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PROGRAMA MEMÓRIA DO MUNDO NOS ACERVOS DA FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL Leticia dos Santos Coelho 1 RESUMO O presente trabalho propõe fazer uma análise sobre a Preservação como instrumento de Memória, tendo como base o Projeto Memória do Mundo da UNESCO nos acervos selecionados da Fundação Biblioteca Nacional pelo programa. Mostrando como a preservação pode auxiliar na construção da memória de um povo, através de ações cooperativas entre as unidades informacionais em que estão abrigados estes bens da humanidade. Além de refletir sobre como e quais documentos devem ser preservados para as gerações futuras, pois uma política de preservação é parte de um processo de decisão administrativa, de distribuição de recursos e política institucional, salientando a difícil escolha dos profissionais que realizam esta atividade. Para tal, temos como base teórica autores como Atkinson, Child, Hazen e Zamora. Pesquisadores que discorrem sobre a importância da preservação e da construção de uma memória coletiva, em conjunto com o documento confeccionado pela UNESCO “Diretrizes para a salvaguarda do patrimônio documental”. Palavras-chave: Preservação. Memória. Programa Memória do Mundo. Fundação Biblioteca Nacional. ABSTRACT The present work proposes to make an analysis on the Preservation as an instrument of Memory, based on the Project Memory of the World of UNESCO in the selected collections of the National Library Foundation by the program. By showing how preservation can help build the memory of a people through cooperative actions among the informational units in which these goods of humanity are housed. In addition to reflecting on how and what documents should be preserved for future generations, a preservation policy is part of an administrative decision process, resource distribution and institutional policy, highlighting the difficult choice of professionals who carry out this activity. For that, we have as theoretical base authors such as Atkinson, Child, Hazen and Zamora. Researchers who talk about the importance of preservation and the construction of a collective memory, together with the document prepared by UNESCO “Guidelines for the Safeguarding of Documentary Heritage”. Keywords: Preservation. Memory. Memory of the World Program. National Library Foundation. 1 Bibliotecária formada pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro UNIRIO, pós-graduada em Biblioteconomia pela Faculdade Internacional Signorelli. E-mail: [email protected]

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PROGRAMA MEMÓRIA DO MUNDO NOS ACERVOS DA FUNDAÇÃO

BIBLIOTECA NACIONAL

Leticia dos Santos Coelho1

RESUMO

O presente trabalho propõe fazer uma análise sobre a Preservação como instrumento de

Memória, tendo como base o Projeto Memória do Mundo da UNESCO nos acervos

selecionados da Fundação Biblioteca Nacional pelo programa. Mostrando como a preservação

pode auxiliar na construção da memória de um povo, através de ações cooperativas entre as

unidades informacionais em que estão abrigados estes bens da humanidade. Além de refletir

sobre como e quais documentos devem ser preservados para as gerações futuras, pois uma

política de preservação é parte de um processo de decisão administrativa, de distribuição de

recursos e política institucional, salientando a difícil escolha dos profissionais que realizam esta

atividade. Para tal, temos como base teórica autores como Atkinson, Child, Hazen e Zamora.

Pesquisadores que discorrem sobre a importância da preservação e da construção de uma

memória coletiva, em conjunto com o documento confeccionado pela UNESCO “Diretrizes

para a salvaguarda do patrimônio documental”.

Palavras-chave: Preservação. Memória. Programa Memória do Mundo. Fundação Biblioteca

Nacional.

ABSTRACT

The present work proposes to make an analysis on the Preservation as an instrument of

Memory, based on the Project Memory of the World of UNESCO in the selected collections of

the National Library Foundation by the program. By showing how preservation can help build

the memory of a people through cooperative actions among the informational units in which

these goods of humanity are housed. In addition to reflecting on how and what documents

should be preserved for future generations, a preservation policy is part of an administrative

decision process, resource distribution and institutional policy, highlighting the difficult choice

of professionals who carry out this activity. For that, we have as theoretical base authors such as

Atkinson, Child, Hazen and Zamora. Researchers who talk about the importance of preservation

and the construction of a collective memory, together with the document prepared by UNESCO

“Guidelines for the Safeguarding of Documentary Heritage”.

Keywords: Preservation. Memory. Memory of the World Program. National Library

Foundation.

1 Bibliotecária formada pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO, pós-graduada

em Biblioteconomia pela Faculdade Internacional Signorelli. E-mail: [email protected]

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INTRODUÇÃO

A identidade de um povo, a história de um lugar, as memórias de uma época...

Essas expressões muitas vezes são utilizadas para descrever a função ou o conteúdo de

um documento. Existem itens que são capazes de despertar as mais diversas

recordações, tornando-se símbolos para as pessoas e se fazendo conhecer

mundialmente. Contudo é necessário valorar esses objetos, reconhecê-los como algo de

grande importância e não permitir que eles se percam no tempo.

Para evitar que esses patrimônios desapareçam, é preciso pensar em ações que

permitam preservá-los. É esse o objetivo da preservação, que pretende salvaguardar não

somente o documento, mas também sua historicidade e mantê-lo o mais próximo

possível de sua fabricação original, com todos os seus traços singulares. Dessa forma, é

possível assegurar a continuidade dos objetos, desacelerando o processo de

deterioração, como também, manter viva a memória que ele carrega, seja ela particular

ou coletiva.

Com o intuito de preservar os documentos que constituem a memória coletiva

das nações, foi criado o programa “Memória do Mundo” da UNESCO, que visa à

proteção de itens únicos e fundamentais que ajudam a compor a história e a identidade

da humanidade.

A Memória do Mundo é a memória coletiva e documentada dos povos

do mundo [...] representa boa parte do patrimônio cultural mundial.

Traça a evolução do pensamento, dos descobrimentos e das conquistas

da sociedade humana. É o legado passado para a comunidade mundial

presente e futura (UNESCO, 2002, p. 9).

Segundo a UNESCO (2002, p.9), a Memória do Mundo localiza-se em sua

maioria nas bibliotecas, nos arquivos, nos museus e nos lugares de custódias existentes

em todo o planeta. Contudo, grande parte desse patrimônio vem correndo perigo

atualmente, devido aos deslocamentos acidentais ou deliberado de buscas e embargos,

“espólios de guerra” ou outras circunstâncias históricas.

A história da humanidade foi escrita com base em grandes tragédias, sejam elas

naturais ou fabricadas, como é o caso das guerras. Entretanto, não foram somente os

homens que sofreram com esses malefícios, o patrimônio cultural mundial também foi

afetado.

Grandes coleções, monumentos e objetos que ajudam a escrever a história do

mundo foram destruídos e perdidos para sempre. Portanto, preservar um documento,

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seja ele do tipo que for, é de certa forma, uma maneira de minimizar as perdas ocorridas

ao longo dos anos.

Toda memória é composta por lembranças e para que elas aconteçam é

necessário que algo ative o subconsciente das pessoas, que as façam recordar de um

momento do passado. Portanto, preservar um documento que atravessou séculos ou um

objeto que presenciou um momento único é permitir a continuidade da memória para as

futuras gerações. Ao consentir com o desaparecimento de itens únicos e insubstituíveis,

permite-se, também, o esquecimento de uma parte da história humana sobre a terra.

No contexto da Memória do Mundo, a preservação é a soma das

medidas necessárias para garantir a acessibilidade permanente – para

sempre – do patrimônio documental. Compreende a conservação, que

é o conjunto de medidas precisas para evitar uma deterioração ulterior

do documento original e que requerem uma intervenção técnica

mínima (UNESCO, 2002, p. 19).

Conceder o acesso é um dos motivos pelo qual a preservação deve ser realizada,

garantir que no futuro os documentos sejam acessados é de vital importância, pois isso

possibilitará a continuidade da memória, da cultura e da história. Além de criar uma

sociedade mais justa, crítica e humanizada. Capaz de preservar seu passado, para viver o

presente e planejar o futuro, procurando não cometer os mesmos erros.

Por essa razão Hazen (2001, p. 8) afirma que:

A preservação pode ser entendida como o agrupamento de três tipos

principais de atividades. O primeiro tipo concentra-se nos ambientes

de bibliotecas e nas maneiras de torná-los mais apropriados a seus

conteúdos. O segundo incorpora esforços para estender a vida física

de documentos [...] O terceiro tipo envolve a transferência de

conteúdo intelectual ou informativo de um formato de matriz para

outro.

Portanto, cabe aos gestores um comprometimento cada vez maior no que diz

respeito aos acervos. A eles está delegada a tarefa de planejarem uma maneira de

salvaguardar as coleções sobre suas responsabilidades, seja através de decisões de

preservação coletiva ou por meio de políticas de preservação item - por - item.

No presente trabalho pretende-se fazer uma análise da preservação como

instrumento de memória, mostrando a preservação como agente de construção da

memória. A partir de ações como o projeto Memória do Mundo e ações cooperativas em

unidades informação que possibilitem a perpetuação da memória coletiva para gerações

vindouras, através de elementos que de certa forma vivenciaram o passado e tem algo a

mostrar no presente, pois como diz Goldenberg (2013, p. 56)

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a memória é seletiva, a lembrança diz respeito ao passado, mas se

atualiza sempre a partir de um ponto do presente. As lembranças não

são falsas ou verdadeiras, simplesmente contam o passado através dos

olhos de quem o vivenciou.

1 PRESERVAÇÃO

Um dos grandes desafios enfrentados pelas instituições de guarda da memória “é

o fato de que suas coleções estão num crescendo de deterioração” (AZEVEDO; LINO;

HANNESCH, 2007, p. 2). Os documentos que compõem tais acervos são constituídos

de matéria orgânica, e por isso, tem um tempo de vida limitado, dessa forma “os

princípios e estratégias de preservação e acesso são fundamentais para a proteção e

para a promoção do patrimônio documental” (UNESCO, 2002, p. 19).

Sendo assim, a preservação é uma aliada que auxilia na perpetuação da

memória, uma vez que, sem ela não haveria objetos nem documentos que nos dissessem

sobre acontecimentos que ocorreram no passado.

Segundo o Dicionário de Biblioteconomia e Arquivologia, preservar significa

“medidas empreendidas com a finalidade de proteger, cuidar, manter e reparar ou

restaurar os documentos” (CUNHA; CAVALCANTI, 2008, p. 290).

De acordo com o Projeto Memória do Mundo a definição de preservação “é a

soma de medidas necessárias para garantir a acessibilidade permanente [...] do

patrimônio documental” (UNESCO, 2002, p. 19).

Conforme o Laboratório de Conservação e Restauração de Documentos –

LACORD, é a

consciência, mentalidade, gestão política (individual ou coletiva,

particular ou institucional) com o objetivo de proteger e salvaguardar

o patrimônio. Resguardar o bem cultural, prevenindo possíveis

malefícios e proporcionando a estas condições adequadas de “saúde”.

É o controle ambiental, composto por técnicas preventivas que

envolvam o manuseio, acondicionamento, transporte e exposição

(UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE).

Frear o processo de deterioração de acervos é um problema para inúmeras

instituições espalhadas pelo país afora, é nelas que ficam armazenadas informações

importantes em diversas áreas do conhecimento. Aumentar a vida útil de um livro, por

exemplo, não é uma tarefa das mais fáceis, uma vez que essa atividade depende de

vários fatores, como financeiro, de pessoal, administrativo, etc.

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Por isso, é imprescindível a elaboração de uma política de preservação de

acervos, para que o trabalho de disseminação do conhecimento continue a garantir a

integridade da memória para as gerações futuras.

A política de preservação é uma ação superior, “que engloba o

desenvolvimento e implantação de planos, programas e projetos de preservação de

acervos” (AZEVEDO; LINO; HANNESCH, 2007, p. 6). Possuindo objetivos, limites e

diretrizes que auxiliam na obtenção do resultado. Visando definir orientações,

sistemáticas e contínuas, a serem alcançadas e que deve acontecer de maneira unificada

com as outras políticas institucionais da instituição de guarda, como as políticas de

aquisição e descarte, política de segurança, política de captação de recursos, etc. Com o

intuito de garantir a longevidade do documento e a sua integridade física.

Na salvaguarda das coleções há uma série de medidas que

podem ser implementadas, e numa época em que se discuti segurança de acervos,

planejar uma política de preservação produz subsídios também para tomadas de

decisões quanto à segurança (AZEVEDO; LINO; HANNESCH, 2007).

Segundo Coradi e Eggert-Steindel (2008. p. 356) “a política de preservação e

conservação destaca a importância de ‘conservar para não restaurar’, poupando o

acervo de intervenções custosas e exaustivas”.

Políticas podem ser entendidas como uma série de medidas para a obtenção de

um fim. De acordo com Aguiar e Gonçalves (2000) uma política de preservação de

acervos, envolve explicitar os princípios sobre o que é desejável e o que é factível

realizar conforme os recursos e tempo disponíveis.

Para Almeida (2000, p. 6) “as políticas ou diretrizes são planos gerais de ação,

guias genéricos que definem linhas mestras, orientam a tomada de decisão e dão

estabilidade à organização”.

Antes de implementar uma política de preservação e conservação “[...] é

indispensável verificar o modo de como tal ação irá ser realizada, ou seja, analisar e

solucionar os problemas, apontando prioridades e um programa de ação”, ponto

essências para iniciar uma política (CABRAL, 2005, p. 13).

Desse modo será possível criar uma lista de prioridades quanto às ações a serem

tomadas adiante, contudo, tais ações às vezes se mostram difíceis ao serem postas em

prática devido a inúmeros problemas. Nesse caso, devem-se rever os objetivos e impor

ações que são possíveis de realizar como explicita Aguiar e Gonçalves anteriormente.

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Além da política de preservação dos acervos que formam a memória coletiva ou

individual da nação, outra questão que surge é o acesso dessas coleções ao público,

através do binômio: preservação – acesso. Uma vez que, é necessário deixar essas

informações acessíveis à população, pois não adianta preservar para “ninguém” usufruir

do patrimônio documental, deixando-o trancado em uma sala ou cofre.

O Programa Memória do Mundo

fomenta a preservação de diversas maneiras, entre outras, mediante o

apoio de princípio, a sensibilização, o ensino e a formação, os acordos

de cooperação técnicas e o apoio direto a um número limitado de

projetos específicos (UNESCO, 2002, p. 19).

Para tal, alguns fatores são levados em consideração, como o ambiente, o tipo de

material, a estratégia de preservação/conservação propostas, o acesso às técnicas, e os

conhecimentos em matéria de preservação, o controle da documentação, e as coleções, e

as disposições em matéria de acesso. Uma vez que os fatores relativos à preservação são

fundamentais para a elaboração de planos de gestão e da formulação de propostas para

os registros da Memória do Mundo (UNESCO, 2002).

Os princípios que regem o Programa Memória do Mundo para a correta prática

da preservação são os seguintes (UNESCO, 2002):

• A documentação cuidadosa e o controle das coleções: refere-se à boa

administração e organização, condição prévia indispensável para a preservação; o

registro das condições que se encontra o acervo ou coleção, o material que os compõem,

o conteúdo retratado pela coleção/acervo – desde as características gerais até “o plano

dos suportes”; documentar a natureza e estado de conservação dos suportes, para que

possam ser manipulados e recuperados de forma segura. Estes passos evitam a

ocorrência de manipulações duplas e perdas desnecessárias, uma vez que é preciso

documentar o quê se tem feito, quando se tem feito e sobre quais suportes.

• As condições de armazenamento: refere-se à temperatura, umidade, luz,

contaminantes atmosféricos, animais e insetos, segurança material e etc. Pois muitas das

instituições de guarda não reúnem as melhores condições de armazenamento,

principalmente as localizadas nos trópicos, onde a temperatura é um fator de peso.

Além, dos acidentes estruturais que o prédio pode enfrentar, como goteira no telhado,

janela quebrada, etc., porém, mesmo em condições desfavoráveis, com uma boa gestão

essas ações podem ser evitadas.

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• Mais vale prevenir do que remediar: este é um ditado popular, no qual

muito se encaixa para a preservação do patrimônio documental. Visto que, as práticas e

técnicas que freiam a deterioração do acervo/coleção são medidas antecipatórias para

preservar esses documentos de possíveis intervenções de restauro.

• Conservar um documento original: refere-se à proteção da integridade

do documento, porém, não significa a perda da informação nele contido. Mesmo que

haja cópias de tais documentos, já que eles possuem um valor intrínseco que uma cópia

nunca terá.

• A transferência de conteúdo: refere-se a copiar o documento em outros

suportes, como a microfilmagem, para garantir o acesso universal da informação

contida no documento, porém chama a atenção para a tecnologia ser utilizada que pode

tornar-se obsoleta. Este princípio atenta também, para a questão de cópias

desnecessárias, como estratégia de preservação.

• Pôr em perigo a preservação em longo prazo: refere-se a satisfazer a

demanda em curto prazo, colocando em risco o documento original, quando não há uma

cópia do documento para a consulta. Neste caso, deve-se negar o acesso até a cópia ficar

disponível, evitando possíveis danos ao documento.

• Não existe um procedimento padronizado: refere-se que cada suporte

precisa de uma forma diferenciada de armazenamento e conservação. Dessa forma, não

é possível fazer um único procedimento de preservação se o acervo/coleção for

composto de vários tipos de suporte.

• A colaboração é fundamental: refere-se ao estabelecimento de uma

rede de instituições, com o objetivo de compartilhar meios e conhecimento técnicos uns

com os outros na tarefa de preservação do patrimônio documental.

• Conhecimento tradicional: refere-se a encontrar um equilíbrio entre as

práticas tradicionais e modernas de preservação, podendo uma complementar a outra na

elaboração de planos de gestão em diferentes países.

Como exposto, este marco de referência, é necessário para identificar problemas

básicos, pois abrangem todo o espectro da informação. A questão da preservação do

patrimônio documental da humanidade é de suma importância e o interesse por essa

temática vem crescendo gradativamente nos últimos anos entre os profissionais e o

público em geral. Assegurando que a memória documental é um bem coletivo e que

deve estar à disposição das gerações futuras.

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2 PROGRAMA MEMÓRIA DO MUNDO

Em 1992, a UNESCO criou um programa internacional com o intuito de

preservar o patrimônio documental, devido à precariedade em que se encontravam os

patrimônios que formam a história da humanidade. O Programa Memória do Mundo

possibilita o acesso sem discriminação, além de facilitar a preservação com o despertar

da consciência de governos, do público em geral e dos setores industriais e comerciais

para a necessidade de preservação e arrecadação de recursos para esta prática

(UNESCO, 2002).

No ano de 1993, foi formado o Comitê Consultivo Internacional (International

Advisory Committee) que se reuniu pela primeira vez em Pultusk (Polônia) para

confeccionar um plano de ação para o projeto, no qual consolidou o papel da UNESCO

como “a coordenadora e catalisadora para sensibilizar governos, organizações e

fundações internacionais, além de promover parcerias para a implementação de

projetos” (UNESCO, 2002, p.10).

A contar deste momento, foram formados subcomitês técnicos e de marketing. A

Federação Internacional de Associações de Bibliotecários e Bibliotecas (IFLA) foi

designada para “preparar diretrizes gerais para o Programa e, em conjunto com o

Conselho Internacional de Arquivos (ICA), compilar listas de coleções de bibliotecas e

de acervos de arquivos danificados de forma irreparável” (UNESCO, 2002, p.10).

No mesmo ano, por meio de suas Comissões Nacionais, a UNESCO formulou

uma lista de acervos de bibliotecas e arquivos, assim como, uma lista mundial de

patrimônios cinematográficos nacionais. E iniciou uma gama de projetos-piloto

empregando a tecnologia contemporânea para exibir o patrimônio documental original

em novos meios, como por exemplo, a microfilmagem de jornais de sete países latino-

americanos – Memória Ibero-americana. Tais projetos aumentaram o acesso ao

patrimônio documental e contribuíram para a preservação do mesmo (UNESCO, 2002).

No Brasil, o Programa Memória do Mundo é representado pelo Comitê Nacional

do Brasil, criado pela portaria 259, de 2 de setembro de 2004 e em suas atividades abre

candidaturas de acervos documentais à nominação do Registro Nacional (BARRETO,

2007).

O Registro da Memória do Mundo é o aspecto do programa mais visível para o

público, e constitui uma lista do patrimônio documental mundial – que é recomendada

pelo IAC e endossada pela diretora-geral da UNESCO. Os critérios de seleção para a

inscrição de um acervo documental relacionam-se com a sua importância mundial e seu

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destacado valor universal – critérios estes que serão vistos com mais detalhes na seção

“Processos de seleção dos acervos no Programa Memória do Mundo” deste artigo

(UNESCO, 2002).

“O Programa Memória do Mundo se baseia na suposição de que alguns

elementos, coleções ou fundos de patrimônio documental formam parte do patrimônio

mundial”, superando os limites do tempo e da cultura (UNESCO, 2002, p. 12).

Tem como missão conscientizar o mundo sobre a proteção e a necessidade de

preservar estes itens e conseguir o acesso permanente e universal a todos. E visão, a

proteção e preservação por todos, já que o patrimônio documental pertence a todos.

Essas ações de preservação e proteção respeitam os hábitos e as práticas culturais dos

povos.

As características presentes na Memória do Mundo são uma equipe

interdisciplinar para a escolha dos itens que entrarão na lista da memória do Mundo.

Alguns profissionais como bibliotecários, arquivistas, museólogos e outros especialistas

e as perspectivas de suas instituições, associações e custódias, abrangendo também

âmbitos menos formalizados e tradicionais do saber; abrange o patrimônio documental

ao longo de toda a história registrada desde os rolos de papiro ou as tablitas de argila até

os filmes, as gravações sonoras ou os arquivos digitais.

A Memória do Mundo abrange patrimônios documentais internacionais,

regionais e nacionais, mantendo registros sobre estes e conferindo uma logomarca que

os identifica. A Memória do Mundo conta com uma secretaria central, comitês

internacionais regionais e nacionais e com parcerias nos setores governamentais,

profissionais e empresariais, o permite manter uma perspectiva global abrangendo todos

os países e povos, cujos esforços coletivos serão necessários para assegurar-se que a

Memória seja retida sem distorções e perdas (UNESCO, 2002, p. 5-6).

Para Zamora (2009) é necessário que destaquemos a relevância do documento e

seu sentimento de pertencimento perante a sociedade, podendo difundi-lo para que ele

obtenha o reconhecimento de patrimônio documental, agindo como compositor da nossa

identidade. É preciso regular sua preservação e buscar sua revalorização.

É preciso ter em mente que essas são ações fundamentais e que permitem salvar

parte da memoria de um país, possibilitando que elas sejam transmitidas para as futuras

gerações e assim permitir que sua história não se perca no tempo.

Com esses ideais o Programa Memória do Mundo possui três objetivos centrais

(UNESCO, 2002):

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1. Preservação: facilitar a preservação do patrimônio através das técnicas mais

adequadas, podendo ser realizado tanto pela prática direta, como o incentivo ao

treinamento ou unir patrocinadores a projetos apropriados.

2. Acesso universal: encorajar à criação de cópias digitalizadas e de catálogos a

serem disponibilizados na Internet, como também, à publicação e distribuição de

livros, CD, DVD e outros produtos, de maneira tão ampla e igualitária o quanto

possível. Os direitos de propriedades privadas ao garantidos pela lei.

3. Criação de uma consciência: conscientizar o mundo da importância do

patrimônio e para tal recorre-se a desenvolver registros de Memória do Mundo e

a utilização em maior medida da mídia e das publicações de promoção e

informação.

Já no que se diz a respeito à preservação no programa Memória do Mundo,

podemos entender que seu objetivo é impedir a perda de um número cada vez maior de

documentos que tenham sido reconhecidos e valorados. Entretanto, também é preciso

que cada nação passe a dar valor a seus próprios patrimônios, passando a preservar

aquilo que é próprio de seu país, sabendo identificar os elementos que formam sua

cultura e identidade por meio de uma consciência crítica.

3 ACERVOS DA FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL

A Fundação Biblioteca Nacional é a instituição cultural mais antiga do Brasil e

possui um acervo com aproximadamente nove milhões de itens. É a responsável pela

execução da política governamental de captação, guarda, preservação e difusão da

produção intelectual no País (BIBLIOTECA NACIONALa).

Sua história se inicia, quando a Família Real mudou-se para o Brasil, trazendo

consigo todo a aparelho do Estado português. Dessa forma, o núcleo original do seu

acervo é a antiga livraria de D. José, que foi organizada sob a inspiração de Diogo

Barbosa Machado, Abade de Santo Adrião de Sever, com o intuito de substituir a

Livraria Real – que foi consumida pelo incêndio que se seguiu ao terremoto em Lisboa

m novembro de 1755 – cuja origem pertencia às coleções de livros de D. João I e de seu

filho D. Duarte (BIBLIOTECA NACIONALb).

O acervo da Fundação Biblioteca Nacional cresce constantemente, por causa da

Lei do Depósito Legal – que assegura o registro e a guarda da produção intelectual

nacional, com o depósito de um exemplar, além de viabilizar o controle, a elaboração e

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a divulgação da Bibliografia Brasileira corrente – como através das doações e

aquisições (BIBLIOTECA NACIONALb).

Com um acervo tão vasto e rico e de importância histórica, a Fundação

Biblioteca Nacional busca participar anualmente do Programa Memória do Mundo

enviando candidaturas. Esta é uma das muitas iniciativas que a instituição efetua para a

preservação e a divulgação de suas coleções, tanto por meios digitais com a BN Digital

como por meio de exposições, tal como a realizada entre julho a outubro de 2016. Que

reuniu documentos e coleções que foram reconhecidos pela UNESCO como patrimônio

da humanidade, o que caracteriza um passo para importante para a valorização e

divulgação do patrimônio documental brasileiro (BIBLIOTECA NACIONAL, 2016).

Para esta pesquisa foram selecionadas obras, coleções que foram reconhecidas

pela UNESCO através do Programa Memória do Mundo com candidaturas efetuadas

pela Fundação Biblioteca Nacional em ordem cronológica decrescente, englobando os

anos de 2008 a 2017.

• 2017 – Arquivo Lima Barreto

O arquivo Lima Barreto apresentado pela Fundação Biblioteca Nacional foi

selecionado pela UNESCO para integrar o Programa Memória do Mundo no ano de

2017 e contém aproximadamente 1.126 documentos e é preservado pela Divisão de

Manuscritos e é o décimo-segundo acervo da instituição a receber o registro

(FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL, 2017; SALGADO, 2017). O arquivo é

composto por originais literários, como “Diários do Hospício” e pelo menos uma

crônica inédita “Portugueses na África” e os diários do escritor carioca. Além de

anotações sobre literatura e correspondências com nomes marcantes da época, como

Monteiro Lobato (editor de Lima), Olavo Bilac, Paschoal Carlos Magno e Herbert

Moses. Ainda inclui recorte de jornais e material relativo à publicações de livros, como

por exemplo, contratos, recibos, faturas. O conjunto dos documentos está em processo

de digitalização e os já digitalizados podem ser acessados pela BN Digital

(ARQUIVO..., 2017; FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL, 2017; SALGADO,

2017).

Esse título dá visibilidade ao acervo e muitas vezes trazem patrocínios, trazendo

um reconhecimento do valor da material preservado, além de poder usar o selo Memória

do Mundo em publicações relativas a esse material no futuro, segundo Ana Lucia

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Merege – responsável pelo processo de inscrição – em entrevista concedida ao jornal O

Globo.

Esse arquivo é de grande interesse para todos que trabalham “com questões

ligadas às relações inter-raciais, visto ser Lima Barreto negro e de origem modesta, o

que acarretou implicações sociais e contribuiu para adiar seu reconhecimento como

escritor”, não sendo apenas para pesquisadores de Literatura Brasileira (FUNDAÇÃO

BIBLIOTECA NACIONAL, 2017).

Figura 1 – Manuscritos de “Clara dos Anjos”, datado de 1919

Fonte: Fundação Biblioteca Nacional, 2017.

• 2016 – Arquivo Arthur Ramos

Arthur Ramos foi um dos mais ativos pesquisadores sociais e etnográficos do

País. Toda a sua produção foi vendida por sua viúva e pela Universidade do Brasil à

Fundação Biblioteca Nacional em 1956. Personagem histórico, seus trabalhos

contribuíram em vários campos do conhecimento, especialmente no de Ciências

Humanas e Sociais (BIBLIOTECA NACIONAL, [201-]a).

Revolucionou os estudos sobre a África e afrodescendentes, foi integrante da

UNESCO, dedicou-se a medicina na área de psiquiatria. Participou de movimentos de

valorização do negro no Brasil, fundou entidades de combate ao racismo. Segundo Ana

Lúcia “Ramos é uma pessoa pouco conhecida fora do meio acadêmico. Por essa razão, a

Biblioteca Nacional pretende finalizar a digitalização da obra dele para que o público

externo, de qualquer parte do mundo, possa ter acesso” (BIBLIOTECA NACIONAL,

[201-]a; MINISTÉRIO DA CULTURA, 2016).

A coleção é preservada pela Divisão de Manuscritos e a maior parte do acervo

fotográfico e de correspondência com cientistas sociais já está disponível no catálogo da

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BN Digital (BIBLIOTECA NACIONAL, [201-]a; MINISTÉRIO DA CULTURA,

2016).

O Arquivo Arthur Ramos é composto por folhetos, recortes de jornais, anotações

sobre psiquiatria, etnografia, folclore e ciências sociais, originais de artigos, fotografias,

desenhos e uma extensa correspondência do titular e de terceiros, além de pesquisas e

estudos sobre educação, medicina legal, psiquiatria, psicologia, sociologia,

antropologia, folclore e etnografia. O acervo fotográfico é uma fonte de pesquisa

sociológica, que contém registros únicos de manifestações culturais e religiosas nas

décadas de 1930 e 1940 (BIBLIOTECA NACIONAL, [201-]a; MINISTÉRIO DA

CULTURA, 2016).

Figura 2 – Catadores de coco e Aniversário da fundação Frente Negra

Fonte: ARQUIVO..., 2017.

• 2015 – “Cultura e Opulência do Brasil” de André João Antonil

João Antônio Andreoni era um jesuíta italiano que assinava suas obras sob o

pseudônimo de André João Antonil. Viveu entre os anos de 1649 e 1716. Chegou ao

Brasil juntamente com o padre Antônio Vieira em 1681, onde viveu até morrer

(PINHEIRO, 2015).

Em 1711, a primeira edição do seu livro “Cultura e Opulência do Brazil por

suas drogas, e minas, com varias noticias curiosas do modo de fazer o Assucar;

plantar, & beneficiar o Tabaco; tirar Ouro das Minas. & descobrir as da Prata; e dos

grandes emolumentos, que esta Conquista da America Meridional dá ao Reyno de

Portugal com estes, et outros gêneros, et Contratos Reaes” foi publicada em Lisboa

pela Officina Real Deslandesiana, após obter todas as licenças necessárias. Porém, D.

João V – rei de Portugal – proibiu a circulação do livro, voltando a ser impresso

somente em 1837 (2ª edição) (PINHEIRO, 2015).

Sua obra aborda as práticas, relações e técnicas que fundaram a economia

brasileira. Explicando desde o plantio da cana-de-açúcar até a fabricação do açúcar; a

lavoura de tabaco; o pau-brasil; a mineração; os gados e o valor econômicos destas

atividades. E por isso, a proibição por parte do rei D. João V, pois a riqueza de detalhes

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contidas no livro sobre o Brasil poderia incitar a cobiça de estrangeiros com as terras

brasileiras (PINHEIRO, 2015).

A obra é um livro com 8 folhas preliminares, com 205 páginas de papel de trapo

e 20,5 centímetros de altura, sendo considerado uma cimélio – o mais raro entre os

livros raros. Está dividida em quatro partes e uma conclusão. Da 1ª edição, salvaram-se

da destruição apenas os exemplares que foram presenteados pelo autor e editor e da 2ª

edição existem dois exemplares na Divisão de Obras Raras da Fundação Biblioteca

Nacional (PINHEIRO, 2015).

Figura 3 – Cultura e Opulência do Brasil

Fonte: Biblioteca Nacional.

• 2014 – Cartas Andradinas

As cartas Andradinas são um conjunto de 69 cartas enviadas ao jornalista e

diplomata Antônio de Menezes Vasconcelos de Drummond pelos irmãos Andrada –

José Bonifácio, Martim Francisco e Antônio Carlos – entre o período de 1824 e 1833,

durante o exílio dos irmãos na França. Neste conjunto destacam-se as cartas escrita por

José Bonifácio, pois elas oferecem uma visão das reações de José Bonifácio sobre os

acontecimentos políticos no Brasil (CORREIA, 2014b).

Esse conjunto de carta foi encadernado pelo destinatário em um único volume e

confiadas ao amigo de Drummond – A. J. de Mello Moraes –, cujo filho, o memorialista

Mello Moraes, herdou-as e vendeu-as à Fundação Biblioteca Nacional (CORREIA,

2014b).

O volume XIV dos Anais da Biblioteca Nacional, na seção “Advertência” afirma

que a aquisição foi realizada em 1883 e que este volume foi impresso em 1890 pela

Tipografia de G. Leuzinger e Filhos, configurando-se até o presente como a única

edição completa das cartas Andradinas. Os originais foram restaurados e se encontram

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na Divisão de Manuscritos da FBN e já estão disponíveis na íntegra na BN Digital

(CORREIA, 2014b).

• 2013 – Manuscritos Musicais de Ernesto Nazareth

Ernesto Nazareth, pianista e compositor, foi um dos mais originais compositores

brasileiros. Nasceu no Rio de Janeiro em 1863, onde também faleceu em 1934. Filho de

um despachante aduaneiro e de uma pianista amadora aprendeu a tocar piano aos três

anos com a mãe. Após a morte de sua mãe, seu pai o proibiu de tocar, contudo em

segredo continuou os estudos e compôs sua primeira música aos 14 anos, a polca-lundu

“Você Bem Sabe” (BIBLIOTECA NACIONAL, 2016; GONÇALVES FILHO, 2014).

Em 1909, Nazareth compôs seu maior sucesso, “Odeon” cujo título faz referência ao

cinema no qual ele trabalhava, acompanho os filmes mudos que lá eram exibidos

(BIBLIOTECA NACIONAL, 2016).

Seus manuscritos musicais formam um conjunto documental de grande

importância para a música popular brasileira. Ernesto Nazareth criou formas melódicas

e harmônicas inconfundíveis, tornando-se referência de musicalidade nacional.

Deixou 211 peças completas para piano e suas obras mais conhecidas são:

Polcas: Apanhei-te, cavaquinho; Ameno Resedá; Confidências; Valsas: Coração que

sente; Expansiva; Turbilhão de beijos; Tangos brasileiros: Odeon; Fon-fon;

Escorregando; Brejeiro; Bambino (GONÇALVES FILHO, 2014).

Figura 4 – Carta a Antônio de Meneses Vasconcelos de Drummond enviando

notícias pessoais e Partitura “Odeon”

Fonte: Biblioteca Nacional.

• 2012 – Atlas e Mapa do cartógrafo Miguel Antônio Ciera (1758)

Miguel Antônio Ciera era um italiano oriundo de Pádua. Integrou a Terceira

Partida (subdivisão da Comissão de Demarcação de Fronteiras da região Sul da América

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Meridional), onde exerceu o importante trabalho de realizar observações astronômicas e

a elaboração de cartas geográficas dessa região (BIBLIOTECA NACIONAL, 2016).

A serviço da coroa portuguesa demarcou topograficamente os territórios da

América do Sul entre os domínios das coroas portuguesa e espanhola, estabelecidas no

Tratado de Madri em 1750. O atlas e mapa traçam a geografia da região Sul, desde a foz

do Rio Prata até a confluência do Rio Paraguai com o Jauru, marcando o ponto da

Comissão. Além de constar vistas panorâmicas. O atlas inclui iconografia de animais e

costumes (BIBLIOTECA NACIONAL, 2016; RODRIGO, 2012).

Peça única no mundo todo contém 35 folhas desenhadas a lápis e tinta

ferrogálica e coloridas a aquarela, seu acervo documental está na Divisão de Cartografia

da Fundação Biblioteca Nacional (BIBLIOTECA NACIONAL, 2016; RODRIGO,

2012).

Figura 6 – Mapa e Aquarela de Miguel Antônio Ciera

Fonte: Biblioteca Nacional.

• 2011 – Matrizes da Gravura da Casa Literária do Arco do Cego (1799-

1801)

A Casa Literária do Arco do Cego foi uma tipografia portuguesa dirigida pelo

botânico brasileiro Frei José Mariano da Conceição Veloso, um dos mais importantes da

época. Durante agosto de 1799 a dezembro de 1801, foram publicados 83 títulos

identificados pela Casa Literária, dos quais 44 são ilustrados com gravuras em cobre

sobre diversos temas, como por exemplo, ciências naturais, economia agrícola,

medicina, saúde pública, arquitetura, astronomia, náutica, ciências exatas, poesia e

belas-artes (BIBLIOTECA NACIONAL, [201-]b).

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Com a vinda da Família Real para o Brasil – Rio de Janeiro – a Biblioteca

Nacional possui 498 matrizes da Casa Literária do Arco do Cego em seu acervo

(BIBLIOTECA NACIONALe, [201-]b).

Figura 7 – Matriz “Dromedario”

Fonte: Biblioteca Nacional.

• 2010 – “Viagem filosófica”: expedição científica de Alexandre Rodrigues

Ferreira nas capitânias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá (1783-

1792)

A coleção Alexandre Rodrigues de Ferreira é uma documentação composta por

desenhos aquarelados de Joaquim José Codina e José Joaquim Freire, produzida pelo

naturalista brasileiro Alexandre Rodrigues Ferreira (PROGRAMA..., 2012).

Esta coleção possui 191 documentos manuscritos e 1.180 desenhos retratando a

natureza, as pessoas e as povoações da Amazônia brasileira no final do século XVIII e é

resultado da viagem que ele empreendeu, por ordem de D. Maria I, pelas capitânias do

Grão Pará, Rio Negro, Mao Grosso e Cuiabá, durante os anos de 1783 e 1792

(PROGRAMA..., 2012). Ferreira foi o responsável por identificar inúmeras espécies da

fauna e flora e por registrar os costumes dos povos indígenas, que hoje desapareceram

ou foram aculturados, reforçando a importância da coleção para a história brasileira. No

acervo da Fundação Biblioteca Nacional há 51 códices e 11 documentos, Além de

outros documentos referentes à expedição que estão localizados no acervo do Museu

Nacional (PROGRAMA..., 2012).

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Figura 8 – Boca Preta: macaco com corda na cintura e Sterculia Chicha

Fonte: PROGRAMA..., 2012.

• 2009 – Manuscritos musicais de Carlos Gomes

Carlos Gomes foi o compositor mais importante de ópera brasileira Sua coleção

destaca-se pelas composições O Guarany, Fosca, Maria Tudor e Salvator Rosa,

destacando-se por seu estilo romântico e em 2009, esse conjunto documental recebeu o

selo do registro do Programa Memória do Mundo (BIBLIOTECA NACIONAL, [20--]a,

[20--]b).

A ópera “O Guarani” sua obra de maior destaque é baseada no homônimo de

José de Alencar e foi o primeiro sucesso de uma obra brasileira no exterior. Iniciou a

composição entre 1867 e 1868, porém só a finalizou em 1870, quando teve sua estreia

no Teatro Alla Scalla de Milão, na Itália Mundo (BIBLIOTECA NACIONAL, [20--]a,

[20--]b).

• 2008 – Carta da Abertura dos Portos

A carta da abertura dos portos as nações amigas foi o primeiro ato do príncipe

regente D. João ao chegar no Brasil. De acordo com este documento, assinado em 28 de

janeiro de 1808, todos os produtos brasileiros – exceto o pau-brasil – podiam ser

exportados mediante pagamento dos impostos e as mercadorias das nações amigas

poderiam ser admitidas na alfândega brasileira (CORREIA, 2014a).

Esta ação já estava prevista na Convenção Secreta de Londres em 1807, entre os

governos português e britânico. A “Carta da abertura dos portos” é um documento

emblemático, pois revela profundas mudanças ocasionadas pelas guerras napoleônicas

no panorama mundial, especialmente nas Américas portuguesa e hispânica (CORREIA,

2014a).

As ações que culminaram na assinatura da carta foram a Batalha de Trafalgar

(1805) travada pela Inglaterra e França, com esta perdendo. Como estratégia adotada em

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revanche, Napoleão impõe o Bloqueio Continental (1806), impedindo dessa forma a

entrada dos produtos da indústria inglesa nos mercados europeus, enfraquecendo a

economia inglesa. Contudo Portugal não aderiu o Bloqueio contra sua parceira

comercial (Inglaterra) e como consequência Napoleão precisou invadir Portugal para

continuar com sua estratégia (CORREIA, 2014a).

Portugal não tinha poder militar suficiente para resistir à França e optou pela

única saída possível, transferir a corte portuguesa para o Brasil, Rio de Janeiro mais

precisamente. A Carta de Abertura dos Portos marcou o início das mudanças nas

relações entre a metrópole portuguesa e a colônia brasileira, propiciando a

diversificação da economia brasileira (CORREIA, 2014a).

Figura 9 – O Guarani (partitura) e Carta da Abertura dos Portos as Nações Amigas

Fonte: Biblioteca Nacional.

4 PROCESSOS DE SELEÇÃO DOS ACERVOS NO PROGRAMA MEMÓRIA

DO MUNDO

Quais os mecanismos e estratégias mais eficientes para distinguir algo que seja

considerado digno de ser preservado em oposição ao que deve ser descartado? Qual a

melhor maneira de proceder? Como estabelecer em acervos critérios para que coleções

ou itens sejam considerados mais importantes que outros para a preservação e

consequentemente para a manutenção da memória coletiva e assim definir prioridades?

Perguntas como essas resumem os grandes desafios dos profissionais que lidam com

essa atividade.

Tentando delinear um caminho para definir como se dará a valoração de itens e

coleções no acervo pensando na preservação destes, Atkinson e Child

(PLANEJAMENTO..., 1997) discutem e buscam definir caminhos possíveis para se

conseguir com êxito tal tarefa.

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Atkinson (PLANEJAMENTO..., 1997) nos aponta que antes de se tomar a

decisão de se preservar esse ou aquele documento, muitas outras decisões foram

tomadas anteriormente, como por exemplo, a decisão de incluir o documento no acervo,

o tipo do seu formato, etc. O autor afirma que:

O desconforto extremo da seleção para a preservação deriva, em

grande parte, da compreensão de que uma decisão negativa, isto é,

uma decisão para a não preservação, representa uma reversão — e em

muitos casos de uma reversão permanente — de uma série de decisões

positivas de preservação tomadas ao longo da história do texto

(PLANEJAMENTO..., 1997, p. 18).

Em outras palavras, decidir pela preservação ou não de um item documental

significa ponderar o passado – decisões que foram tomadas para aquele item até o

presente momento e o futuro, a partir de perguntas que irão estabelecer as necessidades

daquele item chegar às gerações futuras através das decisões tomadas pelos

bibliotecários do presente.

Para que esse processo de tomada de decisão sobre o que deverá sobreviver e o

que não, Atkinson (PLANEJAMENTO..., 1997) propõe um conjunto de etapas,

denominadas por ele como: ciclo de decisões. Que se baseia nos conhecimentos

técnicos, que engloba o conhecimento e a experiência na constituição e condições

físicas e na crítica, que baseia- se no bom senso para saber quais segmentos da coleção

devem ser inspecionados para selecionar e identificar os itens para a preservação.

Atkinson (PLANEJAMENTO..., 1997) ainda estabelece uma tipologia de

preservação muito útil, através de um sistema de deterioração planejada, ou seja, os

itens se deterioram não por negligência, mas por escolha e para tal, propõe a divisão do

acervo em categorias distintas. Cada uma sendo tratada de maneiras diferentes no

processo de seleção para a preservação, desta forma decompõe os materiais de

biblioteca como pertencentes a três classes para a preservação, sendo:

1. Preservação Classe 1: os itens especiais ou únicos, ou seja, aqueles que

possuem grande valor econômico, sem no entanto negar seu valor de pesquisa.

Dentro da Preservação Classe 1, estariam também alocados as coleções de nível

5, ou seja, aquelas onde seu valor decorre da combinação de seus itens enquanto

conjunto.

2. Preservação Classe 2: reuniria itens que são muito procurados pelos usuários e

portanto, muito utilizados.

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3. Preservação Classe 3: composta por materiais de pouca procura e utilização,

considerada pelo autor a mais difícil de avaliar. A dificuldade, neste caso

consiste na dúvida de porque preservar materiais que possuem baixa procura e

como saber se aquele material será importante para as futuras gerações.

As coleções definidas como pertencentes às Classes 1 e 2 para a preservação,

seriam estabelecidas com base na sua importância para o local em que se encontram, é

uma questão de valorizar seu patrimônio. Já para a preservação da classe 3, devem ser

tomadas decisões de âmbito regional ou nacional, apresentando a necessidade de valorar

e salvaguardar os documentos criados internamente no país, vendo-os como herança

para as próximas gerações.

Zamora (2009, p. 2, tradução nossa) afirma que

o patrimônio documental que nos distingue e dá identidade é parte

dessa herança. Os arquivos, bibliotecas, cinematecas, e demais

instituições, são quem salvaguardam grande parte desse tesouro.

Nos acervos da Biblioteca Nacional, selecionados para este trabalho, percebe-se

que o Programa Memória do Mundo opta pela Preservação Classe 1 das coleções. Para

confirmar o que foi demonstrado acima, serão apresentados abaixo os critérios de

seleção da Memória do Mundo ao conferir o selo a uma coleção.

O documento de Diretrizes do Programa Memória do Mundo deixa bem claro

que a avaliação é comparativa e relativa, não podendo medir em termos absolutos a

importância cultural de cada coleção que é inscrita. E como consequência, não há um

ponto fixo para determinar a inclusão ou não de um patrimônio cultural no registro da

Memória do Mundo, e a qualificação dependerá da adequação aos critérios e do

contexto dos demais elementos que já foram inclusos ou rejeitados pelo programa

(UNESCO, 2002).

O primeiro critério é o mais importante para a avaliação da inclusão de uma

coleção no registro da Memória do Mundo.

• Autenticidade: o documento é o que parece? Determinou-se fidedignamente

sua identidade e procedência? Uma vez que cópias, réplicas, falsificações, etc.

podem ser confundidos com documentos autênticos. Alguns exemplos que são

citados são os Diários de Hitler que foram descobertos e resultaram em ser uma

falsificação extremamente elaborada e o documentário “Forgotten Silver”, sobre

um diretor de cinema que nunca existiu (UNESCO, 2002).

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• Único e Insubstituível: este critério se refere ao desaparecimento ou

deterioração de um documento, no qual se constituiria em um empobrecimento

prejudicial para o patrimônio da humanidade. Nesse critério é preciso que o

documento tenha uma importância ao longo de um período do tempo ou em uma

zona cultural específica no globo terrestre, podendo representar um único

gênero, mas não podendo ter outro idêntico a ele, exercendo uma grande

influência, tanto positiva como negativa, no decorrer da história (UNESCO,

2002).

• Tempo, Lugar, Pessoas, Assunto e Tema e Forma e Estilo: esses critérios

cumprem a transcendência mundial, precisando o documento/coleção se

encaixar em um ou mais dos critérios apresentados abaixo. Uma vez que a

importância é comparativa, a melhor forma de ilustrar os critérios é através do

cotejo com elementos dos patrimônios já inscritos (UNESCO, 2002).

1. Tempo: a idade de um documento não o converte em importante, porém

como tudo é um produto de sua época. Podendo evocar alguns documentos

uma mudança social ou cultural, representar um novo descobrimento ou até

mesmo ser o “primeiro de seu tipo” (UNESCO, 2002).

2. Lugar: é um atributo chave o lugar de criação do documento. Podendo

conter informações fundamentais sobre uma localidade importante na

história e na cultura mundial ou local, além da localização em si poder ter

exercido uma influência decisiva em algum acontecimento ou fenômeno que

fora representados pelo documento. Pode descrever entornos físicos, cidades

ou instituições desaparecidas desde então (UNESCO, 2002).

3. Pessoas: contexto social e cultural da criação do documento pode refletir

aspectos significativos do comportamento humano, além de ou

circunstâncias sociais, industriais, artísticas ou políticas. Podendo captar

grandes movimentos, transições, avanços ou regressões; mostrando a

influência de indivíduos ou grupos chave (UNESCO, 2002).

4. Assunto e Tema: se refere “aos fatos históricos ou intelectuais concretos

relacionados com as ciências naturais, sociais e humanas, a política, a

ideologia, o esporte e a arte” (UNESCO, 2002, p. 29).

5. Forma e Estilo: se refere ao documento poder possuir um valor estilístico ou

linguístico importante. Podendo o exemplar ser um típico ou chave de um

tipo de apresentação, costume ou meio, ou de um suporte ou formato

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desaparecido ou em vias de desaparição. Um exemplo são os manuscritos

medievais iluminados, manuscritos em folhas de palmeiras e formatos de

gravações em vídeo ou sonoras que tem se deixado de usar.

• Raridade, Integridade, Ameaça e Plano de Gestão:

1. Raridade: refere-se à natureza do material ou do seu conteúdo se eles se

convertem em um exemplar raro sobrevivente de sua época ou categoria.

2. Integridade: refere-se às limitações físicas naturais do documento, em

relação à perdurabilidade do suporte: se ele se conserva completa ou

parcialmente, e foi alterado ou danificado.

3. Ameaça: refere-se à perdurabilidade (ao documento estar em risco), se está

seguro, se deve estabelecer um serviço de vigilância para manter a

segurança do mesmo.

4. Plano de Gestão: refere-se à existência de um plano adequado à importância

do patrimônio com estratégias adequadas para a sua preservação e acesso

pelo público. Como plano de gestão adequado, pressupõem a menção das

políticas e procedimento de acesso e preservação, estabelecimento de

orçamento para a conservação, enumeração das competências e instalações

disponíveis em matéria de conservação, explicação de como mantê-las,

prestaria atenção detalhada ao entorno físico do material (por exemplo,

qualidade do ar, temperatura e umidade, disposição, segurança) e incluiria

uma estratégia de preparação antes possíveis catástrofes.

Pode-se observar que os documentos apresentados neste trabalho do acervo da

Biblioteca Nacional se encaixam em muitos destes critérios, tendo importância mundial

e local para história brasileira.

Por essa razão Zamora (2009, p. 2, tradução nossa) afirma que:

Para conseguir o reconhecimento do patrimônio documental da

nossa região é necessário aumentar as atividades de preservação,

tais como: aumentar a consciência sobre o valor das coleções

documentais, estabelecer seções de conservação nas instituições,

fomentar programas para a formação de uma equipe qualificada,

promover a investigação, adotar normas, programas

cooperativos, congressos, conferências e publicações tanto

impressas como eletrônicas sobre o tema.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Podemos observar que a preservação pode ser vista como um instrumento de

memória, uma vez que existe a implantação de estratégias e medidas que auxiliam a

conservar documentos, objetos e monumentos que possuem sua historicidade

comprovada como de grande importância para a memória da humanidade como

propõem o Programa Memória do Mundo.

Tanto Zamora (2009) como Child (PLANEJAMENTO..., 1997) concordam que

outros objetos além de livros devem ser preservados, tais como materiais arquivísticos,

fotografias, filmes e registros sonoros. São monumentos que contam a história do

mundo e que carregam lembranças capazes de suscitar a memória dos povos, contam

episódios de outras épocas e podemos ver essa diversidade de suportes nas coleções da

Biblioteca Nacional que foram selecionadas pelo Programa Memória do Mundo.

Para Le Goff (1984, p. 526) a preservação é tão importante, pois ela permite

salvaguardar monumentos com grande valor intrínseco, uma vez que

o monumento tem como característica o ligar-se ao poder de

perpetuação, voluntária ou involuntária, das sociedades históricas (é

um legado à memória coletiva) e o reenviar testemunhos que só numa

parcela mínima são testemunhos escritos.

Zamora (2009) ainda avança sobre os demais autores, devido ao seu tempo, pois

aponta para a necessidade de preservar além dos documentos criados no passado, os

criados no presente incluindo os documentos digitais. Dessa forma podemos verificar

que o Programa Memória do Mundo segue a mesma linha de pensamento que estes

autores, pois no programa da UNESCO qualquer material que tenha uma importância

histórica forte, é preservado para que esse conhecimento possa ser perpetuado por eras,

dando importância as coleções de Preservação Classe 1.

Cabe-nos levar para as futuras gerações aquilo de mais representativo das nossas

coleções atuais, a partir dos valores que temos no momento da seleção desses materiais,

e deixar que o futuro julgue se tomamos a decisão correta. Além de estar consciente de

questões sobre a censura de materiais e a autocensura, para que as escolhas não sejam

feitas de acordo com as preferências pessoais e que a seleção de documentos ocorra

visando abarcar todas as tendências que, mesmo as contrarias ao pensamento do

profissional. Pois com diz Zamora (2009, p. 3, tradução nossa) “em um mundo tão

confuso como o que estamos vivendo devemos ter tempo para conservar os documentos

que definem nossas raízes, nosso passado e nossa existência”.

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