.

4 Obra citada, pp. 82.

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Embora que a meados da década de 1980 o Governo implementou uma política de

dignificação do retorno dos trabalhadores-construtores, mas frente à negativa de retornar, teve

que criar estas cidades-satélites para receber estas pessoas.

A luta num começo não foi pela moradia precisamente, mas foi pelo direito de morar

na cidade que eles tinham construído, donde encontraram trabalho e até dignidade, questões

que nas suas cidades não conseguiram encontrar. Foi assim então que a luta tornou-se de

objetivo, já que uma vez instalados aqui no Brasília, o Acampamento da Telebrasília

organizou-se, seus moradores criaram associações para lutar pela dignidade de suas vidas

nesta nova cidade, entendendo que eles tinham este direito, criando o conceito do direito à

moradia para que fosse incluído devidamente no linguaje jurídico e, talvez, incluído também

no ordenamento jurídico brasileiro.

No ano 1985 foi criada a Associação de Moradores do Acampamento da Telebrasília

(AMAT), grupo inicialmente dedicado à repartição de leite. Mas tarde tornou-se um ator

principal na luta contra o GDF quem, desconhecendo as determinações das administrações

anteriores, insistiu na remoção dos povoadores do Acampamento.

Neste sentido então, as ações dos moradores deste acampamento teve como bandeira

da luta não apenas reinvindicações, mas também exigências coletivas que atingiram à

sociedade toda no âmbito de criar condições dignas, neste caso, de moradia. Foi assim como a

AMAT encontrou o sustento necessário para continuar com a luta e lograr com os anos o

cumprimento governamental dos direitos que exigiam. Eles buscaram o reconhecimento de

morar aí mesmo, do que o Governo reconhecera seu direito de morar nesse local, uma local

central, donde ficava seus empregos, cheio das oportunidades que eles vinham a buscar à

nascente Capital do país.

O Governo do Distrito Federal tentou várias ações com diversos argumentos para

expulsar deste local aos moradores do Acampamento da Telebrasília, os que a autora Nishlei

Vieira de Mello5 resume nos seguintes: a terra onde se situa o Acampamento é pública e,

portanto, não poderá ter uso privado; o tombamento do conjunto urbanístico do Brasília é

5 VIERA, de Mello Nishlei “O direito a morar e o direito à memória – um olhar sobre o Acampamento

da Telebrasília”, artigo do livro “Direito à Memória à Moradia, realização de direitos humanos pelo

protagonismo social da comunidade do acampamento da Telebrasília”, Núcleo de Prática Jurídica e Escritório

de Direitos Humanos e Cidadania, Universidade de Brasília, 1998.

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ferido com a presença do Acampamento; que este se situava numa área de relevante interesse

ecológico (ARIE) afrontando leis ambientais; que este assentamento ia contra a disposição

33/89 – DRTA, da Companhia de Agua e Esgoto do Brasília (Caesb) que apresenta críticas à

fixação do Acampamento, assinalando que a população da baixa renda às margens do lago

imporia sérios riscos ambientais e de contaminação da bacia do Paranoá pela

esquistossomose, entre mais outros.

Os argumentos que a mesma autora apresenta são os seguintes: assinala que todas as

terras do Distrito Federal, em sua origem, são públicas. Além disso, no ano 1991 a Lei 161

concedeu definitivamente o direito de morar lá.

Foi assim como a luta tornou-se não apenas pelo direito de ficar lá, acrescentando

também no âmbito da qualidade desta. Os moradores precisaram então não apenas morar, mas

também precisaram “morar bem”. A luta voltou-se às questões cotidianas, como acesso ao

transporte, serviços da saúde, escolas para seus filhos, saneamento básico, luz, água, postos de

correio, etc. A luta dos moradores foi conquistar questões básicas, condições que permitissem

morar bem, não apenas um teto.

Considerações internacionais em torno à moradia.

No Informe de Miloon Kothari6, Relator Especial da ONU para a vivenda

adequada, expõe sobre duas considerações importantes respeito à moradia como direito

fundamental, as que eu quiser destacar.

A primeira delas é sobre as expulsões dos terrenos ocupados por pessoas no

sua desespero ao vir-se numa situação de desamparo. O Relator afirma que “as expulsões

forçosas constituem violação prima facie de um grande número de direitos humanos

internacionalmente reconhecidos e só podem ser levados a cabo em casos excepcionais e em

plena conformidade com o direito internacional relativo aos direitos humanos. Como

consequência das expulsões forçosas frequentemente as pessoas ficam-se sem casa e na

miséria, sem médios de ganhar-se a vida e, na prática, sem um acesso real aos recursos

jurídicos o de outro tipo. As expulsões forçosas com frequência estão relacionadas com dano

6 “Informe del Relator Especial sobre una vivienda adecuada, como parte del derecho a un nivel de

vida adecuado”, Miloon Kothari. Asamblea General de Naciones Unidas, 5 de febrero de 2007

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físico e psicológico às pessoas afetadas, e tem especiais repercussões para as mulheres e as

pessoas que vivem na extrema pobreza, as crianças, os povos indígenas, as minorias e outros

grupos vulneráveis”7.

Sobre esta questão é importante ter em conta a dignidade das pessoas como

seres humanos, elemento essencial e central dos direitos humanos. No caso do Acampamento

da Telebrasília já analisado, intentou-se expulsar muitas vezes pela força pública, viveram

pressão social e até discriminação.

Outro elemento importante na opinião do Relator são as condições que podem

afetar o direito à moradia. Ao respeito afirma que “a falta de acesso à moradia

frequentemente é consequência do impedimento do acesso à terra e aos recursos comuns de

propriedade. Os sistemas não equitativos de propriedade sobre a terra e o fenômeno da falta

de terras gera problemas inter-relacionados que vão desde a moradia inadequada, falta de

possibilidades de ganhar-se a vida, mala saúde, a fome e insegurança alimentaria até a

profunda pobreza”8

A terra também tem que ser considerada, segundo o Relator, “sem um reconhecimento

jurídico adequado dos direitos individuais como coletivos sobre a terra, o direito à moradia

adequada em muitos casos não pode ser exercer eficazmente”. O problema se relaciona

também à falta de alimentação, trabalho, livre determinação, etc. “A garantia do direito à

terra é fundamental para a maioria da população mundial que depende da terra e os

recursos dela para suas vidas e sustento”9 No contexto urbano, diz o Relator Especial,

reconhecer juridicamente direitos sobre as terras pode ser positivo no reconhecimento à

moradia adequada, especialmente para as pessoas carentes.

O Relator da ONU faz um chamado aos governos, os que deverão adotar “medidas,

até o máximo de seus recursos disponíveis, para garantir a igualdade de disfrute do direito a

uma moradia adequada por todos”. No mesmo sentido, o Relator diz que “os Estados

deveriam levar a cabo um exame amplio de estratégias, políticas e programas

7 Informe del Relator Especial, parágrafo 21.

8 Informe do Relator Especial, parágrafo 26.

9 Informe do Relator Especial, parágrafo 29.

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correspondentes com o fim de garantir sua compatibilidade com as normas internacionais

dos direitos humanos”10

.

Na Conferencia Habitat II celebrada no ano 2006 no Istambul, Turquia, os governos se

comprometeram a: velar pela segurança jurídica da tenência e igualdade de acesso a terra para

todas as pessoas; promover o acesso de todos ao agua potável e seu adequado saneamento;

promover amplio acesso ao financiamento para a moradia adequada; implementar medidas de

acessibilidade para pessoas deficientes; aumentar oferta de vivendas acessíveis. No mesmo

sentido, o documento assinalado nessa Conferencia estabeleceu que “os governos tem a

obrigação fundamental de facilitar às pessoas a obtenção duma moradia e de proteger e

melhorar as casas e bairros”11

.

Ao nível teórico, a questão diz relação se os direitos sociais podem ser exigidos pela

população ou são simples declarações políticas. Ainda como um direito social, diz María

Victoria Santana12

, “é tão importante que seu cumprimento ou não cumprimento não pode

ficar na discrição do legislador, o pior, que dependa dos médios financeiros suficientes para

sua efetiva proteção”.

Alguns conceitos a ter em conta.

Para falar deste direito e da discussão em torno à ideia da moradia, vivenda,

habitação ou casa, temos que ter em conta questões de ordem física ou objetivo e questões

subjetivas.

María del Carmen FEIJOÓ13

afirma que “é um consumo grupal vinculado à

organização e composição da unidade doméstica”, o que por tanto es considerado num

núcleo físico donde alberga-se a família, onde mora.

10 Informe do Relator Especial, parágrafo 23 e 29.

11 (Habitat II, pp. 2)

12 Avance jurisprudencial del derecho a la vivienda digna en Colombia”, SANTANA, María Victoria,

Revista Ratio Juris, Vol. 7 n° 15 (julio-diciembre 2012) pp. 37-66, Colombia.

13 FEIJOO, María del Carmen. “Buscando un Techo. Familia y Vivienda Popular”. Centro de Estudios de

Estado y Sociedad (CEDES) – Estudios CEDES; Buenos Aires, Argentina, 1984

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A palavra “hogar” ou “lar” tem um belíssimo significado segundo sua raiz

etimológica. Ela vem do grego “focus” que significava originalmente tanto fogo ou braseiro e

lar. Transcendente posição teve o fogo nas culturas antigas, a que foi traduzida neste conceito.

Lar ou “hogar” no espanhol, significa “sitio donde se incende lume ou clarão”14

, afirmando

que do uso deriva-se “estar sentado junto ao fogo”, em latim “ad focum senderem...”.

Para o Relator, uma vivenda digna tem que ter: “facilidade”.

14 Del COL, José Juan. “Diccionario auxiliar español-latino: para el uso moderno del latín”, Instituto

Superior Juan XXIII, Bahía Blanca, 2007, pp. 535.

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REFLEXÕES A PARTIR DA ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE

PRECEITO FUNDAMENTAL 54

DELIA VALDÉS RIESCO

UNIVERSIDAD ALBERTO HURTADO

SANTIAGO, CHILE.

ÍNDICE

I. Introdução 2

II. Contexto legislativo 3

III. Legislação penal do aborto no Chile: consequências

nas Garantias Fundamentais da mulher 6

IV. ADPF 54 10

V. Conflito institucional: STF como legislador positivo 14

VI. O foco da Igualdade sexual a partir de Reva Siegel 18

VII. Conclusão

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I. INTRODUÇÃO

Tenho que antecipar ao leitor o seguinte fato: atrevo-me a dizer que este projeto de pesquisa é

um dos trabalhos mais atípicos que fiz em meus anos de estudo do Direito. Mas não poderia

ter sido de outra forma. De fato, o trabalho não tem, como normalmente têm as pesquisas,

uma tese a defender.

O interesse imediato gerado pela decisão do Supremo Tribunal Federal em relação ao aborto

de feto anencéfalo e logo descobrir a legislação penal relativa ao aborto no Brasil,

introduziram-me na apaixonante leitura da Arguição de Descumprimento de Preceito

Fundamental 54. Esta leitura despertou em mim curiosidades de diversas índoles, fazendo

com que o trabalho não se enfocasse tão-só em uma análise comparativa da reação penal dos

Estados chileno e brasileiro ao delito do aborto, senão que fosse totalmente ampliado.

Assim, este trabalho é fruto de diversas reflexões a partir de análises jurídicas feitas na

Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54, resolvida pelo Supremo Tribunal

Federal no ano 2012.

Na primeira parte, há uma breve contextualização das legislações pertinentes ao delito de

aborto, tanto do Chile quanto do Brasil. Em uma segunda seção, enfoca-se a atual legislação

chilena, suas razões históricas e sua incidência nos direitos fundamentais da mulher. Como se

verificará, o delito de aborto não se circunscreve unicamente ao aborto de feto anencéfalo,

como se realiza na ADPF em análise, mas será mencionado como tipologia penal genérica.

Na terceira parte, apresenta-se a decisão estruturada e analisada seguinte forma:

a) Voto principal de procedência da ADPF, pelo Ministro Marco Aurélio.

b) Voto de admissibilidade com condições de diagnóstico do Ministro Gilmar

Mendes.

c) Voto de inadmissibilidade do Ministro Lewandowski.

A partir deste último voto abre-se, como quarta seção do trabalho, a discussão dogmática do

controle judicial como conflito institucional com o Poder Legislativo. Apresentam-se os

principais argumentos a favor e contrários ao que Kelsen chama de um Tribunal

Constitucional como Legislador negativo. Serão mencionados os conceitos de controle

judicial, constitucionalismo popular e legislador negativo.

A última parte desta pesquisa, como forma de acabar o trabalho de modo aberto, e não de

maneira conclusiva circunscrita a apenas um tema, menciona uma série de argumentos

desenvolvidos pelo enfoque feminista da Igualdade Reprodutiva, extraído fundamentalmente

do trabalho da professora da Universidade de Yale, Reva B. Siegel, muito relacionado com as

análises das reações estatais ao aborto, não só nos países em estudo como em todo o mundo.

II. CONTEXTO LEGISLATIVO

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O Código penal do Brasil do ano 1940 regula o aborto na sua Parte Especial, Título I e

Capítulo I, dentro dos Crimes Contra a Vida.

Assim, seu artigo 124 declara:

“Art. 124. Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:

Pena – detenção, de um a três anos.

Este artigo contempla duas figuras típicas: O chamado “autoaborto” no qual o autor é a

mulher gestante, e na segunda parte do dispositivo na qual o autor é um terceiro que pratica o

aborto com o consentimento da mulher.

Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:

Pena - reclusão, de três a dez anos.

Este artigo contempla a hipóteses de aborto provocado por terceiro sem o consentimento da

mulher.

Art. 126. Provocar aborto com o consentimento da gestante:

Pena – reclusão de um a quatro anos.

Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze

anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave

ameaça ou violência.

Nesta figura, havendo o consentimento da gestante, fala-se que o crime é duplo. A gestante é

enquadrada no art. 124, ao passo que aquele que executa os atos materiais do aborto incide

nas penas do art. 126, as quais são mais graves do que as do dispositivo anterior15

.

Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em

consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão

corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a

morte.

O artigo transcrito representa uma forma qualificada do aborto, quando os bens jurídicos vida

e saúde individual são afetados.

Art. 128. Não se pune o aborto praticado por médico:

I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

15 DELMANTO, Celso: Código Penal Comentado. 6ª ed. Rio de Janeiro.Renovar,2002, p. 269.

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II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou,

quando incapaz, de seu representante legal.”

Neste artigo, o legislador estabeleceu duas hipóteses de exceção, liberando de pena quando,

sendo praticado por médico, se realize o chamado “aborto necessário” ou “terapêutico (I do

artigo 128) e no caso denominado “aborto sentimental” (caso II do mesmo artigo).

O caso do Chile é diferente.

Em seu Código Penal de 187416

dentro do Título VII, que contempla os “Crímenes y Delitos

Contra el Orden de las Familias, contra La Moralidad Pública y contra La Integridad Sexual”

encontramos como primeiro delito tipificado o de aborto, definido pela doutrina chilena como

interrumpir el estado de preñez mediante la muerte o destrucción del producto de la

concepción. 17

A partir do artigo 342 de nosso Código Penal começa a sua regulação, classificando o delito

pela doutrina da seguinte forma:

a) Cometido por um terceiro

Qualquer

Com violência

Maliciosamente Art. 342 1° dolo direto

Sem malicia Art. 343 dolo eventual, culpa com e sem previsão,

Sem violência

Com consentimento Art.342 N 3° dolo direto

Sem consentimento Art.342 N° 2° dolo direto

Qualificado Art. 345

b) Pela mulher grávida Art. 344

Auto aborto

Por um terceiro com seu consentimento.18

16Adverte se a diferencia de data em relação com o Código Penal do Brasil.

17GARRIDO MONTT, Mario: Derecho Penal Parte Especial. Tomo III. Ed. 2010. p. 105.

18 RETTIG, Mauricio: Delitos en Contra de la Vida.Anotações de aulas. 2012. p. 63.

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A lei chilena não define o aborto e, assim, a jurisprudência o tem interpretado de formas

múltiplas.

A primeira tendência, e mais comum hoje em dia, é combinar o conceito de aborto com o

produto da concepção, portanto, consiste o aborto em matar o feto e, por isso, o objeto

jurídico protegido seria a vida, a vida do nascituro.

A segunda tendência entende que o bem jurídico não é a vida, mas a regularidade do processo

de gravidez, a regularidade na concepção e desenvolvimento do feto. Portanto, abortar não

seria matar o feto, mas interromper o processo natural do desenvolvimento do produto da

concepção, por meio da expulsão do útero do produto da concepção.

Diante desta situação, hoje praticamente todos os professores de direito penal se inclinam em

que o bem jurídico é a vida do feto, a vida do produto da concepção. 19

1. Aborto

Art. 342. El que maliciosamente causare un aborto será castigado:

1° Con la pena de presidio mayor en su grado mínimo, si ejerciere violencia enla persona de

la mujer embarazada.

Conhecido como o aborto “malicioso violento”, um de aqueles feitos por um terceiro

qualquer, sem ser um profissional da saúde. A penalidade é a de detenção de 5 anos e um dia

a 10 anos.

2° Con la de presidio menor en su grado máximo, si, aunque no la ejerza, obrare sin

consentimiento de la mujer.

Conhecido como o “Aborto sin violencia”, que leva a cabo o terceiro na mulher grávida sem

seu consentimento. A penalidade vai de 3 anos e um dia até 5 anos.

3° Con la de presidio menor en su grado medio, si la mujer consintiere.

Este artigo castiga com pena menor o terceiro que pratica o aborto com o consentimento da

mulher. Assim, a penalidade vai de 541 dias até 3 anos.

Art. 343. Será castigado con presidio menor en sus grados mínimo a medio, el que con

violencia ocasionare un aborto, aun cuando no haya tenido propósito de causarlo, con tal que

el estado de embarazo de la mujer sea notorio o le constare al hechor.

19 RETTIG, Mauricio (Obcit.) p. 63.

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Entendido este como “Aborto violento no malicioso”, é aquele praticado por um terceiro

qualquer, contemplando a ação realizada com violência, mas não com o fim malicioso de

provocá-lo. A penalidade vai de 61 dias até 3 anos.

Art. 344. La mujer que causare su aborto o consintiere que otra persona se lo cause, será

castigada con presidio menor en su grado máximo. Si lo hiciere por ocultar su deshonra,

incurrirá en la pena de presidio menor en su grado medio.

A primeira parte deste artigo contempla o chamado “autoaborto” que consiste na pratica

abortiva que a mulher realiza em seu próprio corpo, e o aborto no qual a consente que um

terceiro lho pratique.

Este artigo estabelece uma forma privilegiada de aborto, quando ocorre para ocultar desonra,

caso no qual se reduz a penalidade básica.20

Nesses dois casos, a penalidade vai dos 3 anos e um dia até 5 anos.

Art. 345. El facultativo que, abusando de su oficio, causare el aborto o cooperare a él,

incurrirá respectivamente en las penas señaladas en el artículo 342, aumentadas en un grado.

Têm-se entendido este artigo como parte da classificação do aborto feito por um “terceiro

qualificado” descrito como aquele que o comete abusando de seu oficio um facultativo ou

outra pessoa que se dedica às atividades médicas o paramédicas, por exemplo, um médico ou

enfermeira.21

A pena vai de 61 dias até 3 anos.

Toda a legislação sobre o aborto no Brasil, em que se acharem as hipóteses perto do aborto de

feto anencéfalo, é dizer, feito por funcionário da saúde e com consentimento da gestante, têm

que ser agora relacionada diretamente com o ADPF 54, de efeito “erga omnes”. Assim,

fazendo uma breve análise do tratamento do delito do aborto nos países em questão,

mostrando as diferentes reações penais do Estado à dita prática, atesto a importância da

discussão e do tópico. Não apenas pelo fato de contemplar duas exceções legislativas à

proibição do aborto, mas também a decisão do STF na matéria foi decisiva na motivação pra

meu trabalho.

III. LEGISLAÇÃO PENAL DO ABORTO NO CHILE: SUAS CONSEQUÊNCIAS NAS

GARANTIAS FUNDAMENTAIS DA MULHER.

Para entender a legislação do aborto no caso do Chile, há que se fazer uma leitura de três

corpos normativos.

Nosso Código Penal trata o aborto entre os artigos 342 y 345, e, da sua leitura, da leitura do

artigo 119 do Código Sanitário, e do artigo 19 nº1 parágrafo segundo da Constituição Política

20 RETTIG, Mauricio (Obcit) p.65.

21RETTIG, Mauricio (ob cit.) P.64.

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da República chilena, se depreende que a tendência dogmática de nosso código, é a de sempre

castigar o aborto.

Assim, no Chile a prática do aborto é punida em todas suas formas, sem aceitar hipótese de

exceção, constituindo dessa forma um dos 7 países do mundo nos quais o aborto é ilegal em

qualquer circunstância.22

Mas, isto não foi sempre assim. Uma norma23

imposta pela ditadura de Augusto Pinochet,

pouco antes de entregar o poder, modificou o artigo 119 do Código Sanitário, que desde o ano

1931 permitia no Chile o aborto terapêutico, eliminando a exceção desta prática. Assim,

depois da modificação, o texto assinala que “no podrá ejecutarse ninguna acción cuyo fin sea

provocar el aborto”.

A proibição teve seu origem na Constituição de 1980, que dentro de seus preceitos garantes

dos direitos fundamentais, em seu artigo 19 nº1, parágrafo segundo, estabelece que “La ley

protege la vida del que está por nacer”. No entanto, na redação original desta última norma de

proteção constitucional ao Direito à vida, o Presidente da Comisión de Estudios de la Nueva

Constitución, Enrique Ortúzar Escobar deu uma interpretação não muito restrita da

possibilidade do aborto:

“…en resumen, entiende que se ha querido hacer una diferencia entre el precepto que

consagra el derecho a la vida y la disposición que entrega al legislador el deber de proteger

la vida del que está por nacer. Agrega que, en el primer caso, se trata de consagrar en forma

absoluta el derecho a la vida y, en el segundo, se desea dejar una cierta elasticidad para que

el legislador, en determinados casos, como, por ejemplo, el aborto terapéutico, no considere

constitutivo de delito el hecho del aborto”.24

Ainda que no Chile exista um regime de penalização do aborto a todo evento, as práticas de

aborto provocado são variadas. Algumas são seguras, em que pese ilegais, como as realizadas

por profissionais competentes por meio de aspiração uterina, ou a realização do aborto com

medicamento (misoprostol). Mas ainda subsistem práticas de altos riscos, como o uso de

sonda.25

22Os outros são El Salvador, Honduras, Nicaragua, República Dominicana, Malta e Vaticano.

23 Ley Nº 18.826 de 1989.

24Comisionado Enrique Ortúzar, citado por EVANS DE LA CUADRA, Enrique: Los Derechos Constitucionales, Tomo I.

Editorial Jurídica de Chile,Santiago de Chile, 1986. p. 146.

25CASAS, Lidia y VIVALDI, Lieta: La penalización del aborto como violación a los derechos humanos de las mujeres.

Libro de Derechos Humanos, Capítulo 2, p. 76. Disponível em: http://www.derechoshumanos.udp.cl/wp/wp-

content/uploads/2013/10/libro_DD_HH_capitulo2.pdf. Ultima visita 25 /11/2013.

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Por esta situação, estudos focados na legislação do aborto no Chile demonstram como com a

nossa atual legislação afetam sistemática e violentamente um grande número de garantias

fundamentais das mulheres, muitos desses incorporados à legislação chilena por Tratados

Internacionais26

.

No ano 1998, o Foro Abierto de Salud y Derechos Reproductivos em Chile e o Center for

Reproductive Law and Policy (CRLP) em Nova York coproduziram um informe de

investigação sobre mulheres processadas no Chile por o delito de aborto. As pesquisadoras

nos colocam na frente de 159 mulheres pobres, com pouca escolaridade, empregos de baixa

remuneração, que por tomar a decisão reprodutiva para terminar a gravidez - o mesmo que

tomam 150.000 mulheres chilenas em cada ano - foram punidas com apoio num sistema legal

que falha 400 vezes por dia. Punidas, porque a sua condição de mulheres pobres, a sua

escolaridade, sua relação com mundo do trabalho, afetos, sonhos e do poder, não lhe são

permitido o acesso a outra medidas preventivas ou outros serviços saúde.27

Fazendo uma breve exposição, o grupo de investigadoras dá conta de todos os direitos

reconhecidos internacionalmente em tratados já ratificados pelo Chile que são violados pela

nossa legislação, a qual:

(…) constitutes a violation not only of health-related human rights, but also of other human

rights, such as the right to be free from discrimination based on socioeconomic status, the

right to life, liberty, and security; the right to be free from discrimination based on sex, the

right to reproductive health and family planning, the right to privacy, the right to legal

representation, the right to due process, and the right to be presumed innocent. 28

Um recente estudo feito pela Universidad Diego Portales no Chile menciona, em primeiro

lugar e sem lugar a dúvidas, ser ofendido o direito à igualdade. A Comissão Interamericana

de Direitos Humanos (CIDH) assinala que é vulnerado o direito à igualdade das mulheres

26 Com a reforma da nossa Constituição no ano 2005, o artigo 5º estabelece a obrigação do Estado do Chile de

cumprir e implementar os Tratados Internacionais ratificados por ele. “El ejercicio de la soberanía reconoce

como limitación el respeto a los derechos esenciales que emanan de la naturaleza humana.

Es deber de los órganos del Estado respetar y promover tales derechos, garantizados por esta Constitución, así

como por los tratados internacionales ratificados por Chile y que se encuentren vigentes”

27 Women behind bars: Chile’s Abortion Laws. Publicado por: The Center for Reproductive Law & Policy e Foro

Abierto de Salud y Derechos Reproductivos. P. 4. Disponível em:

http://reproductiverights.org/sites/crr.civicactions.net/files/documents/wbb_part1.pdf. Última visita:

27/11/2013.

28 Ibidem p. 23.

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quando estão expostas a situações de risco que só elas experimentam em virtude da

reprodução, como a negação ao acesso a serviços de saúde reprodutiva.29

De se ter em conta que a ofensa ao direito da igualdade não só se restringe à matéria de

gênero, senão também, fortemente, às condições socioeconômicas das mulheres, tendo em

vista que são normalmente as mulheres mais pobres as que não só tem mais possibilidade de

serem descobertas, senão também que, pelo preço que podem pagar ou a informação à qual

podem obter30

, são mais vulneráveis à prática de um aborto clandestino, colocando mais vezes

a sua vida em perigo.

Em relação a este tema, e arguindo a afetação ao direito a não ser discriminado em razão de

status socioeconômicos, a realidade no Chile é assim: enquanto as mulheres ricas têm os

recursos econômicos para pagar um aborto em clínicas privadas com os médicos especialistas,

as mulheres pobres que se submeterem a procedimentos de alto risco, muitas vezes nas mãos

de pessoas sem treinamento. Quando esses procedimentos acabam em complicações médicas,

as mulheres pobres não têm outra opção a não ser ir para hospitais públicos. A maioria das

mulheres que são processados por terem feito um aborto foram relatados à polícia pela equipe

que atende a mulheres em hospitais públicos.31

É também afetado o direito à vida e à integridade física e psíquica. Assim tem sido resolvido

pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, numa medida provisional a favor de B contra

El Salvador, ordenando esse Estado assegurar a vida e a integridade de uma mulher grávida.32

Neste caso, a vítima, “Beatriz”, padecia um lupus eritematoso discoide33

e um

comprometimento renal produto da mesma enfermidade, que, agravados pela gravidez de um

feto anencefálo, constituíam uma fonte de perigo iminente para sua vida, integridade pessoal e

saúde. Sua única possibilidade, segundo os facultativos médicos, era a finalização da

gestação. Ela não conseguiu aceder a esta possibilidade porque em El Salvador não está

permitido o aborto terapêutico e os tribunais não deram lugar a sua solicitude. 34

29 CIDH, Acceso a servicios de salud materna desde una perspectiva de derechos humanos, OAS/Ser.L/V/II,

Washington DC., 2010, párr. 53.

30CASAS y VIVALDI (Obcit.)p. 113.

31 Ibídem. P. 30.

32 Corte IDH, Medidas provisionales respecto de El Salvador, Asunto B, 29 de Maio de 2013.

33 O lúpus eritematoso é uma enfermidade do sistema auto-imune; é discóide quando afeta ao nível cutâneo o

as mucosas.

34 CASAS y VIVALDI (Obcit.)p. 114.

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Quanto à integridade psíquica, não existe dúvida do abalo psicológico que pode gerar o

prosseguimento da gravidez nos casos de feto anencefálico.35

Desta forma, deixa assentado o

Ministro Marco Aurélio, ao postular que “enquanto, numa gestação normal, são nove meses

de acompanhamento, minuto a minuto, de avanços, coma predominância do amor, em que a

alteração estética é suplantada pela alegre expectativa do nascimento da criança; na

gestação do feto anencéfalo, no mais das vezes, reinam sentimentos mórbidos, de dor, de

angústia, de impotência, de tristeza, de luto, de desespero, dada a certeza do óbito”.36

É afetado o direito a não ser submetido a trato cruel, desumano e degradante. A obrigação de

manter uma gravidez com conhecimento de que o produto do mesmo padece de mal formação

incompatível com a vida extrauterina, constitui um trato cruel e desumano, vedado pelo

Comitê de Direitos Humanos37

.

Por último, o direito à privacidade é fortemente afetado pela legislação atual acerca do aborto

no Chile. O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos afirma: "Ninguém será sujeito

a interferências arbitrárias ou ilegais na sua vida privada, família, domicílio ou

correspondência, nem a ofensas ilegais à sua honra e reputação.” A Constituição chilena,

também diz, no seu artigo 19 nº 4: "Respeito e proteção da vida privada e pública e a honra da

pessoa e da família." 38

Como mencionado acima, a maioria das denuncias contra as mulheres que buscam o aborto

são iniciadas nos hospitais públicos, onde o trabalhador de saúde acusa uma mulher depois

que ela lhes dá informações sobre o seu tratamento médico obrigatório. Este comportamento

por parte dos profissionais médicos viola o direito de muitas mulheres à privacidade e

confidencialidade. 39

IV. ADPF 54

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54 foi uma decisão dada em junho

de 2004, a partir da postulação pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde –

CNTS.

35 Voto do Ministro Luiz Fux. ADPF 54. p. 4.

36 Voto Ministro Marco Aurélio. ADPF 54 p. 32.

37 ONU, Comité de Derechos Humanos, Comunicación K.L. v. Perú, 22 de noviembre de 2005. Aqui, o Comitê

assentou equiparar-se à tortura obrigar uma mulher a levar adiante a gestação de um feto anencéfalo.

38 Artigo 19 nº 4 da Constituição Política da República do Chile.

39 Women Behind Bars (Obcit.). pp. 32-33.

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Foram apontados como envolvidos, os preceitos dos artigos 1º, IV – dignidade da pessoa

humana –, 5º, II – princípio da legalidade, liberdade e autonomia da vontade –, 6º, cabeça, e

196 – direito à saúde –da Carta da República brasileira. Por outro lado, como ato do Poder

Público, causador da lesão, foi apontado o conjunto normativo ensejado pelos artigos 124,

126, cabeça, e 128, incisos I e II, do Código Penal – Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro

de 1940.

A parte Requerente apontou que diversos órgãos investidos do ofício judicante – juízes e

tribunais – vêm extraindo do Código Penal, em detrimento da Constituição Federal, a

proibição de se efetuar a antecipação terapêutica do parto nos casos de fetos anencéfalos,

alegando ser a patologia daquelas que tornam inviável à vida extrauterina e buscou

demonstrar que a antecipação terapêutica do parto não consubstancia aborto, no que este

envolve a vida extrauterina em potencial.

A partir deste contexto, no ano de 2012 foi julgada a ADPF. Sua riqueza argumental jurídica

é indubitável, e foi essa a principal razão que me levou a fazer uma analise tão ampla dela.

Desta forma, no que ao Acórdão proferido na ADPF 54 se refere, nos resumiremos à estrutura

da decisão quanto às temáticas referidas.40

Assim, a estrutura é a seguinte:

a) Voto principal e vencedor: Procedência do ADPF, Ministro Relator Marco

Aurélio.

No estudo da Arguição em análise, os principais tópicos desenvolvidos pelo Ministro relator

tratam sobre saber se a tipificação penal da interrupção da gravidez de feto anencéfalo

coaduna-se com a Constituição, notadamente com os preceitos que garantem o Estado laico, a

dignidade da pessoa humana, o direito à vida e a proteção da autonomia, da liberdade, da

privacidade e da saúde.41

No entanto, não vamos nos deter neste ponto, senão que só vão ser mencionados alguns

tópicos dentro dos principais enunciados por ele ao começo do seu voto, como o tópico do

Estado laico e - o que eu achei um dos principais argumentos - análogos que levou finalmente

a tomar a decisão de procedência.

Desta forma, em relação ao primeiro ponto, ao ser uma estudante pertencente a un país latino-

americano permeado por um conservadorismo católico plasmado em grande parte das suas

legislações, nas quais a ética está fortemente comprometida, o tópico desenvolvido sobre a

condição laica do Estado não conseguiu deixar de chamar minha atenção.

40 Agradeço enormemente pela idéia aclaradora para o análise do ADPF baixo esta estrutura à Assessora do

Gabinete da Ministra Carmen Lúcia, Silvia Gusmao.

41 Voto Ministro Marco Aurélio ADPF 54 p. 3.

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O Ministro declara que o Brasil é um Estado secular tolerante, em razão dos artigos 19, inciso

I, e 5º, inciso VI, da Constituição da República. Deuses e césares têm espaços apartados. O

Estado não é religioso, tampouco é ateu. O Estado é simplesmente neutro42

. Para ele, o Estado

laico e a liberdade religiosa significam que as religiões não guiarão o tratamento estatal

dispensado a outros direitos fundamentais43

, e uma afirmação bastante razoável em torno a

esta idéia foi que as ações de cunho meramente imorais não merecem a glosa do Direito

Penal.44

Fazendo uma espécie de interpretação por analogia, quanto à penalidade do aborto de feto

anencéfalo coloca ênfases no fato de que estão tratando do mesmo legislador que, para

proteger a honra e a saúde mental ou psíquica da mulher (...) estabeleceu como impunível o

aborto provocado em gestação oriunda de estupro, quando o feto é plenamente

viável.45

Citando mais adiante a sua própria jurisprudência, afirma que:

“a potencialidade de algo para se tornar pessoa humana já é meritória o bastante para

acobertá-la, infraconstitucionalmente, contra tentativas levianas ou frívolas de obstar sua

natural continuidade fisiológica”. Ora, inexistindo potencialidade para tornar-se pessoa

humana, não surge justificativa para a tutela jurídico-penal, com maior razão quando

eventual tutela esbarra em direitos fundamentais da mulher, como se verá adiante.

Em quanto à afetação às garantias fundamentais por ele mencionadas, ao já serem

relativamente tratadas no analises chileno, passemos à seguinte parte da estrutura.

b) Procedência com condições de diagnósticos: Ministro Gilmar Mendes.

Para este trabalho, em relação à procedência com condições de diagnósticos, nosso foco foi

dado ao voto do Ministro Gilmar Mendes, quem desenvolveu de maneira completa a decisão

com efeitos aditivos.

Baseando-se no direito comparado, menciona que a Corte Costituzionale italiana bem

demonstra que, em certos casos, o recurso às decisões interpretativas com efeitos

modificativos ou corretivos da norma constitui a única solução viável para que a Corte

Constitucional enfrente a inconstitucionalidade existente no caso concreto46

42 Voto Ministro Marco Aurélio ADPF 54 p. 8.

43 Voto Ministro Marco Aurélio ADPF 54 p. 12.

44 Voto Ministro Marco Aurélio ADPF 54 p. 38.

45 Voto Ministro Marco Aurélio ADPF 54 p. 25.

46 Voto Ministro Gilmar Mendes. ADPF 54 p. 29.

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Citando a dita Corte como forma de sustentar uma futura decisão interpretativa com

modalidades atípicas, transcreve o vivenciado na realidade italiana47

, destacando que não

seria incorreto considerar a possibilidade de que, também entre nós, o Supremo Tribunal

Federal(...), venha a prolatar uma decisão com efeitos aditivos para admitir que, além do

aborto necessário (quando não há outro meio de salvar a vida da gestante) e do aborto no

caso de gravidez resultante de estupro, não se deve punir o aborto praticado por médico, com

o consentimento da gestante, se o feto padece de anencefalia48

.

Assim, o Ministro, à medida que vai chegando ao fim de seu voto, vai dando conta da sua

tendência a por em prática o que Brague Camazano relaciona às modalidades atípicas de

sentenças de constitucionalidade, com uma ou outra denominação e com algumas

particularidades.

Desta forma, o Ministro concluiu no sentido da procedência do ADPF, não só detendo-se na

mera declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade na norma se não que

resolveu que:

(...) para dar interpretação conforme a Constituição, com efeitos aditivos, ao art. 128 do

Código Penal, para estabelecer que, além do aborto necessário (...) e do aborto no caso de

gravidez resultante de estupro, “não se pune o aborto praticado por médico, com o

consentimento da gestante, se o feto padece de anencefalia comprovada por junta médica

competente, conforme normas e procedimentos a serem estabelecidos no âmbito do Sistema

Único de Saúde (SUS)”.

c) Improcedência: Ministro Ricardo Lewandowski e a doutrina do legislador negativo.

Não só o Ministro Lewandowski votou pela improcedência da Arguição apresentada pela

Confederação Nacional de Trabalhadores da Saúde, mas também o Ministro Cesar Peluzo.

Não entanto, neste trabalho, vou me deter nos argumentos esgrimidos pelo primeiro dos

Ministros, para logo entrar ao outro tema a ser desenvolvido no trabalho: o debate do conflito

institucional.

47 Discutia-se no caso citado, a inconstitucionalidade do art. 546 do Código Penal italiano, na parte em que

punia quem praticava o aborto em hipóteses nas quais, embora não estivesse a mãe sob perigo atual de morte

configurador do estado de necessidade, a gravidez fosse atestada comprometedora do bem-estar físico e do

equilíbrio psíquico da gestante. E resolveu no sentido de declarar a inconstitucionalidade do dispositivo penal

atacado, “na parte em que não prevê que a gravidez possa ser interrompida quando a continuação da gestação

implique dano, ou perigo, grave, atestado por médico, para a saúde da mãe”. Voto Ministro Gilmar Mendes

ADPF 54 p. 35-36.

48 Voto Ministro Gilmar Mendes ADPF 54 p. 36.

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Citando a Paulo Bonavides, o Ministro, ao tratar dos limites da Interpretação conforme a

Constituição em “que o juiz, em presença de uma lei cujo texto e sentido sejam claros e

inequívocos, não deve nunca dar-lhe sentido oposto, mediante o emprego do método de

interpretação conforme à Constituição”. Logo depois acrescenta: “não deve por consequência

esse método servir para alterar conteúdos normativos, pois ‘isso é tarefa do legislador e não

do tribunal constitucional’.” 49

Assim começa a ideia que vai sustentar o seu voto de inadmissibilidade: o Supremo Tribunal

Federal, à semelhança do que ocorre com as demais Cortes Constitucionais, só pode exercer o

papel de legislador negativo, cabendo-lhe a relevante – e por si só avassaladora - função de

extirpar do ordenamento jurídico as normas incompatíveis com o Texto Magno.

Assim, conclui que “não é lícito ao mais alto órgão judicante do País, a pretexto de

empreender interpretação conforme a Constituição, envergar as vestes de legislador positivo,

criando normas legais, ex novo, mediante decisão pretoriana”50

.

V. CONFLITO INSTITUCIONAL

Na raiz da decisão do Supremo Tribunal Federal de admitir como exceção à

tipicidade/punibilidade ao aborto cometido nos casos de fetos anencefálicos, o debate

institucional surge, consistindo uma decisão que está no limite: matéria legislativa o

jurisprudencial?

Surge assim uma das discussões permanentes no mundo do Direito, que é saber qual o

conflito que pode gerar na democracia o controle judicial constitucional, e também a pergunta

do papel do juiz na sociedade, fortemente relacionado com o grande tópico de Direito e os

câmbios sociais.

Tanto o Chile quanto o Brasil têm, já há um tempo, projetos de lei nos Congressos que

procuram, de alguma forma, legislar as situações de feto anencefálico – e, no caso do Chile,

também o aborto terapêutico. Cientes da demora dos processos legislativos quando não

colocados sob o regime de urgência, o estancamento que muitas vezes se produz, e também as

dificuldades impostas a certos processos legislativos de reforma fazem, com frequência, a

relação entre o Direito e a sociedade restarem desarmônicas. É dizer, muitas vezes, o Direito

não consegue ir ao mesmo ritmo das novas demandas da sociedade. É assim que, na minha

visão, o controle judicial pode ser uma boa ferramenta para conseguir essa consonância entre

o que a sociedade espera e o que o Direito tem que responder a essas demandas.

Poderia assim, no caso do Chile, o “legislador negativo” Tribunal Constitucional passar a

legislar sobre matérias da índole aqui analisada?51

Talvez uma mudança da discussão a outra

49BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 24ª ed. São Paulo. Malheiros, 2009, p. 519.

50 Voto Ministro Lewandowski ADPF 54 p. 8.

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instituição poderia conseguir algum resultado, como aconteceu aqui. A urgência por um

tratamento nesta matéria e extraível inclusive da decisão em análise, quando aparece que o

Brasil é o quarto país no mundo em casos de fetos anencéfalos. Fica atrás do Chile, México e

Paraguai52

.

O conflito institucional e a legitimidade democrática já é um tópico instalado no Brasil

atualmente, também, com a PEC 33/1153

, que pretende alterar a quantidade mínima de votos

de membros de tribunais para declaração de inconstitucionalidade, de leis, condiciona o efeito

vinculante das súmulas aprovadas pelo STF à aprovação pelo Poder Legislativo e submete ao

Congresso Nacional a decisão sobre a inconstitucionalidade de Emendas à Constituição.

A questão interessante da PEC 33/11 é que da para ser interpretada em dois sentidos

contrapostos, que contribuem ao debate do conflito institucional entre o poder Legislativo e

Judiciário.

Assim, sua origem foi provocada justamente para restaurar o equilíbrio entre os poderes. Seus

principais motivos poderiam resumir se nos seguintes: i) o ativismo judicial praticado pelo

STF desloca questões relevantes do Legislativo para o Judiciário, de modo que tal conduta

carece de legitimidade democrática, violando a separação dos poderes e a soberania

popular; ii) o STF vem atuando como legislador positivo, extrapolando sua competência

constitucional; iii) a súmula vinculante tornou-se um instrumento inconstitucional tendo em

vista que possui “força de lei”, permitindo que o STF sobreponha de oficio a competência

delegada ao Congresso.54

51 Ao se tratar de matéria penal, O Ministro Gilmar Mendes destaca a pouca pacificação que existe. É certo que

a incidência de decisões com efeitos aditivos em matéria criminal não está livre de críticas. Parece sensato

assumir todas as cautelas quando se trata de produzir decisões manipulativas sobre normas de caráter penal,

tendo em vista os princípios da legalidade (e reserva de lei e reserva de Parlamento) e da tipicidade (cerrada)

penal. A sentença aditiva in malam partem é extremamente reprovável, todavia, se proferida in bonam partem,

abre-se uma brecha explorável para a prolação de decisão manipulativa que tenha efeito restritivo da norma

penal, não ofensiva ao postulado da reserva de lei.Voto Ministro Gilmar Mendes ADPF p. 33.

52 Extraído do Voto do Ministro Marco Aurélio ADPF 54. p. 32.

53 Para olhar o inteiro teor da PEC 33/2011, veja:

http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=876817&filename=PEC+33/2011.

Ultima visita 22/11/2013.

54 MALUF CHAVES, André Luiz: PEC nº33/11: conflito institucional e legitimidade democrática. Disponível em:

http://jus.com.br/artigos/24953/pec-n-33-11-conflito-institucional-e-legitimidade-democratica#ixzz2lrFDmyzk.

Ultima visita 21/11/2013.

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Da mesma forma, o deputado federal Nazareno Fontaneles, autor da PEC em análise, fala da

“fome de legislar” do STF e da sua violação da clausula pétrea do voto direto e universal que

legitima o Congresso Nacional como representante do povo, ao supostamente invadir sua

competência de legislar 55

.

São identificadas como problemas principais a judicialização das relações sociais e o ativismo

judicial. Mas, ante esta situação, o Procurador Geral do Estado de São Paulo, Elival da Silva

Ramos, propõe soluções diversas, como aumentar o numero de Ministros, como nas forças

constitucionais da Europa, que têm 15, 16 juízes, e a variedade de origens de escolhas dos

Ministros, como do Presidente, da sociedade civil e mesmo do Congresso Nacional.

Agora bem, o atrativo é que a mesma proposta da PEC 33/11, faz surgir argumentos que

declaram a que ela trata-se da maior tentativa de interferência na independência dos três

poderes desde a redemocratização do Brasil56

.

Doutrinariamente, muito se tem falado do conflito institucional, do controle judiciário e as

repercussões na democracia e soberania popular. Existem autores a favor e contrários ao

controle judiciário das leis, constituindo-se assim um debate interessante e desenvolvido em

todo o mundo jurídico.

Por um lado, entre um dos contrários ao controle judiciário, poderiam ser identificados

aqueles que defendem a ideia de um “Constitucionalismo popular”, entendido por

Larry·Kramer como um sistema no qual o povo assume o “controle ativo e constante sobre a

interpretação e aplicação do Direito Constitucional”. O autor identifica como inimigos do

constitucionalismo popular a “Supremacia Judicial”, ou seja, a ideia de que “os juízes tem a

última palavra na interpretação constitucional e que suas decisões determinam o significado

da Constituição para todos”.57

Arguindo contra desta última tese, seria interessante esgrimir a ideia de que quando os

cidadãos votam por um presidente, é porque consideram que vai nomear Ministros no

Supremo Tribunal Federal que expressarão as próprias perspectivas sobre a Constituição que

55http://www.usp.br/aun/exibir.php?id=5124 ultima visita 13/11/2013;

56 TIBÚRCIO, Henrique: PEC 33 afronta a Constituição. Disponível em:

http://www.oab.org.br/noticia/25549/artigo-pec-33-afronta-a-constituicao. última visita: 21/11/2013.

57POST, Robert & SIEGEL, Reva: Constitucionalismo popular, departamentalismo y supremacía judicial.

Disponível em: http://es.scribd.com/doc/156147695/Post-Siegel-Constitucionalismo-Popular. Ultima vista em

19 Novembro.

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têm os cidadãos, e desta forma, transmitem a legitimidade democrática da soberania popular

às futuras decisões tomadas pela Corte.58

Tal como vimos, o Ministro do STF, R. Lewandowski sustentou uma ideia diretamente

relacionada com esta postura, ao dizer que “não é dado aos integrantes do poder Judiciário,

que carecem da unção legitimadora do voto popular, promover inovações no ordenamento

normativo como se parlamentares eleitos fossem”.59

Assim também, para Roberto Gargarella, o caráter contra-majoritário do poder judiciário é um

tópico a ser tratado quando de Justiça Constitucional se trate. Desta forma fala,

desacreditando:

“Como pode ser que em uma sociedade democrática, a rama do poder com credenciais

democráticas mais fracas, o poder judiciário fique com a “última palavra” institucional, e

possa assim dizer, de forma “final”, as controvérsias públicas mais importantes”. 60

A título de exemplo, os países que têm proibido invalidar a legislação por controle judicial, o

controle é feito por meio de processos legislativos ordinários. Os que estão a favor deste tipo

de revisão, citam as deliberações feitas na Inglaterra nos anos 1960, em que foram eleitos

representantes para deliberar e estabelecer o assunto por meio de votações no seio do próprio

legislativo, debatendo a liberalização da lei de aborto, a legalização da conduta homoafetiva

em adultos, e abolição da pena de morte. Afirmam que a qualidade desses debates (...) fazem

não ter sentido a ideia de que os legisladores são incapazes de dirigir estas questões

responsavelmente.61

Por outro lado, quem argumenta a favor do controle judiciário, defende a ideia do Juiz

Constitucional como legislador positivo, a viabilizar decisões com efeitos modificativos, etc.

Assim, na decisão analisada, o Ministro Gilmar Mendes, tal como vimos mais acima, foi um

ferrenho defensor das decisões interpretativas com efeitos modificativos, apoiando desta

forma o rompimento da tese de legislador negativo de Kelsen.

Diversamente, poder-se dizer que o STF agiu como legislador positivo ao estabelecer, na

parte final de sua decisão, uma verdadeira reforma ao artigo 128 do Código Penal. Agregou,

58POST, Robert &SIEGEL, Reva: Constitucionalismo popular, departamentalismo y supremacía judicial.

Disponível em: http://es.scribd.com/doc/156147695/Post-Siegel-Constitucionalismo-Popular. ultima vista em

19 Novembro.

59 Voto Ministro Lewandowski ADPF 54 p. 8

60GARGARELLA, Roberto: La justicia frente al gobierno: sobre el carácter contramayoritario del poder judicial.

Quito, Corte Constitucional para el Período de Transición/ CEDEC, 1.ª reimp., 2012, p.17.

61WALDRON, Jeremy: The Core of the Case Against Judicial Review. The Yale Law Journal 2005-2006. P. 1349.

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como exceção à proibição do aborto, aquele praticado por médico, com o consentimento da

gestante, se o feto padece de anencefalia comprovada por junta médica competente,

conforme normas e procedimentos a serem estabelecidos no âmbito do Sistema Único de

Saúde (SUS)”.

Enquanto pendente regulamentação, a anencefalia deverá ser atestada por no mínimo dois

laudos diagnósticos, produzidos por médicos distintos, e segundo técnicas de exame atuais e

suficientemente seguras.62

Outros, ainda, alegam a “dificuldade de submeter ao crivo da população temas extremamente

técnicos e polêmicos, já que grande parte da sociedade não possui a total compreensão da

complexidade do nosso sistema político e jurídico”.63

Joaquín Brage Camazano, citado pelo Ministro Gilmar Mendes afirma a favor do controle

judiciário com decisões modificativas:

“La raíz esencialmente pragmática de estas modalidades atípicas de sentencias de la

constitucionalidad hace suponer que su uso es prácticamente inevitable, con una u otra

denominación y con unas u otras particularidades, por cualquier órgano de la

constitucionalidad consolidado que goce de una amplia jurisdicción, en especial si no

seguimos condicionados inercialmente por la majestuosa, pero hoy ampliamente superada,

concepción de Kelsen del TC como una suerte de ‘legislador negativo’. Si alguna vez los

tribunales constitucionales fueron legisladores negativos, sea como sea, hoy es obvio que ya

no lo son; y justamente el rico ‘arsenal’ sentenciador de que disponen para fiscalizar la

constitucionalidad de la Ley, más allá del planteamiento demasiado simple

‘constitucionalidad/ inconstitucionalidad’, es un elemento más, y de importancia, que viene a

poner de relieve hasta qué punto es así. Y es que, como Fernández Segado destaca, ‘la praxis

de los tribunales constitucionales no ha hecho sino avanzar en esta dirección’ de la

superación de la idea de los mismos como legisladores negativos, ‘certificando [así] la

quiebra del modelo kelseniano del legislador negativo”64

Soluções intermédias para o problema do controle judicial das leis, por exemplo, se propõe a

inclusão de grupos de pressão para o respaldo a setores mais desfavorecidos (amicuscuriae);

62 Voto Ministro Gilmar Mendes ADPF 54 p. 36.

63 Para um artigo sobre o tema em questão no Brasil: http://jus.com.br/artigos/24953/pec-n-33-11-conflito-

institucional-e-legitimidade-democratica#ixzz2ld6nVLFe. Última visita 24/11/2013.

64 BRAGE CAMAZANO, Joaquin. Más reformas en Justicia. Publicado em: El Heraldo del Henares, edição de

1.4.2012. Disponível em: http://www.elheraldodelhenares.es/pag/noticia.php?cual=12850. Ulima vista

23/11/2013.

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introdução de jurados e juízes leigos tentar fomentar a participação dos cidadãos na justiça;

forma de designação dos juízes ressaltando o Conselho da Magistratura65

, etc.

65POLO PAZMIÑO, Esteban: Roberto Gargarella. La justicia frente al gobierno: sobre el carácter contramayoritario

del poder judicial. Em: Umbral, Revista de Derecho Constitucional n ° 3ene-jun 2013. Quito Ecuador. P. 167

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VI. O FOCO DA IGUALDADE SEXUAL “Educación para decidir, anticonceptivos para no abortar, aborto legal para no morir”

O fim do trabalho dá-se de forma aberta. É dizer, não restringindo o leitor a chegar a uma

ideia determinada e acabada, senão, pelo contrário, abrindo toda reflexão feita a partir do

ADPF a um foco jurídico-sociológico, para acabar de forma mais global tudo o que implicou

a discussão desenvolvida na Arguição analisada.

A igualdade sexual reflete sobre as desvantagens que têm as mulheres a partir das tradições,

convenções e costumes que têm moldados as funções sexuais e familiares dos homens e das

mulheres. Defendem a ideia de que o Governo não pode afiançar ou agravar aquelas

convenções usando leis para restringir a autonomia das mulheres sobre seu corpo ou eleição

das suas oportunidades de vida em virtude de suas relações sexuais ou da criação dos filhos,

assim como não faze com os homens.66

Entre as desvantagens que produzem impacto diferenciado por gênero sobre o status e bem-

estar dos sexos, e o fato de que a moralidade corrente, que rege a expressão sexual, valora

mais a liberdade sexual dos homens, a sua autonomia decisória e o seu prazer, do que as das

mulheres; a privação da dignidade, saúde, felicidade e liberdade das mulheres ao tempo que

os homens não sofrem essa privação; existência de normas diferenciadas por gênero que

estruturam a paternidade/maternidade; e como o trabalho diferenciado na criação dos filhos

têm consequências econômicas adversas para as mulheres. 67

Aqui se defende a mulher como agente autogovernado. A gravidez é um dos aspectos mais

determinantes da sua vida: ela transtorna sua educação, seu emprego, e toda sua vida familiar.

Se algum direito é fundamental para a mulher, esse deveria ser o de poder escolher se

terminar ou continuar a gravidez. O controle da decisão sobre o momento da maternidade é

crucial para o status e o bem-estar das mulheres.

No caso do aborto, o enfoque da igualdade não só se restringe ao âmbito de gênero, senão

também incide nos aspetos socioeconômicos das mulheres, restringindo as suas vidas, em

especial das pobres e vulneráveis sem embargo também atingir às privilegiadas. Não obstante,

parece mais importante o controle da maternidade para as mulheres cujo status está

condicionado por razões de classe, raça, idade ou estado civil.

É importante destacar que, pelo geral, os que aduzem o enfoque da igualdade sexual têm uma

preocupação moral respeito da prática do aborto e tendem a advogar por políticas de educação

66SIEGEL, Reva B: Los argumentos de igualdad sexual a favor de los derechos reproductivos: su fundamento

crítico y su expresión constitucional en evolución. En: Bergallo, Paola: Justicia, género y reproducción. Librarias,

2010. P. 48-49.

67Ibídem. P. 49-50.

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sexual e anticoncepção desenhada para diminuir a prevalência do aborto, em lugar das

políticas desenhadas para criminalizá-lo.68

Assim, por exemplo, uma das vias de proteção é a

licença parental69

, creche infantil.

Resulta relevante refletir sobre quais são os objetivos sociais que as restrições à pratica do

aborto declaram servir, e se é possível alcança-las por outros meios. No caso de se invocar

como razão a proteção da vida em potência, seria alcançável em contra das mulheres que

resistem aos controles sexuais e de maternidade impostos pelo costume? Ou a comunidade

atua em outros contextos, e está verdadeiramente disposta e preparada para apoiar a essas

mulheres as quais pressionará para dar a luz?70

Desta forma, nos damos conta de que a via penal não constitui a melhor forma de reprimir e

evitar esses atos, como acontece também, sustentados por muitos, com os atos de violência

intrafamiliar, dado o caráter complexo sentimental que compõem as relações familiais e os

motivos que levam a que aconteçam essas atuações. Um informe de Paz Ciudadana, no Chile,

adverte dos beneficios de ampliar o catalogo de penas alternativas às restrictivas de liberdade,

afirmando que La variedad de penas permite satisfacer mejor el principio de

proporcionalidad entre delito y sanción, e individualizar la pena en función de las

características del condenado y los objetivos específicos que se pretende alcanzar en cada

caso.71

VII. CONCLUSÃO

Fazer uma conclusão sobre um trabalho de investigação para o qual não se propôs tese

nenhuma resulta difícil.

Só poderia afirmar que ter a possibilidade de estagiar dentro de um dos órgãos superiores do

poder judiciário brasileiro, sendo cúmplice de seu atual processo de desenvolvimento político

68 Ibidem. P. 53.

69 Provisions vary distinctly from country to country: While in the United States, mandated job-protected

maternity leave amounts to 12 weeks in a 12 month period; in the United Kingdom, legal stipulations allow for a

duration of job-protected leave of up to 40 weeks. In the United States, maternity leave is unpaid. In Germany

and the Netherlands, it reaches up to 100% of the net wage with German employers bearing approximately

40% of gross payroll costs during. Para uma interessante comparação internacional de políticas públicas de

fomento à maternidade, veja:

http://www.parliament.nz/resource/0000260167. Última visita: 20/11/2013.

70 Ibidem. P. 53.

71 HURTADO, Paula: Diversificando La Respuesta Frente Al Delito: Procedimientos Y Penas Alternativas. Disponível

em: http://www.pazciudadana.cl/wp-content/uploads/2013/07/2005-03-03_diversificando-la-respuesta-

frente-al-delito-procedimientos-y-penas-alternativas.pdf. Ultima visita: 23/11/2011.

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e cívico e ter que ter lido este Acórdão, que não pode ser senão um dos mais importantes e

completos pelo caráter ético intrínseco que implica o tema do aborto é um das experiências

jurídico sócias mais importantes que tive até hoje.

Assim, fazer este trabalho alimentou de forma muito ampliada o conhecimento que ate agora

levo acumulado na minha curta experiência jurídica.

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CHILE E BRASIL: DIFERENTES TRATAMENTOS PARA AS

RELAÇÕES HOMOAFETIVAS

Por Felipe Oyarzún Vargas72

I. Introdução

Como estabelece o professor Barroso “ nas últimas décadas, culminando

um processo de superação do preconceito e da discriminação, inúmeras

pessoas passaram a viver a plenitude de sua orientação sexual e, como

desdobramento, assumiram publicamente relações homoafetivas ”73

. Como

também explica o Ministro, “a aceitação social e o reconhecimento jurídico

desse fato são relativamente recentes, e, consequentemente, existem

incertezas acerca do modo como o direito deve lidar com o tema ”74

.

Dessa forma, surgem diferentes dúvidas, as Constituições de Chile e do

Brasil considera legítima a discriminação das pessoas em funçã o de sua

orientação sexual? A união estável (tanto no Chile como Brasil) entre homem

e mulher significa uma proibição da extensão de tal regime jurídico ás uniões

homoafetivas? São perguntas que foram analisadas tanto na ADI 4277 como

na decisão Rol 1881-10. O Supremo Tribunal Federal de Brasil e o Tribunal

Constitucional de Chile tiveram a oportunidade de responder a essas questões

à luz de indicação de suas Consti tuições.

Assim, o presente artigo estuda como Brasil e Chile deram tratamento às

relações homoafetivas, os objetivos são mostrar as duas decisões (reflexões

sobre o tema), depois mostrar os pontos de vista da doutrina a respeito das

72 Es tudante de Dire i to , Univers idade Alberto Hurtado, Chile . Estagiár io

Supremo Tribunal Federal , Bras i l . Contacto : pipe.oyarzun@gmai l .com

73 Barroso, Luis Rober to : O Novo Direi to Const i tuc ional Brasi leiro . Editora

Forum, Belo Horizonte , 20 12, p . 423.

74 Ibid .

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relações homoafetivas, diferentes raciocínios existentes nos dois países.

Finalmente, uma avaliação dessas ideias é feito com a intenção de discernir o

caminho certo a seguir sobre as relações homoafetivas em nossos tempos.

.

II. Legislação aplicável

II.1.Direito Internacional

Tanto Brasil como Chile, os dois países são partes de diferentes Tratados

Internacionais que são importantes para o tratamento e compreensão das

relações homoafetivas. Alguns exemplos são:

Em primeiro lugar, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do

Homem, os artigos II (“ todas as pessoas são iguais perante a lei e têm os

direitos e deveres consagrados nesta declaração, sem distinção de raça,

língua, crença, ou qualquer outra .”) e VI (“Toda pessoa tem direito a

constituir família, elemento fundamental da sociedade e a receber proteção

para ela”).

Em segundo lugar, a Declaração Universa l dos Direitos Humanos, os

art igos II (Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades

estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de

raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza,

origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição ),

VII (Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a

igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer

discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento

a tal discriminação ) e XVI (1- Os homens e mulheres de maior idade, sem

qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de

contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais direitos em

relação ao casamento, sua duração e sua dissolução. 2 - O casamento não

será válido senão com o livre e pleno consentimento dos nubentes ).

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Em terceiro lugar, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto

de San José da Costa Rica), em seus art igo s 17 (“Proteção da família: 1. A

família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e deve ser protegida

pela sociedade e pelo Estado. 2. É reconhecido o direito do homem e da

mulher de contraírem casamento e de constituírem uma família, se tiverem a

idade e as condições para isso exigidas pelas leis internas, na medida em que

não afetem estas o princípio da não-discriminação estabelecido nesta

Convenção. 3. O casamento não pode ser celebrado sem o consentimento livre

e pleno dos contraentes. 4. Os Estad os-partes devem adotar as medidas

apropriadas para assegurar a igualdade de direitos e a adequada

equivalência de responsabilidades dos cônjuges quanto ao casamento,

durante o mesmo e por ocasião de sua dissolução. Em caso de dissolução,

serão adotadas as disposições que assegurem a proteção necessária aos

filhos, com base unicamente no interesse e conveniência dos mesmos. 5. A lei

deve reconhecer iguais direitos tanto aos filhos nascidos fora do casamento,

como aos nascidos dentro do casamento”) e 24 (“Igualdade perante a lei:

Todas as pessoas são iguais perante a lei. Por conseguinte, têm direito, sem

discriminação alguma, à igual proteção da lei ”).

Em quarto lugar, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos,

Sociais e Culturais, em seus artigos 2.2 (“Os Estados Partes do presente

pacto comprometem-se a garantir que os direitos nele enunciados se

exercerão sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, língua,

religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social,

situação econômica, nascimento ou qualquer outra situação ”) e 10 (“Os

Estados Partes do presente Pacto reconhecem que: 1. Deve -se conceder à

família, que é o elemento natural e fundamental da sociedade, a mais ampla

proteção e assistência possível, especialmente para a sua constituição e

enquanto ela for responsável pela criação e educação dos filhos. O

matrimônio deve ser contraído com livre consentimento dos futuros cônjuges.

2. Deve-se conceder proteção às mães por um período de tempo razoável

antes e depois do parto. Durante esse período, deve -se conceder às mães que

trabalhem licença remunerada ou licença acompanhada de benefícios

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previdenciários adequados. 3. Devem -se adotar medidas especiais de

proteção e de assistência em prol de todas as crianças e adole scentes, sem

distinção por motivo i de fil iação ou qualquer outra condição. Devem -se

proteger as crianças e adolescentes contra a exploração econômica e social .

O emprego de crianças e adolescentes em trabalhos que lhes sejam nocivos à

saúde ou que lhes façam correr perigo de vida, ou ainda que lhes venham a

prejudicar o desenvolvimento normal, será punido por lei . Os Estados devem

também estabelecer l imites de idade sob os quais fique proibido e punido por

lei o emprego assalariado da mão-de-obra infantil” ).

Em quinto lugar, o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e

Políticos, em seus artigos 2.1 (“Os Estados Partes do presente pacto

comprometem-se a respeitar e garantir a todos os indivíduos que se achem em

seu território e que estejam sujeitos a sua jurisdição os direitos reconhecidos

no presente Pacto, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo.

língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou

social, situação econômica, nascimento ou qualquer condição ”), 3 (“Os

Estados Partes no presente Pacto comprometem -se a assegurar a homens e

mulheres igualdade no gozo de todos os direitos civis e polít icos enunciados

no presente Pacto”) e 23.

Em resumo, além da legislação de cada país, Chile e Brasil já tem uma

obrigação em razão dos Tratados Internacionais que são parte.

II.2. Caso Brasileiro

Para o caso brasileiro, pensou que é importante destacar as regras da

Constituição de 1988 e do Código Civil que foram objeto dos processos.

Assim:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

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§ 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração.

§ 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei .

§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável

entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar

sua conversão em casamento.

§ 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada

por qualquer dos pais e seus descendentes.

§ 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conju gal são exercidos

igualmente pelo homem e pela mulher.

§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. (Redação dada

Pela Emenda Constitucional nº 66, de 2010)

§ 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da

paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal,

competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o

exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de

instituições oficiais ou privadas.

§ 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um

dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito

de suas relações.

Também é importante destacar o estabelecido no Código Civil Brasileiro,

em particular o objeto da ADI 4277, que foi o seguinte artigo: Art. 1.723: É

reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a

mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e

estabelecida com o objetivo de constituição de família.

E mesmo acontece com as leis 8971/94 e 9278/96, mas para efeitos do

presente trabalho, é importante ressaltar a Constituição e Código Civil , outras

leis especiais não.

II.2. Caso Chileno

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A Constituição de 1980 não tem um conceito de família, mas dá um status

para indicar que ele é uma unidade básica da sociedade. Não ter um conceito

de família não é só um problema da Constituição, também é um problema de

toda a legislação chilena. No entanto, podemos estabelecer algumas das

normas mais importantes para o desenvolvimento das r elações homoafetivas

no Chile. Assim:

Artigo 19 -. A Consti tuição garante a todas as pessoas:

2 -. Igualdade perante a lei. No Chile não há nenhuma pessoa ou grupo

privilegiado. No Chile não há escravos e que pisa em seu território é livre.

Homens e mulheres são iguais perante a lei. Nenhuma lei ou autoridade pode

estabelecer diferenças arbitrárias;

3 -. Igual proteção da lei no exercício dos seus direitos.

4 - O respeito e a proteção da vida privada e da honra da pessoa e da

família;

Também, é importante ver as normas sobre casamento, sobretudo àquela

que foi objeto da ação de inaplicabilidade (Rol 1881 -10), que é o artigo 102

do Código Civil Chileno que estabelece que “O casamento é um contrato

solene pelo qual um homem e uma mulher se unem indissoluvelm ente e atual,

e da vida, a fim de viver juntos, para reproduzir e ajudar uns aos outros ”.

Em resumo, no presente capitulo revisamos os principais art igos do direito

internacional, direito brasileiro e chileno, em relação ao tratamento das

relações homoafetivas. Agora, começaremos com os casos selecionados que

tem relação com matérias das relações homoafetivas.

III. Supremo Tribunal Federal vs. Tribunal Constitucional

III.1. Ação Direta de Inconstitucionalidade 4277

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No caso brasileiro, temos muita jurisprudência sobre as relações

homoafetivas, não só do Supremo Tribunal Federal , também das outras

magistraturas do Poder Judiciário. No entanto, para efeitos do presente

trabalho, escolhi a ADI 247775

pela relevância e importância dela no

ordenamento jurídico brasileiro.

No começo, a presente ADI foi uma Arguição de Descumprimento de

Preceito Fundamental (ADPF) interposta pela Procuradoria Geral da

República, que tinha dois objetivos. Primeiro, foi o reconhecimento, no

Brasil, da união entre pessoas do mesmo sexo, como entidade familiar, desde

que atendidos os requisitos exigidos para a constituição de união estável

entrem homem e mulher. Segundo, que os mesmos direitos e deveres dos

companheiros nas uniões estáveis estendem -se aos companheiros nas uniões

entre pessoas do mesmo sexo.

STF estabelece que petição de Procuradoria Geral da República tenha a

inexistência de um objeto específico e bem delimitado a ser impugnado pela

via da ADPF. Além disso, por pedido subsidiário, a Procuradoria Geral da

República requer o conhecimento da ADPF como ADI, com pedido de

interpretação conforme do art. 1723 do Código Civil Brasileiro. Assim, o

dever do Supremo Tribunal Federal era analisar o art . 1723 do Código Civil

Brasileiro (objeto de ADI) à luz dos princípios consag rados na Constituição,

com a finalidade de conferir uma interpretação conforme à Magna Carta.

O Supremo Tribunal Federal, por votação unânime, julgou procedentes

as ações, com eficácia erga omnes e efeito vinculante. As principais

conclusões foram as seguintes:

75 Também é importante ADPF 132. Em razão da regra da prevenção e do

julgamento s imul tâneo de processos em que haja “coincidência to tal ou parc ia l de

objetos” , o Minis tro Ayres Br i t to foi re lator dos dois p rocessos .

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Primeiro, como estabelece a Ementa da ADI 4277, “o sexo das pessoas,

salvo disposição constitucional expressa ou implícita em sentido contrário,

não se presta como fator de desigualdade jurídica. Proibição de preconceito, à

luz do inciso IV do art . 3º da Constituição Federal , por colidir frontalmente

com o objetivo constitucional de “promover o bem de todos”. Silêncio

normativo da Carta Magna a respeito do concreto uso do sexo dos indivíduos

como saque da kelseniana “norma geral negativa”, segund o a qual “o que não

estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido”.

Reconhecimento do direito à preferência sexual como direta emanação do

princípio da “dignidade da pessoa humana”: direito a auto -estima no mais

elevado ponto da consciência do indivíduo. Direito à busca da felicidade.

Salto normativo da proibição do preconceito para a proclamação do direito à

liberdade sexual. O concreto uso da sexualidade faz parte da autonomia da

vontade das pessoas naturais. Empírico uso da se xualidade nos planos da

intimidade e da privacidade constitucionalmente tuteladas. Autonomia da

vontade. Cláusula pétrea”76

.

Segundo, compreensão do conceito da família, o STF tem clareza em

não propor um conceito reducionista dela, eliminação de preconce ito quanto à

orientação sexual das pessoas, existe isonomia entre casais heteroafetivos e

pares homoafetivos, todas as pessoas tem o mesmo direito subjetivo à

formação de uma autonomizada família. Casamento não é único jeito de

constituir uma família, exis tem outras vias.

Terceiro, em relação ao estabelecido por art . 226 §3º, “inexistência de

hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de

constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico. Emprego do

fraseado “entidade famili ar” como sinônimo perfeito de família. A

76 ADI 4277, Relator Ministro Ayres Bri t to , julgamento em 05 -05-2011,

Plenário , disponível na Interne t:

<http : / /red ir . st f . j us.br /paginadorpub/paginador . j sp?docTP=AC&docID=6286

35> [Últ ima visi ta : 14 de novembro 2013]

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Constituição não interdita a formação de família por pessoas do mesmo

sexo”77

. Assim, observa-se a horizontalidade (ou sem hierarquia) entre as duas

tipologias do gênero humano.

Quarto, finalmente em relação à inte rpretação conforme à Constituição

do art. 1723 do Código Civil, o Supremo Tribunal Federal estabelece

reconhecimento da união homoafetivas como família. Reconhecimento que é

de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da

união estável heteroafetiva.

III.2. Sentencia Rol 1881-10 do Tribunal Constitucional do Chile

A diferença do Brasil, no Chile não tem muita jurisprudência onde

pesquisar informação respeito às relações homoafetivas, não somente ao nível

constitucional, também temos pouca jurisprudência nas outras magistraturas

(outras matérias) de Poder Judiciário Chileno. No entanto, igualmente

encontrei a decisão do Tribunal Consti tucional do Chile, Rol 1881 -10, sobre

as noções das relações homoafetivas.

O Tribunal Constitucional conhece desta matéria por petição de um juiz

da República (“Corte de Apelaciones de Santiago”) quem solicitou ajuda para

resolver um caso sobre a aplicabilidade ou inaplicabilidade por

inconstitucionalidade do art. 102 de Código Civil Chileno que consa gra o

seguinte: “O casamento é um contrato solene pelo qual um homem e uma

mulher se unem indissoluvelmente e atual, e da vida, a fim de viver juntos,

para reproduzir e ajudar uns aos outros”.

A situação de fato que originou o caso foram pessoas do mesmo sexo

que se casaram fora do Chile, e quando voltaram foram para Registro Civil

para validar seu matrimonio no estrangeiro, mas oficial do Registro Civil

77 Ibid .

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impediu alegando que a legislação chilena prevê apenas o casamento entre um

homem e uma mulher. Por is so, os casais interpuseram habeas corpus

argumentando que negar a possibilidade de se casar ou registrar um

casamento validamente celebrado no estrangeiro, de duas pessoas por sua

sexualidade, é uma grave violação do direito à igualdade consagrado no Nº 2

do artigo 19º da Constituição da República, por isso pede ao Tribunal (“Corte

de Apelaciones”) que declare o ato arbitrário do funcionário público ligado e

restaurar o Estado de direito e ordenou a conceder tempo para comemorar seu

casamento e proceder ao registro casamentos validamente celebrados no

exterior, respectivamente.

Em resumo, o Tribunal Constitucional do Chile tinha que pronunciar -se

sobre se artigo 102 do Código Civil do Chile viola o estabelecido no artículo

19 Nº2 da Consti tuição da República do Chile que consagra o direito de

igualdade perante a lei, sempre que esta disposição (art. 102) só permite o

casamento entre um homem e uma mulher sem uma licença para se casar

casais homossexuais. Podemos dividir a decisão nos seguintes pontos.

Em primeiro lugar, o Tribunal Constitucional lembra que o casamento é

uma questão que tem de ser tratada por lei, isso em razão do estabelecido em

artigo 63 da Constituição de Chile, que estabelecem quais são as matérias que

são de lei. O artigo 63 Nº3 que colo ca como matéria de lei aquelas que são

próprias do direito civil78

. Além disso, no mesmo art igo, tem o Nº20 que

consagra que “qualquer outra regra geral que as fundações essenciais que

estabeleça obrigatória de um sistema legal" têm que ser por lei. Esta é uma

questão de codificação civil , e, portanto, é uma questão que seu tratamento

tem que ser por lei . O Tribunal Consti tucional explica que os efeitos e a

regulamentação do casamento são próprios de reserva legal e não

78 STC Rol 1881 -10-INA, disponíve l na internet :

<http : / /www.tr ibunalconst i tucional .c l /wp/ver .php?id=2213> [Últ ima visi ta : 10 de

novembro 2013]

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constitucional. Em razão disso, concl ui que é um dever de o poder legislativo

a configuração e tratamento do tema, por ser matéria própria de lei.

Em segundo lugar, o Tribunal Constitucional estabelece que a ação de

inaplicabilidade não tenha uti lidade para a finalidade dos demandantes,

porque ação de inaplicabilidade é um controle concreto da

constitucionalidade, só aplicável para o caso particular, mas não todo o

conjunto de regras sobre o casamento. Tribunal estabelece que motivação dos

demandantes não é só a inaplicabilidade o art. 102 d o Código Civil Chileno,

também todo o sistema de regras sobre o casamento (que consagra união entre

homem e mulher) do Código Civil e também leis especiais como a lei 19.947

(a Lei de Matrimonio Civil) que em seu art igo 80 estabelece que “ requisitos

de forma e substância do casamento deve ser estabelecido por lei do lugar da

celebração. Assim, o casamento celebrado em um país estrangeiro, de acordo

com as leis do país, no Chile produzem os mesmos efeitos como se conclui -se

em território chileno, desde que a união entre um homem e uma mulher ”.

Assim, o Tribunal explica que o problema não é só com artigo 102, também é

com ordenamento completo.

Por estas razões o Tribunal Constitucional rejeita o requerimento de

inaplicabilidade sobre artigo 102 do Código Civi l. Posteriormente, a decisão

contempla os votos de cada Ministro em particular, mas eles terão maior

desenvolvimento em seguinte capítulo.

IV. Compreensão das relações homoafetivas em cada país,

realidades completamente diferentes.

IV.1. No Brasil

Pra analisar, conhecer e entender a situação atual (e futuro) das

relações homoafetivas no Brasil , preciso mostrar os trabalhos do professor

Gustavo Tepedino, professor (e atual Ministro do Supremo Tribunal Federal)

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Roberto Barroso79

, e também destacar o voto do Min istro (agora aposentado,

relator da ADI 4277) Ayres Britto. Para mim, representam o correto

tratamento a ser dado às relações homoafetivas.

A opinião doutrinária do Professor Gustavo Tepedino, representando ao

Insti tuto de Direito Civil (IDC) é uma grand e contribuição ao tratamento das

relações homoafetivas. Ele divide seu art igo em três partes. Primero, as

relações familiares na legalidade consti tucional. Ele faz uma distinção entre a

pluralidade de modelos de família e pressupostos para sua configuração .

Também faz uma interpretação do art. 226 da Constituição. Ele explica a

inconstitucionalidade da interpretação redutiva do art . 1723 do Código Civil

Brasileiro. Segundo, a funcionalização das entidades familiares aos princípios

constitucionais da solidar iedade, igualdade e dignidade da pessoa humana.

Ele faz uma explicação das entidades familiares de fato e critérios para o seu

merecimento de tutela. Terceiro, o professor da a interpretação necessária do

art . 1723 á luz da ordem pública consti tucional. Es tatuto jurídico da entidade

formada por pessoas do mesmo sexo: igualdade da união estável no que

concerne às relações existências e patrimoniais entre os companheiros, bem

como ao seu regime sucessório.

Para primeiro ponto, o professor explica as relações de família

mudaram ao longo do tempo, a Constituição de 1988 traz com ela os novos

valores dessas mudanças. Assim, a Magna Carta impõe muitas mudanças para

direito de família, seu estudo não pode ser de forma casuíst ica, tem que ser

em concordância com os princípios constitucionais que inspiram um novo

conceito de unidade familiar. Antigamente, no Brasil a unidade familiar era

compreendida pelo casamento, agora passamos à ideia de formação

79 Tanto o professor Tepedino quanto o professor Barroso, deram a sua visão

(opinião doutr inár ia) da si tuação por pet ição da Procurador ia Gera l da República na ADI

4277.

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comunitária apta ao desenvolvimento de seus integrantes80

. Na Consti tuição

de 1988 oferece diferentes argumentos para defender novo conceito da

unidade. Por exemplo, o art . 1 estabelece a dignidade. Art. 3 IV consagra

ideia de promover bem para todos sem preconceitos.

Particularmente, respeito ao art. 226 da Constituição, o autor ressalta o

fato de que família é à base da sociedade. Por seus parágrafos III, IV e VII, o

autor estabelece que a leitura de artigo 226 ofereça três opções valorativas

bem definidas. Primeiro, o caráter instrumental da família, pela função para a

realização da pessoa humana e de sua dignidade. Segundo, consagra a

pluralidade das entidades familiares, garantidora do respeito à liberdade e às

diferenças individuais mediante indicação não taxativa do rol das entidades

familiares dignas de tutela. Terceiro, a liberdade (de forma) para a

constituição da família baseada na dignidade.

Em resumo, o professor Tepedino explica que os critérios para a

legit imidade constitucional de uma determinada entidade familiar associam -se

a seriedade de propósitos e a ap tidão para a função promocional da pessoa

humana. Por isso mesmo, não se pode admitir qualquer interferência

legislativa ou interpretativa restri tiva de tais opções constitucionais, sob pena

de se aniquilar a finalidade axiológica atribuída pelo constituin te às entidades

familiares. Em razão disso, é inconstitucional a restrição de modelos

familiares por conta da orientação sexual dos conviventes, com a admissão

somente de famílias constituídas por casais heterossexuais, em desapreço dos

princípios constitucionais acima aludidos81

. Sistema jurídico deve ter como

80 INSTITUTO DE DIREITO CIVIL – IDC, Opinião Doutr inár ia Professor

Gustavo Tepedino , na Petição Inic ia l da Procuradoria Geral da República, p . 127.

Disponível na Interne t:

<http : / /red ir . st f . j us.br /est fvisual izadorpub/jsp /consul tarprocessoeletr onico/

Consul tarProcessoEle tronico. j s f?seqobjeto incidente=11872> [Úl t ima Visi ta: 18 de

novembro de 2013]

81 Ibid .

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objetivo uma interpretação não restritiva do art. 1723 de Código Civil

Brasileiro, devido a que viola os princípios constitucionais invocados.

Para o segundo ponto, professor afirma que a caracteriza ção de uma

entidade familiar depende da presença dos requisitos da seriedade,

estabil idade e propósito de consti tuição de família. Tem que ser valorados de

maneira objetiva e democrática, fixa na realização da pessoa humana e de sua

dignidade o parâmetro para o reconhecimento da entidade familiar. Pouco a

pouco, o Brasil (sua jurisprudência especialmente) foi ampliando cada vez

mais o reconhecimento das uniões formadas por pessoas do mesmo sexo como

entidades familiares, em igualdade de condições com aquela s estabelecidas

entre homem e mulher, o que importa na interpretação não restritiva da

legislação codificada, especialmente do art. 1723 do Código Civil Brasileiro,

de modo a alcançar as entidades familiares formadas por pessoas do mesmo

sexo em seu âmbito de incidência normativa82

.

Para o terceiro ponto, o autor mostra a experiência do direito

comparado, a evolução dos diferentes países que foram reconhecendo as

relações homoafetivas como um fenômeno que direito tem que dar tratamento.

Assim, o panorama do direito estrangeiro confirma a tendência amplamente

perceptível, de admissão da união de pessoas do mesmo sexo como uma das

modalidades de família presentes na sociedade contemporânea. Após isso, o

professor acaba estabelecendo que reconhecimento pelo dir eito brasileiro vá

depender da interpretação do art . 1723 do Código Civil, ele tem que admitir,

necessariamente, em seu espectro normativo, as entidades formadas por

pessoas do mesmo sexo, considerando -se, assim, inconstitucional, a atuação

das autoridades públicas contra desses núcleos familiares.

A opinião doutrinária do Professor Roberto Barroso, também é uma

grande contribuição. Ele tem uma tese central e uma tese acessória. A tese

82 Ibid .

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principal é a de que um conjunto de princípios consti tucionais impõe a

inclusão das uniões homoafetivas no regime jurídico da união estável, por se

tratar de uma espécie em relação ao gênero. Enquanto a tese acessória é a

equiparação de regimes jurídicos mediante o emprego da analogia. Como as

caraterísticas essenciais da uni ão estável previstas no Código Civil estão

presentes nas uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo, o tratamento

jurídico deve ser o mesmo83

. Assim, a investigação do professor Barroso

sustenta-se a tese de que o mesmo regime deve ser reconhecido às uniõe s

entre pessoas do mesmo sexo, seja por aplicação direta dos princípios

constitucionais (tese principal), seja por integração de lacuna legal existente

(tese acessória).

Por um lado temos a tese principal , o professor Barroso estabelece que

a Constituição de 1988 reconhece juridicamente as relações entre pessoas do

mesmo sexo, baseado em diferentes princípios: igualdade, liberdade (do qual

decorre a autonomia privada), da dignidade da pessoa humana e da segurança

jurídica. Todas as pessoas tem o direito de desfrutar da proteção jurídica que

estes princípios lhes outorgam. Por essa razão, a Constituição não comporta

uma leitura homofóbica, deslegitimada das relações de afeto e de

compromisso que se originam entre indivíduos do mesmo sexo. Em seguida,

explicar mais detalhadamente cada um dos princípios.

Em primeiro lugar, o princípio de igualdade, onde se condenam de

forma expressa todas as formas de preconceito e discriminação.

Adicionalmente, a lei não deve dar tratamento diferenciado a pessoas e

situações substancialmente iguais, sendo inconstitucionais as distinções

caprichosas e injustificadas, se tiver uma desequiparação tem que ser razoável

e o fim por ela visado sejam legítimos84

. No caso concreto, a orientação

sexual não é um fato aceitável de discrímen. Também o professor Barroso

83 Barroso , Luis Rober to: Diferen tes, mas iguais: o reconhecimento jur ídico

das re lações homoafet ivas no Brasil , Revis ta de dire i to do Estado 5:167, 2007.

84 Ibidem.

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mostra os principais argumentos das pessoas que defendem a exclusão das

relações homoafetivas do regime da união estável, são três fundamentos que o

professor dar resposta imediata: a impossibilidade de procriação

(Constituição de 1988 reconhece a família monoparental), a violação dos

padrões de “normalidade moral” (temos que rejeitar a imposição autoritária

da moral dominante à minoria, sobretudo quando a conduta desta não afeta

terceiros), e a compatibilidade com os valores c ristãos (não pode prevalecer

no espaço publico de um Estado laico). Assim, o professor demonstra que

nenhum resiste ao crivo da razão pública85

.

Em segundo lugar, o princípio da liberdade pessoal, do qual decorre a

autonomia privada. Esse princípio tem relação com que as pessoas devem ter

o direito de desenvolver a sua personalidade e as instituições políticas e

jurídicas devem promover esse desenvolvimento, e não dificultá -lo. O

professor explica que a autonomia privada pode ser limitada, mas não

caprichosamente, tem que se sempre justificada. Por outro lado, “a exclusão

das relações homoafetivas não é só uma lacuna, um espaço não regulado pelo

direito, esta seria na verdade, uma forma comissiva de embaraçar o exercício

da l iberdade e desenvolvimento da pers onalidade de um número expressivo de

pessoas, depreciando a qualidade dos seus projetos de vida e dos seus afetos.

Isto é: fazendo com que sejam menos livres para viver as suas escolhas”86

.

Em terceiro lugar, o princípio da dignidade da pessoa humana, o qu al

identifica um espaço de integridade a ser assegurado a todas as pessoas por

sua só existência no mundo. O professor Barroso lembra duas ideias sobre a

dignidade e que tem relação para o presente situação. Primeira ideia, ninguém

pode ser tratado como meio, devendo cada individuo ser considerado sempre

como fim em si mesmo. Segunda ideia, todos os projetos pessoais e coletivos

de vida, quando razoáveis, são dignos de igual respeito e consideração, são

merecedores de igual reconhecimento. Professor conclui que a não atribuição

85 Ibid .

86 Ibid .

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de reconhecimento à união entre pessoas do mesmo sexo viola

simultaneamente essas duas dimensões nucleares da dignidade humana87

.

Em quarto lugar, o princípio da segurança jurídica. A exclusão das

relações homoafetivas do regime juríd ico da união estável, sem que exista um

outro regime especifico aplicável, é inequivocamente geradora de insegurança

jurídica. Consequências não são só pra parceiros, também para terceiros e

família e para todas as relações patrimoniais que podem -se gerar.

Por outro lado temos a tese acessória, aonde o professor Barroso

explica que não se deve interpretar uma regra constitucional contrariando os

princípios constitucionais e os fins que a justificaram. Assim, a leitura direita

do artigo 226, parágrafo 3º, não é uma regra de exclusão, se fosse assim, seria

inconstitucional.

Posteriormente, seguindo a tese acessória, o professor Barroso explica

que processo de preenchimento de eventuais vazios normativos recebe o nome

de integração. Sua missão é pesquisar no ordenamento uma norma capaz de

reger adequadamente uma hipótese que não foi especificamente disciplinada

pelo legislador. Por isso, professor presenta a analogia como uma possível

solução como recurso na integração da ordem jurídica. A “analogia consiste

na aplicação de uma norma jurídica concebida para uma dada situação de fato

a uma outra situação semelhante, mas que não fora prevista pelo legislador”88

.

Uma vez admitida a analogia, chegar -se-ia à seguinte conclusão: a

Constituição teria reconhecido expressamente três tipos de família: pelo

casamento, pela união estável entre pessoas de sexos diferentes, e pela

família monoparental. Como estabelece o professor Barroso, haveria, contudo,

um tipo comum de família não expressamente reconhecido: a união

homoafetivas. No entanto, apesar da falta de norma especifica, o

87 Ibid .

88 Ibid .

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reconhecimento dessa quarta modalidade seria imposto pelo conjunto da

ordem jurídica e pela presença dos elementos essenciais que caracterizam as

uniões estáveis e as entidades familiares89

.

Finalmente, no caso brasileiro no tratamento as relações homoafetiva,

queria resaltar o voto do Ministro (relator da ADI 4277) Ayres Britto. Ele

estabelece que a correta aplicação das normas estaduais inerentes à união

duradoura entre pessoas do mesmo sexo reclama, para sua concretização, a

incidência de institutos de direito consti tucional e de direito civil, como os

institutos da família, do casamento, da união estável e da adoção. Assim, o

sexo das pessoas, salvo expressa disposição constitucional em contrario , não

se presta como fator de desigualacão jurídica90

. Por isso, o tratamento

discriminatório ou desigualitário passa a colidir frontalmente com objetivo

constitucional de promover o bem de todos91

.

O Ministro Ayres Britto explica que a Constituição de 198 8, de uma

forma magistral , opera por um intencional silencio. Que já é um modo de

atuar mediante o saque da kelseniana norma geral negativo, segundo a qual

“Tudo que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente

permitido”92

. Por outro lado, a Constituição de 1988 proíbe, por modo

expresso, o preconceito em razão do sexo ou da natural diferença entre a

mulher e o homem. Também o Ministro Ayres ilustra que o reconhecimento

de que todos são iguais em razão da espécie humana de que façam parte e das

tendências ou preferências sexuais que lhes ditar, com exclusividade, a

própria natureza, qualificada pela nossa constituição como autonomia de

89 Ibid .

90 Voto minis tro Ayres Br i t to na ADI 4277 , disponível na internet :

<http : / /www.st f. j us.b r /a rquivo/cms/not ic iaNotic iaSt f /anexo/ADI4277.pdf>

[últ ima Consul ta : 20 de novembro]

91 Ibid . P .16.

92 Ibid . P .20.

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vontade93

, direta emanação do principio da dignidade humana e até mesmo

“cláusula pétrea”94

.

Respeito ao art . 226 da Constituição de 1988, o Ministro Ayres Britto

estabelece que a Magna Carta Brasileira não emprestou ao substantivo família

nenhum significado ortodoxo, a verdade foi que recolheu -o com o sentido

coloquial praticamente e aberto que sempre p ortou como realidade do mundo.

Assim, é diferente da Constituição de 1967 que tem uma única forma da

família que é aquela constituída pelo casamento. A Constituição de 1988 não

deve ter uma interpretação reducionista, por isso, o art . 226 parágrafo terceir o

tem que ter concordância com outros parágrafos, em caso contrário, seria o

modo mais eficaz de tornar a Consti tuição ineficaz95

.

Finalmente, logo de um magistral voto, o Ministro acaba estabelecendo

que a correta interpretação do art. 1723 do Código Civi l Brasileiro, a

interpretação conforme a Constituição é aquela que exclui qualquer

significado que impeça o reconhecimento da união continua, pública e

duradoura entre pessoas do mesmo sexo como “entidade familiar”, entendida

esta como sinônimo perfeito de família. O Ministro aclara que

reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas

consequências da união estável heteroafetiva.

IV.2. No Chile

Para compreender o caso chileno, é necessário observar, analisar qual

foi o pensamento dos Ministros do Tribunal Constitucional (além de que tem

muito menos ativismo judiciário), mas também é importante conhecer o

tratamento que doutrina entende sobre o tema. Em nenhum caso o tema é

93 Ibid . P .28.

94 Ibid . P .26.

95 Ibid . P .38.

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pacífico, são diferentes as opiniões, e os tratamentos qu e existem em frente à

situação jurídica das relações homoafetivas. No caso concreto, o processo Rol

Nº 1881-10 não se pronunciou sobre a constitucionalidade do artigo 102 do

Código Civil à luz do princípio da igualdade, evitou a questão do fundo, só

falaram da forma. Como explica o professor Cornejo, a razão de porque foi

rejeitado o recurso foi porque o Tribunal estimou que é dever do Poder

legislativo definir se as casais homoafetivas podem ter ou não acesso ao

casamento, mas não por considerar que existe uma exigência constitucional de

ter diferente sexo para ter casamento96

.

Além disso, se podem encontrar argumentos de fundo dentro dos votos

particulares dos Ministros do Tribunal Constitucional, o voto do Ministro

Bertelsen estabelece que: “A igualdade perante a lei não exige um tratamento

uniforme para todas as pessoas, mas também permite que o direito de dar um

tratamento diferente para eles, quando há um grande diferencial entre as

pessoas diferentes, adequados e proporcionais à diferença legal para

extrair”97

. Assim também explica que: “não é possível que constitua diferença

arbitrária ou caprichosa, mas com base nas diferenças entre homens e

mulheres, a lei legit imamente considerada e ainda podem ser considerados

relevantes para estabelecer que as par tes só possam ser um homem e uma

mulher, a razão por que está em conformidade com a garantia constitucional

da igualdade perante a lei e, portanto, a aplicação judicial do dispositivo

legal impugnado não contraria a Constituição ” 98

.

96 Cornejo Aguilera, Pab lo: El debate sobre e l matr imonio iguali tário em

Chi le . Comentarios a propósi to de La Sen tencia Del Tribunal Const i tucional, Ro l 1881 -

2010 . En Revis ta d e Derecho de Famil ia , Nº IV, 2012, pp. 357 -368.

97 STC Rol 1881 -10-INA, Voto Minis tro Ber te lsen, disponíve l na interne t:

<http : / /www.tr ibunalconst i tucional .c l /wp/ver .php?id=2213> [Úl t ima visi ta :

10 de novembro 2013]

98 Ibídem

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Por outro lado, os Ministros Navarro, Venegas, e Aróstica (voto em

conjunto) explicam que “enquanto o nosso voto não determinou a

inconstitucionalidade do artigo 102 do Código Civil, ele não confirma nem

nega que a Constituição aceitar, promover, prevenir ou condenar a

possibilidade de que os casais homossexuais podem viver juntos e fazer uma

vida emocional junto protegido por lei, porque corresponde ao legislador, e

não este Judiciário Constitucional, moldando as novas instituições legais que

venham a satisfazer as necessidades de progresso da sociedade, tendo em

conta as mudanças que experimentam em sua evoluindo ” 99

. Em outras

palavras, aceitam constitucionalidade do art. 102, em razão disso os casais

homossexuais não podem celebrar o casamento, mas reconhecem possibilidade

de ter uma vida em comum à luz da Constituição. Existe doutrina no mesmo

sentido que votos dos ministros, um exemplo é o artigo do professor Luis A.

Silva Irarrázaval que explica que “entre as questões que podem ser

observadas, o recurso, em primeiro lugar, a distinção entre a questão da

constitucionalidade do artigo 102 do Código Civil e o problema da

regulamentação legal dos casais gays. São duas questões distintas a serem

abordados separadamente”100

.

A votação do Tribunal Constitucional não foi unanime, o M inistro

Hernán Vodanovic achou que requerimento de inaplicabil idade era valido, e

que o artigo 102 do Código Civil era inconstitucional. O voto dele representa

uma saída ao forte conservadorismo de nosso Tribunal Consti tucional. Além

que foi voto vencido, os argumentos dele representam concepção de

progresso, não reducionista da família, do casamento. O Ministro estabelece

99 STC Rol 1881 -10-INA, Voto dos Minis tros Navarro , Venegas, Aróst ica ,

d isponíve l na interne t: <ht tp: / /www.tr ibunalconst i tucional .cl /wp/ver .php?id=2213>

[Úl t ima visi ta : 10 de novembro 2013]

100 Si lva Irarrázaval , Luis: La consti tucionalidad del ar t ículo 102 del Código

Civi l ante el t r ibunal consti tuc ional. Comentario crí t ico del requerimiento de

inaplicabi l idad fal lado en la sentencia Rol Nº 1 .881, de 3 de noviembre de 2011 . En

Revista Ius et Praxis, Año 18, Nº 1 , 2012, pp. 457 -482.

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que não é suficiente com conhecer intenção do Constituinte, também é

importante a compreensão do contexto atual, como poderíamos resolv er os

atuais e potenciais conflitos de valores. Assim, “ O ponto essencial não está

nas características estruturais do casamento, como será visto, mas se ou não

a exclusão de casais do mesmo sexo o acesso à instituição constitui uma

discriminação arbitrária” 101

. Depois de essa ideia o Ministro Vodanovic

estabelece que no casamento de hoje perdeu o importante papel da

reprodução, a procriação não é o mais fundamental, agora os objetivos são:

solidariedade, carinho e assistência mútua102

.

Além dos argumentos dos Ministros do Tribunal Constitucional e sua

decisão, quando a visibilidade de um relacionamento homossexual é excluído

por meio de mecanismos que o legislador determinou, é titular, direta ou

indiretamente, que é um tipo de relação de má qualidade, incapaz de

apresentar um conjunto claro de direitos e deveres. A omissão do legislador

cria uma situação de vulnerabilidade e falta de proteção dos casais de mesmo

sexo. Por isso, achou importante destacar o informe sobre a

constitucionalidade do artigo 102 feito por Instituto “Libertades Públicas”,

que foi apresentado como Amicus Curiae ante o Tribunal Constitucional no

processo Rol 1881-10, eu acho que é um raciocínio consistente com nosso

contexto atual , portanto, merece ser destacado.

O Instituto apresentou informe com a intenção de que o Tribunal

Constitucional fizera decisão com declaração da inconstitucionalidade do

art igo 102 do Código Civil Chileno. O informe foi elaborado por os

advogados Pablo Cornejo, Javier Gallego e Felipe Jiménez. Eles começam

explicando o conceito reducionista da família na legislação chilena, explicam

101 STC Rol 1881 -10-INA, Voto Minis tro Vodanovic, d isponível na internet :

<http : / /www.tr ibunalconst i tucional .c l /wp/ver .php?id=2213> [Úl t ima visi ta :

10 de novembro 2013]

102 Ibid .

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caráter arbitrário que tem a negar possibilidade de matrimônios às casais

homoafetivos. Eles ilustram que negativa tem como fundamento uma

determinada concepção da família, que só ent ende o casamento heterossexual

porque é para procriação e criar aos filhos. Além disso, os advogados

perguntam se existe ou não uma concepção constitucional da família.

Para dar resposta á perguntam, eles explicam que num estado

democrático existe uma ética pluralista103

. Também, comentam que o

casamento não tem reconhecimento constitucional, não tem conceito na

Constituição. Como estabelece o professor Aldunate a “ regulação o

casamento é um problema em nosso sistema jurídico é entregue ao direito

civil, sem que seja possível encontrar na Consti tuição, nenhuma referência

direta ao casamento”104

.

Depois, eles sabem dar resposta aos típicos argumentos das pessoas que

defendem casamento só entre casais heteroafetivos. Estabelecem que não se

pode ignorar a evolução política e social de uma sociedade, ignorar pode

trazer como consequência minar a autonomia pessoal e do caráter democrático

do nosso Estado. Assim, é uma sociedade pluralista e democrática, o conceito

da família é que uma entidade funcional a diferent es planos de vida dos

indivíduos, com base na existência de laços afeto e solidariedade entre os

103 Ins t i tuto Liber tades Públ icas : Informe sobre la const i tuc ionalidad de l

ar t ículo 102 de l Código Civi l . Disponíve l na Inter net : <

ht tp: / /www.l iber tadespublicas .org/wp -content /uploads/2011/08/Amicus -Cur iae -ar t -

102.pdf>

[Úl t ima visi ta : 20 de novembro]

104 Aldunate Lizana, Eduardo: El derecho esencia l a contraer matr imonio . En

“El nuevo derecho chileno del Matr imonio”, Edi tor ia l Jur íd ica, 2006. Pp . 39 -40 .

Page 59: Programa Teixeira de Freitas 2º/2013 - stf.jus.br · ... a maioria dos seres vivos foram evolucionando e tornaram esses espaços ... Na medida em que o homem foi sendo mais complexo

seus membros105

. Os autores citam também as diferentes legislações

comparadas, onde existe um reconhecimento e tratamento delas relações

homoafetivas. Os advogados concluiu que o constituinte explicitamente optou

por não realizar um levantamento para a instituição do casamento na

Constituição, com a intenção de não fornecer de rango constitucional um

assunto cuja definição deve ser dada à legislatura, ao poder leg islativo.

Dessa forma, a definição deve ser coerente com os princípios e

garantias constitucionais, como a dignidade, a autonomia pessoal, a igualdade

perante a lei (sem discriminação arbitrária) e proteção da privacidade.

Adicionalmente, os advogados acrescentam o estabelecido pelo artigo Nº1

inc. 4º da Constituição de 1980 que “ O Estado a serviço da pessoa humana

tem a finalidade de promover o bem comum ”, também os diferentes tratados

internacionais que Chile é parte. Por outra parte, eles explicam os pr oblemas

de não dar tratamento à situação. Finalmente, eles chegam as seguintes

conclusões106

:

Primeiro, nossa Constituição não recolhe um conceito de casamento,

apenas estabelecer um amplo mandato para proteger a família, para ser o

grupo intermediário, por sua vez, entendido em termos amplos e consistentes

as funções desempenhadas em uma sociedade pluralista e democrática como

Chile, cuja constituição começa afirmando a igual dignidade de todas as

pessoas. Assim, é impossível confiar em uma suposta proteção da família

como um argumento para impedir o reconhecimento de casamento igualitário,

pelo contrário, o mandato amplo para se proteger como interpretado de acordo

com os princípios da igualdade e autonomia, é um argumento adicional

105 Ins t i tuto Liber tades Públ icas : Informe sobre la const i tuc ionalidad de l

ar t ículo 102 de l Código Civi l . Disponíve l na Internet : <

ht tp: / /www.l iber tadespublicas .org/wp -content /uploads/2011/08/Amicus -Cur iae -ar t -

102.pdf>

[Úl t ima visi ta : 20 de novembro] p . 15.

106 Ibid . Pp.40 - 44.

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reconhecer grupos familiares compostos por pessoas do mesmo sexo o direito

de formar a sua família em um casamento.

Segundo, nossa Constituição reconhece uma série de direitos que

requerem dar tratamento igual a todas as pessoas e interpretação, inclusive

das instituições sociais como o casamento.

Terceiro, a existência de um dever de tratamento igualitário e

respeitoso diferentes concepções do bem que pode se desenvolver seres

autônomos, tal como as pessoas, é complementada por nossa Carta Magna

pelo princípio da utilidade, que exige que o dever do Estado de proteger e

promover estas opções de vida diferentes, de acordo com o bem comum.

Quarto, privar um grupo de pessoas a possibilidade de acessar a

instituição do casamento, é negar dignidade que Constituição consagra.

Assim, teríamos um tratamento discriminatório que não tem qualquer

justificação razoável em uma República democrática que em teoria aceita a

diversidade de formas de vida.

Em resumo, tudo o acima mencionado permite chegar a uma única

conclusão: O Estado, quando e le nega a casais do mesmo sexo a oportunidade

de casamento, o Estado está fazendo uma exclusão que é incompatível com o

respeito pela dignidade humana, à autonomia individual e igualdade perante a

lei.

V. Conclusões

Dos casos estudados, podemos estabelecer que nos dois países a

demanda por casais do mesmo sexo não se destina a ser dá -lhes um tratamento

especial, mas simplesmente para compartilhar os benefícios de viver em

sociedade, acessando em igualdade de condições consideradas uma instituição

indispensável para o desenvolvimento de planos de vida próprios, como o

casamento ou a família. A resposta em cada país foi diferente.

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Por um lado, Brasil através do Supremo Tribunal Federal , entende que

homossexualismo é um fato da vida, que não viola qualquer nor ma jurídica,

nem é capaz, por si só, de afetar a vida de terceiros. O Supremo Tribunal

Federal entendeu a importância do Estado em uma sociedade democrática, o

papel dele é fundamental para assegurar o desenvolvimento da personalidade

de todos os indivíduos, permitindo que cada um realize os seus projetos

pessoais lícitos. Assim, o poder público, os poderes do Estado, não devem

praticar a descriminação ou preconceito, tem que fazer o contrário que é

enfrentá-los. A decisão do Supremo Tribunal Federal é útil para que as

instituições, tanto política como jurídica, começam a proteger aqueles que são

vítimas de preconceito e intolerância. No entanto, é importante que o

Congresso crie uma lei, para evitar os riscos de ativismo judicial numa

democracia.

Por outro lado, em Chile que artigo 102 do Código Civil ainda seja

constitucional, é reflexo que ainda reina o conservadorismo em nosso

Tribunal Constitucional. Primeiro, porque no começo decidiu resolver o

problema com uma resposta de forma, mas sem revisar o fun do de problema.

É verdade que o ativismo judiciário pode trazer muitos riscos para a

democracia, no entanto, o problema dos casais homoafetivos ainda não tem

solução em meu país, não tem um tratamento adequado. A decisão Rol 1881 -

10 era uma boa oportunidade para mudar a situação de não proteção das

relações homoafetivas. Apesar da situação atual , pouco a pouco as pessoas em

meu país está exigindo seus direitos, os vários organismos intermédios estão a

organizar e expressar, em outras palavras, um melhor nív el de democracia.

Espera-se que isso seja um sinal , um presságio para ter um país mais justo,

onde todos possam desenvolver com igualdade de direitos e oportunidades.

Bibliografia

Aldunate Lizana, Eduardo: El derecho esencial a contraer matrimonio . En “El

nuevo derecho chileno del Matrimonio”, Editorial Jurídica, 2006. Pp. 39-40.

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Barroso, Luis Roberto: O Novo Direito Constitucional Brasileiro. Editora

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Barroso, Luis Roberto: Diferentes, mas iguais: o reconhecimento j urídico das

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Silva Irarrázaval, Luis: La constitucionalidad del artículo 102 del Código

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inaplicabilidad fallado en la sentencia Rol Nº 1.881, de 3 de noviembre de

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5> [Última visita: 14 de novembro 2013]

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STC Rol 1881-10-INA, disponível na internet:

<http://www.tribunalconstitucional.cl/wp/ver.php?id=2213> [Última visita:

10 de novembro 2013]

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Povos Indígenas na Busca da Reintegração da sua Terra

Introdução

O direito à terra, entendido como o espaço de vida e liberdade de um grupo humano é a

reivindicação fundamental dos povos indígenas brasileiros e latino-americanos. E assim como

as terras indígenas configuram o principal direito dos índios e representam um elemento

essencial e imprescindível para a sobrevivência do silvícola e a de sua cultura, a que vêm

sendo submetidas às pressões da expansão capitalista. Elas têm relevância não só para garantir

a sobrevivência física dos povos originários, existe, além disso, uma ligação direta da questão

da terra com a fé indígena e os conhecimentos indígenas, e um povo sem seu território será

ameaçado de perder suas referências culturais e tradicionais porque a concepção do território

para os silvícolas transcende a concepção para os nãos indígenas, eles têm uma ligação

estreita com a história cultural das étnicas, sua mitologia, ligações familiares e o conjunto dos

sistemas sociais, políticos econômicos das populações etnicamente diferentes.

Nas próximas páginas estudaremos como dois países em desenvolvimento tem tratado a

temática indígena na área jurídica, que muitas vezes vai contra os interesses econômicos de

indivíduo não indígenas, e como aquele vem sendo uma luta constante pela recuperação das

terras ancestrais por os povos que segundo o CENSO de cada país a população vem crescendo

e cada vez estão mais organizados para a reivindicação de seus direitos reconhecidos

internacionalmente como direitos humanos como tal.

Os casos de maior relevância em quanto à questão das terras indígenas no Brasil e no Chile

são o Caso Raposa Serra do Sol e o Caso Hito da etnia Rapa Nui, respectivamente, os dois

objetos de comentários internacionais e recomendações respeito do Chile, para o tratamento

das questões indígenas, pelo que é importante estudar o tratamento que o poder judiciário deu

para cada litígio já que reflexa in situ a vontade que tem cada pais para melhorar as

problemáticas indígenas.

As terras indígenas e a Constituição de 1988

A questão dos direito à terra foi o problema central dos direitos indígenas na Assembleia

Nacional Constituinte de 1987/88 e ainda e tema de discussão constantemente submetido aos

Tribunais Superiores um dos mais notáveis comentários sobre a Constituição brasileira de

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1988 resumiu a situação ao referir-se a uma “constante ameaça à terra das nações indígenas

pelos grandes projetos do governo brasileiro, empresários e consórcios multinacionais”, que,

na concretização de uma “visão de desenvolvimento”, desmatam as florestas, envenenam os

rios e não concedem aos homens nenhum valor”107

.

O direito constitucional é um Direito Maior permeado de fases, sujeito à evolução, e assim

como o direito indígena que a través de seus princípios e institutos evoluiu acompanhando as

transformações da sociedade e do homem.

Antes do advento da atual Carta Política; o País, em quanto ás terras ocupadas pelos indígenas

passou por três estágios distintos: 1º) Da incorporação da América aos domínios de Portugal

até a Constituição de 1824, as terras concedidas aos índios eram de domínio pleno destas

comunidades sem restrição; 2º) Da Constituição de 1824 até a Constituição de 1934 quando

se reconheceu a posse dos índios sobre suas terras observada a capacidade, mas sem o

respectivo ius abutendi, e; 3º) Daquela Constituição até a de 1967, quando as terras foram

formalmente revertidas à União, remanescendo a eles apenas o usufruto restrito, restrição

entendida segundo as normas de ordem pública que sobre este direito incide.108

A Constituição Federal de 1988 aperfeiçoou o conceito jurídico de terras indígenas como uma

categoria sui generis. Diferenciou posse e propriedade, criando uma situação especial para as

terras indígenas, que são propriedade da União Federal de acordo com o artigo 20 da

Constituição, porém inalienável e se destina à posse permanente dos índios que têm a

exclusividade do usufruto do solo, rios e lagos109

, sendo uma das maiores proteção dos

direitos indígenas nessas terras, regulamentação que foi incluída por iniciativa do então

ministro da Agricultura, Severo Gomes.

Conceito de Terras Indígenas na Constituição

107 Vide ministro V. NUNES LEAL, Recurso Extraodrinario n°. 44.585, Mato Groso, STF, 1961 e Votum Mandado de

Segurança m°. 16 433 – DF, STF, Revista trimestral de Jurisprudencia, 49 (1967), p. 295 108

Stefanini, L. d. (2012). Código indígena no direito brasilero (2ª ed.). São Paulo: Juruá. 109

Silva, Lásaro Moreira da. O Reconhecimento dos Direitos Originários dos Índios sobre suas Terras

Tradicionais na Constituição Federal de 1988 e a Extensão do Conceito de Terras Indígenas Tradicionalmente Ocupadas.

Revista Jurídica Unigran, Dourados, v. 6, n. 11, p. 144, jan./jul. 2004.

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Hoje o principal conceito jurídico das terras indígenas encontra-se no artigo 231 da

Constituição da República Federativa do Brasil, cuja principal expressão faz referência “as

terras que tradicionalmente ocupam” que vem a constituir a cabeça do artigo sob análise.

É a mesma Constituição que fixa o sentido da frase a fim de evitar interpretações distorcidas

estabelecendo assim no §1º do art. 231 o seguinte:

São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios aquelas habitadas em

caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis

à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a

sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

Dessa forma, terras tradicionalmente ocupadas pelos índios são um conceito jurídico que

reúne quatro situações, sendo todas necessárias e cuja comprovação será através de laudo

antropológico, são elas:

As habitadas pelas comunidades em caráter permanente;

As utilizadas para as atividades produtivas da comunidade:

As imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar,

e;

As necessárias à reprodução física e cultural.

Para entender melhor o sentido do artigo é preciso determinar que é o que se entende por cada

enunciado. A ocupação com carácter permanente não se refere a uma posse imemorial, desde

tempos remotos, nem necessariamente a uma ocupação ininterrupta e atual. O termo

“permanente” significa que as terras destinam-se à posse futura da comunidade indígena.

Neste sentido é o ensinamento do jurista José Afonso da Silva: “Nem tradicionalmente nem

posse permanente são empregados em função de usucapião imemorial em favor dos índios,

como eventual título substantivo que prevaleça sobre títulos anteriores. Primeiro, porque não

há títulos anteriores a seus direitos originários. Segundo, porque usucapião é modo de

aquisição da propriedade e esta não se imputa aos índios, mas à União a outro título.

Terceiro, porque os direitos dos índios sobre suas terras assentam em outra fonte: o

indigenato”. De acordo com essa noção jurídica, os direitos dos índios à terra que eles

tradicionalmente habitam são fundamentados pelo fato de que os índios são os senhores

originários e naturais da terra.

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Já as terras utilizadas para as atividades produtivas da comunidade referem-se as áreas em

que se desenvolve a agricultura, a caça, a pesca, coleta, onde exerce qualquer atividade com o

fim de produzir e obter os elementos necessários a sua subsistência.

As terras imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao bem-estar

dos povos indígenas remetem à ideia de que este espaço deve ser suficientemente extenso, a

fim de que, pelo crescimento demográfico e pela constante e intensiva exploração do solo,

não venha a ser impossibilitada a conservação dos recursos naturais dos quais a população

indígena precisa para sobreviver.

E finalmente, as terras necessárias à reprodução física e cultural das comunidades indígenas

relacionam-se com o fato de que as terras consideradas tradicionalmente ocupadas devem

abranger um espaço suficiente a permitir o desenvolvimento da população indígena, tanto em

um sentido demográfico quanto em um sentido cultural110

Os quatro pressupostos devem ser verificados de acordo com os usos, costumes e tradições

dos índios e não em função dos critérios civilizados, de modo que possam ser respectivamente

respeitas as mais variadas formas dos índios brasileiros como referência a suas relações com a

terra.

Direitos dos povos indígenas sobre as terras

Usufruto das terras indígenas

Os próximos parágrafos do artigo 231 fixam os direitos dos povos indígenas sobre as terras,

assim de acordo com §2° do art. 231 da Constituição:

As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse

permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos

lagos nelas existentes.

Natureza jurídica do usufruto sobre as terras indígenas

110 Marques Ribeiro, Júlia. A Constituição Federal e o direito dos povos indígenas à terras: uma análise da decisão do

Supremo Tribunal Federal sobre a demarcação da terras indígenas Raposa Serra do Sol. 2012. p. 13.

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Se compararmos o usufruto estabelecido no Direito Privado com o usufruto exclusivo para as

terras indígenas tem-se que efetivamente é um direito real sobre coisa alheia, que permite aos

usufrutuários a percepção dos frutos e utilidades embora sujeitos a regime diretamente

constitucional e normas especiais e não ao Direito Civil. A principal diferença é a previsão do

§4° do art. 231 da Constituição, que estabelece que as terras e os direitos sobrem elas são

inalienáveis, indisponíveis e imprescritíveis, ao contrário do que acontece com usufruto civil

cuja característica é a temporalidade, extinguindo-se, a modo de exemplo, como indica o art.

1410 do Código Civil, pela renúncia ou morte do usufrutuário, pelo termo de sua duração,

pela consolidação entre outras causas. Em verdade, esse usufruto dos índios é o único

usufruto perpétuo previsto no ordenamento Brasileiro. Trata-se então de um verdadeiro direito

real de natureza pública111

.

Em quanto à extensão deste direito de usufruto, aprofunda mais o art. 24 da Lei N.º 6.001/73

que dispõe sobre o Estatuto do Índio.

O usufruto assegurado aos índios oi silvícolas compreende o direito à posse,

uso e percepção das riquezas naturais e de todas as utilidades existentes nas terras

ocupadas, bem assim ao produto da exploração econômica de tais riquezas naturais e

utilidades.

§1° Incluem-se, no usufruto, que se estende aos acessórios e seus acrescidos, o

uso dos mananciais e das águas dos trechos das vias fluviais compreendidos nas

terras ocupadas.

§2° É garantido ao índio exclusivo exercício da caça e pesca nas áreas por ele

ocupadas, devendo ser executadas por forma suasória as medidas de polícia que em

relação a ele eventualmente tiverem que ser aplicadas.

Garantia constitucional dos direitos especiais dos índios à terra

Os direitos estudados encontram-se assegurados através de várias normas dentro da mesma

Constituição.

a) Proibição de transferência e de remoção da população

111Cavalcabte Filho, João Trindade. Usufruto exclusivo das terras indígenas natureza jurídica, alcance e

objeto. Clubjus, Brasilia-DF. .2007

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O artigo 231 §5º, CF dispõe:

§ 5º - É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, "ad

referendum" do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em

risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do

Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que

cesse o risco.

A intenção dessa regulamentação é impossibilitar as medidas diretas e pressão indireta de

grupos de interesses cujo objetivo é a remoção dos índios por meio de intervenções contra sua

vontade e, portanto, da expulsão de suas posses112

No entanto, a proibição de remoção não é

absoluta, admite duas exceções: primeiro nos casos de garantia de sobrevivência dos grupos

indígenas por risco da população indígena por uma catástrofe ou epidemia (neste caso precisa

ordem do presidente e a posterior verificação pelo Congresso Nacional e sua anuência). A

segunda exceção é o interesse da soberania do Brasil, cuja remoção somente pode se realizar

após a deliberação pelo Congresso Nacional. Em ambos os casos, o retorno imediato é

assegurado logo que cesse o risco.

b) Proibição da atividade de garimpo

O artigo 231, §7º diz o seguinte:

§ 7º - Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, § 3º e § 4º.

O artigo 174 da Constituição regula a função que tem o Estado brasileiro de regulamentar os

territórios e a prática da atividade de garimpagem, onde as cooperativas devem ser tratadas

com prioridade na autorização ou concessão para pesquisa e lavra dos recursos e jazidas de

minerais garimpáveis. Em contrapartida, o artigo 231 já citado exclui qualquer atividade de

garimpeiros nas terras a que se refere o caput do artigo 231.

c) Inalienabilidade, indisponibilidade e imprescritibilidade

Segundo o artigo 231, §4º, da Constituição:

§ 4º - As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os

direitos sobre elas, imprescritíveis.

112 Pinto Ferreira, Comentários à Constituição Brasileira. São Paulo. 1995. p. 450.

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A inalienabilidade dos territórios inclui o fato de que essas não podem ser vendidas, doados

ou permutados, mas também não podem ser utilizados como garantia de créditos, já que os

territórios deverão continuar sendo propriedade da União em caráter permanente, ficando

excluída qualquer mudança de propriedade.

Quanto à característica de indisponibilidades das terras, a Constituição expressa que essas

terras apenas podem servir à posse dos índios em carácter permanente e ao seu usufruto

exclusivo, não sendo admissíveis alterações desta destinação das terras, nem mesmo através

de uma lei federal.

A imprescritibilidade citada no artigo 231 § 4 CF (“os direitos sobres elas são imprescritíveis)

inclui a continuidade da vigência dos direitos indígenas à terra tradicionalmente por ele

habitada, também nos casos em que tenham sido expulsos de sua terra. Nesses casos seus

direitos à terra permanecem, independentemente do tempo decorrido desde a expulsão.

d) Regulamentação da ineficácia jurídica dos atos sobre as terras indígenas.

Art. 231 § 6º - São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que

tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este

artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas

existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que

dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a

indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias

derivadas da ocupação de boa fé.

O artigo tem que vincular com a qualidade das terras indígenas, e que o verdadeiro

proprietário e a União, também com as características de Inalienabilidade, indisponibilidade e

imprescritibilidade dos direitos das terras, de forma que fica excluída qualquer possibilidade

de um prejuízo oi de uma deterioração da posição jurídica dos índios.

Porém, a regulamentação sobre a ineficácia dos atos permite exceções em um caso, no caso de

“relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar”, pelo que a

lei para sua concretização precisa de uma maioria absoluta no Congresso.

e) Obrigação de demarcação

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes,

línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que

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tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar

todos os seus bens.

A Constituição obriga à União a estabelecer os limites das terras que os índios

tradicionalmente ocupam, conforme a definição do artigo 231 §1 CF, trata-se no caso de

direitos originários e não derivados, já que a Constituição não podia criar os direitos que já

existiam antes da formação do Estado e do Direito brasileiro, mas unicamente podia

reconhecê-los. Então a demarcação tem apenas uma função declaratória com referência aos

direitos dos índios à terra que tradicionalmente é de sua posse.

f) Obrigação geral de proteção aos bens jurídicos indígenas

Dentro do mesmo artigo 231 §1 CF, encontramos a obrigação de “proteger e fazer respeitar

todos os bens dos índios”, fazem parte dos bens à terra da qual eles tradicionalmente têm a

posse, inclui assim a proteção contra a perda da posse, especialmente por invasões, bem como

a proteção de seu direito ao usufruto exclusivo da terra.

A proteção a que faz referencia o artigo não é só uma proteção simbólica, verbal ou eventual

dos bens indígenas, ao contrário, e uma obrigação constitucional e é implementada através de

organismos como a FUNAI a quem compete a proteção extrajudicial, com apoio da Polícia

Federal e das Forças Armadas, bem como de suas tropas auxiliares, que podem ser requeridas

por esta para assegurar a proteção das terras ocupadas pelos índios e pelas comunidades

indígenas. No âmbito judicial compete a o Ministério Público Federal a competência de

proteção judicial aos índios e, portanto a representação judicial dos interesses indígenas em

relação à terra.

Terras Inígenas na Convenção nº 169 da OIT, 26 de junho de 1989

A ratificação deste instrumento internacional foi feita no ano 2002 depois de anos de debate

por uma suposta incompatibilidade com a Constituição brasileira de 1988. O principal valor

para o Direito Internacional Público está em que os povo indígenas são protegidos por

primeira vez como tal, abandonando o objetivo de incorporação dos indígenas, porém, para o

direito brasileiro não represento nenhuma novidade, já que a Constituição já nove meses antes

da adoção da Convenção 169 pela Conferência da Organização Internacional do Trabalho,

havia realizado este desenvolvimento, mas a importância da Convenção 169 e que oferece

uma proteção adicional ao nível do Direito Internacional Público.

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As normas da Parte II da Convenção tratam da terra, nos seus artigos 13 até 19, as que

representam evoluções e inovações face à Convenção 107.

O artigo 13 destaca a importância de se respeitar a relação entre culturas e valores espirituais

dos povos com as terras ou territórios, obrigando aos Estados-membros a considerar esse

valor que os povos ter com suas terras, no cumprimento da Convenção.

O Artigo 14 é a norma fundamental do direito à terra da Convenção 113

, no parágrafo 1 diz

dever-se-á reconhecer aos povos interessados os direitos de propriedade e de posse sobre as

terras que tradicionalmente ocupam, o que se relaciona diretamente como o que aponta a

Constituição de 1988 no seu artigo 231 quanto ao conceito das terras que tradicionalmente

ocupam. Com respeito aos direitos de propriedade e aos direito de posse, a solução escolhida

pelo Direito brasileiro seria inadmissível, já que de acordo com ele cabe aos indígenas apenas

o direito permanente de posse, o Estado mantém a propriedade da terra indígena, porém, a

interpretação do conceito de propriedade pela OITE partiu do princípio de que em razão da

diversidade do conteúdo, preciso desde conceito nos diversos países e nos sistemas jurídicos

pelo que a forma de definir os direitos pela Constituição não constitui uma infração à

exigência da Convenção.114

No parágrafo seguinte, obriga-se aos governos a adotar as medidas necessárias para

determinar as terras que os povos ocupam e, além disso, garantir a proteção efetiva dos seus

direitos de propriedade e posse, isso através dos procedimentos adequados para solucionar as

reivindicações de terras formuladas pelos povos. Uma critica que tem este artigo é a não

consideração dos povos que já perderam sua propriedade por efeito ilegal externo.

O artigo seguinte regula os recursos naturais existente nas terras indígenas, que deverão ser

especialmente protegidos, e outorgar o direito desses povos a participarem da utilização e

conservação dos recursos mencionados, quando os minérios ou recursos do subsolo pertencer

ao Estado, os governos tem a obrigação de estabelecer ou manter procedimentos com vistas a

consultar os povos interessados, a fim de se determinar se os interesses desses povos seriam

ou não prejudicados, participando dos benefícios que essas atividades produzam, e tem direito

a receber indenização equitativa por qualquer dano que possam sofrer como resultados dessas

atividades.

113 Kayser, Hartmut-Emanuel. Os direitos dos povos indígenas do Brasil. Porto Alegre 2010, pg. 340.

114 Kayser, Hartmut-Emanuel. Os direitos dos povos indígenas do Brasil. Porto Alegre 2010, pg. 343.

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O artigo 16 proíbe como a Constituição no seu artigo 231, o traslado dos povos indígenas das

terras que eles ocupam como três requisitos, que seja com seu consentimento voluntário, em

princípio necessário, e com pleno conhecimento de causa ou de outra forma poderão ser

realizados após a conclusão de procedimentos adequados estabelecidos pela legislação

nacional, isto é após as deliberações do Congresso Nacional e garantido em qualquer

hipótese, o retorno imediato logo que cesse o motivo que levou a transferência.

O artigo 17 regula a transmissão dos direitos à terra entre os membros destes povos, as

pessoas que não pertençam aos povos indígenas devem ser impedidas de aproveitar-se de seu

direito.

A Convenção no seu artigo 18 obriga a os Estados a proteger as terras indígenas das invasões

não autorizadas oi para uso não autorizado

As exigências ao direito nacional dos Estados contratantes, contida na Convenção 169, já

foram cumpridas pelo Direito Brasileiro, o que contém até um nível maior de exigência do

que a Convenção, e assim como as obrigações impostas aos Estados de formular as normas

necessárias para o reconhecimento dos direitos à terra, obrigação de demarcação e de proteção

delas já foi feita pelo artigo 231 da Constituição e demais normas que regulamentam isso

processos como são a Lei N°. 6.001 de 19 de dezembro de 1973 e o Decreto N°. 1.775 de 08

de janeiro de 1996.

As terras indígenas no Estatuto do Índio

O Estatuto do Índio, Lei 6.001, de 19 de dezembro de 1973 regula a situação jurídica dos

índios e silvícolas e das comunidades indígenas, com o propósito de preservar a sua cultura e

integrá-los, progressiva e harmonicamente a comunhão nacional, como esta prescrito no

primeiro artigo da mesma norma citada. Alem disso, estabelece em 21 artigos o regime

jurídico das terras indígenas, em capítulo intitulado “Das Terras dos índios” e divide em três

categorias de acordo como o seguinte artigo:

Art.17° Reputam-se terras indígenas:

I - as terras ocupadas ou habitadas pelos silvícolas, a que se referem os

artigos 4º, IV, e 198, da Constituição;

II - as áreas reservadas de que trata o Capítulo III deste Título;

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III - as terras de domínio das comunidades indígenas ou de silvícolas.

Por geral são terras doadas por terceiros, adquiridas ou desapropriadas pela União, as que devem

ser protegidas e destinadas ao uso e posse direta dos indígenas, mas não se confundem com as de

posse tradicional , pois não se submetem aos procedimentos para aquelas terras ocupadas

tradicionalmente pelo índios.

A primeira categoria as terras ocupadas ou habitadas pelos silvícolas, deve ser entendida em

relação ao conceito dado pela Constituição de 1988, discutido acima, a modo de recordar a

ideia “tradicionalmente” esta de acordo com os hábitos, costumes e tradições tribais.

Na segunda categoria, o direito abriu a possibilidade de reservar as terras que não estão

ocupadas, para recuperar, recompensar, aldear o situar índios. E assim como o conceito de

terras reservadas oscilou entre dar proteção, integrar como cidadão, aldear para reprimir115

.

Ao contrario das ocupadas, estas são primeiro propriedade da União e depois por afectação ou

destinação são transformadas em terras indígenas, e quanto a elas o Estatuto do Índio

estabelece no seu artigo 26:

A União poderá estabelecer, em qualquer parte do território nacional, áreas distintas

à posse e ocupação pelos índios, onde possam viver e obter meios de subsistência, com

direito ao usufruto e utilização das riquezas naturais indígenas, podendo organizar-se

sob uma das seguintes modalidades:

a) reserva indígena;

b) parque indígena;

c) colônia agrícola indígena;

d) território federal indígena;

É o mesmo estatuo que define cada subcategoria das áreas reservadas, então têm que entender

cada uma delas da seguinte forma:

Reserva Indigena é uma área destinada a servir de habitat a grupos indígenas, com os meios

suficientes à sua subsistência (Art. 27°);

115 Souza Filhjo, Carlos Frederico de. O renascer dos povos indígenas para o direito. Curitiba. 2012. p.

130.

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Parque Indígena é a área contida em terra para posse dos indios, cujo grau de integração

permita assistência econômica, educacional e sanitária dos órgãos da União, em que se

preservem as reservas de flora e fauna e as belezas naturais da região (Art. 28°);

Colônia agrícola é a área destinada à exploração agropecuária, administrada pelo órgão de

assistência a o índio, onde convivam tribos acumuladas a membros da comunidade nacional

(Art. 29°), e finalmente;

Território federal indígena é a unidade administrativa subordinada À União, instituída em

região na qual pelo menos um terço da população seja formado por índios (Art. 30°).

Porém, tais diferenciações para a doutrina perderam importância com o passar do tempo como

o autor Luiz de Lima Stefanini, e são categorias consideradas apenas como nomes, sem

repercussão jurídica, servindo, como adverte Carlos Frederico Máres de Souza Filho, para

arrogância de alguma política indigenista intentar converter terra indígena em parque ou

colonia, no intento de desconctituir, aos poucos, o caráter definitivo e exclusivo da terra

indígena.

Reconhecimento das terras indígenas

No ano 2011, foi divulgado um relatório feito pela organização Anistia Internacional

chamado Sacrificando Direito em Nome do Progresso: Povos Indígenas Ameaçados nas

Américas, nele o responsável pela pesquisa no país, Patrick Wilcken, conclui que o

crescimento rápido do Brasil, a expansão do agronegócio e a construção de grandes obras,

aumenta o risco para os indígenas, é assim como o Estado brasileiro deveria adiantar-se à

expansão das fronteiras destas ameaças, marcando por antecipação as terras indígenas.

Porque, como vimos o que define a terra indígena é a ocupação ou posse ou estar indígena

sobre a terra 116

, pelo que é importante a demarcação, como tal, para dar uma proteção física,

para evitar as incertezas jurídicas com respeito a responsabilidade governamental com

respeito à vigilância e à proteção dessas terras.

A própria Constituição que estabelece a obrigação da União de demarcar no caput do artigo

231 “São reconhecidos aos índios [...] os direitos originários sobre as terras que

116 Souza Filho, Carlos Frederico Marés. O renascer dos povos indígenas para o direito. Curitiba. 2012.

p. 148/149.

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tradicionalmente ocupam, competindo à União demarca-las [...]”, não tem o ato um efeito

constitutivo o que resulta da formulação empregada no caput do artigo 231 CF, de direitos

originários, isto é, de direitos que não são derivados. Esses direitos já existiam antes da

formação do Estado brasileiro, e a Constituição não pode criar os direitos já existentes,

unicamente “reconhece-los”. 117

. Por isso que a demarcação das terras indígenas tem apenas

uma função declaratória

A FUNAI entende por reconhecimento como o meio administrativo para explicitar os limites

do território tradicionalmente ocupado pelos povos indígena, cuja finalidade é:

a. Resgatar uma divida histórica com os primeiros habitantes destas terras:

b. Propiciar as condições fundamentais para a sobrevivência física e cultural desses

povos, e;

c. Preservar a diversidade cultural brasileira.

Procedimento de reconhecimento

Desde 1973, o procedimento foi regido por cinco decretos diferentes, culminando finalmente

com o Decreto 1.775 de 1996. O primeiro foi o mais simples, o Decreto 76.999 de 8 de

janeiro de 1976 nele o procedimento inicia-se com a nomeação, pelo Presidente da FUNAI,

de um antropólogo e um engenheiro ou agrimensor, que faziam um relatório contendo a

identificação prévia dos limites da área, aprovada a demarcação pelo Presidente da FUNAI, o

Presidente da República homologava e era levada no registro em cartório e no Secretaria de

Patrimônio da União.

Em 23 de fevereiro, entrou em vigor o Decreto 88.118, o qual complicou o processo. Na

primeira etapa, uma equipe técnica da FUNAI fazia a identificação da área e apresentava o

resultado a um grupo de trabalho composto por vários órgãos federais e estaduais, excluindo

qualquer consulta aos povos indígenas. O parecer do grupo de trabalho era encaminhado ao

Ministro do Interior e ao então Ministro extraordinário para Assuntos Fundiários. Ambos os

ministros levavam para o Presidente da República que, por decreto, delimitava a área e

determinava a demarcação física. Finalmente, o novo decreto de homologatório do Presidente

da República era levado a o registro no SPU e no Registro de Imóveis.

117 Harmut, Emanuel Kayser. Os direitos dos povos indígenas do Brasil. Porto Alegre. 2010. p. 339.

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Em 1987, novas complicações burocráticas. Por meio de Decreto 94.945, de 23 de setembro

de 1987, foram criadas diferenças entre terras indígenas situadas na faixa de fronteira,

agregando conceitos totalmente impertinentes e distantes do parâmetro constitucional então

vigente, como por exemplo, a participação do Conselho de Segurança Nacional em alguns

casos, e ainda, as demarcações da época dependerem, na prática, da aprovação dos setores de

segurança nacional118

.

O decreto vigorou até 1991, quando o Decreto 22, de 4 de fevereiro de 1991 o substituiu. O

novo procurou adaptar o procedimento a Constituição aprovada dois anos e meio antes, ainda

com alguns defeitos profundos, podendo fazer que, sob sua vigência, fossem demarcadas as

mais importantes e o maior número de terras indígenas, em unidades e em extensão territorial.

O maior defeito é a reiterada omissão de participação dos povos indígenas no processo. A

maior virtude foi à determinação de terras indígenas visando cumprir o disposto no artigo 67

do ADCT.

Produto das sentenças com decisões contrárias aos direitos dos indígenas, a estratégia legal

dos terceiros ocupantes foi contestar o Decreto 22/91, sob alegação de que este não outorgaria

direito de defensa a possíveis ocupantes ou titulares de direitos em face de atos

administrativos de governo que reconheciam os direitos dos índios.

A fim de neutralizar esse possível desafio legal, o Governo emitiu o Decreto 1775, de 8 de

janeiro de 1996, que estabelece um procedimento relativamente sumário destinado a evitar um

possível obstáculo legal à clareza jurídica dos títulos indígenas. O procedimento, além disso,

inclui um recurso que habilita particulares e autoridades governamentais locais e estaduais a

contestar a criação ou demarcação de terras indígenas, por meio da apresentação de

evidências que negassem a ocupação prévia pelos indígenas ou que demonstrassem direitos de

terceiros sobre essas terras.

Hoje as maiores dificuldades de reconhecimento e consolidação das áreas indígenas, segundo

o relatório feito pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, são: a criação de novos

municípios em áreas indígenas, mediante decisões estaduais; as dificuldades legais para

reaver terras ocupadas ilegalmente por terceiros e a introdução de infraestrutura (estradas,

118 Souza Filho, Carlos Frederico Marés. O renascer dos povos indígenas para o direito. Curitiba. 2012.

p. 151.

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barragens) que destroem e agridem a integridade física e cultural das áreas indígenas.

Adiciona-se agora a essas a PEC 215, que transfere a competência da União na demarcação

das terras indígenas para o Congresso Nacional e possibilita a revisão das terras já

demarcadas.

Etapas do processo do reconhecimento

O processo de reconhecimento é regulado pelo Decreto 1.775, nele podemos distinguir as

seguintes fases:

1. Estudos de Identificação. Artigos 1 e 2

A demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios inicia-se com os trabalhos de

um antropólogo de qualificação reconhecida e nomeado pelo órgão federal de assistência ao

índio (FUNAI), para elaborar estudo de identificação da TI em questão.

O mesmo órgão designará grupo técnico especializado, composto preferencialmente por

servidores do próprio quadro funcional que será coordenado por antropólogo, com a

finalidade de realizar estudos complementares de natureza etno-histórica, sociológica,

jurídica, cartográfica, ambiental e o levantamento fundiário necessário à delimitação.

Os laudos periciais antropológicos formam um importante instrumento jurídico para a defesa

dos direitos indígenas, já que eles transformam as narrativas e a tradição oral dos índios

pesquisados em documentos que tem efeitos jurídicos por seu valor probatório na ocupação

tradicional daquele território em estudo.

Concluídos os trabalhos sobre a área objeto de identificação e delimitação, o grupo técnico

apresentará relatório circunstanciado ao órgão federal de assistência ao índio, caracterizando a

terra indígena a ser demarcada.

2. Aprovação da FUNAI, §7º do art. 2

Aprovado o relatório pelo titular do órgão federal de assistência ao índio, este fara publicar

resumo, no prazo de quinze dias, contados desde a data que o receber, no Diário Oficial da

União e no Diário Oficial da unidade federada onde se localizar a área sob demarcação,

acompanhado de memorial descritivo e mapa da área devendo a publicação ser afixada na

sede da Prefeitura Municipal da situação do imóvel.

3. Contestações, §8º do art. 2

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Desde o início do procedimento demarcatório até noventa dias após a publicação do relatório,

poderão os Estados e Municípios em que se localize a área sob a demarcação e demais

interessados manifestar-se, apresentando ao órgão federal de assistência ao índio razões

instruídas com todas as provas pertinentes, para o fim de pleitear indenização ou para

demonstrar vícios, totais ou parciais do relatório.

A FUNAI tem sessenta dias após os noventa mencionados, para elaborar pareceres sobre as

razões de todos os interessados e encaminhar o procedimento ao Ministro da Justiça.

4. Declarações dos limites das Terras Indígena, §1º do art. 2

Até trinta dias após o recebimento do procedimento, o Ministro de Estado da Justiça decidirá:

a) declarar, mediante Portaria, os limites da terra indígena e determinando a sua demarcação:

b) prescrever diligências que julgue necessárias, as quais deverão ser cumpridas no prazo de

noventa dias: ou c) desaprovar a identificação e retornando os autos ao órgão federal de

assistência ao índio, mediante decisão fundamentada, circunscrita ao não atendimento do

disposto no § 1º do art. 231 da Constituição e demais disposições pertinentes.

5. Demarcação física, art. 4º

Declarados os limites da área, a FUNAI promove a sua demarcação física, e, se verificada a

presença de ocupantes não índios na área sob demarcação, o órgão fundiário federal em

caráter prioritário, procedera ao respectivo reassentamento de aqueles ocupantes.

6. Homologação, art. 5º

Efetuado o processo de demarcação este deve ser submetido ao Presidente da República para

que seja homologado mediante decreto.

7. Registro, art. 6 º

Até trinta dias após a publicação do decreto de homologação, o órgão federal de assistência ao

índio promoverá o respectivo registro em cartório imobiliário da comarca correspondente e na

Secretaria do Patrimônio da União do Ministério da Fazenda.

Situação dos Povos Indígenas no Chile

Desde o advento da República até a atual Constituição de 1980, não houve mudanças

substanciais na situação indígena. Em matéria das terras, as tentativas de controle territorial

no período da conquista espanhola continuam até mais tarde, como por exemplo, com a

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ocupação militar da Araucanía no ano 1881 a que começo o processo de radicação do povo

mapuche, reduzindo as comunidades através da prestação de chamada e ainda válido, “título

de merced”. Paralelo a isso, o Estado chileno anexa ao seu território o planalto andino

ocupado pelo povo aymara e, além disso, tomou posse da Ilha de Pascua que abriga o povo

rapa nui.

Durante o regime militar (1973 – 1989) o pisoteio dos povos nativos, como resultados de

políticas e legislação aplicada durante este período, incentivou o desenvolvimento de um

processo para fortalecer suas organizações, para a definição e aprofundamento de suas

demandas, mas, contra a recusa do regime para aceitas as petições feitas e no contexto da

eleição de 1989, decidiu levar duas demandas aos adversários dos partidos da oposição

agrupados na Coalizão de Partidos pela Democracia para incluir suas demandas nos planos do

governo.

A principal reivindicação feita para essa coalizão é a necessidade de reconhecimento

constitucional dos povos indígenas e a elaboração de uma lei para essas pessoas pegando os

princípios consagrados na Convenção 169 da OIT.

Com o advento da democracia, os principais avanços foram o estabelecimento pelo Decreto

nº30 de um comitê especial dos povos indígenas (CEPI), que seria responsável da

coordenação das políticas estatais na esfera indígena, a que enviou um projeto ao parlamento

para a criação da lei indígena, junto com uma reforma constitucional para que os povos

indígenas fossem reconhecidos pela Constituição.

Porém, a tentativa de obter o reconhecimento constitucional, ainda, depois de 23 anos de

democracia, não é eficaz, embora Chile estabelecesse o reconhecimento e proteção dos povos

indígenas no legal, ainda não chegaram a um consenso para reconhecer e finalmente tratar os

vários aspectos da questão indígena.

Povos indígenas na Constituição Política da República do Chile

No ano 1989, perto da democracia, a Coalizão de Partidos Políticos Democráticos e seu

candidato presidencial Patricio Aylwin subscreveram o Pacto da Nova Imperial com

representantes dos povos indígenas, nele estabelecia-se a necessidade de reconhecer os povos

indígenas constitucionalmente e, além disso, desenvolver um quadro legal para seu

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desenvolvimento, necessidade que reside na obrigação de assegurar a existência e

continuidade desses povos e a formação da identidade de cada um dos seus membros.

Desde então, sete projetos de reforma constitucional que foram enviados ao Congresso a fim

de reconhecer os povos indígenas, de os quais o mais recente ingresso o 25 de novembro de

2007 e ainda está na primeira etapa constitucional.

O projeto estabelece as seguintes modificações:

Único Artigo.- Introduzem-se as seguintes alterações à Constituição da República:

1) Reemplázase o artigo 4º por o seguinte

"Art. 4 - . A nação chilena é una , indivisível e multicultural.

O Estado reconhece a existência dos povos indígenas que habitam seu território e o direito

de suas comunidades, organizações e membros para manter, reforçar e desenvolver a sua

identidade, cultura, língua, tradições e instituições e de participar na vida económica, social,

política e desenvolvimento cultural de uma forma que define a ordem jurídica nacional.

Os povos indígenas podem organizar suas vidas de acordo com seus costumes, desde

que esta não contrarie a Constituição e as leis ”

2) Intercala-se no artigo 5 º o seguinte parágrafo primeiro, novo:

"Artigo 5 º - . Chile é uma república democrática . " .

3) Intercala-se , no primeiro parágrafo §2 º do artigo 19, entre as palavras " mulher "

e " são" , a seguinte frase , vírgula: " independentemente da sua origem racial ou

étnica " .

4) Aditado ao número §24° do artigo 19 o seguinte parágrafo final, novo:

"A lei protege a propriedade das terras dos povos indígenas e seus direitos e uso da

água, conforme estabelecido na Constituição e nas leis".

Este texto não considera os direitos concedidos a esses povos por tratados internacionais,

incluindo a Convenção 169 OIT, fazendo com que os direitos concedidos aos povos indígenas

meramente previstas na legislação nacional.

A nação chilena é una, indivisível e multicultural. Essa frase reflete a ideia de uniformidade

que caracteriza o Governo Federal, também indicado medo infundado de diversos setores

políticos do nosso país para processos de separação dos povos indígenas.

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O direito de propriedade da terra e da água que define esta proposta deixa de fora aqueles que

emanam da posse ancestral da terra, reconhecido no artigo 14.1 da Convenção 169, e como

aqueles relacionados aos recursos naturais em geral Artigo 15.1 e 15 de fevereiro. Por outro

lado, propondo que tais direitos pertencem apenas às pessoas e comunidades, está sendo

negado aos povos indígenas como sujeitos de direitos coletivos.

Estado do Chile e a Convenção nº 169 da OIT, 26 de junho de 1989

A Convenção nº 169 é o único instrumento internacional dedicado exclusivamente aos povos

indígenas, e que apesar de estar desde 1990 no parlamento, recentemente, em março de 2007

foi ratificado pelo Estado Chileno.

O debate centrou-se na utilização do termo “povos” para referir-se aos nativos, linguagem que

foi a principal razão para a rejeição dos partidos políticos UDI e RN, é assim como no ano

2000, quando o convenio foi aprovado pela Câmara dos Deputados com 72 votos a favor e

que só faltava a aprovação do Senado para que a convenção fosse transformada em lei da

república, que um grupo de 31 deputados da oposição começo um atraso que terminaria

apenas sete anos depois.

O grupo de deputados presentaram ao Tribunal Constitucional um requerimento de declaração

de inconstitucionalidade por não ter sido aprovado pela Câmara dos deputados com rango de

lei orgânica constitucional e por infringir as bases da institucionalidade.

Respeito o primeiro ponto os requerentes dizer que o tratado devesse ser votado como um

todo o que implica que se existem dentro dele uma norma de caráter orgânico constitucional o

de quórum qualificado, o tratado precisa então ser votado com maior quórum. No entanto, a

Convenção foi adotada como uma regra de direito comum, já que a Câmara dos Deputados

considerou que não teve nenhuma norma que alterara uma lei de quórum especial, ainda que

formalmente os votos a seu favor excedessem o mínimo necessário.

Em relação a segunda, o tribunal rejeitou o pedido utilizando a doutrina de as disposições

executável dos tratados internacionais, as que entenderam como:

“As primeiras [regras autoexecutável], são as que têm como conteúdo e precisão

necessária que as habilita para que sejam aplicadas sem mais ação como fonte de

direito. Em outras palavras, eles são autossuficientes, e entram no direito nacional

quando o tratado que as contém incorpora-se à legislação ao direito em vigor”

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Então para o Tribunal Constitucional o caráter autoexecutável não deveria entrar diretamente

a ordenamento interno, o que aconteceria no caso de leis autoexecutáveis, a critério do TC o

que surge é que uma vez ratificado o tratado é o dever de desenvolvimento normativo, mas

enquanto esse desenvolvimento não ocorre, as regras do tratado não seria diretamente

aplicável, somente após do desenvolvimento legislativo o TC pronunciara-se sobre sua

constitucionalidade, não sendo suficiente a ratificação sozinha para o surgimento das

obrigações internacionais de que a lei contém.

A ratificação do acordo seguiu com atrasos, e foi o último no ano 2008, em que a Convenção

foi sometida novamente a um controle de constitucionalidade quanto ao direito de consulta

que inclui a convenção, nesta ocasião o tribunal apontou que o estabelecimento de modos de

participação dos povos indígenas são matérias reservadas às leis orgânicas constitucionais e

cujo âmbito foi previamente regulado por leis setoriais e pela mesma Constituição.

Finalmente, o governo e a oposição chegaram a um acordo político para aprovar o acordo no

Senado, sujeito o instrumento a uma ratificação que incluiu uma declaração interpretativa

sobre o artigo 35º 119

do mesmo, no sentido de que só se aplica em relação aos tratados

internacionais ratificados por Chile e que estão em vigor.

Terras Indígenas na Lei Indígena nº 19.253

No ano 1993 foi promulgada a Lei Indígena nº 19.253 que Estabelece as Normas Sobre

Proteção, Fomento e Desarrolho dos Povos Indígenas, o corpo legal reconhece as etnias

indígenas e estabelece que as terras são a base essencial de sua existência e de sua cultura.

A lei então inspira no reconhecimento dos povos e culturas indígenas, deseja restabelecer o

conceito jurídico de terras indígenas, abarcando as terras comunitárias e as individuais,

regulando os atos civis que podem cair sobre elas, ao contrário do que acontece no Brasil cuja

Constituição cria uma categoria sui generis para os territórios indígenas.

Conceito de Terras Indígenas

119 Artigo 35º Convenção nº 169 da OIT “ A aplicação das disposições da presente Convenção não

deverá prejudicar os direitos e as vantagens garantidos aos povos interessados em virtude de outras convenções e recomendações, instrumentos internacionais, tratados, ou leis, laudos, costumes ou acordos nacionais.”

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Durante a discussão do projeto de lei, falara-se de terras ancestrais, termo que engloba todas

as terras que o Estado chileno através do direito histórico e vigente tem por reconhecido o

domínio indígena.

Finalmente, a lei faz referência a elas no artigo 12 estabelecendo duas categorias para elas,

primeiras àquelas terras que vêm de títulos entregados pelas diversas leis que o Estado chileno

uso desde sua criação de acordo com o seguinte inciso:

... 1° Aquellas que las personas o comunidades indígenas actualmente ocupan en

propiedad o posesión provenientes de los siguientes títulos...

Em quanto a expressão actualmente, é claro que o legislador deseja desligar o caráter de terras

indígenas aquelas que, sendo indígenas no começo, agora são de propriedade dos não

indígenas (da mesma maneira que a jurisprudência há interpretado)120

.

Além disso, a segunda categoria das terras é, segundo o mesmo artigo §2

Aquellas que históricamente han ocupado y poseen las personas o comunidades

mapuches, aimaras, rapa nui o pascuenses, atacameñas, quechuas, collas, kawashkar

y yámana, siempre que sus derechos sean inscritos en el Registro de Tierras Indígenas

que crea esta ley, a solicitud de las respectivas comunidades o indígenas titulares de

la propiedad.

Proteção das terras

Em quanto a proteção das terras indígenas, a lei estabelece que estarão isentas do pagamento

das contribuições; não podem ser enajenadas, embargadas, gravadas, ni adquiridas por

prescripción, salvo entre comunidades o personas indígenas de una misma etnia. No obstante,

se permitirá gravarlas, previa autorización de la Corporación. Este gravamen no podrá

comprender la casa-habitación de la familia indígena y el terreno necesario para su

subsistência 121

.

120 Jaime López Allendes. Las Tierras Indígenas en la Ley 19.253. Revistas CUHSO- Volumen Especial.

Pag. 10

121 Artigo 13 Ley n°19.253

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Permite-se então a transferências das terras a demais atos que o artigo se refere só entre

comunidades e pessoas indígenas de uma mesma etnia, neste caso aplicam-se as regras do

Código Civil e com a presença e autorização da Corporación Nacional de Desarrollo Indígena.

O que dizem os tribunais

A decisão “Raposa Serra do Sol”

População : 20.000 habitantes

Extensão : 1.678.000 hectares

A Raposa Serra do Sol é uma área de terra indígena localizada no nordeste do Estado

Brasileiro de Roraima, circunscrita aos municípios de Pacaraima, Uiramutã e Normandia. A

zona representou durante anos, uma localidade de alta capacidade produtiva de cultura

arrozeira, consequência da ocupação ocorrida durante os anos de 1970, mais, amparados por

uma politica de colonização do Amazonas promovido pelo Instituto Nacional de Colonização

e Reforma Agrária (INCRA), que nas últimas décadas havia concedido os títulos sobre as

terras, os que tornaram-se os novos proprietários das terras ocupando área de

aproximadamente 100 mil hectares.

As comunidades indígenas voltaram-se contrárias aos modelos de exploração, requisitando

para si o domínio e controle das terras. Uníssona a essa pretensão, a Constituição Federal de

1988 empreendeu uma nova leitura de abordagem por parte do Estado brasileiro para com os

indígenas.

O início do destacado caso do Raposa Serra do Sol tem seus inicios em 1998, quando o

Ministério da Justiça publicou a Portaria n° 820, de 11/12/98, declarando a área como terra

indígena. Diante disto, o Governo de Roraima impetra mandado de segurança no Superior

Tribunal de Justiça (STJ) com pedido de anulação daquela portaria, mas no ano 2002, o STJ

nega o pedido.

Nesta situação, o Governo de Roraima impetra mandado de segurança no Superior Tribunal

de Justiça (STJ) no ano 1999, com pedido de anulação da Portaria 820/98. Uma liminar

parcial é concedida em favor do governo de Roraima, mas no ano 2002 o mandado de

segurança pedido pelo governo de Roraima é negado pelo Superior Tribunal de Justiça e a

liminar parcial é revogada.

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No ano 2003, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira lança a

campanha pela homologação da Terra Indígena Raposa do Sol, que conclui com a Portaria

534/2005, homologando a demarcação da TI e determina que “o Parque Nacional do Monte

Roraima é bem público da União, submetido a regime jurídico de dupla afetação, destinado à

preservação do meio ambiente e à realização dos direitos constitucionais dos índios". O

decreto assegura também a ação das Forças Armadas, para a defesa do território e da

soberania nacionais, e da Polícia Federal, para garantir a segurança e a ordem pública e

proteger os direitos constitucionais indígenas, na Terra Indígena.

As inúmeras ações possessórias, a ação popular, os mandados de segurança e os pedidos

contra a demarcação da área contínua da Raposa Serra do Sol, impediram finalizar o processo

de demarcação da terra indígena.

Mediante ação popular contra a União, em 20 de maio de 2005, de autoria da República

Augusto Affonso Botelho Neto assistido pelo também senador Francisco Mozalindo de Melo

Cavalacanti, ajuizou-se no Supremo Tribunal Federal a Petição 3388, impugnando o modelo

de demarcação continua da Terra Raposa Serra do Sol e requerendo a suspensão liminar dos

efeitos da portaria 534/2005 e do decreto homologatório assinado pelo presidente Luiz Inácio

Lula da Silva, além da declaração de nulidade da mesma portaria.

Continuam as ações contra a demarcação, e como no ano 2007, o Estado de Roraima ajuiza

uma ação cautelar contra a União e a Funai, pedindo a suspensão, em parte, da portaria do

Ministério da Justiça e do decreto presidencial que tratam da ampliação e demarcação da

reserva, apontando supostas ilegalidades no processo de demarcação de parte da área, embora,

o STF difere da ação do Estado de Roraima que impetra uma nova ação tentando anular o

laudo antropológico que serviu de base para a demarcação.

Neste contexto, a Policia Federal inicia a Operação Upakaton 3, a que tinha por finalidade

retirar os não-índios das terras, mas a operação encontra resistência pelo que o STF decide

suspender a ação da PF. Enquanto isso, o ministro-relator do STF Carlos Ayres Britto avalia

seu voto sobre o processo que contesta a demarcação da reserva. O STF não decide tamanho

da TI, mas sim a validade do processo demarcatório.

AÇÃO POPULAR PETIÇÃO 3.388 RORAIMA

DATA 19/03/2009 TRIBUNAL PLENO

PARTES

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RELATOR : MIN. AYRES BRITTO

REQTE. : AUGUSTO AFFONSO BOTELHO NETO

RQDO. : UNIÃO

ALEGAÇÕES

Vícios existentes na condução do processo administrativo de demarcação da Terra Indígena

Raposa Serra do Sol.

O requerente alega que os principais interessados não foram citados para se manifestar na fase

de instrução do processo, pelo que pede a declaração de nulidade da Portaria n° 534/2005 do

Ministro de Estado da Justiça bem como do Decreto homologatório de 15.04.2005.

ARGUMENTOS

Parte Requerente

Para atingir seu objetivo, o autor popular junta cópia de um laudo pericial já constante de

outra ação popular, ajuizada perante a Justiça Federal de Roraima, no Processo nº

1999.42.00.000014-7, extinto sem apreciação do mérito por efeito do julgamento da

Reclamação 2.833122

. Baseado nesse documento, o requerente sustenta que o laudo

antropológico sobre a área em questão foi assinado por só um profissional, o que seria prova

de uma presumida parcialidade.

As consequências da demarcação como área contínua seriam desastrosas para o Estado

roraimense, no aspecto comercial, econômico e social, e, quanto aos interesses do País,

haveria comprometimento da segurança e da soberania nacionais, prejudicando assim os

legítimos interesses dos não índios.

Finalmente, argumenta o requerente, haveria desequilíbrio no concerto federativo, já que a

área demarcada ao passar para o domínio da União mutilaria parte significativa do território

do Estado, e ofenderia o princípio da razoabilidade ao privilegiar a tutela do índio em

detrimento da, por exemplo, a livre iniciativa.

Legislação invocada:

Decreto n° 22, de 4 de fevereiro de 1991.

122 Relatório

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Dispõe sobre o processo administrativo de demarcação das terras indígenas e dá outras

providências

Decreto n° 1.775, de 8 de janeiro de /1996.

Dispõe sobre o procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas e dá

outras providências

Partes

Requerido / Ministério Público

A União apresentou em sua defensa, em primeiro lugar o histórico da ocupação indígena em

toda a região, fazendo uma evolução legislativa sobre o assunto desde o Brasil-colônia.

A contestante respaldada pelo art. 231 e parágrafos da Carta Magna, arrematou o seu

raciocínio com o juízo de que “não é o procedimento demarcatório que cria uma posse

imemorial, um habitat indígena, mas somente delimita a área indígena de ocupação

tradicional, por inafastáveis mandamentos constitucionais e legais”

Legislação invocada

Artigo 231 e parágrafos da Constituição da República Federativa do Brasil

Procuradoria Geral da República

Seus fundamentos são principalmente a necessidade de marcação das áreas tradicionalmente

ocupadas pelas comunidades indígenas para a preservação de sua tradição e cultura; a

distinção entre o conceito de posse indígena e aquela do Direito Civil; o estudo antropológico

realizado por profissional habilitado: o caráter originário e anterior dos direitos dos indígenas,

respeito do Estado de Roraima e a presença permanente de numerosos grupos de indígenas

nas terras de que tratam os autos.

Voto Senhor Ministro Carlos Ayres Britto (Relator)

Improcedência da ação popular, e assenta a condição indígena da área demarcada como

Raposa/Serra do Sol, em sua totalidade pelo que fica revogada a liminar concedida na Ação

Cautelar n° 2009.

Decisão

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Preliminarmente, o Tribunal, por unanimidade, resolveu questão de ordem, proposta pelo

Relator no sentido de admitir os pedidos de admissão à lide, subscritos pela Fundação

Nacional do Índio– FUNAI (etição nº 62.154), Estado de Roraima (petição nº 64.182),

Lawrence Manly Harte (petição nº 67.733), Comunidade Indígena Barro e outras (petição n°

68R.192) e Comunidade Indígena Socó (petição n° 70.151).

Prosseguindo no julgamento, vencidos os Senhores Ministros Joaquim Barbosa, que julgava

totalmente improcedente a ação, e Marco Aurélio, que suscitara preliminar de nulidade do

processo e, no mérito, declarava a ação popular inteiramente procedente, julgou o Tribunal

parcialmente procedente, nos termos do voto do Relator, revisado segundo as observações

constantes do voto do Senhor Ministro Menezes Direito, declarando constitucional a

demarcação contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol e determinando que sejam

observadas as seguintes condições:

(i) o usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes nas terras indígenas (art.

231, § 2º, da Constituição Federal) pode ser relativizado sempre que houver, como dispõe o

art. 231, § 6º, da Constituição, relevante interesse público da União, na forma de lei

complementar;

(ii) o usufruto dos índios não abrange o aproveitamento de recursos hídricos e potenciais

energéticos, que dependerá sempre de autorização do Congresso Nacional;

(iii) o usufruto dos índios não abrange a pesquisa e lavra das riquezas minerais, que dependerá

sempre de autorização do Congresso Nacional, assegurando-se lhes a participação nos

resultados da lavra, na forma da lei;

(iv) o usufruto dos índios não abrange a garimpagem nem a faiscação, devendo, se for o caso,

ser obtida a permissão de lavra garimpeira;

(v) o usufruto dos índios não se sobrepõe ao interesse da política de defesa nacional a

instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares, a expansão

estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o

resguardo das riquezas de cunho estratégico, a critério dos órgãos competentes (Ministério da

Defesa e Conselho de Defesa Nacional), serão implementados independentemente de consulta

às comunidades indígenas envolvidas ou à FUNAI;

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(vi) a atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal na área indígena, no âmbito de suas

atribuições, fica assegurada e se dará independentemente de consulta às comunidades

indígenas envolvidas ou à FUNAI;

(vii) o usufruto dos índios não impede a instalação, pela União Federal, de equipamentos

públicos, redes de comunicação, estradas e vias de transporte, além das construções

necessárias à prestação de serviços públicos pela União, especialmente os de saúde e

educação;

(viii) o usufruto dos índios na área afetada por unidades de conservação fica sob a

responsabilidade do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade;

(ix) o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade responderá pela

administração da área da unidade de conservação também afetada pela terra indígena com a

participação das comunidades indígenas, que deverão ser ouvidas, levando-se em conta os

usos, tradições e costumes dos indígenas, podendo para tanto contar com a consultoria da

FUNAI;

(x) o trânsito de visitantes e pesquisadores não-índios deve ser admitido na área afetada à

unidade de conservação nos horários e condições estipulados pelo Instituto Chico Mendes de

Conservação da Biodiversidade;

(xi) devem ser admitidos o ingresso, o trânsito e a permanência de não-índios no restante da

área da terra indígena, observadas as condições estabelecidas pela FUNAI;

(xii) o ingresso, o trânsito e a permanência de não-índios não pode ser objeto de cobrança de

quaisquer tarifas ou quantias de qualquer natureza por parte das comunidades indígenas;

(xiii) a cobrança de tarifas ou quantias de qualquer natureza também não poderá incidir ou ser

exigida em troca da utilização das estradas, equipamentos públicos, linhas de transmissão de

energia ou de quaisquer outros equipamentos e instalações colocadas a serviço do público,

tenham sido excluídos expressamente da homologação, ou não;

(xiv) as terras indígenas não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou

negócio jurídico que restrinja o pleno exercício do usufruto e da posse direta pela comunidade

indígena ou pelos índios (art. 231, § 2º, Constituição Federal, c/c art. 18, caput, Lei n°

6.001/1973);

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(xv) é vedada, nas terras indígenas, a qualquer pessoa estranha aos grupos tribais ou

comunidades indígenas, a prática de caça, pesca ou coleta de frutos, assim como de atividade

agropecuária ou extrativa (art. 231, § 2º, Constituição Federal, c/c art. 18, § 1º, Lei nº

6.001/1973);

(xvi) as terras sob ocupação e posse dos grupos e das comunidades indígenas, o usufruto

exclusivo das riquezas naturais e das utilidades existentes nas terras ocupadas, observado o

disposto nos arts. 49, XVI, e 231, § 3°, da CR/88, bem como a renda indígena (art. 43 da Lei

nº 6.001/1973), gozam de plena imunidade tributária, não cabendo a cobrança de quaisquer

impostos, taxas ou contribuições sobre uns ou outros;

(xvii) é vedada a ampliação da terra indígena já demarcada;

(xviii) os direitos dos índios relacionados às suas terras são imprescritíveis e estas são

inalienáveis e indisponíveis (art. 231, § 4º, CR/88);

(xix) é assegurada a participação dos entes federados no procedimento administrativo de

demarcação das terras indígenas, encravadas em seus territórios, observada a fase em que se

encontrar o procedimento. Vencidos, quanto ao item;

(xvii), a Senhora Ministra Carmen Lúcia e os Senhores Ministros Eros Grau e Carlos Britto,

Relator. Cassada a liminar concedida na Ação Cautelar nº 2.009-3/RR. Quanto à execução da

decisão, o Tribunal determinou seu imediato cumprimento, independentemente da publicação,

confiando sua supervisão ao eminente Relator, em entendimento com o Tribunal Regional

Federal da 1ª Região, especialmente com seu Presidente. Votou o Presidente, Ministro Gilmar

Mendes. Ausentes, justificadamente, o Senhor Ministro Celso de Mello e a Senhora Ministra

Ellen Gracie, que proferiram voto em assentada anterior.

A decisão no caso Clan Hito do Povo Rapa Nui

Antecedentes históricos da relação entre Rapa Nui e o Estado chileno

A ilha tem uma área de 163,6 km² e uma população estimada de 4.000 (segundo o CENSO de

2002 3.791) misturando membros de Rapa Nui, os “continentales” e os estrangeiros.

Para compreender as atuais causas dos conflitos entre o Povo Rapa Nui e o Estado Chileno, é

necessário analisar a história, a qual tem três etapas:

1. Desde 1722 até 1964

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Os primeiros atos nesta ilha iniciassem no ano 1722 quando o navegante holandês Jacobo

Roggeween chegou no dia de Pascua de Resurrección, foi então, o primeiro que deu

testemunho de sua existência. Para os comerciantes europeus, Rapa Nui não tinha proprietário

pelo que sua população poderia ser, explorada, vendida e escravizada, a principal causa de

que para o ano 1877 por razões como a introdução da varíola, tuberculose e epidemias em

geral, o número de habitantes da ilha foi reduzida a 110 habitantes.

No ano 1888, o Capitam Policarpo Toro em nome do Governo do Chile, presídido pelo

Presidente José Manuel Balmaceda estabelece a soberania do Governo do Chile na ilha,

momento em que surge um interesse por o Povo Rapanui de receber proteção e desarrolho y o

interesse do Chile de incorporar a seu território a Ilha de Páscoa, de maneira de ampliar sua

soberania no Pacífico.

O acordo foi chamado “Acuerdo de Voluntades” que estabelecia em definitivo a entrega da

soberania da ilha ao Estado Chileno, o que se comprometia a entregar educação e

desenvolvimento da população, a que manteriam seus direitos de propriedades sobre as terras

e os chefes suas investiduras.

Embora todo isso, os governos não obedeceram ao acordo, já que eles entregaram a totalidade

da ilha a terceiras pessoas e inscreveram todas as terras em propriedade a nome do Fisco de

Chile.

O Acordo de Voluntades ainda não foi ratificado por o Estado do Chile, e, além disso, a

Comisión Verdad Histórica y Nuevo Trato /2001 que fez um estudo sobre os povos indígenas

e considero o acordo no sua análise, mas a tradução tem grandes inconsistências de fundo na

interpretação, por exemplo quando o texto no espanhol fala de cessão de terras, porem, o texto

Rapanui usa o conceito de mau te hoa kona (amigo do lugar), não fala de dar a propriedade

das terras em quanto o texto no espanhol usa os términos ceder para siempre y sin reserva la

soberania.

A política de aproximação do Estado foi abandonada pela situação da Revolução de 1891 o

que fez que a ilha fosse entregada a particulares estrangeiros; no ano 1916 foi encorpou-se ao

território chileno e anexada a comuna de Valparaiso. Anos depois, nos 1933, a totalidade da

ilha foi inscrita no Conservador de Bines Raízes de Valparaiso como propriedade fiscal, já que

segundo ele eram terras sem dono.

2. Desde 1964 até 2000

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No ano 1964, o Executivo envia um projeto de Lei que criava a “comuna Subdelegación de

Isla de Pascua”, projeto que termina com a Lei Pascual N° 16.441 de 1966 a que entrega um

regímen administrativo e judicial especial.

Com a chegada da ditadura no ano 1973 a ilha foi o ponto estratégico militar e em quanto às

terras no ano 1979, o governo militar determina a regularização da propriedade concedendo

títulos de graça para os titulares regulares, o que gera uma nova discórdia entre o povo e

Estado, isto porque uma parte do povo não aceitou receber os títulos oferecidos pelo Estado,

já que eles consideram que não precisavam de título sobre terras que sempre foram deles, por

serem eles territórios ancestrais.

A ilha hoje

Segundo o CENSO de ano 2002 contou com a cifra de população de 3.791 pessoas das quais

2.269 são rapa nui, e a maioria destas afirmou que as atuais reivindicações das terras, baixos

os conceitos de “autodeterminación” y “derechos sobre las tierras”, baseiam-se na base da

sua ocupação originais e direitos ancestrais que existiram antes do acordo de 1988123

.

Ao longo da história o povo de Rapa Nui foi privado em grande parte de seu território

ancestral, que hoje tem principalmente o fisco, neste contexto membros do povo há feito

ocupações pacíficas de prédios públicos e privados com a finalidade de exigir o

reconhecimento de seus direitos.

As ocupações incluem principalmente:

a. Propriedade privada que corresponde ao Hotel Hanga Roa, terras que foram alienados

por o Estado a indivíduos sem consentimento do povo;

b. Centro cívico, cerca de 6 prédios; e

c. Praça Riro Kainga, ocupada pelo Parlamento Rapa Nui.

A reação do governo, embora, tentar iniciar um processo de diálogo mediante a criação de

mesas de discussão indústria, também impulsionou ações no sentido de resolver o conflito por

meio da criminalização nos tribunais e mediante o fortalecimento da polícia na ilha que inclui

ordens de despejo e instauração de um clima de militarização.

123 Informe de Misión Internacion de Observadores a Rapa-Nui. Los derechos humanos del Pueblo

Rapa-Nui en la Isla de Pascua. 2011. Pg. 11.

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Ocupação do Hotel Hanga Roa por Clan Hitorangui

Em agosto de 2010, o território onde fica atualmente o Hotel Hanga Roa foi ocupado por o

Clan Hitorangui, que em diversas oportunidades foi desalojado. O tema é muito complexo

porquanto está no território que a mesma Armada de Chile reconhece como propriedade da

família Hito com anterioridade a inscrição de 1933.

A família Hito sustenta que em 1970 Veronica Atamu Pakomio, viúva de Ricardo Hito

Tepihe, aquele sucessor ancestral de Tepihe Napoleão, faz uma cessão de direitos de 6.7

hectares a instituição CORFO, para a construção da uma pousada para fomentar o turismo na

ilha, mas, a cessão não foi feita de maneira definitiva.

No entanto, o Estado amparado na inscrição feita no ano 1933, no outubro de 1970, dona em

nome do Fisco a CORFO via sua filial Hotelera Nacional S.A (HONSA), o terreno que no

principio pertencia a Veronica Atamu Pakomio, ainda em contravenção com o artigo 38 da

Lei Pascua a que estabelece a mera autorização da concessão de exploração as instituições

que ele enumera, ficando fora HONSA.

O CASO HITO, ILHA DE RAPA NUI

Fatos determinados pelo Tribunal

O Fisco de Chile se tornou proprietário da ilha o dia 19 de setembro de 188 quando o Toar

Marinha do Chile, Policarpo Toro Hurtado chegou até lá, em seguida, a soberania exercida

sobre o território e as pessoas que viviam ali chegaram a ter só a qualidade de ocupante das

terras.

Após, a Lei N°3,220 de 1917 entregou ao Ministério de Marina os cuidado da população da

ilha, quem em 1928 outorga a posse provisória a María Tepihe e a seus filhos Ana, Ricado e

Esteban de 9,8 hectares de terras com a espera de o Governo fizera a posse final.

Em 1933, por acórdão do Tribunal Primeira Civil de Valparaíso, començo o processo de

inscripção das terras no Conservador de Bienes Raíces de Valparaiso, através da aquisição do

artigo 590 do Código Civil, o que foi re-registrado no Conservador de Bienes Raíces de Isla

de Pascua.

Em 1970, Veronica Atamu viúva de Ricardo Hito cedeu a CORFO quaisquer direito que possa

ter, e ao mesmo tempo, o Governo de Chile doou o terreno onde o hotel está até hoje.

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Em 1981 CORFO vendeu seu terra a Don Hugo Salas Roman, Chileno mas não originário da

Ilha, quem depois entro como parceiro no Hotel Interamericano Society (Chile S.A)

Outro fato certo no processo é que a Corporación de Desenvolvimiento Indígena Nacional

certifico que não tem nenhuma evidência de que a terra seja terra indígena de acordo com o

artigo 15 de Lei N°19.253.

A recorrente não demonstrou, entretanto, ser dona das terras destinados à reclamação, e

também não, a solicitação e obtenção de posse da herança de sua mão Ana ou liquidação da

comunidade hereditária.

Recurso de Casación em el Fondo

Santiago, 28 de maio de 2012, Corte Suprema

PARTES

Requerente : Diana Eliana Hito Hito

Requerido : Sociedade Hoteleira Interamericana S.A

ALEGAÇÕES

Em juízo sumário tramitado no Juizado de Letras de Isla de Pascua, a requerente deduz

demanda de reconhecimento e recuperação de terras indígenas, alegando que na sua qualidade

de herdeiro de sua mão Ana Hito Tepihe, as terras são de propriedade exclusiva de sua parte.

Na sentença de 14 de agosto de 2010, o tribunal de primeira instancia julgou improcedente a

ação com o pagamento das custas judiciárias.

Após a decisão, a Corte de Apelaciones de Valparaíso o 16 de agosto de 2012 revoco a

sentencia, mas, apenas quanto a pagamento das custas e confirmando o resto.

Contra esta resolução, o requerente apelo ante a Corte Suprema mediante o Reucurso de

Casación em el Fondo por tendo sido emitida, em sua opinião, com violações da lei que

influenciaram o julgamento do dispositivo, solicitando a invalidação de aquela em

substituição da que detalha.

ARGUMENTOS

Parte Requerente

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Afirma ser a proprietária das terras que adquiriu através de herança de sua mãe após a morte,

já que no ano 1928 a subdelegação da ilha entregou a posse temporária à sua mãe de 9,8

hectares onde hoje foi instalado o Hotel Hanga Roa, aguardando pela a entrega da posse

definitiva pelo Governo Supremo.

Legislação:

Artigo 5º da Constituição da República

Convênio da OIT em seus artigos 8 §1, em quanto a consideração que os Governos

devem ter na aplicação da legislação, de seus costumes e direitos consuetudinário; 14

§1 que estabelece o dever de reconhecimento das terras que tradicionalmente

ocuparam os indígenas; e 17 §3 que em quanto a dever de impedir que terceiros

estranhos a os povos indígenas podam aproveitar-se de suas costumes o

desconhecimento das leis para adjudicar-se uma propriedade.

Artigo 590º de Código Civil o qual dispõe que são bens do Estado todas as terras que

não tem dono e respeito de bens moveis, além disso, a ocupação da Ilha de Páscoa foi

para adquirir a soberania, ato de poder do Estado que não implica a aquisição do

domínio.

Parte Requerida

A parte requerida por sua parte alega:

Rejeição da demanda já que ela é dona e possuidora segundo inscrição;

Não procede a ação reivindicatória contra alicuota indeterminada; e

Que a terra não é indígena

Decisão

A Cuarta Sala de la Corte Suprema, rejeita o Recurso de Casación en el Fondo com custas,

por unanimidade, excepto para a condenação de costa que foi contra o voto da Senhora

Ministra Egnem que foi por não imponer a carga processual.

A rejeição baseia-se no que o autor não acredita:

a) Que é o dono das terras e da singularidade delas;

b) que é a herdeira dos direitos transferidos pelo Governo do Chile em 1928;

c) Finalmente não acredito a qualidade de terras indígenas das terras em litígio.

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Terras indígenas no Brasil e Chile: Conclusões

Só com a análise dos casos apresentados é possível diferenciar a forma em que os tribunais de

ambos os países tratam a questão indígena. Embora a decisão Raposa Serra do Sol não era

totalmente favorável, considerando as condições e os problemas que surgiram com a sua

emissão, reconhece a existência de terras indígenas, mesmo contra os órgãos estatais e os

grandes fazendeiros, o oposto do que acontece no Chile, que não só reconhece a qualidade da

terra indígena, mas não fazem esforços para cumprir com as recomendações e obrigações

indígena proteção.

Dada a legislação vigente em cada país é mostrado que o Chile como não reconhecer

constitucionalmente os povos indígenas, a tarefa de reconhecimento de terras indígenas é

ainda mais complexa e, além disso, a nível legislativo a principal Lei não diz muito sobre

isso, então o tratamento legislatibo e constitucional está longe de ser o que se aplica hoje no

Brasil.

Isto é porque o Brasil, com a nova constituição, adotou uma visão mais protetora com pleno

reconhecimento à seus povos e nas terra. Criou-se uma instituição sui generis capaz de dar

efeito aos direitos reconhecidos catalogados, considerando relavante possuir terra para o

desenvolvimento indígena.

Em termos de procedimento, embora questionado o fato de que não estaria referido no

Estatuto Indígena como lei, o processo é bastante demorado, e no corpo legal, só tem

problemas de operacionalização que frequentemente por causas políticas e económicas, é

muito mais complicado do que deveria.

Internacionalmente, o instrumento mais importante foi sujeito a limitações para ratificação,

mas isso acabou sendo alcançado para o ano de 2002 e tem outros tratados, como a

Convenção sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes, 1989, Convenção sobre

Diversidade Biológica (CBD ) , a Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade

das Expressões Culturais de 2005 (UNESCO) , Pacto Internacional sobre Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais (ONU) . Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas

de Discriminação Racial (ONU) Acordo Constitutivo do Fundo para o Desenvolvimento dos

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Povos Indígenas da América Latina e do Caribe, os tratados demonstram a vontade política de

tratar as questões indígenas.

Se no Brasil a questão das terras indígenas tornou-se uma luta constante entre os indígenas e

os não-indígenas, ainda com todas as leis aplicáveis, no Chile, os Governos fizeram desta

questão uma coisa não relevante. Após 23 anos de democracia e compromissos com os povos

nativos, as reformas constitucionais ainda estão em um processo lento e os compromissos

assumidos com o povo Rapa Nui nem sequer foram ratificados, e na oportunidade que foi

estudado é diferente do que o povo Rapa Nui concordou.

Quanto aos procedimentos de demarcação, estes estão sujeitos ao direito civil, o que deixa

desprotegidos os que buscam o reconhecimento de terras ancestrais por não ter apoio

profissional suficiente.

Portanto, é impossível que os tribunais vejam os direitos indígenas, e especificamente o

reconhecimento das terras indígenas, como um direito humano como tal, e não como meros

direitos civis, uma vez que os tribunais conhecem e julgam com os instrumentos que têm.

Como o juízo estudado onde o Tribunal de Primera Instancia de Valparaiso, a Corte de

Apelaciones e a Corte Suprema, julgam com base no Código Civil e a instituições civis que só

prejudicam aos povos indígenas, cujos direitos e fundamentos não são encontrados em uma

norma criada com posterioridade a seu estabelecimento e organizações próprias de um povo

originário.

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Diferentes tipos de controles, para lograr um mesmo fim: a

supremacia da Constituição Nacional

Direito Comparado: Controle Constitucional, Argentina-Brasil.

Aluna: Ivana Sol Vigilante

Nacionalidade: Argentina, Buenos Aires.

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Universidade: Pontifícia Universidad Católica Argentina

Professores: Ministro Gilmar Mendes e Doutor João Costa

Matéria: Direito Constitucional II

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Índice

Pág.

1. Introdução 2

2. Que é a Constituição? 3

3. Constitucionalidade – Inconstitucionalidade 3/4

4. O que é o Controle de Constitucionalidade?

O que tipos de Controles de Constitucionalidade há? 4/7

5. Debate sobre quem deve ser o guardião da constituição? 7/9

6. Controle abstrato – concreto: Efeitos 9/10

7. Quem pode iniciar a ação? 10/11

8. Controle: Politico - Jurisdicional - Misto 11/15

9. Formas de plantear a inconstitucionalidade 15/16

10. Recurso Extraordinário 17/24

11. O Writ of Certiorari 24

12. Per Saltum 25/26

13. Brasil: Ações direitas de inconstitucionalidade 26/34

14. Conclusão 35

15. Bibliografia 36/37

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Introdução

Os controles podem ser de muitas formas, mas o interessante é analisar os PROS de

cada um deles para assim, alcançar o melhor método que assegure a supremacia da

constituição de cada nação. Por isso, é fundamental conhecer cada tipo de controle de

constitucionalidade, analisa-lo e achar o que seria melhor de cada um e também autocriticar o

próprio, na procura de um controle melhor.

Com vista de analisar os tipos de controles, compararemos dos tipos diferentes de

controles de dois países muito unidos não só pela proximidade, como também pela historia e

pelos costumes. O Brasil e a Argentina compartilham muitas coisas e tem sistemas jurídicos

às vezes similares, os controles que cada um deles utiliza é bem diferente um do outro.

Assim, compararemos não só descrevendo que tipos de controles têm os dois países, o

Brasil e a Argentina, como também os jeitos que têm eles para declarar a uma lei/ato

inconstitucional.

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Que é a Constituição?

O conceito de Constituição parece preservar um núcleo permanente: “A ideia de um

princípio supremo que determina integralmente o ordenamento estatal e a essência da

comunidade constituída por esse ordenamento”124

Vê-se, assim, que a Constituição, no sentido estrito do termo, é formada pelas regras

que disciplinam a criação das normas essenciais do Estado, organizam os entes estatais e

consagram o procedimento legislativo125

. Ao lado dessa ideia de Constituição material,

cogita-se, igualmente, de uma Constituição formal, entendida aqui como conjunto de regras

promulgadas com a observância de um procedimento especial e que está submetido a uma

forma especial de revisão126

.

As Constituições escritas são apanágio do Estado Moderno. A concepção de um

documento escrito destinado a institucionalizar um sistema preconcebido é inovação que se

consolida na segunda metade do século XVIII, com a Revolução Francesa e independência

americana.127

Constitucionalidade - Inconstitucionalidade

Como anota Jorge Miranda, constitucionalidade e inconstitucionalidade designam

conceitos de relação, isto é, “a relação que se estabelece entre uma coisa – a Constituição – e

124 Hans Kelsen, La garanzia giurisdizionale della costituzione, in La giustizia costituzionale, Milano:

Giuffrè, 1981, p. 152; e A garantia jurisdicional da Constituição, in Jurisdição constitucional, tradução do

alemão por Alexandre Krug, do italiano, por Eduardo Brandão, e do francês, por Maria Ermantina Galvão, São

Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 130. 125

Hans Kelsen, La garanzia giurisdizionale della costituzione, in La giustizia costituzionale, cit., p.

152; e A garantia jurisdicional da Constituição, in Jurisdição constitucional, cit., p. 130 -131. 126

Hans Kelsen, La garanzia giurisdizionale della costituzione, in La giustizia costituzionale, cit., p.

153; e A garantia jurisdicional da Constituição, in Jurisdição constitucional, cit., p. 131; Jorge Miranda, Manual

de direito constitucional, 2. ed., Coimbra: Coimbra Ed., 1981, v. 2, p. 26 -27; José Afonso da Silva,

Aplicabilidade das normas constitucionais, 6. ed., 2. tir., São Paulo: Malheiros, 2003, p. 40; Afonso Arinos de

Melo Franco, Direito constitucional, Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 106 -117; Paulo Bonavides, Direito

constitucional, 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 58 -59; e Curso de direito constitucional, 17. ed., São

Paulo: Malheiros, 2005, p. 80 -81. Conferir também: RE 211.018/ SP, DJ de 29 -9 -2004, decisão monocrática (o

Ministro Celso de Mello acentua “a irrecusável condição de normas formalmente constitucionais” dos preceitos

do ADCT). 127

Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Curso de direito constitucional, 7. ed., São Paulo: Saraiva, 1978,

p. 11 -15; José Joaquim Gomes Canotilho, Direito constitucional, 4. ed., Coimbra: Almedina, 1986, p. 57 e s.; e

Direito constitucional e teoria da Constituição, 7. ed., Coimbra: Almedina, 2003, p. 1129 e s.

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outra coisa – um comportamento – que lhe está ou não conforme, que com ela é ou não

compatível, que cabe ou não no seu sentido”128

Nessa linha de entendimento, assenta Kelsen que uma Constituição que não dispõe de

garantia para anulação dos atos inconstitucionais não é, propriamente, obrigatória. E não se

afigura suficiente uma sanção direta ao órgão ou agente que promulgou o ato inconstitucional,

porquanto tal providência não o retira do ordenamento jurídico. Faz-se mister a existência de

órgão incumbido de zelar pela anulação dos atos incompatíveis com a Constituição.129

Não se limita Kelsen a reconhecer a sanção como elemento integrativo do conceito de

inconstitucionalidade. Considera indispensável, igualmente, a existência de sanção

qualificada, isto é, do procedimento de anulação do ato inconstitucional por órgão

competente. Daí afirmar-se que, para Kelsen, a jurisdição constitucional é uma decorrência

lógica da Constituição em sentido estrito.130

O que é o Controle de Constitucionalidade? O que tipos de Controles de

Constitucionalidade há?

O fim do controle de constitucionalidade está definido pela tarefa de assegurar a

supremacia da Constituição Nacional, tratados, e leis nacionais, segundo a jerarquia fixada

pela Lei Suprema. Na Argentina, no artigo 31:

“Artículo 31- Esta Constitución, las leyes de la Nación que en su consecuencia se dicten por

el Congreso y los tratados con las potencias extranjeras son la ley suprema de la Nación; y

las autoridades de cada provincia están obligadas a conformarse a ella, no obstante

cualquiera disposición en contrario que contengan las leyes o Constituciones provinciales,

salvo para la Provincia de Buenos Aires, los tratados ratificados después del pacto del 11 de

noviembre de 1859.”

Desenvolvido a partir de diferentes concepções filosóficas e de experiências históricas

diversas, o controle judicial de constitucionalidade continua a ser dividido, para fins didáticos,

128 Jorge Miranda, Manual de direito constitucional, cit., p. 273 -274.

129 Hans Kelsen, La garanzia giurisdizionale della costituzione, in La giustizia costituzionale, cit., p. 199

-200; e A garantia jurisdicional da Constituição, in Jurisdição constitucional, cit., p. 139 -140. 130

Dieter Grimm, Zum Verhältnis von Interpretationslehre Verfassungsgerichtsbarkeit un

Demokratieprinzip bei Kelsen, in Ideologiekritik und Demokratietheorie bei Hans Kelsen, Rechtstheorie Beiheft

4, 1982, p. 152.

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em modelo difuso e modelo concentrado, ou, às vezes, entre sistema americano e sistema

austríaco ou europeu de controle.

Essas concepções aparentemente excludentes acabaram por ensejar o surgimento dos

modelos mistos, com combinações de elementos dos dois sistemas básicos (v. g., o sistema

brasileiro e o sistema português).

Assim, o controle jurisdicional é aquele exercido por órgão integrante do Poder

Judiciário ou por Corte Constitucional. Pode ser:

a) difuso (também chamado americano);

b) concentrado (também chamado austríaco);

c) misto.

O sistema americano, difuso, adotado pela Argentina, é um modelo de controle de

constitucionalidade que se desenvolve a partir da discussão encetada na Suprema Corte

americana, especialmente no caso Marbury v. Madison, de 1803. A ruptura que a judicial

review americana consagra com a tradição inglesa a respeito da soberania do Parlamento vai

provocar uma mudança de paradigmas. A simplicidade da forma – reconhecimento da

competência para aferir a constitucionalidade ao juiz da causa – vai ser determinante para a

sua adoção em diversos países do mundo

Marbury vs. Madison - consagra a doutrina da judicial review e a possibilidade que no

caso concreto o juiz possa afastar a aplicação de uma lei que é considerada inconstitucional. O

juiz só decidiria se uma lei é constitucional ou não dentro dos marcos do caso concreto.

Por seu turno, perde em parte a característica de um modelo voltado para a defesa de

posições exclusivamente subjetivas e adota uma modelagem processual que valora o interesse

público em sentido amplo. O controle de constitucionalidade difuso ou americano assegura a

qualquer órgão judicial incumbido de aplicar a lei a um caso concreto o poder-dever de afastar

a sua aplicação se a considerar incompatível com a ordem constitucional.

A Argentina adota o sistema difuso, onde qualquer juiz de qualquer câmara, tribunal,

jugado, instância, fueiro pode declarar a inconstitucionalidade de uma norma. Embora, todos

os juízes podam declarar a inconstitucionalidade, a última decisão a tem a Corte Suprema da

Argentina.

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O controle concentrado de constitucionalidade (austríaco ou europeu) defere a

atribuição para o julgamento das questões constitucionais a um órgão jurisdicional superior ou

a uma Corte Constitucional. O controle de constitucionalidade concentrado tem ampla

variedade de organização, podendo a própria Corte Constitucional ser com- posta por

membros vitalícios ou por membros detentores de mandato, em geral, com prazo bastante

alargado. Referido modelo adota as ações individuais para a defesa de posições subjetivas e

cria mecanismos específicos para a defesa dessas posições, como a atribuição de eficácia ex

tunc da decisão para o caso concreto que ensejou a declaração de inconstitucionalidade do

sistema austríaco. Especialmente a Emenda Constitucional de 7-12-1929 introduziu mudanças

substanciais no modelo de controle de constitucionalidade formulado na Constituição

austríaca de 1920.

Na Europa, esse debate vai tomar outro formato, vai se discutir também a concessão,

outorga de uma competência a um órgão exclusivo, detentor de um monopólio da censura:

suscita-se a constitucionalidade da lei X - o monopólio da ação é da corte constitucional e ele

remete essa duvida para a corte constitucional (controle concreto) - modelo europeu de

controle de constitucionalidade. Esse modelo de controle de constitucionalidade é

confirmador do modelo americano e é também um modelo critico do modelo americano, a um

só tempo. É confirmador porque parte da ideia da supremacia da corte constitucional e afirma

que é preciso um controle das normas infraconstitucionais em face da constituição. É critico

pela ideia de que qualquer juiz da causa possa fazer o controle de constitucionalidade.

Kelsen elogio - o reconhecimento de que sejam os juízes os responsáveis por fazer

esse controle. Mas também critica quando diz que não é qualquer juiz que tem que fazer esse

papel. Propunha uma corte constitucional autônoma - controle concentrado e vão julgar em

abstrato. A corte agiria como legislador negativo. A corte constitucional retira um ato em

vigor, com eficácia ex nunc-

Finalmente, o controle misto de constitucionalidade, adotado pela maioria dos países

latino-americanos, congrega os dois sistemas de controle, o de perfil difuso e o de perfil

concentrado. Em geral, nos modelos mistos defere-se aos órgãos ordinários do Poder

Judiciário o poder-dever de afastar a aplicação da lei nas ações e processos judiciais, mas se

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reconhece a determinado órgão de cúpula – Tribunal Supremo ou Corte Constitucional – a

competência para proferir decisões em determinadas ações de perfil abstrato ou concentrado.

Talvez os exemplos mais eminentes desse modelo misto sejam o modelo português, no qual

convivem uma Corte Constitucional e os órgãos judiciais ordinários com competência para

aferir a legitimidade da lei em face da Constituição, e o modelo brasileiro, em que se

conjugam o tradicional modelo difuso de constitucionalidade, adotado desde a República,

com as ações diretas de inconstitucionalidade (ação direta de inconstitucionalidade, ação

declaratória de constitucionalidade, ação direta de in- constitucionalidade por omissão e

representação interventiva), da competência do Supremo Tribunal Federal.

No Brasil, A Constituição de 1988 conferiu ênfase, portanto, não mais ao sistema

difuso ou incidente, mas ao modelo concentrado, uma vez que, praticamente, todas as

controvérsias constitucionais relevantes passaram a ser submetidas ao Supremo Tribunal

Federal, mediante processo de controle abstrato de normas. A ampla legitimação, a presteza e

a celeridade desse modelo processual, dotado inclusive da possibilidade de suspender

imediatamente a eficácia do ato normativo questionado, mediante pedido de cautelar,

constituem elemento explicativo de tal tendência.

Deve assinalar-se que o sistema de controle de constitucionalidade no Brasil sofreu

substancial reforma com o advento da Constituição de 1988. A ruptura do chamado

“monopólio da ação direta” outorgado ao Procurador-Geral da República e a substituição

daquele modelo exclusivista por um amplíssimo direito de propositura configuram fatores que

sinalizam para a introdução de uma mudança radical em todo o sistema de controle de

constitucionalidade.

Embora o novo texto constitucional tenha preservado o modelo tradicional de controle

de constitucionalidade “incidental” ou “difuso”, é certo que a adoção de outros instrumentos,

como o mandado de injunção, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, o mandado

de segurança coletivo e, sobretudo, a ação direta de inconstitucionalidade, conferiu um novo

perfil ao nosso sistema de controle de constitucionalidade.

Debate sobre quem deve ser o guardião da constituição?

Para Schimdt o guardião da constituição deveria ser o líder, o presidente do império.

Para Kelsen o guardião seria um tribunal que não pertenceria ao poder judiciário. Há uma tese

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que diz que o supremo não faz parte dos três poderes, porque ele não é propriamente um

tribunal, ele não faz subsunção de normas, ele julga as normas primarias abstratamente. A

ideia que grande parte da doutrina tem é que Kelsen venceu o debate, porque a maioria dos

países ocidentais tem uma corte constitucional. Mas então porque Schimdt ainda é atual?

Porque a jurisdição constitucional é a todo o momento colocado em prova. Quando Schimdt

fala que o tribunal constitucional imaginado por Kelsen levaria consequentemente a um

estado judicialesco (em um sentido pejorativo) ele está certo ou está errado? Schimdt é atual

justamente por ele criticar fortemente essa intervenção excessiva da suprema corte. Pra ele se

é o povo que toma essa decisão, então porque confiar a 11 a dar a ultima palavra sobre um

texto constitucional? O que a gente aproveita de Schimdt são as criticas e não a parte que ele

fala que apenas o presidente deve ser o guardião da constituição.

Os juízes desse tribunal precisam ter as garantias que os outros juízes têm, por isso se

deve chamar essa instituição, segundo Kelsen, de tribunal. Esses homens devem ser

protegidos. O prestar contas dos membros do poder judiciário. Para Kelsen deve haver a

irresponsabilidade dos atos praticados por esses membros. Fala que esse tribunal é politico.

Não é politico porque esta envolvida em negociações, mas politico porque ele não resolveria

causas jurídicas como um tribunal comum. O tribunal confere a compatibilidade de uma

norma com a constituição e justamente por isso ele é politico. Como adjudicar judicialmente

direitos sociais? Ele não se deparou com essas questões. Gunter Dürig foi a primeira pessoa a

falando que certas coisas eram impenhoráveis porque a dignidade assim o exigia. “da essência

ou da natureza da jurisdição constitucional” - se a maioria é quem dita as regras como os reis

ditavam anteriormente, temos que necessariamente limitar o poder da maioria. Proteção

efetiva do tribunal ‘a minoria, contra os ditames da maioria. Kelsen é extremamente pluralista

e garantiste (no sentido que acredita que devem ser garantidos direitos mínimos as minorias).

Kelsen é completamente a favor dessa ideia de tem que haver um órgão externo pra

freia o alvitro do próprio parlamentar e isso é muito importante no caso de minorias. Ele tem

que ser politico, no sentido que ele não é jurídico. Ato normativo primário é todo decreto que

tenta usurpar o papel da lei. Esse decreto sim pode ser objeto de controle de

constitucionalidade. Kelsen falava que o tribunal constitucional não deve limitar seu controle

apenas a lei, mas também a decretos que foram criados sem base em nenhuma lei.

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Para Schimitt, a constituição é uma decisão politica, feito pelo povo e ela tem que ser

porosa, ser capaz de absorver os impulsos das sociedades, não pode ser em nenhum momento

um documento estático. Ele acha que o povo tem que ser capaz sim de alterar a constituição.

Porque o presidente? Na Alemanha tem-se um primeiro ministro, que é o chefe da coligação

mais bem votado. Ele defende que ela seja porosa não no sentido que ela tem que passar por

um meio formal de alteração, mas que a constituição não pode parar no tempo. O presidente

seria a pessoa sensível, ele que representa a população, ele que foi eleito e por isso tem o

apoio da maioria do povo, representa uma vontade não de todos, mas uma vontade geral.

Schimdt acaba com a hierarquia constitucional.

Controle abstrato – concreto: Efeitos

Shapiro afirma que o controle americano é, na verdade, abstrato. Porque a importância

das decisões da suprema corte faz com que os juízes tenham que pensar em abstrato nas

questões que estão decidindo. Segunda essa logica, o controle concreto dos EUA teria um alto

viés abstrato, porque ao julgar um caso concreto se preocupariam com as consequências

futuras. Ele diz que não há controle abstrato sem o concreto.

Porque criticar o controle abstrato? Habermas é um critico do processo abstrato. Ele

acha que o processo de normatização se encerra com a aplicação da norma. Não temos um

conflito de normas em abstrato, não há aplicação de normas em abstrato. É só a partir do caso

concreto que conseguimos atribuir significados as normas. É nesse sentido que Segado

também diz que todo o controle abstrato é também concreto. O que eu faço no controle

abstrato é trazer essa realidade pra ele. Isso não necessariamente representa um problema do

controle abstrato. Ao fazer o controle abstrato, eu traria as consequências do caso concreto

para a analise do caso, pode trazer provas, testemunhas que já passaram por essa situação.

Na Argentina, o controle é Concreto. Limitam-se á causa ajuizada e por sua vez

possui um alcance parcial a respeito da norma inconstitucional, ou seja, que não afeta ao resto

das leis que o tribunal possa aplicar simultaneamente.

Na ordem federal Argentina, e tratando-se de um sistema difuso de controle de

constitucionalidade, a declaração judicial de inconstitucionalidade, tem somente efeitos Inter-

partes, é dizer, entre as partes litigantes no processo, dado que o tribunal só tem a potestade

para “não aplicar” o “desaplicar” ao caso a norma que considera inconstitucional, mas de

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nenhum jeito a “derroga”, atribuição que compete só aos órgãos legislativos. Por isso, a Corte

Suprema sustem que a declaração de inconstitucionalidade da lei só produza efeitos dentro da

causa e com vinculação á lei e as relações jurídicas que a motivaram.131

Na ordem provincial Argentina, está previsto que a reiteração de inconstitucionalidade

de uma lei em um determinado tempo, produze a derrogação da norma declarada

inconstitucional, em cujo caso, esta segunda declaração tem efeito erga omnes, para todos. 132

Quem pode iniciar a ação?

Na Argentina, até 1983 os tribunais não podiam de oficio, sem planeamento da parte,

declarar a inconstitucionalidade de uma norma ou ato estatal. É dizer, os juízes não podiam

fazer declarações de oficio de inconstitucionalidade, por isso, era fundamental a petição de

partes cujos direitos tinham sido vulnerados y para não afeita o principio da divisão dos

poderes. Mas, depois de 1983, começam a se produzir dissidências entre os juízes do tribunal.

No ano 2001, finalmente, no caso “Mill de Pereyra e outros”, a maioria aceitou a declaração

de inconstitucionalidade de oficio feito por um tribunal, tese que foi confirmada no ano 2004

no caso “Banco Comercial de finanças S.A”. A aceitação de esta apertura deve ser tomada

com prudência, e para casos realmente excepcionais, já que de ordinário, a corte mantem a

necessidades da petição e fundamentação da parte interessada para entrar a considerar a

inconstitucionalidade deduzida em uma causa. 133

Em resumo, em geral só podem iniciar uma declaração de inconstitucionalidade as

partes afeitas num caso, mas em casos excepcionais também podem iniciar a ação os juízes:

por exemplo: o caso de um habeas corpus: os juízes declaram de oficio a

inconstitucionalidade quando a limitação da liberdade ambulatória se leva a cabo por ordem

escrita de uma autoridade que obra de maneira contraía á Constituição Nacional.

131 Haro, Ricardo. “Manual de Derecho Constitucional”. Zavalia. Argentina: Cordoba, 2011. Pag: 137

132 Ferrer, “Manual de Derecho Constitucional”. Argentina, Bs.As: 2010. Pag: 170.

133 Haro, Ricardo. “Manual de Derecho Constitucional”. Zavalia. Argentina: Cordoba, 2011. Pag: 132

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De outra Banda, no Brasil, os que podem iniciar as ações ordinárias, ficam no artigo

103 da CN brasileira. Em quanto, nos recursos extraordinários, o reo, o autor, o ministério

publico e o juiz, podem pedir a declaração de a inconstitucionalidade de uma lei.

Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação

declaratória de constitucionalidade:

I - o Presidente da República;

II - a Mesa do Senado Federal;

III - a Mesa da Câmara dos Deputados;

IV - a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do

Distrito Federal; V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal;

VI - o Procurador-Geral da República;

VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;

VIII - partido político com representação no Congresso Nacional;

IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

§ 1º - O Procurador-Geral da República deverá ser previamente ouvido

nas ações de inconstitucionalidade e em todos os processos de competência

do Supremo Tribunal Federal.

§ 2º - Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para

tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente

para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão

administrativo, para fazê-lo em trinta dias.

§ 3º - Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a

inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo, citará,

previamente, o Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou texto

impugnado.

Controle: Politico - Jurisdicional - Misto

O reconhecimento da supremacia da Constituição e de sua força vinculante em relação

aos Poderes Públicos torna inevitável a discussão sobre formas e modos de defesa da

Constituição e sobre a necessidade de controle de constitucionalidade dos atos do Poder

Público, especialmente das leis e atos normativos. As formas de controle de

constitucionalidade são as mais diversas:

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Quanto ao órgão – quem controla –, pode-se ter:

a) controle político;

b) controle jurisdicional;

c) controle misto.

Cogita-se de controle de constitucionalidade político, que outrora também era

corretamente chamado modelo de controle francês, quando a atividade de controle de

constitucionalidade é exercida por órgão político e não por órgão jurisdicional. Essa

referência ao modelo de controle operado na França como controle estritamente político,

contudo, não parece mais condizente com a realidade dominante vigente naquele país134

.

Ainda se pode dizer corretamente político o controle de constitucionalidade realizado nas

Casas Legislativas, pelas Comissões de Constituição e Justiça ou pelas demais comissões.

Também o veto oposto pelo Executivo a projeto de lei, com fundamento em in-

constitucionalidade da proposição legislativa configura típico exemplo de controle de

constitucionalidade político.

A crítica que Karl Loewenstein faz ao controle politico é que “O Parlamento que

emitiu a lei é o menos apropriado para ser o defensor da Constituição. ninguém pode esperar

que a assembleia se corrigisse a si mesma”.

A constitucionalidade jurisdicional é quando a atividade de controle de

constitucionalidade é exercida pelo órgão judicial e não por órgão politico. É considerado

como o controle que mais favorece a divisão de poderes. Além disso, é uma questão de “puro

direito”. Corresponde ao poder judicial resolver os conflitos entre normas jurídicas, fazendo

prevalecer à supremacia constitucional. 135

Quanto ao modo ou à forma de controle, ele pode ser:

a) incidental; ou

b) principal .

134 Acerca da evolução pela qual passou o modelo de controle de constitucionalidade francês, cf. infra o

item 3.2.

– Notas sobre os modelos jurisdicionais de controle de constitucionalidade.

135 Haro, Ricardo. “Manual de Derecho Constitucional”. Zavalia. Argentina: Cordoba, 2011. Pag: 128.

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No controle incidental a inconstitucionalidade é arguida no contexto de um processo

ou ação judicial, em que a questão da inconstitucionalidade configura um incidente, uma

questão prejudicial que deve ser decidida pelo Judiciário. Cogita-se também de

inconstitucionalidade pela via da exceção, uma vez que o objeto da ação não é o exame de

constitucionalidade da lei. No controle incidental de normas a premissa básica desse modelo é

analisar a constitucionalidade da norma no caso concreto. Qual seria o órgão mais adequado

para proceder a defesa da constituição?

O controle principal permite que a questão constitucional seja suscitada

autonomamente em um processo ou ação principal, cujo objeto é a própria

inconstitucionalidade da lei. Em geral, admite-se a utilização de ações diretas de

inconstitucionalidade ou mecanismos de impugnação in abstracto da lei ou ato normativo.

A partir de 1934, no controle incidental criou-se a formula do senado: cabe ao senado

suspender a eficácia da lei. É usada apenas quando o supremo declara a inconstitucionalidade,

se um juiz do primeiro grau decidir não. Diz que o senado não está obrigado e tem o seu

próprio critério para decidir essa eficácia. O ato do senado é uma resolução. Se trata mais um

mecanismo formal de retirada da lei do ordenamento jurídico por uma intervenção especial do

senado. No Brasil, também se verifica nos julgamentos de processos subjetivos de

competência originária do STF. Então é Incidental porque é um incidente no próprio

processo, a inconstitucionalidade não é o objetivo do processo.

Quanto ao momento do controle, ele pode ser:

a) preventivo; e

b) repressivo ou sucessivo.

O controle preventivo efetive-se antes do aperfeiçoamento do ato normativo. Modelo

clássico de controle preventivo é o exercido pelo Conselho Constitucional francês.

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Tem-se, por provocação de diversos órgãos, o controle de constitucionalidade de

projetos de lei136

Hodiernamente, defende-se também o controle preventivo de tratados

internacionais, tendo em vista as consequências que podem decorrer da declaração de

inconstitucionalidade137

.

Tanto na Argentina, quanto no Brasil, o controle é misto. No sistema brasileiro, admite-se o

controle judicial preventivo, nos casos de mandado de segurança impetrado por parlamentar

com objetivo de impedir a tramitação de projeto de emenda constitucional lesiva às cláusulas

pétreas (CF, art. 60, § 4º).

Em regra, porém, o modelo judicial é de feição repressiva. Somente se admite, em

princípio, a instauração do processo de controle após a promulgação da lei ou mesmo de sua

entrada em vigor. Na ação direta de inconstitucionalidade exige-se que tenha havido pelo

menos promulgação da lei.

Em geral, associa-se o controle incidental ao modelo difuso, tendo em vista a forma

processual própria desse modelo derivado do sistema americano. Na Argentina, o controle é

difuso, incidental e misto. Existe assim, como principio fundamental, a presunção de

constitucionalidade dos atos estatais. Em principio, deve-se supor que os poderes do Estado

atuam em um todo de acordo com as prescrições da lei Fundamental. Os atos estatais são juris

tantum, é dizer, admitem prova em contrario, embora que se presuma que os poderes do

Estado atuam em um todo. 138

Por outro lado, no Brasil, as leis também gozam de presunção

de constitucionalidade e os atos administrativos, de presunção de legalidade e veracidade.

Existem alguns casos nos que não podem ser julgados pelos juízes já que eles

conhecem SÓ causas judiciais, e não politicas. Os casos proibidos para os juízes pela

constituição Argentina são:

136 Nesse sentido: Joaquim B. Barbosa Gomes, Evolução do controle de constitucionalidade de tipo

francês, Revista de Informação Legislativa, ano 40, n. 158, p. 97 e s., abr./jun. 2003. 137

A propositura da ação direta para aferição da constitucionalidade do decreto legislativo possibilita

que a

ratificação e, portanto, a recepção do tratado na ordem jurídica interna ainda sejam obstadas, de forma

que se apresenta dispensável, pois, qualquer esforço com vistas a conferir caráter preventivo ao controle de

constitucionalidade nessas hipóteses. Cf. Gilmar Ferreira Mendes, Jurisdição constitucional, 5. ed.São Paulo:

Saraiva, 2005, p. 210. 138

Haro, Ricardo. “Manual de Derecho Constitucional”. Zavalia. Argentina: Cordoba, 2011. Pags: 130-

131.

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1. Casos em que um litigante questiona la conveniência y oportunidade de

um ato (lei, decreto, etc) ditado por um órgão político supremo exercitando alguma de

suas atribuições constitucionais. El remédio para corrigir os errões que cometam os

órgãos políticos em sua apreciação da conveniência u oportunidade de seus atos, no

deve buscar-se nos tribunais sino nos processos políticos da democracia (crítica

pública través de médios de comunicação massiva, etc).

2. Normas que ditam o Congresso, PE, chefe de Gabinete, CSJN, com

respeito a sua organização interna y funcionamento.

3. As respostas do PE y/o Congresso frente á crises institucionais,

econômicas y sociais. Ej: estado de sitio, intervenção federal. Porém, se o Presidente,

em cumprimento da finalidade de essa medida (pôr término á comoção interior)

ordena cerrar um diário, proíbe una reunião, etc; os juízes podem negar eficácia a

essas medidas se a seu juízo não são razoáveis para o logro de aquela finalidade.139

Formas de requerer a inconstitucionalidade

No Brasil, como tem um controle de constitucionalidade misto, concentrado e difuso,

admite plantear à inconstitucionalidade por duas vias: pelas ações declaratórias de

inconstitucionalidade ou pelo recurso extraordinário.

Na Argentina, de outra banda, como tem um controle de constitucionalidade difuso, na

ordem federal, como ação declarativa de inconstitucionalidade o como exceção, isto é ao

demandar ou ao contestar a demanda em oportunidade de opor exceções (respectivamente).

Porém, no direito publico provincial, existe, e está legislada, por exemplo, em Córdoba, a

chamada ação autónoma de inconstitucionalidade, que pressupõe questionar em um juízo a

inconstitucionalidade de um ato exclusivamente e de um modo direito e não como anexo de

um juízo por outras causas. 140

Na Argentina existem cinco requisitos para poder levar a Corte Suprema uma causa de

um tribunal inferior:

139 Haro, Ricardo. “Manual de Derecho Constitucional”. Zavalia. Argentina: Cordoba, 2011. Pag: 128

140 Ferrer, “Manual de Derecho Constitucional”. Argentina, Bs.As: 2010. Pag: 170.

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1. Deve existir um caso concreto: segundo o artigo 116 da CN141

, a

inconstitucionalidade deve ser planteada em um caso concreto, num juizo, já seja que exista

controversia ou não, porque só corresponde a Corte o conhecimento e decisão de causas que é

sinonimo de juizo. Não é possível, pretender a declaração de inconstitucionalidade em

abstrato, quando a lei aun não tem sido aplicada, o sua aplicação não lesionou um bem

jurídico.

2. Existencia de um interesse legitimo: para que exista um juizo deve estar

controvertido o desconocido o interesse legítimo de uma pessoa.

3. Ajuizamento oportuno: a questão constitucional deve ser ajuizada na

primera oportunidade processual a fim de possibilitar a controversia entre as partes com

respeito a esse tema.

4. Não procede a declaração de oficio: a Corte exige que a questão federal, em

principio seja ajuizada pelas partes no proceso.

5. O recurso debe ser fundado: deve demostrar que a questão constitucional

planteada deve ter uma relação direita com os fatos e o direito. 142

Recurso Extraordinário

RECURSO EXTRAORDINARIO NA ARGENTINA

O instrumento processual argentino tendente a fazer efetivo o controle jurisdicional da

constitucionalidade das leis, é o recurso extraordinário receptado pelos artigos: 14,15, e 16 da

lei 48. A isso, tem que se adicionarem os requisitos que por via pretoriana tem elaborado a

Corte Suprema de Justiça da Argentina.

141 Artículo 116.- Corresponde a la Corte Suprema y a los tribunales inferiores de la Nación, el conocimiento y

decisión de todas las causas que versen sobre puntos regidos por la Constitución, y por las leyes de la Nación,

con la reserva hecha en el inciso 12 del Artículo 75 y por los tratados con las naciones extranjeras: de las

causas concernientes a embajadores, ministros públicos y cónsules extranjeros: de las causas de almirantazgo y

jurisdicción marítima: de los asuntos en que la Nación sea parte: de las causas que se susciten entre dos o más

provincias; entre una provincia y los vecinos de otra; entre los vecinos de diferentes provincias; y entre una

provincia o sus vecinos, contra un Estado o ciudadano extranjero 142

Ferrer, “Manual de Derecho Constitucional”. Argentina, Bs.As: 2010. Pag: 169.

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1. Os requisitos formais: a maioria surge da primeira parte do artigo 14 da lei 48:

Art. “14. – Una vez radicado un juicio ante los Tribunales de Provincia, será sentenciado y

fenecido en la jurisdicción provincial, y sólo podrá apelarse a la Corte Suprema de las

sentencias definitivas pronunciadas por los tribunales superiores de provincia en los casos

siguientes: ...”

Antes de analizar os requisitos formais, há que lembrar que estamos em presença de

um recurso de inconstitucionalidade onde só se discutem as questões de matéria

constitucional ou federal.

a) Existência de um juízo: o termo juízo, está utilizado em sentido amplo,

como sinônimo de causa. Isto quer dizer, que compreende todos juízos e também

aqueles atos de jurisdição voluntária. Caso que não tenha uma causa nos término do

artigo 116 da CN, não há possibilidade de plantear a inconstitucionalidade porque os

juízes só se pronunciam em casos concretos. Aliás, pode sucede que o congresso

sancione uma lei inconstitucional ou o poder executivo edite um decreto que seja

inconstitucional, mas enquanto sua aplicação não provoque um caso judicial, não terá

jeito de lograr a declaração de inconstitucionalidade, já que em este caso a declaração

se volveria abstrata.

b) Não é uma terceira instancia: o processo pode ir excepcionalmente á

Corte caso que em esse juízo se planteou oportunamente alguma questão judicial. A

corte, não analisa de novo os fatos da causa e o direito aplicado pelos juízes.

c) Sentença definitiva: em principio, o recurso só procede em sentença

definitiva, que são aquela que põem fim ao pleito, sem que exista outro recurso que

possa se articular.

2. Os requisitos materiais:

A segunda parte do artigo 14 da lei 48, resume em três incisos os requisitos materiais,

isto é, sobre quais assuntos pode se articular o recurso:

Inciso 1: “Cuando en el pleito se haya puesto en cuestión la validez de un Tratado, de una ley

del Congreso, o de una autoridad ejercida en nombre de la Nación y la decisión haya sido

contra su validez.”

Se trata de preservar as normas constitucionais que tem supremacia sobre o resto do

direito. Todos os recursos extraordinários que se interpõem para questionar a

inconstitucionalidade das leis do Congresso, devem ser viabilizados por este inciso.

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Inciso 2: “Cuando la validez de una ley, decreto o autoridad de Provincia se haya puesto en

cuestión bajo la pretensión de ser repugnante a la Constitución Nacional, a los Tratados o

leyes del Congreso, y la decisión haya sido en favor de la validez de la ley o autoridad de

provincia.”

Aqui, o inciso tenta preservar a preeminência do direito federal encima do direito local

das províncias. Toda vez que questione-se a inconstitucionalidade de uma lei provincial,

menciona-se este inciso.

Inciso 3: “Cuando la inteligencia de alguna cláusula de la Constitución, o de un Tratado o ley

del Congreso, o una comisión ejercida en nombre de la autoridad nacional haya sido

cuestionada y la decisión sea contra la validez del título, derecho; privilegio o exención que

se funda en dicha cláusula y sea materia de litigio.”

Quando se questione a interpretação de uma lei o decreto que acorda o denega

excepciones de impostos nacionais outorgados á radicação de novas indústrias, deverá

interpor-se o recurso fundado neste artigo. 143

Também existe outro requisito que fica no código processual da republica Argentina.

• Não pode ter alegado uma norma em beneficio próprio uma norma para logo

impugnar sua validez por inconstitucional.

Caso Argentina: Recurso extraordinário

Caso “Municipalidade versus Elortondo”:

Em cumprimento da lei de 31 de outubro de 1884, sobre a apertura da Avenida de

Maio, o procurador municipal expropriou uma casa da rua Pero nº 14, pertencente á senhora

Isabel Elortondo. A proprietária articulou que só estava obrigada a vender a parte da sua finca

necessária para a apertura da avenida e não toda a finca.

De tal modo, se o fato de fizer a avenida, autoriza a ocupação da toda a finca, estaria

contrariando claramente o direito constitucional inviolável á propriedade privada. Finalmente,

a Corte decidiu respeitar a Constituição, e o direito á propriedade privada da Isabel Elortondo,

e por primeira vez, derrogou uma lei do Congresso de forma expressa.

Portanto é Elemental em nossa organização constitucional, a atribuição que tem e o

dever que tem os tribunais de justiça, de examinar as leis nos casos concretos que se traem a

143 Ferrer, “Manual de Derecho Constitucional”. Argentina, Bs.As: 2010. Pag: 171-175

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sua decisão comparando-as com o texto da constituição para averiguar se guardam ou não

conformidade com esta e não aplicá-las caso encontrem oposição com ela. Constituendo esta

atribuição, uns dos fins supremos e fundamentares do poder judicial e uma das maiores

garantias para assegurar os direitos da Constituição. 144

Na Argentina, existem outros jeitos de declarar a inconstitucionalidade de uma lei,

mas que não são próprios para isso. Em outras palavras, são recursos que não são próprios

para declarar a uma lei inconstitucional, mas eles podem chegar a declará-la em situações

excepcionais.

Eles são três:

RECURSO DE HABEAS CORPUS: é um mecanismo legal destinado a

proteger aos indivíduos em sua liberdade pessoal, a traves de um procedimento muito mais

rápido que o de os processos normais. 145

RECURSO DE HABEAS DATA: Ação para garantir o acesso de uma pessoa a

informações sobre ela que façam parte de arquivos ou bancos de dados de entidades

governamentais ou públicas. Também pode pedir a correção de dados incorretos.

Na Argentina, está tutelado no artigo 43 da Constituição:

“Toda persona podrá interponer esta acción para tomar conocimiento de los datos a

ella referidos y de su finalidad, que consten en registros o bancos de datos públicos, o los

privados destinados a proveer informes, y en caso de falsedad o discriminación, para exigir

la supresión, rectificación, confidencialidad o actualización de aquellos. No podrá afectarse

el secreto de las fuentes de información periodística”

No Brasil, está amparado o HD no artigo 5 inciso XII da Constituição Federal:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-

se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à

liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e

das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na

144 Miller, Jonathan M, Gelli, Maria Angelica, Cyuso, Susana. “Constitucion y poder politico”. Ed.

Astrea. Tomo 1, Bs As, 1995.

145 Carrió, Alejandro. “La Corte Suprema y su independência”. Ed. Alberto Perrot. Buenos Aires, 1999.

Pag: 36

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forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;

(Vide Lei nº 9.296, de 1996)”

ACCIÓN DE AMPARO: Está regulada na Constituição Federal, primer paragrafo do artigo

43:

“Artículo 43- Toda persona puede interponer acción expedita y rápida de amparo, siempre

que no exista otro medio judicial más idóneo, contra todo acto u omisión de autoridades

públicas o de particulares, que en forma actual o inminente lesione, restrinja, altere o

amenace, con arbitrariedad o ilegalidad manifiesta, derechos y garantías reconocidos por esta

Constitución, un tratado o una ley. En el caso, el juez podrá declarar la inconstitucionalidad

de la norma en que se funde el acto u omisión lesiva.”

A ação de Amparo também se acha regulamentada na lei nº 16.986: .

“Artículo 1º — La acción de amparo será admisible contra todo acto u omisión de autoridad

pública que, en forma actual o inminente, lesione, restrinja, altere o amenace, con

arbitrariedad o ilegalidad manifiesta, los derechos o garantías explícita o implícitamente

reconocidas por la Constitución Nacional, con excepción de la libertad individual tutelada

por el habeas corpus.

Artículo 2º — La acción de amparo no será admisible cuando:

a) Existan recursos o remedios judiciales o administrativos que permitan obtener la

protección del derecho o garantía constitucional de que se trate;

b) El acto impugnado emanara de un órgano del Poder Judicial o haya sido adoptado por

expresa aplicación de la Ley Nº 16970;

c) La intervención judicial comprometiera directa o indirectamente la regularidad,

continuidad y eficacia de la prestación de un servicio público, o el desenvolvimiento de

actividades esenciales del Estado;

d) La determinación de la eventual invalidez del acto requiriese una mayor amplitud de

debate o de prueba o la declaración de inconstitucionalidad de leyes, decretos u ordenanzas;

e) La demanda no hubiese sido presentada dentro de los quince días hábiles a partir de la

fecha en que el acto fue ejecutado o debió producirse.”

O artigo 1, admite a ação de amparo contra todo ato ou omissão de autoridade publica

que, lesione altere, restinga ou ameace, com ilegalidade ou arbitrariedade os direitos ou

garantias reconhecidas na CN (com exceção da liberdade individual já que é tutelada pela

Habeas Corpus).

O caso “Sojo” é um famoso juízo onde um recurso de habeas corpus provocou que se

declare, de forma implícita, uma lei inconstitucional:

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A causa de um desenho publicado em um jornal (Don Quijote) o 4 de setembro de

1887, seu redator, Eduardo Sojo, foi colocado em prisão por uma ação ordenada pela câmara

de deputados da Nação, já que tinha sido considerado um desenho “ofensivo”.

Sojo interpôs o recurso de habeas corpus ante a Suprema Corte, sem seguir o

procedimento tradicional de peticionar primeiro ante um juiz. Para efetuar essa apresentação

direita, invocou uma lei do Congresso que de maneira um pouco ambígua atribuía á Corte

Suprema competência direita para intervir. Essa questão tem transcendência por que a

jurisdição originaria da corte, encontra-se no texto da constituição. Ela é quem dize em que

supostos as causas podem tramitar direita e incialmente ante a Corte (estando essa jurisdição

reservada para embaçadores, diplomáticos, ou juízos com outros estados ou entre províncias).

A corte, em dissidência, votou que a constituição devia prevalecer em caso de conflito

entre uma lei e ela. Portanto, disse que não podiam, como pretendia Sojo, ampliar por via

legislativa sua jurisdição originaria.

O fato transcendente foi que a Corte tinha reivindicado, pela primeira vez, sua

potestade para analisar a validez das leis do congresso, sabendo que, na constituição em

nenhuma parte autoriza á Corte Suprema a anular o declarar invalidas as leis do Congresso.

Depois desse caso, a Corte habilitou uma via importantíssima para poder cumprir no

sucessivo com o rol dele de controlador dos atos dos outros poderes. Finalmente, um ano

depois, a Corte declarou pela primeira vez de forma expressa a inconstitucionalidade de uma

lei no caso “Municipalidad c/Elortondo” analisado anteriormente. 146

RECURSO EXTRAORDINARIO NO BRASIL

O Supremo Tribunal Federal, como guardião da Constituição e instância máxima da

jurisdição brasileira, pode ser instigado a resolver demandas por meio da interposição de

recursos nas causas que já foram decididas em última ou única instância por outras cortes, ou

pela propositura de ações constitucionais de sua competência originária.

A Constituição Federal, ao estabelecer a competência originária da Suprema Corte,

estabeleceu uma série de ações e recursos constitucionais que devem ser apreciados pela

Corte Maior.

146 Carrió, Alejandro. “La Corte Suprema y su independência”. Ed. Alberto Perrot. Buenos Aires, 1999.

Pag: 34-35

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O recurso extraordinário, instrumento de singular importância no âmbito da jurisdição

constitucional brasileira, tem como finalidade “assegurar: a inteireza positiva: a validade; a

autoridade e a uniformidade de interpretação da Constituição”147

.

No Brasil, o apelo foi concebido como recurso tendente a possibilitar revisão

extraordinária de julgados de última instância, em caso de violação ao direito federal

ordinário ou de ofensa à Constituição. Atualmente, a disciplina geral do instituto está

insculpida no art. 102, III, da Constituição, o qual estabelece que compete ao Supremo

Tribunal Federal julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou

última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo da Constituição; b)

declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo

local contestado em face desta Constituição; e d) julgar válida lei local contestada em face de

lei federal. Registre-se que a única hipótese de cabimento do recurso extraordinário em que a

violação à Constituição não é explícita ocorre quando a decisão recorrida julga válida lei local

contestada em face de lei federal. Entretanto, como é a Constituição Federal que disciplina a

competência legislativa dos entes federativos, o cabimento do extraordinário se justifica pela

não observância das regras constitucionais.

O que se percebeu, entretanto, foi que mesmo a retirada da competência revisional da

aplicação das leis federais pelo Supremo não foi capaz de conter o elevado número de

processos anualmente distribuídos na Corte.

A expressividade do recurso extraordinário no universo da atividade judicante do STF

é gigantesca. Não é por acaso que o sítio do Tribunal dedica uma área à divulgação do volume

de recursos extraordinários e agravos de instrumento distribuídos, destacada de outra em que

são mostradas as participações de cada classe de feito no percentual total de processos.

Em síntese, os agravos de instrumento e os recursos extraordinários têm a mesma

finalidade, qual seja, acionar a jurisdição extraordinária difusa do Supremo Tribunal Federal.

O agravo de instrumento contra a inadmissibilidade de recurso extraordinário é uma

insurgência contra a decisão do tribunal de origem que nega processamento ao apelo extremo,

e sua função precípua é fazer com que este recurso seja levado ao STF.

147 Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, tomo VIII: arts. 539 a 565. Rio de

Janeiro: Forense,

2002, p. 39.

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Percebe-se, pois, que o recurso extraordinário pode chegar diretamente ao Supremo,

quando admitido na origem, ou indiretamente, por meio da interposição de agravo de

instrumento. Isso se dá porque o juízo de admissibilidade do recurso extraordinário, para

aferir a presença dos pressupostos recursais, é exercido tanto pelo tribunal a quo como pela

Corte Suprema. Nesse contexto, a Emenda Constitucional n. 45 instituiu a repercussão geral

como forma de resgate da feição do recurso extraordinário como elemento de uniformização,

buscando, com isso, contornar o problema da crise numérica. A repercussão geral, tal qual

está proposta na Lei, deverá ser demonstrada, como preliminar do recurso extraordinário, para

apreciação exclusiva do Supremo Tribunal Federal. Há regra explícita de que será

reconhecida a existência de repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão

contrária à súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, mas ainda

nesses casos deve ser apresentada a preliminar formal como requisito de admissibilidade do

recurso.

Função do Senado Federal

A suspensão da execução pelo Senado Federal do ato declarado inconstitucional pela

Excelsa Corte foi a forma definida pelo constituinte para emprestar eficácia erga omnes às

decisões definitivas sobre inconstitucionalidade nos recursos extraordinários. A aparente

originalidade da fórmula tem dificultado o seu enquadramento dogmático. Discute-se, assim,

sobre os efeitos e natureza da resolução do Senado Federal que declare suspensa a execução

de lei ou ato normativo. Questiona-se, igualmente, sobre o caráter vinculado ou discricionário

do ato praticado pelo Senado e sobre a abrangência das leis estaduais e municipais. Indaga-se,

ainda, sobre a pertinência da suspensão ao pronunciamento de inconstitucionalidade

incidenter tantum, ou sobre a sua aplicação às decisões proferidas em ação direta.

O Writ of Certiorari

Este instituto foi inspirado no direito judicial norte-americano. Ele foi incorporado ao

direito processual argentino pela lei 23.744. O artigo 280 diga que a corte com a invocação

desta norma, poderá rechaçar um recurso extraordinário pela falta de agravo federal suficiente

ou quando as questões planteadas não tenham a suficiente transcendência.

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Este instituto tem por objeto solucionar o excesso de recursos planteados na Corte,

sem justificação suficiente e permite assim, que o tribunal segundo sua sana discrição possa

desestimar um recurso sem mais tramite. O Código de Processo Civil Comercial diz:

“Art. 280. - LLamamiento de autos. Rechazo del recurso extraordinario. Memoriales en el

recurso ordinario. Cuando la Corte Suprema conociere por recurso extraordinario, la

recepción de la causa implicará el llamamiento de autos. La Corte, según su sana

discreción, y con la sola invocación de esta norma, podrá rechazar el recurso

extraordinario, por falta de agravio federal suficiente o cuando las cuestiones planteadas

resultaren insustanciales o carentes de trascendencia.

Si se tratare del recurso ordinario del artículo 254, recibido el expediente será puesto en

secretaría, notificándose la providencia que así lo ordene personalmente o por cédula.

El apelante deberá presentar memorial dentro del término de DIEZ (10) días, del que se

dará traslado a la otra parte por el mismo plazo. La falta de presentación del memorial o su

insuficiencia traerá aparejada la deserción del recurso.

Contestado el traslado o transcurrido el plazo para hacerlo se llamará autos.En ningún caso

se admitirá la apertura a prueba ni la alegación de hechos nuevos.”

Per Saltum

Este recurso consiste na atribuição da Corte de avocar-se ao conhecimento de uma

causa radicada em uma instância “saltando” as instancias processuais ordinárias. Assim, por

exemplo, uma causa radicada ante um julgado federal é solicitada e resolvida pela Corte sem

a intervenção da Câmara Federal respectiva.

Como se pode ver, este instituto implica desconhecer as normas processuais que

regulam a jurisdição e competência dos juízes e não está previsto no direito processual

argentino. Constituem uma criação da Corte de excepcional procedência. A primeira vez a

ocorrer foi em 6 de setembro de 1990, na causa

“Dromi, Jose Roberto sem avocação, em autos Fontela Moises c/ Estado Nacional”.

“Artículo 257 bis: Procederá el recurso extraordinario ante la Corte Suprema

prescindiendo del recaudo del tribunal superior, en aquellas causas de competencia federal

en las que se acredite que entrañen cuestiones de notoria gravedad institucional, cuya

solución definitiva y expedita sea necesaria, y que el recurso constituye el único remedio

eficaz para la protección del derecho federal comprometido, a los fines de evitar perjuicios

de imposible o insuficiente reparación ulterior.

Existirá gravedad institucional en aquellas cuestiones sometidas a juicio que excedan el

interés de las partes en la causa, proyectándose sobre el general o público, de modo tal que

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por su trascendencia queden comprometidas las instituciones básicas del sistema

republicano de gobierno o los principios y garantías consagrados por la Constitución

Nacional y los Tratados Internacionales por ella incorporados.

La Corte habilitará la instancia con alcances restringidos y de marcada excepcionalidad.

Sólo serán susceptibles del recurso extraordinario por salto de instancia las sentencias

definitivas de primera instancia, las resoluciones equiparables a ellas en sus efectos y

aquellas dictadas a título de medidas cautelares.

No procederá el recurso en causas de materia penal.”

“Artículo 257 ter: El recurso extraordinario por salto de instancia deberá interponerse

directamente ante la Corte Suprema mediante escrito fundado y autónomo, dentro de los

diez (10) días de notificada la resolución impugnada.

La Corte Suprema podrá rechazar el recurso sin más trámite si no se observaren prima facie

los requisitos para su procedencia, en cuyo caso proseguirá la causa según su estado y por

el procedimiento que corresponda. El auto por el cual el Alto Tribunal declare la

admisibilidad del recurso tendrá efectos suspensivos respecto de la resolución recurrida.

Del escrito presentado se dará traslado a las partes interesadas por el plazo de cinco (5)

días notificándolas personalmente o por cédula. Contestado el traslado o vencido el plazo

para hacerlo, la Corte Suprema decidirá sobre la procedencia del recurso. Si lo estimare

necesario para mejor proveer, podrá requerir al Tribunal contra cuya resolución se haya

deducido el mismo, la remisión del expediente en forma urgente.”

Então, o Per Saltum proceder só:

Nas causas de competência federal nas que se acredite que entranhem

questões de notória gravidade institucional, cuja solução definitiva y expedita seja

necessária,

Que o recurso constituem o único remédio eficaz para a protecional do

direito federal comprometido, aos fins de evitar prejuízos de impossível o insuficiente

reparação ulterior.

Existirá gravidade institucional em aquelas questiones sometidas a juízo

que excedam o interesse das partes na causa, projetando-se sobre o general de modo

tal que por sua transcendência quedem comprometidas as instituições básicas do

sistema republicano de governo ou os princípios y garantias consagrados pela

Constituição.

Brasil: Ações direitas de Inconstitucionalidade

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE(ADI)

A Constituição de 1988 reduziu o significado do controle de constitucionalidade

incidental ou difuso, ao ampliar, de forma marcante, a legitimação para propositura da ação

direta de inconstitucionalidade (art. 103), permitindo que muitas controversias constitucionais

relevantes sejam submetidas ao Supremo Tribunal Federal mediante processo de controle

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abstrato de normas. A ampla legitimação, a presteza e a celeridade processual do modelo

abstrato, dotado inclusive da possibilidade de suspender imediatamente a eficácia do ato

normativo questionado, mediante pedido de cautelar, fazem com que as grandes questões

constitucionais sejam solvidas, na sua maioria, mediante a utilização da ação direta, típico

instrumento do controle concentrado.

Não se admite, igualmente, a legitimidade de pessoas jurídicas de direito privado, que

reúnam, como membros integrantes, associações de natureza civil e organismos de caráter

sindical, exatamente em decorrência desse hibridismo, porquanto “noção con- ceitual (de

instituições de classe) reclama a participação, nelas, dos próprios individuos integrantes de

determinada categoria, e não apenas das entidades privadas constituídas para representá -

los”148

. Da mesma forma, como regra geral, não se reconhece natureza de entidade de classe

àquelas organizações que, “congregando pessoas jurídicas, apresentam -se como verdadeiras

associações de associações”, uma vez que, nesse caso, faltar -lhes -ia exatamente a qualidade

de entidade de classe149

.

Pertinência Temática

Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal, há de se exigir, também, que o objeto

da ação de inconstitucionalidade guarde relação de pertinência com atividade de

representação da confederação sindical ou da entidade de classe de âmbito nacional150

.

Afigura-se excessiva, portanto, a exigência de que haja uma relação de pertinência entre o

148 ADI 79/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 10 -9 -1989, RDA, 188/144 (146), 1992; ADI 505/DF,

Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 2 -8 -1991, p. 9916; ADI 530/DF, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 22 -11 -1991,

p. 16845; ADI 433/ DF, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 22 -11 1991, p. 16842; ADI 705/SC, Rel. Min. Celso

de Mello, DJ de 6 -4 -1992, p. 4442; ADI 511/DF, Rel. Min. Paulo Brossard, DJ de 15 -5 -1992, p. 6781; ADI

108/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 5 -6 -1992, p. 8426; ADI 704/PR, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 4 -9

-1992, p. 14089; e ADI -AgRg 706/MG, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 4 -9 -1992. 149

12 ADI 79/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 10 -9 -1989, RDA, 188/144 (146), 1992 e ADI

914/DF, Rel. Min.

Sydney Sanches, DJ de 11 -3 -1994.

150 27 Cf. ADI 202/BA, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 2 -4 -1993, p. 5612; ADI 159/PA, Rel.

Min. Octavio Gallotti, DJ de 2 -4 -1993, p. 5611; ADI 893/PR, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 3 -9 -1993, p.

17743. 28 ADI 902, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 22 -4 -1994, p. 8946.

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objeto da ação e a atividade de representação da entidade de classe ou da confe- deração

sindical.

A relação de pertinência envolve inequívoca restrição ao direito de propositura, que,

tratando -se de processo de natureza objetiva, dificilmente poderia ser formulada até mesmo

pelo legislador ordinário. A relação de pertinência assemelha -se muito ao estabelecimento de

uma condição de ação – análoga, talvez, ao interesse de agir do processo civil –, que não

decorre dos expressos termos da Constituição e parece ser estranha à natureza do sistema de

fiscalização abstrata de normas. Por isso, a fixação de tal exigência parece ser defesa ao

legislador ordinário federal, no uso de sua competência específica. A jurisprudência do

Supremo Tribunal Federal tem identificado a necessidade de que o Governador de um Estado

ou a Assembleia Legislativa que impugna ato norma- tivo de outro demonstre a relevância,

isto é, a relação de pertinência da pretensão formu- lada – da pretendida declaração de

inconstitucionalidade da lei.

Direito de propositura dos partidos políticos

O constituinte de 1988 preferiu conceder o direito de propositura da ação direta de

inconstitucionalidade aos partidos políticos com representação no Congresso Nacional, O

Supremo Tribunal Federal entende que, para propor ação direta, suficiente se afigura a

decisão do presidente do partido, dispensando, assim, a intervenção do diretório partidário. A

orientação jurisprudencial encaminhou -se, todavia, no sentido de exigir que a procuração

outorgada pelo órgão partidário conste a lei ou os dispositivos a ser impugnados151

. Caso o

partido perdesse a representação no Congresso Nacional após a propositu ra da ação, o

Tribunal vinha considerando que a ação havia de ser declarada prejudicada, ressalvando -se

apenas a hipótese de já se ter iniciado o julgamento152

.

Objeto

151 ADI 2.552/PR, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 19 -12 -2001

152 Cf. Questão de Ordem suscitada pelo Ministro Sepúlveda Pertence na ADI 2.054/DF, Rel. Min.

Ilmar Galvão, DJ de 9 -4 -2003; e Agravo Regimental nas ADIs 2.202/DF, 2.465/RJ e 2.723/RJ, Rel. Min.

Celso de Mello, DJ de 13 -3 -2003.

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Podem ser impugnados por ação direta de inconstitucionalidade, nos termos do art.

102, I, a, primeira parte, da CF, leis ou atos normativos federais ou estaduais. Com isso,

utilizou -se o constituin te de formulação consideravelmente abrangente de todos dos atos

normativos primários da União ou dos Estados (CF/88, art. 102, I, a).

Como regra geral, deve-se conceber que, para fins da propositura da ADIn, devem ser

compreendidos dentre os atos normativos federais e estaduais somente aqueles posteriores à

promulgação da Constituição de 1988. Isto é, os atos pré -constitucionais (sejam eles federais

ou estaduais) não são passíveis de controle por intermédio da ação direta de

inconstitucionalidade.153

Leis e atos normativos federais

Devemos entender como leis e atos normativos federais passíveis de ser objetos de

ação direta de inconstitucionalidade:

1. Disposições da Constituição propriamente ditas.

2. Leis de todas as formas e conteúdos (observada a especificidade dos atos de efeito

concreto), uma vez que o constituinte se vinculou à forma legal. Nesse contexto hão de ser

contempladas as leis formais e materiais:

2.1. as leis formais ou atos normativos federais, dentre outros;

2.2. as medidas provisórias, expedidas pelo Presidente da República em caso de rele-

vância ou urgência, com força de lei. Essas medidas perdem a eficácia se não

aprovadas pelo Congresso Nacional no prazo de sessenta dias, podendo ser prorrogadas uma

única vez, por igual perío do

3. Decreto legislativo que contém a aprovação do Congresso aos tratados e auto- riza o

Presidente da República a ratificá -los em nome do Brasil

4. O decreto do Chefe do Executivo que promulga os tratados e convenções.

153 Cf. Gilmar Ferreira Mendes, Curso de direito constitucional. 8. ed., São Paulo: Saraiva, 2012.Pag:

1118-1119

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5. O decreto legislativo do Congresso Nacional que suspende a execução de ato do

Executivo, em virtude de incompatibilidade com a lei regulamentada (CF, art. 49, V)154

.

6. Os atos normativos editados por pessoas jurídicas de direito público criadas pela

União, bem como os regimentos dos Tribunais Superiores, podem ser objeto do con- trole

abstrato de normas se configurado seu caráter autônomo, não meramente ancilar.

7. O decreto legislativo aprovado pelo Congresso Nacional com o escopo de sus- tar

os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites

de delegação legislativa155

8. Também outros atos do Poder Executivo com força normativa, como os parece- res

da Consultoria -Geral da República, devidamente aprovados pelo Presidente da Repú- blica

(Dec. n. 92.889, de 7 -7 -1986)64 ou Decreto que assuma perfil autônomo ou exorbite

*agrantemente do âmbito do Poder Regulamentar65. Observe -se que, se o decreto tiver

natureza secundária, o controle da constitucionalidade, em abstrato, é inviável

9. Resolução do TSE.

10. Súmulas vinculantes do STF também poderão ser objetos de ADI em razão do seu

inequívoco caráter normativo. A jurisprudência do Tribunal recusou, porém, o cabimento de

ADI contra súmula de tribunal com base no argumento de que não seria dotada de força

normativa.

11. Resoluções de tribunais que deferem reajuste de vencimentos156

Nos termos do art. 102, I, a, da Constituição, parâmetro do processo de controle

abstrato de normas é, exclusivamente, a Constituição vigente. A ofensa arguida no controle

concentrado deve ser direta ao texto constitucional; a inconstitucionalidade reflexa, em que a

154 A Constituição de 1988 incorporou disposição da Constituição que outorgava essa atribuição ao

Senado Federal. Tal como reconhecido por Pontes de Miranda, essa competência outorgava ao Senado, ainda

que parcial- mente, poderes de uma Corte Constitucional (cf. Comentários à Constituição da República dos

Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro: Ed. Guanabara, 1936 -37, v. 1, p. 364). Cf., também, ADI 748, Rel.

Min. Celso de Mello, DJ de 6 -11 -1992, p. 20105 -20106.

155 Cf., sobre o assunto, ADI 748, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 6 -11 -1992, p. 20105.

156 ADI 662, Rel. Min. Eros Grau, DJ de 10 -11 -2006.

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análise da conformação com o ordenamento exige a prévia análise da legislação

infraconstitucional, não é caso de ação direta157

.

Importante inovação consta do art. 9º, § 1º, da Lei n. 9.868/99, que auto ri za o relator,

após as manifestações do Advogado -Geral da União e do Procurador -Geral da República,

em caso de necessidade de esclarecimento de matéria ou circunstância de fato ou de notória

insuficiência das informações existentes nos autos, requisitar infor- mações adicionais,

designar perito ou comissão de peritos para emitir parecer sobre a questão ou fixar data para,

em audiência pública, ouvir depoimentos e pessoas com experiência e autoridade na matéria.

AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE(ADC)

“Art. 102. (…)

I – (…)

a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação

declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal.

§ 1º A arguição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição,

será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei.

§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações

declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, produzirão eficácia

contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao

Poder Executivo.

Art. 103. (…)

§ 4º A ação declaratória da constitucionalidade poderá ser proposta pelo Presidente da

República, pela Mesa do Senado Federal, pela Mesa da Câmara dos Deputados ou pelo

Procurador -Geral da República”.

Ao lado do direito de propositura da ação declaratória de constitucionalidade – e, aqui,

assinale -se, estamos a falar tão somente da ADC e não da ADI – há de se cogitar também de

uma legitimação para agir in concreto, que se relaciona com a existência de um estado de

incerteza gerado por dúvidas ou controvérsias sobre a legitimidade da lei158

. Há de se

configurar, portanto, situa ção hábil a afetar a presunção de constitucionalidade, que é

apanágio da lei.

157 Cf. ADI 2.862, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 26 -3 -2008, DJE de 9 -5 -2008.

158 Cf. Gilmar Ferreira Mendes, Jurisdição constitucional, 5. ed., São Paulo: Saraiva, 2005.

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Embora o texto constitucional não tenha contemplado expressamente esse pressuposto,

é certo que ele é inerente às ações declaratórias, mormente às ações declaratórias de conteúdo

positivo. Assim, não se afigura admissível a propositura de ação declaratória de

constitucionalidade se não houver controvérsia ou dúvida relevante quanto à legitimidade da

norma.

Evidentemente, são múltiplas as formas de manifestação desse estado de incerteza

quanto à legitimidade da norma. A insegurança poderá resultar de pronunciamentos

contraditórios da jurisdição ordinária sobre a constitucionalidade de determinada disposição.

Assim, se a jurisdição ordinária, através de diferentes órgãos, passar a afirmar a

inconstitucionalidade de determinada lei, poderão os órgãos legitimados, se estiverem

convencidos de sua constitucionalidade, provocar o STF para que ponha termo à controvérsia

instaurada. Da mesma forma, pronunciamentos contraditórios de órgãos jurisdicionais

diversos sobre a legitimidade da norma poderão criar o estado de incerteza imprescindível

para a instauração da ação declaratória de constitucionalidade. Embora as decisões judiciais

sejam provocadas ou mesmo estimuladas pelo debate doutrinário, é certo que simples

controvérsia doutrinária não se afigura suficiente para objetivar o estado de incerteza apto a

legitimar a propositura da ação, uma vez que, por si só, ela não obsta à plena aplicação da lei.

Assim, não configurada dúvida ou controvérsia relevante sobre a legitimidade da

norma, o STF não deverá conhecer da ação proposta.159

A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO (ADO)

A adoção de instrumentos especiais, destinados à defesa de direitos subjetivos

constitucionalmente assegurados e à proteção da ordem constitucional contra omissão hábil a

afetar a efetividade de norma constitucional, está a indicar a existência, em muitos casos, de

uma pretensão individual a uma atividade legislativa, emprestando forma jurídica a uma

questão até há pouco tratada tradicionalmente como típica questão política. Tal como a ação

direta de inconstitucionalidade (ADI), o processo de controle abstrato da omissão (ADO) não

tem outro escopo senão o da defesa da ordem funda mental contra condutas com ela

159 Cf. Gilmar Ferreira Mendes, Curso de direito constitucional. 8. ed., São Paulo: Saraiva, 2012. Pag:

1144

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incompatíveis. Não se destina, pela própria índole, à proteção de situações individuais ou de

relações subjetivadas, mas visa, precipuamente, à defesa da ordem jurídica. Não se pressupõe,

portanto, aqui, a configuração de um interesse jurídico específico ou de um interesse de agir.

Os órgãos ou entes incumbidos de instaurar esse processo de defesa da ordem jurídica agem

não como autor, no sentido estritamente processual, mas como um Advogado do Interesse

Público ou, para usar a expressão de Kelsen, como um advogado da Constituição.

Objeto desse controle abstrato da inconstitucionalidade é a mera inconstitucionalidade

morosa dos órgãos competentes para a concretização da norma constitucional. A própria

formulação empregada pelo constituinte não deixa dúvida de que se teve em vista aqui não só

a atividade legislativa, mas também a atividade tipicamente administrativa que pudesse, de

alguma maneira, afetar a efetividade de norma constitucional. O texto constitucional outorgou

ao Supremo Tribunal Federal a competência para julgar a ação direta de inconstitucionalidade

de lei ou ato normativo federal ou estadual (art. 102, I, a).160

A REPRESENTAÇÃO INTERVENTIVA

Ação que resulta em intervenção federal na autonomia política dos estados federados,

quando estes violem algum princípio sensível à Constituição Federal. Esses princípios estão

listados no artigo 34, VII, da Constituição, que dizem respeito à forma republicana, ao sistema

representativo e à aplicação do mínimo exigido da receita estadual na manutenção e

desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde. A representação

interventiva também poderá ser invocada no caso da recusa, por parte dos estados, à execução

de lei federal.161

A controvérsia envolve os deveres do Estado -membro quanto à observância dos

princípios constitucionais sensíveis (CF de 1988, art. 34, VII; CF de 1969, arts. 13, I, e 10,

VII) e à aplicação da lei federal (CF de 1988, art. 34, VI; CF de 1967/69, art. 10, VI, 1ªparte).

160 Cf. Gilmar Ferreira Mendes, Curso de direito constitucional. 8. ed., São Paulo: Saraiva, 2012. Pag:

1158

161http://www2.stf.jus.br/portalStfInternacional/cms/verGlossario.php?sigla=portalStfGlossario_pt_br&i

ndice=R&verbete=198250. Pagina consultado o dia 20/11/2013

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Essa violação de deveres consiste, fundamentalmente, na edição de atos normativos

infringentes dos princípios federativos previstos no art. 34, VII, da CF de 198825.

Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:

VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:

a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;

b) direitos da pessoa humana;

c) autonomia municipal;

d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta.

e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a

proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços

públicos de saúde.

Partes: Poderá ser proposta apenas pelo Procurador-Geral da República. No pólo

passivo, estão os órgãos estaduais que tenham editado o ato questionado.

Tramitação: O pedido - Na petição inicial, o procurador-geral da República deverá

indicar o princípio constitucional que considerar violado ou os dispositivos da lei federal cuja

aplicação houver sido recusada, bem como a forma pela qual tal violação ou recusa estiver

ocorrendo, além de provas.

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF)

É um tipo de ação, ajuizada exclusivamente no STF, que tem por objeto evitar ou

reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público. Neste caso, diz-se

que a ADPF é uma ação autônoma. Entretanto, esse tipo de ação também pode ter natureza

equivalente às ADIs, podendo questionar a constitucionalidade de uma norma perante a

Constituição Federal, mas tal norma deve ser municipal ou anterior à Constituição vigente (no

caso, anterior à de 1988). A ADPF é disciplinada pela Lei Federal 9.882/99. Os legitimados

para ajuizá-la são os mesmos da ADI. Não é cabível ADPF quando existir outro tipo de ação

que possa ser proposto.162

162http://www2.stf.jus.br/portalStfInternacional/cms/verGlossario.php?sigla=portalStfGlossario_pt_br&i

ndice=A&verbete=178827. Pagina consultado o dia 20/11/2013

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Caso ADPF n. 45/DF

A relevância da decisão está nas observações do rel. Min. Celso de Mello, claramente

indicadoras de que a ADPF seria instrumento idôneo para viabilizar a concretização de

politicas publicas quando, apesar de previstas na Constituição Federal, fossem toral ou

parcialmente descumpridas pelas instancias governamentais destinatárias do comando

constitucional. Assim, o poder judiciário estaria realizando papel garantidor da eficácia e da

integridade de direitos individuais e/ou coletivos, ainda que consagrados em dispositivos de

conteúdo programático. Além disso, admite a possibilidade de controle do veto do Poder

Executivo a projeto de lei aprovado, o que na ADPF (QO)n. 1/RJ foi considerado inviável,

dada a natureza politica do ato. A ementa foi assim lavrada: 163

“Arguição de descumprimento de preceito fundamental. A questão da legitimidade

constitucional do controle e da intervenção do Poder Judiciário em tema de implementação

de politicas publicas, quando configurada quando configurada hipótese de abusividade

governamental. Dimensão política da jurisdição constitucional atribuída ao supremo tribunal

federal. Inoponibilidade do arbítrio estatal à efetivação dos direitos sociais, econômicos e

culturais. Caráter relativo da liberdade de conformação do legislador. Considerações em

torno da cláusula da reserva do possível. Necessidade de preservação, em favor dos

indivíduos, da integridade e da intangibilidade do núcleo consubstanciador do mínimo

existencial. Viabilidade instrumental da arguição de descumprimento no processo de

concretização das liberdades positivas (direitos constitucionais de segunda geração).”

163 Barroso, Luis Roberto. “O controle de Constitucionalidade no direito brasileiro”. Ed. Saraiva, 3era

ed. DF, 2009.

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Conclusão

Ao longo do trabalho conclui-se então, comparar os tipos de constitucionalidade de

cada pais, para que logo, cada um, possa segundo sua interpretação analisar qual tipo de

controle de constitucionalidade é melhor para seu pais.

Comparamos não só descrevendo que tipos de controles têm os dois países, o Brasil e

a Argentina, como também os jeitos que têm eles para declarar a uma lei/ato inconstitucional.

Pessoalmente, acho que o melhor tipo de controle de constitucionalidade e DIFUSO.

Já que, alguém vai ter a necessidade de declarar a uma lei inconstitucional no momento em

que se sinta afeitado pela essa lei. Sino, para que tomar o trabalho de fazer um juízo, só por

via das duvidas que algum dia essa lei possa ser considerada inconstitucional? Eu acho sem

muita utilidade, que o objeto de um juízo seja só analisar uma lei. O importante da lei é no

momento em que é posta em pratica.

Por essa razão, acho o modelo difuso (ou americano), que adota a Argentina, o modelo

mais útil e prático de controle de constitucionalidade.

Bibliografia

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p. 16845; ADI 433/ DF, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 22 -11 1991, p. 16842; ADI 705/SC, Rel. Min.

Celso de Mello, DJ de 6 -4 -1992, p. 4442; ADI 511/DF, Rel. Min. Paulo Brossard, DJ de 15 -5 -1992,

p. 6781; ADI 108/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 5 -6 -1992, p. 8426; ADI 704/PR, Rel. Min.

Carlos Velloso, DJ de 4 -9 -1992, p. 14089; e ADI -AgRg 706/MG, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 4 -

9 -1992.

ADI 202/BA, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 2 -4 -1993, p. 5612; ADI 159/PA, Rel. Min. Octavio Gallotti,

DJ de 2 -4 -1993, p. 5611; ADI 893/PR, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 3 -9 -1993, p. 17743. 28 ADI

902, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 22 -4 -1994, p. 8946.

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Carrió, Alejandro. “La Corte Suprema y su independência”. Ed. Alberto Perrot. Buenos Aires, 1999.

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Cf. Questão de Ordem suscitada pelo Ministro Sepúlveda Pertence na ADI 2.054/DF, Rel. Min. Ilmar Galvão,

DJ de 9 -4 -2003; e Agravo Regimental nas ADIs 2.202/DF, 2.465/RJ e 2.723/RJ, Rel. Min. Celso de

Mello, DJ de 13 -3 -2003.

Cf. Gilmar Ferreira Mendes, Curso de direito constitucional. 8. ed., São Paulo: Saraiva, 2012.

Cf., sobre o assunto, ADI 748, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 6 -11 -1992, p. 20105.

ADI 662, Rel. Min. Eros Grau, DJ de 10 -11 -2006.

Cf. ADI 2.862, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 26 -3 -2008, DJE de 9 -5 -2008.

Dieter Grimm, Zum Verhältnis von Interpretationslehre Verfassungsgerichtsbarkeit un Demokratieprinzip bei

Kelsen, in Ideologiekritik und Demokratietheorie bei Hans Kelsen, Rechtstheorie Beiheft 4, 1982.

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Gilmar Ferreira Mendes, Jurisdição constitucional, 5. ed., São Paulo: Saraiva, 2005.

Gilmar Ferreira Mendes, Curso de direito constitucional. 8. ed., São Paulo: Saraiva, 2012. Pag: 1144

Haro, Ricardo. “Manual de Derecho Constitucional”. Zavalia. Argentina: Cordoba, 2011..

Hans Kelsen, La garanzia giurisdizionale della costituzione, in La giustizia costituzionale, Milano: Giuffrè, e A

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Miller, Jonathan M, Gelli, Maria Angelica, Cyuso, Susana. “Constitucion y poder politico”. Ed. Astrea. Tomo

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Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, tomo VIII: arts. 539 a 565. Rio de Janeiro:

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Influência da TV Justiça no STF

I. Introdução

Nesta pesquisa buscamos mostrar a influência da mídia e da população na Suprema

Corte de dois países, Brasil e Estados Unidos, focando mais no efeito que a introdução da TV

Justiça causou no STF Brasileiro. As cortes destes dois países possuem uma exposição à

população completamente diferente. Começando com a dos Estados Unidos, que é um

sistema fechado em que a população tem acesso somente às decisões e não aos argumentos,

os ministros estão na mídia pouquíssimas vezes e quase nunca concedem entrevistas. Já no

Brasil, o oposto ocorre com a já mencionada TV Justiça, que transmite todas as sessões ao

vivo para toda a população brasileira e os ministros estão completamente expostos à

população.

Para fazer este trabalho, estudamos pesquisas conduzidas nos dois países nesta questão

de opinião publica. Iremos olhar as diversas hipóteses que já foram formadas neste quesito, e

também uma pesquisa quantitativa do Supremo Tribunal Federal pré TV Justiça e pós TV

Justiça. Juntando essas diversas pesquisas, tentaremos entender melhor esse fenômeno.

Esta pesquisa será separada em quatro partes diferentes. Primeiramente iremos

analisar os estudos que já foram conduzidos na Suprema Corte Americana e o que indicam

sobre a relação entre a corte e a opinião publica. Em segundo, iremos analisar um estudo

quantitativo sobre o Supremo Tribunal Federal do Brasil pré TV Justiça e pós TV Justiça e o

significado destes. Em terceiro, iremos comparar as diferenças de ambos , suas similaridades

e finalmente a conclusão sobre esta pesquisa.

II. Suprema Corte Americana e a opinião publica

Nos Estados Unidos, já foram feitos inúmeros estudos sobre o tema da Suprema Corte e

opinião publica, que confirmam qualitativamente que existe uma conexão entre a opinião

publica e as decisões feitas pela Suprema Corte Americana. Nesta seção, iremos olhar as

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diversas teorias que já foram criadas sobre este tema nos Estados Unidos e analisar estas

teorias apresentadas.

A teoria mais conhecida nos Estados Unidos e mais suportada por cientistas políticos

feita por Barry Friedman. Friedman alega que não só os ministros da Suprema Corte

americana estão cientes da opinião publica e muitas vezes votam de acordo com a vontade da

população já que o poder da Corte depende do suporte publico para se manter um poder

eficaz no governo. Esta teoria pode ser confirmada com a oposição feita pela Suprema Corte

ao New Deal apresentado por Franklin Roosevelt para tirar os Estados Unidos da crise

econômica. Roosevelt contava com o apoio da população americana, e esta oposição feita pela

Suprema Corte a colocou em risco, já que Roosevelt propôs aumentar o numero de ministros

ao tentar nomear juízes que eram favoráveis ao seu plano. A corte com medo de perder sua

independência dos outros poderes do governo acabou passando O New Deal, que acabou

salvando a economia americana. Barry Friedman comenta (2009, p.4); “um acordo tácito foi

alcançado: o povo americano concederia aos justices(ministros) seu poder, desde que a

interpretação da Constituição pela Suprema Corte não ficasse muito longe do que a maioria

das pessoas acreditava que deveria ser.” Nesta frase Friedman sustenta que a Suprema Corte e

a população entram em um acordo que o poder da Corte depende do apoio que a população

lhe da, já que os outros poderes, como o legislativo, têm o poder da carteira e o executivo o

poder militar, o judiciário ficaria a mercê dos outros se não fosse o apoio da população, e

votando contra a vontade publica seria suicídio ao legislativo americano.

Outra teoria tambem suportada nos Estados Unidos é que como a população os

ministros da Suprema corte também estão a mercê da mídia e de suas opiniões, então eles

mesmos são a opinião do público e votam como qualquer outra pessoa votaria usando sua

ideologia, paixões, e razão. Benjamim Cardozo diz em seu livro The Nature of the Judicial

Process (167-68)” As ondas e correntes que engolem o resto dos homens não deixam pessoas

por fora de seu curso e passa por juízes sem afeta-los.” Esta teoria e suportada pelo Chief

Justice Roberts quando foi feita a decisão sobre Obamacare, ele diz; “Membros desta Corte

tem o dever de interpretar a lei, não possuímos a sabedoria nem a experiência para analisar

legislações. Estas decisões estão encarregadas aos lideres da Nação que podem ser tirados do

poder na eleição se a população não concordar com eles. Não é o trabalho desta corte de

proteger asa população das consequências das suas decisões politicas.” Esta frase foi vista

com muita controvérsia pela direita americana que e a minoria no momento, e com bons olhos

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pela maioria de esquerda. O Chief Justice Robert simplesmente tirou a responsabilidade de

seus ombros ao colocar o poder da legislação na população e nos políticos eleitos, e votando

em favor do Obamacare, o importante notar e que Roberts foi colocado na Corte pela direita e

normalmente vota de acordo com a direita. Quem Também suporta esta tese e Marcelo

Novelino que diz; “não resulta de uma influência da opinião pública sobre o comportamento

judicial, mas sim dos mesmos eventos e forças que atuam na evolução dos valores sociais e,

portanto, afetam os demais membros da sociedade”.

A ultima hipótese que iremos ilustrar é a do auto interesse, esta tendo características

semelhantes à primeira apresentada sobre a auto preservação do jurídico em buscar

legitimidade da população, a diferença sendo que em vez dos ministros estarem agindo em

interesse da Suprema Corte, eles agem em auto interesse, querendo ser respeitados e

admirados pela população. Esta teoria e levantada por Devins Baum (2010 p.1.580) ele diz;

“Mesmo que alguns Juízes tenham a opinião pública em conta, a Corte como um todo tem

demonstrado uma independência considerável em relação à opinião pública. Em contraste, os

Juízes têm fortes incentivos para manter a sua posição com as plateias de elite que são

salientes para eles. Fundamentalmente, esses incentivos não derivam da preocupação sobre o

suporte para o Tribunal, como instituição, mas a partir da necessidade humana de aprovação

de indivíduos e grupos que são importantes para eles.” Esta teoria e bem mais simplista e

analisa os ministros como indivíduos e não como um conjunto.

Iremos analisar 3 figuras que suportam as teses apresentadas anteriormente. Na

primeira figura veremos o percentual de decisões liberais pela Suprema Corte Americana

entre os anos de 1953 a 2008. Este percentual pode ser encontrado na base de dados da

Suprema Corte Americana e feita por Lee Epstein

Figura 1.Percentual de decisões Liberais 1953-2008

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1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010

A Segunda figura mostra os números mais interessantes na pesquisa já que este mede o animo

da população quanto maior o numero mais a população esta liberal nesta época, como pode

ser visto as duas figuras tem padrões similares como o pico nos anos 60 e a recaida nos anos

70 onde o pais se torna mais conservador. Estas figuras não comprovam a existencia da

influência direta, mas sim um indicador que existe uma inter-relação.

Figura 2. Stimsom’s Medida do Animo Popular 1953-2008

1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010

Na ultima figura podemos observar o nível da ideologia dos 3 poderes americanos. Nesta

figura, o mais baixo o numero mais liberal e este poder. Podemos observar o quanto o senado

varia de direita a esquerda de em media de 4 a 6 anos já que é comum nos Estados Unidos a

maioria do Senado mudar a cada eleição. No outro lado podemos observar como a Suprema

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Corte e o Presidente são bastante nivelados e isso serve como outro indicador já que o

Presidente quase sempre tem um nível de aceitação muito alto e normalmente segue a opinião

publica, a Suprema Corte se nivelando com ele mostra que ela também esta prestando atenção

a opinião publica. A frese dita pelo Chief Justice Roberts também ilustra o que as figuras

mostram, que a Suprema Corte ira se alinhar com a maioria.

Figura 3. A ideologia dos 3 poderes

1960 1970 1 980 1990 2000 2010

Year

Estas três teorias que analisamos serão comparadas com o Supremo Tribunal Federal e

tentaremos ver se existe uma pressão publica criada pela TV Justiça, que influencia nas

decisões nos Ministro do Supremo.

III. Supremo Tribunal Federal e a TV Justiça

O Supremo Tribunal Federal é um caso a parte de muitas outras cortes superiores do

mundo, começando pela quantia de casos que chegam a esta corte, os números vão de 150-

300 casos que chegam ao Supremo Tribunal Federal diariamente. Mais o que diferencia o

Supremo Tribunal Federal dos restantes e a existência da TV Justiça, um canal de televisão

criado em 11 de Agosto de 2002, com o objetivo de educar a população brasileira sobre as

atividades do Poder Judiciário, tendo diversos programas que explicam de maneira direta a

população o judiciário, mais o mais interessante e o que realmente separa o Brasil dos outros

países e a transmissão ao vivo dos julgamentos do Supremo Tribunal Federal. Com a

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transmissão dos julgamentos, criaram uma transparência inexistente anteriormente a

população de qualquer outro pais. O problema que surge com esta transparência a população

pode saber qual é a opinião individual de todos os Ministros, e com isso enormes dificuldades

podem ser criadas. Iremos olhar estas dificuldades em um momento.

Para analisar o efeito da TV Justiça, procurei por pesquisas feitas sobre o tema, que são

praticamente inexistentes. A única que me chamou atenção foi feita por Felipe de Melo Fonte,

em sua pesquisa quantitativa ele analisa o numero de paginas por acórdãos, o numero de

acórdãos por ano, e produção anual por ministros entre os anos de 1990 a 2011. Iremos olhar

todos estes dados em um momento, e aplicar as teorias mencionadas previamente a estes

dados achados.

Na figura 4, podemos ver o numero de paginas dos acórdãos anualmente. Esta figura

mostra uma troca na cultura do Supremo Tribunal Federal imediatamente depois da

introdução da TV Justiça. Antes do ano 2002, temos um numero médio de páginas em torno

de 20 por acordão, mas depois da introdução da Tv Justiça, vemos esse número aumentar

consideravelmente para 30 por acordão e subsequentemente até acima de 40 páginas. Os

motivos por esta troca em cultura podem ser muitos, mais todos tem haver com o público

assistindo. Primeiramente, os Ministros querem detalhar todas as suas razões pelo seu voto,

mesmo que esteja concordando com a maioria, o Ministro sente a necessidade de apontar a

menor divergência que tenha com seus colegas. Outra teoria é que os Ministros querem

detalhar suas decisões para justificar seus votos ao publico como Felipe de Melo Fonte diz “a

TV Justiça modificou a dinâmica dos julgamentos no Plenário e a própria auto compreensão

dos ministros a respeito do papel da Corte. Após o advento da TV Justiça, o que se observa é

uma inequívoca tendência à adoção de votos mais longos. Apenas para registro, dos cinco

maiores acórdãos alusivos às ações diretas julgadas pelo Supremo após a Constituição de

1988, quatro são posteriores à TV Justiça, sendo certo que em dois deles (ADI 3.510 e ADI

4.277, ambas relatadas pelo ministro Ayres Britto) foram discutidas questões morais de alta

indagação.”

Na Figura 5, vemos outros dados que suportam a nossa teoria que a TV Justiça

aumentou a influência no Supremo Tribunal Federal e também mudou sua cultura. O número

de acordão que são publicados por ano diminuiu consideravelmente nos últimos anos, tendo

um pico nos meados de 2002-2003 de 300 acórdãos. Agora este número se encontra abaixo de

100 anualmente, isto porque como nos foi informado pela Sessão de Acórdãos do Supremo

Tribunal Federal os gabinetes de ministros demoram a entregar a decisões porque são

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meticulosos na maneira em que a opinião do Ministro e escrita e o tom, de acordo com está

sessão muitos acordão demoram meses e ate anos para serem publicados. A mudança de

cultura é evidente, e também que a TV Justiça é responsável por isso, mais a duvida que

permanece é porque os ministros mudaram com a introdução da TV Justiça, mais infelizmente

com as poucas pesquisas feitas nesta área no Brasil não podemos saber o motivo deste

fenômeno.

Figura 4

Figura 5

Finalmente na Figura 6 vemos a outra diferença mencionada previamente. O número de

casos decididos pelos Ministros anualmente, esses números são extremamente elevados e a

média do ano 2003 a 2011 é de 10,468 casos anualmente. Relacionando esta figura com a

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Figura 5 podemos ver que o número de casos decididos cresceu, porém o número de acórdãos

diminui significativamente, então os Ministros estão mais produtivos em suas decisões, porém

não tão eficazes em publicar seus acórdãos que também indica que estão preocupados com a

maneira em que estão se manifestando ao público.

Figura 6

A influência pública cresceu imensamente sobre o Supremo Tribunal Federal

especialmente após A.P. 470, vulgarmente conhecido como Mensalão. De acordo com

Marcelo Novelino, a exposição do Supremo Tribunal Federal aumentou 170% durante o

Mensalão, sento citado 91,839 vezes em veículos de comunicação impressa. Ministros que

previamente andavam nas ruas sem ser reconhecidos pela população, agora suas fotos

estampam as revistas e jornais mais conceituados do Brasil. Essa exposição que estão

sofrendo de um ponto sociológico não pode ser beneficial a suas funções, já que em seus

deveres tem que analisar friamente fatos e depoimentos, e tentar não se comover com as

questões mais humanas de seus casos. No caso do Mensalão que comoveu a nação inteira, em

que todos os Brasileiros viraram juristas do dia pra noite e impossível os ministros não sofrer

com a opinião da população, de sua família e amigos.

Das teorias previamente discutidas todas podem ser aplicadas ao Supremo Tribunal

Federal a primeira da preservação do instituto, muitos podem argumentar que para manter seu

poder e a opinião favorável da população o STF votou a condenar muitas pessoas envolvidas

no Mensalão mesmo sendo criticadas por juristas por as vezes ignorar o direitos dos réus.

Seguidamente na segunda hipótese também pode se argumentar que os próprios ministros

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como a população estava cansada da impunidade dos corruptos no Brasil. E finalmente a de

auto interesse de querer mostrar serviço para as pessoas que lhe interessam politicamente.

O Supremo Tribunal Federal é a Corte mais conceituada no Brasil, com o maior índice

de confiança pública. Especialmente depois do Mensalão, este índice só pode ter crescido.

Com esse apoio do publico, o Supremo Tribunal Federal vira o Poder que luta pela população,

especialmente com o baixo índice que o Congresso e a Presidente vive neste momento, com

mais estudos e com mais tempo poderemos ver os efeitos vitalícios da TV Justiça no Supremo

Tribunal Federal e na população.

V. Semelhanças e diferenças

Apesar de possuírem nomes semelhantes e o mesmo papel para cumprir, o Supremo

Tribunal Federal e a Suprema Corte americana são muito diferentes e o seus ministros

também. O justice mais conhecido e com mais controvérsia é Antonin Scalia, conhecido por

sua interpretação original da Constituição americana que antes era a favor da radiodifusão dos

julgamentos, pois imaginava que isso educaria mais a população. Posteriormente ele disse que

tinha trocado de ideia porque acreditava que o distanciamento das instituições e a vontade do

povo seria benéfica, pois este contato diminuiria o respeito. Apesar de existir este

distanciamento e amplamente admitido que a Suprema Corte se alinha com a opinião pública,

os juízes não mencionam a opinião pública em suas decisões por razões teóricas que deve

haver uma separação, mas os dados e pesquisas mostram que ela existe mesmo.

No Brasil, por outro lado, os dados não são tão concretos como nos Estados Unidos, já

que os números de pesquisas sobre o tema são mínimos. Mesmo assim, podemos ver uma

relação entre a opinião publica e as decisões do Supremo, ex-Ministro Carlos Ayres Britto

disse, o juiz não deve “ser refém da sociedade, vassalo da

opinião pública”, mas “deve, sim, auscultar os anseios populares, coletivos, para ver se é

possível formatá-los em decisões técnicas.” Em sua concepção, “quando isso

acontece, o juiz concilia a Justiça com a vida.” (RANGEL, 2012, p. 21) a Justice Sandra Day

O’Connor suporta a tese do Ex-ministro dizendo, “Nós dependemos da confiança do público

na correção dessas decisões. É por isso que temos de estar cientes das opiniões públicas e de

atitudes em direção ao nosso sistema de justiça, e é por isso que devemos tentar manter e

construir esta confiança.” (FRIEDMAN, 2009, p. 371).

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Mesmo essas duas Cortes terem culturas e ministros e até constituições diferentes,

podemos encontrar mais semelhanças em opinião e não influencia popular sobre a corte do

que diferenças. As frases do Ex-Ministro Britto e Justice Connor ilustram essa semelhança de

que e necessário incluir a população em suas decisões não como a base de seu voto mais sim

ser mantido em sua consciência e mente quando votar.

VI. Conclusão

Neste texto podemos ver algumas das teorias que são mais usadas nos Estados Unidos

sobre a influência do público na Suprema Corte Americana, também olhamos algumas

pesquisas qualitativas que suportam esta tese. Posteriormente, vimos como estes dados podem

ser aplicados ao Supremo Tribunal Federal e qual a influência da TV Justiça exercida nesta

Corte com possivelmente a única pesquisa qualitativa sobre o tema no Brasil.

Infelizmente, o tema não é tão estudado e pesquisado no Brasil como nos Estados

Unidos, especialmente com a variável inexistente no resto do mundo que é a TV Justiça. O

custo benefício da TV Justiça é difícil de medir, por um lado você tem a transparência e a

confiança que esta passa a população, mais por outro lado torna o sistema mais ineficaz com

as longas deliberações e mais importantemente mostra uma separação e até rixa entre os

Ministros, já que toda a população e o mundo pode assisti-los discutindo acintosamente. Esta

discussão desgasta a imagem da Corte, além de em momentos mostrar a opinião pessoal do

ministro e isto pode demonstrar uma imparcialidade a população. Neste quesito, tenho que

concordar com controverso Justice Antonin Scalia, que esta familiaridade com o Supremo

Tribunal Federal diminui o respeito e mais importantemente dana a imagem do Supremo por

muitas vezes não demonstrar uma imagem unificada da Corte, mais sim 11 indivíduos

votando de acordo com si próprio. Nos Estados Unidos, por outro lado, a decisão é publicada

e mostra a população a divergência dos que opõem a maioria, mas esta publicação é mais sutil

e mais respeitosa do que muitas vezes é visto na TV Justiça.

Esta pesquisa constata a influência que a população exerce entre, não só a Suprema

Corte Americana, mais também no Supremo Tribunal Federal. O nível desta influência varia

de caso a caso, mas também podemos constatar a mudança de cultura que o Supremo Tribunal

Federal sofreu com a implementação da TV Justiça.

Se esta mudança foi positiva ou negativa só o tempo dirá. Faltam estudos sobre a

opinião publica, sobre o Supremo Tribunal Federal, sobre os Ministros individualmente, e

finalmente sobre a TV Justiça. Em uma entrevista concedida em Agosto de 2012 à Conjur, o

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Ex-ministro Moreira Alves sumariza a opinião desta pesquisa quando perguntado se as

dinâmicas da Corte mudaram ele responde, “Sim. A começar por decorrência da própria

televisão. Os julgamentos se prolongaram pela extensão dos votos. Na minha época, eram

menores. Hoje falam para aparecer mais na televisão”, concluindo “Fui contra o

televisionamento justamente para não dar a impressão de que a corte é uma arena de

discussões, até acaloradas, dando o ensejo, aos que não têm trato com a Justiça, que elas são

contrárias à postura da magistratura.”

Esperamos que com o julgamento da A.P. 470, o Supremo Tribunal Federal desperte a

atenção dos estudiosos brasileiros. Mais dados poderão ser colhidos, a fim de se descobrir

como o Supremo possa funcionar em sua capacidade máxima.

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